GETH Newsletter Volume 07 Número 09 21 de abril de 2009 Adenomas Serreados e Câncer Colorretal GETH Newsletter é uma publicação semanal distribuída aos sócios do Ligia Petrolini de Oliveira Bióloga, Curso de Pós-graduação da Fundação Antônio Prudente Grupo de Estudos de Tumores Hereditários Sede R José Getúlio, 579 cjs 42/43 Aclimação São Paulo - SP CEP 01503-001 O câncer colorretal (CCR) é um dos melhores exemplos do processo evolutivo da carcinogênese tumoral, o qual demonstra o envolvimento de uma série de mutações ou de mudanças na expressão gênica de maneira ordenada e seqüencial. Este processo molecular evolutivo também é descrito como demonstrando uma estreita correlação com os aspectos morfológicos. O modelo histológico clássico na carcinogênese colorretal considera a transição de uma célula normal até o carcinoma como uma seqüência de E-mail [email protected] alterações genéticas em genes críticos que controlam a proliferação e a morte Site http://www.geth.org.br desenvolvimento do CCR é decorrente de mutações que inativam o gene da celular. Fearon e Volgestein demonstraram que o evento genético inicial no polipose adenomatosa colônica (APC), considerado um gene supressor de Editores Erika Maria Monteiro Santos Ligia Petrolini de Oliveira tumor. Os autores especularam que este único gene serve como “gatekeeper” da proliferação epitelial.1,2 As aberrant crypt foci (ACFs), consideradas como prováveis lesões préneoplásicas do CCR, foram primeiramente descritas em roedores, causadas Diretoria pela exposição à carcinógenos e têm sido extensivamente caracterizadas em Presidente humanos em duas categorias: tipo hiperplásica e tipo displásica.3 Os pólipos Benedito Mauro Rossi hiperplásicos (PHs) e as ACFs são morfologicamente idênticas diferenciando- Vice-Presidente Erika Maria Monteiro Santos se apenas pelo tamanho da lesão. O PHs e os adenomas são os pólipos mais freqüentes do cólon e do Diretor Científico reto. Os PHs são responsáveis por 30% de todos os pólipos colorretais. Gilles Landman Geralmente são pequenos (menores de 0,5 cm), tendem a estar localizados Secretário Geral na porção distal do intestino grosso e, até recentemente, eram considerados Fábio de Oliveira Ferreira como lesões benignas, sem tendência a se tornarem neoplasias malignas. Por Primeira Secretária outro lado, os adenomas são neoplasias que servem como precursores de Ligia Petrolini de Oliveira Tesoureiro Wilson Toshihiko Nakagawa quase todos os CCR. Adenomas serreados e pólipos mistos (adenomatosos e hiperplásicos) são lesões relacionadas aos pólipos hiperplásicos, mas que apresentam Adenomas Serreados e Câncer Colorretal displasia, e por isso também são considerados como agrupados em três grupos que foi dependente da precursores do adenocarcinoma colorretal. quantidade de mucina e células caliciformes presentes Uma nova entidade relacionada aos PHs foi nestes: pólipos microvesiculares, pólipos com intensa descrita recentemente e foi designada de adenoma quantidade de células caliciformes (pólipos de células séssil serreado ou pólipo séssil serreado. Até o caliciformes) e pólipos pobres em mucina. Quando momento, a grande maioria dos pólipos serreados os autores agruparam os pólipos por localização e eram diagnosticados como PHs clássicos e tratados aspecto de proliferação, os pólipos anormais tanto do como uma lesão benigna sem particularidades. lado direito quanto esquerdo e os pólipos normais Torlakovic et al.4 já tinham tentado anteriormente do lado direito se agruparam juntos. Já os pólipos demonstrar que os PHs não deviam ser colocados em com proliferação normal e que são localizados no um conjunto único de diagnóstico, mas sim fazendo lado esquerdo, se agruparam distintamente. Os parte de um espectro de lesões. Em um primeiro pólipos designados como de proliferação anormal momento foram investigados os PHs relacionados à demonstraram uma diminuição na expressão das Polipose Hiperplásica, uma síndrome definida pela proteínas MLH1 e MSH2 por imunoistoquímica presença de numerosos PHs no intestino grosso e quando comparados com os pólipos serrilhados com reto, que em alguns casos estava associada ao CCR.4 proliferação normal. Torlakovic et al.5 demonstraram que em sua Como conclusão deste estudo, os autores casuística os casos que apresentavam associação com sugeriram uma nova classificação para os pólipos o CCR demonstravam PHs com aspecto morfológico serreados conforme descrito na Tabela 1. Além distinto daqueles que não continham associação com disso, propuseram que os pólipos serreados com câncer e também apresentavam um tamanho maior. proliferação anormal, denominados de adenomas Mais recentemente, os mesmos autores estudaram sésseis serreados (ASS), os quais apresentam os PHs esporádicos avaliando 24 parâmetros diminuição da expressão das proteínas MLH1 e morfológicos em 289 pólipos serrilhados e realizando MSH2, façam parte da progressão do CCR através da estudo imunoistoquímico para MLH1 e MSH2 em um via de Instabilidade de Microssatélites (MSI). grupo de lesões.5 A grande diferença entre os pólipos Sabe-se que 15% dos CCRs demonstram MSI, que serreados foi observada entre aqueles localizados no é causada pela inativação de genes de reparo do DNA lado direito contra os localizados no lado esquerdo resultando em uma função ineficiente de reparo de do cólon. pareamento de bases durante a replicação do DNA. Os pólipos serreados foram agrupados em pólipos Isso conduz em uma mudança relativamente freqüente que demonstravam uma proliferação anormal ou das repetições de pares de nucleotídeos monobase normal, dependente de certos critérios morfológicos ou dibase espalhados no DNA (denominados estabelecidos. Como resultado, a maioria daqueles Microssatélites), causando inserção ou deleção das com proliferação anormal se localizavam no cólon unidades repetitivas, fenômeno chamado de MSI ou direito. Foram considerados pólipos de proliferação erro de replicação positivo (RER+). anormal aqueles que demonstravam aspecto Jass propôs uma via de progressão do CCR chamada proliferativo, definidos como escassez em mucina, de via serreada, caracterizada pela carcinogênese aspecto imaturo das criptas, discreta pseudo- colorretal tendo como lesão precursora as lesões estratificação, assimetria das células nas criptas e serreada e a presença de MSI.6,7 O aspecto morfológico relativo aumento no raio núcleo/citoplasma. Os da lesão inicial ainda não está bem estabelecido, pólipos com proliferação normal também foram pois apenas poucos estudos foram realizados no GETH Newsletter 2009 Volume 07 Número 09 Adenomas Serreados e Câncer Colorretal Tabela 1 - Sugestão para a nova classificação dos pólipos serrilhados, segundo Torlakovic et al.5 Classificação Descrição Observação PH tipo microvesicular (PHMV) Aspecto serrilhado, séssil, presença de mucina de aspecto vesicular com escassas células caliciformes PH tipo células caliciformes (PHCC) Séssil, mínimo aspecto serrilhado, presença de criptas alongadas com grande quantidade de células caliciformes PH tipo pobre em mucina (PHPM) Séssil, presença de pouca ou nenhuma mucina, aspecto Padrão de atipia sugere alterações regeneserrilhado, células pequenas com escasso citoplasma e rativas com certa atipia nuclear Não encontrado no cólon direito Adenoma serreado (AS) Usualmente pedunculado, serrilhado, mas com atipia nuclear focal e freqüente pseudo-estratificação PH “clássico” Localização incomum no lado direito “Mucosa hiperplásica” Aspecto observado próximo a tumores Geralmente localizados no cólon esquerdo Encontrado tanto no cólon direito quanto esquerdo intuito de se definir qual a progressão desta via de Para avaliação de CIMP geralmente são utilizados carcinogênese. Há também a necessidade de associar no mínimo cinco loci para o estudo de metilação. aspectos morfológicos e aspectos moleculares para Quando nenhum dos loci apresenta positividade o melhor definição destas lesões. Alguns estudos resultado é considerado como negativo; se apenas um moleculares foram realizados até o momento nos locus apresentar-se positivo o resultado é chamado pólipos serrilhados, mas todos associados ao DNA de CIMP low; e se dois ou mais loci se apresentarem genômico e estudos imunoistoquímicos. positivos para metilação, o CIMP é considerado high, Jen et al.8 observaram mutação no gene K-ras em 30% dos PHs, mas sem correlação definida com a localização destes pólipos ou tipo de proliferação. Outro estudo demonstrou mutação no gene Braf em 75% dos pólipos designados de adenomas sésseis similar a classificação de MSI low e high. Os autores descreveram que localização do pólipo no intestino grosso e o subtipo histológico são os principais fatores associados com a variação em CIMP e com o perfil de mutação no gene K-ras nos PHs. serreados, 25% dos adenomas serrilhados, 19% dos Os pólipos denominados de sésseis serreados O gene K-ras com proliferação anormal, os mesmos descritos PHs e 0% dos adenomas clássicos. 9,10 também se encontra mutado em adenocarcinomas por Torlakovic et al.5 do cólon. Os genes Braf e K-ras fazem parte da via de freqüentemente CIMP positivos ou CIMP high e esta sinalização das MAP kinases que controla resposta associação era independente de sua localização no das células aos sinais de proliferação. O’Brien et al. 11 intestino grosso. Os pólipos do subtipo microvesicular também avaliaram um defeito recentemente descrito demonstraram ser CIMP high quando localizados no em CCR e freqüentemente associado aos tumores cólon direito ou quando eram volumosos. Os pólipos MSI positivos, que é a presença de metilação de do subtipo de células caliciformes se mostraram citosinas nas ilhas CpGs, além da associação desta localizados principalmente no reto e demonstraram com mutações no gene K-ras nos pólipos serrilhados. uma alta freqüência de mutação no gene K-ras, mas O fenótipo metilador das ilhas CpGs (CIMP) no CCR é infreqüente associação com CIMP.11 9 caracterizado pela metilação de múltiplas ilhas CpGs principalmente em genes supressores de tumor, como por exemplo nos genes p16, MLH1, MGMT e THBS1. como ASS, eram mais O termo adequado para os PHs ainda não está definido já que novos estudos são necessários para uma melhor caracterização destas lesões, mas é GETH Newsletter 2009 Volume 07 Número 09 Adenomas Serreados e Câncer Colorretal evidente que estas lesões não podem ser consideradas 2. como fazendo parte de um mesmo diagnóstico. characteristics of aberrant crypt foci in human colorectal Os pólipos sésseis serreados ou e os pólipos microvesiculares, localizados no lado direito do cólon e/ou volumosos, parecem ser as lesões precursoras Nucci, M.R., et al., Phenotypic and genotypic mucosa. Hum Pathol, 1997. 28(12): p. 1396-407. 3. Hayashi, T., et al., Pathogenesis of hyperplastic polyps of the colon: a hypothesis based on ultrastructure and in vitro cell kinetics. Gastroenterology, 1974. 66(3): p. dos adenocarcinoma colorretais associados à via de 347-56. carcinogênese de padrão serrilhado, demonstrando 4. Torlakovic, E., et al., Morphologic reappraisal of presença de MSI e metilação do DNA nas ilhas CpGs e, portanto, deveriam ser tratados como os adenomas clássicos, também considerados como serrated colorectal polyps. Am J Surg Pathol. 2003 Jan;27(1):65-81. 5. Jass, J. R., Serrated route to colorectal cancer: back street or super highway? J Pathol. 2001 lesões precursoras do CCR. Já os pólipos serreados Mar;193(3):283-5. pequenos e localizados no cólon esquerdo com 6. Jen, J., et al., Molecular determinants of dysplasia aspecto microvesicular ou com um abundante número de células caliciformes são lesões que apresentam mutação no gene K-ras similares as ACFs e, como estas, podem ser considerados como lesões precursoras do CCR “clássico”, ou seja, relacionadas ao CCR com passos da carcinogênese descritas por Fearon e Volgestein ou mesmo serem consideradas in colorectal lesions. Cancer Res, 1994. 54(21): p. 5523-6. 7. Wong, W.M., et al., Histogenesis of human colorectal adenomas and hyperplastic polyps: the role of cell proliferation and crypt fission. Gut, 2002. 50(2): p. 212-7. 8. Kambara, T., BRAF mutation is associated with DNA methylation in serrated polyps and cancers of the colorectum. Gut. 2004 Aug;53(8):1137-44. apenas marcadores de um terreno propício para o 9. Davies, H., et al., Mutations of the BRAF gene in human desenvolvimento de um adenocarcinoma esporádico cancer. Nature, 2000, 417: 949-954. do cólon esquerdo, já que epidemiologicamente, 10. Li, W.Q., et al.,BRAF mutations are associated with a presença destes está associada a pacientes com aumento no risco do desenvolvimento de CCR. distinctive clinical, pathological and molecular features of colorectal cancer independently of microsatellite instability status. Mol Cancer. 2006 Jan 10;5:2. 11. O’Brien, M. J., et al., Hyperplastic (serrated) polyps Referências of the colorectum: relationship of CpG island methylator phenotype and K-ras mutation to location and histologic subtype. Am J Surg Pathol. 2004 Apr;28(4):423-34. 1. Kinzler, K.W. and B. Vogelstein, Lessons from hereditary colorectal cancer. Cell, 1996. 87(2): p. 159-70. GETH Newsletter 2009 Volume 07 Número 09