BIODIVERSIDADE E PRODUTIVIDADE EM PASTAGENS. Carlos

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BIODIVERSIDADE E PRODUTIVIDADE EM PASTAGENS.
Carlos Nabinger1
Miguel Dall’Agnol2
Paulo César de Faccio Carvalho3
1. Introdução.
Biodiversidade subentende a coexistência de diferentes seres vivos num
ecossistema. Sua riqueza é estabelecida pela interação destes seres com as condições
edafoclimáticas predominantes ao longo do tempo. Mas, a intervenção humana afeta
diretamente o equilíbrio estabelecido entre estes componentes bióticos e abióticos do
ecossistema podendo alterar esta riqueza. De um modo geral o homem, ao utilizar a
natureza para construir agroecosistemas em substituição aos ecossistemas naturais, não tem
considerado as necessárias inter-relações existentes nestes últimos, e sua importância na
manutenção do equilíbrio ambiental regional. A atual degradação massiva dos habitats e a
extinção de espécies têm reduzido de forma assustadora esta biodiversidade e numa escala
de tempo extremamente curta, como nunca se registrou anteriormente mesmo quando da
ocorrência de catástrofes globais naturais. Vale lembrar que a atual escalada de
desequilíbrio ambiental teve seu início há menos de 70 anos. Dados paleontológicos
revelam que a recuperação dos ecossistemas globais a partir das grandes catástrofes
necessitou milhões ou mesmo dezenas de milhões de anos (Novacek e Cleland, 2001). A
conseqüência da atual devastação é difícil de ser projetada com base naqueles dados do
passado porque o processo degradativo é diferente e mais rápido, mas, certamente, irá
alterar profundamente a futura evolução da biota do planeta e comprometer a própria
existência humana. Desta forma, a intervenção do homem, o verdadeiro agente da atual
crise, é absolutamente necessária e urgente para tentar reverter, ao menos parcialmente o
atual quadro ou, no mínimo manter a biota atual.
Muitos esforços envidados para a mitigação dos efeitos da redução da
biodiversidade, mas, por inúmeras razões, não têm surtido os efeitos esperados. As causas
disto incluem insuficiente informação sobre diversidade e distribuição de espécies, sobre
os processos ecológicos e sobre a magnitude e interações entre as diversas formas de
ameaças à biodiversidade (poluição, colheita excessiva, mudança climática, alteração dos
ciclos biogeoquímicos, introdução ou invasão de espécies, perda e fragmentação de
habitats, interrupção da estrutura de comunidades dentro dos habitats, etc.).
O ecossistema pastoril representa um caso particular de biodiversidade, pois a
herbivoria determinou processos de co-evolução extremamente importantes para a riqueza
em seres vivos, dos quais as plantas, normalmente são os elementos mais sensíveis e
indicadores da condição de co-existência dos seres vivos com seu ambiente físico. No
entanto, outros elementos, como o restante da fauna, meso e microfauna, assim como a
microflora, associados às pastagens, são igualmente importantes, embora não tenham
recebido a mesma atenção que a pesquisa tem destinado à macro-fauna e às plantas
superiores. A ação antrópica tem reduzido de modo assustador a riqueza biológica do
1
Eng. Agr., Dr., Prof. Adjunto, Depto. Plantas Forrageiras e Agrometeorologia da UFRGS, Porto Alegre,
RS. E-mail: [email protected]
2
Eng. Agr., Dr., Prof. Adjunto, Depto. Plantas Forrageiras e Agrometeorologia da UFRGS, Porto Alegre, RS
3
Zootecnista, Dr., Prof. Adjunto, Depto. Plantas Forrageiras e Agrometeorologia da UFRGS, Porto Alegre,
RS
planeta e, neste sentido, os ecossistemas pastoris são, provavelmente, os mais afetados. A
expansão das fronteiras agrícolas para a produção de grãos, celulose, e até mesmo produto
animal (pastagens cultivadas), tem aumentado de forma exponencial a pressão sobre estes
ecossistemas. Sua substituição para estes outros usos tem sido realizada sem maior cuidado
em relação ao papel que a diversidade aí existente até então desempenha no equilíbrio
ambiental de regiões inteiras. Uma quantificação desta substituição pode ser feita em
relação ao decréscimo havido no Brasil com as áreas de pastagens naturais. Enquanto a
áreas de pastagens nativas decresceu de 125 milhões de ha, em 1975, para 68 milhões de
ha, em 1995-96, a área de pastagens cultivadas passou de 40 milhões para 100 milhões de
ha no mesmo período (IBGE). Valle et al. (2003) relataram que a maior parte das
pastagens cultivadas do Brasil, em torno de 85% é composta por apenas dois gêneros
(Brachiaria e Panicum), o que representa uma estreita base genética.
As ações concebidas para gerenciar a biodiversidade se apóiam ainda sobre
conhecimentos parciais, tanto no plano dos componentes biológicos a preservar quanto dos
meios e ações a colocar em prática. As vantagens e os inconvenientes da biodiversidade,
sob todas suas formas, devem ser mais bem avaliados. Por exemplo, alguns metabólitos
secundários presentes em espécies vegetais que são muitas vezes consideradas indesejáveis
por serem pouco consumidas, devem ser identificados com mais precisão e seu papel na
qualidade do produto animal deve melhor ser conhecido, antes de qualquer decisão sobre
sua eliminação. Da mesma forma, o papel que estas espécies representam na ciclagem de
nutrientes ou no favorecimento da disseminação de espécies desejáveis via proteção ao
pastejo (por exemplo, plantas espinhosas) também necessitam ser conhecidos. Melhor
conhecimento sobre o comportamento alimentar e espacial dos herbívoros domésticos em
situação heterogênea também é necessário para um melhor manejo das pastagens com fins
produtivos e também conservativos do ambiente. Enfim, a construção de modelos
demográficos deveria permitir determinar as fases mais sensíveis às práticas antrópicas e
definir assim, as modalidades de intervenção melhor adaptadas para influir sobre a
dinâmica das espécies e, por conseqüência, sobre sua diversidade.
A intenção deste artigo é abordar os aspectos de biodiversidade ligados à
exploração pastoril, com ênfase no bioma Campos Sulinos. Apesar de extremamente
ameaçado, ainda constitui um relicto importante de biodiversidade e sobre o qual a
pesquisa tem procurado entender melhor seu funcionamento e gerar informações que
possam ser úteis na mitigação dos efeitos que as pressões acima enumeradas tem exercido,
além, evidentemente, de determinar os reais potenciais de produção animal deste
ecossistema.
2. Definição de biodiversidade.
Três tipos de biodiversidade devem ser considerados num ecossistema pastoril:
taxonômica, ecológica e funcional.
Diversidade taxonômica refere-se à natureza e abundância de espécies. Uma certa
diversidade taxonômica pode conferir uma maior resistência à invasão por espécies
indesejáveis, em relação a uma pastagem composta por um pequeno número de espécies.
Além do mais, a diversidade entre comunidades permite conservar um potencial florístico
diversificado ao nível de região. Esta diversidade poderia então facilitar as mudanças de
composição florística de uma determinada área por simples migração, via disseminação de
propágulos. O controle da herbivoria visa então um duplo objetivo: a colheita de biomassa,
mas também uma mudança ou manutenção da composição botânica. Outras práticas de
manejo mais drásticas como a roçada ou a aplicação de herbicidas seletivos visando
eliminar espécies indesejáveis podem estar contribuindo para a redução da diversidade
taxonômica, com efeitos negativos para o ecossistema se não se levar em conta as
diferentes funções que estas cumprem no ecossistema. Além do mais, estudos recentes têm
demonstrado que uma vegetação contendo representantes de várias famílias botânicas,
como as compostas, as rosáceas e as umbelíferas, por exemplo, produz uma forragem
contento mais metabólitos secundários, particularmente mais terpenos, que uma pastagem
composta unicamente de gramíneas e de leguminosas (Jeangros et al., 1999). Os efeitos
destes compostos no organismo animal são ainda mal conhecidos, mas se sabe, entretanto,
que alguns deles são encontrados nos produtos lácteos com boas características de
qualidade/alto valor gastronômico (Bosset et al., 1999). Segundo Dorioz et al. (2000), a
existência de uma relação entre diversidade florística e riqueza aromática de certos queijos
mostra que a diversidade taxonômica poderia ser uma das questões chave para a
caracterização de áreas produtoras de produtos diferenciados, como é o caso dos selos de
Identificação Geográfica ou de Denominação de Origem.
Diversidade específica refere-se ao número de espécies e sua abundância relativa
numa área definida. A medição da diversidade incorpora tanto a riqueza (S, número de
plantas de um espécie numa comunidade) como a equitabilidade (J, uma estimativa da
distribuição das espécies dentro de uma comunidade). Uma comunidade é perfeitamente
equitavel se todas as espécies presentes tem um número de indivíduos igual e são todos de
mesmo tamanho. Vários índices combinam estes dois fatores para medir diversidade em
comunidades de plantas. Os índices mais comumente utilizados incluem o Índice de
Shanon-Wiener (H’), o Índice de diversidade de Simpson e o índice de equitabilidade de
Pielou (J’). Revisões bastante adequadas sobre estes e outros índices são apresentadas por
Peet (1974) e Magurran (1988).
Diversidade ecológica diz respeito às relações entre características do habitat e a
composição em espécies, sobretudo as variações em abundância. Uma descrição apenas
taxonômica, embora revele a diversidade florística, não permite identificar com clareza as
razões da mesma existir. Conforme demonstrado por vários estudos, as pastagens naturais
podem ser classificadas em função da intensidade das práticas de exploração, mais
precisamente, segundo o nível de fertilidade do solo e a intensidade de utilização (Duru e
Hubert, 1991). São então estes dois fatores que governam as características das pastagens
naturais e a estrutura das pastagens de gramíneas. Estes modelos permitem uma
classificação grosseira das vegetações pastoreadas num certo número de tipos que depende
da diversidade das pastagens e dos objetivos buscados. Esta classificação pode ser
realizada tanto em pastagens de áreas planas como nas de montanha, adaptando a
intensidade das práticas às condições climáticas locais. Indicadores como a condição
nutricional e a altura da vegetação permitem realizar esta classificação independentemente
dos lugares considerados. As pastagens naturais em áreas de maior fertilidade do solo
apresentam um número reduzido de espécies em razão da forte competição que ocorre
entre elas, sobretudo pela luz. As espécies que apresentam maior aptidão para a captura dos
recursos são dominantes. Uma característica maior destas espécies é a de possuir uma
elevada área específica das folhas (Berendse et al., 1992; Van der Werf et al., 1993).
Inversamente, quando o nível dos recursos minerais é baixo, um maior número de espécies
podem cohabitar, ainda que elas apresentem pouca capacidade de conservar os recursos.
Neste sentido, as espécies desenvolvem adaptações, por exemplo, da duração de vida das
folhas, tempo de residência dos minerais (N e P) e folhas mais longas (Aers e van der
Reijl, 1993). As espécies conservadoras de recursos (baixo crescimento relativo)
apresentam teores de lignina e de celulose (hemicelulose) mais elevados (Poorter e
Bergkootte, 1992), sendo também mais ricas em metabólitos secundários. Peeters e Jansens
(1998) demonstram que as maiores riquezas florísticas são observadas nos ambientes
pobres em fósforo. Deste modo, aplicações deste nutriente em ambientes naturais pode
reduzir o número de espécies, embora isto possa ser compensado pelo aumento da
freqüência de espécies de melhor qualidade, conforme foi verificado por Barcellos et al.
(1980) nos campos da região da Campanha do RS, onde houve aumento da participação de
Paspalum dilatatum e Trifolium polymorphum. Do mesmo modo, Gomes (1996) também
encontrou um aumento na freqüência de Desmodium incanum em uma área da Depressão
Central que foi modificada pela adubação e calagem.
A diversidade florística de uma comunidade é influenciada pelas condições
naturais, mas a intensidade de sua utilização desempenha um papel determinante. Nas
pastagens naturais utilizadas intensivamente, o número de espécies raramente é superior a
20. Para pastagens semi-intensivas este número geralmente está compreendido entre 20 e
30, entre 30 e 50 em pastagens pouco intensivas, e superior a 50 nas pastagens utilizadas
de modo extensivo. Portanto, é com estes dois últimos tipos que se pode verdadeiramente
falar de diversidade. No sul do Brasil, Girardi-Deiro e Gonçalves (1987) e Boldrini (1993)
colocam em evidência a diminuição do número de espécies com o aumento na intensidade
de pastejo. Por outro lado, em situações onde a competição por luz é importante, a
diversidade específica pode inicialmente aumentar com a freqüência de desfolha.
Diversidade funcional, por sua vez, leva em conta características morfológicas e
fisiológicas que agrupam indivíduos com características comuns. Estas características são
próprias a cada espécie e independentes das condições do meio. A descrição da diversidade
funcional permite agora passar de uma abordagem descritiva da vegetação, baseada na
identificação de espécies, a uma abordagem funcional, fundada nas características
morfológicas ou ecofisiológicas, permitindo reagrupar as espécies que apresentam as
mesmas características ou traços funcionais (Weiher et al., 1999; Sosinski Jr. e Pillar,
2004; Duru et al., 2005). Conhecendo as estratégias de adaptação a diferentes combinações
de fatores, torna-se então possível deduzir sobre as características agronômicas das
comunidades, sem fazer necessariamente referência às espécies, uma vez que as estratégias
são independentes das situações de paisagem, solo, etc..., contrariamente às espécies.
A descrição funcional da diversidade da vegetação está baseada na pressuposição de
que predições do funcionamento de ecossistemas vegetais podem ser feitas através do
conhecimento e da descrição de funções ao nível do organismo (Keddy 1992; Weiher et al.
1999; Chapin et al. 2000). Estas funções podem ser medidas diretamente ou através do uso
de “marcadores de funções”, que são atributos funcionais. Estes tem duas propriedades
básicas:(a) uma forte relação (mecanística ou correlativa) com a função considerada (p.
ex.: crescimento) e (b) sua medida em um grande número de espécies é simples. O uso
destes atributos em estudos de vegetação permite agrupar as espécies em “Tipos funcionais
de plantas”, que são grupos de espécies tendo funções semelhantes no ecossistema pastoril
e identificados por atributos comuns. Estes podem ser classificados em “grupos de
resposta” (espécies com resposta comum a fatores ambientais) e “grupos de efeito”
(espécies apresentando o mesmo efeito sobre as funções do ecossistema) (Lavorel et al.
1997; Díaz e Cabido 2001; Lavorel et al., 2002).
Estudos ecofisiológicos (Reich et al., 1997, Poorter e Garnier, 1999) identificaram
alguns destes “marcadores de funções” quanto a estratégias de crescimento (captura ou
conservação de recursos) e sua aplicabilidade a campo tem sido confirmada por vários
autores (Garnier et al., 2001 ; Ansquer et al., 2004 ; Al Haj Khaled et al., 2005). Outras
funções podem ser descritas por atributos de plantas (Westoby 1998; Weiher et al. 1999),
mas muitos destes precisam ser testados, em condições de campo. Quadros et al. (2006)
propõem o uso de atributos funcionais para diagnóstico do manejo e da dinâmica de
pastagens naturais do sul do Brasil, enquanto Nabinger (2006) os utiliza como parte de um
modelo conceitual de funcionamento produtivo deste mesmo tipo de pastagem.
3. Manejando a biodiversidade.
O grande papel desempenhado pelos herbívoros em pastejo na conservação da
biodiversidade de pastagens permanentes é o de desenvolver a heterogeneidade vegetal
tanto do ponto de vista florístico como estrutural. A condução do pastoreio pode então
levar esta heterogeneidade a um nível considerado desejável. Naturalmente deve-se
primeiramente considerar os objetivos que se deseja atingir, antes de determinar a forma de
intervenção no sistema pastoril. Assim, por exemplo, se o objetivo para otimização e
sustentabilidade da produção animal, o interesse será a maximização da produtividade
primária através de uma composição florística tal que os recursos disponíveis do meio
(naturais e/ou os inputs aplicados) sejam mais bem utilizados, tais como a radiação solar,
água e nutrientes. Paralelamente, a transformação da biomassa produzida, em produto
animal também deve ser otimizada e a escolha do tipo de animal (espécie, raça, tamanho) e
sua densidade (lotação) em relação à disponibilidade de forragem também devem ser
considerados. Mas, outros objetivos podem ter maior prioridade, tais como a manutenção
da paisagem (ligado a aspectos humanos culturais), a manutenção de determinada fauna,
mais do que a flora, a utilização de espécies e/ou raças animais que reflitam as práticas
locais tradicionais, etc. Estes diferentes cenários podem então requerer condutas
alternativas de manejo para atingir os objetivos pretendidos.
Provavelmente o mecanismo mais importante através do qual o animal atua sobre a
heterogeneidade é através da desfolha seletiva, a qual resulta de suas preferência entre
espécies e entre partes da planta dentro da espécie. Isto altera a capacidade competitiva
entre espécies tanto por remoção direta da fitomassa quanto pela alteração do ambiente
luminoso e da competição por nutrientes do solo (Bullock e Marriot, 2000; Rook e
Tallowin, 2003). Um segundo mecanismo imposto pelos animas é o pisoteio, que pode
criar nichos para o estabelecimento de novas espécies, tanto pela ação mecânica de
destruição de uma espécie em particular como pela própria diminuição da densidade
aparente do solo, que cria condições para a substituição por espécies mais adaptadas a esta
condição. Um terceiro mecanismo é a reciclagem de nutrientes, sobretudo através de seu
efeito de concentração de nutrientes nas fezes e urina, criando “patches” e mesmo zonas
inteiras (locais de concentração dos animais perto de aguadas, sombra e proteção) (Hirata
et al., 1987; Braz et al., 2003) com alta disponibilidade de nutrientes, o que altera as
relações de competição entre espécies, privilegiando, nestes locais aquelas mais aptas a
utilizarem este recurso. Isto ainda é acentuado pelo fato dos bovinos, em particular, não
pastejarem perto destas deposições, afetando a escolha da dieta, o que, em conjunto, afeta a
heterogeneidade (Illius e Gordon, 1993; Crowell-Davies et al., 1985). Os animais em
pastejo também afetam a dispersão de propágulos, que pode ser tanto por endozoocoria
(passagem pelo trato digestivo) como por exozoocoria (propágulos transportados no pêlo
ou mesmo nas patas dos animais) (Rook e Tallowin, 2003). Naturalmente, quando os
propágulos são as sementes, este efeito depende da possibilidade que é permitida às plantas
de florescerem e produzirem sementes. Isto pode resultar tanto de um ajuste da carga
animal que permite uma baixa freqüência de pastejo das plantas individuais durante o
estádio fenológico do florescimento e maturação das sementes seja por práticas de
exclusão dos animas da área (lotação rotacionada ou diferida).
O efeito direto do pastejo na estrutura e composição da comunidade vegetal
determina um efeito secundário sobre a diversidade da fauna tanto pela alteração na
abundância de alimento como pela manutenção ou criação de sítios de proteção para
reprodução (Vickery et al., 2001). Outro efeito secundário da mudança na estrutura e na
heterogeneidade florística é a alteração no comportamento do pastejo em conseqüência
destas alterações, que pode levar ao consumo de espécies antes não consumidas ou pouco
consumidas, e aumentando a produtividade animal conforme verificado por Aguinaga
(2004) e Soares et al. (2005). Estes autores observaram uma forte mudança na estrutura ao
diminuir a oferta de forragem em pastagem natural durante a primavera, o que determinou
a eliminação de hastes induzidas a florescer de Andropogon lateralis ainda no início seu
alongamento, pela remoção do meristema apical. Em conseqüência, a maior parte das
hastes restantes era constituída daquelas surgidas naquele ano e, portanto, não induzidas,
determinando uma estrutura de plantas que se mantiveram em estádio vegetativo, portanto
praticamente sem hastes alongadas, durante a maior parte do ano. Esta espécie contribui
com boa parte da oferta de forragem e no estádio vegetativo apresenta boa qualidade, o que
provavelmente determinou uma profunda e positiva alteração no desempenho animal
anual. Esta resposta pode ter resultado da modificação do comportamento do pastejo
devido à menor presença de hastes alongadas no tratamento submetido a menor oferta de
forragem na primavera, em consonância com Ruyle et al. (1987), Flores et al (1993) e
Ginnet et al. (1997).
Portanto, uma vez que o grande determinante da condição do sistema pastoril é a
escolha da dieta pelo animal, entre plantas e entre estações alimentares, é fundamental que
se compreenda os mecanismos que determinam esta escolha. No entanto, a maior parte do
conhecimento gerado sobre preferência alimentar utiliza situações relativamente
simplificadas em termos de heterogeneidade florística, o que exige extrapolações
consideráveis para comunidades vegetais mais complexas e com uma escala espacial muito
diferente, como as pastagens naturais. Com efeito, o regime alimentar dos animais em
pastejo depende, além da condição fisiológica dos animais, de mudanças espaço-temporais
da estrutura e qualidade nutricional do dossel vegetal, de mecanismos de defesa das
plantas, da disponibilidade de forragem, da fenologia das plantas, que são extremamente
variadas no ambiente de pastejo desse tipo de pastagem. Potencialmente estes fatores
podem ser explorados no sentido de orientar as escolhas de dietas alimentares nas diversas
comunidades vegetais e, desta forma, provocar as alterações desejadas na diversidade
florística e/ou na estrutura da pastagem.
O conhecimento de como a estrutura da paisagem condiciona a movimentação dos
animais tem sido objeto de um considerável número de pesquisas teóricas e empíricas em
ecologia. O conceito de paisagem (landscape) ou conectividade funcional tem permitido
descrever o grau no qual a paisagem facilita ou impede a movimentação do animal entre
diferentes “patches” (Taylor et al., 1993; Tischendorf e Fahrig 2000) e tem recebido
crescente atenção recentemente (e.g. Brooks, 2003; Goodwin e Fahrig, 2003; Olden et al.,
2004). O alcance perceptual do animal influencia muitos processos, incluindo seus hábitos
de movimentação, escolha da estratégia de busca, habilidade para alcançar um novo patch
e capacidade para responder a distúrbios e fragmentação do habitat (Lima & Zollner 1996;
With & Crist 1996; Zollner & Lima 1999).
O efeito do regime de desfolha sobre o número de espécies também pode ser
avaliado pelas características funcionais das espécies. No caso de desfolhas freqüentes, a
diversidade específica diminui pelo fato de que certas espécies não conseguem posicionar
sua zona de crescimento abaixo do nível de desfolha. Somente subsistem as espécies que
desenvolvem estratégias de escape ou de tolerância às utilizações freqüentes (Briske,
1996). A altura da planta na maturidade pode também ser um indicador de adaptação à
desfolha (Westoby, 1998). Inversamente, com a diminuição da intensidade de utilização, se
desenvolvem espécies possuindo uma estratégia de acumulação de tecidos (Duru et al.,
2000). As espécies que apresentam este tipo de estratégia se singularizam por durações de
vida da folha mais longa e uma fenologia mais tardia. Se a intensidade de utilização
diminui fortemente, há o risco de invasão por espécies indesejáveis, suscetíveis então de
cumprir seu ciclo demográfico completo (produção e disseminação de sementes) e assim
invadir o meio. Este risco é tanto maior quanto mais elevada for a disponibilidade de
recursos minerais e, neste caso, pode haver redução na diversidade específica.
É possível associar características agronômicas a cada grupo funcional: produção e
composição da biomassa em função da nutrição mineral, aptidão a acumular biomassa
durante um tempo de rebrota mais ou menos longo em função da desfolha. Uma vez que o
número de espécies é reduzido, as espécies apresentam geralmente uma grande similitude
de características de vida, isto é, elas podem estar aparentadas a um mesmo grupo
funcional. Pode-se, então, deduzir as características agronômicas da pastagem daquelas à
partir das características do grupo funcional dominante. Inversamente, quando a
competição é menor, vários grupos funcionais podem coexistir. O nível de recursos
minerais disponíveis tem, portanto, um efeito sobre a produção de biomassa e sua
composição, em razão das estratégias das espécies favorecidas por tal habitat. Da mesma
forma, o nível de desfolha determina mudanças de espécies, seja diretamente (mortalidade
devido à remoção de meristemas) ou indiretamente (modificação das relações de
competição) que se traduzem por diferenças nas dinâmicas de acúmulo de biomassa ao
longo da rebrota, e também de necessidades em elementos minerais por unidade de
biomassa produzida. No caso das pastagens exclusivamente pastejadas, este fenômeno
pode se traduzir por um importante aumento na heterogeneidade da vegetação. Um nível
de lotação intermediário (sublotação) pode, desta maneira, favorecer a existência dois tipos
de vegetação, abrigando, cada uma delas, espécies pertencentes a diferentes grupos
funcionais. Resultados deste tipo foram obtidos em pastagem natural no sul do Brasil numa
experimentação de longa duração em pastejo contínuo onde a carga animal era adaptada
regularmente à biomassa disponível: 4, 8 , 12 ou 16 kg de MS por 100 kg de peso vivo por
dia (Maraschin, 2001). No tratamento de menor oferta, a estrutura da vegetação é
homogênea, mas este tratamento é pouco produtivo, pois a interceptação da radiação solar
é limitada (Nabinger, 1998). Nota-se, além do mais, a presença de espécies refugadas que
adotaram estratégias de escape. Nos tratamentos 12 e 16%, a produção de biomassa, assim
como as performances zootécnicas são mais elevadas, possibilitando uma maior eficiência
de produção . Há coexistência de dois tipos de vegetação: uma parte formada por um tapete
baixo e outra por uma vegetação de porte mais alto. Estas últimas são pouco consumidas
durante a estação quente, mas são consumidas durante o inverno. Encontra-se nesta
segunda estrutura, espécies que são capazes de acumular biomassa, mas que são menos
apetecidas. Elas são parcialmente consumidas durante o inverno, o que permite regular
melhor a carga e aumentar a performance animal: trata-se de uma espécie de reserva em pé
na forma de manchas na parcela.
As preferências alimentares diferem entre as espécies animais, segundo fatores
como o tamanho do animal, a fisiologia da digestão e a anatomia bucal (Carvalho et al.,
2002), o que pode levar à utilização de mais de uma espécie animal para explorar melhor a
diversidade da flora disponível e, com isto, obter o controle desejado da composição
florística. A eficiência do pastejo misto na utilização mais ampla do recurso forrageiro em
pastagens naturais é ilustrada por Bowns e Matthews (1983), onde a combinação de
bovinos e ovinos trouxe melhor equilíbrio na utilização de componentes da vegetação
quando comparada ao pastejo somente com bovinos. Loiseau e Martin-Rosset (1989),
verificaram que a introdução de eqüinos em pastagens utilizadas por bovinos, trouxe como
conseqüência, um melhor controle de espécies lenhosas, embora tenha provocado uma
diminuição na produção da pastagem. Outra possibilidade que a utilização do pastejo misto
oferece é o controle de espécies que são tóxicas para uma espécie animal, mas que não o
são para outra. Assim, por exemplo, espécies como carqueja (Baccharis trimera), alecrim
do campo (Vernonia nudiflora), caraguatá (Eryngium horridum), Maria-mole (Senecio
brasiliensis) e chirca (Eupatorium buniifolium), que podem ser tóxicas para bovinos, tem
sua freqüência reduzida na presença de ovinos. Montossi et al. (1998) destacam que em
pastejo misto com bovinos e ovinos, uma maior proporção de espécies indesejáveis foi
encontrada na dieta de ovinos. Os autores argumentam que, em geral, as espécies acima
citadas apresentam elevadas concentrações de minerais como, por exemplo, sódio e, no
caso do caraguatá, cálcio, justificando o seu consumo por aqueles animais..
Estudo conduzido por Fox e Seaney (1984) constatou que cabras pastejaram maior
número de espécies de plantas e obtiveram somente 34% de sua dieta de gramíneas,
comparado com 90% para bovinos e 78% para ovinos. Bredemier (1976), citado por
Carvalho et al., 2002) relata que os ovinos, embora tenham menor preferência por
invasoras arbustivas e maior preferência por gramíneas e invasoras de baixo porte, têm
sido eficientes em remover invasoras não procuradas, particularmente em combinação com
caprinos. Um outro efeito positivo da utilização mista ovino-bovino é a utilização por parte
dos ovinos, da forragem rejeitada pelos bovinos nas áreas de dejeção (Nolan, 1986; Nolan
e Connolly, 1988), evitando a formação de áreas de rejeição e aumentando assim a
eficiência de utilização da pastagem.
Além disso, também existem diferenças entre raças, embora o conhecimento atual
tenha sido construído mais empiricamente do que em bases verdadeiramente
experimentais, sendo que, freqüentemente existe confundimento entre os efeitos do
ambiente e a experiência alimentar dos animais. (Rook e Tallowin, 2003). Igualmente
existem evidências experimentais à escala da paisagem sobre o efeito da raça e do meio no
qual o animal evoluiu, mas pouco se sabe em relação a parâmetros tais como a área do
bocado e da estação alimentar que permitam a restauração da heterogeneidade da pastagem
numa escala menor (Rook e Tallowin, 2003). Um estudo conduzido atualmente na Europa,
citados por Rook e Tallowin (2003), trata de averiguar a influência da raça sobre o
comportamento em pastejo, a diversidade da estrutura e da flora das pastagens assim como
da fauna associada, a produção animal e o impacto econômico. Em outro estudo citado
pelos mesmos autores, os terneiros são criados seja pela sua mãe seja por vacas de outra
raça, a fim de separar os efeitos ligados aos fatores genéticos daqueles ligados à
aprendizagem na tenra idade. Ao orientar as escolhas alimentares dos animais, seja por
seleção genética ou pelo aprendizado na fase jovem, se poderia utilizar animais “modelos”
para favorecer os comportamentos de pastejo desejados e, por via de conseqüência,
favorecer a biodiversidade da pastagem.
A aplicação destes resultados de pesquisa deve levar em conta os objetivos de
conservação dos espaços pastoris tanto na escala da paisagem quanto na escala do habitat,
da comunidade ou da espécie vegetal. Torna-se então fundamental substituir os métodos
tradicionais de manejo da pastagem, reportando-se agora à noção de biodiversidade.
Numerosas lacunas do conhecimento sobre o comportamento do pastejo e de seu impacto
sobre a diversidade ainda persistem. È necessário integrar melhor as pesquisas levadas a
cabo em ecofisiologia vegetal, em ecologia das comunidades vegetais e da ecologia do
pastejo.
4. Aplicação ao caso do Bioma Campos Sulinos.
4.1. Características gerais do bioma.
A fisionomia das diferentes formações campestres do sul do Brasil tem sofrido
profundas modificações resultantes da ação antrópica, a partir do século XVII, e com
maior intensidade no final do último século, conforme se pode depreender das descrições
de Saint Hilaire (2002), Lindman (Lindman e Ferri, 1974) e Rambo (1956), comparadas à
condição atual. Esta ação antrópica resulta tanto da pressão exercida pelas práticas
agrícolas (avanço da lavoura nas áreas de campo), como de práticas arraigadas na cultura
do pecuarista tradicional. Dentre estas práticas, pode-se relacionar como as mais
importantes, a falta de adequada subdivisão da propriedade em função das condições de
solo e vegetação, o uso indiscriminado do fogo, a falta de uso da prática do diferimento de
potreiros, e o controle inadequado da intensidade do pastejo (excesso ou baixa carga
animal).
Mesmo que reconheçamos que o atual bioma Campos Sulinos é produto de cerca de
quatro séculos de intervenção crescente do homem, ainda assim, a forma como ele se
apresenta e sua capacidade de resiliência, tornam indispensável sua manutenção, como
forma de preservação do ambiente4 e da paisagem5. Em termos de diversidade florística,
nunca é demais lembrar que este bioma contém cerca de 400 espécies de gramíneas
forrageiras e mais de 150 espécies de leguminosas, sem contar as compostas e outras
famílias (Boldrini, 1997). Isto é um patrimônio genético vegetal fantástico e raramente
encontrado em outros biomas pastoris do planeta. Além disso, ainda guarda uma fauna
extraordinária, na qual se incluem inclusive abelhas melíferas nativas, um sem número de
pássaros, mamíferos, etc... De acordo com Pacheco e Bauer (2000) e Bencke (2001), existe
cerca de 385 espécies de pássaros e 90 de mamíferos que fazem deste ecossistema seu
habitat. Vários estudos demonstram a sensibilidade com que as aves e mamíferos
respondem às transformações induzidas pelo homem e que compreendem desde respostas
na escala de microhabitat até mudanças na escala da paisagem (Delattre et al., 1998).
Acrescente-se ao que foi relatado acima, o fato de muitos rios importantes da região
terem sua origem nas condições de campo, o que traz à tona a importância do bioma na
preservação e qualidade das águas desta região. E esta responsabilidade ultrapassa as
fronteiras nacionais uma vez que a maior parte destes rios conforma a bacia do rio Uruguai
afetando, portanto, o Uruguai e a Argentina.
São poucas regiões no mundo que apresentam uma diversidade de espécies vegetais
campestres como as encontradas no subtrópico brasileiro. Se, além das gramíneas,
associarmos outras famílias, com exemplares campestres também numerosos como as
compostas, ciperáceas e outras, teremos um número, em termos de biodiversidade, que
ultrapassa o total de espécies vegetais encontradas nas florestas tropicais úmidas (Duncan e
Jarman, 1993). De acordo com Boldrini (2002) existem, neste bioma, cerca de 3000
espermatófitas campestres.
Essa riqueza florística traz um fato pouco comum ao registrado no restante do mundo
que é a associação de espécies C4, de crescimento estival, com espécies C3, de crescimento
hibernal. A presença das espécies de inverno e a freqüência com que estas ocorrem estão
associadas às condições de latitude, altitude, fertilidade do solo e, sobretudo ao manejo do
pastoreio.
4
Conservação da água (nascentes), do solo (fertilidade, erosão e assoreamento de mananciais), da flora tanto
forrageira com outras espécies importantes associadas ao campo, da fauna (incluindo micro e mesofauna).
5
Em muitas regiões a fisionomia de campo caracteriza paisagens de alto potencial turístico, como, por
exemplo, os Campos de Lages, em SC e os Campos de Cima da Serra, Serra do Sudeste e parte da Campanha
no RS. Uma pequena parcela desta paisagem já vem sendo explorada racionalmente com sucesso,utilizando
essa “dupla aptidão”, ou seja, a produção animal e a preservação da diversidade.
Sem entrar no detalhamento das diferenças que as condições de clima e solo
determinam no potencial da pastagem natural de diferentes sub-regiões do sul do país, a
pesquisa tem demonstrado que existem possibilidades de intensificação da exploração
deste recurso, capazes de assegurar níveis de renda na pecuária de corte que justificam, no
mínimo uma maior reflexão antes de qualquer decisão concernente à sua substituição. E
tudo isto com melhorias na condição do solo e aumento na diversidade específica.
Globalmente, as pastagens naturais desta região apresentam uma grande
diversidade estrutural, com predominância de gramíneas e relativamente baixa participação
de leguminosas. Do ponto de vista funcional, se observa uma grande variabilidade do nível
de produtividade, tanto no tempo como no espaço.
No tempo as variações de produtividade são determinadas pela variação estacional
do clima. Entretanto, a resposta de uma comunidade vegetal é determinada,
essencialmente, pela coexistência de dois grupos de espécies adaptadas aos climas
subtropicais (espécies com metabolismo C3 e C4). A dominância relativa destas espécies,
numa dada comunidade vegetal, é que determina a sua capacidade de crescimento, ao
longo das diferentes estações do ano, definindo o equilíbrio da produção anual de
forragem.
No espaço a produtividade forrageira destas comunidades vegetais, está
extremamente relacionada às características físicas e químicas dos solos, associados, por
sua vez, aos grandes grupos de solos, como também ao relevo e à continentalidade. Estes
fatores edafo-climáticos determinam grandes variações na composição botânica e
substanciais diferenças de produtividade em função da dominância de certas espécies,
embora o manejo do pastoreio (carga animal, diferimento, limpeza), assim como dos
outros fatores bióticos (adubação, sobressemeadura de espécies), sejam também um grande
condicionante da composição florística que a pastagem pode apresentar.
A Figura 1 nos dá uma idéia aproximada do que seriam as principais formações
campestres do Sul do Brasil pelo menos até meados do século passado.
A descrição florística e fisionômica destas formações pode ser encontrada em
Boldrini (1997) embora abordadas sob o ponto de vista das diferentes divisões fisiográficas
do RS. A designação de Campos Sulinos para o bioma campestre da região e sua
subdivisão conforme sua fisionomia, conforme apresentado na Figura 1, nos parece o mais
adequado, uma vez que é difícil enquadrar suas diferentes fisionomias às clássicas
definições utilizadas para classificar ecossistemas pastoris naturais tais como Savana,
Estepe e Savana-estépica, conforme bem discutido por Marchiori (2004). De qualquer
modo, existem diferenças em termos de diversidade tanto taxonômica como de grupos
funcionais, que permitem separar os Campos Sulinos, ainda que grosseiramente, como
feito na Figura 2, em diferentes formações. Esta exemplifica as diferenças no espaço
(formações) através do ganho médio diário na recria de bovinos, nos diferentes meses do
ano em três condições do Rio Grande do Sul. Esse trabalho foi um dos primeiros estudos
da pastagem natural com animais efetuados no RS. Foi conduzido nas estações
experimentais da Secretaria da Agricultura, indicadas na Figura 1, situadas em Vacaria (na
região dos Campos de Altitude), São Gabriel (na transição da Depressão Central para a
Campanha, sobre campos finos a mistos) e Uruguaiana (no extremo sudoeste do estado na
região dos Campos Finos sobre solos rasos) (Grossman e Mordieck, 1956). Este trabalho
foi realizado de modo empírico, utilizando as lotações correntemente usadas pelos
produtores de cada região (0,5 novilhos/ha, 1,0 novilhos/ha e 0,7 novilhos/ha,
respectivamente em Vacaria, São Gabriel e Uruguaiana). Foram, no entanto, fundamentais
para demonstrar a variabilidade estacional existente no potencial produtivo das pastagens
em cada região, o potencial qualitativo que estas apresentam no período mais favorável de
primavera.
CAMPOS DE
ALTITUDE
C. GROSSOS
C. MISTOS
Vacaria
S.
Gabriel
Uruguaiana
C. FINOS
solos rasos
Porto Alegre
CAMPOS
SAVANOIDES
DA SERRA
DO SUDESTE
C. MISTOS
A FINOS
solos
profundos
Figura 1. Representação simplificada das principais formações campestres do sul
do Brasil.
1200
S. Gabriel (C. Mistos)
Vacaria (C. Altitude)
Uruguaiana (C. Finos)
1000
800
GMD - g/an./dIa
600
400
200
0
-200
sep
oct
nov
dec
jan
feb
mar
abr
mai
jun
jul
aug
-400
-600
-800
-1000
Figura 2. Evolução do ganho médio diário mensal de novilhos em pastagem
natural de diferentes regiões do Rio Grande do Sul (adaptado de
Grossmann e Mordieck, 1956)
Os períodos climaticamente favoráveis que permitiram ganho de peso se
estenderam de setembro a fevereiro em Vacaria (6 meses), setembro a abril em São Gabriel
(8 meses) e de agosto a junho (11 meses) em Uruguaiana, conforme pode ser visualizado
na Figura 2. Nos Campos de Altitude (Vacaria) o principal condicionante da forte variação
estacional na quantidade e qualidade da pastagem é a temperatura, devido à altitude em
torno de 700 m. A baixa proporção de espécies hibernais, decorrente do uso continuado e
indiscriminado do fogo, manejo inadequado da carga animal, aliados às baixas
temperaturas, determina que as perdas de peso iniciem já em março e se estendam até
início de setembro. Já em Uruguaiana, situada no extremo sudoeste do estado o período de
inverno é mais curto, a proporção de espécies hibernais é maior e as perdas de peso
resumem-se praticamente ao mês de julho. É interessante salientar que esta figura também
permite observar uma diminuição de ganho no período de novembro a dezembro, como
conseqüência de déficits hídricos normas nessas regiões nesta época do ano. No total
daqueles períodos favoráveis, os ganhos por área foram de 79,5, 118,7 e 96,1 kg PV/ha,
enquanto as perdas no período desfavorável foram de 43,8, 32,8 e 9,6 kg PV/ha,
respectivamente. Desta forma, os saldos anuais de peso vivo produzido foram de 35,7,
118,7 e 96,1 kg PV/ha/ano respectivamente em Vacaria, São Gabriel e Uruguaiana. À luz
do conhecimento atual estes saldos anuais são extremamente baixos e, provavelmente,
resultaram do natural desconhecimento, à época, dos efeitos do manejo da carga animal em
função da variação na taxa de acúmulo da pastagem, que varia com as condições climáticas
estacionais. De qualquer foram, chama atenção na Figura 1 que, independentemente do
local, estas pastagens demonstram qualidade suficiente para permitir ganhos de peso
superiores a 1 kg/dia durante a primavera, comparáveis aos obtidos com espécies exótica
cultivadas em solo corrigido.
As pastagens naturais ainda representam a base da exploração pecuária no
subtrópico brasileiro. Esta participação é mais importante no RS, cuja superfície de solo
originalmente detinha 60% em cobertura de pastagens naturais e que reduziu esta
participação para cerca de 10,5 milhões de hectares até 1995 (cerca de 40%). Esta redução
começa a tornar-se preocupante, pois se considerarmos os 26 anos decorridos entre os
censos de 1970 e 1996, a redução média foi de cerca de 134.000 ha por ano (Figura 3). A
redução observada desde então é muito mais acentuada, tendo em vista a pressão exercida
pelos altos preços da soja até recentemente, a qual tem avançado sobre as áreas de campo,
independentemente das condições edafoclimáticas. Tais condições não recomendam o seu
uso na maioria das atuais áreas de campo, cuja maior parte encontra-se em solos de classes
de uso 4 e 5 (impróprias para cultivo anual). Soma-se a isto os recentes incentivos ao
florestamento sobre as áreas de campo, inicialmente restrito aos Campos de Cima da Serra
e Planalto Catarinense, mas hoje se deslocando para a região da Serra do Sudeste e da
Campanha do RS.
16000
AREA (1000 ha)
14000
12000
10000
8000
6000
4000
2000
0
1970
1975
1980
1985
1996
ANO
Figura 3. Evolução da área de campo nativo no estados do sul do Brasil, entre 1970 e 1996.
(adaptado de IBGE, 1998). A linha sólida representa a regressão linear entre a área de
campo nativo no RS e os anos, representando um decréscimo de 134.000 ha por ano.
A diminuição da área total ocupada pelo bioma (que resulta sobretudo de sua
fragmentação) torna-se ainda mais alarmante se considerarmos que neste ínterim
praticamente não houve diminuição do rebanho bovino. Isto se reflete necessariamente no
aumento da carga animal, com conseqüências sobre a pressão exercida sobre a
biodiversidade. De fato, mais de 80% da exploração de bovinos de corte ainda conta com a
pastagem natural como seu principal recurso forrageiro, não sendo de se estranhar os pífios
resultados econômicos que acompanham esta atividade, conforme levantamento do
Diagnóstico da Pecuária de Corte do RS (SEBRAE/SENAR/FARSUL, 2005).
Uma das características mais impactantes da expansão indiscriminada dos
agroecosistemas tem sido a fragmentação dos habitats naturais e o conseqüente isolamento
dos “fragmentos” remanescentes. Uma das principais conseqüências biológicas desta
fragmentação é que estes fragmentos se comportam como ilhas que são incapazes de
sustentar a mesma quantidade de espécies que continham originalmente quando o habitat
era contíguo. Por isto existe uma clara relação entre o processo de fragmentação e a
redução local do número de espécies (Bolger et al., 1997).
Coloca-se então a questão: tratando-se de um ecossistema tão importante como a
Mata Atlântica ou a Floresta Amazônica, porque esta destruição/transformação não
preocupa técnicos, governantes e a sociedade em geral? Porquê só recentemente (final de
2004) foi considerado oficialmente como um bioma (Bioma Campos Sulinos)? Além do
mais, evidencia-se mais uma vez a incongruência de certas atitudes nacionais que, desmata
a Amazônia para formar pastagens e destrói as pastagens naturais do Sul do Brasil para
formar florestas.
O papel que este bioma representa para o equilíbrio ambiental da região é
inquestionável, mas, por outro lado, é evidente que nenhum produtor pode pensar em ser o
guardião do ambiente e da paisagem, sem ter o conhecimento da sua importância e uma
mínima remuneração para tal. No entanto, a única remuneração que lhe é dada é pela
venda do produto animal aí gerado. E, de um modo geral, esta remuneração é baixa e não
contempla esta “guarda” do ambiente e da paisagem. Portanto, ainda que reconhecendo a
importância do campo nativo na manutenção do equilíbrio ecológico em determinadas
regiões do subtrópico brasileiro, é preciso admitir que a pressão econômica que se exerce
em prol da eliminação/transformação deste bioma, só pode ser revertida se houver
alternativas também econômicas e políticas que assegurem a permanência da atividade
pecuária aí estabelecida.
Esta substituição das pastagens naturais tem se acentuado e tem assumido
proporções gigantescas mais recentemente em função de inúmeras razões, mas
especialmente pelas seguintes: i) Baixa produtividade dos campos em função de sua má
utilização em termos de carga animal (excesso ou deficiência), com decorrente baixo
rendimento econômico; ii) Degradação dos campos, pelo uso do fogo e pela invasão por
Capim Annoni (Eragrostis curvula); iii) Aumento das áreas de lavouras, especialmente de
soja e de florestamento; iv) Aumento no plantio de pastagens cultivadas, embora de
pequena monta; v) Surgimento de técnicas de "melhoramento" do campo nativo mal
concebidas e mal executadas, como por exemplo, a aplicação de herbicidas sem um
conhecimento das realidades regionais.
4.2. Intensidade do pastejo e seu efeito sobre os componentes do ecossistema.
A eminência de desaparecimento de aproximadamente 49 espécies forrageiras nativas
e o surgimento de "desertos" em alguns pontos do RS são exemplos claros de que a pastagem
nativa é sensível a esta pressão atual. Esta sensibilidade está associada ao fato de que o
impacto do pastejo nesse bioma, sobre a biodiversidade, é muito maior que em outros biomas
pastoris, como por exemplo, nos de clima árido e semi-árido. Esta assertiva está baseada no
modelo de Milchunas et al. (1988) (Figura 4) que apresenta a resposta de diferentes
ecossistemas terrestres à ação do pastejo (intensidade) segundo duas dimensões: o histórico de
co-evolução do ecossistema na presença de grandes herbívoros e a condição climática
preponderante na região.
RS
Figura 4. Representação do efeito da condição de clima e do histórico de coevolução da vegetação com a herbivoria, sobre a diversidade de
espécies em ecossistemas naturais, conforme Milchunas et al.
(1988). A condição no Rio Grande do Sul seria a de curta história de coevolução num clima sub-úmido.
O modelo identifica extremos de variação em pastagens que são típicas de climas subhúmidos com curto histórico de co-evolução com herbívoros versus pastagens de climas
áridos e que se desenvolveram sempre na presença da herbivoria. Este modelo prediz que as
pastagens deste último tipo são relativamente resilientes e perdem diversidade lentamente
com a intensificação do pastejo. Por outro lado, nas pastagens de clima sub-húmido o modelo
prediz uma relação unimodal da diversidade com a intensidade do pastejo. Nesta condição de
clima as espécies dominantes são gramíneas altas que competem com outras espécies,
sobretudo por luz. Nesta condição, moderadas intensidades de pastejo aumentam a
diversidade por abertura do dossel formado por estas espécies dominantes, por permitir o
aumento da freqüência de espécies de porte mais baixo e de menor tamanho. Similarmente, o
modelo prediz que a perda de espécies com o pastejo ocorre em intensidades mais baixas em
pastagens que tem longo histórico de herbivoria do que em pastagens com curta história.
Pequenas alterações na intensidade de pastejo nos ecossistemas de clima sub-úmido e
curta história de co-evolução com a herbivoria, como é o caso do Bioma Campos Sulinos,
implicam em fortes alterações em sua diversidade florística e, conseqüentemente, em sua
produção. De um modo geral, a biodiversidade aumenta em intensidades de pastejo
moderadas e diminui em intensidades de pastejo muito altas ou muito baixas, sendo que a
amplitude ótima para maior diversidade florística é bastante estreita.
Apesar da importância dos demais fatores condicionantes desta vegetação,
centraremos, inicialmente, a presente análise no efeito da desfolha, tendo em vista que os
ecossistemas pastoris do sul do Brasil têm pequeno histórico de co-evolução com grandes
herbívoros, o que os enquadra nos tipos de ecossistema mais vulneráveis à intensidade de
pastejo.
A desmedida utilização da pastagem, por meio de intensidades de pastejo excessivas,
tem causado perda de cobertura vegetal, invasão de espécies indesejáveis, erosão do solo e
impacto ambiental, o que coloca esta variável como sendo de impacto central no
funcionamento do sistema. O ajuste da carga animal em função da disponibilidade de pasto
torna-se, portando, a variável chave na dinâmica da vegetação.
Ajustar a carga animal em função da disponibilidade de pasto significa controlar o
nível de oferta de forragem, ou seja, a quantidade de pasto que cada animal deve encontrar
diariamente a sua disposição. Esta quantidade deve ser traduzida em termos de massa de
matéria seca e deve ser sempre relacionada ao tamanho corporal do animal, ou seja, ao seu
peso, pois a sua capacidade de ingestão é função do seu tamanho. A capacidade de
ingestão de um bovino é de cerca de 2 a 2,5% do seu peso vivo, ou até mais, dependendo
da qualidade da forragem. Assim, um bovino de 300 kg de peso vivo, pode consumir
diariamente cerca de 7 ou mais quilos de forragem seca. No entanto, esta forragem
necessita ser colhida pelo animal e, portanto, a capacidade de consumo pode variar
também em função da forma como a pastagem se apresenta ao animal. Assim, pastagens
muito baixas podem limitar o consumo, pois o tamanho de cada bocado é pequeno, em
relação a uma pastagem alta em que o bocado é de maior tamanho. Em pastagens muito
baixas, ainda que o animal tenha uma grande área a sua disposição, é possível que este
utilize toda a jornada de pastejo sem conseguir colher uma quantidade capaz de satisfazer
sua capacidade de consumo. Desta forma, o seu desempenho é prejudicado, ainda que a
qualidade do colhido seja alta. Na medida em que se aumenta a disponibilidade de
forragem por área e por animal, o desempenho individual aumenta, pois o animal pode
comer à boca cheia e pode também selecionar o que comer em termos de partes da planta e
mesmo de espécies. O máximo consumo por animal é atingido quando não há mais
limitação física ao consumo e quando o animal tem a máxima possibilidade de seleção de
sua dieta. Isto ocorre quando o animal tem à sua disposição cerca de quatro a cinco vezes
mais do que ele pode consumir por dia. Ou seja, se a capacidade de consumo é de 2,5% do
peso vivo, o animal deve ter à sua disposição entre 10 e 13% do seu peso vivo em
forragem com base seca. Ainda que para que possamos aumentar a oferta de forragem por
animal tenhamos que diminuir a lotação isto não significa que, mesmo tendo menos
animais na área, haja prejuízo ao ganho por área. Na verdade, até certo ponto de
diminuição da carga animal para possibilitar aumento da oferta por indivíduo, há aumento
na produção por área, pois cada indivíduo que permanece na área produz uma quantidade a
mais que compensa o menor número de indivíduos.
A aplicação destes princípios no manejo da pastagem nativa na Depressão Central
do Rio Grande do Sul gerou talvez os primeiros modelos de resposta da produção primária
e da produção secundária neste bioma, conforme pode ser observado na Figura 5.
Figura 5. Parâmetros relativos à produção animal e da pastagem nativa da Depressão
Central do RS, em função de distintas ofertas de forragem (adaptado de
Maraschin, 2001).
Considerando-se os ganhos observados na região ao nível da média dos produtores,
observa-se que tanto o ganho por animal como o ganho por área, podem ser mais do que
duplicados conforme o nível de oferta de forragem que disponibilizarmos aos animais. E
isto a custo ZERO, pois não houve qualquer outra aplicação de insumo além do manejo da
carga para controlar o nível de oferta.
As cargas médias mantidas foram de 710, 468, 381 e 368 kg PV/ha,
respectivamente, nos tratamentos 4, 8, 12 e 16% de oferta. Note-se que estas cargas
animais são apenas referenciais e correspondem ao que foi possível manter naquelas
condições de ambiente na média dos anos em que foi conduzido aquele experimento. Neste
sentido é importante salientar que aquelas cargas são apenas conseqüência dos níveis de
oferta e não o determinante. Assim, por exemplo, se o campo estiver rapado, com uma
disponibilidade de instantânea de 600 kg de MS/ha e se o ajuste for feito para 30 dias, isto
significa que teremos uma disponibilidade diária de 20 kg de MS/ha/dia. A esta
disponibilidade de matéria seca temos que adicionar o que a pastagem vai crescer nestes 30
dias. Neste nível de disponibilidade e nesta época do ano, o crescimento não será mais do
que 8 kg de MS/ha/dia. Portanto, se somarmos à disponibilidade instantânea diária a taxa
de crescimento por dia, teremos uma disponibilidade de 28 kg MS/ha/dia. Se quisermos
ofertar, por exemplo, 12% de MS por dia em relação ao peso vivo, isto vai determinar uma
carga da ordem de apenas 233 kg de peso vivo por ha, ou seja, haverá a necessidade de um
ajuste na carga animal.
Na prática é necessário que saibamos estimar a disponibilidade de forragem para
poder ajustar a carga animal e, ter um sistema que possibilite “jogar” com áreas e
categorias animais de maneira a privilegiar aquelas mais importantes. Neste sentido é que a
subdivisão do campo e o diferimento de potreiros constituem-se em ferramentas
indispensáveis e que, nos dias atuais, são menos caras e menos difíceis de realizar se
contarmos com o uso inteligente da cerca elétrica.
Propositalmente não colocamos as equações (modelos de resposta) das diversas
variáveis resposta apresentadas na Figura 5, como já apresentado em outras ocasiões, uma
vez que seus coeficientes serão diferentes conforme a disponibilidade de forragem. No
entanto, o “formato”, ou seja, o modelo de resposta deve manter-se, seja qual for a
disponibilidade de pasto, desde que as ofertas estejam dentro da amplitude em que os
modelos foram gerados. E aí reside o primeiro grande problema quando se trata de
modelos gerados tendo como variável de entrada uma variável sintética. De fato, oferta é
algo que não pode ser medido diretamente, mas que sintetiza vários fatores relacionados
entre si. De forma direta representa a relação entre carga animal e disponibilidade de pasto
sendo que o primeiro fator pode ser controlado e o segundo não. Ou seja, a disponibilidade
diária que ocorrerá num determinado período de tempo depende da massa presente
(resíduo) e da taxa de acúmulo que ocorrerá no período seguinte. Esta é fortemente
influenciada pelo próprio resíduo anterior (condição do IAF e reservas das plantas), pelas
condições climáticas futuras (radiação solar, temperatura e água) e pela disponibilidade de
nutrientes no solo (variável no tempo e no espaço).
Interessante notar que praticamente todas as variáveis estudadas tanto no que se
refere ao animal quanto à pastagem concentram suas respostas ótimas na faixa de oferta em
torno de 12%. Igual resposta foi obtida para a diversidade florística e índice de riqueza
específica, consistente com o modelo de Milchunas et al. (1988), conforme pode ser
observado na Figura 6 (Carvalho et al., 2003).
Índice de diversidade (H')
3,550
3,510
3,500
3,450
3,400
3,396
3,360
3,350
3,300
3,250
16
12
8
Nível de oferta de forragem - kg MS/100 kg PV
Figura 6. Índice de diversidade H’(nats) em função de diferentes níveis de
oferta de forragem em pastagem natural da Depressão Central do RS.
(Carvalho et al., 2003)
Nas ofertas de 12 e 16% uma estrutura em mosaico era mais evidente do que no
tratamento de 8% de oferta, onde algum grau de superpastejo resultou em maior freqüência
absoluta de Paspalum notatum, espécie rizomatosa e que apresenta mecanismos de escape
e também promoveu o pastejo das espécies cespitosas como Andropogon lateralis. Na
oferta de 12% algumas espécies, notadamente leguminosas foram protegidas nas touceiras
das plantas cespitosas e um duplo estrato mostrou-se aparentemente bem equilibrado. Com
16% de oferta a vegetação mostrou-se predominantemente entouceirada, provavelmente
devido ao sombreamento excessivo causado principalmente por Andropogon e Aristida.
Desta forma, a intensidade de pastejo que promove maior produção primária e secundária,
também promove maior diversidade e riqueza florística.
Mas não são apenas a riqueza e a diversidade florística que são beneficiadas com o
adequado controle da intensidade de pastejo.A maior produtividade primária (taxa de
acúmulo de matéria seca aérea) observada na faixa de oferta considerada ótima sob o ponto
de vista da produção animal, não é apenas uma conseqüência da alteração da composição
botânica, mas também deriva de outras alterações provocadas no ecossistema: a estrutura e
foliosidade das plantas presentes incrementam o uso da radiação solar através da maior
interceptação; há uma melhora das condições químico-físicas-biológicas do solo e;
melhora de sua capacidade de infiltração e de armazenamento de água.
Com relação ao melhor aproveitamento da radiação solar, Nabinger (1998) estimou,
através do balanço de energia nos diferentes níveis de oferta de forragem do trabalho
referido por Maraschin et al. (1997), que na passagem de um nível de oferta de 4 para 12%
houve aumento de 80% na eficiência de uso da radiação solar para produção primária.
Quando a relação foi estabelecida em relação à produção secundária, este aumento de
eficiência foi de 89% (Tabela 1).
Tabela 1. Eficiência de uso da radiação incidente em função de diferentes níveis de oferta
de forragem a que foi submetida a pastagem natural na Depressão Central do Rio
Grande do Sul. (adaptado de Nabinger, 1988).
Níveis de oferta de forragem
(kg MS/100 kg peso vivo)
Eficiência de uso da radiação solar incidente
4
8
12
16
Energia incidente/energia na MS produzida/ha
0,20
0,33
0,36
0,32
Energia incidente/energia no ganho de peso vivo/ha
0,009
0,016
0,017
0,013
Os efeitos da intensidade de pastejo, representados por níveis de oferta de forragem,
sobre algumas características do solo (argissolo) podem ser observados na Figura 7. A
drástica redução no teor de matéria orgânica observada em alta intensidade de pastejo
(oferta de 4%), ressalta a importância de manter a cobertura do solo, evitando as perdas por
erosão, e aumentando a quantidade de raízes e material em decomposição (produto da
senescência das partes aéreas e raízes) com ofertas mais abundantes. A melhoria na
condição física do solo com o uso de ofertas maiores e coincidentes com os melhores
resultados de produção animal, determina maior taxa de infiltração e de armazenamento
assim como evidencia maior ciclagem e conservação de nutrientes, o que também deve ter
colaborado para as maiores taxas de acúmulo de forragem observada na faixa ótima de
oferta de forragem.
10 a 15 cm
3 a 6 cm
0 a 3 cm
INFILTRAÇÃO DA ÁGUA (cm/hora)
TEOR DE MATÉRIA ORGÂNICA (%)
4
2
M O = -0 .0 2 1 9 O F + 0 . 4 9 7 5 O F + 0 .8
2
R = 0 .9 6 0 5
3 ,6
3 ,2
2
M O = -0 . 0 1 5 6 O F + 0 . 3 2 7 5 O F + 1 .1 5
2
R = 0 .9 9 2 6
2 ,8
2
M O = -0 .0 0 6 2 O F + 0 .1 3 O F + 1 .5 5
2
R = 0 .7
2 ,4
35
30
4%
8%
12%
16%
25
20
15
10
5
0
2
2
4
6
8
10
12
14
0
16
20
40
OFERTA DE FORRAG EM - % PV
2,5
60
80
100
TEMPO (minutos)
1,6
Ca = -0.0225OF2 + 0.5167OF - 0.6532
R2 = 0.94
0 a 3 cm
3 a 6 cm
1,4
0 a 3 cm
10 a 15 cm
1,2
3 a 6 cm
10 a 15 cm
Mg - me/100 mL
Ca - me/100mL
2
1,5
Ca = -0.0245OF2 + 0.5285OF - 0.9314
R2 = 0.82
1
Mg = 0.07OF + 0.2492
R2 = 0.96
Mg = 0.0424OF + 0.3008
R 2 = 0.78
1
0,8
0,6
Ca = -0.0177OF2 + 0.3945OF - 0.6272
R2 = 0.83
Mg = 0.0352OF + 0.2018
R2 = 0.79
0,4
0,5
0,2
2
4
6
8
10
12
OFERTA DE FORRAGEM - %PV
14
16
2
4
6
8
10
12
14
16
OFERTA DE FORRAGEM - %PV
Figura 7. Efeitos de diferentes níveis de oferta de forragem aplicados à pastagem
natural da Depressão Central do Rio Grande do Sul sobre o teor de
matéria orgânica, taxa de infiltração de água e teores de Ca e Mg no
solo. (Bertol et al., 1998)
O maior estoque de matéria orgânica verificado nos solos sob pastagens naturais
bem manejadas é o reflexo da capacidade que estes ecossistemas têm de seqüestrar C, e
pode ser mais um serviço que os mesmos podem disponibilizar para a humanidade.
Naturalmente esta capacidade está na razão direta da fertilidade destes solos e do tipo de
espécies vegetais que o compõem. O efeito da oferta de forragem sobre o estoque de
carbono num Chernossolo na região da fronteira sul do RS (Hulha Negra), foram
verificados por Guterrez et al. (2006), conforme se visualiza na Figura 8. Estes resultados
revelam a enorme capacidade de fixação de C apresentado por este tipo de campo, e as
consequencias da intensidade de utilização representada pelos diferentes níveis de oferta de
forragem. Isto demonstra de forma inequívoca que o manejo adequado da carga animal
representa um benefício cujo resultados se estendem para além das fronteiras do local em
que é praticado, pois afeta uma questão ambiental que tem preocupado a humanidade como
um todo que é a concentração de CO2 atmosférico e suas conseqüências sobre o clima
geral do planeta.
2
250
y= -1,30x + 36,99x - 69,55
R2= 0,78 ; P<0,0001
-1
C (Mg ha )
200
150
100
50
0
4
8
12
14,23
16
Oferta de Forragem (%)
Figura 8. Estoque de carbono na camada até 40 cm de profundidade
num Chernossolo com pastagem natural submetida a
diferentes ofertas de forragem, em Hulha Negra, RS.
(Guterrez et al., 2006)
Fica, portanto, evidente o papel central da intensidade de pastejo na maioria dos
parâmetros da pastagem, a começar pela sua diversidade florística, em acordo com o
modelo de Milchunas et al. (1988). Embora não mensurados outros taxa também devem
apresentar respostas de magnitudes semelhantes, conforme verificado por vários autores
(Kelt e Valone, 1995, Guevara et al., 1996; Damhoureyeh e Hartnett, 1997; Cagnolo et al,
2002; Kruess e Tscharntke, 2002; Read, 2002), evidenciando que o equilíbrio funcional do
ecossistema depende da inter-relação entre os vários componentes abióticos entre si e com
o seu meio físico.
Além disso, o trabalho acima referido na Figura 5, conduzido por cerca de quinze
anos com níveis de oferta fixos ao longo de todo o ano moldaram perfis diferenciados na
pastagem. Deste modo, os níveis médios a altos de oferta de forragem determinaram uma
típica estrutura em duplo estrato, ou seja, um estrato inferior formado por espécies de porte
baixo, estoloníferas e/ou rizomatosas e um estrato superior formado por aquelas espécies
entouceiradas (cespitosas) como capim caninha, cola-de-zorro, barba-de-bode, etc...Estas
são induzidas a florescer entre meados a final da primavera. Em altas ofertas começam a
ser rejeitadas e isto altera ainda mais a estrutura (grande número de colmos floríferos),
fazendo com que formem touceiras altas com alta proporção de colmos e que são rejeitadas
pelos animais quando oferta é alta. A partir destas constatações passou-se a estabelecer
uma nova hipótese de trabalho, que completasse as idéias até então desenvolvidas, que é a
que segue: se estes colmos induzidos fossem consumidos logo que iniciam a elongação (o
que ocorre quando o perfilho é induzido a florescer), a planta permaneceria com alta
proporção de colmos vegetativos, portanto, com uma estrutura com mais folhas que
colmos. Esta alteração se estenderia ao longo do ano, com fortes conseqüências sobre o
desempenho animal. A única forma de “incentivar” este consumo seria através do aumento
da carga animal, ou seja, da diminuição da oferta antes que estas espécies comecem a
florescer, portanto, na primavera. Várias alterações na oferta ao longo das estações do ano
foram testadas a partir de 2000 visando essa mudança estrutural, mas os melhores
resultados até o momento tem sido obtidos quando se mantém ao longo do ano uma oferta
de 12%, diminuindo para 8% apenas no período de primavera. Os resultados de Soares et
al. (2005) e Aguinaga (2004), obtidos em anos diferentes na mesma área, são eloqüentes
em demonstrar o enorme benefício resultante desta estratégia de mudança de oferta, que
permitiu elevar o patamar de 140 a 150 kg PV/ha/ano (conforme demonstrado na Figura 5)
para cerca de 240-260, como se pode observar na Tabela 2.
Tabela 2. Características da pastagem natural da Depressão Central do RS, submetida a
alteração na oferta de forragem, e produção animal. Primavera=8% - resto do
ano=12%. EEA/UFRGS 23/10/00 a 06/09/01. (adaptado de Soares et al, 2005).
Estação do ano
Primavera
Verão
Outono
Inverno
Média ou
total
TA (kg/ha/dia)
10,9
13,7
6,3
5,7
8,9
MF (kg/ha)
979
1179
1883
1390
1475
CA (kg PV/ha)
479
399
429
352
397
GMD (kg/an/dia)
0,780
0,677
0,283
0,178
0,466
GPV (kg/ha)
116
82
27,5
17,9
243,4
Parâmetro
TA= taxa de acúmulo; MF= massa de forragem; CA= carga animal; GPV= ganho de peso vivo por ha.
Ressalte-se o enorme benefício advindo desta mudança na estrutura da pastagem,
que permitiu agora manter cargas animais de até 350 kg de PV/ha mesmo no período de
inverno e ainda com ganhos de peso. Os resultados da Figura 5 referem-se apenas ao
período de primavera-verão-outono, e permitem manter cerca de 380 kg de PV nesta época
favorável, obrigando a reduzir esta carga para 160 – 180 kg durante o período de inverno
para que não haja perdas acentuadas. Na prática isto representa uma grande variação de
carga e implicaria na necessidade de prover áreas no inverno no mínimo com o triplo das
áreas do período favorável, ou suplementação dos animais com pastagens de inverno ou
outra forma de alimentação. No entanto agora, com esta estratégia de aumento da carga na
primavera (diminuição da oferta para 8%) o manejo é muito facilitado, pois isto é
conseguido na primavera através de diferimento de potreiros nesta estação, permitindo
concentrar mais animais nos potreiros em utilização. A reacomodação da carga no resto do
ano é facilmente conseguida com a abertura destes potreiros, restando um pequeno déficit
no inverno, quando é necessário reduzir a carga em apenas cerca de 20%, de acordo com a
Tabela 2. Ou seja, há uma facilitação do manejo, pois o sistema torna-se extremamente
simples uma vez que este pequeno excedente de carga animal pode ser atendido com
diferimento de pequenas áreas no final de verão-outono e alguma suplementação, por
exemplo, com sal proteinado durante 50-60 dias no inverno.
Portanto, neste tipo de pastagem, um fator a ser controlado e que altera
substancialmente os modelos de resposta baseados exclusivamente no nível de oferta de
forragem é a estrutura que a pastagem pode apresentar. Esta é conseqüência primeira das
condições de solo e clima que condicionam a existência de um determinado tipo de
vegetação, mas pode ser alterada substancialmente pela pressão de pastejo, ou seja, pelo
nível de oferta. Mas outros aspectos de manejo relacionados à intensidade e freqüência da
desfolha tais como a espécie e categoria animal, o método de pastoreio e outras
intervenções como a roçada, uso de herbicidas e adubação também tem papel fundamental
e suas interações necessitam serem melhor conhecidas.
4.3. Fertilidade do meio, intensidade de pastejo e biodiversidade.
Um modelo teórico das interações funcionais entre as planta e os herbívoros
proposto por Duru e Hubert (2001) vem sendo testado em complemento ao modelo de
Milchunas et al. (1988) e deve prover uma lista de espécies e características importantes
para manejo e melhoramento do recurso forrageiro, conforme apresentado na Figura 9.
Biodiversidade:
Alta
competição
+/-
-
Limite de
plasticidade
pressão de pastejo
-
Estratégias das espécies
e características respectivas
pressão de pastejo
Estratégiapara pastejo
tolerânciaouescape
+
-
Invasoras
Estratégia para
conservação
dos recursos
+
Baixa
competição
Estratégia para
captura dos recursos
Status nutricional da forragem: crescimento
Estratégia para acúmulo
de tecidos
Status nutricional da forragem: crescimento
Figura 9. Modelo conceitual de resposta da vegetação a alterações na intensidade de
pastejo e fertilidade (adaptado de Duru e Hubert, 2001).
O modelo prevê que, em situações de baixa fertilidade e média intensidade de
pastejo, várias espécies possam coexistir desde que sejam hábeis na conservação de
recursos. Isto significa a possibilidade de coexistência de espécies de estruturas distintas,
tais como, por exemplo, a grama forquilha (Paspalum notatum - acúmulo de reservas no
rizoma) e a barba-de-bode (Aristida sp. - acúmulo de tecidos e nutrientes em torno da
touceira). Em situações de baixa fertilidade e baixa intensidade de pastejo predominam
espécies de baixo crescimento relativo, com típica estratégia de conservação de recursos,
como a barba-de-bode e espécies do gênero Andropogon. Um elevado índice de duração de
vida da folha também seria uma característica deste tipo de estratégia, como de fato foi
reportado para Andropogon lateralis (Cruz, 1998). Ao contrário, Coelorhachis selloana,
uma espécie bem preferida pelos animais e que não apresenta nenhum dos mecanismos
acima, apresenta um fluxo de tecidos negativo na presença de pastejo e se esta condição
persistir, sem um período de recuperação, há desaparecimento dos indivíduos a médio ou
longo prazos (Eggers, 1999).
Já em situações de forte intensidade de pastejo, espécies com estratégias de escape
ao pastejo predominam, como é o caso de gramíneas possuidoras de rizomas e ou estolões
(e.g., Paspalum notatum, P. nicorae, P. lividum, P. pauciciliatum, Axonopus affinis, etc.).
Nesta condição, a diversidade específica diminuiria, pois as espécies chegam ao limite de
sua plasticidade. Um bom exemplo de plasticidade é o capim-caninha (Andropogon
lateralis). Em baixas intensidades de pastejo o capim-caninha chega a formar grandes
touceiras e à medida que a intensidade de pastejo aumenta, as plantas começam a se
apresentar com touceiras cada vez menores, observando-se mesmo plantas que assumem
hábito prostrado. Em altas intensidades de pastejo esta espécie deixa de fazer parte do
grupo das mais freqüentes e diminui fortemente sua participação porque não tem mais
habilidade de alocar a sua zona de crescimento fora do alcance do animal.
Portanto, a intensidade de pastejo e a fertilidade do habitat governam a resposta da
vegetação, e a estrutura de uma pastagem é resultado de uma interação contínua entre a
desfolha do animal e o crescimento da planta. Se a composição florística do campo se altera,
assim como as características dos grupos funcionais presentes, isto significa que a presença de
determinados grupos e respectivas características podem ser utilizadas como ferramentas de
diagnóstico da resposta do meio a determinadas condições de manejo e da dinâmica da
pastagem conforme propõem Quadros et al. (2006).
Por outro lado, o conhecimento do funcionamento de plantas ou mesmo grupos
funcionais em resposta à fertilidade do solo pode ser também uma ferramenta para buscar
aumentos de produtividade destas pastagens naturais, embora se saiba de antemão que a
elevação do nível nutricional deverá diminuir a diversidade e restringir o número ou o
tamanho do grupo funcional predominante.
A composição botânica da pastagem natural está determinada pelo clima e solo. Não
podemos modificar o clima, mas podemos alterar a composição botânica pelo uso de
fertilizantes. Potássio e fósforo, em geral, elevam a porcentagem de leguminosas (Gomes,
1996). O nitrogênio proporciona maior participação das gramíneas em detrimento das
leguminosas, mas é essencial para maiores produções de matéria seca (Gomes, 2000).
Conhecendo a resposta diferencial das distintas espécies à fertilidade do solo, é
possível manipular a composição através da adubação. Assim, por exemplo, Gomes et al.
(2002) verificaram que a correção do solo e adubação de um campo nativo na Depressão
Central do RS determinaram que 23 espécies foram beneficiadas pela adubação, com
destaque para Desmodium incanum e Paspalum notatum, enquanto outras 39 espécies
mostraram redução de suas freqüências de ocorrência, sobretudo gramíneas grosseiras
como Aristida jubata, A. laevis e Elyonurus candidus e espécies de gênero Eryngium,
indesejáveis por serem espinescentes. Pillar et al. (1992) também verificaram que
comunidades de P. notatum localizadas em áreas com menor fertilidade do solo
apresentam tendência de evolução à medida que cresce a fertilidade. Vidor e Jacques
(1998) também observaram redução da freqüência de Eryngium spp, em função de
adubação. Moojen (1991) obteve aumentos lineares da freqüência de Coelorachis selloana,
Desmodium incanum e Sporobulus indicus,
Recentemente, a pesquisa tem mostrado resultados positivos do uso de fertilizantes
na pastagem natural. Sabe-se, no entanto, que as respostas a serem obtidas são
extremamente variáveis com a composição botânica atual das pastagens, com o tipo de
solo, particularidades climáticas, tipo de fertilizante a ser usado, métodos de incorporação,
além naturalmente, das múltiplas interações com o manejo pré e pós-adubação, tipos e
categorias animais, etc... Por estas razões, muita informação básica ainda é necessária para
que se possa recomendar e predizer com segurança, os efeitos da adubação nestas nossas
pastagens naturais, no que se refere à mudanças na composição botânica, produção total e
estacional e variações no valor nutritivo. No entanto, não resta dúvida de que o uso
adequado desta prática pode ser uma ferramenta fundamental para aumentar a
rentabilidade através do aumento da capacidade de suporte, em que pese a diminuição na
diversidade florística. Claramente é necessário, no entanto, que possamos definir os níveis
de segurança desta intervenção no sistema, ou seja, até onde podemos ir. Do conhecimento
preciso de todos estes fatores é que se poderá analisar adequadamente a economicidade do
processo, principalmente numa época em que o custo deste insumo representa tão alta
participação no custo total dos empreendimentos agropecuários. Por outro lado, é
importante salientar que as análises de custo devem levar em conta a preservação de
recursos genéticos extremamente valiosos que são as nossas espécies nativas.
De qualquer forma alguns resultados recentes nos encorajam a dedicar à pastagem
nativa a mesma postura, em termos de adubação, que temos em relação às espécies
exóticas. A necessidade de adubar pastagens de aveia, azevém, trevos, milheto, sorgo, etc.,
é inquestionável, mas questiona-se a adubação do campo nativo, esquecendo que aquelas
também são espécies nativas no seu lugar de origem. Será que só as nativas daqui não
respondem a adubo? Esta questão começa a ser respondida pela pesquisa local, que hoje
pode assegurar que algumas espécies respondem até melhor que a maioria das forrageiras
exóticas cultivadas. Assim, por exemplo, Costa (1997) verificou que a grama forquilha
(Paspalum notatum) em solo corrigido e sob irrigação mais a aplicação de cerca de 500 kg
de uréia/ha é capaz de produzir mais de 14 t de MS/ha/ano. Posteriormente, Boggiano et al.
(2000) e Boggiano et al. (2001) corroboram estes resultados, e demonstram a importância
da interação entre o nível de fertilizante nitrogenado aplicado e a pressão de pastejo a que a
pastagem deve ser submetida, explicitando os mecanismos morfogênicos de resposta a esta
interação. Steiner (2006) também verificou a capacidade de resposta de ecótipos de
Paspalum guenoarum, relatando produções de até 18 t MS/ha/ano. O enorme potencial de
resposta de Paspalum notatum foi corroborado no trabalho de Boggiano (comunicação
pessoal) que obteve sobre campo nativo adubado onde predominava grama forquilha, mais
de 700 kg de ganho de peso vivo em 210 dias, como se pode observar na Tabela 3.
Vale ainda ressaltar que os dados apresentados na Tabelas 3 referem-se a apenas
cerca de 210 dias de crescimento, durante o período mais favorável do ano. Resultados
semelhantes foram obtidos por Gomes (2000), no mesmo local. Mesmo após seis anos da
correção do solo (calcário e adubo NPK), a pastagem continuava apresentando
rendimentos similares aos revelados pelos autores supracitados. No entanto, a maior
diversidade e equilíbrio de boas espécies forrageiras (Paspalum notatum, P. urvillei, P.
paniculatum, P. nicorae, Desmodium incanum e Trifolium polymorphum, principalmente)
somente foi observado no tratamento que recebia anualmente 100 kg N/ha/ano. No nível
superior de N as leguminosas estavam praticamente ausentes e aumentou substancialmente
a participação de alecrim do campo (Vernonia nudiflora). O nível zero de N apresentava
maior freqüência de leguminosas, mas um aumento importante de caraguatá (Eryngium
horridum).
Tabela 3. Matéria seca verde residual, carga animal e ganho de peso vivo por área em
função de níveis de adubação nitrogenada na pastagem nativa adubada.
EEA/UFRGS, 1998. (Boggiano, 1998, não publicado)
Kg N/ha
Ms verde residual
kg/ha
Carga animal
kg PV/ha
Ganho/ha/dia
kg PV/ha/dia
Ganho/ área
kg PV/ha/210 dias
0
1267
967
2,11
443
100
1083
885
3,06
643
200
1234
1154
3,41
716
Cabe ademais lembrar que campos melhores do que os da Depressão Central (onde
o trabalho de Boggiano e de Gomes (2000) foi realizado) existem e que as respostas
passíveis de serem obtidas com pastagens em que predominem espécies como Paspalum
dilatatum (capim melador), P. pauciciliatum (melador rasteiro), P. jesuiticum, etc., além de
espécies de inverno como as Brizas (Briza spp.), Cevadilhas (Bromus spp.) e flexilhas
(Stipa spp.), podem apresentar um impacto ainda maior.
Os resultados de Gomes (1996), também são uma clara demonstração da resposta
positiva do campo nativo à fertilização. Neste trabalho, ressalta-se especialmente a
possibilidade de aumento da proporção de leguminosas, formada principalmente por
Desmodium incanum, na pastagem nativa, que passa de menos de 1% para cerca de 24%,
quando adequadamente adubado. Enquanto todo o mundo científico preocupa-se em
aumentar o estatus nitrogenado das pastagens de forma barata e menos poluente e até hoje
não encontra soluções duráveis, nossos ecossistemas naturais nos demonstram que a
natureza dispõe do que buscamos, que basta remover, ao menos parcialmente, a limitação
nutricional das plantas para que isto aconteça. Finalmente, é importante salientar que o
rateio dos custos relacionados à aplicação de fertilizantes e corretivos deve ser aplicado
sobre todo o sistema (e mesmo fora do sistema, em função dos efeitos que provocam nos
outros sistemas, como por exemplo na captura de carbono, na preservação da fontes de
água) e não apenas na área aplicada e com o rendimento nela obtido. Além disso, pela sua
alta capacidade de suporte, uma pequena área adubada pode ser o elemento regulador do
ajuste de carga em todo o restante da propriedade, facilitando enormemente esta questão.
Se a questão da diversidade e riqueza florística é, por um lado, um aspecto positivo
e importante, por outro lado dificulta sobremaneira a predição das respostas à manipulação
destes ecossistemas pelo homem, sobretudo quando se considera que estes têm um papel
multifuncional a cumprir: renda para o produtor, segurança alimentar, qualidade do
ambiente, paisagem, etc..
Uma forma de melhor direcionar as pesquisas no sentido da compreensão do
funcionamento dos ecossistemas pastoris é a construção de um modelo conceitual ainda
que inicialmente baseado em relações empíricas ou mesmo apenas hipotéticas (embora
fundadas em princípios gerais de ecofisiologia, e outras ciências básicas). O modelo
conceitual geral de funcionamento do ecossistema pastoril natural proposto por Nabinger
(2006), apresentado na Figura 10. Este modelo conceitual foi proposto não como um
modelo completo mas como material para discussão e aprimoramento, de modo a poder
representar um referencial para orientar futuras ações de pesquisa na área.
CLIMA: radiação solar, precipitação,
temperatura, estacionalidade
VARIÁVEIS
AMBIENTAIS
SOLO: origem geológica (teor de
argila, mineralogia, mat. orgânica);
grau de intemperização; profundidade
VEGETAÇÃO: composição florística
Seletividade e
mecanismos
de escape
Disponibilidad
e e estrutura
da pastagem
AÇÃO
ANTRÓPICA
Limpeza, fertilização,
sobressemeadura, fogo
espécies
Espécie e categoria
animal (tamanho e
hábito alimentar)
Método de pastoreio
GRUPOS FUNCIONAIS:
GF1; GF2; GF2...GFi
Profundidade do
bocado
Comportamento
ingestivo
GFi
CARACT.
MORFOGÊNICAS
CARACT.
ESTRUTURAIS
Busca e
apreensão
Elongação
da folha
Elongação do Aparecimento
colmo/estolão
de folhas
Tamanho da
folha
Densidade de
colmos/estolões
Qualidade
da luz
IAF e MASSA
do GFi
Taxa de bocado
Duração
da folha
Densidade de animais
Desempenho
individual
Produção
por animal
PRODUÇÃO
ANIMAL
POR ÁREA
Tempo de
pastejo
Folhas
vivas/haste
Freqüência e
intensidade da
desfolha do GFi
Figura 10. Modelo conceitual de funcionamento do ecossistema pastoril natural proposto por Nabinger (2006), com base no bioma
Pampa.
Partiu-se do princípio de que os efeitos das variáveis ambientais clima e solo são,
em conjunto, determinantes da composição florística de um dado espaço. Num ecossistema
pastoril controlado pelo homem, se junta a isto o efeito da herbivoria, que pode ser
controlado via decisões sobre as categorias e espécies animais a serem utilizados, além da
densidade destes, o que vai determinar diferentes pressões (seletividade e preferência)
sobre esta vegetação, que interagindo com o método de pastoreio condiciona a freqüência
de seus diferentes constituintes florísticos. Mas o efeito antrópico sobre a composição da
vegetação também pode ser exercido através de outras intervenções mais diretas como a
fertilização, a sobressemeadura de espécies, o uso do fogo, roçadas e uso de herbicidas, por
exemplo.
A interação destes condicionantes antrópicos com o tipo de vegetação através de
seus mecanismos próprios de tolerância, de escape (plasticidade fenotípica) ou outros,
determinam alterações variadas conforme a freqüência com que estes mecanismos estão
presentes. Dado a importante complexidade desta flora, torna-se praticamente impossível
quantificar estes efeitos em cada um dos seus componentes específicos. Neste sentido,
torna-se necessário de reduzir e simplificar o número de espécies agrupando-as por
características comuns de resposta às variáveis em estudo. Desta forma, o uso do conceito
de Grupos Funcionais, ou seja, o agrupamento de espécies que possuem características
morfogênicas, estruturais, fisiológicas e ecológicas similares, é de grande utilidade.
O modelo proposto pressupõe este tipo de agrupamento, sendo que o número de
grupos (GF) numa pastagem depende das interações acima comentadas entre clima, solo,
herbivoria e outras intervenções humanas. Estas interações não são quantitativamente
estáveis em médio prazo porque o clima varia, o solo evolui e as intervenções antrópicas
também, de modo que ocorre constantemente uma retro-alimentação desta parte do sistema
constituída pela composição florística, que é a sucessão vegetal. Deste modo a
predominância de grupos funcionais pode variar - normalmente não é estável - embora
muito menos variável do que a composição específica.
O modelo de Lemaire e Chapman (1993) foi utilizado como sub-modelo e propõese o seu ajuste para cada grupo funcional constituinte da pastagem. A resultante deste submodelo é a massa de forragem disponível por grupo e seu conseqüente índice de área foliar
(IAF), os quais, por sua vez serão diferentemente afetados pelo grau de herbivoria a que
estarão submetidos. Esta deverá ser fruto da seletividade do pastejo, que depende, para
cada grupo, das espécies e categorias animais presentes, da densidade destes (lotação) e do
método de pastoreio. A integração dos sub-modelos morfogênicos e estruturais de cada
grupo determinará a disponibilidade de forragem e a estrutura geral da pastagem.
Por outro lado, a disponibilidade geral de forragem e a estrutura que esta e
apresenta como resultado da integração (somatório) dos diferentes grupos funcionais,
propiciará um comportamento ingestivo que é determinado pela profundidade do bocado,
pela taxa de bocados, pelo tempo de busca e apreensão e pelo tempo diário de pastejo.
Estas características, naturalmente associadas à qualidade da dieta ingerida (dependente da
composição botânica dos diferentes grupos e da oferta de forragem), determinarão o
desempenho individual de cada animal (produção por animal), que multiplicada pelo
número de animais constituirá a produção por área.
Não se trata, portanto, de um modelo simples e muitas das relações propostas ainda
necessitam ser mensuradas e modeladas (submodelos), utilizando-se a variabilidade natural
existente. A necessidade de inúmeros controles do meio (clima e solo) é indispensável e o
uso de análise multivariada uma ferramenta necessária, conforme Pillar (1998).
5. Considerações finais.
Muitos estudos envolvendo misturas de espécies em sistemas agrícolas, sugerem que um
verdadeiro benefício do aumento da diversidade somente ocorre quando as misturas produzem mais
do que a mais produtiva das espécies em monocultura (Trenbath, 1974). Isto é apropriado para
agroecossistemas, onde a espécie ou mistura de maior performance é selecionada e manejada para
máxima produtividade. Produção total, no entanto, não é o único critério para avaliar o potencial
benefício do aumento da diversidade em pastagens. Distribuição estacional de forragem,
quantidade e custos dos insumos necessários para atingir máximas produções, bem como
benefícios não agronômicos (por ex., melhoria do habitat para as espécies selvagens) para o
aumento da biodiversidade devem ser considerados.
As funções básicas de um ecossistema incluem não apenas produção primária,
ciclagem de nutrientes e decomposição, mas também muitas funções antrópicas de valor
para o homem. É relevante considerar que as estratégias para maximizar as funções
antrópicas (ex., uso de elevadas quantidades de insumos externos para maximizar o
rendimento) freqüentemente têm um efeito negativo sobre o ambiente. Apesar de que
primeiramente foquemos o uso do ecossistema nos outputs produtivos, as pastagens são
quase universalmente cumprindo múltiplas funções simultaneamente. Uso sustentável das
pastagens é o resultado da maximização do número de funções que elas provêm
(Sanderson et al., 2004).
O conceito de multifuncionalidade determinou uma nova abordagem para todas as
disciplinas envolvidas na pesquisa em pastagens. Objetivos científicos, métodos de
investigação e modelos, necessitam ser reconsiderados para que se possa produzir uma
visão integrada das diferentes escala (parcelas de campo, fazenda, paisagem, território,
etc.) onde as diferentes funções necessitam ser avaliadas (Lemaire et al., 2005)
Tendo o pastejo como principal distúrbio em ecossistemas pastoris mais complexos, o
atendimento dos objetivos multifuncionais que estes devem cumprir, depende da correta
identificação das estratégias de plantas individuais e de grupos funcionais, principalmente em
relação à ação do animal, procurando compreender os fenômenos de dinâmica vegetacional
em pastagens de diferentes graus de heterogeneidade. O estudo dos processos de consumo e
seleção de dietas é central para o entendimento dos processos que resultam nas respostas
produtivas. Ainda, se considerarmos a importância da combinação de diferentes espécies e
raças animais, como por exemplo, a ovinocultura teve em “moldar” a fisionomia da maioria
das formações campestres do sul do país, o estudo de seus efeitos associados também
necessita ser considerado neste tipo de estudo.
A região subtropical do Brasil apresenta características particulares de clima e, até
certo ponto, de solos, que a colocam em posição privilegiada em relação a outros
ecossistemas naturais do país. Estes ecossistemas são importantes para a qualidade da
atmosfera e da hidrosfera, assim como para a biodiversidade e porque compõe a maior
parte da ecologia do território. Eles não podem mais ser considerados apenas como um
meio para obter produtos animais a fim de atender às demandas alimentares da população
humana. Ecossistemas pastoris devem ser manejados com múltiplos objetivos,
correspondentes às diferentes funções que estes ecossistemas desempenham: ambiente,
biodiversidade, ecologia do território e produção agrícola com benefícios
sócioeconômicos.
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