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MASCULINIDADES, CURRÍCULO E PODER: UM ESTUDO
EXPLORATÓRIO NO ENSINO DE CIÊNCIAS
Rebeca de Almeida Braga ¹
Cleonice Puggian ²
Neste trabalho apresentaremos os resultados do projeto de iniciação científica “Masculinidades,
currículo e poder”, que está vinculado à pesquisa “Educação e masculinidades: gênero e assimetrias
de poder na escola básica”, coordenada pela Professora Dra. Cleonice Puggian. Este projeto explora
as assimetrias de poder e desigualdades de gênero engendradas através do currículo oficial, oculto e
pelas relações sociais entre os vários membros da comunidade escolar. Indaga como a conjuntura de
fatores que compõe as masculinidades interfere na aprendizagem, sobretudo no campo das ciências.
O estudo das masculinidades justifica-se por informar meios para o enfrentamento de questões
teórico-práticas no campo da educação e justiça social, contribuindo para a defesa da democracia e
dos direitos sociais na escola e na sociedade.
Nesse sentido, Forquin (1993) argumenta que o currículo pode ser pensado como “uma abordagem
global dos fenômenos educativos, uma maneira de pensar a educação que consiste em privilegiar a
questão dos conteúdos e a forma como estes conteúdos se organizam nos cursos”. O autor destaca
que o currículo escolar seria, primeiramente, “no vocabulário pedagógico anglo-saxão, um percurso
educacional, um conjunto contínuo de situações de aprendizagem às quais um indivíduo vê-se
exposto ao longo de um dado período, no contexto de uma instituição de educação formal”.
Currículo, portanto, seria um “um dos meios essenciais pelos quais se acham estabelecidos os traços
dominantes do sistema cultural de uma sociedade” (p. 22). Nesse sentido haveria uma relação direta
entre conhecimento, currículo e poder. Silva (2001) destaca que “o conhecimento não é exterior ao
poder, o conhecimento não se opõe ao poder. O conhecimento não é aquilo que põe em xeque o
poder: o conhecimento é parte inerente do poder (...), o mapa do poder é ampliado para incluir os
processos de dominação centrados na raça, na etnia, no gênero e na sexualidade” (p. 148-1149).
Logo, quando analisamos as relações de gênero engendradas através do currículo e, especialmente
como são forjadas as masculinidades, procuramos desvelar as relações de poder que se estabelecem
nas escolas, sejam forma explícita, através dos programas, ou de forma implícita, através do
currículo oculto. Aqui entendemos como currículo oculto aqueles “aspectos do ambiente escolar
que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita para
aprendizagens sociais relevantes (...) o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente
atitudes, comportamentos, valores e orientações” (p. 78).
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¹ Discente do Curso de Pedagogia, UNIGRANRIO
² Docente da Escola de Educação, Ciências, Letras, Artes e Humanidades, UNIGRANRIO
Gênero, por sua vez, pode ser definido como “a estrutura das relações sociais que centra-se na arena
reprodutiva, bem como no conjunto de práticas (regidas por esta estrutura) que fazem distinções
reprodutivas entre os corpos nos processos sociais” (CONNELL, 2002, p. 10). Identidades
masculinas são uma construção de gênero realizada através de um “processo ativo que ocorre num
campo de relações de poder que são geralmente tensas e contraditórias, e geralmente envolvem
negociação de formas alternativas de ser homem” (CONNELL, 1993, p. 193). Essas formas
diferentes de ser homem são produzidas simultaneamente no mesmo contexto escolar seja pelo
currículo ou pelas relações de poder entre professores e alunos. Connell (1993) argumenta que a
escola, através de seus mecanismos internos, promove diferenciação entre os alunos e,
consequentemente, tipos variados de ser homem, ou seja, várias masculinidades (p. 197), as quais
participam da institucionalização do fracasso escolar.
Carvalho (2004), por exemplo, estudou o desempenho acadêmico de meninos em uma escola básica
de São Paulo e descobriu que, enquanto o número de alunos do sexo masculino e feminino na
escola era equilibrado (49 por cento do sexo masculino e 51 por cento do sexo feminino), os
meninos recebiam mais nomeações para turmas de apoio (65 por cento) assim como indicações para
medidas disciplinares (71 por cento). Carvalho (2003) argumenta que o baixo desempenho escolar e
as indicações para as aulas de apoio eram decorrentes não de problemas de aprendizagem, mas da
dificuldades que os meninos encontravam no cumprimento das regras.
A metodologia da pesquisa, que continua em desenvolvimento, é qualitativa, de cunho etnográfico,
tendo como sujeitos alunos do segundo segmento do ensino fundamental de uma escola pública do
município de Duque de Caxias. Os instrumentos para coleta de dados são: observação participante,
entrevistas abertas e semi-estruturadas com alunos e professores (dados serão gravados em áudio e
vídeo), fotografias e vídeo. Redações e diários em vídeo também tem sido utilizados pelos alunos
para captar suas percepções sobre masculinidade dentro e fora da escola. Dados são analisados de
acordo com a abordagem conhecida como "grounded theory" (GLASER e STRAUSS, 1967).
Este trabalho de iniciação científica foi desenvolvido em duas fases. Na primeira concentramos
esforços na análise da literatura sobre o tema. Entre agosto e setembro de 2010 pesquisamos livros,
artigos e trabalhos de conclusão de curso utilizando como palavras-chave: gênero, educação,
currículo e ensino de ciências. Os obras selecionadas apontam a existência de uma crescente
diferença entre meninos e meninas, representada pelos números de repetência e evasão, assim como
pela defasagem idade-série, os quais são engendrados pelo currículo. Também notamos a escassez
de estudos sobre a relação entre gênero e currículo no segundo segmento, especialmente no campo
das ciências. Recomenda-se portanto, a ampliação das análises das masculinidades no âmbito
escolar, visando a promoção da educação como direito de todos, sejam meninos ou meninas.
Na segunda fase, que ocorreu no primeiro semestre de 2011, iniciamos a preparação da pesquisa de
campo. Abordamos alguns professores, que destacaram a importância do pertencimento no
desenpenho acadêmico dos alunos do sexo masculino oriundo das classes populares. De acordo com
Carvalho (2001, p.572), “nesse repertório de valores, as idéias e os símbolos socialmente
construídos de masculinidade e feminilidade estariam presentes, tanto quanto outras hierarquias
ligadas à estrutura sócio-econômica, às raças ou etnias etc”. Em nossas incursões notamos que a
escola se apresenta como um espaço no qual o indivíduo precisa sentir-se incluso, ou seja,
pertencente ao lugar no qual vai construir sua identidade. A sensação de não pertencimento conduz
o aluno a buscar um espaço onde encontre aceitação, onde ele se reconheça no outro, seja por meio
de roupas, gestos, gosto musical, etc. Surge então a necessidade de se afirmar como homem diante
dos “amigos” e de demarcar territórios. Relatos coletados nas escolas indicam que, muitas vezes, as
gangues, as drogas e atos de violência farão parte das representações masculinas desses alunos.
Muitos entram para o tráfico de drogas, na tentativa de serem recompensados pela condição social
na qual se encontram. Tais questões nos levam ao entendimento de que a construção da identidade
masculina acaba tangenciando situações de violência. Outro tipo de separação realizada na escola é
entre os meninos mais populares, fisicamente bem dotados, e os meninos chamados de “nerds”, que
são reconhecidos como os mais inteligentes.
Neste caso, a instituição escolar internaliza a
dicotomia do sucesso físico (esportivo) e sucesso acadêmico (PIZZI, 2007).
Concluimos que a instituição escolar desempenha um papel essencial na promoção da igualdade de
gênero. Para tanto, é preciso que os educadores incorporem uma perspectiva crítica sobre o
currículo e que os mesmos sejam instruídos em sua formação, compreendendo os significados da
masculinidade e da feminilidade na formação humana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Desenvolvimento Curricular para o 1o. Ciclo Básico. Porto, Porto Editora,1994.
CARVALHO, M. P. d. O fracasso escolar de meninos e meninas: articulações entre gênero e
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29(1), 2003.
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meninas. Revista de Estudos Feministas, 2001, vol.9, n.2, pp. 554-574.
CONNELL, R. Gender. Oxford: Polity, 2002.
CONNELL, R. Masculinities. Cambridge: Polity, 1995.
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PIZZI, Laura Cristina Vieira; FUMES, Neiza de Lourdes Frederico (Org.). Formação do
pesquisador em educação: identidade, diversidade, inclusão e juventude. Maceió: Edufal, 2007.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Quem escondeu o currículo oculto. In Documento de identidade: uma
introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte, Autêntica, 2001, p. 77-152.
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