VEJA on-line Página 1 de 4 i j k l m n ok Edição 1906 . 25 de maio de 2005 Economia e Negócios Vale a pena encurtar o gol? Alguns querem mudar as metas no meio do jogo para derrotar a inflação. Até no futebol esse expediente daria confusão Índice Carina Nucci Baptistão Stephen Kanitz Millôr Diogo Mainardi Tales Alvarenga André Petry Roberto Pompeu de Toledo Carta ao leitor Entrevista Cartas Radar Holofote Contexto Veja essa Auto-retrato Gente Datas VEJA Recomenda Os livros mais vendidos A inflação não dá tréguas no Brasil. Atingiu mais de 2,7% nos NESTA REPORTAGEM primeiros quatro meses do ano, Quadro: Tolerância que mais da metade da meta de 5,1% resiste prevista oficialmente para 2005. Para cumpri-la, o Banco Central elevou na semana passada a taxa de juros básicos da economia pelo nono mês consecutivo, para 19,75% ao ano. Em qualquer http://veja.abril.com.br/250505/p_114.html 12/9/2006 VEJA on-line Página 2 de 4 economia organizada, essa medida seria recebida com naturalidade, já que o papel dos bancos centrais é manter a inflação sob controle e assegurar o poder de compra da moeda. No Brasil a medida recebeu a costumeira saraivada de críticas, o que é normal em um país asfixiado pelos juros altos e com necessidade premente de crescer a taxas mais generosas. Desta vez, em uma auspiciosa mudança de atitude, muita gente lembrou que não se pode colocar todo o peso do controle inflacionário sobre os juros (veja quadro abaixo). É preciso, por exemplo, combinar a política de juros com um efetivo corte de gastos do governo, com o uso mais inteligente do câmbio valorizado e perseguir a independência do Banco Central. Mas, como não poderia ser de outro modo, a mexida do BC motivou também um conjunto de propostas salvacionistas. Os críticos da atual política monetária apresentaram uma série de sugestões teoricamente capazes de interromper a escalada dos juros. A mais descabida delas partiu do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o "Conselhão" formado por representantes da sociedade civil e criado pelo presidente Lula para estreitar a relação entre as decisões em Brasília e os anseios da sociedade. Na quinta-feira passada, o Conselhão aprovou uma moção propondo a reformulação no Conselho Monetário Nacional, cuja principal função é fixar as metas de inflação. Pela proposta, o CMN, hoje formado pelos ministros da área econômica e diretores do Banco Central, teria também representantes dos empresários e dos trabalhadores, que, apegados a seus próprios interesses, dariam pitacos na definição das metas de inflação. A proposta situa-se na contramão da tendência mundial. Em vez de defender a independência do BC, o que aproximaria o Brasil das economias mais sensatas, propõe-se politizar ainda mais a já complicada gestão da política monetária no Brasil. No centro dessa discussão está o regime de metas de inflação do país implementado em 1999. Segundo seus críticos, as metas brasileiras seriam muito rígidas e, para cumpri-las, o BC estaria solapando o crescimento do Brasil com uma dose exagerada de juros. Na verdade, um simples estudo do regime de metas de inflação no mundo destrói esse argumento. Entre todos os países que o adotaram, o Brasil é o menos ousado. Enquanto todos os países fixaram a meta de inflação ao redor de 3,5%, o Brasil persegue um índice de 5,1%, com tolerância de até 7%. O Chile, que adotou o regime de metas em 1991, conseguiu crescer a uma média anual de 5,6% desde então. O Brasil, com uma tolerância muito maior à inflação, cresceu cerca de 2,6% ao ano desde http://veja.abril.com.br/250505/p_114.html Marcos Rosa 12/9/2006 VEJA on-line Página 3 de 4 1999 – prova de que o combate à inflação não é, em sua essência, um obstáculo ao crescimento. Na verdade, ele é a única garantia de crescimento duradouro. Pelas contestações que recebe, o modelo brasileiro parece resultado de uma tábua inflexível de vontades de meia dúzia de "monetaristas neoliberais". Infelizmente para os críticos, não é nada disso. Em 2002, para amenizar o impacto causado pelo aumento do dólar nas taxas de inflação, o BC esticou a margem de tolerância da meta de 2 pontos para Pesadelo da remarcação de nos anos 80: inflação 2,5 pontos para cima ou para baixo. É preços alta desorganizou a economia a maior margem entre todos os países que adotam sistemas como o brasileiro. No ano passado, o BC foi novamente tolerante ao elevar a meta de 4,5% para 5,1% devido ao impacto sobre a inflação do aumento dos preços internacionais das commodities. Outra crítica costumeira contra o sistema de metas é a inclusão, em seu cálculo, das tarifas públicas corrigidas pelo governo, por um índice extremamente sensível ao dólar. É o caso das contas de luz e telefone, que são praticamente blindadas ao efeito dos juros. Quer eles caiam ou não, as tarifas sobem de acordo com outros critérios. Mas, como eles compõem a meta, exigem juros maiores da autoridade monetária. Como resultado, a sociedade estaria pagando um preço exagerado, na forma de juros estratosféricos, por uma inflação que não foi causada pelo excesso de consumo. Esse argumento, embora mais qualificado que os anteriores, também não tem consistência. Se o governo excluir as tarifas públicas do índice de inflação e usar apenas o seu núcleo, terá de reduzir também a meta, já que ela incorpora os preços administrados. Se eles forem retirados, a inflação oficial cai, mas a meta tem de ficar mais rigorosa. Resultado: a política monetária não seria muito diferente. Mesmo se admitirmos que os preços administrados sejam retirados sem que a meta seja reduzida, o ganho também seria muito pequeno. "Se essa regra valesse em 2002, a inflação teria sido de 11% em vez de 12,5%. Trata-se de uma diferença marginal", disse a VEJA Ilan Goldfajn, ex-diretor de política econômica do BC. Também seria difícil explicar à população o que significa uma inflação oficial diferente daquela que ele verifica no dia-a-dia. "As pessoas sentirão no bolso o reajuste das tarifas públicas enquanto o BC dirá a elas que a inflação é menor justamente porque não inclui essas tarifas. Quem acreditaria nesse Banco Central?", explica Alexandre Mathias, economista-chefe do Unibanco Asset Management e um dos maiores estudiosos do tema no Brasil. Hoje, 22 países adotam http://veja.abril.com.br/250505/p_114.html 12/9/2006 VEJA on-line Página 4 de 4 regimes de metas e apenas a Tailândia exclui do cálculo as tarifas de energia e alguns alimentos. Se o Conselhão de Lula quiser contribuir para o debate econômico no país, deveria pensar em medidas complementares aos juros para combater o aumento de preços. Alguns empresários, por exemplo, insistem em repassar aos salários e aos produtos a elevação do custo de matérias-primas e tarifas públicas. É uma espécie de jabuticaba da indexação. Só existe no Brasil. Os críticos dos juros altos também deveriam defender a independência do BC. Na América Latina, o país mais bem-sucedido no combate à inflação é o Chile. O reajuste de preços, que era de 20% em 1991, caiu para 3% hoje. E lá a independência do BC veio antes mesmo do próprio regime de metas. Diz o economista chileno Ricardo Núñez Sandoval, professor da Universidade do Chile e um dos maiores entusiastas do modelo: "Se o Chile tem algo a ensinar ao Brasil é que não se reduz inflação sem um banco central independente. Pressões políticas só existem porque há brechas, ainda que remotas, de que o governo possa ceder a elas. A independência acaba com esse debate". topo http://veja.abril.com.br/250505/p_114.html voltar 12/9/2006