Vale a pena encurtar o gol?

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Edição 1906 . 25 de maio de 2005
Economia e Negócios
Vale a pena encurtar o gol?
Alguns querem mudar as metas no meio
do jogo para derrotar a inflação. Até no
futebol esse expediente daria confusão
Índice
Carina Nucci
Baptistão
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Millôr
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André Petry
Roberto Pompeu de
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A inflação não dá tréguas no
Brasil. Atingiu mais de 2,7% nos
NESTA REPORTAGEM
primeiros quatro meses do ano,
Quadro: Tolerância que
mais da metade da meta de 5,1%
resiste
prevista oficialmente para 2005.
Para cumpri-la, o Banco Central
elevou na semana passada a taxa de juros básicos da economia
pelo nono mês consecutivo, para 19,75% ao ano. Em qualquer
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economia organizada, essa medida seria recebida com
naturalidade, já que o papel dos bancos centrais é manter a
inflação sob controle e assegurar o poder de compra da moeda.
No Brasil a medida recebeu a costumeira saraivada de críticas,
o que é normal em um país asfixiado pelos juros altos e com
necessidade premente de crescer a taxas mais generosas.
Desta vez, em uma auspiciosa mudança de atitude, muita
gente lembrou que não se pode colocar todo o peso do controle
inflacionário sobre os juros (veja quadro abaixo). É preciso, por
exemplo, combinar a política de juros com um efetivo corte de
gastos do governo, com o uso mais inteligente do câmbio
valorizado e perseguir a independência do Banco Central.
Mas, como não poderia ser de outro modo, a mexida do BC
motivou também um conjunto de propostas salvacionistas. Os
críticos da atual política monetária apresentaram uma série de
sugestões teoricamente capazes de interromper a escalada dos
juros. A mais descabida delas partiu do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social, o "Conselhão" formado
por representantes da sociedade civil e criado pelo presidente
Lula para estreitar a relação entre as decisões em Brasília e os
anseios da sociedade. Na quinta-feira passada, o Conselhão
aprovou uma moção propondo a reformulação no Conselho
Monetário Nacional, cuja principal função é fixar as metas de
inflação. Pela proposta, o CMN, hoje formado pelos ministros da
área econômica e diretores do Banco Central, teria também
representantes dos empresários e dos trabalhadores, que,
apegados a seus próprios interesses, dariam pitacos na
definição das metas de inflação.
A proposta situa-se na contramão da tendência mundial. Em
vez de defender a independência do BC, o que aproximaria o
Brasil das economias mais sensatas, propõe-se politizar ainda
mais a já complicada gestão da política monetária no Brasil. No
centro dessa discussão está o regime de metas de inflação do
país implementado em 1999. Segundo seus críticos, as metas
brasileiras seriam muito rígidas e, para cumpri-las, o BC estaria
solapando o crescimento do Brasil com uma dose exagerada de
juros.
Na verdade, um simples estudo do
regime de metas de inflação no
mundo destrói esse argumento. Entre
todos os países que o adotaram, o
Brasil é o menos ousado. Enquanto
todos os países fixaram a meta de
inflação ao redor de 3,5%, o Brasil
persegue um índice de 5,1%, com
tolerância de até 7%. O Chile, que
adotou o regime de metas em 1991,
conseguiu crescer a uma média anual
de 5,6% desde então. O Brasil, com
uma tolerância muito maior à inflação,
cresceu cerca de 2,6% ao ano desde
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Marcos Rosa
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1999 – prova de que o combate à
inflação não é, em sua essência, um
obstáculo ao crescimento. Na verdade,
ele é a única garantia de crescimento
duradouro.
Pelas contestações que recebe, o
modelo brasileiro parece resultado de
uma tábua inflexível de vontades de
meia dúzia de "monetaristas
neoliberais". Infelizmente para os
críticos, não é nada disso. Em 2002,
para amenizar o impacto causado pelo
aumento do dólar nas taxas de
inflação, o BC esticou a margem de
tolerância da meta de 2 pontos para
Pesadelo da remarcação de
nos anos 80: inflação
2,5 pontos para cima ou para baixo. É preços
alta desorganizou a economia
a maior margem entre todos os países
que adotam sistemas como o brasileiro. No ano passado, o BC
foi novamente tolerante ao elevar a meta de 4,5% para 5,1%
devido ao impacto sobre a inflação do aumento dos preços
internacionais das commodities.
Outra crítica costumeira contra o sistema de metas é a
inclusão, em seu cálculo, das tarifas públicas corrigidas pelo
governo, por um índice extremamente sensível ao dólar. É o
caso das contas de luz e telefone, que são praticamente
blindadas ao efeito dos juros. Quer eles caiam ou não, as
tarifas sobem de acordo com outros critérios. Mas, como eles
compõem a meta, exigem juros maiores da autoridade
monetária. Como resultado, a sociedade estaria pagando um
preço exagerado, na forma de juros estratosféricos, por uma
inflação que não foi causada pelo excesso de consumo.
Esse argumento, embora mais qualificado que os anteriores,
também não tem consistência. Se o governo excluir as tarifas
públicas do índice de inflação e usar apenas o seu núcleo, terá
de reduzir também a meta, já que ela incorpora os preços
administrados. Se eles forem retirados, a inflação oficial cai,
mas a meta tem de ficar mais rigorosa. Resultado: a política
monetária não seria muito diferente.
Mesmo se admitirmos que os preços administrados sejam
retirados sem que a meta seja reduzida, o ganho também seria
muito pequeno. "Se essa regra valesse em 2002, a inflação
teria sido de 11% em vez de 12,5%. Trata-se de uma diferença
marginal", disse a VEJA Ilan Goldfajn, ex-diretor de política
econômica do BC. Também seria difícil explicar à população o
que significa uma inflação oficial diferente daquela que ele
verifica no dia-a-dia. "As pessoas sentirão no bolso o reajuste
das tarifas públicas enquanto o BC dirá a elas que a inflação é
menor justamente porque não inclui essas tarifas. Quem
acreditaria nesse Banco Central?", explica Alexandre Mathias,
economista-chefe do Unibanco Asset Management e um dos
maiores estudiosos do tema no Brasil. Hoje, 22 países adotam
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regimes de metas e apenas a Tailândia exclui do cálculo as
tarifas de energia e alguns alimentos.
Se o Conselhão de Lula quiser contribuir para o debate
econômico no país, deveria pensar em medidas
complementares aos juros para combater o aumento de preços.
Alguns empresários, por exemplo, insistem em repassar aos
salários e aos produtos a elevação do custo de matérias-primas
e tarifas públicas. É uma espécie de jabuticaba da indexação.
Só existe no Brasil. Os críticos dos juros altos também
deveriam defender a independência do BC. Na América Latina,
o país mais bem-sucedido no combate à inflação é o Chile. O
reajuste de preços, que era de 20% em 1991, caiu para 3%
hoje. E lá a independência do BC veio antes mesmo do próprio
regime de metas. Diz o economista chileno Ricardo Núñez
Sandoval, professor da Universidade do Chile e um dos maiores
entusiastas do modelo: "Se o Chile tem algo a ensinar ao Brasil
é que não se reduz inflação sem um banco central
independente. Pressões políticas só existem porque há brechas,
ainda que remotas, de que o governo possa ceder a elas. A
independência acaba com esse debate".
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