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J Bras Nefrol 2000;22(4):241-3
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Relato de Caso: Nefropatia membranosa e psoríase vulgar – a
propósito de dois casos
Vinicius DA Delfino, Alda L Guembarovski, Anuar M Matni e Altair J Mocelin
Resumo
Embora não freqüentemente, associação entre psoríase vulgar e nefropatia
membranosa tem sido relatada, sendo um mecanismo auto-imune comum
sugerido como a origem desta associação. Apresentam-se os casos de 2
pacientes portadores de psoríase vulgar que desenvolveram nefropatia
membranosa durante o curso da dermatose e que, apesar das terapêuticas
utilizadas, evoluíram para insuficiência renal crônica terminal. Estes são,
provavelmente, os primeiros casos descritos desta associação no país.
Hospital Universitário de Londrina
Endereço para correspondência:
Vinicius Daher A Delfino
Av. Bandeirantes, 804
86010-010 Londrina, PR
Telefax: (0xx43) 321-1824
E-mail: [email protected]
Nefropatia membranosa. Psoríase
vulgar. Auto-imunidade.
Membranous nephropathy. Psoriasis
vulgaris. Autoimmunity.
)>IJH=?J
Although infrequently, association of psoriasis vulgaris with membranous
nephropathy has been recorded, suggesting the existence of a common autoimmune
mechanism. Two cases psoriasis vulgaris patients who developed membranous
nephropathy in the course of the dermatitis are presented. Despite the treatment,
they developed advanced chronic renal failure. These seem to be the first reported
cases of this association in Brazil.
Introdução
Psoríase vulgar é uma doença de pele geneticamente determinada, de natureza inflamatória e proliferativa,1 havendo evidências da participação de fenômenos auto-imunes em sua complexa patogênese.1-3
Recentemente, foi sugerido que a psoríase, a exemplo
de outras doenças da pele como vitiligo, líquen plano
e alopécia areata, seja auto-imune por natureza.4 Nefropatia membranosa, para a qual também se postulam
mecanismos de auto-imunidade,5 pode estar associada
a uma vasta lista de condições que incluem, entre outras, doenças auto-imunes como lupus eritematoso sistêmico e artrite reumatóide. Lesão glomerular tem sido
descrita no contexto de psoríase vulgar,6,10 incluindo
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nefropatia por IgA, amiloidose e nefropatia membranosa. Apresentam-se dois casos de psoríase vulgar e
nefropatia membranosa, pretendendo chamar a atenção para a possibilidade dessa associação.
Caso 1
Paciente masculino, 55 anos, branco, açougueiro.
Portador de psoríase vulgar há 8 anos, tendo sido avaliado por vários dermatologistas, com sucesso variável
nos tratamentos, porém nunca alcançando remissão completa. Quando da primeira consulta, 1992, vinha fazendo suplementação de ácidos graxos poliinsaturados há
3 meses. Há 1 ano, aparecimento de edema corporal
generalizado e de hipertensão arterial. Ao exame físico
de admissão, apresentava-se em anasarca e com pres-
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são arterial de 160/105 mm Hg. Observavam-se lesões
psoriáticas por todo o tegumento, com predomínio em
tronco e membros superiores. Sinais da vela e do orvalho sangrento positivos em duas lesões torácicas examinadas. Avaliação laboratorial revelou: urina I: densidade
1.020, pH 5,5, proteínas+++, leucócitos 56.000/ml; hemáceas 24.000/ml; proteinúria de 24 horas: 9,47 g; proteínas totais: 4,2 g/dl (albumina: 1,13 g/dl); creatinina
1,2 mg/dl; glicemia 89 mg/dl; ultra-som abdominal: rins
de tamanho e morfologia normais, com aparência normal de demais órgãos intracavitários. RX de tórax normal; endoscopias digestivas alta e baixa normais. Antígeno de superfície do vírus da hepatite B (Hbs Ag),
fator antinuclear (FAN), pesquisa de doenças venéreas
no laboratório (VDRL): negativos. Submetido à biópsia
renal percutânea, a qual revelou espessamento das paredes capilares glomerulares, com formação de espículas. Coloração por vermelho congo: negativa. Imunofluorescência não disponível. Iniciado tratamento com
diuréticos e enalaprilato. Dez meses após a biópsia, creatinina elevou-se para 2,3 mg/dl e a proteinúria para 16
g/dia. Recebeu prednisona (2 mg/kg, em dias alternados, por 8 semanas, com redução gradativa da dose).
Após o tratamento, a creatinina caiu para 1,6 mg/dl e a
proteinúria, para 7,5 g/dia. Creatinina ficou na faixa de
2,0-2,2 mg/dl por 2 anos quando a mesma se elevou
para 4,83 mg/dl, e a proteinúria ascendeu para 17 g/dia.
Novo tratamento com corticóide não produziu resposta
clínica, tendo iniciado hemodiálise 11 meses após o segundo tratamento. Na admissão para diálise, Hbs Ag,
anticorpo anti-Hepatite C e anti-HIV 1+2 negativos. De
nota, é o fato do completo desaparecimento da psoríase
durante os dois tratamentos com corticóide.
Caso 2
Paciente masculino, 40 anos, branco, comerciante.
Portador de psoríase vulgar, documentada por biópsia
de pele (Figura 1), desde início de 1993, fazendo uso
de cremes e pomadas receitadas por dermatologistas,
os quais, na opinião do paciente, faziam pouco efeito.
Veio para consulta em janeiro de 96 com história de ter
sido descoberto presença de proteína na urina em outubro de 1994, durante avaliação médica de rotina. Na
época, completamente assintomático. Em dezembro de
1994, houve aparecimento de intenso edema corporal
e hipertensão arterial. Procurou nefrologista que prescreveu prednisona 80 mg/dia por 45 dias. Ficou livre
das lesões da psoríase, o edema melhorou, mas a proteína na urina e a hipertensão permaneceram. Desde
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então, vem usando corticóides diariamente, em diferentes dosagens e formulações, por vezes associados a
antiinflamatórios não-hormonais, por orientação de médico amigo, sempre sem sucesso. No exame clínico da
primeira consulta em janeiro de 1996, pressão arterial
de 190/130 mm Hg, edema ++++ de membros inferiores, sem lesões cutâneas sugestivas de psoríase. Avaliação laboratorial revelou: urina I: proteína ++++, glicosúria ++, 10.000 leucócitos/ml, 10.000 hemáceas/ml;
proteinúria de 24 horas 11,4 g; proteínas totais: 4,6 g/dl
(albumina 2,21 g/dl); creatinina 1,5 mg/dl; glicemia 94
mg/dl, C3, C4 e C.H.50 normais, VDRL, Hbs Ag, anticorpos anti-Hepatite C, anti-HIV 1+2: negativos; ultrasom de abdome: rins de forma e tamanho normais,
sem anormalidades visíveis em demais órgãos intraperitoneais; RX de tórax normal. Foi suspensa a corticoterapia, por excesso de evidências da córtico-resitência
da síndrome nefrótica, e iniciado diuréticos e enalaprilato. Solicitada biópsia renal cirúrgica que revelou nefropatia membranosa à microscopia óptica (Figura 2),
confirmada pela imunofluorescência (IgG +++ e C3+,
padrão granular, em alças capilares). No retorno, 30
dias após a suspensão da terapia esteróide, o paciente
apresentava-se com lesões disseminadas de psoríase
pelo corpo. Em outubro de 96, a creatinina elevou-se
para 1,97 mg/dl. Persistia nefrótico, com proteinúria
de 24 horas de 6,5 g e albumina sérica de 2,21 g/dl.
Iniciado tratamento com ciclos mensais alternados de
clorambucil e prednisona por 6 meses. Com o tratamento, não houve alteração significativa na proteinúria. Até maio de 97, creatinina entre 2,2-2,4 mg/dl. Em
agosto de 97 creatinina de 3,0 mg/dl. Em dezembro de
97: creatinina de 5,0 mg/dl. Iniciado ciclofosfamida 1,5
mg/kg/dia e prednisona 40 mg/dia, com redução gradativa da última. Em março de 98, suspensa a imunossupressão. Creatinina de 6,0 mg/dl.
Também neste caso, verificou-se o desaparecimento das lesões da psoríase com a imunossupressão. A
resposta da nefropatia membranosa, a despeito das terapias utilizadas, foi ruim.
Discussão
Ao relatarem seus casos de associação entre psoríase vulgar e nefropatia membranosa, Kaji et al8 e Sakemi
et al9 especulam que, por serem doenças em que a autoimunidade está implicada na gênese, e pela melhora
simultânea da psoríase e da nefropatia com tratamento
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Figura 1 - Biópsia de pele (caso 2). Hematoxilina-eosina, aumento de 400
vezes. Lesão papilomatosa, acantótica (dermatite crônica de padrão
psoriasiforme).
mi, utilizando corticoterapia oral seguida de ciclofosfamida, conseguiu redução parcial da síndrome
nefrótica. Após o tratamento, paciente foi mantido
com 10 mg de prednisona ao dia e, três anos depois,
a creatinina tinha passado de 0,91 mg/dl para 3,25
mg/dl, e a proteinúria estava na faixa de 2-3 g/dia,
lembrando a evolução do caso 1. O paciente do caso
número 2 não apresentou resultado favorável renal,
quer com corticoterapia, quer com tratamento seqüencial com prednisona e clorambucil. Estes casos
apresentam seguimento em longo prazo, sendo que
em ambos não foi possível evitar o desenvolvimento
de insuficiência renal crônica avançada, apesar dos
tratamentos utilizados.
Referências
Figura 2 - Biópsia renal (caso 2). Coloração pela prata, aumento de 1.000
vezes. Presença de espículas em alças capilares glomerulares (seta).
imunossupressor, um mecanismo imunológico causal
comum poderia ser o causador dessa associação.
À semelhança do observado por Kaji, porém diferentemente do visto por Sakemi (no qual as doenças eclodiram simultaneamente) nos pacientes deste
relato, a doença renal apareceu depois do diagnóstico de psoríase vulgar (8 anos no primeiro caso, cerca de 1 ano e meio no segundo). Em concordância
com os relatos dos já referidos autores, está o completo desaparecimento das lesões de psoríase durante o tratamento com imunossupressores. Com relação à resposta das síndromes nefróticas aos
tratamentos, Kaji refere remissão completa da proteinúria com a terapia esteróide oral. Infelizmente,
porém, não foram apresentados dados sobre a evolução da síndrome nefrótica e da função renal. Sake-
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1.
Camp RDR. Psoriasis. In: Champion RH, Burton JL, Ebling
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2.
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J, Wilson S. IgA nephropathy in Psoriasis. Am J Nephrol
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Fonte de financiamento e conflito de interesse inexistentes.
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