O papel do médico veterinário no controlo da saúde pública num

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Congresso de Ciências Veterinárias [Proceedings of the Veterinary Sciences Congress, 2002], SPCV, Oeiras, 10-12 Out., pp. 295-300
Segurança e Qualidade Alimentar
O papel do médico veterinário no controlo da saúde pública num espaço urbano
– Parque Expo 98 [Controlling Public Health in an urban area (Parque Expo
98): The Role of Veterinarians]
Maria Emília Sebastião
Câmara Municipal de Lisboa
Resumo
A defesa da Saúde Pública é uma actividade complexa e multidisciplinar em que só
congregando vários saberes é possível obter resultados. As áreas a controlar por um serviço de
Saúde Pública num espaço urbano específico são: Ar, água, ruído, pragas, controlo de resíduos
sólidos urbanos, segurança alimentar.
No controlo da segurança alimentar, os alimentos colocados à disposição dos consumidores
são causa permanente de preocupação para os responsáveis de um serviço de saúde pública. As
doenças provocadas por bactérias e outros organismos, entre eles as intoxicações alimentares, são
de longe a maior preocupação dos técnicos de saúde pública. A maior parte das doenças alimentares
podem ser evitadas case se respeitem as regras de higiene e se proceda a um correcto
manuseamento dos alimentos. Compreende-se pois que os restaurantes e similares de hotelaria
(cafés, pastelarias, etc.) sejam uma área privilegiada para a prevenção das intoxicações alimentares.
Além dos aspectos estruturais, as condições operativas para a segurança alimentar residem
na adequada formação dos manipuladores dos alimentos.
Daí que a formação em higiene e segurança alimentar com a atribuição de um Boletim de
Manipulador deverá tornar-se obrigatória em Portugal.
Summary
Public Health protection is a complex and multidiscipline activity and to achieve positive
results it is necessary to gather different efforts and knowledge. For the control of a specific urban
area, public health professionals should check: air and water quality, plagues, urban solid waste and
food safety.
Public Health experts consider food safety control a constant problem. Illness caused by
bacteria and other organisms, and foodborne illnesses are recognised by Food Safety and
Inspection Services as a major and significant public health issue. Most foodborne illnesses can be
avoided if hygienic safety rules are observed and if all the steps in the food production, processing,
distribution and marketing chain are duly carried out. This is why restaurants and any other
hospitality establishment are a privileged sector to implement prevention programmes by avoiding
the risk of microbial food contamination.
Besides structural aspects, it is required to create and implement effective training
programmes to help hospitality professionals improving operation conditions in food safety.
It is our goal that Portuguese legislation compels hospitality professionals to attend courses on
hygiene and food safety and have them identified by Identity Card attesting their professional
qualification.
Podemos dizer que a Saúde Pública teve o seu inicio a partir do momento em que o Homem
se apercebeu que a vida em comunidade resultava no aparecimento de perigos para os indivíduos
dessa comunidade e de forma mais ou menos consciente foi descobrindo os meios para os evitar.
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A defesa da Saúde Pública é hoje uma actividade complexa e multidisciplinar em que só
congregando vários saberes é possível obter resultados.
Vejamos então as áreas a controlar por um Serviço de Saúde Pública num espaço urbano
específico como o do Parque das Nações:
I - AR
A poluição atmosférica é caracterizada pela presença de substâncias estranhas no ar: a sua
concentração excessiva é susceptivel de afectar a saúde e causar danos à fauna e flora. A sua
monitorização e controlo estão a cargo do Ministério do Ambiente.
II - ÁGUA:
O controlo da potabilidade da água está regulamentado pelo Decreto Lei 236/98 de 1 de
Agosto.
Nele estão definidos os tipos de análise, a sua frequência e o número de pontos de recolha
conforme o número de residentes de um aglomerado urbano, estando fixados os valores máximos
recomendados (VMR) ou admissiveis (VMA) de cada parâmetro, aplicados a cada espaço
particular.
Este controlo é efectuado pelo Gabinete de Saúde Pública da Parque Expo 98.
III - PRAGAS:
Murídeos,
Insectos rastejantes,
Mosquitos,
Animais vádios,
Pombos.
Há que controlar as condições ambientais propícias ao aparecimento de pragas. A higiene
dos espaços públicos e das cozinhas, o cuidado com os resíduos orgânicos, obrigatoriamente
ensacados e contentorizdos, são condições básicas para controlar o desenvolvimento das pragas.
Embora em muitas cidades e vilas do País haja um sistema eficaz de recolha de resíduos
sólidos urbanos (RSU´s), existem sempre falhas como as que muito frequentemente se detectam nos
estaleiros de obras de construção civil onde os restos das refeições dos operários são deitados para o
chão e servem de alimento às pragas. Nos restaurantes e estaleiros de obras está a cargo de cada
operador e no espaço exterior está a cargo da Parque Expo 98.
IV - RUÍDO
O ruído e o controlo da poluição sonora, tendo em vista a salvaguarda da saúde e o bem
estar das populações, está regulamentado pelo Decreto Lei 292/2000 de 14 de Novembro. A
fiscalização das normas impostas está a cargo da competente entidade licenciadora da
Administração Central do Estado ou, na sua falta, à Inspecção Geral do Ambiente e às Direcções
Regionais do Ambiente e do Ordenamento do Território, sem prejuízo das atribuições e
competências dos Municípios e dos Governos Civis e dos poderes das Autoridades Policiais.
No Parque das Nações a monitorização e controlo está a cargo do Departamento do
Ambiente.
V - CONTROLO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS
A recolha de RSU´S é efectuada pela Parque Expo 98 que impõe procedimentos operativos
aos agentes económicos que os produzem.
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VI - SEGURANÇA ALIMENTAR
Hoje em dia o ritmo de vida da população activa obriga a deslocações para os grandes
centros urbanos para aí poder exercer a sua actividade profissional e ao consumo no mínimo, de
duas refeições fora de casa.
Os alimentos colocados à disposição dos consumidores são causa permanente de preocupação
para os responsáveis de um serviço de Saúde Pública.
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Frequentemente transmitem ao Homem doenças provocadas por bactérias e/ou suas
toxinas,virus, protozoários e parasitas.
Podem também transmitir intoxicações por substâncias químicas.
São ainda susceptíveis de causar lesões por meios físicos (queimaduras por temperaturas
elevadas, lacerações por corpos estranhos, etc).
As doenças provocadas por bactérias e outros organismos, entre elas as intoxicações
alimentares, reveladas por síndromas do foro gastrintestinal, com vómitos, diarreias e febre, são de
longe a maior preocupação dos técnicos de Saúde Pública.
Num País como os EUA, anualmente existem cerca de 76 milhões de casos de intoxicação
alimentar, com 325.000 hospitalizações e 5 mil mortes (Sofos, N. Jones, Emerging Foodborne
Pathogenes, 2002, Colorado State University).
Na maior parte dos casos, na falta de inquéritos epidemiológicos não é possível a
identificação da causa dos surtos de toxinfecção alimentar e a sua caracterização. Em Portugal, os
dados que existem a nível nacional são ainda escassos.(Seria útil começar por fazer estudos
epidemiológicos a nível regional ou mesmo concelhio e determinar a declaração obrigatória e a
realização de inquéritos epidemiológicos a cada surto de intoxicação alimentar).
A maior parte das doenças alimentares podem ser evitadas caso se respeitem as regras de
higiene e se proceda a um correcto manuseamento dos alimentos.
As estatísticas dizem que a principal causa das doenças alimentares é o não cumprimento
das temperaturas correctas, seguida da falta de higiene pessoal, como se pode verificar na figura
seguinte:
Refrigeração
inadequada
Má higiene pessoal
Aquecimento
inadequado
Equipamento
inadequado
Alimentos
contaminados
Outros
Também se constata na figura abaixo apresentada que o maior número de casos de doenças
Restauração
Casa do
consumidor
Outros
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alimentares surge na restauração, seguida da casa do consumidor:
Fonte: US Department of Health & Human Services, Public Health Service, Morbidity and Mortality Report.
Compreende-se que os restaurantes e similares de hotelaria sejam uma área privilegiada para
a prevenção das intoxicações alimentares.
Assim, os estabelecimentos destinados à preparação, confecção, conservação, exposição e
comercialização de alimentos devem ser concebidos, planificados, desenhados, construídos e
equipados de modo a permitir, uma fácil limpeza e o estabelecimento de circuitos funcionais dos
géneros alimentícios e do pessoal.
Condições básicas estruturais:
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Evitar a contaminação cruzada, com correcta separação das zonas sujas e zonas limpas;
Manter um fluxo de trabalho contínuo e de sentido uniforme(marcha em frente);
Possuir instalações próprias para a higiene do pessoal;
Possuir utensílios e equipamento adequados;
Estar dotadas de meios frigoríficos e de cozimento com capacidades e temperaturas
adequadas;
Possuir iluminação e ventilação adequadas;
Ter um sistema de recolha de resíduos sólidos eficiente e normativos de operação
devidamente monitorizados.
Além dos aspectos estruturais, as condições operativas para a segurança alimentar e para o
sucesso dos restaurantes residem na adequada formação dos manipuladores de alimentos. Esta é
uma das áreas mais importantes para reduzir o número de doenças alimentares provocadas pelos
alimentos.
Portugal é um dos poucos países ocidentais em que se pode passar com tranquilidade de
qualquer profissão para a de cozinheiro, sem ter qualquer formação em Higiene e Segurança
Alimentar e sem ser necessário dela prestar provas perante entidades qualificadas para o efeito.
Assim, a Directiva 93/43/CEE de 14 de Junho relativa à Higiene dos Géneros Alimentícios,
que é transposta para a ordem juridica nacional pelo Decreto-Lei nº. 68/98 de 18 de Março, refere
no capítulo VI, artigo 16º a formação da seguinte forma (sic):
“As empresas do sector alimentar devem certificar-se de que as pessoas que manipulem
alimentos sejam devidamente orientadas e esclarecidas e disponham de formação em matéria de
higiene adequada à sua actividade profissional”
Em Espanha o Real Decreto 202/2000 de 11 de Fevereiro, no artigo 2º, define os
manipuladores de alimentos de maior risco como todos aqueles que dedicam a sua actividade
profissional à preparação e manipulação de alimentos para venda e fornecimento directo ao
consumidor e exige que perante as autoridades sanitárias prestem provas dos conhecimentos
adquiridos na área da higiene alimentar. Para além dos referidos conhecimentos os manipuladores
terão de os pôr em prática e essa prática deverá ser vigiada e cumprida.
No referido Decreto também está contemplada a atribuição de um boletim de manipulador
pela autoridade sanitária competente.
À semelhança do que acontece em Espanha, a formação em Higiene e Segurança Alimentar
deverá tornar-se obrigatória em Portugal.
Desde Maio de 1998 no recinto da Exposição, hoje Parque das Nações temos vigiado as
operações e tentado controlar as intoxicações alimentares mediante:
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Verificação dos conhecimentos de higiene e da sua prática pelos manipuladores;
Verificação das condições de higiene das instalações e dos equipamento;
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Verificação das condições de armazenagem dos produtos alimentares;
Execução programada de análises microbiológicas dos alimentos servidos;
Execução programada de análises à água.
Depois do encerramento da EXPO 98 e mesmo com uma equipa reduzida, continuamos a
realizar um trabalho sério e útil para a segurança alimentar.
Desde 1999 até à presente data, foram realizadas vistorias de rotina, correspondendo a uma
média de 2 visitas por unidade de restauração/ano, sendo que algumas unidades de restauração
foram vistoriadas mais de duas vezes quando as listas de verificação dos dois primeiros itemes e/ou
os resultados analíticos dos produtos alimentares recolhidos na vistoria anterior não foram
satisfatórios.
Estas vistorias revestem sempre um caracter pedagógico, de orientação e aconselhamento,
demonstrando aos manipuladores como podem melhorar os procedimentos no respeitante à higiene
pessoal, à higiene operacional e à manutenção dos equipamentos e das instalações, constituindo
outras tantas acções de formação em exercício.
No decurso das vistorias são sempre colhidas amostras de produtos alimentares e zaragatoas
das mãos de manipuladores para análise microbiológica, dos resultados sendo dado conhecimento
aos interessados.
Estas análises, embora produzindo resultados históricos (os boletins são recebidos quando os
alimentos já foram consumidos) têm, todavia um efeito pedagógico e de orientação para a mudança.
A sua importância reside em tentar prevenir situações que evitem contaminações de
alimentos e a identificar o procedimento que as originou.
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