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TRATAMENTO DA CARDITE REUMÁTICA
Márcia Fernanda da Costa Carvalho, Lilian Stewart D'lmperio Carvalho
Rio de Janeiro .!'
RESUMO
A cardite reumática é responsável pela grande morbidade da febre reumática, sendo o seu tratamento da maior
importância para a redução das complicações e mortalidade associadas à doença.
O tratamento pode ser dividido nas seguintes etapas: profilaxia primária, estabilização hemodinâmica, tratamento
anti-inflamatório e profilaxia secundária.
Algumas alternativas de tratamento, como pulsoterapia, serão abordadas.
Palavras-chave: cardite, febre reumática, corticoterapia
SUMMARY: TREATMENT OF RHEUMA TlC CARD/TlS
Rheumatic carditis is the main cause of the great morbity of rheumatic fever. For this reason, its treatment is
important to reduce complications and mortality associated with this disease.
The teatment can be divided in four approaches: primary prophylaxis, management of congestive heart failure,
use of anti-inflammatory agents and secundary prophylaxis.
Other treatments, as pulse therapy, will be discussed.
Key-words: carcitis, rheumatic fever, steroids
Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro
Endereço para Correspondência:
Ora. Marcia Fernanda Carvalho
Rua Oavid Campista, 326 - Humaitá - Cepo 22261-010 - Rio de Janeiro
Recebido: 11.10.96
Aceito:
16.10.96
Rev SOCERJ
Vai IX
NQ2
Abr/Mai/Jun/1996
51
1
!
o envolvimento
das valvas cardíacas e endocárdio é
a mais importante manifestação da febre reumática.
A cardite ocorre em 40-80% dos casos de febre
reumática, podendo variar de acometimento leve a
muito severo, levando à insuficiência
cardíaca
intratável. Raramente, a intervenção cirúrgica, inclusive
no estágio agudo, pode ser necessária, se o manejo
clínico não puder controlar a insuficiência cardíaca. (1)
O tratamento da cardite reumática pode ser dividido
em:
a) erradicação estreptocócica ou profilaxia primária
b) uso de agentes anti-inflamatórios para controlar as
manifestações da doença
c) tratamento da insuficiência cardíaca
d) profilaxia secundária
e) profilaxia da endocardite bacteriana
a) ERRADICAÇÃO
ESTREPTOCÓCICA
Visando a erradicação do estreptococo, podemos
utilizar a penicilina procaína, durante dez dias ou
penicilina benzatina, por via intra-muscular, dose única600.000 a 1.200.000UI. No caso de alergia a penicilina,
utiliza-se a eritromicina (40mg/kg/dia - em 4 doses). É
importante ressaltar que a sulfadiazina não deve ser
usada para erradicação, visto ser um antibiótico sem
poder bactericida.
Em alguns casos em que ocorre elevação persistente
da anti-estreptolisina-O
(ASLO) ou novos surtos
agudos de infecção estreptocócica, na vigência de
correta profilaxia secundária,
cabe utilizar uma
penicilina
sem i-sintética,
como a oxacilina,
ou
cefalosporina, por um período de dez dias. Isto se deve
a existência de infecção concomitante de estreptococos e estafilococos produtores de penicilinase.
b) USO DE AGENTES ANTI-INFLAMATÓRIOS
Quando falamos sobre o tratamento da febre reumática
é importante lembrar da sua patogenia, que decorre
de uma resposta imunológica, nos indivíduos qeneticamente predispostos ao estreptococo beta-hemolítico do grupo A de Lancefield. Tal resposta é caracterizada por um desequilíbrio entre linfócitos T supressor,
que está diminuído, e T helper, que está aumentado.
O aumento de anticorpos circulantes contra o antígeno
estreptocócico levará à reação cruzada com células
do próprio organismo. O coração quando atingido
sofrerá uma lesão inflamatória
exsudativa
e/ou
proliferativa difusa, que acomete desde o endocárdio,
miocárdio até epicárdio. Este processo acometerá as
valvas cardíacas muitas vezes de forma irreversível.
dependendo da resposta clínica e laboratorial do
paciente (proteína C reativa, VHS, mucoproteína). A
redução do corticóide é feita a cada 5-7 dias, não
devendo ultrapassar 20% da dose prévia. Antes do
início da corticoterapia, é prudente solicitar PPD para
avaliar a necessidade de quimioprofilaxia para tuberculose e realizar tratamento dentário e das parasitoses
intestinais. (1,3.6)
Existem autores que indicam corticóide apenas para
os casos de cardite com cardiomegalia ou insuficiência
cardíaca congestiva, utilizando somente salicilato em
doses anti-inflamatórias (80-120 mg/kg/dia) para os
casos de cardite leve. Não há evidências definitivas
de que o uso de salicilatos ou esteróides diminua a
incidência da cardiopatia residual, independentemente
da dose empregada ou duração do tratamento. No
entanto, há a impressão clínica de que os pacientes
com cardite têm uma melhora mais rápida da
insuficiência cardíaca com esteróides do que com
salicilatos.!"
Alguns serviços têm utilizado corticoterapia venosa
com metilprednisolona (20 mg/kg ou 1g/dia), para os
casos severos, 3 vezes por semana por 2-4 semanas,com o objetivo de encurtar o tempo total de tratamento e internação, evitando a interrupção domiciliar
do cortícóide.v"
Salicilatos podem ser administrados durante a última
semana de corticoterapia e mantidos por 3-4 semanas
após a interrupção do corticóide, com o objetivo de
reduzir a incidência de "rebates" clínicos pós-terapêuticos, ou seja, o ressurgimento
de manifestações
clínicas e anormalidades
laboratoriais.
No nosso
Serviço, pela baixa incidência de "rebote" e considerando os efeitos tóxicos adicionais, tal conduta foi
abandonada.
Todos os "rebotes" laboratoriais
e a maioria dos
"rebates" clínicos deverão ser deixados sem tratamento, ou apenas com tratamento sintomático com
analgésicos ou doses pequenas de salicilatos. Apenas
nos "rebotes" clínicos mais graves deve-se iniciar um
segundo tratamento com esteróides.P'
O controle laboratorial do tratamento é feito com as
provas de atividade inflamatória.
A velocidade de hemossedimentação
(VHS) pode
permanecer elevada por alguns meses, em 5 a 10%
dos pacientes, de forma inexplicável e de caráter
benigno, não devendo alterar o tratamento médico. No
entanto, o nível persistentemente elevado de proteína
C reativa pode ser indício de um curso prolongado,
com exacerbações subsequentes.
\.!.5)
No intuito de reduzir a resposta inflamatória, utilizamos
a prednisona, na dose de 1-2 mg/kg/dia, sem exceder
a dose total diária de 80 mg/dia. Pode-se utilizar dose
·"Únicamatinal ou dividir em 2-4 doses. A dose plena
de prednisona é mantida durante 2-4 semanas,
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c) TRATAMENTO DA INSUFICIÊNCIA CARDíACA
Visando a estabilização hemodinâmica, é necessário
mencionar os fatos observados na fase aguda da febre
reumática que variará com a gravidade da cardite.
Cardite leve- expressa-se por taquicardia desproporAbr/Mai/Jun/1996
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cional ao quadro febril, modificações do timbre da
primeira bulha que se torna abafada, presença de
sopros discretos em área mitral, prolongamento do
intervalo P-R ao ECG e área cardíaca normal ao estudo
radiológico.
Cardite moderada - os mesmos sinais anteriores
acrescidos
de atrito pericárdico,
sopros mais
exuberantes em área mitral e ocasionalmente em área
aórtica, prolongamento do intervalo Q-T, complexo
QRS de voltagem mais baixa ou aparecimento de
sobrecarga atrial e/ou ventriculares esquerdas ao ECG
e aumento moderado da área cardíaca a teleradiografia
do tórax.
~.
Cardite grave - acrescem-se aos quadros anteriores
insuficiência cardíaca com fenômenos congestivos
periféricos e pulmonares, importante sobrecarga atrial
e ventricular e, ocasionalmente, detecção de arritrnia,
supra-desnivelamento de S-T e alterações de repolarização ao ECG e grande cardiomegalia com congestão
venosa pulmonar na teleradiografia do tórax. Poderá
ocorrer pericardite reumática, que na maioria dos casos
não leva a tamponamento.
1- Medidas Gerais:
a) Repouso - O repouso absoluto no leito só está
indicado durante a fase aguda da cardite até a
estabilização da insuficiência cardíaca congestiva, ao
contrário do que se acreditava no passado, quando os
pacientes eram mantidos no leito durante longo período
de ternpo.!"
b) Dieta hipossódica- é justificada pelo efeito mineralocorticóide da prednisona e pela insuficiência cardíaca.
c) Cabeceira elevada
2- Digitalização
Deve ser feita com critério devido ao maior risco de
intoxicação. Pode ser utilizada por via endovenosa,
na metade da dose habitual (0,005 mg/kg/dia). A
complementação de cio reto de potássio na dose de 23g/dia é utilizada visando a prevenção de arritmias.
3- Aminas:
Nos casos de insuficiência cardíaca severa ou intoxicação digitálica, usamos a dobutamina na dose de 510 microgramas/kg/min.
4-Diuréticos:
Podem ser usados em várias eventualidades, atualmente sempre dando maior preferência a furosemida
por via oral ou venosa, se necessário, ajustando-se a
dose segundo a idade, peso e a resposta diurética
obtidas. Novamente, a complementação de potássio
está indicada para compensar eventual expoliação do
íon.
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5-Vasod ilatadores:
Nos casos de insuficiência mitral moderada a severa,
para redução da pós-carpa, utilizamos o captopril ou
hidralazina.
6-Cirurgia:
Na falência do tratamento habitual, naqueles casos
em que há persistência de atividade inflamatória,com
Ice refratária, pode ser indicada cirurgia mais precocemente, logo após a corticoterapia (convencional ou
pulsoterapia).
7-Fatores Agravantes:
Pacientes com doença reumática crônica geralmente
têm diminuição da reserva cardíaca. A descompensação cardíaca pode ser precipitada por anemia,
infecções ou arritmias. Desta forma, esses fatores
devem ser tratados agressivamente.
d) PROFILAXIA SECUNDÁRIA
É iniciada para a prevenção da colonização ou infecção
do trato respiratório superior pelo estreptococo betahemolítico do grupo A em pessoas que já tiveram um
surto de febre reumática. A profilaxia é feita com
penicilina benzatina 600.000 UI (para pacientes com
menos de 25kg) e 1.200.000 UI (para pacientes com
mais de 25 kg), de 15 em 15 dias nos primeiros dois
anos após o surto inicial, devido ao maior risco de
recidiva e, depois, de 21 em 21 dias. Pode-se também
fazer a administração oral de penicilina (125 mg 2
vezes/dia) ou sulfadiazina (0,5 a 1,Og/dia), diariamente.
No entanto, a administração oral de penicilina pode
fazer com que apareçam
alfa-estreptococos
resistentes na cavidade oral, o que constitui risco
aumentado de endocardite bacteriana para os afetados
com cardiopatia reumática. Além disso, há pouca
aderência dos pacientes em cumprir a profilaxia
contínua.
A eritromicina está reservada para os indivíduos que não
podem
utilizar
os antibióticos
previamente
recomendados. O tempo da profilaxia secundária é
controverso, mas nos casos de cardiopatia reumática
parece mais seguro mantê-Ia por toda a vida.
Em alguns países em que a incidência de infecção
estreptocócica é menor, utiliza-se a profilaxia com
penicilina benzatina 1 vez/mês. com baixas taxas de
recidiva. No entanto, em nosso meio com grande
exposição ao estreptococo, recomenda-se a profilaxia
de 3-3 semanas, após 2 anos do surto inicial, para a
manutenção de nível sérico adequado.(2,9)
e)PROFILAXIA DA ENDOCARDITE BACTERIANA
Todos os pacientes com seqüela cardíaca deverão
realizar profilaxia da endocardite bacteriana quando
submetidos a procedimentos
dentários, do trato
respiratório, gastro-intestinais e uro-genitais.
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