MINISTÉRIO DA SAÚDE FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ CENTRO DE PESQUISAS RENÉ RACHOU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE EFEITO DA TEMPERATURA NA INFECÇÃO DE RHODNIUS PROLIXUS POR TRYPANOSOMA CRUZI E TRYPANOSOMA RANGELI. por Juliana de Oliveira Rodrigues BELO HORIZONTE FEVEREIRO / 2013 DISSERTAÇÃO MDIP-CPqRR J.O. RODRIGUES 2013 MINISTÉRIO DA SAÚDE FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ CENTRO DE PESQUISAS RENÉ RACHOU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE EFEITO DA TEMPERATURA NA INFECÇÃO DE RHODNIUS PROLIXUS POR TRYPANOSOMA CRUZI E TRYPANOSOMA RANGELI. por Juliana de Oliveira Rodrigues Dissertação apresentada com vistas à obtenção do Título de Mestre em Ciências na área de concentração Doenças Infecciosas e Parasitárias Orientação: Dra. Alessandra Aparecida Guarneri BELO HORIZONTE FEVEREIRO / 2013 II Catalogação-na-fonte Rede de Bibliotecas da FIOCRUZ Biblioteca do CPqRR Segemar Oliveira Magalhães CRB/6 1975 R696e 2013 Rodrigues, Juliana de Oliveira. Efeito da temperatura na infecção de Rhodnius prolixus por Trypanosoma cruzi e Trypanosoma rangeli / Juliana de Oliveira Rodrigues. – Belo Horizonte, 2013. XVIII, 83 f.: il.; 210 x 297mm. Bibliografia: f. 79 - 101 Dissertação (mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre em Ciências pelo Programa de Pós - Graduação em Ciências da Saúde do Centro de Pesquisas René Rachou. Área de concentração: Doenças Infecciosas e Parasitárias. 1. Doença de Chagas/transmissão 2. Trypanosoma cruzi/parasitologia 3. Trypanosoma rangeli/parasitologia 4. Interações HospedeiroParasita/fisiologia I. Título. II. Guarneri, Alessandra Aparecida (Orientação). CDD – 22. ed. – 616.936 3 III MINISTÉRIO DA SAÚDE FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ CENTRO DE PESQUISAS RENÉ RACHOU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE EFEITO DA TEMPERATURA NA INFECÇÃO DE RHODNIUS PROLIXUS POR TRYPANOSOMA CRUZI E TRYPANOSOMA RANGELI. por Juliana de Oliveira Rodrigues Banca Examinadora: Profa. Dra. Alessandra Aparecida Guarneri (Presidente) Prof. Dr. Rodrigo Pinto Soares Profa. Dra. Andrea Mara Macedo Dissertação defendida e aprovada em: 28/02/2013 IV Aos meus pais e ao meu irmão. A todos aqueles que de alguma maneira contribuíram para a minha formação pessoal e profissional. V “Todo o futuro da nossa espécie, todo o governo das sociedades, toda a prosperidade moral e material das nações dependem da ciência, como a vida do homem depende do ar. Ora, a ciência é toda observação, toda exatidão, toda verificação experimental. Perceber os fenômenos, discernir as relações, comparar as analogias e as dessemelhanças, classificar as realidades, e induzir as leis, eis a ciência; eis, portanto, o alvo que a educação deve ter em mira.” Rui Barbosa VI AGRADECIMENTOS À Profa. Dra. Alessandra Guarneri, por ter acreditado no meu potencial e confiado a mim esse trabalho. Pela oportunidade de aprendizado e orientação que me proporcionaram um rico conhecimento científico e profissional. Pelos conselhos e amizade construída ao longo desses anos de convivência. Ao Dr. Marcelo Gustavo Lorenzo, pela colaboração e disponibilidade para enriquecedoras discussões científicas. Ao Profo. Dr. Simon Elliot, Sam, pela colaboração nesse projeto. Ao Profo. Dr. Olindo Assis, pelo auxílio na técnica de Citometria de Fluxo. À Dra. Liléia Diotaiuti por ter me recebido no laboratório de Triatomíneos. À Dra. Juliana Alves da Silva, Ju, que caiu do céu como um anjo e contribuiu imensamente para os experimentos de biologia molecular e análises dos dados. Pela imensurável ajuda e convivência prazerosa. Aos professores da pós-graduação pelos ensinamentos. De maneira especial ao Dr. João Carlos Pinto Dias pelo exemplo de profissional e pela acolhida sempre carinhosa. Ao Profo. Dr. Jarbas que me ingressou na carreira científica. À Rafa Paim, pela disponibilidade em ajudar nos experimentos e escrita. Pelo incentivo e amizade. Pelas risadas e bons momentos vividos nas viagens a congressos. À minha pequena grande amiga Robertinha! Pela imensurável ajuda. Pela alegria contagiante mesmo nos dias mais difíceis. Pela paciência e conselhos. Pelos inúmeros bons momentos vividos no cotidiano e viagens. Pela compreensão, carinho e palavras de incentivo. À Fellet, Thessinha, Lelê e Lu que dividiram comigo momentos de aflições e angustias, mas, sobretudo de felicidade! Pela amizade sincera! Ao New, por estar sempre disposto a ajudar com um sorriso no rosto. Ao João Victor, pelo ajuda nas formatações. Pela amizade, carinho e sábios conselhos. Ao Luis, pelas palavras de força e estímulo. VII À Fabi, que entrou na minha vida por acaso e conquistou minha amizade com seu jeito alegre e admirável de viver! Pela amizade sólida e verdadeira. Pelas boas risadas e momentos únicos! À Gabizinha, anjinho que trouxe outro anjo para a minha vida! À Ana Lu, amiga confidente que conquistou minha admiração e carinho. Por entender minhas inquietudes e saber acalmar meu coração. Por estar sempre ao meu lado mesmo com a distância física. À Laurinha, por estar sempre presente. Por entender a minha ausência e estar sempre disposta a momentos de descontração para aliviar o estresse. Por todos os conselhos, incentivo e força. À Raquelita e a Elisuda pelos momentos diários de descontração e boas risadas! À Gina, pela recepção tão carinhosa na minha chegada ao laboratório. Aos demais colegas do laboratório, simplesmente pelo agradável convívio. Em especial ao João Paulo, José Manuel, Marinely e Ivana. Ao Thi, pelo amor sem medidas. Pela compreensão e paciência nos períodos de estresse. Por entender o meu momento e abdicar de datas festivas para estar ao meu lado. Pela cumplicidade e por cada gesto e demonstração de amor e carinho! Ao meu irmão, Xand, alicerce da minha vida! Pela amizade e carinho que traz uma leveza a mais para minha vida! À minha mãe, meu verdadeiro exemplo de vida, fé e coragem. Pelo amor incondicional. Por acreditar em mim sempre. Ao meu pai, meu exemplo de superação e força. Por não terem medido esforços para a minha formação, abrindo mão dos próprios sonhos em prol dos meus! A Deus, meu motivo de força que nunca me deixou desistir dos meus objetivos e sonhos. Por iluminar o meu caminho e me amparar nos momentos mais difíceis. Muito obrigado! VIII Agradeço às instituições financeiras que apoiaram diretamente esse trabalho: Ao Centro de Pesquisas René Rachou / FIOCRUZ, pela oportunidade de realizar esse trabalho; Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Centro de Pesquisas René Rachou; A Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais – FAPEMIG, Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq; Ao INCT, Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia. Agradeço também a Biblioteca do CPqRR, pela catalogação e normalização da dissertação. IX SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS ................................................................................................ XII LISTA DE TABELAS .............................................................................................. XIV LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS ............................................................ XV RESUMO ................................................................................................................ XVI ABSTRACT ........................................................................................................... XVII 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 19 2 OBJETIVOS ........................................................................................................... 22 2.1 Objetivo Geral .................................................................................................. 22 2.2 Objetivos Específicos....................................................................................... 22 3 REVISÃO DA LITERATURA ................................................................................. 24 3.1 Triatomíneos .................................................................................................... 24 3.2 Associações entre triatomíneos e o Trypanosoma cruzi.................................. 27 3.3 Associações entre triatomíneos e Trypanosoma rangeli ................................. 30 3.4 O papel da temperatura no desenvolvimento de insetos e nas interações com seus parasitos........................................................................................................ 34 4 MATERIAIS E MÉTODOS ..................................................................................... 38 4.1 – Triatomíneos ................................................................................................. 38 4.2 – Parasitos ....................................................................................................... 38 4.3 – Avaliação do crescimento dos parasitos em meio de cultura, submetidos a diferentes temperaturas. ........................................................................................ 39 4.3.1 - Reagentes e Soluções ............................................................................ 39 4.3.2 – Marcação dos Parasitos ......................................................................... 40 4.3.3 – Ensaio Biológico ..................................................................................... 40 4.4 – Avaliação do desenvolvimento de insetos infectados submetidos a diferentes temperaturas.......................................................................................................... 42 4.4.1 - Infecção por Trypanosoma cruzi ............................................................. 42 4.4.2 - Infecção por Trypanosoma rangeli .......................................................... 42 X 4.5 – Quantificação do Trypanosoma cruzi no trato intestinal de Rhodnius prolixus, em insetos submetidos a diferentes temperaturas ................................................ 43 4.5.1 - Infecção por Trypanosoma cruzi e ensaio biológico ............................... 43 4.5.2 – Extrações de DNA .................................................................................. 45 4.5.3 – PCR quantitativo em Tempo Real .......................................................... 45 4.6 – Análises Estatísticas ..................................................................................... 47 5 RESULTADOS....................................................................................................... 49 5.1 - Avaliação do crescimento dos parasitos em meio de cultura, submetidos a diferentes temperaturas ......................................................................................... 49 5.2 – Avaliação do desenvolvimento de insetos infectados submetidos a diferentes temperaturas.......................................................................................................... 52 5.2.1 Insetos infectados por Trypanosoma cruzi ................................................ 52 5.2.2 Insetos infectados por Trypanosoma rangeli............................................. 56 5.3 – Quantificação do Trypanosoma cruzi no trato intestinal de Rhodnius. prolixus, em insetos submetidos a diferentes temperaturas .................................. 62 7 CONCLUSÕES ...................................................................................................... 77 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 79 XI LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Ciclo biológico de Rhodnius prolixus representando o desenvolvimento do tipo paurometábolo dos triatomíneos (Foto: Newmar Pinto Marliére). Legenda: NI, ninfa de primeiro estádio; NII, ninfa de segundo estádio; NIII, ninfa de terceiro estádio; NIV, ninfa de quarto estádio e NV, ninfa de quinto estádio.......................24 Figura 2 – Ciclo Biológico do T. cruzi no triatomíneo (hospedeiro invertebrado). (Adaptado de Garcia et al., 2007) .............................................................................28 Figura 3 – Ciclo biológico do T. rangeli no triatomíneo (hospedeiro invertebrado). (Adaptado de Grisard e Steindel, 2003).....................................................................32 Figura 4 – Caixas de temperatura controladas, mantidas em estufa BOD, onde foram realizados os ensaios.......................................................................................41 Figura 5 – Esquema do tubo digestivo de um triatomíneo. As setas indicam cada porção do tudo digestivo (Adaptado de Garcia et al., 2007)......................................43 Figura 6 – Crescimento de epimastigotas de Trypanosoma cruzi e Trypanosoma rangeli em cultura, mantidos em diferentes temperaturas. As barras de erro representam a média de duas repetições..................................................................50 Figura 7 – Mortalidade de epimastigotas de Trypanosoma cruzi e Trypanosoma rangeli em cultura, mantidos em diferentes temperaturas. Foram incluídos os dados de células coradas com PI e com FDA+PI, indicativo de células mortas ou em processo de morte celular. As barras de erro representam a média de duas repetições..................................................................................................................51 Figura 8 – Efeito da infecção por Trypanosoma cruzi no período necessário para alcançar o terceiro estádio de ninfas de Rhodnius prolixus mantidas em diferentes temperaturas. Os valores de p indicados em cada gráfico representam a significância estatística das comparações entre os tratamentos (Log-Rank)............53 Figura 9 – Efeito da infecção por Trypanosoma cruzi nas taxas de mortalidade de ninfas de Rhodnius prolixus mantidas a diferentes temperaturas. Os valores de p indicados em cada gráfico representam a significância estatística das comparações entre os tratamentos (Log-Rank)................................................................................55 XII Figura 10 – Efeito da infecção por Trypanosoma rangeli T1 no período necessário para alcançar o quinto estádio de ninfas de Rhodnius prolixus mantidas em diferentes temperaturas. Os valores de p indicados em cada gráfico representam a significância estatística das comparações entre os tratamentos (Log-Rank)...........58 Figura 11 – Efeito da infecção por Trypanosoma rangeli T2 no período necessário para alcançar o quinto estádio de ninfas de Rhodnius prolixus mantidas em diferentes temperaturas. Os valores de p indicados em cada gráfico representam a significância estatística das comparações entre os tratamentos (Log-Rank)...........59 Figura 12 - Quantificação através de contagem em câmara de Neubauer do número de parasitos de Trypanosoma cruzi no trato intestinal de Rhodnius prolixus............63 Figura 13 - Quantificação por qPCR do número de parasitos de Trypanosoma cruzi no trato intestinal de Rhodnius prolixus, 15 dias após a infecção dos insetos..........64 Figura 14 - Quantificação por qPCR do número de parasitos de Trypanosoma cruzi no trato intestinal de Rhodnius prolixus, 30 dias após a infecção dos insetos..........65 Figura 15 - Quantificação por qPCR do número de parasitos de Trypanosoma cruzi no trato intestinal de Rhodnius prolixus, 60 dias após a infecção dos insetos........66 XIII LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Sequências dos iniciadores específicos para T. cruzi utilizados para amplificação dos produtos de DNA por PCR em tempo real (Cummings e Tarleton, 2003)..........................................................................................................................46 Tabela 2 – Efeito da infecção por Trypanosoma cruzi no fitness de ninfas de Rhodnius prolixus.......................................................................................................54 Tabela 3 – Efeitos da infecção por Trypanosoma rangeli no fitness de ninfas de Rhodnius prolixus.......................................................................................................60 Tabela 4 – Taxa de infecção de ninfas de Rhodnius prolixus 30 dias pósinfecção......................................................................................................................61 LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS AR – Ampola Retal BOD – Biochemical Oxygen Demand °C – Grau Celsius CEUA – Comitê de Ética no Uso de Animais CO2 – Dióxido de Carbono CPqRR – Centro de Pesquisas René Rachou DNA – Ácido desoxiribonucléico FDA – Diacetato de Fluoresceina FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz IMA – Intestino Médio Anterior IMP – Intestino Médio Posterior Kg - kilograma LATEC – Laboratório de Triatomíneos e Epidemiologia da Doença de Chagas LIT – Liver Infusion Tryptose mg – miligramas nM – Nanomolar Na2HPO4 – Sódio fosfato pb – Pares de Bases PBS – Phosphate Buffered Saline PI – Iodeto de Propídeo qPCR – PCR quantitativo em Tempo Real T1- Tratamento 1 T2 – Tratamento 2 WHO - World Health Organization L – Microlitro XV RESUMO A temperatura ambiental afeta diversos processos bioquímicos, fisiológicos e comportamentais, especialmente em animais ectotérmicos. Mudanças nesse parâmetro podem alterar o fitness de insetos vetores e sua distribuição no ambiente, modificando consequentemente, a dinâmica de transmissão de doenças. O objetivo do presente estudo foi avaliar os efeitos da temperatura no desenvolvimento da infecção de Trypanosoma cruzi e Trypanosoma rangeli em Rhodnius prolixus. Os ensaios com T. rangeli foram desenvolvidos com parasitos submetidos a dois tratamentos. T. rangeli T1 foram obtidos através de passagens em LIT por três meses. T. rangeli T2 foram mantidos em LIT por um mês após uma passagem triatomíneo-camundongo. Inicialmente, o crescimento dos parasitos em meio de cultura submetidos a diferentes temperarturas (21, 24, 27 e 30°C) foi avaliado. O crescimento do T. cruzi foi termodependente, com um aumento de 28 vezes da população mantida em 30°C ao final de sete dias. A mortalidade ficou abaixo dos 10%, exceto para os parasitos mantidos a 21°C, onde esse valor ficou próximo aos 20%. Para os dois tratamentos de T. rangeli, o crescimento máximo foi observado a 27°C. Entretanto, as populações de T. rangeli T2 cresceram mais do que as de T. rangeli T1 e apresentaram taxas de mortalidade mais baixas, em torno de 5%. O próximo objetivo foi avaliar diferentes parâmetros fisiológicos de R. prolixus infectados pelos parasitos e submetidos às mesmas condições de temperaturas. A infecção por T. cruzi prolongou o período intermudas em todas as temperaturas e reduziu o número de insetos aparentemente saudáveis em 20%. A virulência do parasito foi dependente da temperatura e do estado nutricional dos insetos. T. rangeli T1 foi mais virulento do que T. rangeli T2, particularmente nas temperaturas mais baixas. Finalmente, o crescimento do T. cruzi no inseto foi quantificado por qPCR e câmara de Neubauer. Os resultados, ainda preliminares, corroboraram com os dados do crescimento do parasito em LIT. De maneira geral, os resultados sugerem que os dois parasitos podem ser patogênicos ao vetor na natureza, dependendo das condições a que são submetidos. XVI ABSTRACT Environmental temperature affects many biochemical, physiological and behavioural processes, especially in ectotherm animals. Changes in temperature can influence the fitness of insect vectors and modify their distribution in the environment, altering the dynamics for disease transmission. The aim of the present study was to evaluate the effects of temperature on the development of Trypanosoma cruzi and Trypanosoma rangeli in Rhodnius prolixus during infection. Assays using T. rangeli were developed with parasites which have undergone two different treatments. T. rangeli T1 were kept in LIT medium for more than three months with weekly passages. T. rangeli T2 were cultured in LIT medium for only one month after a cyclical transmission in mice and triatomines. Initially, the growth of the parasites in culture medium under different temperartures (21, 24, 27 and 30 ° C) was evaluated. Growth of T. cruzi epimastigotes was temperature dependent, with a 28 times increase in population size of the culture maintained at 30°C for seven days. The mortality rate was below 10% on average, except for the parasite culture kept at 21°C in which this value was near 20%. For both T. rangeli T1 and T2 treatments the largest population growth was observed, at 27°C. However, populations of T. rangeli T2 presented growth rates higher than T. rangeli T1 and mortality rates were also lower, at around 5%. The next objective was to assess various physiological parameters of R. prolixus infected by parasites and subjected to the same temperature conditions. T. cruzi Infection delayed moulting times at all temperatures and reduced the number of apparently healthy insects in 20%. Parasite virulence was dependent on temperature and nutritional status of the insects. T. rangeli T1 was more virulent than T. rangeli T2, particularly at lower temperatures. Finally, the growth of T. cruzi in the insect was quantified by qPCR and parasite counts using a Neubauer chamber. The results, although preliminary, seem to corroborate the data for parasite growth from LIT medium culture. Overall, the results suggest that the two parasites may be pathogenic to the vector in nature, depending on the conditions which they are subjected. XVII INTRODUÇÃO XVIII 1 INTRODUÇÃO A distribuição espacial e a abundância da maioria dos seres vivos são resultantes de interações entre parâmetros bióticos e abióticos dentro de um ecossistema (Blanford e Thomas, 2000). A temperatura ambiental é um fator abiótico que apresenta um efeito direto na sobrevivência de diferentes animais, principalmente os ectotérmicos. Em insetos, as variáveis climáticas podem promover alterações na fisiologia (Li, et al., 2011; Amarasekare e Savage, 2012), no comportamento (Martin et al., 2011; Ipekdal e Caglar, 2012) e no tamanho do corpo (Reiskind e Zarrabi, 2012). Para os insetos hematófagos a temperatura também apresenta um papel fundamental como estímulo para a localização de seus hospedeiros (Abdullah, 1961). Sabe-se também que a temperatura ambiental pode influenciar a interação entre hospedeiros e seus parasitos, tanto na habilidade do parasito em colonizar o seu vetor quanto do vetor em se defender dos parasitos (Thomas e Blandford, 2003). Mudanças na temperatura podem alterar o fitness de insetos vetores, modificando sua distribuição no ambiente e, consequentemente, alterando a dinâmica de transmissão de doenças (Moore et al., 2002). Além disso, muitos estudos vêm demonstrando que a capacidade de um agente patogênico matar o seu hospedeiro depende fundamentalmente da temperatura corporal do hospedeiro, e de como esta varia com as condições ambientais externas (Blanford e Thomas, 1999; Inglis et al., 1997; Thomas e Blanford, 2003 ). Os triatomíneos (Hemiptera: Reduviidae) são insetos de hábitos noturnos e hematófagos, que necessitam de sangue em todas as suas fases de desenvolvimento. São primariamente insetos silvestres, vivendo em seus ambientes naturais associados a animais de sangue quente (Lent e Wygodzinsky, 1979). Algumas espécies, no entanto, podem colonizar ambientes humanos, e deste modo, o homem e seus animais domésticos tornam-se sua fonte de alimentação (Schofield, 1994). Além disso, os triatomíneos também são vetores de protozoários parasitos, como o Trypanosoma cruzi e o Trypanosoma rangeli. O T. cruzi é o agente 19 etiológico da doença de Chagas, e não tem sido relacionado como patogênico aos seus hospedeiros invertebrados. O T. rangeli, embora compartilhe os mesmos hospedeiros com o T. cruzi, não causa doença ao homem. Entretanto, este parasito promove diferentes níveis de patogenicidade para o inseto vetor, principalmente às espécies de gênero Rhodnius (Brecher e Wigglesworth, 1944; Friend e Smith, 1967; D'Alessandro 1976; Eichler e Schaub, 1998; Ferreira et al, 2010). A principal diferença no ciclo biológico dessas duas espécies, é que o T. cruzi se desenvolve exclusivamente no interior do trato intestinal dos triatomíneos, enquanto que o T. rangeli pode também invadir a hemocele e colonizar as suas glândulas salivares. A influência da temperatura ambiental vem sendo amplamente estudada para os triatomíneos (Okasha, 1964, Di Luciano, 1983, Lazzari, 1991, Guarneri et al., 2003). Diversos estudos mostram que a temperatura pode afetar diferentes parâmetros biológicos dessas espécies, tais como oviposição, fecundidade, maturidade sexual, dispersão e seleção de esconderijos (Clark, 1935, Lehane et al., 1992, Lazzari, 1991, Schofield et al., 1992, Lorenzo e Lazzari, 1999, Botto-Mahan, 2006). Embora exista uma grande quantidade de estudos associando os fatores climáticos e seus efeitos sobre os processos fisiológicos e comportamentais nas diferentes fases de desenvolvimento dos triatomíneos, até o momento pouco se sabe sobre o papel das condições abióticas na capacidade vetorial dessas espécies considerando os efeitos da interação entre hospedeiros e patógenos. Diante disso, o estudo das relações parasito-hospedeiro-fatores abióticos se torna essencial para um entendimento mais amplo dos fenômenos de interação entre as espécies. 20 OBJETIVOS 21 2 OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral Avaliar os efeitos da temperatura ambiental no desenvolvimento da infecção de Trypanosoma rangeli e Trypanosoma cruzi em Rhodnius prolixus. 2.2 Objetivos Específicos 1. Avaliar se a temperatura ambiental afeta o desenvolvimento dos parasitos em meio de cultura; 2. Avaliar parâmetros de desenvolvimento, como período intermudas, mortalidade e ecdise, em insetos infectados submetidos a diferentes temperaturas; 3. Avaliar quantitativamente o crescimento do T. cruzi nas diferentes porções do trato intestinal em insetos submetidos a diferentes temperaturas e em diferentes momentos da infecção. 22 REVISÃO DA LITERATURA 23 3 REVISÃO DA LITERATURA 3.1 Triatomíneos Os triatomíneos são classificados como insetos pertencentes à família Reduviidae, subfamília Triatominae (Hemiptera, Heteroptera), definida por seu hábito hematófago que está presente em todas as espécies desse grupo. Os triatomíneos são paurometábolos, apresentando cinco fases ninfais e a fase adulta, sendo o repasto sanguíneo fundamental em todos os estágios evolutivos (Figura 1). Figura 1 - Ciclo biológico de Rhodnius prolixus representando o desenvolvimento do tipo paurometábolo dos triatomíneos (Foto: Newmar Pinto Marliére). Legenda: NI, ninfa de primeiro estádio; NII, ninfa de segundo estádio; NIII, ninfa de terceiro estádio; NIV, ninfa de quarto estádio e NV, ninfa de quinto estádio. Atualmente são reconhecidas 140 espécies de triatomíneos, divididas em cinco tribos e 15 gêneros, sendo a maioria delas encontradas na América Latina (Schofield e Galvão, 2009). Desse total, 61 espécies estão presentes no Brasil (Galvão et al., 2003). Os triatomíneos são primitivamente insetos silvestres, característica esta mantida ainda hoje pela maioria das espécies encontradas nos focos naturais, onde vivem associadas a uma grande variedade de animais silvestres (Sherlock, 1979). Seu habitat primário é o interior de abrigos, tocas e ninhos de animais de sangue quente em ocos de árvores, palmeiras, fendas de rochas, entre outros (Lent e Wygodzinsky, 1979). Esses micro-ambientes normalmente protegem os insetos das 24 variações extremas de temperatura e umidade relativa além de permitir o fácil acesso a fonte alimentar. Alimentam-se de uma série de hospedeiros, dentre eles, aves, marsupiais, edentados, roedores, primatas e morcegos de várias espécies, além de vertebrados ectotérmicos (Lent e Wygodzinsky, 1979). Os triatomíneos são capazes de subsistir com alimentações sanguíneas abundantes e ocasionais, uma vez que, entre os repastos, podem permanecer por longos períodos de tempo sem desidratar-se e, aparentemente, sem sofrer danos fisiológicos (Friend e Smith, 1985). Seu aparato bucal está adaptado para a penetração na pele do hospedeiro, para o encontro de vasos sanguíneos apropriados e para a alimentação rápida. Além disso, na saliva desses insetos estão presentes substâncias anticoagulantes, anestésicas e vasodilatadoras que auxiliam na ingestão do sangue (Hellmann e Hawkins, 1964, Ribeiro et al., 2004, Araujo et al., 2009). Assim como os demais insetos hematófagos, os triatomíneos apresentam uma maquinaria sensorial bem desenvolvida para localizar e escolher seus hospedeiros (Guerenstein e Lazzari, 2009). Os triatomíneos têm em suas antenas uma diversidade de pêlos sensoriais denominados sensilas. Essas estruturas estão distribuídas ao longo da antena e são capazes de detectar diferentes estímulos mecânicos, químicos, térmicos ou de umidade (Guerenstein e Lazzari, 2009). O calor, a umidade e odores liberados pelos hospedeiros (ex. CO2, ácido lático) estão diretamente envolvidos no processo de busca do hospedeiro pelos triatomíneos (Barrozo et al., 2003; Lazzari e Núñez, 1989; Lehane, 2005). Os triatomíneos são insetos de hábito noturno e desenvolvem a maioria das suas atividades como a busca por alimento, parceiros sexuais e refúgio durante o período da noite (Núñez, 1987, Lorenzo e Lazzari, 1993). Apresentam dois picos de atividade, sendo um no início da escotofase, relacionado com a busca por hospedeiro, e outro no início da fotofase, relacionado com a volta ao abrigo (Lazzari, 1992, Lorenzo e Lazzari, 1996, Guarneri et al., 2003). Além disso, apresentam fototaxia negativa (Reisenman et al., 1998, Reisenman e Lazzari, 2006), permanecendo na maior parte do tempo escondidos em seus abrigos em estado de akinesis e agregados aos seus coespecíficos (Guerenstein e Lazzari, 2009; Lazzari, 1992; Lorenzo e Lazzari, 1996, Bodin et al., 2009). 25 A ação antrópica sobre a vegetação das Américas Central e do Sul permitiu a dispersão dos triatomíneos para novos ambientes. A colonização de novos ecótopos por triatomíneos silvestres depende de uma série de fatores, dentre eles sua constituição genética, que confere mecanismos fisiológicos que possibilitam a adaptação a um novo contexto ambiental, como temperatura, umidade e fontes alimentares provavelmente diferentes dos seus ecótopos naturais (Aragão e Dias 1956, Forattini, 1980, Burgos et al., 1994, Curto de Casas et al., 1994, Schofield, 2000). Dessa maneira, algumas espécies são capazes de invadir e colonizar ambientes peridomésticos como galinheiros e currais, e domicílios humanos, onde o homem e seus animais domésticos, tais como o gato, cachorro, rato e coelho, passam a funcionar como fontes de alimentação (Schofield, 1994). Além das lesões ocasionadas pela picada e a espoliação sanguínea que causam ao hospedeiro, os triatomíneos podem também transmitir parasitos, como o T. cruzi e o T. rangeli. A doença de Chagas, causada pelo T. cruzi e também conhecida como tripanossomíase americana, é uma doença humana tropical endêmica em grandes áreas da América do Sul e Central. Entre as doenças parasitárias, é classificada como uma das mais importantes da América Latina em termos de impacto social e econômico (DNDi América Latina, 2010). É transmitida aos seres humanos principalmente através das fezes de triatomíneos infectados que são liberadas durante o repasto sanguíneo e entram em contato com a injúria causada pela picada. Outras formas de transmissão incluem a via congênita, a transfusional, a ingestão acidental de T. cruzi, além de outras de menor relevância epidemiológica (Dias, 1979; Schofield, 1994). Estima-se que 10 milhões de pessoas estão infectadas em todo o mundo, principalmente na América Latina onde a doença é endêmica, e mais de 25 milhões de pessoas se encontram em áreas de transmissão (WHO, 2012). As taxas de infecção natural de triatomíneos por T. cruzi variam muito entre espécies e de acordo com a sua proximidade de contato com os reservatórios de parasitos. Entre a maioria dos triatomíneos domésticos, não mais do que 5% são infectados (ver revisão Coura e Borges-Pereira, 2010). O R. prolixus é um dos vetores mais eficientes na transmissão do T. cruzi (Borges-Pereira et al., 1988). Assume-se que essa espécie evoluiu de uma forma 26 ancestral de Rhodniini da região Amazônica, tornando-se altamente adaptado ao habitat doméstico e peridoméstico, em diversos países da América Central e do Sul, sobretudo na Venezuela e Colômbia, onde continua a ser um importante vetor doméstico de T. cruzi (Schofield e Galvão, 2009). Isto se deve a alta susceptibilidade desse triatomíneo à infecção pelo T. cruzi e a sua elevada capacidade reprodutiva, podendo chegar a três gerações por ano. A espécie também possui uma alta capacidade de disseminação e domiciliação além de apresentar taxas de infecção que podem ser superiores a 30% (Peñalver, 1958; Dorn et al., 2001; Monroy et al., 2003). Assim como pode ocorrer em outras espécies de triatomíneos do gênero Rhodnius, o R. prolixus pode manter infecções mistas de T. cruzi e T. rangeli que podem ser igualmente transmitidas aos hospedeiros mamíferos, inclusive o homem. Este fato tem importância médica e epidemiológica, uma vez que a infecção humana pelo T. rangeli ocasiona reações sorológicas cruzadas com o T. cruzi, dificultando o diagnóstico da doença de Chagas (Hudson et al., 1988). Apesar de não ser encontrado no Brasil, R. prolixus é amplamente utilizado como modelo experimental uma vez que vários processos fisiológicos de insetos foram inicialmente estudados na espécie (Wigglesworth, 1934, 1936, 1940). 3.2 Associações entre triatomíneos e o Trypanosoma cruzi O T. cruzi pertence à ordem Kinetoplastida, família Trypanosomatidae. É um protozoário heteroxênico que infecta triatomíneos e mamíferos nas Américas. Este parasito apresenta alta plasticidade controlada geneticamente, o que lhe confere adaptação para cerca de 40 espécies de triatomíneos e para mais de 1.000 espécies de mamíferos, cumprindo diversas exigências metabólicas em seu complexo ciclo de vida (Teixeira et al., 2009). Entretanto, ao longo da história evolutiva entre hospedeiros e tripanosomas, ambos vêm desenvolvendo mecanismos estratégicos para facilitar o desenvolvimento do parasito, no caso dos tripanosomas, ou interromper seu desenvolvimento, no caso dos hospedeiros (Gaunt e Miles, 2000; Azambuja, 2005; Garcia, 2007). 27 O T. cruzi tem um ciclo evolutivo complexo que apresenta formas morfológicas e funcionais distintas, alternando entre as fases de divisão e fases não replicativas. Entre as formas de divisão estão as epimastigotas, presentes no intestino do vetor e também observadas durante a fase logarítmica de crescimento em culturas axênicas, e amastigotas, encontradas em células de mamíferos. Já as formas não replicativas incluem tripomastigotas metacíclicos encontrados nas fezes e na urina do vetor e na fase estacionária de crescimento em culturas axênicas do parasito, e tripomastigotas encontrados na corrente sanguínea de mamíferos e em fase líquida de cultura de parasitos em célula (Hoare e Wallace, 1966; Tyler e Engman, 2001). No hospedeiro invertebrado o ciclo do parasito inicia-se quando o triatomíneo ingere formas tripomastigotas durante o repasto sanguíneo em mamíferos infectados. O parasito se diferencia e divide sob a forma epimastigota no intestino médio posterior do inseto (Ferreira et al., 2011) e se diferencia na ampola retal em formas tripomastigotas metacíclicas que serão liberadas juntamente com as fezes e poderão ser transmitidas a outros mamíferos no próximo repasto (Figura 2). No hospedeiro mamífero, as formas tripomastigotas são capazes de invadir diferentes tipos celulares onde se diferenciam em formas amastigotas que se dividem e vão gerar os tripomastigotas sanguíneos, que entram na circulação e são as formas infectantes para o triatomíneo (Brener, 1973; Zeledon, 1987; Garcia e Azambuja, 1991). Figura 2 – Ciclo Biológico do T. cruzi no triatomíneo (hospedeiro invertebrado) (Adaptado de Garcia et al., 2007). 28 A presença do T. cruzi no intestino do hospedeiro invertebrado desencadeia uma série de reações imunológicas que irão interagir com o parasito, interferir na sua capacidade de colonização e afetar a sua sobrevivência. Fatores como temperatura, pH e estado nutricional do vetor também podem interferir nessa interação. Além disso, substâncias produzidas pelo inseto como, por exemplo, componentes da saliva, lisozimas, defensinas, lectinas e aglutininas estão também envolvidas na resposta imunológica do vetor à presença do T. cruzi (ver revisão Garcia et al., 2010). Embora a maioria das bactérias presentes ao longo do intestino dos triatomíneos seja considerada comensal (Schaub 2009), algumas espécies apresentam atividade tripanolítica, podendo provocar a lise de determinadas cepas do parasito (Azambuja et al., 2004). O intestino médio anterior de R. prolixus produz um fator hemolítico, que afeta o desenvolvimento do T. cruzi (Azambuja et al., 1983). Além disso, as glândulas salivares de T. infestans produzem uma proteína, denominada de trialisina, que tem a capacidade de lisar tripomastigotas de T. cruzi (Amino et al., 2002). Além dos fatores presentes no lúmen e tecidos intestinais do vetor, um período de jejum muito prolongado dos insetos pode levar a uma escassez nutricional dos parasitos e culminar na eliminação da infecção (Schaub et al., 1989). O T. cruzi presente no intestino do vetor parece competir por nutrientes, uma vez que em situações de jejum, a resistência dos insetos é reduzida (Schaub, 1989). Um dos nutrientes provenientes do sangue ingerido e sabidamente utilizado pelo T. cruzi é o heme, que não é produzido pelo parasito e precisa ser adquirido de seus hospedeiros (Salzman e cols., 1982; Lombardo e cols., 2003). Embora exista uma intensa colonização do intestino do vetor por diferentes cepas de T. cruzi, a literatura sugere que este parasito não é patogênico ao seu hospedeiro invertebrado (Eichler e Schaub, 2002). Estudos de microscopia eletrônica revelaram que a infecção do T. infestans pelo T. cruzi não afeta a produção das membranas perimicrovilares que se formam após a alimentação (Billingsley e Downe, 1983) ou as microvilosidades do intestino posterior, sendo que aparentemente, os parasitos permanecem aderidos ao epitélio intestinal pelos flagelos (Kollien et al., 1998). A análise do desenvolvimento dos simbiontes Nocardia 29 sp. e Rhodococcus rhodnii no intestino de Triatoma infestans e R. prolixus, respectivamente, na presença do T. cruzi, mostrou que o parasito não afeta as taxas de crescimento dessas bactérias (Eichler e Schaub, 2002). Estudos prévios não demonstraram uma influência do parasito no desenvolvimento do vetor (Juarez, 1970; Zeledón, 1970; Santos e Lacombe, 1985; Schaub 1978, 1988), entretando, Lima et al., (1992) mostraram uma diminuição no número de ovos postos por fêmeas de Panstrongylus megistus infectadas pelo T. cruzi. Um estudo experimental com Mepraia spinolai infectados através de repetidas alimentações em camundongos infectados por T. cruzi demonstrou que os insetos tiveram um prolongamento no tempo de muda e apresentaram uma redução em diferentes variáveis relacionadas ao tamanho do corpo, inclusive no tamanho das gônadas (Botto-Mahan et al., 2008). Alterações comportamentais também têm sido observadas em triatomíneos infectados por T. cruzi. Botto-Mahan et al. (2006) demonstraram que Mepraia spinolai infectados pelo T. cruzi respondem mais rapidamente a sinais da presença de potenciais hospedeiros quando comparados a insetos não infectados. Além disso, M. spinolai infectados picam mais vezes e defecam mais rapidamente que insetos não infectados, o que poderia implicar em um aumento nas chances de transmissão do parasito ao hospedeiro vertebrado (Botto-Mahan et al., 2006). Rodrigues et al. (2008) avaliaram o comportamento de fototaxia negativa de ninfas de R. prolixus infectadas por T. cruzi e não encontraram diferenças em relação aos insetos controle. Entretanto, a atividade locomotora de ninfas infectadas foi reduzida na escotofase (Marliére et al., 2011), período em que os triatomíneos saem dos abrigos à procura de fontes de alimentação ou parceiros sexuais. 3.3 Associações entre triatomíneos e Trypanosoma rangeli O Trypanosoma rangeli é também um parasito heteroxênico que compartilha com o T. cruzi os mesmos hospedeiros invertebrados e vertebrados, incluindo o homem e animais domésticos. Apesar de não ser patogênico ao homem, o parasito é capaz de induzir uma resposta imune humoral com elevados títulos de anticorpos, os quais determinam uma elevada reatividade cruzada com antígenos do T. cruzi, 30 dificultando o diagnóstico sorológico da doença de Chagas, especialmente em sua fase crônica (Schotelius, 1987; Grisard et al., 1999). Ao analisar formas epimastigotas de cultura do T. rangeli, Afchain e colaboradores (1979) verificaram que este compartilha cerca de 60% de sua constituição antigênica solúvel com o T. cruzi, o que explicaria a reatividade sorológica cruzada e os consequentes resultados falso-positivos que incorrem em um elevado custo sócio-econômico. Estes dados foram confirmados em um estudo que utilizou diferentes cepas e formas do T. rangeli e soros de pacientes apresentando distintas formas clínicas da doença de Chagas (Moraes et al., 2008). Pouco se sabe a respeito do curso da infecção no hospedeiro vertebrado, sendo que vários estudos demonstram que a taxa de infectividade de diferentes cepas deste parasito frente a linhagens celulares distintas (fagocíticas e não fagocíticas) é sempre muito baixa e os parasitos tendem a desaparecer ao longo do tempo de interação, sugerindo a ausência de multiplicação intracelular, especialmente observada em macrófagos (Molyneaux, 1973; Osorio et al., 1995; Tanoura et al., 1999; Eger-Mangrich et al., 2001). Nos hospedeiros invertebrados, o ciclo inicia-se quando formas tripomastigotas são ingeridas durante o repasto sanguíneo em um hospedeiro mamífero infectado. Quando atingem o intestino médio anterior, os parasitos se diferenciam em formas epimastigotas e tornam-se capazes de se multiplicar colonizando todo o trato intestinal do inseto (Ferreira et al., 2011). As formas epimastigotas podem cruzar o epitélio intestinal e atingir a hemocele. Uma vez na hemolinfa, os parasitos continuam se dividindo, migram e invadem as glândulas salivares, onde se diferenciam em tripomastigotas metacíclicos, formas infectantes que podem ser transmitidas para os hospedeiros vertebrados durante o repasto sanguíneo do vetor (D'Alessandro, 1976; D'Alessandro-Bacigalupo e Saraiva,1992). 31 Figura 3 – Ciclo biológico do T. rangeli no triatomíneo (hospedeiro invertebrado) (Adaptado de Grisard e Steindel, 2003). A presença do parasito no trato intestinal do vetor pode persistir ao longo de toda a vida do inseto. Entretanto, diferentemente da forma clássica de transmissão do T. cruzi, as formas encontradas nas fezes do vetor não parecem ser infectivas (Rentifo et al., 1950; D’Alessandro, 1976; Tobie, 1964; Hecker et al., 1990). Em infecções naturais, a porcentagem de insetos que apresentam parasitos ao longo do trato intestinal e também na hemolinfa e glândulas salivares é variável, ficando entre 2 e 50% (Añez et al., 1987; Groot, 1954; Hecker et al., 1990; Marinkelle, 1968; Tobie, 1965, 1970; Ferreira et al., 2010). Ainda não se sabe os fatores envolvidos no desenvolvimento de infecções completas por T. rangeli. Pequenas alterações nos resíduos de açúcar das glicoproteínas de superfície presentes nos trypanosomatídeos poderiam contribuir para o aumento ou diminuição da porcentagem de parasitos que conseguem penetrar o epitélio intestinal e alcançar a hemocele e as glândulas salivares (Rudin et al.,1989). Uma importante descoberta sobre a interação do T. rangeli com o hospedeiro invertebrado foi a influência que a infecção pelo parasito tem sobre as populações 32 de simbiontes do intestino de R. prolixus (Eichler e Schaub, 2002). A diminuição no número de simbiontes ocasionada pela presença do T. rangeli pode levar a uma série de efeitos deletérios ao vetor, que incluem o retardo do desenvolvimento ninfal (Brecher e Wigglesworth, 1944; Lake e Friend, 1967), aumento nas taxas de mortalidade (Harrington, 1960), distúrbios na digestão e excreção (Brecher e Wigglesworth, 1944; Eichler e Schaub, 1998) e reduções do sistema traqueal (Eichler e Schaub, 1998). Uma vez na hemolinfa, o T. rangeli é reconhecido pelo sistema de defesa do inseto e inicia-se uma série de eventos celulares e humorais que irão atuar como fatores limitantes para o desenvolvimento do parasito, incluindo a produção de lisozimas de atividade tripanolítica, ativação do sistema pró-fenoloxidase, fagocitose e microagregação de hemócitos, aglutinação e produção de ânions superóxido (ver revisão Garcia et al., 2010). Sabe-se que a resposta imune do inseto é voltada preferencialmente formas curtas do parasito enquanto que formas longas seriam responsáveis pela manutenção da infecção bem como, pela invasão das glândulas salivares (Mello et al., 1995, 1999; Gomes et al., 1999, 2003). Deste modo, estas formas epimastigotas longas do T. rangeli estariam funcionando como o escape do parasito frente às respostas imunológicas do inseto. A presença do parasito na hemolinfa pode afetar a sobrevivência do inseto bem como prolongar o seu desenvolvimento. Além disso, insetos que apresentam infecções massivas na hemolinfa podem exibir alterações morfológicas (Grewal, 1957; Tobie, 1961; Añez, 1984). Outra característica marcante em insetos que apresentam altas taxas de infecção é a elevada mortalidade durante o processo de muda, além daqueles que não conseguem sair da antiga cutícula (Añez, 1984). Recentemente, Ferreira et al. (2010) demonstraram que a infecção pelo T. rangeli leva a um aumento na quantidade de lipídeos e de corpos gordurosos na hemolinfa de R. prolixus e que a sua presença exclusivamente na hemolinfa é suficiente para provocar alterações no desenvolvimento dos insetos, inclusive prolongando o período entre mudas. O último estágio de desenvolvimento do T. rangeli no hospedeiro invertebrado ocorre no interior das glândulas salivares. Os mecanismos de invasão utilizados pelos epimastigotas para penetrar nas glândulas salivares do hospedeiro invertebrado ainda estão pouco esclarecidos. Sabe-se que lectinas e carboidratos presentes na superfície do parasito estão envolvidos neste processo (Basseri et al., 33 2002). Uma redução significativa das proteínas estocadas nas glândulas salivares de R. prolixus, incluindo aquelas com funções anti-hemostáticas como as nitroforinas, foi observada durante a infecção pelo T. rangeli (Paim et al., 2013). Esta redução afeta o comportamento alimentar do inseto, levando a um aumento significativo no número de picadas e reduzindo a sua habilidade de ingerir sangue de hospedeiros vertebrados, consequentemente, aumentando as chances de transmissão do T. rangeli (Garcia et al.,1994). Um estudo recente também demonstrou que a infecção pelo T. rangeli promove a inibição da atividade de uma tirosina fosfatase levando a uma redução da atividade da enzima responsável pela produção de óxido nítrico, o que poderia contribuir para o aumento no tempo de ingestão sanguínea pelo vetor (Gazos-Lopes et al., 2012). A infecção por T. rangeli também promove alterações comportamentais no inseto vetor. Ninfas de R. prolixus infectadas pelo parasito apresentaram uma redução no comportamento de fototaxia negativa, permanecendo mais tempo expostas à luz do que os insetos controle (Ferreira et al., 2011). A infecção também alterou a atividade locomotora dos insetos que foi maior do que a exibida pelos insetos do grupo controle durante a escotofase e a fotofase (Marliére et al., 2011). A avaliação do comportamento de utilização de refúgios mostrou que insetos infectados apresentaram uma movimentação mais intensa na presença de estímulos provenientes de um hospedeiro vertebrado e se mantiveram fora do abrigo após a retirada do estímulo, mesmo durante a fase de iluminação (Marliére et al., 2010). 3.4 O papel da temperatura no desenvolvimento de insetos e nas interações com seus parasitos As associações parasito-hospedeiro são elementos não aparentes dentro de uma comunidade ecológica e afetam as relações de competição intra e interespecíficas, a distribuição e abundância de espécies e a própria composição da comunidade (Horwitz e Wilcox, 2005; Thomas et al., 2005). Sendo assim, os parasitos e seus hospedeiros não podem ser considerados isoladamente nem serem separados da comunidade da qual fazem parte, sendo necessário incluir também nos estudos de interação as propriedades do ambiente onde habitam (Thrall et al., 2007). 34 A maioria dos estudos evolutivos sobre mudanças adaptativas na resistência ou suscetibilidade de hospedeiros e/ou virulência de parasitos normalmente não consideram os fatores bióticos e abióticos como tendo algum papel nas interações parasito-hospedeiro (Bull, 1994; Frank, 1996; Kraaijeveld et al., 1998; Dieckmann et al., 2002). Como resultado, o efeito de fatores extrínsecos na resistência ou virulência durante uma interação tem recebido pouca atenção. Entretanto, diversos estudos vêm demonstrando que a suscetibilidade do hospedeiro e a virulência do parasito são dependentes de condições abióticas (ex. Ferguson e Read, 2002; Elliot et al., 2002) e que uma condição chave parece ser a temperatura ambiental (Thomas e Blanford, 2003). Já está bem estabelecido que a temperatura afeta processos bioquímicos, fisiológicos e comportamentais em animais e existem muitos trabalhos explorando a sensibilidade térmica dos organismos e os fatores que influenciam a evolução das curvas de performance térmicas (ver revisão Thomas e Blanford, 2003). Em insetos que vivem nos trópicos, a curva de sobrevivência populacional tem a forma de um U invertido, com a sobrevivência declinando profundamente nas temperaturas máximas e mínimas e se mantendo constante nas temperaturas intermediárias (Amarasekare e Sifuentes, 2012). Assim como para os demais insetos, diversos autores têm avaliado os efeitos da temperatura sobre o desenvolvimento de vetores como Aedes aegypti (Yang et al., 2009), Anopheles gambiae (Bayoh e Lindsay, 2004), Culex tarsalis (Dodson et al., 2012), Aedes albopictus (Reiskind et al., 2012) e Pediculus sp. (Gallardo et al., 2009). Os efeitos dos fatores climáticos sobre a fisiologia e o comportamento dos triatomíneos vêm sendo estudados, dada a sua importância na distribuição desses insetos e a sua potencial influência na capacidade dos triatomíneos de colonizar domicílios humanos (Schofield e Patterson, 1977; Salvatella et al., 1991). A temperatura ambiental afeta diferentes parâmetros biológicos dos triatomíneos, como a eclosão de ovos (Clark, 1935; Guarneri et al., 2003), a fecundidade e a maturidade sexual (Ehrenfield et al., 1998; Jörg, 1960), a dispersão de adultos (Lehane et al., 1992) e a seleção de esconderijos (Lorenzo e Lazzari, 1999). Por outro lado, os triatomíneos são capazes de perceber gradientes térmicos (Wigglesworth e Gillet, 1934; Lazzari e Núñez, 1989) e de escolher a temperatura preferida de acordo com o seu estado fisiológico (Di Luciano, 1983; Lazzari, 1991; 35 Canals et al., 1997; Pires et al., 2002; Schilman e Lazzari, 2004; Guarneri et al., 2003). Com relação às interações hospedeiro-parasito, existe uma gama de possíveis influências da temperatura que incluem efeitos sobre os períodos de infecção latente (Blanford e Thomas, 1999), expressão de doença latente (Mohamed et al., 1985), cura do hospedeiro e mortalidade do parasito (Carruthers et al., 1992; Kobayashi et al., 1981; Sigsgaard, 2000), replicação do parasito (Kobayashi et al.,1981) e virulência do parasito e/ou resistência do hospedeiro (Blanford e Thomas, 1999; Arthurs e Thomas, 2000; Menti et al., 2000; Elliot et al., 2002; Blanford et al., 2003). As mudanças no comportamento ou na fisiologia dos insetos causadas pela infecção e moduladas pela temperatura podem promover uma transmissão mais eficiente do parasito ao seu hospedeiro definitivo, provavelmente aumentando o fitness destes parasitos e possivelmente diminuindo o fitness do vetor. Tais mudanças no comportamento do vetor podem ter potenciais implicações epidemiológicas (Moore, 2002). Embora exista um grande número de trabalhos publicados sobre os efeitos da presença do parasito no desenvolvimento, fisiologia e comportamento de seus hospedeiros, e sabendo-se que a temperatura é um fator crítico para a sobrevivência de animais ectotérmicos, é de fundamental importância compreender o papel da temperatura nas interações vetor/parasito. Dentro desse contexto, torna-se relevante compreender a dinâmica de interação entre triatomíneos e tripanosomas bem como compreender como essa relação ocorre na natureza. Espera-se que os resultados obtidos neste trabalho possam contribuir para o desenvolvimento de estratégias e ferramentas de controle desses vetores. 36 MATERIAIS E MÉTODOS 37 4 MATERIAIS E MÉTODOS 4.1 – Triatomíneos Os exemplares da espécie R. prolixus utilizados neste trabalho são provenientes do insetário do Laboratório de Triatomíneos e Epidemiologia da Doença de Chagas (LATEC), de uma colônia iniciada a partir de insetos coletados em Honduras. Os insetos foram mantidos em condições semi-controladas de temperatura (26 ± 1°C) e umidade relativa (65 ± 10%) e em ciclo de iluminação natural. Os triatomíneos foram criados em frascos de plástico ou acrílico cilíndricos, fechados com tecido de algodão, forrados com papel filtro para absorção de umidade e contendo uma tira de cartolina no centro do pote dobrada em sanfona para permitir uma maior superfície de contato para o inseto e facilitar a alimentação. Os insetos foram alimentados semanalmente em galinhas ou camundongos Swiss anestesiados (Thionembutal a 2%), ou sangue de coelho citratado obtido do Cecal (Centro de Criação de Animais de Laboratório da Fundação Oswaldo Cruz, FIOCRUZ – RJ). Todos os protocolos que utilizaram animais seguiram as normas da FIOCRUZ para a experimentação animal e foram aprovadas pelo Comitê de Ética na Utilização de Animais (CEUA-FIOCRUZ-MG) sob o número L-058/08. 4.2 – Parasitos Neste estudo utilizou-se a cepa CL de T. cruzi, multiclonal, isolada a partir do vetor Triatoma infestans naturalmente infectado (Brener e Chiari, 1963) e a cepa CHOACHI de T. rangeli, isolada das glândulas salivares de Rhodnius prolixus naturalmente infectado, originado no Estado de Cundinamarca, Colômbia (Schotelius,1987). Epimastigotas de T. cruzi (cepa CL) e de T. rangeli (cepa CHOACHI) foram cultivados através de duas passagens semanais em meio LIT (Liver Infusion 38 Tryptose) acrescido de 15% de soro fetal bovino e antibiótico na concentração de 100 unidades de penicilina e 100µg de estreptomicina por mL. Os parasitos foram cultivados em tubos cilíndricos de vidro em volume final de 3mL e mantidos em estufa BOD à temperatura de 27°C. A cepa de T. rangeli foi mantida através de dois diferentes tratamentos. No primeiro (T1), os parasitos foram mantidos exclusivamente em meio LIT por um período superior a 90 dias. No segundo tratamento (T2), os parasitos foram mantidos em meio LIT por 30 dias, após terem sido submetidos a uma passagem em triatomíneos, transmitidos destes para camundongos e recuperados por hemocultura. Os dois tratamentos foram utilizados para todos os experimentos desenvolvidos com esta espécie. 4.3 – Avaliação do crescimento dos parasitos em meio de cultura, submetidos a diferentes temperaturas. 4.3.1 - Reagentes e Soluções A solução estoque de Diacetato de Fluoresceína (FDA – F7378, Sigma) foi obtida através da diluição do corante em acetona (1mg/mL) e conservada a -20°C. O FDA é um corante vital, não polar, capaz de penetrar a membrana íntegra de células viáveis, se difundindo passivamente. No citoplasma celular, o FDA é hidrolisado por esterases produzindo a fluoresceína, componente que exibe fluorescência verde quando excitado por luz azul (488nm). No ensaio, foi utilizado como marcador de células vivas. A solução estoque de Iodeto de Propídeo (PI – P4170, Sigma) foi obtida através da diluição do corante em água para injeção estéril (1mg/mL), protegida da luz e conservada a -20°C. O PI penetra em células em processo de apoptose e se liga ao DNA de dupla fita da célula. O corante tem espectro de absorção entre 287 e 488nm e quando excitado a 630nm emite cor vermelha. No ensaio, foi utilizado como marcador de células mortas ou em processo de morte. 39 Para a quantificação dos parasitos foi utilizada uma quantidade fixa e conhecida de microesferas fluorescentes (FlowCountTM Fluorospheres Beckman Coulter, PN7508092-E, LOT 7548025, concentração de 986/µL). 4.3.2 – Marcação dos Parasitos Três diferentes procedimentos de marcação foram utilizados para cada amostra: FDA (7 µg/mL), PI (25 µg/mL) e FDA + PI (nas mesmas concentrações). Uma amostra sem marcação foi utilizada como controle. Um volume final de 220µl, contendo 50µl de cultura, os corantes, 20µl de fluorosferas e PBS estéril (0.15 M NaCl em 0.01 M de sódio fosfato (Na2HPO4), pH 7,2) foram analizados em um citômetro de fluxo (modelo FACScan, Becton Dickinson). As análises foram realizadas utilizando-se o programa FlowJo7.6. 4.3.3 – Ensaio Biológico Para avaliar o crescimento dos parasitos em meio de cultura, garrafas de cultura de 25cm2 receberam uma concentração inicial de 1x106 parasitos/mL em um volume final de 8mL de meio LIT por garrafa. As garrafas foram imediatamente transferidas para caixas com temperatura controlada e mantidas nas mesmas condições durante sete dias (Figura 4). As temperaturas testadas foram de 21, 24, 27 e 30°C. Para cada nível de temperatura foram testadas simultaneamente duas garrafas. Diariamente uma amostra de 50L de cada garrafa foi coletada, marcada com os corantes fluorescentes, e o número de células vivas e mortas foi contado no citômetro de fluxo. Uma vez que o citômetro de fluxo somente conta número de eventos sem correlacioná-los com volume, o número de parasitos foi estimado através da sua comparação com uma quantidade conhecida de fluorosferas. 40 Figura 4 – Caixas de temperatura controladas, mantidas em estufa BOD, onde foram realizados os ensaios. 41 4.4 – Avaliação do desenvolvimento de insetos infectados submetidos a diferentes temperaturas 4.4.1 - Infecção por Trypanosoma cruzi Ninfas de segundo estádio com aproximadamente sete dias de jejum foram alimentadas em alimentador artificial contendo sangue de coelho inativado (56°C, 30min), e uma suspensão de epimastigotas de cultura de T. cruzi numa concentração de 1 x 107 parasitos/mL. Insetos alimentados apenas com sangue foram utilizados como controle. Um dia após a alimentação, os insetos foram transferidos para placas de Petri contendo papel de filtro como substrato (grupo infectado, n=126 e grupo controle, n=132; máximo oito insetos por placa). As placas foram mantidas em câmaras com temperaturas de 21, 24, 27 e 30°C (Figura 4). Neste ensaio foram avaliados o tempo de duração do estádio e a mortalidade dos insetos durante um período de 90 dias após a ocorrência da ecdise. No final do ensaio, os insetos sobreviventes foram examinados para a presença de parasitos. 4.4.2 - Infecção por Trypanosoma rangeli A infecção dos insetos por T. rangeli foi realizada de acordo com Ferreira et al. (2010). Ninfas de quarto estádio com sete dias de jejum foram inoculadas com 1µL de PBS estéril contendo 50 epimastigotas de cultura (5x104 par/mL). O inóculo foi realizado diretamente na cavidade celomática do inseto utilizando-se uma seringa Hamilton de 50µL com uma agulha acoplada (13 × 3,30 G, ½''). Um dia após o inóculo, as ninfas foram alimentadas em camundongos anestesiados e 24 horas após, transferidas para placas de Petri contendo papel de filtro como substrato (n=120 para T1 e 80 para T2, máximo de seis ninfas por placa). Para cada uma das temperaturas, insetos inoculados com o mesmo volume de PBS estéril foram utilizados como controle (n=120 para T1 e 76 para T2, máximo de seis ninfas por placa). As placas foram mantidas em câmaras com temperaturas de 21, 24, 27 e 30°C (Figura 4). Para os dois tratamentos de T. rangeli foram avaliados o tempo de duração do estádio e a mortalidade dos insetos durante um período de 30 dias após 42 a ocorrência da ecdise. No final do ensaio, os insetos sobreviventes foram examinados para a presença de parasitos na hemolinfa e nas glândulas salivares. Para o exame da positividade da hemolinfa foi feito um corte com o auxílio de uma tesoura fina no tarso do primeiro par de patas de cada ninfa e uma pequena gota foi coletada diretamente em lâmina e visualizada em microscópio. Para o exame das glândulas, a cabeça de cada ninfa foi retirada com o auxílio de pinças finas e as glândulas foram transferidas para lâminas contendo solução salina 0,9%. Uma lamínula foi colocada sobre o material para a visualização em microscópio em aumento de 400x. 4.5 – Quantificação do Trypanosoma cruzi no trato intestinal de Rhodnius prolixus, em insetos submetidos a diferentes temperaturas 4.5.1 - Infecção por Trypanosoma cruzi e ensaio biológico Camundongos B6.129S7-IFN knockout (KO) obtidos do Biotério Central do CPqRR foram infectados via intraperitoneal com 5.000 epimastigostas de T. cruzi. No sétimo dia pós-infecção, a parasitemia foi contada segundo a metodologia descrita por Brener (1962). Ninfas de quinto estádio foram individualmente pesadas e individualizadas em frascos plásticos (3,5 x 2cm), contendo papel de filtro como substrato e cobertos com tecido de forma a permitir a alimentação dos insetos. Para a alimentação das ninfas, o camundongo foi anestesiado intraperitonealmente com uma mistura de ketamina a 150 mg/kg (Cristalia; Brasil) e xilazina 10 mg/kg (Bayer; Brasil) e a cada ninfa foi permitido ingerir o equivalente a 30mg de sangue. Após a alimentação, as ninfas foram mantidas em câmaras com temperaturas controladas de 21, 24, 27 e 30°C (Figura 4). No dia seguinte à infecção, os insetos foram retirados das câmaras, alimentados em alimentador artificial contendo sangue de coelho citratado para realizarem a alimentação completa. Em seguida foram transferidos novamente para as câmaras com temperatura controlada até a realização dos ensaios. Os insetos que permaneceram 43 nas câmaras por períodos superiores a 30 dias receberam uma segunda alimentação no 45º dia pós-infecção. A avaliação do número de parasitos foi realizada nos dias 15, 30 e 60 após a infecção. Para cada período e temperatura testados, quatro insetos foram individualmente dissecados e seus intestinos médio anterior, médio posterior e ampola retal (Figura 5) transferidos para tubos cônicos contendo 20L de PBS estéril. Durante o processo de dissecação as amostras foram mantidas em gelo e posteriormente estocadas a -20ºC até a extração do DNA. Para cada temperatura avaliada, amostras de dois ou mais insetos foram também utilizadas para contagem em câmara de Neubauer. Para isso, as amostras foram homogeneizadas e 5l de cada uma das partes dissecadas, diluídas em 45l de PBS e 10l do material diluído utilizados para contagem. Figura 5 – Esquema do tubo digestivo de um triatomíneo. As setas indicam cada porção do tudo digestivo (Adaptado de Garcia et al., 2007). 44 4.5.2 – Extrações de DNA As amostras obtidas no item 4.5.1 (de intestino médio anterior, intestino médio posterior e ampola retal de insetos individuais) foram submetidas à extração de DNA utilizando-se o Kit Wizard Genomic DNA Purification (Promega) seguindo-se o protocolo sugerido pelo fabricante para extração de DNA de amostras de sangue, que se baseia em quatro etapas. Primeiramente uma solução de lise celular foi utilizada para lisar a membrana das células, seguindo-se uma segunda solução de lise para romper o núcleo das células. Na terceira etapa foi utilizada uma solução de precipitação de proteínas. Para melhor visualização do pellet de DNA, 4µl de glicogênio (40mg/mL, Invitrogen) foram adicionados a cada amostra e em seguida uma solução de isopropanol foi utilizada para precipitar o DNA obtido. Uma solução de álcool a 70% foi utilizada para lavar o DNA e eliminar qualquer material inespecífico. Após esse procedimento de lavagem foi feita uma centrifugação e o sobrenadante foi descartado. O pellet de DNA obtido foi ressuspenso em água ultra pura (Gibco) e quantificado em um aparelho Nanodrop (Thermo Scientific). Para essa quantificação, foram utilizados 2µL do total obtido. Amostras de DNA foram também extraídas de parasitos mantidos em meio de cultura e também de sangue de camundongos IFN-KO não infectados e infectados com T. cruzi para serem utilizadas como controle positivo da reação de PCR. Além disso, amostras de intestinos de insetos não infectados e sangue de camundongo IFN-KO foram utilizados para controle negativo da reação. Novamente, o Kit Wizard Genomic DNA purification foi utilizado, seguindo-se neste processo o protocolo sugerido para amostras de cultura de células e para amostras de sangue. 4.5.3 – PCR quantitativo em Tempo Real Os produtos obtidos nas extrações de DNA foram submetidos à análise por PCR em tempo real (qPCR) para se obter uma quantificação molecular do número de parasitos. Para as reações de qPCR foram utilizados iniciadores específicos para amplificar um fragmento de 182pb de T. cruzi (TCZ) (Cummings e Tarleton, 2003), e as reações foram realizadas em um equipamento ABI Prism 7500 Sequence 45 Detection System (Applied Biosystems). As sequências dos iniciadores utilizados para a amplificação de DNA específico para o T. cruzi estão listadas na tabela 1. Tabela 1 – Sequências dos iniciadores específicos para T. cruzi utilizados para amplificação dos produtos de DNA por PCR em tempo real (Cummings e Tarleton, 2003). Iniciadores TCZ – F Sequências 5’ GCTCTTGCCCACAMGGGTGC 3’ Onde M = A ou C TCZ – R 5’ CCAAGCAGCGGATAGTTCAGG 3’ As reações de PCR em tempo real foram realizadas utilizando-se o Power SYBR Green PCR Master Mix Kit (Applied Biosystems) de acordo com as recomendações do fabricante. A análise dos resultados foi feita pelo ABIPRISM 7500 Sequence Detection System (Applied Biosystems). Cada reação foi realizada em triplicata, contendo 2µl do DNA molde, 300nM de cada iniciador, 12,5µl do Power SYBR Green PCR Master Mix em um volume final de 25µl. As condições de amplificação foram: desnaturação inicial a 95°C por 10 minutos, 40 ciclos de desnaturação a 95°C por 15 segundos, ligação dos iniciadores e extensão a 60°C por 1 minuto. Durante as reações, foram feitas análises das curvas de dissociação dos amplificados de cada amostra a fim de verificar se as qPCRs estavam gerando mais de um produto. Um controle negativo (sem adição de DNA) foi incluído para o conjunto de iniciadores e utilizado para confirmar a ausência de DNA genômico inespecífico e para verificar se houve formação de dímeros de iniciadores ou de qualquer contaminação nas reações. 46 Uma curva padrão foi gerada como descrito por Caldas et al. (2012), utilizando-se 8 diluições seriadas em água (1:10). Para isso, foi preparada uma mistura de amostras de DNA extraídos de sangue de camundongo B6.129S7 INFKO não infectado e de parasitos de meio de cultura, de forma que a concentração inicial fosse equivalente a 5.106 parasitos/100µl de sangue . 4.6 – Análises Estatísticas As análises do crescimento dos parasitos em meio de cultura foram focadas nos efeitos da temperatura nas taxas de crescimento e foram realizadas no programa (R) pelo colaborador do estudo, Dr. S.L. Elliot. O primeiro passo foi determinar as taxas de crescimento (ou seja, as curvas de regressão) para cada replicata (garrafa) em cada tratamento de temperatura. Para isso, os tamanhos das populações de parasitos vivos foram log-transformados (ou seja, logarítimo do número de parasitos + 1) e modelos de efeitos mistos lineares foram utilizados para a análise de medidas repetidas (ou seja, dias 1, 2, 3, etc). Esta análise gerou oito curvas de crescimento para cada um dos três parasitos testados (duas repetições de quatro temperaturas). Estas foram submetidas a análises de regressão para avaliar possíveis efeitos da temperatura nas taxas de crescimento. O efeito da infecção na duração do período intermudas e na sobrevivência dos insetos mantidos nas diferentes temperaturas, foi analisado através da comparação de curvas de sobrevivência, utilizando-se o Teste Log-Rank. As taxas de sobrevivência, ecdise e defeitos na muda foram analisadas através do teste Z de proporções para amostras independentes. A infecção das glândulas salivares entre insetos submetidos a diferentes temperaturas foi avaliada através do teste Quiquadrado, comparando-se os pares através de bipartição. Para todas as análises o nível de significância considerado foi de p<0,05. 47 RESULTADOS 48 5 RESULTADOS 5.1 - Avaliação do crescimento dos parasitos em meio de cultura, submetidos a diferentes temperaturas O crescimento in vitro da população de T. cruzi aumentou com o aumento da temperatura de 21-30°C (Figura 6A; p<0,0001 para o efeito da temperatura), com as maiores populações sendo obtidas na temperatura de 30ºC (386 x 103 parasitos). Os parasitos mantidos nas temperaturas de 21 e 24°C não mostraram um aumento expressivo no crescimento ao longo dos sete dias de acompanhamento. O melhor ajuste da regressão da curva de crescimento versus temperatura (Figura 6B) não foi curvado, indicando que o pico de crescimento deve ter ocorrido a 30°C ou mais. De modo geral, o perfil de crescimento do T. cruzi foi maior (entre 6-60 vezes) que o encontrado para o T. rangeli quando os parasitos foram submetidos às mesmas condições (Figura 6A, C e E). Os dois tratamentos de T. rangeli também cresceram mais em temperaturas mais altas, mas nestes casos, os melhores ajustes de regressão foram funções quadráticas, indicando que as curvas tiveram seus picos de crescimento em 27°C para os dois tratamentos (Figuras 6C-F; p<0,01 para ambos os tratamentos). O T. rangeli T1 (parasitos que foram mantidos exclusivamente em meio LIT) apresentou as menores taxas de crescimento, não ultrapassando 60 x 103 parasitos em nenhuma das temperaturas a que foi submetido (Figura 6C). Entre as temperaturas avaliadas, o perfil de crescimento do parasito foi menor em 21 e 30ºC (Figura 6C). A maior população alcançada para o T. rangeli T2 (parasitos mantidos em meio LIT por 30 dias, após terem sido submetidos a uma passagem em triatomíneos e camundongos e posteriormente recuperados por hemocultura) foi obtida em 27°C (120 x 103 parasitos). Para as temperaturas de 24 e 30°C o crescimento foi semelhante e aproximou-se de 100 x 103 parasitos no sétimo dia. Assim como para todos os outros parasitos estudados, a temperatura de 21°C foi a que apresentou as menores taxas de crescimento. As taxas de mortalidade de T. cruzi ficaram abaixo de 10%, com exceção dos parasitos mantidos em 21°C que apresentaram valores acima dos 20% (Figura 7A). Para o T. rangeli T1, as taxas de mortalidade ficaram entre 10 e 40%, a temperatura de 27°C mostrando as mortalidades mais baixas (Figura 7B). As taxas de 49 mortalidade para o T. rangeli T2 foram consistentemente mais baixas do que 10%, independentemente da temperatura a que foram expostos (Figura 7C). Trypanosoma cruzi A 21°C 24°C 27°C 30°C 5000 B 4300 4500 Inclinação (média + e.p.) Log (parasito + 1) (média + e.p.) 5500 4000 3500 3000 4200 4100 4000 3900 3800 3700 2500 3600 1 3 4 C 5 6 21 7 24 27 30 Trypanosoma rangeli T1 4500 3450 Inclinação (média + e.p.) Log (parasito + 1) (média + e.p.) 5000 2 4000 3500 3000 D 3400 3350 3300 3250 3200 3150 3100 2500 1 3 4 5 E 6 21 7 24 27 30 Trypanosoma rangeli T2 4500 4000 F 3950 Inclinação (média + e.p.) Log (parasito + 1) (média + e.p.) 5000 2 4000 3500 3000 3900 3850 3800 3750 3700 3650 2500 1 2 3 4 5 6 21 7 Dias 24 27 30 Temperatura (°C) Figura 6 - Crescimento de epimastigotas de Trypanosoma cruzi e Trypanosoma rangeli em cultura, mantidos em diferentes temperaturas. As barras representam o erro da média de duas repetições. 50 Trypanosoma cruzi A Mortalidade (%, média + e.p.) 50 40 30 21°C 24°C 27°C 30°C 20 10 0 1 2 3 4 5 6 7 Dias Trypanosoma rangeli T1 Trypanosoma rangeli T2 Mortalidade (média + e.p.) B C 50 50 40 40 30 30 20 20 10 10 0 0 1 2 3 4 5 6 7 1 2 3 4 5 6 7 Dias Dias Figura 7 - Mortalidade de epimastigotas de Trypanosoma cruzi e Trypanosoma rangeli em cultura, mantidos em diferentes temperaturas. Foram incluídos os dados de células coradas com PI e com FDA+PI, indicativo de células mortas ou em processo de morte celular. As barras representam o erro da média de duas repetições. 51 5.2 – Avaliação do desenvolvimento de insetos infectados submetidos a diferentes temperaturas 5.2.1 Insetos infectados por Trypanosoma cruzi O objetivo desse experimento foi avaliar se o período intermudas e as taxas de mortalidade de insetos infectados e saudáveis variavam com a temperatura. Como esperado, independentemente da presença da infecção, a temperatura afetou o período intermudas em todos os tratamentos, uma vez que o tempo para alcançar o terceiro estádio foi reduzido conforme a temperatura foi aumentada (Figura 8, LogRank; p=0,00001 para os dois tratamentos). Independentemente da temperatura a que os insetos foram expostos, a infecção pelo T. cruzi prolongou o tempo necessário para as ninfas atingirem o terceiro estádio (Figura 2; Log-Rank, p<0,0002 para todos os tratamentos). Os tempos médios para as ninfas do grupo controle alcançarem o terceiro estádio foram de 32,1+8,3, 23,2+9,5, 17,8+8,9 e 13,3+3,2 dias para as temperaturas de 21, 24, 27 e 30°C, respectivamente. Para os insetos infectados, o tempo médio para a ocorrência da ecdise foi de 43,5+9,2, 30,0+7,7, 23,6+6,3 e 23,3+10,4 dias para as temperaturas de 21, 24, 27 e 30°C, respectivamente. Além de prolongar o tempo de muda para o terceiro estádio, a infecção pelo T. cruzi também diminuiu o sucesso de ecdise dos insetos mantidos a 21°C (Teste Z, p=0,002) e 30°C (Teste Z, p=0,007) (Tabela 2). A porcentagem de mudas com defeito foi baixa em todas as temperaturas e tratamentos testados, ficando em torno dos 10% (Tabela 2). As taxas de mortalidade foram inicialmente avaliadas ao final de trinta dias após a primeira muda de cada grupo e dentro desse período não foram observadas diferenças significativas entre insetos infectados e saudáveis nas temperaturas avaliadas, exceto para os insetos infectados mantidos a 24°C, que apresentaram uma taxa de mortalidade 20% maior do que os insetos do grupo controle mantidos na mesma temperatura (Tabela 2; Teste Z, p=0,008). Com objetivo de avaliar o efeito global da infecção, os insetos que ao longo do experimento morreram, não mudaram ou apresentaram defeitos na ecdise foram somados e comparados entre os tratamentos. De modo geral, a infecção por T. cruzi promoveu um decréscimo de 20% na população, sendo as comparações 52 estatisticamente significativas para os grupos mantidos a 21, 24 e 30°C (Tabela 2; Teste Z, p=0,01 para 21 e 24°C, p=0,03 para 30°C). Para avaliar a interação da infecção com a temperatura e o jejum, a mortalidade das ninfas foi acompanhada por um período de 60 dias além daquele avaliado inicialmente (Figura 9). Independentemente da infecção, no final dos 90 dias de acompanhamento, praticamente todos os insetos mantidos a 27 e 30ºC já haviam morrido, enquanto cerca da metade daqueles mantidos em 21 e 24°C permaneceram vivos (Figura 9). A comparação deste parâmetro ao longo do tempo entre os tratamentos mostrou um aumento na mortalidade em insetos infectados mantidos em 24°C (Figura 9B; Log-Rank, p=0,02) e 27°C (Figura 9D; Log-Rank, p=0,0001). A 100 21°C B 100 24°C 80 80 Ecdise (%) 60 60 40 40 20 p=0,0004 p=0,001 20 0 0 0 5 10 15 25 30 35 40 45 27°C C 100 20 50 Controle Infectado 0 10 15 20 25 30 35 40 45 50 45 50 30°C D 100 80 5 80 Ecdise (%) 60 60 40 40 20 p=0,005 0 p=0,0001 20 0 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 0 5 10 15 20 25 30 35 40 Dias Dias Figura 8 – Efeito da infecção por Trypanosoma cruzi no período necessário para alcançar o terceiro estádio de ninfas de Rhodnius prolixus mantidas em diferentes temperaturas. Os valores de p indicados em cada gráfico representam a significância estatística das comparações entre os tratamentos (Log-Rank). 53 Tabela 2 - Efeito da infecção por Trypanosoma cruzi no fitness de ninfas de Rhodnius prolixus Temperatura (ºC) 21 24 27 30 Status Controle 25,0 Infectado 25,0 34,4 9,4 68,8 Controle 3,1 12,5 0 15,6 Infectado 23,5 Controle 6,4 Infectado 18,2 Controle 9,7 Infectado 6,1 Teste Z n.s. p=0,007 Não mudaram (%) Teste Z 6,2 p=0,001 n.s 11,7 6,4 n.s 12,5 2,9 Teste Z n.s n.s 3,2 n.s 6,1 0 n.s Defeito na muda (%) Taxa de mortalidade acumulada (%) Taxa de Mortalidade (%) 3,0 p=0,007 3,0 0,01 43,7 0,01 38,1 16,0 n.s 0 18,2 Teste Z n.s. 27,3 9,7 n.s 0,03 27,3 54 100 A 100 B Mortalidade acumulada (%) 21°C 24°C 80 80 60 60 40 40 p=0,02 30 dias 60 dias 90 dias 20 20 0 0 Controle Mortalidade acumulada (%) 100 C Infectado Controle 27°C 100 80 80 60 60 Infectado 30°C D 40 40 p=0,0001 20 20 0 0 Controle Controle Infectado Infectado Figura 9 - Efeito da infecção por Trypanosoma cruzi nas taxas de mortalidade de ninfas de Rhodnius prolixus mantidas a diferentes temperaturas. Os valores de p indicados em cada gráfico representam a significância estatística das comparações entre os tratamentos (Log-Rank). 55 5.2.2 Insetos infectados por Trypanosoma rangeli De maneira geral, o período intermudas observado para os dois diferentes tratamentos testados com o T. rangeli foi similar ao perfil encontrado para os insetos infectados com o T. cruzi, ou seja, o período intermudas foi mais curto para os insetos mantidos nas temperaturas mais altas, independentemente da presença do parasito (Figuras 10 e 11; Log-Rank, p=0,00001 para todos os tratamentos). O tempo necessário para os insetos mudarem para o 5° estádio variou entre 11 e 57 dias para o grupo infectado pelo T. rangeli T1 e entre 11 e 37 dias para o seu respectivo grupo controle (Figura 10). Para os insetos infectados pelo T. rangeli T2 esses valores variaram entre 13 e 55 dias e para os respectivos controles entre 12 e 51 dias (Figura 11). Em geral, ambos os tratamentos de T. rangeli promoveram um atraso no período intermudas. Para o grupo infectado com T. rangeli T1, este atraso foi dependente da temperatura, sendo evidente somente nos insetos infectados mantidos nas temperaturas de 21 e 24°C (Figura 10, Log Rank, p=0,00001 para 21 e 24°C). As taxas de eclosão de insetos infectados também foram afetadas nas temperaturas baixas (Tabela 3, teste Z, p=0,04 para insetos mantidos a 21°C and p=0,01 para insetos mantidos a 24°C). A exposição às diferentes temperaturas não promoveu alterações morfológicas nos insetos dos grupos controle. Entretanto, a frequência dessas alterações foi aumentada nos insetos infectados mantidos a 27°C (Tabela 3, teste Z, p=0,001). Um aumento nas taxas de mortalidade de insetos infectados pelo T. rangeli foi induzido pelas temperaturas mais baixas. A proporção de insetos infectados encontrados mortos no final do período de avaliação chegou a 30% na temperatura de 21°C, enquanto apenas 3,3% das ninfas haviam morrido no correspondente grupo controle (Tabela 3, teste Z, p=0,003). Na temperatura de 24°C esse valor foi de 50% para os insetos infectados e de 6,6% para os insetos do grupo controle (Tabela 3, teste Z, p=0,0001). Os efeitos cumulativos da infecção foram de mais de 25% nos insetos mantidos a 21, 24 e 27°C, alcançando 60% naqueles mantidos a 24°C (Tabela 3, teste Z, p<0,001 para todos os tratamentos). No final do experimento, os insetos infectados pelo T. rangeli tiveram sua 56 hemolinfa e glândulas salivares examinadas para a presença do parasito. Não foi observada infecção nas glândulas salivares de nenhum inseto, independentemente da temperatura a que foi submetido. Em relação à infecção da hemolinfa, ninfas mantidas a 30°C apresentaram uma redução nas taxas de infecção quando comparadas com aquelas mantidas nas demais temperaturas (Tabela 4, 2 partição, p=0,006). Para os insetos infectados pelo T. rangeli T2, o prolongamento do período intermudas foi independente da temperatura, ocorrendo em todos os grupos infectados (Figura 11, Log Rank, p=0,00001 para insetos mantidos a 21°C; p=0,0002 para insetos mantidos a 24°C; p=0,00005 para insetos mantidos a 27°C; p=0,00002 para insetos mantidos a 30°C). Apesar de prolongar o processo de muda, o T. rangeli T2 não afetou as taxas de mortalidade nem de ecdise, ou produziu alterações morfológicas significativas nos insetos. A única exceção a essa tendência foi observada para insetos infectados mantidos a 21°C, que apresentaram uma diminuição na taxa de ecdise em relação ao grupo controle (Tabela 3, teste Z, p=0,03). Entretanto, quando os efeitos patogênicos foram somados e comparados entre os grupos, um aumento significativo dos efeitos da infecção foi observado nos insetos infectados mantidos a 24 e 30°C (Tabela 3, teste Z, p=0,02 para ambos os grupos). Trinta dias após a muda para o quinto estádio, todas as ninfas infectadas apresentaram parasitos na sua hemolinfa (Tabela 4). Entretanto, a infecção nas glândulas salivares foi reduzida nos insetos mantidos a 21 e 30°C (Tabela 4, 2 partição, p=0,008). 57 Ecdise (%) 21°C A 100 80 80 60 60 40 24°C B 100 40 p<0,00001 p<0.00001 20 20 0 0 0 10 20 40 50 60 10 20 30 40 50 60 40 50 60 30°C D 100 80 Ecdise (%) 0 27°C C 100 30 80 60 Controle Infectado 60 40 40 20 20 0 0 0 10 20 30 40 50 60 Dias 0 10 20 30 Dias Figura 10 – Efeito da infecção por Trypanosoma rangeli T1 no período necessário para alcançar o quinto estádio de ninfas de Rhodnius prolixus mantidas em diferentes temperaturas. Os valores de p indicados em cada gráfico representam a significância estatística das comparações entre os tratamentos (Log-Rank). 58 Ecdise (%) 21°C A 100 80 80 60 60 40 40 p=0,00001 20 24°C B 100 p=0,0002 20 0 0 0 10 20 30 40 50 60 0 10 20 C 100 40 50 60 D 100 80 Ecdise (%) 30 30°C 27°C 80 60 60 Controle Infectado 40 40 20 20 p=0,00005 0 p=0,00002 0 0 10 20 30 Dias 40 50 60 0 10 20 30 Dias 40 50 60 Figura 11 – Efeito da infecção por Trypanosoma rangeli T2 no período necessário para alcançar o quinto estádio de ninfas de Rhodnius prolixus mantidas em diferentes temperaturas. Os valores de p indicados em cada gráfico representam a significância estatística das comparações entre os tratamentos (Log-Rank). 59 Tabela 3 - Efeitos da infecção por Trypanosoma rangeli no fitness de ninfas de Rhodnius prolixus. Tratamento Temperatura (%) Infecção Taxas de Mortalidade (%) Controle 3,3 21 Infectado 30,0 Controle 6,6 Infectado 50,0 Controle 6,7 13,3 Controle 16,6 30 13,3 Controle 5,2 21 Infectado 5,0 Controle 5,2 24 Infectado 15,0 Controle 10,5 27 Infectado 21,0 Controle 10,5 30 Infectado 5,0 30,0 p=0,02 26,3 p=0,04 0 0 21,0 10,5 n.s 0 5,2 15,8 n.s 0 n.s. n.s 10,0 0 31,5 20,0 0 n.s n.s 5,2 n.s 0 0 n.s. 16,6 0 p=0,03 n.s 16,6 n.s 3,3 15,0 p=0,002 36,6 0 0 n.s 6,7 p=0,001 n.s 0 p<0,0001 69,9 23,3 0 p=0,0004 9,9 0 n.s 0 9,9 n.s 6,6 0 Teste Z 49,9 0 p=0,01 13,3 Efeito total (%) n.s 3,3 3,3 n.s Teste Z 0 16,6 n.s Infectado Mudas com defeito (%) p=0,04 n.s Infectado Teste Z 6,6 p<0,0001 27 T2 Insucesso na muda (%) p=0,002 24 T1 Teste Z n.s. 21,0 n.s. 21,0 52,5 p=0,02 60 Tabela 4 - Taxa de infecção de ninfas de Rhodnius prolixus 30 dias pós-infecção. Tratamento T1 T2 Temperatura (°C) Positividade Hemolinfa (%) Qui-quadrado Positividade glândulas salivares (%) 21 90,9 24 86,7 27 88,9 0 30 57,1 0 21 100 52,6 24 100 27 100 93,3 30 100 38,5 Qui-quadrado 0 p=0,006 - 0 76,5 - p=0,008 61 5.3 – Quantificação do Trypanosoma cruzi no trato intestinal de Rhodnius. prolixus, em insetos submetidos a diferentes temperaturas A quantificação do T. cruzi no trato intestinal de ninfas de R. prolixus foi feita separadamente nas três porções do intestino (intestino médio anterior - IMA, intestino médio posterior – IMP, e ampola retal - AR). Uma vez que não existem trabalhos quantificando parasitos no trato intestinal de triatomíneos pela qPCR, a técnica teve que ser padronizada para o presente estudo. Para verificar a qualidade da qPCR, a maioria dos insetos analisados também teve amostras dos conteúdos intestinais quantificados pela câmara de Neubauer (n=110 amostras). Em mais de 70% das amostras avaliadas, a qPCR deu resultados iguais ou superiores ao observado na contagem da câmara de Neubauer. Em 30% das amostras, as duas metodologias foram negativas para a presença do T. cruzi, sendo esses resultados mais observados nas amostras de intestino médio anterior (Figuras 12, 13, 14 e 15). Em 35,45% das amostras, a quantificação da qPCR foi maior do que a observada na contagem da câmara de Neubauer. Entretanto, nos 34,55% restantes das amostras, a quantidade de parasitos foi maior na câmara de Neubauer. A quantificação do DNA total na maioria dessas amostras sugere ter havido perda de material durante o processo de extração. A avaliação da contagem em câmara de Neubauer não detectou parasitos na porção do IMA em nenhuma das temperaturas ou períodos avaliados (Figura 12). Já as quantificações do IMP e da AR foram bastante variáveis entre os insetos analisados. Para o IMP as maiores quantificações foram observadas nas temperaturas mais baixas (21 e 24°C) a partir dos 15 dias de infecção. A AR foi a porção do trato intestinal onde foram encontrados mais parasitos em todos os períodos avaliados. Contagens superiores a 1.000 par/µl foram encontradas nos primeiros 15 dias após a infecção, mas apenas naqueles insetos mantidos nas temperaturas mais altas, ou seja, 27 e 30°C (Figura 12). 62 9000 7000 15 DIAS 8000 30 DIAS 6000 7000 5000 Parasitos / ul 6000 5000 4000 4000 3000 3000 2000 2000 1000 1000 0 0 21 24 27 30 21 24 27 30 21 24 27 21 30 24 27 30 21 24 27 30 21 24 27 30 Temperatura (°C) Temperatura (°C) 7000 60 DIAS 6000 5000 Parasitos / ul Intestino médio anterior Intestino médio posterior Ampola retal 4000 3000 2000 1000 0 21 24 27 30 21 24 27 30 21 24 27 30 Temperatura (°C) Figura 12 - Quantificação através de contagem em câmara de Neubauer do número de parasitos de Trypanosoma cruzi no trato intestinal de Rhodnius prolixus. 63 Da mesma forma que o verificado pela contagem em câmara de Neubauer, a avaliação pela qPCR não detectou parasitos no IMA nos primeiros 15 dias de infecção (Figura 13). Entretanto, das 27 amostras de IMA avaliadas nos outros períodos, 40% foram positivas para a presença do T. cruzi, com quantidades bastante variáveis entre as amostras (Figuras 14 e 15). A quantificação do número de parasitos no IMP e AR seguiu o mesmo padrão observado nas contagens em câmara de Neubauer, ou seja, as maiores quantificações foram obtidas nas amostras de AR em insetos mantidos nas temperaturas mais altas. 15 dias 80000 Intestino médio anterior Intestino médio posterior Ampola retal 60000 40000 Parasitos / ul 20000 1100 1000 900 800 700 600 500 400 300 200 100 0 21 24 27 30 21 24 27 30 21 24 27 30 Temperatura (°C) Figura 13 - Quantificação por qPCR do número de parasitos de Trypanosoma cruzi no trato intestinal de Rhodnius prolixus, 15 dias após a infecção dos insetos. 64 30 dias 55000 Intestino médio anterior Intestino médio posterior Ampola retal 50000 45000 14000 Intestino médio anterior Intestino médio posterior Ampola retal 12000 Parasitos / ul 10000 8000 6000 4000 30 dias 2000 1000 900 800 700 600 500 400 300 200 100 0 21 24 27 30 21 24 27 30 21 24 27 30 Temperatura (°C) Figura 14 - Quantificação por qPCR do número de parasitos de Trypanosoma cruzi no trato intestinal de Rhodnius prolixus, 30 dias após a infecção dos insetos. 65 60 DIAS 54000 52000 22000 Intestino médio anterior Intestino médio posterior Ampola retal 20000 18000 16000 14000 12000 10000 Parasitos / ul 8000 6000 2D Graph 1 4000 2000 1000 900 800 700 600 500 400 300 200 100 0 21 24 27 30 21 24 27 30 21 24 27 30 Temperatura (°C) Figura 15 - Quantificação por qPCR do número de parasitos de Trypanosoma cruzi no trato intestinal de Rhodnius prolixus, 60 dias após a infecção dos insetos. 66 DISCUSSÃO 67 6 DISCUSSÃO Para compreender como a temperatura afeta a virulência de tripanosomatídeos em hospedeiros invertebrados, primeiramente avaliamos o crescimento de T. cruzi e T. rangeli em meio de cultura em diferentes temperaturas. Nessas condições, os parasitos dispunham de nutrientes ad libitum fornecidos pelo meio de cultura sem a presença da resposta imunológica do inseto. Neste sistema, aparentemente a única variável que poderia comprometer a sobrevivência dos parasitos seria a temperatura. Os resultados mostraram que a temperatura afetou diferentemente as duas espécies de tripanosomas estudadas. O crescimento da população de parasitos de T. cruzi foi diretamente relacionado com o aumento da temperatura. De fato, em um período de sete dias, parasitos mantidos a 30ºC apresentaram um aumento expressivo (crescimento cerca de 28 vezes) na sua população, alcançando 386 x 103 parasitos, quase duas vezes mais do que o crescimento registrado a 27ºC. Estudos prévios demostram que epimastigotas de T. cruzi crescem mesmo quando submetidos à temperaturas de 37°C (Florin-Christensen et al., 1997). Temperaturas mais baixas, particularmente 21ºC, parecem apresentar um efeito nocivo sobre esta população de T. cruzi, uma vez que a taxa de mortalidade observada nessa temperatura foi cerca de 20% no final do ensaio. Já foi demonstrado que temperaturas baixas afetam o transporte e o processo de endocitose de vesículas endocíticas, bem como a taxa de transporte de transferrina para os reservosomos em epimastigostas de T. cruzi (Figueiredo e Soares, 2000). O bloqueio da endocitose em temperaturas baixas parece não ser especifico para protozoários, uma vez que tem sido descrito também em outras células eucarióticas (Dunn et al., 1980; Haylett e Thilo, 1991; Punnonen et al., 1998; Brickman et al., 1995). Para o T. rangeli, a sensibilidade à temperatura variou de acordo com o tratamento a que os parasitos foram submetidos. T. rangeli T1 foram mais sensíveis às temperaturas extremas, uma vez que praticamente não foi observado crescimento nas culturas submetidas a 21 e 30ºC. De maneira geral, os parasitos desse tratamento não cresceram adequadamente em nenhuma das temperaturas testadas, provavelmente em consequência da alta mortalidade observada durante 68 todo o experimento (entre 15 e 40%). Mesmo quando mantidos na temperatura mais adequada (27ºC), a população não ultrapassou os 60.000 parasitos. Apesar de ter crescido cerca de sete vezes menos do que as populações de T. cruzi, os epimastigotas de T. rangeli T2 foram mais resistentes a baixas temperaturas, aumentando sua população em até três vezes quando mantidos em 21ºC. A baixa mortalidade dos parasitos observada nessa temperatura reforça essa ideia. Entretanto, contrariamente ao observado para T. cruzi, os epimastigotas de T. rangeli T2 também foram sensíveis à 30ºC, mas com uma menor intensidade do que os parasitos do tratamento 1 (T. rangeli T1). De maneira geral, o melhor desenvolvimento em meio de cultura observado para o T. cruzi poderia estar relacionado com a utilização do meio LIT como fonte nutricional, uma vez que esse meio de cultura foi desenvolvido especialmente para a espécie (Yager, 1960). Já foi demonstrado que o T. rangeli é maior do que o T. cruzi em todas as suas formas de desenvolvimento (Herbig-Sandreuter, 1957), o que poderia levar a uma maior necessidade de nutrientes e limitar seu crescimento no meio LIT. É importante ressaltar que as populações de T. rangeli T2 sempre se tornam T. rangeli T1 quando são mantidas em meio LIT por mais de dois meses, modificando suas características infectivas para o inseto vetor. Estes dados reforçam a ideia de que o meio LIT não é uma fonte nutricional completa para o T. rangeli, sendo que os parasitos necessitam de passagens pelos hospedeiros vivos para crescerem adequadamente. Neste sentido, seria desejável que as cepas de T. rangeli utilizadas em experimentação fossem regularmente passadas em triatomíneo-hospedeiro vertebrado para que suas características infectivas sejam mantidas. A temperatura tem um relevante papel no desenvolvimento de vários outros parasitos protozoários. Espécies de Leishmania diferem na sua suscetibilidade ao estresse por temperatura, o que é refletido na sua habilidade em estabelecer infecções em diferentes áreas do corpo de mamíferos (Zilberstein, 1994). A resistência à temperatura em diferentes espécies de Leishmania tem sido correlacionada com o tropismo do parasito, sendo as espécies viscerais mais resistentes do que as espécies cutâneas (Callahan et al., 1996). Para o Trypanosoma brucei, foi demonstrado que a temperatura é importante tanto na 69 regulação do potencial de membrana através da membrana plasmática quanto na regulação do pH interno (Kuile, 1994). Além disso, foi demonstrado que a redução da temperatura de 37 para 27ºC além da adição de cis-aconitato são suficientes para promover a transformação de T. brucei monomórficos sanguíneos para tripomastigotas procíclicos em meio de cultura (Czichos et al., 1986). Vários estudos têm demonstrado que a temperatura afeta o desenvolvimento de muitas interações entre insetos e microorganismos, alterando particularmente as taxas de replicação ou o nível de virulência dos microorganismos (revisado por Thomas e Blanford, 2003). Conhecendo-se a dinâmica de desenvolvimento das duas espécies de Trypanosoma em diferentes regimes de temperatura, o próximo passo foi avaliar os graus de patologia induzidos por estes parasitos nos seus hospedeiros invertebrados quando os mesmos foram infectados e submetidos às mesmas condições de temperatura testadas anteriormente. Contrariamente aos resultados observados com outras espécies de triatomíneos (Juarez, 1970; Zeledón et al., 1970; Schaub, 1978, 1988; Lima et al., 1992), as ninfas de segundo estádio de R. prolixus tiveram seu período de muda prolongado quando infectadas pelo T. cruzi, independentemente da temperatura a que foram expostas. Dependendo do regime de temperatura, os insetos infectados prolongaram o período intermudas em mais de 10 dias em um único estágio de desenvolvimento. Levando-se em consideração o ciclo de vida completo, seria possível que insetos infectados prolongassem em mais de um mês o tempo necessário para alcançar o estádio adulto, o que possivelmente afetaria seu fitness em relação aos seus coespecíficos saudáveis. Avaliando outros parâmetros biológicos que poderiam ser afetados pela infecção pelo T. cruzi, como as taxas de mortalidade e de ecdise, bem como as alterações morfológicas ocorridas durante a ecdise, ficou claro que os efeitos isolados de cada um dos parâmetros não foram patogênicos para os insetos, independentemente da temperatura. De fato, efeitos patogênicos significativos não foram observados em nenhuma das temperaturas testadas. Entretanto, quando o número de insetos que sofreram algum tipo de injúria em consequência da infecção foi somado para cada nível de temperatura, foi possível observar que, exceto para 70 aqueles insetos mantidos em 27°C, a infecção pelo T. cruzi afetou significativamente a sustentabilidade da população. Uma vez que os triatomíneos vivem primariamente associados a ninhos de aves e mamíferos, onde o suprimento sanguíneo não é constante, eles se adaptaram para sobreviver por longos períodos sem alimentação. Sendo assim, nós decidimos avaliar as taxas de mortalidade por mais 60 dias, para verificar se o parasito poderia afetar esse parâmetro quando os insetos estão sob estresse nutricional (Figura 4). A associação entre temperatura e jejum afetou diferentemente a sobrevivência dos insetos. Temperaturas altas associadas com jejuns prolongados foram letais para os insetos, independentemente da presença do parasito. Já é bem conhecido que temperaturas altas promovem um aumento no metabolismo de insetos (revisado por Brown et al., 2004). Sendo assim, seria esperado um aumento nas taxas de mortalidade de insetos em jejum submetidos a essas temperaturas, como já relatado em estudos prévios (Luz et al., 1998). De acordo com os resultados do crescimento dos parasitos em meio de cultura, seria esperado uma alta mortalidade nos insetos infectados em decorrência da presença de uma grande população de parasitos. Entretanto, não foram observadas diferenças nas taxas de mortalidade entre insetos infectados e saudáveis mantidos a 30°C. Provavelmente, o estado de jejum dos insetos, com poucos recursos nutricionais disponíves, reduziu o crescimento da população de T. cruzi. Já foi demonstrado que triatomíneos podem perder infecções pelo parasito após longos períodos de jejum (Kollien e Schaub, 1998), o que reforça essa ideia. A infecção pelo T. cruzi não alterou as taxas de mortalidade de insetos mantidos a 21°C, possivelmente em decorrência do baixo desenvolvimento do parasito nessa temperatura. A virulência do parasito se expressou nas temperaturas intermediárias (24 e 27°C) quando as taxas de mortalidade aumentaram nos grupos infectados. Possivelmente nessas temperaturas, as reservas nutricionais foram suficientes tanto para a sobrevivência dos insetos quanto para o desenvolvimento dos parasitos, permitindo ainda o estabelecimento de uma grande população de flagelados, particularmente em 27°C, o que pode ter levado aos efeitos patogênicos observados. Os efeitos patogênicos do T. rangeli para R. prolixus foram mais evidentes naqueles parasitos que foram mantidos em meio LIT por longos períodos antes da infecção (T1) e especialmente naqueles insetos mantidos em temperaturas mais 71 baixas. Insetos submetidos a esse tratamento somente tiveram um prolongamento do período intermudas quando mantidos a 21 e 24°C. As taxas de mortalidade e ausência de ecdise também somente foram aumentadas nessas temperaturas. Todos esses parâmetros alterados produziram um aumento de mais de quatro vezes no efeito cumulativo da infecção, sugerindo um elevado desenvolvimento do parasito nos insetos infectados e mantidos em temperaturas baixas, contrariamente ao baixo crescimento desses parasitos no meio de cultura. Esses resultados reforçam a ideia de que o meio LIT não é suficiente para permitir o bom desenvolvimento do T. rangeli. Como tem sido observado em infecções de rotina no laboratório, no presente estudo o T. rangeli T1 não conseguiu invadir as glândulas salivares de ninfas de R. prolixus. Não havendo a possibilidade de colonização das glândulas e mantendo-se o processo de multiplicação celular, parasitos do tratamento T1 provavelmente promoveram uma infecção massiva na hemocele dos insetos, o que teria levado a todos os efeitos patogênicos observados. Ferreira et al. (2010) mostraram que a presença do T. rangeli somente na hemolinfa do inseto já é suficiente para levar a alterações patológicas. A presença de mudas defeituosas foi o único parâmetro alterado nos insetos infectados pelo T. rangeli T1 e mantidos 27°C. É interessante mencionar que aqueles insetos mantidos a 24°C apresentaram uma taxa de mortalidade bastante elevada, sendo que mais de 50% das mortes ocorreram durante o processo de ecdise (dados não mostrados). Estes resultados sugerem que o aumento da temperatura em três graus permitiu aos insetos infectados sobreviverem e mudarem, apesar da infecção, embora a maioria deles tenha apresentado problemas para completar o processo de maneira correta. Não foram observados efeitos patogênicos naqueles insetos infectados pelo T. rangeli T1 mantidos a 30°C, provavelmente porque os parasitos não toleram este nível de temperatura. Essa idéia é suportada pelo baixo grau de desenvolvimento dos parasitos em LIT na temperatura de 30°C bem como pelas reduzidas taxas de infecção observadas nos insetos infectados pelo T. rangeli T1 e mantidos a 30°C. T. rangeli T2 não foi virulento ao hospedeiro invertebrado, uma vez que os parasitos não aumentaram as taxas de mortalidade dos insetos infectados em relação aos dos insetos do grupo controle. Os parasitos desse tratamento foram selecionados através da contínua exposição a ambos hospedeiros vertebrados e invertebrados. Este tratamento garantiu uma elevada taxa de infecção das glândulas 72 salivares dos insetos, particularmente naqueles mantidos em temperaturas intermediárias (24 e 27°C). Ensaios preliminares têm demonstrado uma significativa redução no número de parasitos na hemolinfa quando as glândulas salivares são colonizadas (dados não mostrados). Uma menor população de parasitos na hemolinfa poderia responder pela redução dos efeitos patogênicos observados em insetos infectados por T. rangeli T2. Apesar disso, o período intermudas dos insetos infectados foi prolongado em todas as temperaturas avaliadas. Adicionalmente, quando todos os parâmetros de fitness foram somados e o efeito cumulativo da infecção foi avaliado, os efeitos patogênicos do parasito puderam ser observados, dependendo da temperatura a que os insetos foram expostos. É importante ressaltar que apenas um estágio de desenvolvimento foi acompanhado. Da mesma forma que o sugerido para infecções com T. cruzi, possivelmente, o acúmulo dessas alterações ao longo da vida do inseto afete significativamente seu fitness em relação aos insetos saudáveis da colônia. Sabendo-se como a temperatura afeta o crescimento do parasito e a sua virulência para o hospedeiro invertebrado, restava ainda investigar o papel do inseto no desenvolvimento do parasito. A quantificação dos parasitos no trato intestinal de insetos mantidos em diferentes temperaturas, comparando-se com os dados obtidos do seu crescimento em meio de cultura, poderia dar uma ideia da relevância das respostas geradas pelo inseto frente à infecção. Sendo assim, o último objetivo do presente estudo foi avaliar quantitativamente o crescimento do T. cruzi em R. prolixus em diferentes momentos da infecção e sob diferentes níveis de temperatura. Diferentes estudos têm sido realizados a fim de detectar e quantificar o DNA de T. cruzi pela técnica de qPCR em amostras de sangue e tecido de pacientes chagásicos, bem como em infecções experimentais (Piron et al., 2007, Qvarnstrom et al., 2012 e Caldas et al., 2012). Entretanto, não existem estudos quantificando tripanosomas no trato intestinal de triatomíneos. Sendo assim, a técnica teve que ser padronizada para as condições avaliadas no presente estudo. A contagem em câmara de Neubauer foi simultaneamente utilizada para avaliar a qualidade dos ensaios moleculares, e mostrou que em pelo menos 30% das amostras avaliadas, os baixos valores encontrados pela qPCR provavelmente não refletiram a quantidade de parasitos presentes no inseto. Possivelmente, nestes casos, parte do 73 material tenha sido perdido durante o processo inicial de extração do DNA das amostras. Uma vez que foram testados três diferentes porções do intestino, quatro níveis de temperatura e três períodos de infecção, o número de insetos avaliados por tratamento teve que ser reduzido para que os ensaios fossem concluídos dentro do prazo do presente estudo. Além disso, a carga parasitária variou enormemente entre os insetos. Sendo assim, não são possíveis ainda proposições conclusivas a respeito desse relevante tópico. Um ajuste nos protocolos de extração e repetições dos ensaios para aumentar o número de indivíduos por amostra possibilitarão uma comparação mais precisa entre os tratamentos. Entretanto, mesmo com um número reduzido de exemplares avaliados, alguns relevantes aspectos da interação puderam ser encontrados. O primeiro deles foi a constatação de que a temperatura de 21ºC promove uma redução do crescimento dos parasitos, corroborando os dados obtidos nos ensaios de crescimento em meio de cultura. Além disso, também foi possível demonstrar que temperaturas mais altas aceleram o desenvolvimento do ciclo do T. cruzi no inseto, promovendo o aparecimento de parasitos na ampola retal em infecções mais recentes. A técnica de qPCR se mostrou mais sensível, quantificando um número maior de parasitos, do que a contagem em câmara de Neubauer. Além disso, através desse método foi possível detectar a presença de T. cruzi no intestino médio anterior em infecções com mais de 15 dias. Provavelmente, estes parasitos não foram encontrados pela contagem em câmara de Neubauer por estarem aderidos ao epitélio intestinal. De fato, um exame preliminar de lâminas coradas por Giemsa mostrou a presença de formas aparentemente teciduais do parasito, o que aumenta a relevância do encontro (dados não mostrados). Ferreira et al. (2011) demonstraram que insetos alimentados em camundongos infectados com T. cruzi diminuíram drasticamente a quantidade de parasitos no intestino médio anterior nas primeiras 24 horas pós-infecção, sem contudo ser observado um aumento na quantidade de flagelados no intestino médio posterior, indicando que o T. cruzi não estaria cruzando rapidamente o IMA. Os dados de quantificação pelas duas técnicas utilizadas no presente estudo corroboram essa ideia, uma vez que em infecções com 15 dias nenhum parasito foi encontrado nesta porção do intestino. O encontro do T. cruzi no IMA em infecções crônicas poderia ser decorrente de uma re-entrada 74 do parasito nesta porção intestinal naqueles insetos com cargas parasitárias elevadas. De fato, todas as amostras com IMA positivo foram provenientes de insetos com um número elevado de parasitos no IMP e AR. Novos ensaios serão desenvolvidos com o objetivo de identificar estes parasitos com técnicas de microscopia que permitam a determinação da forma e do tipo de aderência no epitélio intestinal do inseto. Triatomíneos do gênero Rhodnius vivem em palmeiras em associação com ninhos de aves e roedores (Teixeira et al., 2001; Abad-Franch et al., 2005; Stehling Dias et al., 2011), onde podem abrigar o T. cruzi e o T. rangeli em infecções simples ou mistas (Stehling Dias et al., 2008; Thekisoe et al., 2010). A temperatura média nesses refúgios fica em torno de 25°C (Heger et al., 2006), a mesma escolhida pela espécie em estudos utilizando gradientes de temperatura (Schilman e Lazzari, 2004). De acordo com os resultados obtidos no presente estudo, é possível sugerir que ambos os parasitos podem estar promovendo efeitos patogênicos nos seus hospedeiros invertebrados, pelo menos nas espécies de Rhodnius, nos seus ecótopos naturais. As implicações desses efeitos no processo de invasão do peri e intradomicílio pelos insetos, bem como na própria transmissão dos parasitos precisa ainda ser melhor investigada. Além disso, o T. cruzi parece ser melhor adapatado à temperaturas altas do que o T. rangeli, já que o último, independentemente de como foi mantido antes dos ensaios, mostrou uma queda no número total de parasitos na temperatura de 30ºC. Estas características poderiam ser relacionadas ao desenvolvimento dos parasitos em seus hospedeiros invertebrados, já que o T. rangeli somente completa seu ciclo de desenvolvimento em espécies do gênero Rhodnius, que normalmente habitam microambientes com temperaturas amenas (Heger et al., 2006). A capacidade do T. cruzi em se desenvolver numa ampla gama de temperaturas poderia ter contribuído para sua adaptação a um número maior de espécies de triatomíneos, distribuídas em ecossistemas com temperaturas mais elevadas. 75 CONCLUSÕES 76 7 CONCLUSÕES A temperatura afetou diferentemente o crescimento de T. cruzi e de T. rangeli em meio de cultura; enquanto o crescimento do T. cruzi foi diretamente relacionado com o aumento da temperatura, para o T. rangeli as maiores populações foram obtidas em 27ºC; A manutenção do T. rangeli através de passagens em camundongos e triatomíneos (T2) permitiu um melhor crescimento dos parasitos em meio de cultura; A infecção por T. cruzi prologou o período intermudas dos insetos infectados; a virulência do parasito foi dependente da temperatura e do estado nutricional do inseto; Os efeitos patogênicos do T. rangeli para R. prolixus foram mais evidentes naqueles parasitos que foram mantidos em meio LIT por longos períodos antes da infecção (T1), especialmente naqueles insetos mantidos em temperaturas mais baixas; Apesar de não ser virulento para o hospedeiro intermediário, o T. rangeli T2 prolongou o período intermudas e, dependendo da temperatura, promoveu um aumento significativo no número de insetos com algum tipo de efeito patogênico; Embora os dados de quantificação de parasitos sejam ainda preliminares, foi possível constatar que a quantificação do T. cruzi através da técnica de qPCR se mostrou mais sensível, detectando um número maior de parasitos, bem como sua presença no IMA em infecções acima de 15 dias; Temperaturas mais altas aceleraram o desenvolvimento do T. cruzi dentro do inseto, promovendo o aparecimento de parasitos na ampola retal em infecções recentes. 77 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 78 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abad-Franch F, Palomeque FS, Aguilar HM, Miles MA. 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