Adm. Publica - falso testemunho contra a CEF

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Ministério Público Federal
Procuradoria da República em Pernambuco
Inquérito Civil Público n. º 1.26.000.001855/2012-38
Promoção de Arquivamento nº 299/2013-MPF/PRPE/AT
PROMOÇÃO
Cuida-se
de
procedimento
administrativo
instaurado
nesta
Procuradoria da República com o objetivo de apurar notícia de possível prática de ato de
improbidade por José Cláudio Maia Ferraz e Severino Ramos Barbosa de Lima, empregados
da Caixa Econômica Federal – CEF, lotados na agência do Município de Goiana/PE,
consistente em prestar declarações falsas em audiência trabalhista, realizada para instrução
da Reclamação Trabalhista nº 0001211-84.2011.5.06.0231, que tramitou perante a Única Vara
do Trabalho de Goiana/PE, conforme noticiado pelo departamento jurídico da CEF, em
Recife/PE, por meio do Ofício nº 03-112/2012/Consultivo/JURIR/RE, encaminhado a esta
PRPE com cópia do Processo de Apuração de Responsabilidade nº PE 0774.2012.A.000084
(SIJUR 15.000.05414/2012).
Dos relatos lançados nas cópias dos documentos produzidos e
apresentados pela CEF, consta que nos autos da Reclamação Trabalhista nº 0001211-
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84.2011.5.06.0231, o empregado José Cláudio Maia Ferraz , reclamante, teceu alegações falsas
sobre suas atividades na Agência Goiana/PE, alegações essas que teriam sido corroboradas
pelo testemunho do empregado Severino Ramos Barbosa de Lima, com o objetivo deliberado
de obter enriquecimento indevido na demanda judicial, em prejuízo da empregadora CEF.
Segundo informado pela CEF, as inverdades deduzidas pelo
empregado José Cláudio Maia Ferraz, reclamante, estariam relacionadas à duração da sua
jornada de trabalho e à realização de visitas externas, sem ressarcimento das despesas.
Ainda de acordo com a CEF, Severino Ramos Barbosa de Lima, ao
prestar depoimento na qualidade de testemunha, teria faltado com a verdade em seu
testemunho ao ratificar as declarações do reclaman te.
Preliminarmente, anota-se que a relação estabelecida entre a CEF e
seus funcionários, a priori, é regulada pela lei trabalhista, segundo a qual a improbidade
configura justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador (art. 482, I,
CLT). A lei trabalhista, contudo, não prevê uma gradação dos atos de improbidade. É cediço,
porém, que sendo a Caixa Econômica Federal – CEF, empresa pública, integrante da
administração indireta da União, seus funcionários enquadram-se no conceito de agente
público, previsto no art. 1º, da Lei nº 8.429/93 – Lei de Improbidade Administrativa, de modo
que se sujeitam às punições cominadas na referida norma. 1
1
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO
PÚBLICO. INTIMAÇÃO. COMEÇO DO PRAZO PARA FLUÊNCIA DO RECURSO. DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. ACÓRDÃOS PARADIGMAS QUE SE AMOLDAM AO
ENTENDIMENTO DO ACÓRDÃO PARADIGMÁTICO. FUNCEF. FUNDAÇÃO PRIVADA INSTITUÍDA E
PATROCINADA POR EMPRESA PÚBLICA - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. DIRIGENTES SUJEITOS
ATIVOS DE ATO DE IMPROBIDADE. 1. O prazo para eventual interposição de recurso pelo Ministério Público flui a
partir do momento da entrada dos autos na secretaria do órgão, sendo certo que o aresto recorrido está em consonância com
a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça. Precedentes do STJ: (REsp 1107499/SE, Primeira Turma, julgado em
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Para a caracterização da improbidade, na seara da Lei nº 8.429/92, é
imprescindível que o ato esteja correlacionado à atividade do agente. Esta conclusão, explica
Emerson Garcia2, “deflui da interpretação sistemática da Lei nº 8.429/1992, que em reiteradas
ocasiões denota a necessidade da referida correlação ao dispor sobre: a) enriquecimento ilícito
no exercício do mandato... (ementa); b) atos de improbidade praticados contra a administração
(art.1º); c) obrigação de o agente público velar pela observância dos princípios
administrativos nos assuntos que lhe são afetos (art. 4º); d) exemplificação dos atos de
improbidade que importem em lesão aos princípios administrativos, pois somente foram
18/06/2009, DJe 01/07/2009; HC 113.168/RJ, Quinta Turma, julgado em 11/12/2008, DJe 16/02/2009; REsp 868.881/DF,
Primeira Turma, julgado em 10/10/2006, DJ 30/10/2006 p. 262). Precedentes do STF: (RE 213121 AgR/SP, Primeira
Turma, DJ 06.03.2009; HC 87567/SP, Primeira Turma, DJ 17.08.2007; HC 84153/SP, Segunda Turma, DJ 18.06.2004). 2.
Deveras, a certidão de fls. 739 dos autos comprova que os autos, logo após a prolação da sentença, deram entrada na
Procuradoria da República do Distrito Federal em 28 de outubro de 2003, tendo sido apresentado o recurso de apelação em
27 de novembro de 2003, restando cumprido o requisito da tempestividade. 3. Os sujeitos ativos dos atos de improbidade
administrativa, não são somente os servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de
agente público, insculpido no art. 2º, da Lei n.º 8.429/92. 4. Deveras, a Lei Federal nº 8.429/92 dedicou científica
atenção na atribuição da sujeição do dever de probidade administrativa ao agente público, que se reflete
internamente na relação estabelecida entre ele e a Administração Pública, ampliando a categorização de servidor
público, para além do conceito de funcionário público contido no Código Penal (art. 327). 5. À luz do que dispõe o
art. 1º da Lei de Improbidade, os atos praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a
administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal,
dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou
custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual,
serão punidos na forma desta lei. 6. O Tribunal regional assentou que: Depreende-se, dessa forma, que se considera agente
público, para fins de subsunção às disposições da acima mencionada Lei nº 8.429/92, dentre outros, todos aqueles que
exerçam emprego ou função em entidade, para cuja criação ou custeio, o erário haja concorrido ou concorra com mais de
50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual. [...] Assim, também poderão ser sujeitos passivos dos atos de
improbidade as entidades, ainda que não incluídas dentre as que compõem a administração indireta, que recebam
investimento ou auxílio de origem pública, o que pode ser exemplificado com o auxílio financeiro prestado pelo Banco
Central do Brasil a instituições financeiras em vias de serem liquidadas, erigindo seus administradores à condição de agentes
públicos para os fins da Lei nº 8.429/1992. Justifica-se a previsão legal, pois se o Poder Público cede parte de sua
arrecadação a determinadas empresas, tal certamente se dá em virtude da presunção de que a atividade que desempenham é
de interesse coletivo, o que torna imperativa a utilização do numerário recebido para este fim. (Emerson Garcia e Rogério
Pacheco Alves, in Improbidade Administrativa, Editora Lumen Juris, 4ª Edição, págs. 185/186). 9. Os embargos de
declaração que enfrentam explicitamente a questão embargada não ensejam recurso especial pela violação do artigo 535, II,
do CPC, tanto mais que, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os
fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 10. Recursos Especiais desprovidos, determinado a
devolução dos autos à instância a quo para o julgamento do mérito. (REsp 1081098/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/08/2009, DJe 03/09/2009)
2
Improbidade administrativa. Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves. - 6.ed., rev. e ampl, e atualizada. - Rio de Janeiro
Lumen Juris, 2011, p. 345.
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previstos atos praticados no exercício da atividade pública (art. 11); e e) a utilização da
expressão improbidade administrativa igualmente vincula a incorreção da conduta à atividade
do agente”.
Nessa linha, conclui o referido autor, diferentemente do entendimento
predominante no direito do trabalho, em que se fala unicamente em improbidade, a ilicitude
na atuação do agente público em questões desvinculadas de sua atividade não ensejará a
aplicação da Lei nº 8.429/1992.3
Pois bem. No caso em exame, verifica-se que as supostas condutas,
reputadas ilícitas pela CEF, foram praticadas no âmbito de um processo judicial. Nesse
contexto, depreende-se que, ainda que a ação se volte à discussão da relação estabelecida
entre a empresa pública e seu empregado, certo é que os representados não se encontravam
no exercício da atividade pública.
Poder-se-ia, contudo, argumentar, e talvez com razão, que não se
afigura moralmente correta a conduta de prestar declarações sabidamente falsas em
detrimento da instituição a que serve. Todavia, no nosso sentir, a valoração dessa conduta
específica escapa aos contornos da moralidade administrativa, propriamente.
No que tange à delimitação da moralidade administrativa, pertinente
o registro das lições de Emerson Garcia e Rogério Pacheco:4
3
Op. cit. p. 345.
Op. cit. p.p. 89/90.
4
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“Em um primeiro plano, não vislumbramos uma dicotomia absoluta
entre a moral jurídica e a moral comum, sendo plenamente factível a
presença de áreas de tangenciamento entre elas, o que possibilitará a
simultânea violação de ambas.
Sob outra ótica, constata-se que os atos dissonantes do princípio da
legalidade, regra geral, sempre importarão em violação à moralidade
administrativa, concebida como o regramento extraído da disciplina interna
da administração; a recíproca, no entanto, não é verdadeira.” [...]
“De forma correlata à moral comum, o princípio da moralidade
administrativa também exige que o administrador observe determinados
valores, os quais assumem certa especificidade em razão da própria natureza
de sua atividade.
Enquanto a moral comum consubstancia o conjunto de valores
ordinários entre membros de determinada coletividade, possuindo maior
generalidade e abstração, a moral administrativa toma como parâmetro os
valores subjacentes à atividade estatal.
É importante observar que moralidade administrativa e moralidade
pública não são designativos de objetos idênticos. Enquanto a moralidade
administrativa é elemento indissociável da atividade administrativa, a
moralidade pública guarda correlação com o comportamento de qualquer
integrante de determinado grupamento em relação a assuntos estritamente
afetos à coletividade. Aquela é inerente ao intraneus, esta é de observância
obrigatória por todos, agentes públicos ou não.”
No caso concreto, é de se ponderar que inexiste irregularidade na
conduta de empregado que persegue provimento jurisdicional que lhe reconheça direitos
trabalhistas que acredita lhe assistirem. Também devem ser observadas com razoabilidade
eventuais excessos alegados nessa seara. Noutro vértice, embora se reconheça a importância
da prova testemunhal como meio probatório, capaz de auxiliar o magistrado na elucidação
dos fatos, sabe-se que para sua utilização faz-se necessário juízo valorativo criterioso. De fato,
a prova testemunhal deve ser acautelada com as devidas ressalvas, levando-se em
consideração, sobretudo, possíveis lapsos de memória, falsas percepções da realidade e até
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mesmo uma involuntária parcialidade na narração dos fatos motivados pela piedade,
afinidade, identificação ou rancor da testemunha para com um dos litigantes.
Não se almeja, aqui, com essas considerações, imunizar aquele que
voluntária e conscientemente tenta dissimular a realidade, mas, sim, contextualizar os fatos,
de ordem a se permitir uma melhor compreensão. E, o que nos sobressai, é que um dos
representados recorreu ao Judiciário para reclamar direitos que – razoavelmente – acreditava
lhes assegurar, e, outro, que descreveu os fatos da forma que os percebia.
Ao nosso ver, do confronto dos depoimentos prestados pelos
representados no bojo de processo administrativo disciplinar com os trechos das declarações
apresentadas na audiência trabalhista, transcritos pela própria noticiante, CEF, inexistem
contradições, de fato.5
Por outro lado, ainda que se admita, adotando-se entendimento
diametralmente oposto ao esposado por este signatário, que os empregados públicos, tendo
apresentado declarações falsas em sede judicial incorreriam em prática de ato de
improbidade administrativa, consistente na “quebra da moralidade e dever de confiança e
lealdade”, conforme aduzido pela noticiante, entendo inexistente justa causa para o
prosseguimento deste apuratório, não se impondo, outrossim, a propositura de ação em
virtude de ato ímprobo.
5
O sr. Severino Ramos, por exemplo, em sede administrativa, ratificou que o sr. José Cláudio chegava à agência antes e saia
depois dele. E, como se vê dos registros de frequência, a entrada do sr. José Cláudio dava-se, quase sempre, entre as oito e
nove horas. O horário de entrada do sr. José Cláudio também foi confirmado pela testemunha arrolada pela CEF. A ausência
de ressarcimento das despesas não configura uma inverdade, embora possa ser atribuída ao próprio reclamante que
reconheceu que nem sempre adotou as medidas burocráticas necessárias. A utilização de veículo próprio, pelo sr. José
Cláudio, para a realização de visitas externas, foi ratificada, pelo sr. Severino Ramos, no bojo do processo administrativo,
ainda que tenha afirmado que somente presenciou o fato uma única vez, etc.
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Com efeito, dos autos depreende-se que ambos os representados
foram administrativamente responsabilizados, pela Caixa Econômica Federal, tendo-lhes
sido aplicada suspensão do contrato por 30 (trinta) dias. Além disso, o representado Severino
Ramos Barbosa de Lima responde a um processo criminal, no qual foi denunciado pelo crime
de falso testemunho (art. 342, do CP), tendo sido beneficiado pela suspensão condicional do
processo. Por fim, é de se registrar que a própria noticiante reconheceu a ausência de prejuízo
financeiro, ou seja, não há recomposição patrimonial a ser buscada.
Temos, por todos esses fatores, que a propositura de ação civil por ato
de improbidade administrativa se toma desproporcional à gravidade dos fatos, revelando-se,
até mesmo, desnecessária, uma vez que as medidas punitivas já adotadas são suficientes à
repressão das irregularidades.
Ante o exposto, inexistindo justa causa para o prosseguimento deste
apuratório, promovo o seu arquivamento.
À DTCC, para adoção das providências de praxe.
Recife (PE), 07 de junho de 2013.
ANASTÁCIO NÓBREGA TAHIM JÚNIOR
Procurador da República
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