DO CAMPO À CIDADE: SOLUÇÕES PARA O DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS ESPECIAL MEIO AMBIENTE 2013 ECOD PRODUZ ESPECIAL COM SOLUÇÕES PARA O DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS Motivadas pelo tema da ONU para o Dia Mundial do Meio Ambiente de 2013, as reportagens mostram como se dão as perdas e contam histórias de atitudes sustentáveis adotadas por diversos setores da sociedade Inspirado na campanha “Pensar. Comer. Conservar - Diga Não ao Desperdício”, realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o Instituto EcoDesenvolvimento (EcoD) produziu o especial “Do campo à cidade - Soluções para o desperdício de alimentos”. Acompanhando o trajeto da comida dos brasileiros, da lavoura aos pratos, o informativo traz estatísticas, histórias e mostra as soluções possíveis já adotadas por diversos setores da sociedade, entre produtores e distribuidores de alimentos, além dos cidadãos comuns. Para isso, a redação do portal ouviu agricultores, professores universitários, a Embrapa, a organização internacional Oxfam, representantes de redes de supermercado, líderes de ONGs e gente comum, que tem história para contar, de Guaíba, Rio Grande do Sul, à Ceasinha do Rio Vermelho, em Salvador. Ao escrever esse especial, esperamos levar a você, leitor, as informações e exemplos capazes de conscientizar e transformar a nossa realidade. Acreditamos que a informação é a maior ferramenta de mobilização e que problemas como o desperdício de alimentos devem ser debatidos por toda a sociedade. Somente assim poderemos reduzir os impactos ambientais e sociais gerados por um problema que pode ser solucionado em todas as suas etapas. Produtores, transportadores, distribuidores, vendedores, cozinheiros, consumidores - todos são responsáveis por essa transformação. Leia, discuta, leve o tema para seu trabalho, escola, faculdade, comunidade, amigos e familiares. Avalie as atitudes que você pode mudar e fazer a diferença. Vamos juntos acabar com o desperdício de alimentos no Brasil. EXPEDIENTE Isaac Edington Diretor Presidente do Instituto EcoD e Publisher do Portal EcoD Fábio Góis Diretor de Conteúdo e Serviços do Instituto EcoD Ines Carvalho Relações Institucionais do Instituto EcoD Redação Clara Corrêa Murilo Gitel Jessica Sandes Lise Lobo Raíza Tourinho Karina Costa Design e Criação Person Design Marcus Bonfim LOGÍSTICA INTEGRADA REDUZ PERDAS DO CAMPO AO CONSUMIDOR Planejamento é a principal saída para a redução do desperdício de alimentos. Especialista destaca os processos para que a comida chegue à mesa do brasileiro Por Karina Costa A cada dez toneladas de alimentos produzidos no Brasil, quatro chegam aos pratos dos brasileiros, o que representa uma montanha de 39 mil toneladas de comida que acabam no lixo, por dia. Tudo isso poderia alimentar 19 milhões de pessoas todos os dias, com as três refeições básicas: café da manhã, almoço e jantar. Em termos financeiros, o dado representa um montante de R$ 12 bilhões anuais jogados fora. E mesmo produzindo tanta comida, o país é o sexto colocado no ranking mundial de desnutrição e abriga milhares de pessoas em situação de insegurança alimentar, aquelas que não têm as fontes de nutrientes suficientes e preservados. Para a organização internacional Oxfam, idealizadora da campanha Cresça, um dos fatores de contribuição para perda de alimentos é a quantidade de etapas entre o campo e o prato do consumidor. “Menos etapas, menos desperdício”, define Muriel Saragoussi, coordenadora de campanhas da entidade, que visa promover Justiça Social. “A maçã que chega à sua geladeira hoje pode ter sido colhida há um ano”, conta o professor André Lacombe, do departamento de administração da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Uma montanha de 39 mil toneladas de comida vão para o lixo, por dia, no Brasil (PUC-Rio). Este exemplo ilustra o longo caminho da produção ao consumo. Por isso, cabe aos setores de logística do produtor e do distribuidor planejar, minuciosamente, toda trajetória para levar os alimentos com a melhor qualidade e evitar que se tornem lixo. Aproximar a agricultura familiar das grandes redes de supermercados é uma das saídas sugeridas pela Oxfam para a redução das perdas. Mas ainda assim, haverá uma logística. E enganase quem pensa que a colheita é o primeiro passo deste processo. “Tudo começa ainda na plantação. É quando se planeja para quem e quando o material será vendido”, detalha Lacombe. O especialista garante que, sem o planejamento dos polos de venda, as chances de desperdício são ampliadas nas estradas. Mais cuidadoso ainda deve ser o momento da colheita, quando ocorre o manuseio. “Se o trabalhador corta a banana no lugar errado, aquela fruta vai ficar na prateleira. Por causa de uma marca, uma mancha, não vai ser vendida”, exemplifica. Passado o ponto delicado do manuseio, o produto colhido é armazenado e conduzido para a seleção. “É preciso segmentar a maçã que vai para a prateleira (geralmente maior e sem danos) daquela que vai ser vendida a uma fábrica de geleia (menor e com pequenas ‘avarias’)”, explica o especialista. Uma vez selecionados, acondicionados nos caminhões ou cargueiros, vem a fase do transporte. Só que antes do motorista seguir o seu rumo, cada etapa já foi planejada, considerando os pontos de FOTO: SXC Entre a armazenagem e o transporte são desperdiçadas cerca de 3,1 mil toneladas de alimento descanso, tempo de viagem e local ideal para que o veículo tenha suporte de energia elétrica (e possa manter as câmaras frias nas temperaturas ideais). O objetivo é que os alimentos cheguem às Ceasas, mercados e indústrias com o menor número possível de materiais perdidos. Todo esse processo gera 8% de perdas de alimentos, segundo o Instituto Akatu. O valor é equivalente a cerca de 3,1 mil toneladas/dia. Ao chegar a uma indústria, que transformará as maçãs menores em geleia ou suco, ocorre mais 15% do desperdício. A montanha diária de comida, desejada por quase um bilhão de pessoas que passam fome em todo mundo, segundo a ONU, aumenta em mais 5,8 mil toneladas. Já no varejo, supermercados e restaurantes, a perda é de 390 toneladas ao dia. Entretanto diversas parcerias e iniciativas têm sido criadas para ligar quem precisa ao que poderia ser perdido, como o Banco de Alimentos, o Mesa Brasil e o projeto Satisfeito. Tudo isso, no entanto, não evita o mais caro e danoso dos desperdícios: aquele que ocorre em sua casa. “Quando chega à geladeira, a sua maçã já utilizou a energia elétrica da refrigeração durante a armazenagem, gasolina do transporte, poluiu as estradas, utilizou mão de obra, muitas vezes barata, para virar lixo. No topo do processo, quando não poderia ser mais cara, ela é perdida”, lamenta André Lacombe. No entanto, os movimentos Slow Food e o Favela orgânica mostram que é possível mudar a realidade. Esses movimentos contemplam a ponta do processo da logística integrada, indicada como o caminho para o melhor aproveitamento dos alimentos. “Mas este processo tem que ser de educação e conscientização, incluindo o produtor, a pessoa que trabalha na colheita, os motoristas, o varejista e, mais importante, o consumidor, que é quem paga pelas perdas”, propõe o educador. “A maçã que chega à sua geladeira hoje pode ter sido colhida há um ano” André Lacombe, professor de Administração da PUC-Rio Diversas parcerias e medidas têm sido criadas para ligar quem precisa aos alimentos que iriam para o lixo DEZ COISAS QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE O DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS 01 Por ano, uma a cada três toneladas da comida produzida mundialmente é perdida ou desperdiçada, o equivalente a 1,3 bilhão de toneladas/ano. 02 Países ricos e pobres desperdiçam na mesma proporção, mas de forma diferente: nos subdesenvolvidos, cerca de 40% é perdido na colheita e transporte, já nos países desenvolvidos o mesmo percentual é desperdiçado no consumo. 03 Os consumidores dos países industrializados desperdiçam quase a mesma quantidade de alimentos (222 milhões de toneladas) que a produção total da África Subsaariana (230 milhões de toneladas). 04 Enquanto cada consumidor norte-americano e europeu desperdiça de 95 a 115 kg de alimentos por ano, na África Subsaariana e no sudeste asiático somente 6 a 11 kg são jogados fora anualmente pelo consumidor . 05 No sudeste da Ásia, as perdas na colheita de arroz podem chegar a 80% da produção. 06 A quantidade de comida perdida ou desperdiçada, anualmente, equivale a mais da metade da colheita anual de cereais (2.3 bilhões de toneladas em 2009/2010). 07 A perda de comida significa desperdício de outros recursos, como água, terra, energia, mão de obra e capital, sem contar a emissão de gases de efeito estufa. 08 Nos Estados Unidos, 30% de toda a comida, equivalente a 48,3 bilhões de dólares, é desperdiçada todos os anos. 09 Já os consumidores do Reino Unido jogam no lixo 32% da comida que compram: são 6,7 milhões de toneladas de comida todos os anos. 10 No Brasil, a estimativa é que desperdiçamos o equivalente a 39 mil toneladas por dia, quantidade suficiente para alimentar 19 milhões de brasileiros com as três refeições básicas. DO CAMPO PARA AS PRATELEIRAS O fortalecimento da agricultura familiar, por meio de programas como o Clube dos Produtores, estimula o empreendedorismo e minimiza as perdas de alimentos no campo Por Murilo Gitel O s agricultores gaúchos Itamar e Adriane Barbosa de Campos passavam mais tempo na rua para vender seus produtos do que na própria lavoura, em Guaíba, região metropolitana de Porto Alegre. A notícia boa é que eles sabiam que seus espinafres, alfaces, rúculas, rabanetes, cebolinhas e couves eram mais vistosos do que os oferecidos nos supermercados. A água límpida com que o casal lava a produção que colhe de seu 1,5 hectare de horta vem de poço artesiano. Dali é recolhida e enviada para os açudes. Dos açudes, vai para a irrigação da horta. “Nada vai fora”, destaca com entusiasmo Adriane. O esterco serve de adubo, não há uso de agrotóxicos e a correção do solo se faz com calcário. O apoio à agricultura familiar, por meio de mecanismos como o associativismo e cooperativas é defendido por Antônio Gomes Soares, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos. Segundo ele, embora o campo responda por apenas 10% do total das perdas de alimentos no Brasil, esse desperdício não pode ser desprezado. “A perda começa no campo, na seleção de sementes e mudas, no preparo do solo e na adubação”, destaca o químico, doutor em Ciência de Alimentos. Na opinião de Antônio, a agricultura familiar é importante porque fixa o homem no campo e agrega valor. “Ele produz e você incentiva essa produção”, salienta. Agricultura familiar vs perdas Para minimizar o desperdício nessa área, ele propõe medidas como a reeducação e treinamento de todo o pessoal envolvido (desde o campo até a póscolheita), manejo adequado e melhoria no tratamento antes, durante e depois da produção, sobretudo com frutas e hortaliças, que tem perdas aqui no Brasil de 30% e 35%, respectivamente. Um estudo da organização não governamental Oxfam propõe novas maneiras de se consumir alimentos com base em princípios que incluem também o apoio a agricultores familiares. O desperdício é um problema global. Dados da Segundo dados do Walmart, o Clube dos Produtores completa 11 anos em 2013 e atende a cerca de 10.000 famílias, de 380 municípios distribuídos pelo Brasil. Mais de mil itens referentes ao programa vem da agricultura familiar (hortifruti, fiambreria, padaria, açougue, peixaria e padaria). O valor arrecadado com as vendas é superior a R$164 mil Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) informam que 1,3 bilhão de toneladas de comida são jogadas fora por ano. O Brasil aparece no levantamento, publicado em julho de 2012, como um país onde 70% dos alimentos consumidos são provenientes da agricultura familiar. “É dela que vem o alimento que está na sua mesa e na minha, mas eu preciso saber como isso é feito e me importar em apoiar os agricultores familiares”, observa Muriel Saragoussi , coordenadora da campanha Cresça, da Oxfam no Brasil. Produtores-fornecedores Em 2009, o casal de agricultores aderiu ao programa Clube dos Produtores, da rede varejista Walmart. A iniciativa, que teve origem no Rio Grande do Sul, em 2002, busca ser um canal de comercialização pelo qual os trabalhadores do campo vendem diretamente ao grupo, que por sua vez fornece ao consumidor final, sem atravessadores. À época, Adriane procurou o Nacional (bandeira do Walmart na cidade) e disse que queria ser fornecedora. Em seguida, a propriedade do casal foi avaliada por Ari Biondo, gerente comercial da rede. “Foi um salto”, lembra Adriane. “Começamos a entregar a produção em fevereiro de 2009 e dobramos de tamanho. Dobrou a irrigação, a potência dos motores, o número de itens. Dobrou até o salário”, conta a produtora. Por meio do programa, os produtores assumem uma lista de compromissos, que tratam de responsabilidade socioambiental, rastreabilidade, atendimento à legislação, aos aspectos sanitários e sustentabilidade comercial. Em troca, seus produtos ganham visibilidade nas prateleiras dos supermercados, além de um selo que atesta a adesão à iniciativa. Para Alain Benvenuti, vice-presidente comercial de perecíveis do Walmart, o programa propicia aos produtores o conhecimento e a aplicação de princípios de sustentabilidade. “No Clube, os produtos dos agricultores ficam mais vistosos, as exigências legais passam a ser observadas à risca, investem em tecnologia, contratam empregados, aumentam a produção, as vendas e a qualidade do que é ofertado às famílias.” CLUBE DOS PRODUTORES EM NÚMEROS: Mais de 1.000 itens recebidos da agricultura familiar • Hortifruti (frutas, legumes, verduras, flores, chás, cogumelos, frutas secas e amêndoas): 480 itens; • Fiambreria (embutidos, salgados, defumados, doces artesanais, passas, conservas, queijos variados e massas artesanais): 195 itens; • Padaria (biscoitos, doces, cucas e ingredientes): 99 itens; • Açougue (carnes especiais e embutidos): 74 itens; • Peixaria (peixes, crustáceos e moluscos de cativeiro): 57 itens; • Mercearia (sucos, conservas, geleias, palmito, açúcar mascavo, mel, cereais e derivados): 144 itens. NÚMERO DE FAMÍLIAS ATENDIDAS ATÉ JUNHO DE 2012: 10.106 VALOR ARRECADO R$ 164,692,550 BRASIL PODE AUMENTAR PRODUÇÃO SÓ REDUZINDO PERDAS, SUGERE PESQUISADOR “A perda começa no campo, na seleção de sementes e mudas, no preparo do solo e na adubação” Antônio Gomes Soares, pesquisador da Embrapa O pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos, Antônio Gomes Soares, regressou há poucos dias da África, onde tem contribuído para uma parceria BrasilNigéria voltada à transferência de tecnologia no campo. Apesar do potencial agrícola que possui, o país africano desperdiça atualmente cerca de 50% do que produz. Enquanto isso, boa parte da população passa fome. Aqui no Brasil o problema também existe e preocupa, embora em menores proporções. Segundo o pesquisador, o campo responde, em média, por 10% do total desperdiçado. Em alguns casos específicos, como o das frutas e hortaliças, tais perdas chegam a 30% e 35%, respectivamente. “Você pode aumentar a oferta de produtos sem aumentar a área plantada, só reduzindo perdas”, destaca o especialista, em entrevista ao EcoD. De acordo com o químico, doutor em Ciência de Alimentos, o país precisa passar por uma mudança de cultura para aproveitar melhor o que produz. EcoD: O fato de a ONU estar trazendo o desperdício de alimentos como tema da Semana Mundial do Meio Ambiente 2013 reflete que a situação está cada vez mais complicada? É um alerta de que nós ainda temos tempo para debater esse problema. Os países, de modo geral, têm trabalhado para gerar alimentos a fim de atender a necessidade da população mundial, entretanto, várias nações, inclusive o Brasil, ainda apresentam problemas relacionados aos alimentos. Desde a colheita no campo até a chegada à mesa há uma grande perda desses produtos. E isso é inadmissível à medida que temos tantas pessoas passando fome e desnutridas. E a raiz do problema está no campo? Existe toda uma cadeia. Claro que o campo tem problemas, mas não são os mais expressivos. As maiores perdas são registradas depois da colheita, inerentes a produção, mas podem ser minimizadas por meio de uma série de técnicas, como o manuseio, manejo e o controle. O que pode ser feito para evitar o desperdício no campo? Desde o manuseio das sementes, adubação do solo, controle das doenças (que inclui evitar o uso indiscriminado de substâncias nocivas), propostas que podem ser aplicadas para evitar uma perda exagerada. Existem tecnologias e técnicas para isso, a questão é fazer com que elas cheguem aos produtores que precisam. Essas tecnologias são comercializadas? O governo deveria subsidiá-las ao homem do campo? De certa forma, o governo já faz isso. Muitas vezes paga as pesquisas. A transferência de tecnologias demanda um custo que não é oneroso para um pequeno produtor, levando-se em conta que ele pode integrar uma cooperativa ou associação, e aí esse valor é diluído e geralmente não é caro. Até mesmo o produtor, individualmente, realiza treinamentos conosco e também consegue. Temos muitos casos aqui na Embrapa. A questão é: a informação está alcançando a quem de direito? A transferência tem sido feita? Porque nós temos muitas pesquisas: de seleção de sementes, mudas, manejo, preparo do solo. Mas onde está parando isso? Muitas vezes não está chegando. Esse problema é registrado no Brasil atualmente? Sim, mas para alguns tipos de produtos. As commodities têm mais visibilidade e muitas vezes estão relacionadas a grandes empresas, então elas empregam tecnologia. Mesmo assim às vezes têm problema, porque vemos alguns armazenadores com temperatura e umidade relativas não adequadas àquele grão. No transporte de soja, por exemplo, os caminhões ficam parados e a soja fica caindo, porque não estão corretamente vedados. Aí temos a perda daquele produto. “O Brasil produz 185 milhões de toneladas de grãos. Se, em média, as perdas forem de 20%, você tem aí 37 milhões de toneladas jogadas fora” Antônio Gomes Soares, pesquisador da Embrapa É mais barato fazer o errado? Sim, porque a perda de quem comercializa é menor. Ou não tem perda. Aumenta o preço e tem gente que paga. Quem vai perder é o produtor, que não vai receber. E falta cultura, porque se considerar o que é realmente perda, vale o investimento em um sistema de refrigeração, porque é comum ter perdas enormes. Se 30% de uma carga é imprópria para consumo, você perdeu dinheiro e o produtor também. O varejista, no final das contas, coloca uma marca dele com um preço que compensa o que deixou de vender. As cargas de leites são refrigeradas. Se você faz isso para um produto que tem custo elevado, por que não fazer com os demais também? São produtos que têm valor agregado bom. Poderíamos ter um produto mais barato no mercado. Do contrário, o produtor vai perdendo o incentivo de continuar produzindo. Os Estados Unidos usam muito a refrigeração. Desde o campo até o consumidor. E o produto deles é mais barato. E o salário maior que o nosso. Explica isso... Não é só imposto. É a margem de lucro para compensar as perdas que eles têm. Imagine fazer frete de cinco toneladas e só vender três. Há estudos que identificam quais são os principais alimentos desperdiçados? A Embrapa tem vários estudos em seu site, até porque conta com unidades temáticas sobre diversos produtos. Muitas vezes, passamos esses trabalhos para os mercados, setor produtivo, e eles não são utilizados. Ficamos sem entender... Temos a cultura do perde e joga fora, mas eu acredito que isso não vai continuar, porque aumentando a produção haverá aumento de perdas. E aí será destruída a mata ciliar e as florestas, porque terão que aumentar a área plantada. Você pode aumentar a oferta de produtos sem estender a área plantada, só reduzindo perdas. Quais dados o senhor pode destacar? Nós temos cerca de 7 milhões de toneladas de frutas jogadas fora por ano. Ricas em vitaminas e minerais. O brasileiro consome, em média, 115 quilos/ ano, se considerarmos que 85 milhões de pessoas comem, realmente, teremos cerca de 10 milhões de toneladas, e estamos produzindo 24 milhões de toneladas de frutas. O que está acontecendo com os outros 14 milhões? Não exportamos tudo isso... E os dados que eu tenho são de 2000. A produção aumentou muito até 2013. É inadmissível que tenhamos pessoas passando fome. Uma vez realizado o estudo científico da Embrapa, de quem é a obrigação de fazê-lo chegar ao produtor? A Embrapa tem uma área de transferência de tecnologia. Esse momento de transferência é feito por uma equipe especializada que realizada treinamento técnico, de campo. Temos tecnologias para o desenvolvimento de sementes e mudas, para produtos orgânicos (frutas, hortaliças, até carne), tecnologias para embalagens, processamento mínimo de frutas e hortaliças, entre outras. Para ter acesso a esse portfólio basta entrar em contato com a Embrapa Brasília, que através de seu SAC estará vendo qual é a unidade específica mais adequada para atender a essa demanda. Qual é a sua opinião sobre agricultura famíliar em relação ao desperdício de alimentos? O fortalecimento da agricultura familiar é muito importante, porque fixa o homem no campo e agrega valor, ele produz e você incentiva essa produção. Por meio de cooperativas fica mais acessível. É preciso incentivar o associativismo entre os produtores. EVITE DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS NO CAMPO N o Brasil, 10% dos alimentos são desperdiçados ainda no campo. Em outros países, como a Nigéria, esse número chega a 50%. Para se ter ideia do tamanho do problema, cerca de 30% das frutas e 35% das hortaliças produzidas se perdem ainda na fase de produção, segundo dados da Embrapa. Antônio Gomes Soares, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos, listou para o EcoD algumas dicas de como reduzir essas perdas. CAUSAS: O desperdício de alimentos no campo começa quando as sementes não são adequadas à determinada região daquele produto. O manejo e a adubação também não são adequados. Alguns estados têm empresas de assistência técnica rural que ajudam os produtores nesse sentido. Deveria haver maior integração dessas empresas. Manuseio inadequado na hora da colheita. As instruções resultantes de pesquisas já existentes deveriam ser passadas aos produtores. DICAS: 1- É preciso ter controle de doenças de forma adequada, sem o uso de agentes nocivos ao ser humano; 2- Uso da agroecologia (orgânicos) e produção integrada, com utilização racional de compostos químicos para o controle de pragas e doenças; 3- Melhoria no tratamento pré e pós-produto, como frutas e hortaliças; 4- Adequação do ponto de colheita em relação ao mercado consumidor. Se você tem um mercado próximo, pode deixar o produto mais tempo no campo, mas se o mercado for distante terá de colhê-lo antes de maduro, para que aguente o trajeto; 5- Utilização da embalagem adequada à manutenção da qualidade do produto. Isso deveria ser definido por todos os agentes de comercialização. Produtores, atacadistas e varejistas deveriam trabalhar juntos nesse sentido; 6- Reeducação e treinamento de todo o pessoal envolvido, desde o campo até a póscolheita, visando à melhoria da manipulação e a movimentação de cargas; 7- Padronização, seleção e classificação dos produtos, que atendam as necessidades do mercado. Muitas vezes o produto precisa ter determinado tamanho, calibre, além de determinada forma e cor. NADA FICA NO CAMINHO: AS SOLUÇÕES PARA O TRANSPORTE DE ALIMENTOS O armazenamento, o embarque e desembarque das mercadorias são momentos cruciais para evitar o desperdício Por Jessica Sandes T odos os dias, a diarista Doralice dos Santos, de 60 anos, vai ao Mercado do Rio Vermelho, mais conhecido como Ceasinha, em Salvador, por volta das 7h e passa, em média, seis horas no local. O objetivo? Recolher os alimentos que são descartados quando descem dos caminhões que abastecem o centro. “Nem perfeitos e nem estragados”, frisa Doralice. Os alimentos geralmente estão maduros demais ou foram “machucados” no trajeto, mas quase sempre são jogados nos diversos baldes de resíduos espalhados pelo local. “A gente toma o cuidado de limpar direitinho, tirar a casca para poder comer, mas esse é o nosso ganha-pão. Não tem por que deixar esses alimentos irem para o lixo”, desabafa a diarista. Doralice representa milhares de brasileiros que recolhem alimentos que, por passarem por atravessadores, em vez de irem direto ao consumidor final, acabam não resistindo à fase de transporte e são descartados. No Brasil, todo o desperdício enfrentado durante essa fase se deve ao fato de as cargas alimentícias geralmente serem transportadas por rodovias e, por vezes, não receberem os cuidados necessários para a conservação da integridade das mercadorias, sobretudo na hora do embarque e no desembarque. Os alimentos ficam sujeitos a variações externas, como temperatura e sujeira. Para melhorar o quadro de perdas há uma logística diferente de armazenamento e transporte para cada produto. A soja e os grãos em geral, por Cada produto requer uma logística diferente de armazenamento e transporte para o melhor aproveitamento das mercadorias exemplo, devem ficar em um silo armazenador, com controle de temperatura e umidade relativa para não serem contaminados por micro-organismos, pois eles percorrem grandes distâncias em rodovias e ferrovias. Na chegada ao local de destino, o ideal é que o produto não seja descarregado manualmente – as sacas, quando arremessadas de um lado para outro, podem cair e estourar. O desperdício nesses casos é considerado pelo gerente da Imam Consultoria, Antonio Carlos Rezende, como “absurdamente grande”. Já as frutas e hortaliças devem ser mantidas refrigeradas para que o produto mantenha sua qualidade até o mercado consumidor. “Um produto originário do Norte para chegar ao Sul, dependendo da época do ano e das condições de tratamento, pode perder sua qualidade ou ser completamente desperdiçado se os procedimentos corretos não forem adotados”, explica o pesquisador da Embrapa, Antônio Gomes Soares. Deixar as portas dos caminhões abertas durante o desembarque das mercadorias reduz o prazo de validade dos alimentos O controle da temperatura é muito importante também para alimentos congelados. “Cada vez que um produto, com 90 dias de validade, que deveria estar com a temperatura -20ºC vai para -5, ele perde vida útil”, diz Rezende. O exemplo é uma das causas do alerta feito pelo gerente da Imam Consultoria: “Os profissionais responsáveis pela descarga dos alimentos não podem esquecer a porta dos caminhões abertas durante o desembarque dos produtos. Um caminhão frigorífico tem temperatura controlada e isso deve ser respeitado, mas a fiscalização é muito precária ainda”. O governo brasileiro possui uma Lei, de 1969, que aponta que todo veículo envolvido no transporte de alimentos deve possuir licenciamento sanitário emitido pela secretaria de saúde. O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, elaborou um documento com instruções de fiscalização para os técnicos da Vigilância Sanitária, o qual defende que “os veículos destinados ao transporte de alimentos para o consumo humano, refrigerados ou não, devem dispor de condições suficientes para garantir a integridade e a qualidade do produto”. Apesar da fiscalização ainda ser precária, as empresas de médio e grande porte têm fiscais, geralmente fixos, nos pontos de embarque. Mas é durante o trajeto que a monitoração dos produtos fica comprometida, pois não há como saber se os motoristas pararam ou desligaram o frigorífico do caminhão. Para a solução deste problema há o tacógrafo, um aparelho que mede o tempo de uso, a distância percorrida e a velocidade desenvolvida pelo caminhão. “Algumas empresas já adotaram essa medida, mas ainda não é obrigatório”, afirma o gerente da Imam Consultoria. Menor tempo possível Na busca da redução do desperdício das mercadorias, a empresa Sítio Barreiras tem caminhões próprios para levar as frutas do campo ao consumidor no menor tempo possível. A instituição, que tem sedes na Bahia e no Ceará e abastece as cidades de Belém, Fortaleza, Recife, Feira de Santana e Salvador, não entrega frutas em processo de maturação ou “machucadas”. Esses alimentos voltam para o centro de distribuição, onde são destinados a instituições filantrópicas, como creches e orfanatos das regiões em que a empresa possui sede. O vendedor e promotor Antônio Carlos Ferreira, que é também motorista dos caminhões do Sítio Barreiras, observa que as frutas são extraídas antes da fase de maturação para que, no ponto de chegada, estejam em excelentes condições de consumo. Segundo ele, o principal produto da empresa é a banana, que é colhida ainda verde e transportada em uma carreta dotada de um sistema de refrigeração. “Geralmente a nossa perda não é no transporte da fazenda para cá, mas sim quando chega ao local de destino, que não recebe os cuidados necessários ou simplesmente não suporta um novo processo de armazenamento”, comenta Ferreira. Após a realização correta do transporte dos alimentos no trajeto do campo aos centros de distribuição, é a vez dos estabelecimentos varejistas cuidarem da integridade dos produtos que chegarão aos consumidores finais, já que as mercadorias passam por outros processos de refrigeração e climatização. A partir daí, cabe aos supermercados e restaurantes a missão de buscar estratégias e programas para o maior aproveitamento dos alimentos. A instalação de um tacógrafo nos veículos pode auxiliar na monitoração dos produtos durante o trajeto do campo aos centros de distribuição Frutas em processo de maturação voltam para o centro de distribuição AS PRATELEIRAS REAPROVEITADAS O que o varejo tem feito para reduzir o desperdício. Alguns programas aproveitam os alimentos desprezados pelos consumidores Por Raíza Tourinho D epois que chegam aos supermercados e centros de distribuição, os alimentos ainda precisam vencer novas barreiras para não serem desperdiçados. Desde aquele tomate manchadinho até o quiabo “sem rabo”, muitos sofrem com a desvalorização comercial, fator que mais contribui para que as redes varejistas descartem milhares de toneladas de perecíveis diariamente. “Conta muito a aparência, mesmo sabendo que a beleza deriva dos produtos químicos”, afirma a dona de casa Amanda Marinho, 30 anos. Embora representem cerca de 40% do faturamento das redes de supermercado, os alimentos perecíveis são responsáveis por 70% das perdas no setor, conforme dados da 11ª Avaliação de Perdas no Varejo Brasileiro, de 2010. Nos últimos anos, o desperdício fez com que 4,5% do movimento financeiro dessas empresas acabassem no lixo. Para tentar reverter este quadro, aos poucos, as grandes redes varejistas têm criado programas para aproveitar os alimentos desprezados pelos consumidores. No ano passado, a Walmart evitou que mais de 37 mil toneladas, o que corresponde a 52% dos resíduos sólidos de suas operações, fossem destinadas aos aterros, direcionando-os para reciclagem, compostagem e produção de ração animal. “A meta global do Walmart é acabar com o envio de resíduos sólidos de suas operações e aterros sanitários até 2025”, explica a assessoria de comunicação da rede. Outras lojas ainda apostam em soluções mais simples, mas eficientes, para resolver a questão. O Grupo Carrefour, por exemplo, afirmou adotar medidas preventivas para evitar o desperdício. “Em primeiro lugar, a empresa atua no correto dimensionamento da demanda. As áreas comerciais acompanham rigorosamente a necessidade de cada unidade para atender de forma apropriada os consumidores, evitando que haja sobras”, diz, em nota. Segundo a empresa, os fornecedores de perecíveis são selecionados “cuidadosamente” e seus processos passam por supervisão para evitar que os alimentos já cheguem às prateleiras sem valor comercial. O grupo informa ainda que os funcionários das lojas passam por uma formação técnica para “garantir o mínimo de desperdício e ao mesmo tempo o encaminhamento correto dos alimentos”. Os alimentos perecíveis são responsáveis por 70% das perdas no setor varejista Reaproveitamento A Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), maior centro de abastecimento da América Latina, há dez anos procura reduzir ao máximo os resíduos gerados pela comercialização de perecíveis. Em média, 172 toneladas de frutas, pescados, legumes e verduras são destinadas mensalmente a 150 entidades cadastradas no banco de alimentos da instituição, o que já ajuda a reduzir para apenas 1% a quantidade de lixo que sobra das 300 mil toneladas de alimentos comercializados mensalmente no local. FOTO: BLOG MILTON JUNG Ceagesp ainda joga no lixo três mil toneladas de alimentos por mês, muitas vezes reaproveitados por catadores independentes A nutricionista do programa, Alessandra Figueiredo, explica que o banco de alimentos é abastecido com produtos já sem valor comercial, mas próprios para o consumo humano. “Como são alimentos já maduros, o prazo de validade é muito curto. Assim, a logística tem que ser muito rápida para evitar perdas”, observa. Questionada se é possível zerar a quantidade de perecíveis que vão para o lixo, Alessandra define a tarefa como “um trabalho bem complexo”. Ela explica que os alimentos são recolhidos quando o banco é acionado por uma das 1.200 empresas que atuam com perecíveis na Ceagesp. “Não diria zerar, mas é possível minimizar ainda mais, se todos tiverem mais consciência”, assinala. Doações Outras redes também trabalham com a doação dos alimentos não comercializados. Em 357 lojas do Extra e do Pão de Açúcar, cerca de 530 toneladas de alimentos deixam de ir para o aterro todos os meses e são destinados a aproximadamente 290 instituições em todo o país. O Walmart doou, apenas em 2012, mais 1.100 toneladas de alimentos para o programa Mesa Brasil - maior banco de alimentos do país. O Cencosud também doou ao projeto mais de 160 toneladas de comida no ano passado. “Conta muito à aparência, mesmo sabendo que a beleza deriva dos produtos químicos” Amanda Marinho, dona de casa Já o Carrefour, por meio do programa “Parceria que Alimenta”, distribuiu alimentos próprios para o consumo para mais de 30 bancos de alimentos cadastrados. As 136 lojas da rede participantes do programa já distribuíram mais de mil toneladas de comida e a expectativa é que a iniciativa, criada em 2009, esteja presente em todas as lojas da rede até o final de 2013. Além de ajudar quem precisa, as organizações também perceberam outras vantagens da doação, como a redução de custo no transporte para o descarte. “É uma oportunidade de contribuir de forma responsável para a melhoria da qualidade de vida da coletividade, mantendo um forte laço regional com nossos stakeholders”, ressalta Fábio Oliveira, coordenador do Instituto Gbarbosa. Apesar do crescimento, os bancos de alimentos ainda são vistos com desconfiança, uma vez que a legislação brasileira vigente impõe medidas judiciais à companhia caso o alimento cause algum mal à pessoa que o consumir. Com isso, alguns estabelecimentos preferem descartar produtos em bom estado a doá-los. Mesmo com 18 anos de atuação do programa, a coordenadora de projetos do Grupo Pão de Açúcar, Adriana Castellani, pondera que a adesão ainda não é a ideal. “Estamos abertos, mas poucas instituições nos procuram”, conta. FOTO: ARQUIVO SESC SAIBA MAIS No Reino Unido, a cadeia de supermercados Tesco foi além e mudou a política interna do negócio: desde a forma como as datas de vencimento são exibidas, até a restrição das grandes promoções, que estimulavam o consumo desnecessário. Parceria com bancos de alimentos garante doação de alimentos bons para o consumo, mas sem valor comercial SOCIEDADE DE MÃOS DADAS CONTRA O DESPERDÍCIO Iniciativas da sociedade civil ajudam a evitar as perdas de alimentos e amparar quem tem fome Por Clara Corrêa FOTO: ONG BANCO DE ALIMENTOS Projetos como o Banco de Alimentos ajudam a criar pontes entre o desperdício e a fome O Brasil é o quarto maior produtor de alimentos do planeta e, ao mesmo tempo, o sexto colocado no ranking mundial de desnutrição. Se de um lado há fome, do outro há alimento de sobra. Para solucionar um problema que aparenta ser tão óbvio, diversas organizações trabalham para criar uma ponte entre o alimento que iria para o lixo e quem precisa comer. Uma delas é o programa Mesa Brasil. Presente em todas as capitais brasileiras e em centenas de cidades do interior, a maior rede de bancos de alimentos privada do país percorre diariamente mais de três mil empresas parceiras e leva os alimentos que seriam jogados no lixo para mais de 6 mil entidades sociais. Com essa iniciativa, a organização já ajudou a complementar as refeições de 1,6 milhões de pessoas com mais de 280 milhões de quilos de alimentos desde 2003, ano em que foi criada. Além da distribuição de comida, o programa desenvolve práticas educativas por meio de cursos e palestras nas áreas de nutrição e serviço social como forma de treinar cada vez mais multiplicadores comunitários. Projeto semelhante é a da ONG Banco de Alimentos. Todos os dias, membros da organização realizam “colheitas urbanas” em supermercados, feiras, agricultores e indústrias. Os alimentos recolhidos vão direto para pessoas que vivem em situação de insegurança alimentar, ou seja, quando o alimento disponível não fornece nutrientes suficientes ou não estão em bom estado de conservação, prejudicando a saúde do indivíduo. A ONG também realiza oficinas educativas com dicas de receitas, manipulação e armazenamento correto dos alimentos como forma evitar o desperdício. “Nosso intuito é educar a população como tratar o alimento. De nada adiantaria ir buscar os produtos que iriam para o lixo e entregá-los em uma instituição que, sem orientação, poderia fazer o mesmo”, explica a coordenadora de projetos educacionais, Camila Rezende. Outra ação do Banco de Alimentos busca atingir a população que não passa fome, mas desperdiça. “Fazemos palestras, oficinas culinárias, workshops e eventos para passar esses conhecimentos e fechar um ciclo onde todos são atingidos pela informação”, conta Camila. Desde 1999, ano em que foi criado, o Banco de Alimentos já ajudou a evitar que mais de cinco milhões de quilos de comida deixassem de ir para o lixo e, em vez disso, seguissem para as 43 instituições beneficiadas que ajudam jovens, crianças, idosos, pessoas portadoras de deficiência física ou mental e dependentes químicos. FOTO: JOHNNY MAZZILLI/DIVULGAÇÃO Os pratos na versão “Satisfeito” são reduzidos em quantidade para evitar o desperdício e parte do valor vai para instituições que cuidam de crianças em situação de insegurança alimentar “Fala-se muito em desperdício de água e luz, no entanto, ainda temos dentro de casa a ideia de que não existe problema em desperdiçar um pouco de comida” Camila Rezende, coordenadora de Projetos Educacionais do Banco de Alimentos Consumidores satisfeitos O Instituto Alana foi buscar nos restaurantes a solução para o problema do desperdício de alimento. Por meio do programa Satisfeito, realizado em parceria com o grupo Egeu, o projeto busca reduzir o desperdício enquanto ajuda a financiar programas de combate à insegurança alimentar infantil. Segundo Luiza Esteves, coordenadora da ação, a ideia surgiu a partir de um incômodo: “Muitas vezes a gente vai a um restaurante e quando pedimos um prato, vem muito mais do que gostaríamos. Aí das duas uma; ou deixamos sobra de comida e ficamos sentidos por causa do desperdício, ou a gente acaba comendo tudo e passa mal porque comemos além do que deveríamos”, observa. O programa funciona assim: o cliente chega ao restaurante e lhe é oferecido o cardápio com opções de refeição na versão “Satisfeito”. Esses pratos são servidos com 1/3 a menos de comida do que a versão tradicional. Ao fazer essa opção, o consumidor paga o mesmo preço pelo prato e o valor economizado pelo restaurante é repassado integralmente para organizações que ajudam crianças em situação de insegurança alimentar. A iniciativa foi lançada em dezembro de 2012 e já conta com 14 restaurantes em operação, oito em fase de implementação e três organizações beneficiadas: duas brasileiras e uma sul-africana. De acordo com Luiza, até o momento, já foi repassado às instituições o equivalente a 7 mil refeições que seriam desperdiçadas. Ainda em 2013, o projeto deve se estender por mais 100 restaurantes internacionais, além de ganhar um aplicativo para celulares. Um projeto que tem buscado dar uma nova destinação às sobras dos restaurantes vem da rede de fast food McDonald’s. Um programa desenvolvido pela empresa pretende abastecer os caminhões da rede no Brasil com biodiesel produzido a partir do óleo de cozinha utilizado nos próprios restaurantes. “Em um processo de logística reversa, os caminhões, ao entregarem os produtos, recolhem o óleo de cozinha utilizado nos restaurantes da rede. Este óleo é encaminhado a uma usina de transformação, onde é convertido em biodiesel, e os veículos são abastecidos com esse combustível”, pontua a assessoria do McDonald’s, que informou ainda que o projeto está em fase de testes. Poder da sociedade Apesar de iniciativas animadoras, o poder da sociedade continua sendo a peça fundamental para a solução dos problemas. É o que defende a coordenadora do projeto Satisfeito, ao lembrar que o grande diferencial do programa é lidar diretamente com a escolha dos consumidores. “O programa, na verdade, funciona como um facilitador de uma doação que quem faz é o consumidor”, aponta. Segundo Luiza, as pessoas que escolhem as refeições reduzidas o fazem porque percebem que, com isso, estão ajudando a resolver os dois lados do problema: o desperdício e a criança passando fome. “E ao mesmo tempo, o cliente se sente atendido pelo restaurante porque houve a opção. E todos nós deveríamos ter a opção de não desperdiçar”, defende. Para Camila Rezende, é justamente a conscientização dos consumidores o maior desafio para combater o problema do desperdício. “Falase muito em desperdício de água e luz e hoje vemos que todos entendem o porquê e tentam de alguma forma prevenir. No entanto, o desperdício de alimentos é pouco falado e a ideia que ainda temos dentro de casa é da fartura de alimentos sobre a mesa e que não existe problema em desperdiçar somente um pouco de comida”. Luiza reforça o papel das organizações e acredita que elas podem contribuir compartilhando conhecimentos e boas práticas. “Temos que unir forças e nos apoiar porque o objetivo é comum e existe bastante sinergia”. A ideia é compartilhada pela coordenadora do Banco de Alimentos, que defende que as ONGs levem seus conhecimentos para a população e conscientizem sobre a importância do consumo consciente. “Assim, cria-se uma corrente de informação, onde todos podem transmitir essa ideia a fim de diminuir estes índices tão absurdos que vemos hoje”, conclui. FOTO: ONG BANCO DE ALIMENTOS Para especialistas, a conscientização dos consumidores é o maior desafio para combater o problema do desperdício HÁBITOS QUE DÃO FIM AO DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS EM CASA Aproveitar o máximo dos alimentos e gerar menos resíduos são conquistas que podemos ter com pequenas mudanças de comportamento. O Slow Food e a Favela Orgânica são dois exemplos de como alcançar esses objetivos Por Lise Lobo A s mesas de nossos lares significam o fim do percurso dos alimentos? Enganase quem pensa assim. Ao chegar às nossas casas, 20% dos alimentos adquiridos pelos consumidores brasileiros vão parar no lixo, segundo dados do caderno temático “A nutrição e o consumo consciente”, do Instituto Akatu. Mas não estamos só falando daquela comida que sobra no prato. O desperdício está nas compras excessivas, fruto de falhas no planejamento doméstico, do armazenamento incorreto e de partes de alimentos que deixam de ser aproveitados, pois acabam vistas como sem utilidade, a exemplo das cascas e dos talos. O desperdício pode ser combatido individualmente. Grandes mudanças começam com práticas simples, como naquele ditado que diz: “O exemplo vem de casa”. É o que faz o estudante baiano Marcos Aurélio, de 24 anos. Em 2010, o jovem decidiu zerar seu desperdício. “Não precisei fazer grandes transformações, mas mesmo se precisasse não pensaria duas vezes”, garante Marcos. Em casa, onde mora sozinho, a lixeira não vê nem sinal de cascas e muito menos de sobras ou alimentos estragados. Entre as mudanças de hábito, ele revela que passou a frequentar o mercado semanalmente e sempre com uma lista. “Além de comprar apenas o que vou usar no cardápio da semana, eu observei que o valor gasto no mercado diminuiu, já que evito compras desnecessárias, sem falar do ganho de tempo, pois já sei exatamente o que comprar”. As frutas e verduras que serão consumidas são bem lavadas por Marcos, no intuito de tornar possível o consumo total dos alimentos. Ele lembra ainda que não abre mão de consumir apenas orgânicos. A decisão do estudante de mudar os hábitos contou com ajuda do movimento Slow Food, que conheceu por meio da internet. “Quando decidi que queria evitar o desperdício, comecei a pesquisar maneiras de tornar isso possível. Vi nos princípios do Slow Food o incentivo que precisava para levar minha decisão adiante”, explica. Para fazer parte do movimento Slow Food e participar das reuniões, encontros e receber o material informativo, o interessado deve se associar através do site (www.slowfoodbrasil.com). O valor é de R$ 15,00 por ano Alimentação consciente Segundo a gastrônoma Vera Lucia de Almeida Silva, que difundiu em São Paulo o movimento internacional criado pelo cozinheiro italiano Carlo Petrini, em 1986, o Slow Food prega uma alimentação consciente, aliada ao prazer de comer bem e à responsabilidade pela preservação. Falar dele é falar em ecogastronomia, conceito pelo qual o alimento deve ser bom, limpo e justo. Pratos produzidos com ingredientes doados da feira de orgânicos “Não gosto da palavra ‘reaproveitar’ porque na verdade estamos aproveitando alimentos. Cascas e talos, frutas amassadas, sobras do almoço, todos são alimentos” “Quando adquirimos um produto nessas condições, podemos aproveitá-lo integralmente e criar receitas deliciosas como, por exemplo, torta de folha e talos de brócolis, bolos com casca de banana, doce de casca de melancia e muito mais”, exemplificou Vera. Na concepção dela, a adoção dos valores do movimento já é o primeiro passo para alcançar a verdadeira solução do desperdício de alimentos em casa, o que começa com a educação. “A importância de uma alimentação consciente deve fazer parte da primeira infância, em casa e na escola. Nós, adultos, precisamos fazer escolhas melhores, pois somos coprodutores”, defende Vera, que complementa: “O movimento Slow Food vem para contribuir com a melhoria na qualidade de vida das pessoas por meio de uma filosofia que busca desacelerar esse ritmo alucinante e fazer pensarmos o que realmente é importante para nossas vidas”. A paulistana de 54 anos foi bancária por quase três décadas e, ao se aposentar, decidiu fazer faculdade de tecnologia da gastronomia. Atualmente é professora de ecogastronomia e atua com palestras em organizações não governamentais e escolas, além de ministrar, junto ao amigo Ernani Gouvea, oficinas de plantio e aproveitamento integral dos alimentos. Ela explica que todo trabalho está sempre voltado ao objetivo de orientar as pessoas a evitar desperdícios, aproveitar o máximo dos ingredientes e gerar menos resíduos ao meio ambiente. Favela orgânica Outra alternativa para se evitar o desperdício por meio do reaproveitamento de alimentos é a Favela Orgânica. Nesse quesito, Regina Tchelly, idealizadora do projeto, é mestra no assunto. Mas a paraibana prefere chamar seu trabalho de ‘aproveitamento’. “Não gosto da palavra ‘reaproveitar’ porque na verdade estamos aproveitando alimentos. Cascas e talos, frutas amassadas, sobras do almoço, todos são alimentos”. A paraibana conta ainda que aprendeu com seus pais as soluções para evitar o desperdício em casa. “Eles aproveitavam o alimento integralmente. Usavam os legumes com as cascas e o que não comiam ia parar na horta ou servia de comida para os animais”, conta. A educação alimentar que teve no lar, Regina resolveu disseminar com a criação do projeto Favela Orgânica. Ela lembra que, ao chegar ao Rio de Janeiro (onde vive há 12 anos, dos quais 11 trabalhando como doméstica), se deparou com um grande volume de desperdício, algo que não estava acostumada a ver. Em casa mesmo se reuniu com seis mães de família e, com apenas R$ 140,00 deu início ao que hoje mais ama fazer: cozinhar, aproveitar e ensinar. A Favela Orgânica começou como um pequeno projeto e já chegou ao exterior. Regina relata que, no início, muita gente dizia “eca” para suas receitas, mas na hora de degustar todo preconceito ia por “água abaixo”. Para manter as oficinas, a cozinheira conta com a ajuda de lanchonetes, restaurantes e feiras da zona sul do Rio, que doam os principais ingredientes, ou seja, cascas, talos e alimentos amassados. “Eu acho que Brasil seria um país de primeiro mundo se as pessoas comprassem mesmo a ideia da Favela Orgânica, tendo em vista que dois dos nossos maiores desafios são a fome e o lixo”, projeta Regina Tchelly. CARDÁPIO GASTRONOMIA ALTERNATIVA: + croquete de casca de iame + salpicão de casca de melancia + risoto de casca de abóbora + pão de casca de iame + brigadeiro de casca de banana + doce de bagaço de abacaxi e hortelã (o que sobra do suco) DICAS PARA EVITAR O DESPERDÍCIO Compre por peso: Quando o produto é vendido por peso, você pode comprar exatamente o que precisa. Tente planejar o cardápio: Com o planejamento semanal das refeições, fica mais fácil mapear os alimentos que vai precisar. Na hora de sair às compras, é só levar a lista do cardápio. Dessa forma, você só vai comprar os produtos para fins específicos, em vez de simplesmente pegar as coisas das prateleiras. Não compre por impulso: A variedade de opções em um supermercado costuma chamar atenção e aumentar o desejo de adquirir, especialmente quando falamos em “promoções”. Cuidado! É importante pensar se, de fato, você precisa do produto. Vá às compras com mais frequência: Ir mais vezes ao supermercado pode soar como mais trabalho. Porém, comprar semanalmente permite que os perecíveis sejam adquiridos com mais frequência, diminuindo a possibilidade de perda. Reaproveite as sobras do almoço: Sobrou comida do almoço? Então nada de jogar fora. Aproveite o que restou na janta e evite o desperdício. Compre a granel: Em vez de comprar alimentos em embalagens padronizadas, experimente comprar somente a quantidade que você precisa. Além de evitar as embalagens descartáveis, você reduz o desperdício ao levar para casa apenas o que vai usar. Cozinhe em quantidade e congele: Separe um dia para preparar várias refeições para todo o mês ou a semana. Depois basta guardar no freezer e reaquecer no dia de consumi-la. Essa prática ajuda a economizar ingredientes e energia. Use a data de validade como critério: Fique atento aos rótulos para saber a procedência, composição e, o mais importante, a data de validade. Assim é possível evitar a compra de produtos que não serão consumidos antes do vencimento e terão como destino o lixo. Aproveite todas as partes dos alimentos: Na hora de preparar as refeições, nada de jogar cascas, sementes e bagaços fora. Todas as partes de frutas, verduras e legumes podem ser aproveitadas e são fontes de vitaminas, minerais e outros nutrientes fundamentais para nossa saúde. Vera e Ernani, amigos e professores das oficinas de plantio e aproveitamento integral dos alimentos SALVADOR COMERCIAL Rua Agnelo de Brito, 90, sala 407 CEP 40.210-245 Tel: +55 (71) 3331-8762 Rua Leonor Calmon, 44, sala 1403, Salvador, Bahia E-mail: [email protected] Tel: +55 (71) 3022-8762 SÃO PAULO www.ecod.org.br Rua José Maria Lisboa, 860/83 CEP: 01423-001 Tel: + 55 (11) 3438-4473 ESPECIAL MEIO AMBIENTE 2013