ESCOLA, APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO E COMUNICAÇÃO: PRIMEIRAS REFLEXÕES. Bruno Leardine Souza; Sueli Guadelupe de Lima (orientadora). Faculdade de Filosofia e Ciências. UNESP – Campus de Marília. PIBIC/CNPq. Eixo Temático: Ciências Sociais e Filosofia na Escola Introdução Este presente texto resulta da pesquisa Ciências Sociais na Escola — desenvolvida junto ao Núcleo de Ensino realizada em nível de graduação como parte das atividades da bolsa PIBIC — e tem como objetivo central refletir sobre a função da escolar em nossa sociedade, bem como o trabalho desenvolvido no seu interior no sentido estrito das relações de ensino-aprendizagem que ali ocorrem. A complexidade dos problemas sociais na sociedade contemporânea implica investigar as instituições desvelando suas relações, especialmente aquelas que acontecem em seu interior, construídas em seu cotidiano, alimentando, dialeticamente, as relações macro-micro, social/indivíduo. Buscar ferramentas que possam desconstruir naturalidades sociais tidas como elementos constitutivos permanentes das relações se fazem necessárias como desafio sociológico e político, para aqueles que têm na escola um objeto de estudo e de atuação. Clássicos da Sociologia (CÂNDIDO, 1983; FERNANDES, 1989) brasileira já alertavam, décadas atrás, sobre a importância em analisar a escola como uma instituição viva, composta por agentes sociais que em suas relações refletem o real, o social em sua dimensão maior, mas também expressam a especificidade de suas relações mais imediatas, diretas, que se confrontam diariamente com geral. Desse modo, entender o papel da escola, com suas limitações e possibilidades na sociedade atual, se torna imprescindível para superar dificuldades imediatas e também estruturais na educação atual. Escola e sua função social A escola, hoje, vem sendo socialmente questionada pela não concretização do processo ensino-aprendizagem, ou seja, pela não socialização do conhecimento, tarefa histórica dessa instituição no capitalismo. Esse problema se tornou crônico, levando a sérias conseqüências sociais, bem como pedagógicas. Vários fatores sociais interferem diretamente como: baixos investimentos na educação, má formação de professores, sucateamento da infraestrutura escolar, crescimento da desigualdade social, a intensificação do processo de mercantilização da educação. Essas questões de ordem mais macrosocial indicam a necessidade da abordagem sociológica do problema, pois estas interferem diretamente no cotidiano escolar, comprometendo significativamente a possibilidade de socialização do conhecimento. Segundo Mendonça a qualidade da educação requer a articulação entre teoria e prática, inserindo na atividade pedagógica a intencionalidade do processo de humanização de todos os atores nela envolvidos. Além disso, sem a teoria não há compreensão da prática e de seus problemas, e sem a prática não há como se apropriar do real e transformá-lo (MENDONÇA, 2006, p.203). No excerto acima, Mendonça (2006) não apenas explicita qual papel social que a escola deveria cumprir na sociedade contemporânea, mas também como deve ocorrer a relação ensino-aprendizagem na escola. Portanto, põe à luz desta análise dois desafios distintos embora congruentes: o primeiro, o sociológico que se traduz na análise do real e de suas múltiplas determinações; o segundo, pedagógico, pois entra no âmbito das atividades sistematizadas e intencionalizadas para um determinado fim, a saber, a continuidade do processo de humanização do indivíduo na escola. Entender educação como processo de humanização abre possibilidades para apreensão da realidade educacional e intervenção em suas diferentes dimensões, visando a superar o impasse da não socialização do conhecimento, isto é, da não objetivação do processo de ensino-aprendizagem. Educação como processo de humanização Mas afinal em que consiste educar na perspectiva humanizadora? Assim esclarece Oliveira Educar não é somente educar sujeitos para esta sociedade, mas sujeitos que a transformem, tendo em vista determinados valores que sintetizem as possibilidades já existentes historicamente de o homem humanizar-se e que, como tal, caracterizam o ser do homem enquanto síntese das múltiplas determinações. Saviani não vê a educação como um processo que produz diretamente a transformação social. A educação não transforma imediatamente a sociedade. Ela transforma de forma mediatizada. Isto é, o processo de transformação que se dá pela educação refere-se não ao processo de transformação ao nível das condições materiais da estrutura social em que vivemos, mas ao nível da transformação das consciências. E as consciências são os sujeitos que atuam na prática social. E será o conjunto da prática social que gerará a transformação da sociedade. Mas é preciso também considerar, ao mesmo tempo, que essa transformação das consciências pela educação não se dá de forma inteiramente autônoma. Não é um processo independente das determinações sociais, mas uma prática determinada pelas estruturas sociais e econômicas, uma prática que não se dá independente da situação vigente, uma prática que se processa dentro das circunstâncias possíveis já existentes na sociedade marcada pelas relações de dominação. (...) Saviani procura mostrar como, já nessa sociedade em que vivemos, é possível atuar na educação tendo como meta não-imediata a transformação social, uma meta mediatizada pela transformação das consciências. (...) E é nesse contexto que defende a universalização da educação escolar e, por conseqüência, a busca de construção de uma Pedagogia históricocrítica. (OLIVEIRA, apud GIARDINETTO, 2006, p. 94) O fenômeno educativo compreende-se, portanto, dentro de um processo historicizado que cria o que Marx (1985) chamou de corpo inorgânico. Este processo histórico social educativo é o responsável pela criação de uma realidade não mais natural, mas sim, uma realidade humanizada. Tal processo humanizador da realidade torna o mundo natural, um mundo humano, a dizer, o homem dá significado a objetos naturais, tornando-os signos passíveis de sua compreensão e objetivação. “O homem objetiva neles qualidades humanas”. (DUARTE, apud GIARDINETTO, 2006, p.87) O que se chama desenvolvimento histórico não é outra coisa senão o processo através do qual o homem produz a sua existência no tempo. Agindo sobre a natureza, ou seja, trabalhando, o homem vai construindo o mundo histórico, vai construindo o mundo da cultura, enfim, o mundo humano. “E a educação tem suas origens nesse processo”. (SAVIANI, 1991 p. 96). Criar o mundo humano é, portanto, significar os signos naturais, em outras palavras, humanizar as coisas. Este processo que Marx (1985) credita ao trabalho, outro pesquisador, o soviético Vigotski (1996), busca-o entender dentro do processo do desenvolvimento humano, ou seja, na produção da consciência, sendo a aprendizagem o motor desse desenvolvimento. O homem só se torna homem se aprende, se consegue apropriar-se da cultura. Desse modo, o processo de escolarização, ou seja, o ensinaraprender se torna fundamental, pois o que está em jogo é de que maneira o aluno consegue desenvolver sua consciência, a dizer, humanizar-se, na dimensão da instituição escolar. Tal fato implica compreender qual o objetivo da escola na sociedade, bem como de seus agentes, alunos e professores, no âmbito de suas relações nesta instituição, contribuindo ou não para o processo de humanização, ou seja, de criação de sentidos e apropriação de significados para os indivíduos. Trata-se, portanto, da produção de suas consciências. Porém o que significa afirmar que o que está em jogo é de que maneira o aluno consegue desenvolver sua consciência no âmbito escolar? Esta questão pressupõe que na escola o saber é construído de maneira diferente, é importante então voltar a atenção para o conhecimento e a maneira como ele se dá no ambiente escolar. Escola espaço de apropriação do conhecimento científico Na escola o aprendizado é elaborado em âmbito científico. Uma elaboração em âmbito científico é dizer que o indivíduo se torna capaz de objetar internamente as processualidades do campo prático, em outras palavras, a partir dos conceitos científicos – geradores da generalização – o indivíduo consegue exprimir idealmente suas ações práticas. Ao passo que o conhecimento produzido em um ambiente extra-escolar, por não passar por esta elaboração científica, prende-se ao objeto em si, ou à prática social que o gerou, não possibilitando uma generalização no campo ideal do pensamento do indivíduo. Ou seja, o saber objetivo (SAVIANI, 1991, p. 95) prende o indivíduo a uma análise que parte do micro, ao ponto que, o saber escolarizado, a dizer científico, torna-o capaz de analisar através do macro e, portanto, fazer uma série de associações a partir deste tipo de análise. Elaboração do saber não é sinônimo de produção do saber. A produção do saber é social, se dá no interior das relações sociais. A elaboração do saber implica em expressar de forma elaborada o saber que surge da prática social. Essa expressão elaborada supõe o domínio dos instrumentos de elaboração e sistematização. Daí a importância da escola (...) (SAVIANI, 1991, p. 81). Em nossa sociedade, a escola ocupa um espaço importantíssimo na elaboração do conhecimento, posto que é especialmente neste espaço que os indivíduos conseguirão, ou não, apropriar-se da cultura humana desta maneira, a dizer, cientificamente. Logo, é da maior relevância conhecer, dominar, apreender o processo de ensino-aprendizagem, pois é por meio dele que a apropriação da cultura, do conhecimento científico, poderá ocorrer na escola. Porém, um dos grandes problemas estruturais da escola na sociedade é exatamente garantir a concretização desse processo, dessa forma de socialização. Como já apontamos, os problemas no âmbito da instituição escolar precisam ser abordados em diferentes dimensões macro/micro-sociais e, no interior de cada uma delas, se faz necessário desvelar seus componentes, de modo a explicitar as bases das contradições presentes nas relações sociais na escola. Uma ferramenta valiosa para tal desafio é a análise sociológica da escola, pois esta desenha o cenário das suas relações sociais. Conhecer o teor dessas relações possibilita trazer a tona motivos e necessidades dos sujeitos evidenciando a importância de experiências e vivências pessoais, elementos centrais nos processos de significação. (...) a escola, ao trabalhar tendo em vista a transmissão cultural, o faz, e só o faz, no âmago das diferentes possibilidades dos processos de significação do sujeito, tanto daquele que aprende como daquele que ensina. Falar em processo de significação implica considerar motivações, referências, significados e sentidos produzidos no contexto das relações e, ainda, considerar um sujeito concreto, situado em um momento ontogenético, cultural e histórico e em tempo determinado. (TACCA, 2006, p. 60 e 61) A dimensão sociológica do processo de ensino-aprendizagem abre as portas para detectar os problemas em sala de aula, que, em princípio, se iniciam antes, na própria concepção e prática dos agentes sociais da escola, dos seus objetivos, interesses. Há um desencontro de motivações e objetivos entre esses agentes, o que leva a um conflito permanente no espaço das relações, inclusive no pedagógico. Em nossa pesquisa foi possível constatar que os estudantes apresentam uma identificação com a escola como espaço de sociabilidade, porém um forte estranhamento com o espaço da sala de aula. Embora as opiniões acerca da finalidade da escola coincidam de certo modo — escola é o lugar para aprender e ensinar —, o que e como cada agente do processo entende por aprender e ensinar é o que faz a diferença. Problemas como dificuldades de aprendizagem, baixo rendimento escolar, indisciplina são expressões das limitações de concepções que privilegiam um único pólo no processo de ensino-aprendizagem, bem como restringem seus fundamentos a especificidades de metodologias de ensino. Esses fatos são conseqüências de processos pedagógicos desenvolvidos há tempos na escola que precisam ser revistos em suas bases. Segundo Tacca (2006), a aprendizagem só pode ser compreendida na perspectiva da integração do individual com social, de como o sujeito apreende, se relaciona com o objeto do conhecimento. Ensinar, nesta proposição, significa mais do que se preocupar com estratégias e métodos de ensino em si, mas implica, sobretudo, reconhecer a importância de conhecer o fio da história constitutiva da configuração subjetiva dos sujeitos da aprendizagem, procurando compreender a forma como se imbricam nela o afeto e a cognição. O desafio torna-se, então, encontrar canais que permitam fluir e convergir os processos de significação na direção dos objetivos educacionais. (TACCA, 2006, p. 61) Essa posição tem como referência o desafio da formação de subjetividades na escola, reconhecendo a necessidade de uma nova perspectiva de reflexão e atuação. Investir nessa direção talvez possa significar uma efetiva mudança na elaboração e implementação do processo de ensino-aprendizagem. Saber como e por onde se constitui a subjetividade humana pode se objetivar no caminho concreto da própria humanização, da produção intencional da consciência dos indivíduos. Pensar então a escola hoje é pensar as ações que ali se dão e a maneira como se dão, levando em conta o que é externo e interno ao ambiente escolar, posto que, a escola proporciona singularidades trazidas por seus próprios agentes que quando imersas dentro de um mesmo ambiente transformam o processo ensino-aprendizagem em algo complexo, já que se trata de uma das facetas que compõe o desenvolvimento da consciência do indivíduo, ou seja, já que se trata de uma das partes, posto que acontece em um espaço determinado, do processo humanizador do próprio homem. Portanto, comunicar-se é a chave para que se conheça o ambiente e os agentes escolares, entendo comunicação como (...) a utilização plena do diálogo, momento em que o falar e o escutar se colocam na direção da integração com o pensamento e o motivo, o que pede um encontro revelador e comprometedor de pessoas. Entrar em diálogo significa, na análise de Tunes e Bartholdo, em relação ao pensamento de Buber, possibilitar o conhecimento íntimo, destacando como sua condição a alteridade, a reciprocidade e a vulnerabilidade. A disposição para o diálogo requer a atitude dialógica, na qual está implícita a atitude de disponibilizar-se e responsabilizar-se pelo outro. (TACCA, 2006, p. 63) O desafio pedagógico se reveste de elementos históricos globais das relações sociais, trazendo para a escola a concretização de conflitos, crises e disputas concomitantes no cenário social maior, mas guardando suas especificidades. O desafio sociológico se apresenta através das mudanças estruturais nas últimas décadas que desencadearam uma crise global que afetou as instituições, gerando rupturas, conflitos e uma reorganização nas relações sociais. Essas dimensões se materializam na escola gerando a necessidade um novo diálogo entre os agentes sociais. A comunicação se apresenta, assim, como uma peça chave para que a escola consiga unir o âmbito pedagógico ao sociológico, podendo então, gerar novos caminhos para a sua compreensão e elaboração de novas estratégias pedagógicas. A comunicação no âmbito escolar é, portanto, condição necessária e específica no desenvolvimento do aprendizado do aluno, pois com ela se revela o interno e o externo à sala de aula, se revela a leitura de mundo do indivíduo, tornando consciente a relação deste com o mundo que o circunda. Desta forma fica clara sua importância dentro do ambiente escolar como forma de unir os diversos aspectos da realidade circundante dos seus agentes e direcionar a educação para o desenvolvimento da humanidade no próprio homem. Assim como conclui Leontiev quando diz que “a comunicação, quer esta se efetue sob a sua forma de comunicação verbal ou mesmo apenas mental, é a condição necessária e específica do desenvolvimento do homem na sociedade”. (LEONTIEV, 1978, p. 270) Referências CANDIDO, A. A estrutura da escola. In PEREIRA, L., FORACCHI, M. M. Educação e sociedade. 11ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1983. FERNANDES, F. O desafio educacional. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1989. GIARDINETTO, J. R. B. Sujeitos, escola e produção de conhecimento: a pedagogia históricocrítica subsidiando a reflexão da questão cultural na educação escolar. In: MENDONÇA, S., MILLER, S. (orgs). Vigotski e a escola atual: fundamentos teóricos e implicações pedagógicas. Araraquara: Junqueira e Marin, 2006. MENDONÇA, S e MILLER, S. (orgs). Vigotski e a escola atual: fundamentos teóricos e implicações pedagógicas. Araraquara: Junqueira e Marin, 2006. LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte Universitária, 1978. SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1991. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo, 40). TACCA, M.C.V.R. 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