SEFAZ­RJ NT – 2010.02 Pré – Sal: de quanto estamos falando? Uma Análise macroeconômica da produção potencial dos campos do Pré­sal brasileiro Subsecretaria de Estudos Econômicos Rio de Janeiro, 26/05/2010 Pré – Sal: de quanto estamos falando? Uma Análise macroeconômica da produção potencial dos campos do Pré­sal brasileiro Resumo: Estudo apresenta parâmetros de comparação do impacto macroeconômico potencial da produção de óleo do Pré‐Sal brasileiro. Especificamente, ele compara o valor das reservas e da produção estimada do Pré‐sal com valores correspondentes dos países líderes na produção de petróleo e também com o PIB e o volume de fluxos de comércio atuais do Brasil. Esta comparação baseia‐se em um valor de produção convencional incorporado nos planos de investimento da Petrobras e projeções do Ministério de Minas e Energia do Brasil. Essas projeções correspondem a um piso de produção da ordem de 3,6 milhões de barris/dia até 2017, ou aproximadamente o dobro da produção brasileira atual. A comparação permite verificar que o valor da produção de petróleo do Pré‐sal poderá representar de 3% a 5% do PIB brasileiro, e exportações anuais de US$ 50 bilhões (as exportações brasileiras são hoje de aproximadamente US$ 200 bilhões, e os fluxos de investimento externo direto da ordem de US$ 29,5 bilhões). Exportações de US$ 50 bilhões e uma produção de 4 milhões de barris/dias colocariam o Brasil entre os vinte maiores exportadores e sete maiores produtores de petróleo do mundo, considerando a produção e fluxos comerciais atuais. Em suma, o Pré‐sal terá um importante papel na economia brasileira, reforçando sua independência energética e exportações. Mas os riscos de criar deslocamentos macroeconômicos a nível nacional são reduzidos. Por outro lado, os riscos desses deslocamentos são muito maiores no Estado do Rio de Janeiro, onde se concentram 65% das reservas do Pré‐sal, e onde a produção do petróleo poderá alcançar 30% do PIB estadual. Esse risco será tanto maior se o Estado não receber participações governamentais proporcionais aos custos de ajuste e se o investimento promovido para permitir a produção do petróleo do Pré‐sal for sistematicamente desviado para outros estados. Neste caso, o Estado do Rio de Janeiro suportaria um custo excessivo e injustificado em relação aos benefícios que a produção do Pré‐sal trará ao país. 2 Subsecretaria de Estudos Econômicos Publicação cujo objetivo é divulgar resultados de estudos direta ou indiretamente desenvolvidos pela Subsecretaria de Estudos Econômicos, os quais, por sua relevância, levam informações para profissionais especializados e estabelecem um espaço para sugestões. É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas. 3 4 Pré–Sal: de quanto estamos falando? Uma Análise macroeconômica da produção potencial dos campos do Pré-sal brasileiro 1. Qual a dimensão do pré-sal e o que ela representa em anos de consumo? Reservas Mundiais As reservas de petróleo do pré-sal podem exceder 60 bilhões de barris. A ANP Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis — ANP manifestou que as reservas de petróleo e gás natural do pré-sal alcançariam de 50 bilhões a 70 bilhões de barris de petróleo equivalente. Tal volume significaria mais que quintuplicar as reservas brasileiras atuais, e colocaria o Brasil entre os 10 países com maiores reservas no mundo, ainda assim, bem abaixo daquelas da Arábia Saudita e Irã (Tabela 1). Evidentemente, a comparação deve ser considerada com alguns cuidados, já que, além de envolver areias betuminosas no caso do Canadá, a tabela se refere a reservas provadas no caso dos outros países, e apenas uma estimativa geral no caso do Brasil. Mas, assinale-se que apenas o campo de Tupi, situado no litoral do Estado do Rio de Janeiro e já em testes de longa duração, é esperado corresponder a reservas de mais de 8 bilhões de barris equivalentes recuperáveis. Considerando o conceito mais amplo de reservas possíveis, o pré-sal pode corresponder a 2% das reservas globais. O conceito de reservas possíveis é bem mais amplo do que os reservas provadas, e abrange volumes da ordem de 1,75 trilhões de barris, ou seja, mais do dobro dos valores comprovados. É interessante comparar-se o pré-sal com este conceito porque é forçoso reconhecer que apesar do sucesso da maior parte dos poços perfurados até agora, a extensão de depósitos com viabilidade comercial no pré-sal brasileiro ainda é desconhecida de forma definitiva, desaconselhando o exercício. Em todo caso, não se duvida da importância da província petrolífera do litoral sudeste brasileiro. 5 Tabela 1 – Reservas provadas por país bilhões de barris 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 Arábia Saudita Canadá (inclui areias betuminosas) Irã Iraque Kuwait Emirados Árabes Unidos Rússia Venezuela Brasil (c/ Pré-Sal) Líbia Nigéria Kazaquistão Qatar Estados Unidos China Algéria México Brasil (sem Pré-Sal) Angola 264,3 178,6 136,2 112,5 101,5 97,8 79,0 78,3 62,4 45,0 38,5 30,0 27,1 21,0 19,6 14,8 13,7 12,4 9,0 19 Azerbaijão 7,0 20 Noruega 6,9 Fonte: CIA (https://www.cia.gov/library/publications/the-worldfactbook/rankorder/2178rank.html), ANP A recente inclusão das reservas de areias betuminosas entre aquelas provadas demonstra que mesmo fontes de difícil extração são hoje vistas como economicamente viáveis. A consideração dessas reservas se dá no quadro da expectativa do preço do petróleo permanecer acima de US$ 50/barris, que torna atraente a extração do petróleo desse meio. Além do Canadá, cujas reservas chegariam a 350 bilhões de barris, segundo a Associação Canadense de Produtores de Petróleo, também a Venezuela tem vastas reservas betuminosas, tipicamente não consideradas nas tabelas internacionais, mas da ordem de 200 bilhões de barris equivalentes. É verdade que a exploração dessas reservas em geral tem um impacto ambiental extremamente negativo (o impacto ambiental da exploração de pequenos depósitos de xisto betuminoso no sul do Brasil é bem conhecido e de difícil correção). Ainda assim, dependendo da demanda mundial por energia, o petróleo betuminoso pode vir a ter peso na oferta global de energia nas próximas décadas. 6 A ampliação do conceito de economicamente viável valoriza as reservas do présal. Ao contrário dos poços em países como Arábia Saudita, Kuwait, Venezuela, ou mesmo a o Iraque, onde o petróleo fica a pouca profundidade e em terra firme, a extração de petróleo no pré-sal envolverá grandes investimentos e a real extensão de sua exploração dependerá do preço do produto nos próximos anos, inclusive em face de esforços das principais nações para diminuir a emissão de CO2. A concorrência com o carvão, por outro lado, ainda impõe tetos no preço do petróleo. Como se sabe, o petróleo é menos poluente do que o carvão e outras fontes, e também encontra amplo uso na produção de produtos químicos e plásticos. É possível que a demanda mundial de produtos químicos e plásticos continue a crescer, mas o futuro do petróleo como substituto do carvão é incerto, não justificando hipóteses de uma explosão da demanda. Isso se explica em parte porque os países com os maiores depósitos de carvão são importadores líquidos de petróleo, o que tende a diminuir o escopo da substituição do carvão baseada na redução de CO2, já que haverá fortes incentivos para o desenvolvimento de soluções tecnológicas que prometam um carvão “limpo”. Portanto, o efeito dos esforços para diminuir as emissões de CO2 tende mais na direção de baixar o preço do petróleo do que exatamente a criar-lhe novos mercados. Demanda Mundial A Agência Internacional de Energia estimou o consumo de petróleo em 2009 em 85 milhões de barris por dia, ou o equivalente a aproximadamente 30 bilhões de barris por ano (Tabela 2). Destes, o Brasil consome na faixa de 2 milhões de barris por dia—ou seja, 2,25% do total global. Nos níveis atuais de consumo global, as reservas do pré-sal poderiam, portanto, abastecer o mundo por dois anos, enquanto as reservas globais provadas (da ordem de 1,5 trilhões de barris) corresponderiam a aproximadamente 50 anos de consumo ao nível atual. O Brasil seria o 13º maior consumidor de petróleo do mundo. 7 Tabela 2. Maiores países consumidores de petróleo Consumo em milhões barris/período (inclui refino para exportação) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 País Estados Unidos União Européia China Japão Índia Rússia Alemanha Arábia Saudita Canadá Coréia do Sul Diário 19,50 14,44 7,85 4,79 2,94 2,90 2,57 2,38 2,26 2,18 Anual 7.118 5.271 2.865 1.747 1.073 1.059 938 869 825 794 País 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 México França Brasil Irã R. U. da Grã Bretanha Itália Indonésia Espanha Holanda Ilha de Formosa Diário 2,13 1,99 1,89 1,76 1,71 1,64 1,56 1,56 0,96 0,96 Anual 777 725 691 641 624 598 571 570 351 350 Fonte: CIA (https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2174rank.html), PDE 2008 – 2017 Demanda do Brasil As reservas do pré-sal são muito significativas em termos do consumo potencial do Brasil. Reservas de 50 bilhões de barris corresponderiam a mais de 70 anos do consumo do Brasil, mantidos os níveis de consumo atuais e caso nada fosse exportado (Gráfico 1). Aumentos de consumo, ou a decisão de exportar reduziriam o tempo de duração das reservas. No limite, caso o consumo dobrasse e se considerasse exportações de três milhões de barris por dia, o pré-sal teria uma vida de aproximadamente 25 anos. 8 Gráfico 1 – Duração do pré-sal, considerando reservas de 70 bilhões de barris 110 Consumo doméstico Mb/dia 2,9 3,3 3,8 1,0 2,4 2,0 1,9 3,0 0 100 90 80 70 Anos de 60 duração 50 40 30 20 10 0 Export. Mb/dia A produção de petróleo brasileira pode ser projetada em quatro milhões de barris/dias no horizonte de 2020. Esse valor de referência pode ser considerado uma convenção para facilitar a discussão, sendo compatível com os investimentos e descobertas anunciados até agora. Ele significa dobrar a produção atual, e se mantido a seguir, implicaria em as reservas do pré-sal durarem de 40 a 50 anos. Hoje, as projeções oficiais apontam para aumento persistente do consumo doméstico. Mas, caso também se convencione manter o consumo na faixa atual, em vista do potencial de outras fontes de energia (etanol, hidro, etc.) e moderação no consumo, a produção do pré-sal proporcionaria um excedente de exportação de dois (2) milhões de barris/dia. Uma vantagem de ter um valor de referência convencional é permitir uma analise de sensibilidade com bases transparentes, permitindo-se discutir diversos cenários, com maior ou menor produção, consumo ou exportação. 2. Projeções de Produção A produção do pré-sal nos campos já licitados deve atingir 1,8 milhões de barris por dia em 2020, de acordo com os planos de investimentos recentemente divulgados pela Petrobras (Gráfico 2). Essa produção se somará à do pós-sal, que é a camada explorada nos últimos 20 anos. Não só os campos do pós-sal atuais ainda devem produzir, de forma decrescente, por mais 10 ou quinze anos, como ainda há possibilidade de exploração de novos campos também dessa natureza, inclusive 9 alguns conhecidos anteriormente, mas considerados de pouca viabilidade econômica até recentemente. É o caso de alguns campos licitados na 8ª rodada, que podem vir a produzir até um milhão de barris/dia de pós-sal nos próximos dez anos.1 Gráfico 2 - Previsão de produção de petróleo no Pré-Sal (mil barris/dia) Fonte: Plano de Negócios 2009 – 2013 da Petrobrás A produção do pré-sal deve paulatinamente substituir a do pós-sal já conhecido e permitir a ampliação da produção total. De acordo com o Ministério de Minas e Energia—MME, em seu Plano Decenal de Expansão de Energia - PDE, as reservas atuais deverão permitir a produção nacional continuar crescendo por mais alguns anos (Tabela 3). A partir de 20142, no entanto, esta produção deverá cair, sendo paulatinamente substituída pela produção de novas reservas—denominadas recursos contingentes, cujo volume ainda está em avaliação. Finalmente, aos poucos se verá a 1 Segundo a agência Reuters (18/dez/2009), a OGX, braço de petróleo e gás natural do grupo EBX, do empresário Eike Batista, considera que o campo Vesúvio, no BM‐C‐43, poderá ter de 500 a 1,5 bilhão de barris de óleo equivalente—boe em reservas; e o poço OGX2, no BM‐C‐41, entre 400 a 500 milhões de boe. Ambos os campos estão no pós‐sal em águas rasas. 2 Essas estimativas coincidem com as estimativas mais conservadoras de Szklo (2007), que realizou uma pesquisa baseada no modelo de Hubbert (curvas de produção ao longo tempo que se assemelham com a de uma distribuição normal). SZKLO, A. S. ; SCHAFFER, R. ; MACHADO, Giovani . Future oil production in Brazil Estimates based on a Hubbert model. Energy Policy, v. 34, p. 2360‐ 2367, 2007. 10 entrada de recursos ainda não descobertos—tipicamente o pré-sal ainda não licitado.3 Neste cenário produzido pelo MME a produção de petróleo no Brasil saltaria dos atuais 1,8 milhões de barris/dia (doravante Mb/dia) para 3,6 Mb/ dia em 2017. Tabela 3 - Projeção de Produção de Petróleo no Brasil (milhões de barris/dia) ANO 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 Reservas Recursos Totais Contingentes 1,815 2,206 2,402 2,469 2,671 2,775 2,815 2,592 2,384 2,192 0,002 0,006 0,148 0,248 0,307 0,432 0,518 0,675 0,931 1,188 Recursos nãodescobertos Total 0 0 0 0 0 0 0,075 0,158 0,241 0,249 1,817 2,212 2,549 2,717 2,978 3,206 3,408 3,425 3,556 3,629 Aumento em relação a 2008: 21,7% 40,3% 49,5% 63,9% 76,4% 87,6% 88,5% 95,7% 99,7% Fonte: MME, PDE 2008 – 2017 • Reservas totais (RT): reservas provadas, prováveis e possíveis, nos campos em desenvolvimento ou produção; • Recursos contingentes (RC): campos descobertos em estágio de avaliação; • Recursos não-descobertos (RND): campos em áreas prováveis, mas ainda a descobrir; Apesar da projeção do MME acabar em 2017, é possível estender até 2035 o horizonte da produção das reservas atuais e o espaço para o pré-sal. Para se realizar essa estimativa pode-se adotar a seguinte hipótese para a depleção dos campos atuais. Suponha que a queda da produção das reservas totais se dê de forma exponencial, de forma que Xt = A.exp(-rt), onde Xt seja a produção das reservas totais no tempo t, A seja a produção em 2014, r seja uma taxa de depreciação anual, e t seja o tempo decorrido a partir de 2014. A partir dos dados do PDE em 2014-17, pode-se calibrar uma taxa de depreciação para a queda de produção das reservas totais em 8,3% ao ano. A essa taxa, a produção em 2020 das reservas totais (conhecidas) seria de 1,7 Mb/dia, quando a produção do pré-sal seria, de acordo com a Petrobrás, de 1,8 Mb/dia – ou seja, mais da metade da produção nacional. Neste caso, a produção total, de aproximadamente 3,6 Mb/dia, ficaria um pouco abaixo do valor convencional de 4 Mb /dia. 3 Os valores na Tabela 3 tem uma fonte (MME) diversa daqueles no gráfico 1 (Petrobras), então se deve ter algum cuidado ao se comparar a produção “pré‐sal” apresentada pela Petrobras com os números do PDE, quer de reservas, quer de recursos contingentes. 11 Em 2035, a produção dos campos atuais será ¼ da atual, indicando a importância que o pré-sal terá para os estados produtores e para o Brasil. A extensão da curva de depleção dos campos atuais até 2035 indica que, sendo a produção dos campos atuais de apenas 0,5 Mb/dia, a produção do pré-sal teria que se aproximar de 3,5 Mb/dia, se a produção total do pais for projetada em 4 Mb/dia (Gráfico 4). Isto significa que se terá gasto boa parte da reserva do pré-sal nos próximos 25 a 30 anos, e que as receitas dos campos atuais devem desaparecer nos próximos dez anos. Assim, qualquer mudança na regra de participações governamentais começará a ter forte impacto nos estados produtores na próxima década, mesmo que ela se refira apenas ao pré-sal não licitado. Gráfico 3 – Projeção da produção de petróleo das reservas do Pós-Sal (atuais) e do PréSal (Mb/dia) 12 3. Valor da Produção de Petróleo Dada uma projeção de quantidade produzida, o valor dessa produção é resultado da multiplicação da quantidade pelo preço futuro. Este preço pode ser admitido ser igual ao preço do Brent no caso do pré-sal, visto que ao contrário da produção do pós-sal, o produto do pré-sal é entendido como leve e “doce”. O preço típico atribuído à produção atual na bacia de Campos é da ordem de 80% do valor do Brent. O governo americano através da Energy Information Administration (EIA) publica projeções do preço do petróleo leve e doce (“Low-Sulfur Light Crude Oil”). Estas projeções são sujeitas a grande incerteza, mas podem servir como referência adicional. As projeções da EIA, feitas em dezembro de 2009, apontam uma valorização futura do petróleo, ainda que cercada de incerteza. As projeções da agência indicam o barril a valores nominais de US$ 132,33 em 2020 e a US$ 223,88 em 2035, isto é, aí incluída a inflação americana. A preços de 2008, os preços do petróleo em 2008 e 2035 seriam de US$ 108,28 em 2020 e US$ 133,22 em 2035. Obviamente, esses projeções envolvem um grande número de hipóteses, e são sensíveis ao sentimento do mercado no momento em que são feitas. Elas tendem a flutuar bastante, não só na esteira de novas descobertas, mas também dependendo das estimativas de crescimento econômico no momento de seu preparo. Uma alternativa para análise e estimativas, dadas as dificuldades de prever os preços do petróleo, é adotar um preço de referência fixo. Neste estudo, a hipótese central é do preço de petróleo se estabilizar em US$ 70/barril, com o dólar a valor constante. Como forma de avaliar a sensibilidade das conseqüências econômicas, os resultados usando a hipótese central serão comparados aos resultados usando a curva da EIA a preços de 2008. Em ambos os casos, o valor da produção será o resultado do preço projetado pela produção projetada. Sob qualquer uma das hipóteses de preço do barril adotadas nesse estudo, o valor da produção do pré-sal em 2020 excederia US$ 45 bilhões (dólares de 2008). Supondo uma produção crescente até 1,8 Mb/dia em 2020, o valor da produção do pré-sal em 2020 seria de US$ 46,4 bilhões, assumindo um preço de US$70 o barril; esse valor subiria a US$ 71,7 bilhões, usando as estimativas de preço da EIA com US$ 108/barril em 2020 (Tabela 4a). 13 Tabela 4a: Valor Estimado da Produção do Pré-sal (US$ bilhões) ANO 2013 2015 2017 2020 PRODUÇÃO‐ MILHÕES BARRIS/DIA 0,219 0,582 1,336 1,815 PRODUÇÃO ‐ MILHÕES BARRIS/ANO 79,94 212,43 487,64 662,48 VALOR DA PRODUÇÃO ANUAL ‐ BARRIL A US$70 (BILHÕES US$) 5,60 14,87 34,13 46,37 PREÇO DO BARRIL (US$) – PROJEÇÃO EIA, dólares constantes 85,74 94,52 101,23 108,28 VALOR DA PRODUÇÃO ANUAL (BILHÕES US$ de 2008) 6,85 20,08 49,36 71,73 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Petrobrás e estimativas de preços da EIA. O valor bruto da produção do pré-sal projetada para 2020 equivaleria a 2,7% do PIB brasileiro atual (com barril a US$ 70). No caso do barril a US$ 108, a proporção seria de 4,2% do PIB brasileiro atual. Ambas proporções foram calculadas adotandose a taxa de câmbio de 1,7 R$/US$ e o valor nominal do PIB de 2008, de R$ 2.889 bilhões, publicado pelo IBGE. Com este cambio, a produção valeria de 80 e 120 bilhões de reais, dependendo da hipótese de preço internacional. Merece mencionar que, considerando-se uma taxa de crescimento do PIB brasileiro de 5% nos próximos anos, a produção dos respectivos cenários corresponderia a uma parcela entre 1,5% e 2,3% do PIB brasileiro de 2020 (o PIB de 2020, a preços de 2008, estaria próximo de R$ 5 bilhões, contra os quase R$ 3 bilhões de 2009). Tabela 4a: Valor Estimado da Produção do Pré‐sal (R$ bilhões) ANO 2013 2015 2017 2020 PRODUÇÃO‐ MILHÕES BARRIS/DIA VALOR DA PRODUÇÃO ANUAL A US$ 70/BARRIL VALOR DA PRODUÇÃO ANUAL ‐‐ PREÇO EIA 0,219 9,5 11,6 0,582 25,3 34,1 1,336 58,0 83,9 1,815 78,8 121,9 PIB BRASILEIRO 3.470 3.825 4.200 4.880 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Petrobrás e estimativas de preços da EIA. A criação de riqueza pelo pré-sal pode ser maior ou menor que o valor bruto de sua produção. A efetiva contribuição do pré-sal para o PIB dependerá de diversos fatores, podendo ser maior ou menor do que o valor bruto da produção. Por um lado, considerando que o custo de extração do petróleo corresponda a 50% do valor bruto da produção, o valor líquido, ou agregado, seria bem menor do o valor bruto da produção. Por outro lado, se boa parte desse custo deduzido do valor bruto para encontrar o valor adicionado (ou líquido) envolver fatores produzidos no Brasil, a contribuição direta da produção para o PIB seria próxima ao seu valor bruto. Mais ainda, pode-se considerar que o investimento e o emprego criado na produção do petróleo e no investimento associado tenham um multiplicador significativo, por criar demandas adicionais no setor de serviços e no resto da economia. Neste caso, a 14 contribuição efetiva do pré-sal ao PIB pode ser maior do que o valor bruto da produção, mesmo que o valor líquido dessa produção seja menor que 2% do PIB. A percentagem do PIB correspondente à produção do pré-sal se aproxima àquela de vários setores importantes da economia brasileira. Uma produção de 1,8 Mb/dia, ao preço de US$ 70 por barril corresponde a metade do PIB agrícola brasileiro de 2008 (Tabela 5). Ela também corresponderia a 1/5 da produção manufatureira do país. Para se ter uma idéia mais detalhada da proporção como indústria, vale a pena comparar o valor da produção do pré-sal com a do setor automobilístico, por exemplo. Considerando a produção nacional de 2 milhões de veículos por ano, ao preço médio de US$ 15,000 por veículo (incluindo impostos), chega-se a uma produção bruta do setor automobilístico em 2008 da ordem US$ 30 bilhões (R$ 50 bilhões), ou seja, 65% do valor bruto da produção projetada do pré-sal em 2020. Evidentemente, o setor automobilístico tem um efeito multiplicador na demanda ainda maior que o do petróleo, mas ainda assim se verifica que o petróleo pode ter uma importância para economia comparável à da indústria automobilística. Ainda usando as informações das contas nacionais, observa-se que produção bruta de 1,8 Mb/dia do pré-sal corresponderia a 19% das exportações brasileiras, ou 10% do comércio internacional do país registrado em 2008. Como nos parágrafos anteriores, essas proporções seriam reduzidas proporcionalmente se o PIB crescer a taxas de 5% ao ano nos próximos dez anos. No caso do barril a US$ 108, o valor da produção do pré-sal em 2020 equivaleria a ¾ do PIB agrícola brasileiro de 2008. Ou seja, uma proporção bastante significativa do valor da produção agrícola nacional, depois de descontados os custos de insumos como fertilizantes, sementes, combustíveis, etc. A produção de petróleo do pré-sal nessa hipótese somaria R$ 121 bilhões, equivalente a quase 1/3 do valor agregado da produção manufatureira do Brasil em 2008 (considerando um crescimento de 5% anual nessa produção, o valor do pré-sal seria de um pouco menos de 1/5 da produção manufatureira em 2020). Precificada pela curva da EAI, a produção do pré-sal corresponderia a 29,4% das exportações brasileiras, ou 15% do comércio internacional de 2008. Também nesta hipótese, a produção total de petróleo corresponderia a 9,4% do PIB de 2008, ou a 5,2% do PIB de 2020, correspondendo a pouco mais do dobro da produção do pré-sal em 2020. A exportação de metade da produção representaria um aumento de 33% em relação ao valor das exportações totais do Brasil em 2008. 15 Tabela 5 – Comparação da produção do Pré-Sal (1,8 Mb/dia) com o PIB brasileiro Setores e subsetores PIB 2008 (milhões de reais) Setor / Pre‐sal Pre-sal / setor U$ 108/barril* Setor / Pre‐sal Pre-sal / setor U$ 70/barril Agropecuária – total 163.535 134% 75% 207% 48% Indústria – total 682.496 560% 18% 866% 12% Extrativa mineral 88.125 72% 138% 112% 90% Transformação 390.621 320% 31% 496% 20% Construção civil 124.940 102% 98% 158% 63% Prod & dist de eletr., gás, água, esgoto e limp. Ubana 78.809 65% 155% 100% 100% Serviços – total 1.595.022 1308% 8% 2023% 5% Comércio 298.100 244% 41% 378% 26% Transporte, armazenagem e correio 134.135 110% 91% 170% 59% Serviços de informação 87.073 71% 140% 110% 91% Interm. Fin, seguros, previd comp, etc. 163.754 134% 75% 208% 48% Outros serviços 329.885 271% 37% 418% 24% Atividades imobiliárias e aluguéis 209.997 172% 58% 266% 38% Administração, saúde e educação públicas 372.077 305% 33% 472% 21% Valor adicionado a preços básicos 2.441.053 2002% 5% 3097% 3% Impostos líquidos sobre produtos 448.665 368% 27% 569% 18% PIB a preços de mercado 2.889.718 2370% 4% 3666% 3% Despesa de consumo das famílias 1.753.415 1438% 7% 2224% 5% Consumo da administração pública 584.408 479% 21% 741% 14% Formação bruta de capital fixo 548.757 450% 22% 696% 14% Variação de estoques (1.690) ‐1% ‐7215% ‐2% ‐4664% Exportação de bens e serviços 414.257 340% 29% 526% 19% Importação de bens e serviços (‐) 409.428 336% 30% 519% 19% Fonte: IBGE; produção do Pré‐Sal em 2020 divulgada pela Petrobrás.(aproximadamente 2Mb/dia) *Preço de 2020 em dólares de 2008, estimado pela Agência Americana de Petróleo. 4. Exportações Em 2006, o país declarou a auto-suficiência de abastecimento de petróleo e derivados. Essa auto-suficiência é, na verdade, conceitual, refletindo a equivalência de produção em volume, com o consumo interno. Ela se traduz pela neutralidade de fluxos de exportação e importação de petróleo e derivados (não necessariamente em custo, mas em volumes). De fato, o Brasil já exporta um valor significativo do petróleo produzido domesticamente, mas isso ocorre porque houve um descompasso entre a infra-estrutura de refino e as descobertas da Petrobras. Ou seja, a empresa achou 16 mais eficiente manter as plantas antigas e continuar importando petróleo e derivados e exportar o produto da Bacia de Campos enquanto as plantas não eram adaptadas ou novas plantas construídas (Tabela 6). Observe-se que a pesar do parque de refino ainda não estar na sua composição ideal, o país deixou de ser importador líquido de derivados de petróleo a partir de 2003, com o excedente de gasolina ultrapassando as importações de diesel e outras frações, situação que se reverteu em 2008 (Gráfico 4). Tabela 6 – Dependência Externa de petróleo e seus derivados – 1999-2008 (mil m3/dia). Ano Importação Importação Consumo Dependência Dependência Produção de líquida de líquida de aparente externa externa Petróleo (a) Petróleo (b) derivados (c) (d)=(a)+(b)+(c) (e)=(d)-(a) (e)/(d) (%) 1999 179,3 73,6 30,7 283,7 104,4 36,8 2000 201,4 60,2 23,2 284,8 83,3 29,3 2001 211,9 48,7 7,2 267,7 55,8 20,8 2002 238,4 23,1 5 266,4 28 10,5 2003 246,8 16,2 -5,1 257,9 11,1 4,3 2004 2005 244,6 36,9 -11,1 270,3 25,6 9,5 272,3 16,6 -13,9 274,9 2,6 1 2006 287,6 -1,2 -9 277,4 -10,2 -3,7 2007 291,4 2,5 -4,6 289,3 -2,1 -0,7 2008 301,9 -3,9 5,3 303,3 1,4 0,5 Fonte: ANP - Anuário Estatístico Brasileiro de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – 2009 Espera-se que a conclusão do COMPERJ diminua a necessidade de exportar e importar petróleo para atender o mercado doméstico. Essa planta terá capacidade nominal de refino de 150 mil barris/dia (mb/dia), o que corresponde a por volta de 10% da produção da bacia de Campos. Com essa planta o Brasil seguiria a tendência cada vez mais acentuada nas regiões produtoras de refinar o petróleo in loco, exportando derivados (no Oriente Médio esse é cada vez mais o caso, o que explica porque alguns desses países estão entre os maiores consumidores de petróleo; a matéria prima é refinada in loco e os derivados são exportados, e.g., para Ásia). Porém, a data exata do começo das operações do COMPERJ é todavia incerta, ainda que Petrobrás planeje o início de suas operações para 2012-2014. Para se avaliar os fluxos futuros de exportação e importação de petróleo do país, também é preciso considerar a Refinaria Abreu e Lima (PE), que deverá iniciar suas operações em 2011 e terá futuramente uma capacidade de refino de 200 mb/dia. Outras refinarias como as refinarias Premium I e II (capacidade de 600 mb/dia e 300 mb/dia respectivamente) também estão nos planos da Petrobrás, todavia a construção dessas ainda não é certeza. É de se notar que o Plano Decenal de Expansão de Energia 2008 – 2017 17 (PDE) do Ministério de Minas e Energia prevê que o Brasil siga importando petróleo Árabe Leve até 2013 para atendimento da produção de lubrificantes na REDUC. Gráfico 4 – Evolução da produção e importação líquida de petróleo e derivados – 19992008 Fonte: ANP - Anuário Estatístico Brasileiro de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - 2009 Estimativa das exportações de petróleo em 2020 O consumo aparente de petróleo tem aumentado nos últimos anos a taxas mais baixas do que o PIB. Esse consumo pode ser estimado somando a importação líquida do óleo bruto, assim como a importação dos derivados de petróleo equivalente em metros cúbicos de óleo por dia à produção local. De modo mais geral podem-se estimar cenários de crescimento desse consumo aparente a partir do comportamento do mercado nos últimos anos. Com base em dados da década de 2000, chega-se a uma elasticidade da demanda de petróleo em relação ao crescimento econômico expressivamente menor do que a unitária. O valor de 0,924 indica a substituição do 4 Um artigo de Sergio Vale no jornal Valor Econômico (29/10/2009) adota uma elasticidade consumo de petróleo/PIB de 1,6 excluindo as décadas de 50 e 80. Usando os dados do Ipeadata, foi 18 petróleo por outras fontes, assim como a possibilidade de um crescimento econômico menos demandante em energia. Mesmo com a elasticidade renda atual, o consumo de petróleo aumentará expressivamente nos próximos dez anos se o PIB continuar crescendo. Expressando o consumo em barris, e considerando um crescimento de 5% anual para o PIB, a demanda interna aumentaria de 1,9 milhões de barris por dia em 2008 para 2,9 milhões de barris em 2017. Esse consumo alcançaria 3,2 milhões em 2020, indicando a importância da expansão da produção a partir do pré-sal e outras jazidas. Um cenário alternativo é aquele em que significativos ganhos de eficiência no consumo de energia, em conjunto com metas de diminuição de poluição e diversificação da matriz energética possam frear o crescimento do consumo de petróleo. Neste cenário, a demanda seria congelada nos valores de 2008, e os preços em US$ 70/barril, em vista da estabilidade da demanda. Para medir o potencial de exportação do pré-sal, desenham-se cenários em que maior ou menor parte da produção nacional, convencionada em 4 Mb/dia, seria absorvida pelo mercado doméstico. Considerando-se o crescimento da demanda interna em linha com os valores do PDE, as exportações teriam um pico em 2013, caindo a seguir na medida em que a produção crescesse menos que o consumo interno. Considerando a curva de preço da AIE, a exportações estariam em US$ 28 bilhões em 2020 (Tabela 7). No caso do preço se manter constante, o valor nessa data seria de US$ 19 bilhões. No caso de consumo constante, o excedente de exportação seria de 1,7 Mb/dia em 2017 e 2,1Mb/dia em 2020, o que significaria aproximadamente duplicar o valor das exportações em relação ao cenário de consumo do PDE. Assim, no caso da curva de preços da EIA, a exportações poderiam alcançar US$ 60 bilhões, e no caso do preço fixo de US$ 70/barril ter-se ia um valor convencional de exportações brutas de petróleo de aproximadamente US$ 50 bilhões. encontrada uma elasticidade de 1,3 para o período usado por Sergio Vale (secular) e uma elasticidade entre 0,4 e 0,9 ao se restringir o estudo para as décadas pós crise do petróleo. 19 Tabela 7: Exportações de petróleo em US$ milhões, considerando aumento de demanda proporcional a 5% de crescimento da economia Preço Variável 70 US$/ barril ANO Produção (Mb/dia) Consumo (Mb/dia) Exportação Líquida (Mb/dia) 2009 2,21 2,00 0,22 59 4.696 5.551 2010 2,55 2,09 0,46 70 11.867 11.817 2011 2,72 2,18 0,54 73 14.255 13.657 2012 2,98 2,28 0,70 79 20.147 17.760 2013 3,21 2,39 0,82 86 25.604 20.903 2014 3,41 2,50 0,91 91 30.205 23.257 2015 3,43 2,61 0,81 95 28.026 20.756 2016 3,56 2,73 0,82 98 29.480 21.007 2017 3,63 2,86 0,77 101 26.921 19.686 2020 4,00 3,27 0,73 108 28.797 18.616 US$/barril Exportação (US$ bilhões) Exportação (US$ bilhões) Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do MME, ANP e EIA. Dependendo de preços e quantidades livres para exportação, esta poderia ultrapassar US$ 80 bilhões/ano, representando percentual significativo do PIB de 2020. Os quatro cenários, onde se variam preços e quantidades exportadas, indicam que o valor das exportações pode variar de US$ 19 bilhões, no caso de aumento de demanda interna e preços fixos, até US$ 83 bilhões, no caso de demanda fixa e preços subindo (Tabela 8). Na hipótese de manutenção do consumo interno, a quase totalidade do pré-sal poderia se exportada. Considerando-se o PIB brasileiro em 2008 de US$ 1,70 trilhões (cambio de R$ 1,7/US$) e crescimento real de 5%, o valor bruto das exportações de petróleo em 2020 poderia nesse caso ultrapassar 2% do PIB daquele ano, caso os preços do petróleo sigam a curva EIA. Caso o consumo continue aumentando e o preço do petróleo se estabilize em US$ 70/barril, as exportações corresponderiam a apenas 0,64% do PIB. Em ambos os casos se fala de valor bruto, ou seja, sem descontar o valor dos bens e serviços importados necessários para realizar essa produção. 20 Tabela 8 – Exportações de Petróleo em 2020 Exportação Líquida 2017 (milhões de US$) Exportação Líquida em 2020 (Mb/dia) Exportação Líquida 2020 (milhões de US$) Exportação Líquida/ PIB 2020* CENARIO Preço do barril (US$) Exportação Líquida em 2017 (Mb/dia) 1 preço EIA 0,770 28.451 1,08% 0,729 28.812 0,93% 2 70 0,770 19.674 0,75% 0,729 18.626 0,64% 3 preço EIA 1,722 68.057 2,58% 2,093 82.720 2,23% 4 70 1,722 43.997 1,67% 2,093 53.476 1,44% Exportação Líquida/ PIB 2017* Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do MME, ANP e EIA. * Supondo crescimento real de 5% ao ano para o PIB a partir de 2010 As importações necessárias para a exploração do pré-sal podem reduzir a contribuição líquida dessa riqueza para a balança comercial brasileira. Esse risco teria sido diminuído pela exigência de conteúdo nacional a ser feita nos contratos no âmbito da partilha, segundo a legislação que vem sendo discutida. Assim, o acréscimo de importação por conta do investimento e da própria operação dos poços estaria limitado por essa exigência. Esse acréscimo deve ser descontado do valor das exportações de petróleo para se estimar a contribuição líquida do pré-sal para a balança comercial brasileira. A elasticidade de resposta da economia nacional a este desafio de investimento, e, portanto, o real conteúdo nacional nos investimentos do pré-sal, será assunto para nota própria, que refletirá sobre aparente esgotamento da capacidade ociosa dos ofertantes nacionais de bens de capital (BNDES, 2009). No entanto, para efeito da análise macro, pode-se estimar que as importações correspondam a 30% do custo de produção do pré-sal, estimado muitas vezes na faixa de US$ 40/barril. Neste caso, as importações corresponderiam a US$ 12/barril. Notese que, no entanto, que boa parte das importações se daria antes das exportações, por corresponder a investimentos nos próximos cinco anos.5 O efeito macroeconômico dependerá, portanto, não só do coeficiente de importação, mas também do timing e da proporção da importação associada ao investimento e aquele associado à operação dos campos, não cabendo ser estimado aqui. Ou seja, no curto prazo o pré-sal pode pressionar a balança de pagamentos do Brasil se não for acompanhada de investimentos estrangeiros, quer das empresas que venham se instalar no Brasil, quer mediante forte capitalização da Petrobras com recursos externos (parte do capital da Petrobras é detido por estrangeiros), quando esta vier a ocorrer. 5 A Petrobrás pretende investir no período 2009‐2013 uma quantia de US$ 104 bilhões em exploração e produção, dos quais US$ 28 bilhões estão destinados ao pré‐sal. Até 2020 a Petrobrás pretende investir US$ 111 bilhões no pré‐sal. 21 A partir do volume potencial exportado, pode-se avaliar o significado deste fluxo de comércio para a economia brasileira e os riscos de uma “doença holandesa”. Essa análise permite jogar luz sobre os riscos do deslocamento de fatores entre setores da economia, ou o risco de larga parte da economia brasileira perder sua competitividade, particularmente no curto prazo, no caso de haver rigidez de preços, sintomas da referida “doença”. Esses temas serão analisados nas seções seguintes, também contrastando as conseqüências para o Estado do Rio de Janeiro com as para a economia nacional. Variação das exportações futuras comparada com a variação nos anos 2000 Um aumento de US$ 30 bilhões nas exportações brasileiras não seria causa de um desequilíbrio externo ou afluxo inadministrável de divisas. Considerando o valor médio dos diversos cenários de exportação, pode-se adotar como referência exportações líquidas devidas ao pré-sal de até US$ 30 bilhões/ano. Esse é um fluxo apreciável, mas que, mais uma vez, deve ser posto em comparação com o total das exportações e do saldo comercial brasileiro. Deve, principalmente ser comparado com o crescimento das exportações nos últimos dez anos e as conseqüências que esse fluxo teve sobre a economia. Entre 2000 e 2008 as exportações brasileiras cresceram de aproximadamente US$ 50 bilhões/ano para cerca de US$ 200 bilhões/ano. Esse expressivo crescimento de 300% representou importante alteração no balanço externo do país, mas sem conseqüências perniciosas para a economia. Deve-se observar que US$ 150 bilhões/ano eram pouco menos de 10% do valor do PIB nacional no começo da década. De fato, em poucos anos, a conta corrente do Brasil, passou de um déficit na faixa de 4% para, em alguns anos, um superávit de 4% do PIB, antes de voltar a diminuir nos anos mais recentes por conta do aumento das importações e saídas de lucros, dividendo e outros pagamentos de fatores. 22 Gráfico 5 – Exportações acumuladas (bilhões de dólares) Fonte: Banco Central do Brasil Mesmo olhando apenas o setor extrativista, as exportações brasileiras aumentaram em mais de US$ 20 bilhões no qüinqüênio 2003-2008. De acordo com os dados do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior—MDIC, as exportações da indústria extrativista brasileira subiram de 6,2 para 33,2 bilhões de dólares6. O mais notável é que o crescimento de apenas esse setor representa um aumento de 45% em relação ao valor total exportado pelo país em 2002 (ou 5,4% do PIB de 2002). E isso foi apenas uma pequena fração do salto de quase US$ 150 bilhões dado pelo conjunto das exportações brasileiras na década de 2000. Apesar disso, não há evidencias de “doença holandesa” no Brasil. A valorização cambial do período, que ocorreu também por outros fatores relacionados à conta capital do balanço de pagamentos e o fortalecimento fiscal da União, não provocou a desindustrialização do país. Impacto de 2 Mb/dia sobre o fluxo do comércio internacional de petróleo A média diária das exportações mundiais de petróleo flutua por volta de 33 milhões de barris por dia. A exportação de qualquer um dos dez maiores 6 FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC/Sistema Alice. 23 exportadores de petróleo em 2008 ultrapassou 2 milhões de barris/dia (Tabela 11). No entanto, apenas Arábia Saudita e Russia têm uma posição dominante no mercado internacional, com a primeira somando ¼ das vendas dos dez maiores exportadores, seguida pela Rússia com 1/6 daquele total. Todos os outros países contribuem individualmente com menos de 10% do comércio internacional. Assim, mesmo que o Brasil venha a exportar 2 Mb/dia, essa exportação não deve causar distúrbios no mercado e, portanto, no preço do produto. Ela não dará um poder monopolístico ao Brasil, nem provocará um “excesso de oferta” mundial. Isto é importante, dado que o custo de extração no Brasil é bem maior do que em outros países, mesmo que se considere que o risco político e geopolítico do Brasil está entre os mais baixos entre os países exportadores de petróleo. Tabela 11 – Maiores Exportadores do Mundo (milhões de barris/dia) 10 Maiores Exportadores (mil barris/dia) 1 Saudi Arábia 8.200,0 2 Rússia 5.170,0 3 Iran 2.800,0 4 United Arab Emirates 2.703,0 5 Nigéria 2.473,0 6 Kuwait 2.356,0 7 Norway 2.310,0 8 Canadá 2.225,0 9 México 2.204,0 10 Venezuela 2.203,0 Fonte: CIA (https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2176rank.html) Um novo fornecedor de 2 milhões de barris pode constituir alternativa interessante para alguns países importadores. Se os esforços para a redução do consumo de petróleo nos países desenvolvidos forem consistentes, poder contar com 2 Mb/dia de um fornecedor seguro será atraente para os EUA, China e União Européia. Exportações nessa magnitude podem atender 10% do mercado americano e ainda representar considerável proporção (e.g., 20%) do mercado de vários outros países (Tabela 12). Neste sentido, não é improvável o desenvolvimento de contratos de longo prazo, especialmente considerando o papel proeminente da Petrobras e da empresa estatal prevista nos projetos de lei enviados ao Congresso Nacional no final de 2009. Caso a demanda doméstica continue a crescer fortemente, o excedente disponível do pré-sal teria pouco impacto no mercado internacional. No caso de se considerar os cenários de demanda interna tendencial, o excedente do Brasil corresponderia a um terço das exportações da Venezuela e 6% das importações 24 americanas. Ou seja, dado o crescimento de produção previsto pelo MME, caso a tendência da demanda interna se mantenha nos próximos anos, o país ainda teria uma participação pequena no comércio mundial de petróleo. Nos cenários 3 e 4, ainda que o Brasil não fosse se tornar um dos 5 maiores exportadores do mundo, a sua produção poderia grande valor estratégico. Tabela 12 – Maiores Importadores de Petróleo (MB/dia) 10 Maiores Importadores 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 United States 13.470,0 European Union 8.613,0 Japan 5.263,0 China 4.210,0 Korea, South 2.982,0 Germany 2.777,0 Netherlands 2.678,0 India 2.518,0 France 2.346,0 Italy 2.205,0 Fonte: CIA (https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2175rank.html) 5. Os riscos de deslocamentos macroeconômicos A produção de petróleo tende a combinar duas questões: o impacto nos preços relativos no desenvolvimento econômico e o risco de consumo excessivo. Um surto de produção tende a criar uma grande expansão das exportações, com reflexos na apreciação da moeda e efeitos sobre a competitividade de outros setores. O aumento da renda transiente decorrente de uma produção que um dia se esgota tende a promover o consumo excessivo, i.e., o país ou região tende a adotar um nível de consumo não sustentável. Os dois fenômenos não são únicos do petróleo e podem ser explicados com os instrumentos tradicionais da teoria econômica, mas são riscos bastante reais se não forem mitigados. A primeira questão decorre do rápido crescimento de determinado setor tender a alterar a distribuição de fatores na economia, resultando em desemprego e declínio de outros setores. Dependendo da rigidez da economia, isto pode também resultar em desaceleração econômica e desemprego persistente para toda a economia. Esse quadro pode atingir mesmo economias avançadas, indo além da discussão da “benção e maldição” das matérias primas que procura às vezes pautar 25 as tentativas de entendimento do maior ou menor desenvolvimento de países com grandes reservas minerais. O caso mais conhecido em países desenvolvidos foi o ocorrido na Holanda nos anos 1970, quando a descoberta de petróleo no mar do Norte junto com mecanismos de indexação salarial levou todo o país a enfrentar problemas de competitividade, agravados pela dificuldade dos setores não-petróleo ajustarem seus salários em ritmo diferente do setor petrolífero. De fato, quando um setor se desenvolve rapidamente, ele tende a pressionar o preço dos fatores que utiliza. Se a oferta desses fatores é rígida, seu preço sobe, o que afeta os outros setores, que não podem oferecer o mesmo preço e acabam diminuindo de tamanho. O segundo efeito, do excesso de consumo, se explica quando essa riqueza é vista como um bem coletivo. Em outras palavras, uma renda temporária privada tende a ser poupada porque o agente quer ter algo guardado para o futuro, quando a renda voltar a diminuir. Por outro lado, se essa renda é vista como coletiva e não há um mecanismo de coordenação do seu uso, a tendência será de consumo excessivo, visto que a poupança individual hoje não se converterá em renda futura (pois as pessoas não têm direitos individuais sobre essa renda). Uma terceira questão tem a ver com a volatilidade do preço e das receitas de petróleo. Neste caso, há também que considerar a questão da gestão de curto prazo, com vistas a amortizar flutuações de renda que gerem súbitas alterações na capacidade de consumo da população beneficiada, com efeito negativo sobre seu bem estar. Soma-se, assim, outro motivo para poupar as receitas de petróleo, além daquele de se preparar quando elas se extinguirem. Os problemas do consumo exagerado, dos incentivos setoriais, e do excesso de volatilidade podem ser reduzidos pela tributação. Essa funciona como uma “poupança centralizada”, que será devolvida se o governo desenvolver mecanismos de poupança e investimento de longo prazo da mesma, garantindo a suavização e extensão temporal do perfil de consumo, com devolução da poupança para a sociedade no futuro. Essa é a justificativa econômica para um “fundo de petróleo”. A tributação e a existência de um fundo também ameniza os problemas do curto prazo, o que é bem demonstrados por alguns fundos de compensação anti-cíclica existente ao redor do mundo. A relevância dessas questões é proporcional ao tamanho do setor do petróleo na economia em questão. No caso do câmbio, esse efeito se mede bem pelo tamanho das exportações como proporção das exportações totais ou das exportações em relação ao PIB. Há países em que essas frações são extremamente significativas, com as exportações de petróleo correspondendo a mais de 30% do PIB (Tabela 13). 26 Tabela 13 – Produção e Exportação de Petróleo como proporção do PIB e das Exportações Totais considerando preço de US$ 70/barril de óleo País Iraque Gabão Azerbaijão Arábia Saudita Kuwait Angola Líbia Brunei PIB (A) 90,9 14,5 46,4 481,6 158,1 83,4 100,1 14,6 Produção Óleo (B) 61,8 6,2 28,1 235,1 66,8 48,8 47,1 4,9 Algéria Nigéria Omã Bahrain Emirados Árabes Catar Cazaquistão Irã Equador 159,7 214,4 52,6 21,2 260,1 102,3 132,2 344,8 52,6 55,5 60,1 19,4 1,2 75,3 28,7 36,9 120,1 13,1 Venezuela Noruega 319,4 456,2 Rússia México Canadá Colômbia África do Sul Reino Unido Brasil (c/ PréSal) Índia Austrália Brasil Indonésia China Estados Unidos ERJ (s/ PréSal) Exp. Total Exp. Óleo Prod./PIB XT XO (C) (D) B/A 66,1 46,76 68,0% 9,3 6,53 42,9% 30,6 20,33 60,5% 309,8 209,51 48,8% 60,2 42,2% 67,2 31,43 58,5% 60,3 37,18 47,1% 8,3 5,11 33,8% 78,2 XO/PIB XO/XT D/A 51,4% 45,0% 43,8% 43,5% 38,1% 37,7% 37,1% 35,1% D/C 70,7% 69,9% 66,5% 67,6% 60,2% 46,8% 61,7% 61,9% 37,7 17,5 210,5 55,1 72,0 95,1 19,2 47,11 63,19 15,17 6,1 69,06 26,21 31,58 71,54 10,77 34,8% 28,0% 36,9% 5,8% 29,0% 28,1% 27,9% 34,8% 24,9% 29,5% 29,5% 28,8% 28,7% 26,5% 25,6% 23,9% 20,7% 20,5% 40,2% 34,9% 32,8% 47,6% 43,9% 75,2% 56,3% 68,1 65,5 93,5 168,8 56,29 59,02 21,3% 14,4% 17,6% 12,9% 60,2% 35,0% 1.676,6 1.088,1 1.511,0 240,7 277,2 255,0 89,5 87,5 15,0 5,1 471,6 291,3 459,1 38,6 132,09 56,31 56,85 7,51 6,84 15,2% 8,2% 5,8% 6,2% 1,8% 7,9% 5,2% 3,8% 3,1% 2,5% 28,0% 19,3% 12,4% 19,5% 2.674,1 43,2 464,9 44,69 1,6% 1,7% 9,6% 2.440,0 1.209,7 1.010,7 1.572,8 511,8 4.401,6 14.264,6 91,5 22,5 15,3 45,8 25,0 95,2 216,1 197,9 176,4 190,2 197,9 35,13 11,52 8,62 10,84 2,17 10,19 29,77 3,7% 1,9% 1,5% 2,9% 4,9% 2,2% 1,5% 1,4% 1,0% 0,9% 0,7% 0,4% 0,2% 0,2% 17,8% 6,5% 4,5% 5,5% 204,8 37,5 1.291,0 2,3% 18,3% Fontes: (https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2176rank.html). O valor das exportações foi obtido multiplicando a quantidade exportada pelo preço convencional de US$ 70/barril. Para a exportação do Pré-Sal foi utilizada a previsão de exportações em 2017 do PDE 2008 – 2017. 27 Comparado com outros produtores, o peso das exportações de petróleo do Brasil são pequenas em proporção do PIB ou das suas exportações totais (aqui se está falando de exportação bruta—a exportação líquida seria ainda menor). Mesmo que se duplicasse a produção, e se considerasse um excedente importante de petróleo, da ordem de 1,375 milhões de barris/dia, a proporção desse comércio em relação ao PIB brasileiro ainda seria pequena. Mesmo sendo o Brasil um país bastante fechado, até pelo tamanho da sua economia, essas exportações continuariam a ser uma proporção relativamente pequena das exportações totais, da ordem de 15% apenas das exportações de 2008. Como contraste, as exportações de petróleo correspondem a 35% das exportações totais da Noruega e 28% da Rússia, sem contar frações muito mais altas nos grandes produtores de petróleo, especialmente aqueles que ainda não criaram uma grande indústria de refino no país (como no caso dos Emirados Árabes, onde as exportações de óleo cru hoje correspondem a apenas 33% das exportações totais, aí incluídas as de derivados de petróleo). Caso as exportações totais brasileiras continuem crescendo, ainda que a ritmo mais lento que nos últimos 10 anos, a contribuição do petróleo para as exportações totais seria ainda menor. O refino in loco também explica como as exportações de petróleo da Arábia Saudita representam apenas 43,5% do seu PIB. O papel do petróleo no Brasil deverá continuar sendo mais parecido com aquele em países desenvolvidos do que em grandes produtores com uma economia pouco diversificada. Como discutido acima, está-se falando de menos de 5% no caso do Brasil, algo, mais uma vez, muito abaixo da presença do Petróleo na economia russa, ou dos grandes exportadores. Uma comparação mais adequada seria com o Reino Unido, cuja produção na faixa de US$ 40 bilhões/ano é mais ou menos equivalente à do Brasil, assim como o tamanho da sua economia. Ou seja, certamente, mesmo com o pré-sal, a produção de petróleo no Brasil traz mais um elemento para fortalecer o balanço de pagamento do país, e contribuir com emprego e oportunidades. Mas dificilmente irá criar um grande viés na alocação geral de recursos. O tamanho das exportações de petróleo em relação ao PIB brasileiro ajuda a por em perspectiva a discussão sobre “benção e maldição” dos recursos naturais7. Essa qualificação foi dada pela literatura que procura explicar e corroborar a existência de uma correlação negativa entre a abundância daqueles fatores e o crescimento 7 Ver por exemplo: AFONSO, José Roberto Rodrigues; Gobetti, Sérgio Wulff. Rendas do Petróleo no Brasil: Alguns Aspectos Fiscais e Federativos. REVISTA DO BNDES, V. 15, N. 30, P. 231‐269, DEZ. 2008 e CRUZ, Bruno de Oliveira; RIBEIRO, Márcio Bruno. Sobre Bênçãos e Maldições: é possível gerir recursos naturais de forma sustentável? Uma análise sobre os royalties e as compensações financeiras no Brasil. Texto para Discussão nº1412. Rio de Janeiro, julho de 2009. 28 econômico. Essa literatura sofre de inúmeras dificuldades, visto que nunca se discutiu se a abundância de carvão na Inglaterra foi uma maldição ao país (pode ter sido para algumas regiões da ilha), ou se a riqueza de recursos nos Estados Unidos também atrapalharam o desenvolvimento ali (que a riqueza incentiva situações diversas é claro—só no Sul onde havia um excedente agrícola grande valia a pena economicamente ter escravos). Aliás, considerando a diversidade da base industrial e da matriz produtiva do Brasil, especialmente quando comparada a da maioria dos países produtores de petróleo, é difícil considerar que o risco de estagnação seja extraordinário para o Brasil em conseqüência da descoberta do pré-sal. Ainda mais quando se considera a quantidade de investimentos que essa produção irá requerer e a perspectiva que boa parte desse investimento se dê com recursos e fatores domésticos. É difícil imaginar o Brasil, no seu conjunto, como sujeito a uma “doença holandesa”. Mesmo se o incremento da produção do pré-sal ocorresse hoje, o Brasil só subiria uma posição no ranking de economias dependentes do petróleo, ficando ainda atrás de Canadá, México, Rússia e Noruega. Mesmo comparando a produção duplicada com o Pré-Sal com nosso PIB atual, o país sequer teria uma matriz produtiva mais dependente em petróleo que o México, que não é tipicamente relacionado como um exemplo da tese “benção e maldição” dos recursos naturais, apesar dos notórios desequilíbrios fiscais causados pela extração de renda da PEMEX pelo setor público mexicano. Também do ponto de geração de receita tributária, a produção do petróleo tem um alcance limitado no âmbito nacional. Considerando um government take (a parte da produção apropriada diretamente pelo governo) da ordem de 65%8 sobre a produção de petróleo, essa renda equivaleria a menos de 2% do PIB. Seja qual for a regra de partilha desses recursos, ela é relativamente pequena em relação à base tributária do país e aos gastos públicos.9 Hoje, a carga tributária do setor público consolidado alcança 36%10 do PIB. Só o Imposto de Renda representa 7% do PIB, sendo ¼ desse valor distribuído para os Estados, notadamente da Região Nordeste (outro ¼ é distribuído para os municípios, também com preponderância para as Regiões Norte e Nordeste). Ou seja, conquanto o government take seja importante para os entes produtores que tem que atender demandas de infra-estrutura ligadas à 8 GAO‐07‐676R Oil and Gas Royalties United States Government Accountability Office; Washington, DC, May 1, 2007. 9 Essa analise será aprofundada em nota técnica em elaboração. 10 Receita Federal 29 produção e às mudanças demográficas que ela traz (trânsito, habitação, sanemanto) e corrigir as distorções na base tributária (concentração de recursos em áreas que não geram ICMS), o total desses recursos é flagrantemente insuficiente para se fazer uma política redistributiva minimamente eficaz. Assinale-se que uma política redistributiva para ser eficiente tem derivar de uma “otimização global”, onde se considere de uma vez só todos os recursos, porque se é trivial que mais dinheiro favorece a quem o recebe, não deriva daí que isso seja o melhor para o conjunto do país, isto é para a Federação. O Caso do Estado do Rio de Janeiro Ao contrário do impacto reduzido na economia nacional, o petróleo tem um impacto significativo na economia do Estado do Rio de Janeiro. A produção atual de petróleo já representa 18% do PIB fluminense. Assim, se o Rio fosse um país, poderia ser classificado como fortemente dependente do petróleo, de forma semelhante à Noruega ou Rússia. Ou seja, o Rio de Janeiro, encarado de forma individua é, sim, suscetível à doença holandesa, e deve ter recursos adequados para combatê-la. Em particular, o tipo de deslocamento de fatores, e demanda de infraestrutura causada pela expansão do petróleo necessita a existência de receitas públicas associadas que possam mobilizar recursos para acomodar esse deslocamento e atender essa demanda. Este é uma das razões fundamentais porque parte da receita fiscal da produção do petróleo tem obrigatoriamente que ser revertida para a região produtora, como previsto no Artigo 20 da Constituição Federal do Brasil, e aplicado na maior parte dos países produtores de petróleo, tanto aqueles federativos, quanto os unitários. A atividade de petróleo pressiona recursos escassos (capital humano, terras) e gera desvios de recursos para um setor que não gera impostos para o Estado. Esse desvio aumenta os custos relativos de outras atividades, cuja produtividade diminui. Apesar de não discutir o assunto com freqüência, pode-se afirmar com base na teoria econômica que a baixa participação de outras indústrias no PIB fluminense em parte já decorre da expulsão indireta promovida pelas indústrias da cadeia de petróleo nos últimos anos, que disputam o mesmo pool de recursos com outros setores produtores de bens comercializáveis. Ou seja, porque nem capital nem trabalho são totalmente elásticos, a maior demanda e oportunidades no setor do petróleo já afetou a estrutura da economia do Estado. A produção de petróleo, que não gera impostos para o Estado, desvia recursos de outras atividades que geram ICMS. A “benção” do petróleo pode virar uma “maldição”, a nível subnacional, por atrofiar setores que contribuem para a base tributária do Estado. Esse 30 mecanismo se intensificará com o pré-sal. Por exemplo, a demanda por áreas retroportuárias de firmas na cadeia de petróleo, tenderá a elevar o valor da terra na área de Itaguaí, com efeitos negativos sobre outros investimentos na região, que tenderiam a gerar ICMS. A demanda por profissionais tem o mesmo efeito, diminuindo a capacidade de outros setores (um exemplo “ululante” é a inabilidade da indústria do açúcar voltar no Norte do Estado, por ter que competir com as oportunidades de trabalho em Macaé, etc.). A volatilidade da indústria de petróleo é outro motivo porque o Estado precisa extrair receitas dessa produção. Apesar da produção no Estado do Rio de Janeiro estar em grande parte na mão de um concessionário não especulativo, as variações de preço do petróleo têm efeitos nos preços dos fatores, além de sobre outras receitas públicas. De modo mais geral, sabe-se que economias muito especializadas acabam tendo ciclos de expansão e contração mais acentuados do que economias mais diversificadas. Isso traz conseqüências importantes no bem estar da população, com flutuações no emprego e na riqueza geral circulada na economia. Sendo o Estado parte da Federação, é evidente que a política monetária do país não irá se ajustar aos ciclos eventualmente produzidos pelo petróleo. O Banco Central não vai reduzir a taxa de juros apenas porque o estado do Rio de Janeiro encontra-se em recessão. É nesse sentido que o Estado ter um instrumento fiscal, na forma de receitas baseadas no petróleo, acumuladas em um fundo gerido pelo Estado tem papel importante em amortecer flutuações de preço do petróleo. A autonomia de Estados para criarem fundos de reservas é uma realidade em países democráticos em que a produção de petróleo é importante em termos absolutos, mas pequenas em relação ao PIB nacional. Alberta, província canadense produtora de petróleo, fica com uma proporção muito substancial dos royalties da sua produção, destinando essa fração para um fundo. Esse fundo visa servir como colchão nas oscilações bruscas de preço, possibilitando manter os serviços do estado (e despesas com transferências às famílias) mesmo quando o preço do petróleo cai. O mesmo é verdade no Alaska, estado dos EUA, produtor de petróleo, e que se apropria de grande parte das receitas com a produção de petróleo. Neste caso, a receita vem da capacidade do estado cobrar imposto sobre a renda das empresas de petróleo (de forma concorrente com o governo federal). No caso do Rio de Janeiro, o instrumento para permitir um mínimo de bem estar e segurança à população são as participações governamentais previstas no Artigo 20 da CF. Como sabido, o ERJ não recebe ICMS pela produção do petróleo, nem pode lançar imposto de renda sobre as empresas concessionárias operando no seu território (o que segundo a Constituição Federal, inclui a plataforma continental confrontante). Por isso, as participações governamentais previstas no Artigo 20 da CF são tão importantes. 31 Como nos países desenvolvidos, o Estado do Rio destina as receitas de petróleo para um fundo, que permite amortizar os efeitos sobre o orçamento das flutuações de preço típicas do setor. Como economia dependente, e considerando a transitoriedade da receita de petróleo, o ERJ desenvolveu ferramentas de poupança similares aqueles estados e países cuja atividade econômica seja petróleodependente, como a Noruega, país tomado por modelo por muitos. A maior parte das receitas de petróleo do Estado do Rio de Janeiro é direcionada para o fundo de previdência estadual RIOPREVIDENCIA. Este fundo está sujeito a uma governança extremamente forte, com gestores profissionais, certificados pela ANBIMA, aderente ao código de ética desse auto-regulador do sistema financeiro, e isolados das pressões políticas. Outra parte, de 5%, das receitas, é remetida para um fundo fiscal destinado a investimentos em conservação ambiental (FECAM). Esse fundo tem um importante impacto inter-generacional, resgatando alguns dos estragos ocorridos nos últimos anos e preparando o Estado para desenvolver uma economia sustentável. Em anos recentes se destaca o financiamento da limpeza das Baias da Guanabara e Sepetiba, e de lagoas como a de Jacarepaguá e Saquarema, além do crescente investimento na boa administração dos resíduos sólidos. Conclusão • As estimativas do plano de negócios da Petrobrás em conjunto com as estimativas do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) apontam que a produção de petróleo irá dobrar no país até 2017. • A partir de 2013 os campos atuais vão diminuir de importância, resultando que metade da produção nacional em 2020 já virá de campos do pré-sal (tipicamente já licitados); em 2035 mais de ¾ da produção estará vindo do pré-sal, indicando que qualquer decisão sobre a extração de renda desses campos pelo setor público terá grande conseqüência para os estados produtores. • Comparado com economias como Venezuela, Noruega e Nigéria, o Brasil continuará pouco dependente desse produto; nesse sentido, a criação de um fundo para a receita do petróleo não parece particularmente necessária. • O valor da produção do pré-sal deve ficar na faixa de 3%-5% do PIB. Ele não deve ser tão grande que cause distorções a níveis nacionais, mas ajudará a dar suporte ao balanço de pagamentos; dependendo das políticas de conteúdo nacional, o pré-sal pode ter um efeito multiplicativo significativo. Comparada com setores específicos, como produção manufatureira, o petróleo em 2020 será maior que a indústria automobilística brasileira hoje e ultrapassará o valor agregado atual da agricultura. 32 • O aumento do valor das exportações devido ao pré-sal, por outro lado, será pequeno em relação ao crescimento de 300% das exportações brasileiras observado na década de 2000. Assim, os riscos de uma doença holandesa a nível nacional são baixos. • Os estados produtores precisam de receitas de petróleo porque precisam financiar a infra-estrutura necessária ao próprio desenvolvimento da indústria. Além disso, o petróleo tende a deslocar recursos, penalizando os outros setores da economia. • Devido à volatilidade das receitas de petróleo, essas devem ir para um fundo que permita amortizar os efeitos das flutuações de preço, como é o caso do fundo do Riopredência no Estado do Rio de Janeiro. 33 Bibliografia AFONSO, JOSÉ ROBERTO RODRIGUES; GOBETTI, SÉRGIO WULFF (2008). “Rendas do Petróleo no Brasil: Alguns Aspectos Fiscais e Federativos.” Revista do BNDES, v. 15, n. 30, p. 231-269, dezembro de 2008. BREGMAN, DANIEL (2007). “Formação, distribuição e aplicação de royalties de recursos naturais: o caso do petróleo no Brasil”. Dissertação de mestrado do Instituto de Economia da UFRJ. Rio de Janeiro. BRESSER-PEREIRA, L. C. (2008) “The Dutch Disease and its neutralization: a Ricardian approach.” Revista de Economia Política, v. 28, n. 1, São Paulo, janmar. CORDEN. W.M. & NEARY, J.P. (1982). “Booming sector and Dutch disease economics: a survey.” Economic Journal, Vol.92. CRUZ, BRUNO DE OLIVEIRA; RIBEIRO, MÁRCIO BRUNO (2009). Sobre Bênçãos e Maldições: é possível gerir recursos naturais de forma sustentável? Uma análise sobre os royalties e as compensações financeiras no Brasil. Texto para Discussão nº1412. Rio de Janeiro, julho de 2009. EBRAHIM-ZADEH, CHRISTINE (2003). “Dutch Disease: Too much wealth managed unwisely” Finance & Development Back to Basics. March 2003, Volume 40, Number 1. (Disponível em http://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2003/03/index.htm) GAO-07-676R (2007) Oil and Gas Royalties United States Government Accountability Office; Washington, DC. GYLFASON, T. (2001b) “Lessons from Deutch Disease: causes, treatment and cure.” Institute of Economic Studies, Working Paper n. 6, August. LARSEN, E. R. (2004) “Escaping the Resource Curse and the Dutch Disease? When and Why Norway Caught up with and Forged ahead of Its Neighbors.” Statistics Norway, Discussion Papers n. 377, maio. Nota Técnica 25/2009, “Projeção de Arrecadação de Royalties e Participações Especiais até 2028”. PEREIRA, E. A. (2007) “Doença Holandesa”, “Maldição dos Recursos” e Falha no Desenvolvimento Econômico: Há Indicações? Artigo apresentado no 4° 34 Fórum de Economia da Escola de Economia de São Paulo – FGV (Disponível em http://www.eesp.fgv.br/preview/papers/Edgard_Pereira.pdf). POSTALI, FERNANDO (2002). “Renda mineral, divisão de riscos e benefícios governamentais na exploração de petróleo no Brasil”. Rio de Janeiro, BNDES. POSTALI, F. A. S. (2002) “Relações entre governo e investidores na indústria do petróleo no Brasil: algumas considerações.” Revista do BNDES, v. 9, n. 17, Rio de Janeiro, junho. SACHS, J. D. & WARNER, A. M. (1999). “Natural resource intensity and economic growth.” In MAYER, Jörg; CHAMBERS, Brian & FAROOQ, Ayisha (Org.). Development policies in natural resource economies, Cap. 2. Edward Elgar, Cheltenham, UK, e Northampton, Massachusetts. SACHS, J. D. & WARNER, A. M. (2001). “The curse of natural resources.” European Economic Review, n. 45, p. 827-838. SACHS, JEFFREY. WARNER, ANDREW (1995). “Natural resource abundance and economic growth”. NBER Working Paper Series, n. 5398, dez 1995. STIGLITZ, JOSEPH E. (2005) “Transformando os recursos naturais em uma bênção em vez de uma maldição”. In: TSALIK, SVETLANA. SCHIFFRIN, ANYA. Reportando o petróleo: um guia jornalístico sobre energia e desenvolvimento. Open Society Institute: Nova York. SZKLO, A. S. ; SCHAFFER, R. ; MACHADO, GIOVANI (2007). “Future oil production in Brazil Estimates based on a Hubbert model.” Energy Policy, v. 34, p. 2360-2367, 2007. THE ECONOMIST (2008) “More bounty: could Brazil become as big an oil power as it is an agricultural one?” Edição de 17 de abril de 2008. (Disponível em http://www.economist.com/opinion/displaystory.cfm?story_id=11049391.) TORVIK, R. (2001). “Learning by doing and the Dutch disease.” European Economic Review, Vol.45. 35