PROCESSOS DE TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL Elisângela da Silva* RESUMO O presente artigo descreve os processos de trabalho do Assistente Social, baseado em sua formação teórica e prática. Discutir uma dada profissão, conseqüentemente, a sua intervenção profissional implica pontuar o caráter histórico de tal atuação: como surgiu, que interesses a moveram, ideais e modelos que serviram de base, como foi se constituindo na divisão sócio técnica do trabalho, através de conhecimentos específicos para atuar numa determinada realidade. A partir dessas indagações e questionamentos buscou-se pesquisar como ocorre efetivamente a construção do processo de trabalho do Assistente Social. Palavras-chaves: Assistente Social - Processos de Trabalho – Questão Social INTRODUÇÃO O Serviço Social tem sua origem na caridade social e na pobreza crescente da sociedade industrial do final do século XIX e início do século ______________________________ * Aluna do segundo semestre de Serviço Social da Universidade de Santa Cruz do Sul XX. Desde então a profissão tem passado por inúmeras modificações procurando romper com o mero assistencialismo, caminhando para uma atuação em prol da cidadania e na democratização dos serviços sociais. Um dos maiores desafios do Assistente Social na atualidade é de trabalhos que sejam criativos e eficientes em preservar e efetivar direitos, tendo como ponto de partida as demandas emergentes do cotidiano. 1 O PROCESSO DE TRABALHO O Serviço Social é uma profissão legitimada socialmente, isto significa que ele tem uma função social. As profissões são criadas para responderem às necessidades dos homens. O desenvolvimento das forças produtivas coloca as necessidades de novas profissões, assim como considera outras desnecessárias. Os Assistentes Sociais, inseridos no mercado de trabalho, atuam desenvolvendo ações que tem um produto, produto social com dimensões econômicas e políticas. O Serviço Social no Brasil, historicamente tem sido delimitado em virtude das conjunturas políticas e sócio-econômicas do país, sempre tendose em vista as perspectivas teóricas e ideológicas orientadoras da intervenção profissional: Historicamente o Assistente Social tem sido um dos agentes profissionais que implementam políticas sociais, especialmente políticas públicas, atuando na relação direta com a população usuária. Atualmente o mercado demanda a formulação de políticas públicas e a gestão de políticas sociais. (IAMAMOTO, 2003: 20) Com base nesta observação é importante destacar que o Assistente Social deve integrar, cada vez mais, equipes interdisciplinares, atuar no âmbito da formulação e implementação de políticas públicas e sociais, impulsadas pelo processo de municipalização, que esteja habituado ao mundo da informática e conheça as novas tecnologias e as formas de gestão administrativa. É necessário que o Assistente Social rompa com algumas barreiras burocráticas, tão comuns a essa profissão, para que possa ampliar sua área de atuação. E ainda tenha condições de propor ações efetivas, através da elaboração de projetos sociais, condizentes com a realidade do local onde ele está atuando. Para Iamamoto (2003), as possibilidades estão dadas na realidade, mas não são automaticamente transformadas em alternativas profissionais. Cabe aos profissionais apropriarem-se dessas possibilidades e, como sujeitos, desenvolvê-las transformando-as em projetos e frentes de trabalho. Como afirma Netto (1996, p. 89): As profissões não são só os resultados de processos macroscópicos devem também ser tratadas, cada qual como corpus teórico e políticos que condensam projetos sociais, onde emanam dimensões ideológicas que dão a direção aos mesmos processos sociais. Entendemos que o profissional de Serviço Social não pode se fechar em si mesmo, precisa ampliar os horizontes procurando compreender as mudanças que estão acontecendo no mundo. 1.1 OS COMPONENTES DO PROCESSO DE TRABALHO Desde o ano de 1937 até 1999, o Serviço Social realizou uma transformação no interior da profissão. Iniciou creditando aos homens a “culpa” pelas situações que vivenciavam, e acreditando que uma prática doutrinária, fundamentada nos princípios cristãos, era a chave para a “recuperação da sociedade”. Em 1999, passou a assumir uma postura marxiana, analisando que a forma de produção social é a causa prioritária das desigualdades – os homens, individualmente, não são desiguais, a forma de produção e apropriação do produto social é que produz as desigualdades, modo de produção este que deve ser reproduzido, para manter a dominação de classe. Foi um “salto” considerável para uma profissão que começou querendo moldar os homens de acordo com os princípios cristãos de respeito à autoridade, e, hoje, tem, nos homens, a autoridade máxima a ser respeitada; uma profissão que tinha nos homens o objeto do seu trabalho, e, hoje, entende que os homens são sujeitos da história. (FALEIROS, 1997) Para Iamamoto (2003), o objeto do Serviço Social, no Brasil, tem, historicamente, sido delimitado em virtude das conjunturas políticas e sócioeconômicas do país, sempre tendo-se em vista as perspectivas teóricas e ideológicas orientadoras da intervenção profissional. No início do Serviço Social no Brasil, 1937, o objeto definido era o homem, mas um homem específico: o homem morador de favelas, pobre, analfabeto, desempregado, etc. Enfim, entendia-se que esse homem era incapaz, por sua própria natureza, de “ascender” socialmente. Daí que o objeto do Serviço Social era este homem, tendo por objetivo moldá-lo, integrá-lo, aos valores, moral e costumes defendidos pela filosofia neotomista. (FALEIROS, 1997) Posteriormente, o Serviço Social ultrapassa a idéia do homem como objeto profissional. Passa-se à compreensão de que a situação deste homem – analfabeto, pobre, desempregado, etc. – é fruto, não só de uma incapacidade individual mas, também, de um conjunto de situações que merecem a intervenção profissional. O objeto do Serviço Social se coloca, então, como a situação social problema: “... o Serviço Social atua na base das inter-relações do binômio indivíduo-sociedade. [...] Como prática institucionalizada, o Serviço Social se caracteriza pela atuação junto a indivíduos com desajustamentos familiares e sociais. Tais desajustamentos muitas vezes decorrem de estruturas sociais inadequadas” (Documento de Araxá, 1965, p.11). Na década de 70, com a mobilização popular contra a ditadura militar, o Serviço Social revê seu objeto, e o define como a transformação social. Apesar do objeto equivocado, afinal a transformação social não se constitui em tarefa de nenhum profissional – é uma função de partidos políticos; o que este objeto, efetivamente, representou foi a busca, pelos Assistentes Sociais, de um vínculo orgânico com as classes subalternizadas e exploradas pelo capital. E é esta postura política que tem marcado os debates do Serviço Social até os dias atuais. (ABESS/CEDEPSS, 1996) Para a Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social, o Assistente Social convive cotidianamente com as mais amplas expressões da questão social, matéria prima de seu trabalho. Confronta-se com as manifestações mais dramáticas dos processos da questão social no nível dos indivíduos sociais, seja em sua vida individual ou coletiva (ABESS/CEDEPSS, 1996, p. 154-5). Não contraditória a esta concepção, temos IAMAMOTO, (1997, p. 14): Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais variadas expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam no trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social pública, etc. Questão social que sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem, se opõem. É nesta tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência, que trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno movido por interesses sociais distintos, aos quais não é possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade. [...] ... a questão social, cujas múltiplas expressões são o objeto do trabalho cotidiano do assistente social. Segundo FALEIROS, (1997, P. 37): “... a expressão questão social é tomada de forma muito genérica, embora seja usada para definir uma particularidade profissional. Se for entendida como sendo as contradições do processo de acumulação capitalista, seria, por sua vez, contraditório colocá-la como objeto particular de uma profissão determinada, já que se refere a relações impossíveis de serem tratadas profissionalmente, através de estratégias institucionais/relacionais próprias do próprio desenvolvimento das práticas do Serviço Social. Se forem as manifestações dessas contradições o objeto profissional, é preciso também qualificá-las para não colocar em pauta toda a heterogeneidade de situações que, segundo Netto, caracteriza, justamente, o Serviço Social”. Acreditamos que a proposta de Faleiros torne mais clara a nossa interpretação acerca da questão social. Pois qualificar a questão social significa apreender o que compete ao Serviço Social no âmbito da questão social. Se falarmos, por exemplo, nas expressões sociais da questão social, estaremos, minimamente, definindo um espaço de atuação profissional. Para Iamamoto (2003), as expressões sociais necessitam de uma reflexão contemporânea sobre o trabalho profissional, reflexão esta que permita identificar as expressões particulares da questão social, assim como os processos sociais que as reproduzem. Entendemos que, a cada situação, temos que reconstruir o objeto profissional. Entretanto, ele tem determinações mais amplas, e essa reconstrução tem por finalidade, apenas, garantir, no processo de intervenção, as particularidades de cada situação, inserida no contexto específico de onde se está atuando. Para VÁZQUEZ (1995, p.52), acerca do objeto de intervenção profissional: O objeto de intervenção do Assistente Social é o segmento da realidade que lhe é posto como desafio, aspecto determinado de uma realidade total sobre a qual irá formular um conjunto de reflexão e de proposições para intervenção. Os limites que configuram esse objeto são considerados uma abstração, uma vez que na realidade social o aspecto delimitado continua mantendo suas inter-relações com o universo mais amplo. Embora uma abstração, esse objeto não é produto ideal do pensamento: ele se constrói historicamente no real, na tensão permanente que existe entre o sujeito da ação que transforma (e ao mesmo tempo se transforma) e o segmento da realidade a ser transformado. Percebemos que a área de atuação dos Assistentes Sociais é, dada em instituições, sejam de natureza pública, privada ou do terceiro setor, tais como prefeituras, hospitais, associações de moradores, empresas, juizados, sindicatos, entidades patronais de Serviço Social, entre outros. A prática desses profissionais, sempre voltada para a mobilização em torno de recursos para atender determinadas carências, fundamenta-se principalmente na capacidade dos profissionais de articular ações que garantam o acesso do seu público alvo aos serviços sociais da entidade na qual estão inseridos. Dentre os aspectos material/objetivos que atravessam a intervenção profissional do Assistente Social temos as demandas. Estas, como expressões da questão social, são tanto diversificadas quanto antagônicas e possuem níveis, graus e naturezas. Também devem ser consideradas as condições postas pelas organizações institucionais e públicas nas quais o desempenho profissional se realiza (NETTO, 1996). 2 O ASSISTENTE SOCIAL E SEU COTIDIANO Os Assistentes Sociais são diariamente desafiados em suas possibilidades em gerar estratégias para atender a uma demanda cada vez maior de sujeitos fragilizados em suas possibilidades de trabalho e na obtenção de meios de sobrevivência. Atuar efetivamente na gerência de políticas públicas, gerenciando programas sociais, efetivamente voltados para a realidade na qual os sujeitos fragilizados vivem, são atribuições do Assistente Social. (IAMAMOTO, 2003) É necessário alargar os horizontes, olhar para frente, para que seja possível haver uma sintonia entre o Serviço Social e a atualidade; não para perder ou diluir as particularidades profissionais, mas, ao contrário, para enxergá-las com maior nitidez: Um dos maiores desafios que o Assistente Social vive no presente é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano (IAMAMOTO, 2003) O Serviço Social é considerado como uma especialização do trabalho e a atuação do Assistente Social uma manifestação de seu trabalho, inscrito no âmbito da produção e reprodução da vida social. Esta reprodução está relacionada não apenas na dimensão econômica, mas na reprodução das relações sociais de sujeitos, grupos e classes sociais. Relações estas que envolvem poder, sendo relações de luta e confronto entre classes e segmentos sociais. Abrangendo ainda, formas de pensar, isto é, formas de consciência, através das quais se apreende a vida social (FALEIROS, 2001) 2.1 O TRABALHO NO COTIDIANO Para Iamamoto (2003), o exercício da profissão de Assistente Social é uma ação de um sujeito profissional que tem competência para propor, para negociar com a instituição os seus projetos, para defender o seu campo de trabalho, suas qualificações e funções profissionais. Requer, pois, ir além das rotinas institucionais e buscar apreender o movimento da realidade para detectar tendências e possibilidades nela presentes passíveis de serem impulsionadas pelo profissional. Segundo Faleiros (1997), a questão do objeto profissional pode ser visualizada a partir da referência às relações estruturais supertruturais do poder e às suas manifestações concretas nas relações do dia-a-dia. O poder, em si, é uma relação. Relações complexas, que passam pelos processos de hegemonia e contra-hegemonia. Seja no âmbito institucional ou não, as relações de poder perpassam o cotidiano dos indivíduos e coletivos na particularidade do processo de fragilização de uma mediação das relações complexas que envolvem tanto a identificação social e culturais como a autonomia, a cidadania, a organização, a participação social. O foco da intervenção social se constrói nesse processo de articulação do poder dos usuários e sujeitos da ação profissional no enfrentamento das questões relacionais complexas do dia, pois envolvem a construção de estratégias para dispor de recursos, poder, agilidade, acesso, organização, informação, comunicação. É nessas contradições que se vai desconstruir e construir sua identidade profissional e o objeto de sua intervenção profissional, nas condições históricas dadas, com os sujeitos da ação profissional (FALEIROS, 2001). Acreditamos que o desafio para o Serviço Social como profissão no século XXI, é de participar como um agente ativo na formulação de políticas públicas, inserido em equipes interdisciplinares, atuando no mundo da informática, vinculando-se nas redes mundiais. Capacitando-se permanentemente e abordando também as novas técnicas e discursos gerenciais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao término deste artigo, consideramos alguns aspectos relativos ao processo de trabalho que a Assistente Social vivência em seu cotidiano. Entendemos que a construção do processo de trabalho do assistente social no cotidiano se realiza por meio de várias interações, sejam elas relações internas e externas, na inter-relação do profissional com os usuários, colegas, instituição e demais profissionais. Observamos que a construção do processo de trabalho do Assistente Social demonstra as manifestações concretas do fazer Serviço Social, numa determinada realidade, explicitando uma questão importante na profissão, que é a especificidade e nesse sentido, a construção do processo de trabalho do Assistente Social tem a ver com as questões da construção de si próprio, enquanto 'ser humano', ser social, que interage transformando e sendo transformado. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 1. IAMAMOTO, M.V Serviço Social na Contemporaneidade. São Paulo, Editora: Cortez, 2003 2. FALEIROS, Vicente. Estratégias em Serviço Social. São Paulo, Editora: Cortez, 1997 3. VÁZQUEZ, A. S. Filosofia da Práxis. Rio de Janeiro, Editora: Paz e Terra, 1977 ed. 2 4. NETTO, J. Transformações Societárias e Serviço Social. In: Serviço Social e Sociedade, São Paulo, Editora: Cortez, 1996 5. ABESS/CEDEPSS. Proposta básica para o projeto de formação profissional. Serviço Social & Sociedade, XVII (50): 143-71. São Paulo, Cortez, abr. 1996 6. DEBATES Sociais. Documento de Araxá. Rio de Janeiro, no. 4, maio 1967