Serviço Social e a Questão Social Professora: Marcelle da Silva Coelho Outubro/2014 O que é a Questão Social ? A questão social tem sido colocada como objeto do Serviço Social. Entretanto para que se possa entender a origem de tal afirmativa, é necessário que se entenda qual o conceito do termo questão social, bem como as expressões da questão social, iremos nesse primeiro momento conhecer também quando surgiu tal termo, suas origens e expressões desde o século passado. A concepção de questão social mais difundida no Serviço Social é a de CARVALHO e IAMAMOTO, (1983, p.77): “A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por patê do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão”. Temos ainda a concepção exposta por TELES, (1996, p.85): “... a questão social é a aporia das sociedades modernas que põe em foco a disjunção, sempre renovada, entre a lógica do mercado e a dinâmica societária, entre a exigência ética dos direitos e os imperativos de eficácia da economia, entre a ordem legal que compromete a igualdade e a realidade das desigualdades e exclusões tramada na dinâmica das relações de poder e dominação”. Um breve relato sobre o surgimento da Questão Social Pobres Índios Questão Social Mulheres Negros Imigrantes O surgimento da questão social tem ligação direta no que diz respeito à generalização do trabalho livre numa sociedade em que a escravidão marca profundamente seu passado recente. Trabalho livre que se generaliza em circunstâncias históricas nas quais a separação entre homens e meios de produção se dá em grande medida fora dos limites da formação econômicosocial brasileira. Sem que se tenha realizado em seu interior a acumulação (primitiva) que lhe dará origem, característica que marcará profundamente seus desdobramentos. Os anos 30 até meados dos anos 70 marcaram uma ampla extensão da economia capitalista, sob a liderança do capital industrial, apoiada em uma organização da produção de bases tayloristas e fordistas, como estratégias de organização e gestão do processo de trabalho. Redundaram em ganhos de produtividade e algum reconhecimento do poder sindical da classe operária. A estratégia era uma organização de produção em massa e em série para um consumo massivo, a qual existia uma rígida divisão de tarefas entre executores e planejadores, onde foi constituída a figura do “operário massa”. Esse tipo de organização teve origem com Henry Ford na indústria automobilística, e marcou o período pós-guerra, complementado com politicas anticíclicas levadas a efeito pelo Estado, impulsionadoras do crescimento econômico. Para o Estado uma forma de impulsionar a produção era a ampliação de mercados e preservação do poder aquisitivo da população, o que gerava consumo e dinamizava a economia. Mas para atingir tais metas, era necessário que se criasse uma política voltada para a expansão do emprego, que tivesse um padrão salarial que fosse negociado com as diversas categorias de trabalhadores, através das representações sindicais. Após acordo entre Estado e essas representações sindicais, foram viabilizados salários indiretos por meio de políticas sociais públicas, operando uma rede de serviços sociais, que permitisse liberar parte da renda monetária da população para o consumo de massa e consequente dinamização da produção econômica. Essa implantação da rede pública de serviços sociais é parte da chamada regulação keynesiana da economia, uma das estratégias de reversão das crises cíclicas do capitalismo no pós-guerra. Todo esse padrão de desenvolvimento veio a possibilitar avanços no campo do bem-estar social, mas isso de seu prioritariamente em países de primeiro mundo, com o chamado welfareState. Os brasileiros não chegaram a experimentar esse bem-estar, pelo contrário, viveu o que (OLIVEIRA, 1982) chamou de Estado do Mal-Estar Social. Dentro dessa lógica falida de economia, a questão social era o homem, mas com particularidades: era o analfabeto, morador de favela, desempregado, alcoólatra, etc. Então o objeto do Serviço Social era esse homem, e o objetivo era transformá-lo, integrando-o aos valores, moral e costumes defendidos pelo Estado. A questão social como objeto do serviço social Posteriormente é que o Serviço Social ultrapassa essa ideia do homem como objeto profissional. Compreende-se que a situação desse homem, é fruto não só de uma incapacidade individual, mas também de um conjunto de situações que merecem a intervenção profissional. IAMAMOTO, (1997, p.14), define o objeto do Serviço Social nos seguintes termos: “Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais variadas expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam no trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social pública, etc. Questão social que sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem, se opõem. É nesta tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência, que trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno movido por interesses sociais distintos, aos quais não é possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade. [...] ... a questão social, cujas múltiplas expressões são o objeto do trabalho cotidiano do assistente social”. É indiscutível a inserção da intervenção do Serviço Social no âmbito das desigualdades sociais, ou, mas especificamente, da questão social. Porém, o que se deve questionar aqui é se a questão social, ou suas expressões se constituem no objeto de uma única profissão? Pois, quando se dá a questão social objeto único do Serviço Social, destitui-se toda a abrangência do conceito questão social, ou então intitula o Serviço Social como o único capaz de atuar nas mudanças e transformações da sociedade. As diversas interfaces da questão social A partir do momento em que refletimos sobre a abrangência da concepção de questão social, chegamos à conclusão que as mais diversas profissões têm suas atuações determinadas por ela: o advogado que é defensor público, ou os que atendem pessoas carentes para defender seus direitos; o médico que trata os problemas de saúde que estão correlacionados com a violência, fome, acidentes de trabalho, etc; o psicólogo que trabalha o individuo e suas relações conflituosas com o meio em que vive, devido a cultura, pobreza, violência, etc; o engenheiro que projeta habitações a baixo custo, enfim, os mais diversos profissionais, que também atuam nas expressões da questão social. Atualmente vive-se o que chamamos de uma terceira revolução industrial, que precede profundas transformações mundiais. Assim como em etapas anteriores do desenvolvimento industrial, todas essas mudanças tecnológicas gerou uma ampla expulsão da população trabalhadora de seus postos de trabalho. Segundo IAMAMOTO, (2007, p.33) “Atualmente, segmentos cada vez maiores da população tornam-se sobrantes, desnecessários. Essa é a raiz de uma nova pobreza de amplos segmentos da população, cuja força de trabalho não tem preço, porque não têm mais lugar no mercado de trabalho.” Esse fenômeno não é exclusividade do Brasil, ou apenas de países de terceiro mundo. Hoje isso acontece até em países desenvolvidos em que praticamente não se ouvia falar em desemprego. Acontece um descarte da mão de obra, dentro de uma economia totalmente capitalista, onde as populações das camadas mais pobres já nascem estigmatizadas e fardadas a uma realidade social de sofrimento e desigualdade. Violência Pobreza Questão Desemprego Fome Social Desigualdade Educação social precária A atuação multiprofissional no combate às manifestações da questão social Como já citado anteriormente, sendo a questão social uma categoria que expressa de forma clara as desigualdades geradas pelo modo de produção capitalista, ela se colocaria, também, como objeto de todos aqueles que apostam no capitalismo como a forma perfeita de produção da vida social. Por isso a temos tão bem expressada nas políticas sociais, econômicas, culturais, ou seja, em todas as esferas e camadas do governo e sociedade. É a partir dessa premissa que se faz importante o trabalho multiprofissional dentro desta temática. O Estado criou e vem criando, diversos programas que visam diminuir as manifestações e/ou expressões da questão social em todas as esferas governamentais e em todos os campos de atuação política: saúde, social, jurídico, educação, entre outros. O exclusivismo em que se tinha apenas uma profissão de referência em cada área foi dando espaço para um debate interdisciplinar, em que a soma de conhecimentos leva ao bem estar do cidadão, e a uma boa execução do projeto proposto. É importante, contudo ressaltar que é preciso realmente que se tenha o profissional específico de forma obrigatória na execução desses programas, pois, a base norteadora será esse profissional e seu conhecimento teórico aprofundado sobre o assunto. Segundo FALEIROS, (1997, p.37): “... a expressão questão social é tomada de forma muito genérica, embora seja usada para definir uma particularidade profissional, Se for entendida como senda as contradições do processo de acumulação capitalista, seria, por sua vez, contraditório colocá-la como objeto particular de uma profissão determinada, já que se refere a relações impossíveis de serem tratadas profissionalmente, através de estratégias institucionais/relacionais próprias do próprio desenvolvimento das praticas do Serviço Social. Se forem as manifestações dessas contradições o objeto profissional, é preciso também qualificá-las para não colocar em pauta toda a heterogeneidade de situações que, segundo Netto, caracteriza, justamente, o Serviço Social. Capitalismo: Modelo de Estado Moderno ou Exploração Humana? O capitalismo como modo de produção é o resultado de um processo histórico, no qual a lógica do valor organiza cada vez mais intensamente as relações sociais, políticas, econômicas e culturais (BEHRING, 2003), em substituição às formas feudais de organização da sociedade. Marx (1982, p. 75) define o capitalismo como “uma sociedade de produtores de mercadorias”, constituída de homens “livres” para negociar seus produtos, sejam estes a força de trabalho, os meios de subsistência ou os instrumentos de produção. No capitalismo, as relações de troca entre os produtores das mercadorias assumem a forma de uma relação social entre os produtos do trabalho e não entre homens. Refletem uma relação social dos produtores com o trabalho total e indiferenciado, como uma relação existente fora deles. Tal fenômeno é denominado por Marx (1982) de fetichismo da mercadoria, por meio do qual as relações de produção se mistificam e aparecem como se fossem relações entre mercadorias. Entretanto, na essência, são relações entre classe sociais antagônicas, construídas entre os que vendem sua força de trabalho e os que detêm os meios de produção. As relações sociais no capitalismo caracterizam-se pelo antagonismo entre duas classes fundamentais: a burguesia, compreendida pelos que detém os meios de produção e empregam o trabalho assalariado; e o proletariado, isto é pela classe trabalhadora assalariada, que é privada dos meios de produção e se vê obrigada a vender sua força de trabalho para sua subsistência (MARX & ENGELS, 1998). O trabalhador participa do processo de trabalho de forma fragmentada e não detém o controle sobre sua totalidade e nem ao menos sobre o produto do seu trabalho. Este produz um valor a mais do que o valor de uso do produto, que é apropriado pelo capitalista. Este, por sua vez, destina um salário ao trabalhador para sua sobrevivência física e capacidade de continuar produzindo, que não corresponde ao total do valor que o capitalista receberá pelo produto no ato da troca. Tais fenômenos consubstanciam-se na produção. Dentro dessa temática é preciso entender que a questão social e suas expressões estão diretamente ligadas a um viés capitalistas, onde temos o enriquecimento crescente de uma minoria, e em contrapartida a maioria da sociedade cada vez mais pobre. Nesse contexto, as expressões da “questão social” traduzem-se em uma potencialização do fetichismo da mercadoria com a banalização do humano, da satisfação das necessidades sociais e dos dilemas do trabalho. Soma-se o crescimento das desigualdades sociais, a regressão de direitos civis e sociais, a desregulamentação das relações de trabalho e a ascensão de políticas de ajuste estruturais preconizadas pelos países imperialistas (IAMAMOTO, 2007). O governo vem ao longo do tempo criando programas que segundo apresentado visam chegar a uma sociedade igualitária, entretanto ainda falta muito para que o indivíduo possa entender a necessidade de assumir o protagonismo de suas ações como forma de melhoria da condição de vida, por outro lado visualiza-se um Estado capitalista de desvalorização cada vez mais crescente de mão de obra, ao mesmo tempo em que a economia inflaciona bens de consumo essenciais. E as novas gerações que serão futuros formadores de opinião, estão cada vez mais certos que as relações sociais estão diretamente ligadas às relações de consumo, ‘O ter mais importante que o ser”. Esse é o grande desafio do Serviço Social no século XXI, trabalhar a “erradicação” da questão social ao mesmo tempo em que conscientiza sociedade e Estado de que todas as ações de melhoria devem acontecer em conjunto, para que tenham eficácia. Reflexão para sala de aula Programas de Transferência de renda – O que é? Comodismo ou necessidade?