há continuidade nas pesquisas empíricas da Escola de

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VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar
20 a 24 de setembro de 2010
De Frankfurt à Califórnia: há continuidade nas pesquisas empíricas da Escola de
Frankfurt entre 1929 e 1950?
Deborah Christina Antunes
UFSCar / PPG-Fil
CAPES
Resumo: Entre 1929 e 1950 três grandes estudos empíricos foram realizados pelo
Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. A partir da direção de Horkheimer, a temática
das pesquisas foi redirecionada; deixou o marxismo ortodoxo de Grünberg e partiu para
uma análise da sociedade que levava em conta o problema da conexão existente entre a
vida econômica da sociedade, o desenvolvimento psíquico dos indivíduos e as
transformações ocorridas nas esferas culturais. O objetivo dessa apresentação é mostrar
em que medida esses estudos empíricos encontram-se em continuidade, tanto entre si,
quanto em relação ao programa de materialismo interdisciplinar proposto por
Horkheimer no início dos anos 1930. Parte-se do estudo dirigido por Erich Fromm em
1929, denominado “The working class in Weimar Germany”, que objetivava obter
evidências sobre a existência de conexões entre a aparência psíquica e o
desenvolvimento da sociedade a partir de opiniões, estilos de vida e atitudes de
trabalhadores manuais e de escritório na então República de Weimar. Em seguida,
apresenta-se seus pontos de contato com os “Studien über Autorität und Familie” de
Horkheimer e colaboradores, publicado em 1936, que se baseava na consideração do
papel central da família na mediação entre a subestrutura material e a superestrutura
ideológica. Ao final, pretende-se mostrar que, a despeito das críticas em relação a um
suposto caráter positivista da obra “The authoritarian personality” da qual Adorno
participou, os “Studies in Prejudice”, realizados durante o exílio americano na década
de 1940, podem ser vistos não apenas como uma continuidade dos trabalhos anteriores
contendo os princípios iniciais da Teoria Crítica, como também como um conjunto de
trabalhos mais maduro.
Palavras-chave: Teoria Crítica da Sociedade; Pesquisa social empírica; Theodor W.
Adorno; Max Horkheimer.
Introdução
Polêmica. É assim que se pode adjetivar a presença de pesquisas empíricas entre
as obras dos teóricos da Escola de Frankfurt; mais especificamente aquelas realizadas
por Theodor W. Adorno nos anos 1940. A despeito das inúmeras objeções feitas nos
textos de Max Horkheimer e Theodor Adorno – a propósito de uma diferenciação
sectária entre filosofia e sociologia, e sobre a má interpretação de sua teoria como
totalmente especulativa – eles são vistos, por muitos estudiosos, como essencialmente
teóricos – quando não pessimistas – críticos da cultura e da civilização que negaram
qualquer contato com a práxis social. Mas, o que pensar das diversas pesquisas
empíricas realizadas pelos membros do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, de
1929 a 1950, na Alemanha e nos Estados Unidos? E daquela realizada por Adorno e
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seus assistentes na Alemanha, quando de seu retorno no pós-guerra, a respeito da
relação entre os estudantes e a política? Considerados, enganosamente, trabalhos
menores em comparação com as obras essencialmente teóricas, essas pesquisas são
praticamente ignoradas nos estudos acadêmicos sobre a Teoria Crítica (CARONE,
2001).
Criado em 1923 e inaugurado em 1924 no campus da Universidade de Frankfurt,
o Instituto de Pesquisa Social foi concebido a partir de uma ênfase para a pesquisa sobre
a história do marxismo e do movimento operário (WIGGERSHAUS, 2006). Seu
primeiro diretor, Carl Grünberg, pretendia caracterizar o sistema econômico e a
ideologia da época, além de estabelecer um método de pesquisa sólido e delimitado.
Contudo, sua atenção se voltava para estudos empíricos e históricos baseados em um
marxismo mecanicista e não dialético, a partir da interpretação do último Engels por
Kautsky. Sua concepção materialista da história era adepta do darwinismo social
desenvolvido a partir de 1880 nos folhetos e discursos socialdemocratas e tinha um
cunho otimista, baseado em uma visão determinista da história, que acreditava na
passagem do capitalismo ao socialismo como fato necessário e inevitável (MUSSE,
1997; FESCHNER, 1970; DUBIEL, 1985; JAY, 2008). Com a saúde debilitada em
1928, Grünberg teve que se afastar das atividades do Instituto e foi substituído por
Horkheimer, que assumiu a direção em 1931.
O diferencial de Horkheimer vai além de uma rejeição ao marxismo ortodoxo de
Kautsky. O novo diretor coloca em destaque a contradição entre o desenvolvimento
técnico, científico e industrial da sociedade e a miserabilidade humana reinante.
Modifica-se, assim, a temática central dos estudos, que passa a ser, “o problema da
conexão que subsiste entre a vida econômica da sociedade, o desenvolvimento psíquico
dos indivíduos e as transformações que têm lugar nas esferas culturais em sentido
estrito ” (HORKHEIMER, 1999, p. 130). Horkheimer pretende reformular, com isso, o
problema da conexão entre a existência particular e a razão universal, colocando-o em
uma nova constelação – de modo mais adequado aos métodos disponíveis e ao estado
do conhecimento. Já no seu discurso inaugural (HORKHEIMER, 1999) e nos textos da
década de 1930 (HORKHEIMER, 1990; HORKHEIMER, 2003), Horkheimer considera
essa contradição a partir não apenas de um olhar da sociologia e da psicologia, mas da
Tais esferas culturais não se restringem aos conteúdos espirituais das ciências, da arte ou da religião,
mas se estendem ao direito, aos costumes, à moda, à opinião pública, ao esporte, às formas de
entretenimento etc.
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filosofia; em busca de uma pesquisa social filosoficamente orientada. O autor retoma
Hegel, sua filosofia social e sua crítica aos neokantianos. Contudo, seguindo a tradição
da dialética marxista, busca a inserção dialética dos problemas filosóficos no processo
empírico, procurando solucionar o que considerava uma carência tanto da filosofia,
quanto das ciências especializadas:
A relação entre as disciplinas filosóficas e cada disciplina científica
individual correspondente não pode ser entendida no sentido de que a
filosofia trata os problemas decisivos e constrói teorias não contestáveis pelas
ciências experimentais, sendo seus próprios conceitos de realidade sistemas
que abarcam a totalidade, enquanto, ao contrário, a pesquisa empírica recolhe
os seus dados particulares através de um trabalho longo e tedioso, que se
fragmenta em milhares de problemas parciais, para não chegar senão ao caos
da especialização. Essa concepção, segundo a qual o pesquisador deve
considerar a filosofia talvez como um belo exercício, mas cientificamente
infrutífero, porque inverificável, enquanto o filósofo deve se emancipar da
pesquisa particular, acreditando que mesmo as mais importantes decisões não
podem esperar os seus resultados, está superada atualmente pela idéia de uma
contínua interpenetração e desenvolvimento dialéticos entre a teoria
filosófica e a prática da ciência particular (HORKHEIMER, 1999, p. 128).
Segundo Dubiel (1985), o programa de Horkheimer resultou da crítica dialética
da relação entre as ciências e a filosofia, uma crítica baseada na “Filosofia da história”
de Hegel (1995) e em “O Capital” de Marx (1996) que reconhece, antes de tudo, as
limitações da própria ciência. Horkheimer compreende que as análises realizadas pelas
ciências especializadas não podem ser consideradas conhecimento, mas sevem para se
desdobrar os objetos sociais de pesquisa. Sua tentativa é ultrapassar os limites das
ciências e organizar seus resultados a partir de uma reconstrução do objeto em seu
processo histórico concreto. Trata-se de uma tentativa de unificação de filosofia e
ciência na tradição Hegel-Marx, de
[...] um projeto para uma superciência interdisciplinar, “materialista”, que
pode integrar o teórico com o empírico. Ao contrário da ciência especializada
burguesa e em oposição ao cientificismo socialista de Kautsky e Stalin, essa
ciência projetada funcionaria em tal alto nível de teoria, método e pesquisa
que sua distância da praxis social se tornaria obsoleta através de seus próprios
padrões imanentes (DUBIEL, 1985, p.31).
Seguindo essa concepção, o que Horkheimer faz, interessado na forma da
ciência personificada na crítica, é enfatizar e chamar de volta à ação a crítica filosófica
do existente, e, ao fazer isso, imputar ao Instituto uma tarefa diferente da época de
Grünberg: a de, ao refletir sobre os problemas filosóficos-sociais, colocar a seu serviço
um grande aparato de pesquisa empírica; através de um projeto que ficou conhecido
como interdisciplinar. Com isso, estabeleceu o nexo entre os elementos filosóficos do
marxismo e a totalidade do conhecimento empírico na filosofia. Ao mesmo tempo, ele
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pretendia desenvolver uma teoria da sociedade na qual a “construção filosófica não
[fosse] mais dissociada da pesquisa empírica” (HORKHEIMER, 1999, p. 129). Nesta
fase, os trabalhos que foram realizados nessa perspectiva deram origem aos livros “The
working class in Weimar Germany” de Erich Fromm (1984) – marcando a presença da
psicanálise, a partir de então indissociável ao Instituto – e “Studien über Autorität und
Familie” de Horkheimer, Fromm, Marcuse, et al. (2005).
De Frankfurt à Califórnia: as pesquisas do Instituto de 1929 a 1950
A pesquisa de Fromm (1984), realizada a partir de 1929 , teve suas bases
teóricas formuladas em artigos publicados na revista do Instituto – “Zeitschrift für
Socialforschung” – em 1932 (FROMM, 1977; HORKHEIMER, 1990). Segundo Bon
(1984), Fromm, a partir da perspectiva da tradição alemã como representada por
Horkheimer, tentou desenvolver sua pesquisa em três modos: 1. sua pesquisa tinha lugar
em um contexto histórico de demanda interdisciplinar, assim, a pesquisa empírica
deveria contribuir para o estudo teórico do materialismo que, em face da experiência de
Weimar, se mostrou deficiente na compreensão das manifestações da consciência; 2.
nesse estudo as manifestações da consciência não poderiam ser descritas de forma
isolada, mas explicadas em nível macro – ao se comparar dados de atitudes e indivíduos
de grupos específicos – e micro – através de uma análise estrutural sistemática de casos
individuais; 3. metodologicamente, o estudo se daria pela combinação de técnicas
quantitativas de um questionário escrito com um procedimento qualitativo de análise
baseado na psicanálise. Se referindo à teoria freudiana, Fromm (1984) trabalhou em
dois sentidos: 1. Introduziu a família como lócus social através do qual a sociedade
imprimia sua estrutura na criança – tal como apareceu em seus textos teóricos da época
–, e 2. Produziu um refinamento diferente dos resultados, a partir de Karl Abrahamm e
da caracteriologia freudiana: o desenvolvimento de tipos psicológicos utilizados para
explicar a conexão entre os traços de personalidade e as atitudes políticas. Foi, além
disso, a partir do primeiro sentido, segundo o qual a família é o lócus social que
imprime sua estrutura na criança, que surgiu, segundo Bon
(1984), a questão de
pesquisa dos “Studien über Autorität und Familie” (HORKHEIMER et al. 2005),
13
Nessa época o Instituto, ainda que informalmente, já caminhava segundo a orientação de seu futuro
círculo (BON , 1984).
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coordenados por Horkheimer. Também o questionário desse trabalho, de acordo com
Jay (2008), foi uma incorporação do questionário utilizado naquele.
Publicado em 1936, os “Studien über Autorität und Familie” (HORKHEIMER et
al. 2005) foram um fruto dos primeiros cinco anos de Horkheimer como diretor, e
realizados pelo conjunto da equipe do Instituto. Seu tema se baseava na consideração do
papel central da família na mediação entre a subestrutura material e a superestrutura
ideológica. Trata-se, de acordo com Wiggershaus (2006), de uma manifestação rigorosa
do que constituía, na prática, o trabalho idealizado por Horkheimer em seus textos
teóricos: aquele que deveria ser realizado por diversos especialista de áreas diferentes,
no qual era essencial a interpenetração dos métodos empíricos e da análise filosófica
crítica. Desse modo, nele, o programa de integrar teoria filosófica e método empírico foi
testado em um projeto realmente coletivo. No prefácio da obra, Horkheimer (1988a, p.
329) chega a citar sua palestra inaugural, ao justificar que aquela exposição sobre a
atividade do Instituto “sustenta um caráter programático substancial”, pretendendo
demarcar o campo que seria investigado a partir de então. Contudo, segundo Jay (2008),
os “Studien über Autorität und Familie” se deram ainda em um nível primitivo de
concretização dos planos de Horkheimer para um materialismo interdisciplinar atento à
primazia do objeto. O trabalho posterior, conhecido como “Estudos sobre o
Preconceito” incluíram, de modo bastante proveitoso, técnicas de análise de conteúdo e
testes projetivos, dando a ele um tom mais maduro em relação aos trabalhos anteriores.
Os “Estudos sobre o preconceito”, uma série de cinco volumes dentre os quais se
encontra “The authoritarian personality” (ADORNO et al., 1969), foram derivados de
um projeto escrito coletivamente, por Horkheimer, Adorno e outros membros do
Instituto – já no exílio americano –, em 1941 na cidade de Nova Iorque. Tal projeto
descrevia as atividades do Instituto, colocava essas atividades em firme conexão com os
pressupostos teóricos do grupo e englobava o problema de pesquisa em si, que buscava
“combinar pesquisas histórica, psicológica e econômica com estudos experimentais”
(HORKHEIMER, 1998b, p. 377; ADORNO, 1994, p. 135). O projeto sobre o
antissemitismo era dividido em sete sessões que abarcavam propostas de análises de
literatura e de pesquisas a serem desenvolvidas. São elas: 1. Teorias correntes sobre o
antissemitismo; 2. Antissemitismo e movimento de massa; 3. Antissemitismo no
humanismo moderno; 4. Tipos de Antissemitas da atualidade; 5. Os judeus na
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sociedade; 6. Alicerces do antissemitismo do Nacional-socialismo; 7. Sessão
experimental.
Contudo, a próprio clima de guerra dificultou a realização do projeto devido a
um declínio das verbas do Instituto em tempos de uma economia difícil. O Instituto teve
que reorganizar sua estrutura e reavaliar seus objetivos; para viabilizar os projetos
passaram a ser necessárias verbas complementares. Muitas negociações foram feitas
com o “American Jewish Committee” – uma das mais antigas e influentes agências de
defesa judaicas nos EUA – pelos membros do Instituto. Mas, a decisão de contribuir
com o projeto sobre o antissemitismo foi concretizada apenas em outubro de 1943. Foi
nesse espaço de tempo que Horkheimer começou a escrever junto com Adorno o livro
sobre a dialética do esclarecimento, em Pacific Palisades – distrito de Los Angeles. Para
a efetivação do apoio financeiro ao projeto sobre o antissemitismo foram cumpridas
modificações e algumas exigências do Comitê; por exemplo, a pesquisa empírica
psicológica deveria ser realizada sob a coordenação de Horkheimer com o auxílio de
Adorno na costa oeste dos EUA, a experiência com o filme, que constava na última
sessão do projeto, seria excluída por motivos financeiros, e a parte do projeto que
tratava das causas econômicas e sociais do antissemitismo deveria ser realizada em
Nova Iorque.
O projeto teria financiamento durante um ano, entretanto, ao final desse período,
poucos avanços foram realizados em todas as suas frentes; o maior deles teria sido o
desenvolvimento dos procedimentos de pesquisa empírica em Berkeley. Relatórios
foram escritos – mas nunca publicados – e apresentados ao Comitê que, em outubro de
1944, decidiu continuar a apoiar o projeto e criou um “Departamento de Pesquisa
Científica”. Horkheimer passou a ser o diretor desse departamento em Nova Iorque, de
onde coordenou as pesquisas a partir de então, reorganizadas em um segundo programa
(WIGGERSHAUS, 2006). Foi nesse momento que, segundo Jay (2008), Horkheimer
lançou oficialmente a realização dos “Estudos sobre o Preconceito”, iniciados na
primavera de 1945. Esses estudos deram origem aos cinco volumes: “Dynamics of
prejudice”, de Bruno Bettelheim e Morris Janowitz (1950), “Rehearsal for Destruction”,
de Paul W. Massing (1949), “Prophets of Deceit”, de Leo Lowenthal e Norbert
Guterman (1949), “Anti-semitism and emotional disorder”, de Nathan W. Ackerman e
Marie Jahoda, (1950), e “The authoritarian personality”, de Theodor W. Adorno, Elsa
Frenkel-Brunswik, Daniel J. Levinson e Nevitt Sanford (1969).
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A pesquisa de Adorno et al. (1969) traz uma mistura considerada polêmica:
realizada por um dos representantes mais respeitados da Teoria Crítica, apresenta
sofisticados procedimentos de coleta de dados, inclusive com análises quantitativas dos
dados e construção de escalas de medição de características da personalidade (E, A-S,
PEC e F). Leitores da “Dialética do esclarecimento” estranham essa mistura. Afinal: o
que tem ela a ver com a Teoria Crítica? Contudo, Adorno (2001) diferencia criticamente
uma série de procedimentos de pesquisa. De acordo com o autor, a investigação social
empírica pode ser dividida em duas categorias que pertencem a planos lógicos distintos
e são desdobramentos daquilo que ele chama de pesquisas de mercado, ou pesquisas de
opinião. A primeira categoria, chamada de “administrative research”, se refere à
indagação de fatos objetivos e busca a média de suas ocorrências, sendo exclusivamente
orientada para o prático. A segunda trata da indagação das características subjetivas de
um determinado coletivo em sua dialética com a cultura e a sociedade e é concebida
como “investigação social crítica”. Nessa perspectiva, como Adorno (1995) explicou,
ele procurou, desde sua chegada aos Estados Unidos, ler “socialmente” as averiguações
técnicas, como cifras de fatos e circunstâncias sociais.
Ao contrário da concepção norte-americana de “metodologia”, que significa
técnicas práticas de investigação, Adorno (1995) compreendia “método”, em seu
sentido europeu, como crítica do conhecimento. Desse modo, o autor se opunha “a
constatar reações, a medi-las, sem colocá-las em relação com os estímulos, isto é, com a
objetividade à qual reagem os consumidores da indústria cultural” (ADORNO, 1995, p.
143-144 – grifo do autor). A partir da teoria da sociedade, Adorno concebe os
fenômenos observáveis e medidos pelos instrumentos de pesquisa como epifenômenos
da sociedade, nos quais
[...] manifestam-se também indiretamente objetividades sociais. As opiniões
e comportamentos dos sujeitos são também sempre algo objetivo. Revestemse de importância com relação às tendências evolutivas da sociedade como
um todo, embora não no grau suposto por um modelo sociológico que
identifica, sem mais, as regras do jogo da democracia parlamentar à realidade
da sociedade vigente. Por outro lado, nas reações subjetivas cintilam
objetividades sociais, inclusive detalhes concretos. Do material subjetivo, é
possível inferir determinantes objetivos (ADORNO, 1995, p. 146).
Com isso, ele indica seu posicionamento na controvérsia entre o estudo empírico
dos fenômenos sociais e o pensamento puramente teórico: há total legitimidade e
necessidade de estudos empíricos no âmbito desses fenômenos, mas eles não devem ser
hipostasiados, ou seja, não devem ser considerados a causa primeira daquilo que, em
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verdade, é derivado, não devem ser lidos como uma chave universal. Tais estudos
devem, antes, culminar no conhecimento teórico: “A teoria não é mero veículo que se
tornaria supérfluo tão pronto se possuíssem os dados” (ADORNO, 1995, p. 156).
Considerações Finais
Nas palavras de Jay (2008, p. 228): “os ‘Estudos sobre o preconceito’ retomaram
o assunto no ponto em que os ‘Studiem über Autorität und Familie’ o haviam deixado,
mas o foco passou a incidir nas formas norte-americanas de autoritarismo”. Assim, tal
como nos estudos anteriores, nos “Estudos sobre o preconceito”, o projeto
interdisciplinar inicial foi realizado por meio do modo materialista e dialético de pensar
o objeto. Isso pode ser derivado tanto de seu conteúdo, quanto de sua forma.
Três livros da série tratavam dos elementos da personalidade que predispõem o
homem moderno a reagir de modo hostil ante certos grupos raciais ou religiosos
(BETTELHEIM & JANOWITZ, 1950; ACKERMAN & JAHODA, 1950; ADORNO,
et al., 1969). Havia, neles, uma tentativa de tornar claros os fatores psíquicos que
fomentam ou impedem no indivíduo a formação de preconceitos e que o inclinam a
responder de forma mais ou menos favorável às incitações das propagandas fascistas.
Os outros dois volumes se referiram às circunstâncias sociais que encontram eco em tais
predisposições psicológicas, um deles recorre à história da Alemanha fascista, o outro
analisa a influência dos agitadores fascistas na opinião pública (MASSING, 1949;
LOWENTHAL & GUTERMAN, 1949).
O estranhamento frente à pesquisa empírica realizada por Adorno durante o
exílio apenas poderá ser superado na medida em que essa obra for analisada no contexto
do entrelaçamento entre o empírico e o teórico traçado desde 1931 por Horkheimer. A
pesquisa sobre a personalidade autoritária não deve ser analisada a partir de critérios
alheios a ela própria. Tal como fizeram os frankfurtianos, deve-se dar conta histórica e
filosoficamente do próprio objeto, no caso, a formação da Teoria Crítica a partir do que
é conhecido como o programa de pesquisa interdisciplinar de Horkheimer. Isso se faz
essencial na medida em que apenas é possível compreender a pesquisa sobre “A
personalidade autoritária” a partir do contexto intelectual e teórico dentro do qual ela foi
concebida. Tentar desenvolver uma análise imanente de um objeto da própria Escola de
Frankfurt, como o é a pesquisa sobre “A personalidade autoritária”, requer esse cuidado,
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na medida em que se lida de forma dialética com os âmbitos teórico e prático desses
intelectuais.
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