Obstrução intestinal por intussuscepção do tipo entérica após alteração da dieta em uma vaca girolando – relato de caso Dias, G. B. G., Arruda, F. P; Ducatti, K. R., Silva, L. A., Cardoso, K. G. M, Coelho, E., Colodel, E. M, Antoniassi, N. A. Autor Correspondente: [email protected] (Antoniassi, N. A. B.).Laboratório de Patologia Veterinária, HOVET UFMT, Av. Fernando Correa da Costa s/nº, CEP78060-900, Cuiabá, MT. PALAVRAS CHAVES: Carboidratos rapidamente fermentáveis, Forrageiras suculentas, Hipermotilidade intestinal. INTRODUÇÃO: A obstrução da porção duodenal do intestino delgado em bovinos normalmente está associada à formação de fitobezoares [14], enterólitos [6], ao consumo de areia e corpos estranhos [2,5], ao volvo [9, 4] e a intussuscepção [10]. A intussuscepção caracteriza-se pela invaginação de uma porção intestinal para dentro do lúmen intestinal adjacente [11]. A parte que se invagina para a luz adjacente é denominada intussuscepto e a parte que envolve a parte invaginada é reconhecida como intussuscepiente [3]. Geralmente ocorre necrose do intussuscepto e hemorragia difusa da parte intussuscepiente. São observados quatro tipos de intussuscepção em bovinos. Entérica, Ileocólica, Cecocólica e cólica [3]. A intussuscepção entérica envolve um segmento do intestino delgado [5,6]. Esse tipo de intussuscepção é mais comum em bovinos adultos, sendo a porção distal do jejuno mais frequentemente acometida devido ao comprimento e motilidade dos ligamentos mesentéricos [5,6]. A patogenia proposta para os casos de intussuscepção entérica está relacionada ao aumento da atividade peristáltica do segmento proximal do intestino delgado em decorrência de parasitismo, alterações na dieta e enterites bacterianas ou virais, associadas ao relaxamento e oclusão do segmento distal [5,6,7]. O objetivo deste trabalho é relatar um caso de intussuscepção do tipo entérica por mudanças na dieta durante o período de lactação de uma vaca da raça Girolando criada no município de Jangada, no Estado de Mato Grosso. MATERIAIS E MÉTODOS: Realizou-se uma visita técnica à uma propriedade no Município de Jangada, Mato Grosso, para a realização de necropsia em uma vaca da raça Girolando, com sinais clínicos de distensão abdominal, queda, permanência em decúbito e dificuldade para se levantar. Foi realizada a necropsia do animal e fragmentos de tecidos foram coletados e fixados em formol a 10% para a realização de exame histológico. RESULTADOS: A vaca tinha aproximadamente cinco anos de idade, estava em início de lactação, criada em regime semiextensivo, mantida em pastagem de Brachiaria spp. e suplementada com sal mineralizado que havia sido recentemente transferida para outro piquete com leguminosas forrageiras e suplementada com cana-deaçúcar triturada, farelo de milho, sorgo e soja, ureia e sal mineralizado. O animal foi acompanhado clinicamente e dois dias após a queda, os movimentos ruminais se tornaram ausentes, os movimentos respiratórios apresentaram valores menores que 30 movimentos por minuto e a frequência cardíaca acima de 100 batimentos por minuto. Após algumas horas o animal foi à óbito. Durante a realização da necropsia ao exame externo foram observadas desidratação leve e mucosas ligeiramente congestas. Úbere dilatado, com coloração moderadamente avermelhada. À palpação dos tetos havia eliminação de conteúdo amarelo grumoso, ligeiramente brilhoso. No exame interno foram observados rúmen e retículo dilatados principalmente por gás, com grande quantidade de líquido e material fibroso. O Abomaso apresentava feixes hemorrágicos na superfície mucosa. Intestino com aproximadamente 30 centímetros da porção final do jejuno invaginando-se para dentro do lúmen da porção jejunal adjacente. A porção jejunal intussuscepta encontrava-se intensamente vermelho escura, hemorrágica, com aspecto brilhoso e friável. Fígado estava com consistência friável e coloração amarelada. Rins com parênquima de coloração variando de vermelho a tons amarelados. Baço estava aumentado de tamanho, com coloração escurecida. Na cavidade torácica os pulmões apresentavam lobos craniais aderidos na parede torácica, com aumento da consistência do parênquima. Na análise histológica foram observados o fígado com deposição moderada de gordura em hepatócitos, evidenciada pela vacuolização citoplasmática, hipertrofiados, com núcleo excêntrico. Baço com hiperplasia leve de folículos linfoides. Linfonodo apresentava infiltrado inflamatório predominantemente neutrofílico associado à congestão e hemorragia. Rins com aumento de volume glomerular associado ao aumento da celularidade e deposição de material hialino. Na cavidade torácica, o pulmão apresentava espessamento de septos alveolares, congestão, hemorragia, hipertrofia da parede de arteríolas. O tecido mamário apresentou no interior dos alvéolos glandulares moderada quantidade de células inflamatórias compostas predominantemente por neutrófilos. DISCUSSÃO: A incidência de intussuscepção em bovinos é relativamente pequena, representando menos de 1% das afecções cirúrgicas do trato digestivo [8] e 18% das desordens obstrutivas intestinais [9]. No Brasil, faltam estudos sobre a ocorrência dessa afecção em ruminantes, todavia, em outras espécies animais a intussuscepção ocorre com mais frequência em animais jovens. Entretanto, alguns autores sugerem não haver predisposição etária para essa afecção [8,9]. A intussuscepção é causada por anormalidades do peristaltismo intestinal devido a parasitismo, alterações na dieta, enterites e lesões localizadas na parede ou no lúmen dos intestinos [1]. Neste caso, a vaca necropsiada não apresentou lesões intestinais compatíveis com parasitismo ou enterite, o que sugere a ingestão de fibras grosseiras e forragens suculentas responsáveis por promover hipermotilidade e produção de gases intestinais, condições consideradas predisponentes para a ocorrência de intussuscepção em bovinos [8]. Quando há uma mudança na dieta, o concentrado fornecido para o animal deverá conter fontes proteicas lentamente degradadas no retículo e rúmen, a fim de promover um fornecimento contínuo de proteína (nitrogênio) para as bactérias no órgão entre os períodos de alimentação. Quando são fornecidos alimentos concentrados (grãos de cereais) que fornecem carboidratos rapidamente fermentáveis no retículo e rúmen, eles disponibilizarão grande quantidade de energia para a síntese de proteína microbiana, o que eleva com frequência a intensidade da motilidade intestinal [12], de forma que o aumento da atividade peristáltica no segmento proximal do intestino em decorrência de alterações na dieta leva ao relaxamento do segmento distal, levando porções do mesentério a se invaginarem para dentro do lúmen adjacente [6],com isso, o suprimento vascular para o intestino fica comprometido, resultando em quadro de dor abdominal, isquemia no local da lesão e subsequente peritonite difusa [3]. Estudos experimentais para elucidação da patogênese da obstrução intestinal são raros. Rutgers et al. [13] estudaram em bovinos a atividade elétrica do duodeno após oclusão extraluminal e relataram desorganização abrupta dos complexos mioelétricos migratórios, produzindo padrões de peristaltismo irregulares. Em consequência, os animais desenvolvem cólica abdominal aguda. Conclui-se que a intussuscepção deve ser considerada como causa de alterações digestivas em bovinos em especial quando há alterações na dieta como ocorreu nesse caso. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1. Archer, R. M. et al. Jejunojejunal intussusception associated with a transmural adenocarcinoma in an aged cow. J. Am. Vet. Med. Assoc. 192, p.209-211, 1988. 2. Cebra, C. K. et al. Gravel obstruction in the abomasum or duodenum in two cows. J. Am. Vet. Med. Assoc. 209(7):1294-1296. 1996. 3. Filho, A. P. S. et al. Análise clínica e patológica em 20 casos de intussuscepção em bovinos. Vet. E Zootec. 17(3):421-430. 2010. 4. Garry, F. et al. 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