1 1. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E DIREITOS FUNDAMENTAIS 1.1. Estado Democrático de Direito O termo “Estado Democrático de Direito”, conquanto venha sendo largamente utilizado em nossos dias, é pouco compreendido e de difícil conceituação em face das múltiplas facetas que ele encerra. No Estado contemporâneo, em virtude da maximização do papel do poder público, que se encontra presente em praticamente todas áreas das relações humanas, a expressão “Estado Democrático de Direito” ganha uma extensão quase que ilimitada, mas, conseqüente e paradoxalmente, perde muito em compreensão. O fato de esse termo ter sido incluído em nosso atual texto constitucional, no seu primeiro artigo, adjetivando a República Federativa do Brasil, torna obrigatória a sua interpretação, com todas as conseqüências que dela podem e devem advir. O Estado Democrático de Direito, que significa a exigência de reger-se pelo Direito e por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais, proclamado no caput do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, adotou, igualmente em seu parágrafo único, o denominado princípio democrático, ao afirmar que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.1 O termo "Estado democrático de direito" conjuga dois conceitos distintos que, juntos, definem a forma de mecanismos tipicamente assumidoS pelo Estado de inspiração ocidental. Cada um destes termos possui sua própria definição técnica, mas, neste contexto, referem-se especificamente a parâmetros de funcionamento do Estado Ocidental moderno. Em sua origem grega, "democracia" quer dizer "governo do povo". No sistema moderno, no entanto, não é possível que o povo governe propriamente (o que significaria uma democracia direta). Assim, os atos de governo são exercidos por membros do povo ditos "politicamente constituídos", por meio de eleição. No 1 Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. 21ª Ed. São Paulo: Jurídico Atlas, 2007. p 125. 2 Estado Democrático Brasileiro, as funções típicas e indelegáveis do Estado são exercidas por indivíduos eleitos pelo povo para tanto, de acordo com regras préestabelecidas que regerão o pleito eleitoral. O aspecto do termo "de Direito" refere-se a que tipo de direito exercerá o papel de limitar o exercício do poder estatal. No Estado democrático de direito, apenas o direito positivo (isto é, aquele que foi codificado e aprovado pelos órgãos estatais competentes, como o Poder Legislativo) poderá limitar a ação estatal, e somente ele poderá ser invocado nos tribunais para garantir o chamado "império da lei". Todas as outras fontes de direito, como o Direito Canônico ou o Direito natural, ficam excluídas, a não ser que o direito positivo lhes atribua esta eficácia, e apenas nos limites estabelecidos pelo último. Nesse contexto, destaca-se o papel exercido pela Constituição. Nela delineiam-se os limites e as regras para o exercício do poder estatal (onde se inscrevem os chamados "Direitos e Garantias fundamentais"), e, a partir dela, e sempre a tendo como baliza, redige-se o restante do chamado "ordenamento jurídico", isto é, o conjunto das leis que regem uma sociedade. O Estado democrático de direito não pode prescindir da existência de uma Constituição. No entanto, toda a conceitualização não deverá restringir o elemento democrático à limitação do poder estatal e a democracia ao instituto da representação política. Esta, em virtude de seus inúmeros defeitos, não pode fundamentar o Estado Democrático de Direito, pelo menos não como ele deveria ser, já que o princípio democrático não se reduz a um método de escolha dos governantes pelos governados. O Estado Democrático envolve necessariamente, a soberania popular. Conforme expõe José Afonso da Silva, o Estado Democrático se funda no princípio da soberania popular que ‘impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se exaure, como veremos, na simples formação das instituições representativas, que constituem 3 um estágio da evolução do Estado Democrático, mas não o seu completo desenvolvimento. 2 Assim, a substância da soberania popular deve ser representada pela autêntica, efetiva e legítima participação democrática do povo nos mecanismos de produção e controle das decisões políticas, em todos os aspectos, funções e variantes do poder estatal. Friedrich Müller apregoa que, a idéia fundamental da democracia é a determinação normativa de um tipo de convívio de um povo pelo mesmo povo. Já que não se pode ter o auto-governo na prática quase inexeqüível, pretende-se ter ao menos a auto-codificação das prescrições vigentes com base na livre competição entre opiniões e interesses, com alternativas manuseáveis e possibilidades eficazes de sancionamento político.3 Para José Joaquim Gomes Canotilho, o esquema racional da estadualidade encontra expressão jurídico–política adequada num sistema político normativamente conformado por uma constituição e democraticamente legitimado. Por outras palavras: o Estado concebe-se hoje como Estado Constitucional Democrático, porque ele é conformado por uma Lei fundamental escrita (= constituição juridicamente constituída das estruturas básicas da justiça) e pressupõe um modelo de legitimação tendencialmente reconduzível à legitimação 4 democrática. Entendemos que o Estado Democrático deve ser transformador da realidade, ultrapassando o aspecto material de concretização de uma vida digna para o homem. Este Estado age como fomentador da participação pública em vários seguimentos. O Estado deve sempre ter presente a idéia de que a democracia implica necessariamente a questão da solução do problema das condições materiais de existência. Portanto, foi criado para ultrapassar a idéia utópica de transformação social, assumindo o objetivo da igualdade, a lei aparece como instrumento de reestruturação social, não devendo atrelar-se a outros fins como à sanção ou à promoção. 2 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª Ed. Brasil: Malheiros, 2007, p .66. MULLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão Fundamental da democracia. Tradução: Peter Naumam, revisão: Paulo Bonavides, São Paulo:Max Limonad, 1998. p. 57. 4 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 6ª Ed. Coimbra: Almedina, 1995, p. 43. 3 4 A democracia como realização de valores de convivência humana de igualdade, liberdade e dignidade da pessoa é conceito mais abrangente do que “Estado Democrático de Direito” que surgiu como expressão jurídica da democracia liberal. Além disso, é certo que o Estado Democrático deve aparecer com a função de reduzir antíteses econômicas e sociais e isto se torna possível com a devida aplicação da Constituição Federal (colocada no ápice de uma pirâmide jurídica escalonada), que representa o interesse da maioria. Em suma, após essa reflexão inicial podemos elencar os elementos que julgamos essenciais no Estado Democrático de Direito, sendo o seu fundamento e principal aspecto a soberania popular: 1 - A necessidade de providenciar mecanismos de apuração e de efetivação da vontade do povo; 2 – Ser um Estado Constitucional, ou seja, dotado de uma constituição material legítima, rígida, emanada da vontade do povo; 3 - A existência de um órgão guardião da Constituição e dos valores fundamentais da sociedade, que tenha atuação livre e desimpedida, constitucionalmente garantida; 4 - A existência de um sistema de garantia dos direitos humanos, em todas as suas expressões; 5 - Realização da democracia com a conseqüente promoção da justiça social; 6 - Observância do princípio da igualdade; 7 - existência de órgãos judiciais, livres e independentes, para a solução dos conflitos entre a sociedade, entre os indivíduos e destes com o Estado.5 1.1.1 Origem Histórica A idéia de Estado Democrático tem raízes no séc. XVIII, e está ligado a idéia de certos valores da dignidade humana, organização e funcionamento do Estado e a participação popular. No entanto, na antigüidade, o indivíduo tinha valor relativo; só alguns participavam das decisões, ou seja, apenas os cidadãos, aqueles que eram homens e tinham bens; ou segundo Aristóteles (384 – 322 a. C), no seu livro III, de “A Política”, cidadão era aquele que tivesse autoridade deliberativa ou judiciária, jamais um artesão ou mercenário, isso porque a virtude 5 http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_167/R167-13.pdf (artigo escrito por Enio Moraes da Silva Brasília a. 42 n. 167 jul./set. 2005. 5 política, que é a sabedoria para mandar e obedecer, só pertence àquele que não tem necessidade de trabalhar para viver. Percebe-se que a idéia de povo é restrita a cidadão, não sendo compatível com a idéia de povo do século XVIII, época em que “...a burguesia, economicamente poderosa, estava às vésperas de suplantar a monarquia e a nobreza no domínio do poder político.”6 Na sua origem, o conceito de democracia encontra definição razoavelmente pacífica na especificação do regime do demos, nome pelo qual eram designadas as divisões territoriais administrativas na Grécia antiga, de forma que, por extensão, tal palavra, originada de demokratia, (ou, no grego, δηµοχρατία) passou a significar poder popular, governo do povo. Como a tal conclusão, podemos facilmente notar que os conceitos de "poder popular" e de "governo do povo" não eram exatamente os que se fazem presentes na contemporaneidade, de forma que pela dificuldade de se conceituar o que seria poder popular - e, por conseqüência, de se delimitar o governo do povo - o conceito de democracia tem sofrido os mais diversos significados durante a história.7 Vale destacar a Carta de João Sem Terra de 1215: um documento medieval bilateral em que o rei se obriga a respeitar a lei. O objetivo foi reparar os abusos do rei, pois o mesmo não abria mão de sua soberania, porém, deveria respeitar o Parlamento, eis a origem fiscalizadora do Parlamento, no controle dos gastos público. Imperioso trazer à lume a lição de Carl Schmitt, acerca da Magna Charta de 1215, in verbis: La Magna Carta inglesa de 15 de Julho de 1215, suele designarse como modelo y origen de las modernas Constituciones liberales. El desarrollo del Derecho político de Inglaterra tomó um curso peculiar, porque los senõres feudales y estamentos de la Edad Media (alta nobleza, caballeros y burguesia inglesa) y su representación (la Cámara de los lordes y la Cámara de los Comunes) pasaron en un proceso lento e insensible a las condiciones propias del Estado moderno...8 6 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 20a ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 124. 7 Ibid., 146. 8 SCHMITT, Carl. Teoria de la Constitución. Madri: Alianza Universidad Textos, 1996, p. 164. 6 Dalmo de Abreu Dallari destaca ainda que à base do conceito de Estado Democrático, está na noção de governo do povo, e que tal locução deriva etimologicamente do termo democracia. Ainda, faz menção aos três grandes movimentos político-sociais responsáveis pela condução ao Estado Democrático, quais seriam: a Revolução Inglesa, com a influência de John Locke e expressão mais significativa no Bill of Rights de 1689; a Revolução Americana com seus princípios expressos na Declaração de Independência das treze colônias americanas em 1776, e a Revolução Francesa, com influência de Rousseau, dando universalidade aos seus princípios, devidamente expressos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Com relação à Revolução Inglesa, aludido autor ressalta dois pontos básicos tinham por objetivo assegurar a proteção dos direitos naturais dos indivíduos; a intenção de estabelecer limites ao poder absoluto do monarca e a influência do protestantismo. Quanto à Declaração da Independência, o autor destaca a garantia de supremacia da vontade do povo, a liberdade de associação e a possibilidade de manter um permanente controle sobre o governo. No tocante à Revolução Francesa, afirma ser um movimento consagrador das aspirações democráticas. Este movimento evidencia a sociedade política que tem por fim a preservação da liberdade do homem e a inexistência da imposição de limites que não seja decorrentes de lei (expressão da vontade geral), bem como o direito dos cidadãos de concorrer, pessoalmente ou através de seus representantes, para a formação da vontade geral. Para Jorge Miranda, o aparecimento histórico do Estado reveste caráter interdisciplinar, e as conclusões resultantes de uma série de indagações parecem ser necessidade, em toda sociedade humana, de um mínimo de organização política; necessidade de situar no tempo e espaço a estrutura do estado; constantes transformações das organizações políticas; diferenças e 7 complexidades entres as sociedades e organizações políticas; tradução no âmbito de idéias de Direito e das regras jurídicas na formação de cada Estado.9 1.1.2. O Surgimento do Estado De acordo com Dalmo de Abreu Dallari, a origem do Estado Moderno remonta ao Absolutismo e a idéia de Estado Democrático aparece no século XVIII, através dos valores fundamentais da pessoa humana, a exigência de organização e funcionamento do Estado enquanto órgão protetivo daqueles valores. 10 A doutrina diverge sobre as origens e surgimento do Estado. Dalmo de Abreu Dallari registra que existem três teorias básicas a respeito da época do aparecimento do Estado. Pela primeira, o Estado, assim como a sociedade, sempre teria existido, considerando que o Estado seria uma organização social, dotada de poder e com autoridade para determinar o comportamento de todo o grupo. Pela segunda, a sociedade humana teria inicialmente existido sem o Estado, tendo este sido constituído gradual e localmente para atender as necessidades ou as conveniências dos grupos sociais. E, finalmente, pela terceira teoria, somente se pode falar em Estado como uma sociedade política dotada de certas características bem definidas, como conceito histórico concreto, com a idéia e a prática da soberania, o que somente ocorreu no século XVII, existindo autores que apontam o ano de 1648, como a data oficial em que o mundo ocidental se apresenta organizado em Estados.11 Assim se descrevem os princípios que passaram a nortear os Estados, como exigência e cumprimento da democracia: 1) a supremacia da vontade popular (a participação popular no governo); 2) a preservação da liberdade (o poder de fazer tudo o que não incomodasse o próximo e como o poder de dispor de sua pessoa e de seus bens, sem interferência do Estado; 3) a igualdade de 9 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional – Tomo I – Preliminares – O Estado de os Sistemas Constitucionais, 6ª Ed. São Paulo:Coimbra, 1997, p. 44. 10 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 20a ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 150. 11 Ibid, p. 51. 8 direitos (a proibição de distinções no gozo de direitos, sobretudo por motivos econômicos ou de discriminação entre classes sociais). 12 Hodiernamente, podemos compreender o Estado como sendo um agrupamento social politicamente organizado, gerido por objetivos em comum, obviamente segundo determinadas normas jurídicas em um território certo e definido, sob a total tutela de um poder soberano, representado por um governo independente. Assim sendo, a consolidação do Estado surge à medida em que coexistem interesses similares de uma coletividade e o devido ânimo de colocá-los em prática. Consoante o pensamento de Jean Dabin, que expressa a essência primordial do Estado: chegou um momento em que os homens sentiram o desejo, vago e indeterminado, de um bem que ultrapassa o seu bem particular e imediato e que ao mesmo tempo fosse capaz de garanti-lo e promovê-lo. Esse bem é o bem comum ou bem público e consiste num regime de ordem, de coordenação de esforços e intercooperação organizada. Por isso o homem se deu conta de que o meio de realizar tal regime era a reunião de todos em um grupo específico, tendo por finalidade o bem público. Assim, a causa primária da sociedade política reside na natureza humana, racional e perfectível. No entanto, a tendência deve tornar-se um ato; é a natureza que impele o homem a instituir a sociedade política, mas foi a vontade do homem que instituiu as diversas sociedades políticas de outrora e de hoje. O instinto natural não era suficiente, foi preciso a arte humana.13 Destarte, conclui-se que os objetivos do Estado são a ordem e a defesa social, em suma, o bem estar social, o bem público; sendo os seus três elementos precípuos o povo, o território e o poder político. No dizere de Darcy Azambuja, "Estado é a organização político-jurídica de uma sociedade para realizar o bem público, com governo próprio e território determinado”. Dalmo de Abreu Dallari entende o Estado como sendo "organização jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território". Importante ressaltar que na correta acepção do termo Estado, mister se faz ressaltar que "o fenômeno estatal revela-se no elemento pessoal (Estado–Comunidade) como no elemento poder (Estado-aparelho ou Estado-poder)" nos dizeres de Kildare Carvalho. 12 13 Ibid, p. 128 DABIN, Jean. Doctrine Génerale de l’État, Ed. Sirey, Paris 1939, p.42. 9 O conceito de Estado moderno, portanto, assenta-se sobre quatro elementos básicos: a soberania, o território, o povo e a finalidade. Ele é definido como a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território.14 Para os fins de nosso estudo, interessa em especial a questão da soberania estatal, uma vez que ela é indispensável para a análise do Estado Democrático de Direito. E essa característica somente se apresenta com relação ao conceito de Estado moderno. Sérgio Resende de Barros leciona que não houve na prática antiga a idéia de um poder supremo, soberano, embasado em si e por si mesmo, sem lei que o vinculasse à base social; ou seja, um poder solutus a legibus. A idéia de soberania, como marca de uma sociedade política por ela diferenciada, é moderna. Recuando ao máximo, chega ao fim do medievo. 15 A concepção do Estado moderno vem atrelada ao entendimento de que o Estado é o único criador do Direito e ele mesmo solucionará os conflitos sociais por intermédio do Estado-juiz que aplicará as normas positivadas pelo próprio Estado-legislador. É a monopolização da produção jurídica e sua aplicação por parte do Estado. É paradoxal que tal sistema jurídico tenha sido preconizado e efetivamente implementado pelo Estado Liberal, influenciado pelo Iluminismo, uma vez que o seu pressuposto filosófico é a doutrina dos direitos do homem elaborada pela escola do direito natural. No entanto, no momento em que se exigiu do Estado o respeito a tais direitos, deu-se máxima ênfase ao aspecto da legalidade, concedendo o poder absoluto de produção jurídica ao legislador estatal.16 José Joaquim Gomes Canotilho entende que: o Estado deve entender-se como conceito historicamente concreto e como modelo de domínio político típico da modernidade. Se pretendêssemos caracterizar esta categoria política da modernidade, dir-se-ia que Estado é um sistema processual e dinâmico e não uma essência imutável ou um tipo de domínio político fenomenologicamente originário e metaconstitucional.”17 14 Ibid., p. 118. BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte: DelRey, 2003, p. 121. 16 Ibid., p. 18. 17 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 6ª Ed. Coimbra: Almedina, 1995, p. 43. 15 10 1.1.3. Estado de Direito e seus Fundamentos Para alcançar uma compreensão do Estado de Direito, não se pode prescindir uma análise da distinção entre direito natural e direito positivo, considerando que essa é uma dicotomia estabelecida pelo pensamento jurídico ocidental, e que influenciou e ainda influencia fortemente as relações sociedade– Estado e Estado–indivíduo, sendo que não se pode falar da instituição Estado sem falar no Direito. Dessa divisão teórica resultam vários questionamentos quando se perquire da relação do Estado com o Direito. Norberto Bobbio esclarece que a distinção entre direito natural e direito positivo já havia sido identificada até mesmo na antiguidade, com Platão e Aristóteles. Este último utilizou-se de dois critérios para chegar a tal diferenciação: 1 - o direito natural é aquele que tem em toda parte a mesma eficácia, enquanto o direito positivo tem eficácia apenas nas comunidades políticas singulares em que é posto; 2 - o direito natural prescreve ações cujo valor não depende do juízo que sobre elas tenha o sujeito, mas existe independentemente do fato de parecerem boas ou más a outros. Prescreve ações cuja bondade é objetiva. O direito positivo, ao contrário, é aquele que estabelece ações que, antes de serem reguladas, podem ser cumpridas indiferentemente de um modo ou de outro, mas uma vez reguladas pela lei, importa (isto é: é correto e necessário) que sejam desempenhadas do modo prescrito pela lei. 18 Os filósofos da Idade Média também discorreram sobre o assunto, deixando assente que existe uma clara distinção entre direito natural e direito positivo, tendo este a característica de ser posto pelos homens, em contraste com o primeiro que não é posto por esses, mas por algo (ou alguém) que está além desses, como a natureza (ou o próprio Deus). Essa distinção, que perdura até hoje, ganha importância no tocante à questão do exame do Estado de Direito e, em última análise, do Estado Democrático de Direito, quando se sabe que o positivismo jurídico reduziu todo o Direito a direito positivo, afastando o direito natural da categoria do Direito, pois 18 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. Tradução e notas de Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 17. 11 essa corrente doutrinária não considera Direito outro que não seja aquele posto pelo Estado, sendo este o único detentor do poder de estabelecer as normas jurídicas que irão reger a sociedade. Por outro lado, quando se fala de Estado de direito no âmbito da doutrina liberal do Estado, deve-se acrescentar à definição tradicional uma determinação ulterior: a constitucionalização dos direitos naturais, ou seja, a transformação desses direitos em direitos juridicamente protegidos, isto é, em verdadeiros direitos positivos. Vale acrescentar que Hans Kelsen, o precursor máximo do positivismo jurídico, defende que o Direito é um sistema de normas jurídicas, postas pelo Estado, num escalonamento de autoridade legal hierárquica, em que a Constituição de um Estado se encontra na camada jurídico-positiva mais alta. 19 Portanto, concluímos que o Estado de direito é aquele em que vigora o chamado "império da lei", porém este termo engloba alguns aspectos significados: primeiro aspecto é o de que, neste tipo de Estado, as leis são criadas pelo próprio Estado, através de seus representantes politicamente constituídos; o segundo aspecto é que, uma vez criadas pelo Estado, as leis passam a serem eficazes, isto é, aplicáveis, o próprio Estado fica adstrito ao cumprimento das regras e dos limites por ele mesmo impostos; o terceiro aspecto, que se liga diretamente ao segundo, é a característica de que, no Estado de direito, o poder estatal é limitado pela lei, não sendo absoluto, e o controle desta limitação se dá através do acesso de todos ao Poder Judiciário, que deve possuir autoridade e autonomia para garantir que as leis existentes cumpram o seu papel de impor regras e limites ao exercício do poder estatal. Na origem, o Estado de Direito tinha um conceito tipicamente liberal, daí falar-se Estado Liberal de Direito, cujas características básicas foram: a) a submissão ao império da lei, lei esta emanada do Poder Legislativo, composto por representantes do povo; b) a divisão de poderes, que separe de forma 19 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, introdução à problemática científica do direito. Tradução de J. Cretella Júnior e Agnes Cretella. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 103 12 independente e harmônica os poderes legislativo, judiciário e executivo; c) um enunciado de direitos fundamentais.20 Daí a importância do chamado Estado de Direito, pois após os movimentos liberalistas, o Estado revestiu-se de outras características marcadas principalmente pela divisão dos poderes, como técnica que assegure a produção das leis ao Legislativo e a independência e a imparcialidade do Judiciário em face aos demais poderes e dos interesses particulares de toda sociedade. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em seu magistério, esclarece que: a locução Estado de Direito foi cunhada na Alemanha: é o Rechtsstaat. Aparece num livro de Welcker, publicado em 1813, no qual se distinguem três tipos de governo: despotismo, teocracia e Rechtsstaat. Igualmente foi na Alemanha que se desenvolveu, no plano filosófico e teórico, a doutrina do Estado de Direito. Nas pegadas de Kant, Von Mohl e mais tarde Stahl lhe deram a feição definitiva.21 Segundo ensinamentos de José Afonso da Silva: a superação do liberalismo colocou em debate a questão da sintonia entre o Estado de Direito e a sociedade Democrática. A evolução desvendou sua insuficiência e produziu o conceito de Estado Social de Direito, nem sempre de conteúdo democrático. Chega agora o ‘Estado Democrático de Direito’ que a constituição acolhe no art. 1º como um conceito-chave do regime adotado, tanto quanto o são o conceito de ‘Estado Democrático de Direito’ da Constituição da República Portuguesa (art. 2º) e do ‘Estado Social e Democrático de Direito da Constituição Espanhola’ (art. 10º).22 O conceito de “Estado de Direito” foi ganhando “sinônimos” com o tempo e muitos desses foram concepções deformadoras. Com a superação do liberalismo, a expressão Estado de Direito, que inicialmente convertia os súditos em cidadão livres, tornou-se insuficiente, pois, segundo Carl Schmitt: “Estado de Direito pode ter tantos significados distintos como a própria palavra ‘Direito’ e designar tantas organizações quanto as que se aplica a palavra ‘Estado’”. Assim, acrescenta ele, 20 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª Ed. Brasil: Malheiros, 2007, p. 112 21 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de direito e constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 05. 22 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª Ed. Brasil: Malheiros, 2007 p. 113. 13 há um Estado de Direito feudal, outro burguês, outro nacional, além de outros conformes com o Direito natural, com o Direito racional e com o Direito histórico. 23 Entendemos, portanto, que o Estado de Direito é sinônimo de Estado de Justiça, que por sua vez, nada tem a ver com o estado submetido ao poder judiciário, sendo este apenas um elemento que compõe o Estado de Direito. Estado submetido ao juiz é Estado cujos atos legislativos, administrativos e também judiciais ficam sujeitos ao controle jurisdicional no que tange à legitimidade constitucional e legal Na concepção jurídica de Hans Kelsen, o conceito de Estado de Direito também é “deformado”. Para ele, Estado e Direito são conceitos idênticos. Na medida em que ele confunde Estado e ordem jurídica, todo Estado, para ele, há de ser Estado de Direito. Como, na sua concepção, só é Direito o Direito positivo, como norma pura, desvinculada de qualquer conteúdo, tem-se uma idéia formalista do Estado de Direito ou Estado Formal de Direito que serve também a interesses ditatoriais, pois, se o Direito acaba se confundindo com o mero enunciado formal da lei, destituído de qualquer conteúdo, sem compromisso com a realidade política, social, econômica e ideológica, todo Estado acaba sendo Estado de Direito.24 Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho: os três grandes princípios encontráveis num Estado submetido ao Direito são: o princípio da legalidade, o princípio da igualdade e o princípio da justicialidade. O princípio da legalidade, que contém a afirmação da liberdade do indivíduo como regra geral, seria a fonte única de todas as obrigações dentro de um Estado de Direito. A lei vincula o Poder Executivo, que não pode exigir condutas que não estejam previstas em lei, submete a função do Judiciário, que não pode impor sanção sem que esta esteja definida em lei, e embasa a atuação do Legislativo, que nada pode prescrever senão por meio de uma lei. A igualdade é princípio informador do conceito de lei no Estado de Direito, posto que suas formulações legais devem ser iguais para todos, proibindo o arbítrio, tratando os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida em que se desigualam. A justicialidade, vista como princípio também, é o controle dos atos do Estado de Direito, que deve conter um procedimento contencioso para decidir os litígios, sejam estes entre 23 Ibid.,. p.113. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Introdução à problemática científica do direito. Tradução de J. Cretella Júnior e Agnes Cretella. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 103, p. 117. 24 14 as autoridades superiores do Estado, ou entre autoridades e particulares, ou, num Estado federal, entre a Federação e um 25 Estado-membro, ou entre Estados-membros etc. Portanto, o reconhecimento e a institucionalização do Estado de Direito tende a produzir, de forma geral, a eliminação do arbítrio no exercício dos poderes públicos, a submissão do poder ao império do direito e o reconhecimento de direitos e garantias fundamentais, que são, em última análise, a materialização de uma idéia de justiça presente na constituição de um Estado. Por isso, podemos afirmar que o Estado de direito possui várias dimensões essenciais. A primeira dimensão essencial é que o Estado de Direito é um Estado subordinado ao direito. Isso significa, mais concretamente, três coisas: a) o Estado está sujeito ao direito, em especial a uma Constituição (por isso, que constituição é, segundo José Joaquim Gomes Canotilho, o estatuto jurídico do político); b) o Estado atua através do direito; c) o Estado está sujeito a uma idéia de justiça. As demais dimensões essenciais são, resumidamente, que o Estado de Direito é um Estado de direitos fundamentais, ou seja, com um conjunto de normas constitucionais superiores, que obrigam o legislador a respeitá-las, observando o seu núcleo fundamental, sob pena de nulidade das próprias leis e da declaração de sua inconstitucionalidade; além disso, deve observar o princípio da razoabilidade, ou seja, é um Estado de justa medida porque se estrutura em torno do princípio material normalmente chamado de princípio da proibição de excesso. Além disso, destacamos que o Estado de Direito é um Estado que estabelece o princípio da legalidade da administração pública, isto é, um Estado que estabelece a idéia de subordinação à lei dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes do Estado que responde pelos seus atos, ou seja, é um Estado que civilmente é responsável por danos incidentes na esfera jurídica dos particulares. O Estado de Direito é um Estado que garante a via judiciária, ou seja, o acesso ao poder judiciário no caso de ameaça ou de lesão de direito. Esse princípio é complementado, entre outros pressupostos, pela garantia de um juízo regular e independente, pela observância do princípio do contraditório e da ampla defesa, pela institucionalização do direito de escolher um defensor e pelo reconhecimento 25 FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de direito e constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 23. 15 do cidadão ter a assistência obrigatória de um advogado quando processado pelo Estado. Outro ponto fundamental e essencial do Estado de Direito é um Estado estruturado a partir da divisão de poderes, isto é, do fracionamento do Poder do Estado e da independência de seus três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Nesse sentido, o Estado de Direito é também, como regra, um Estado descentralizado, mesmo quando se configura como um Estado unitário. 16 1.2 Direitos Fundamentais Direitos fundamentais são os considerados indispensáveis à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual; a definição desses direitos denominados “fundamentais” envolve diferentes aspectos. Numa acepção material, podemos afirmar que eles dizem respeito aos direitos básicos que o indivíduo, natural e universalmente, possui em face do Estado; em acepção formal, os direitos são considerados fundamentais quando o direito vigente em um país assim os qualifica, normalmente estabelecendo certas garantias para que estes direitos sejam respeitados por todos.26 José Joaquim Gomes Canotilho afirma que: “tal como são um elemento constitutivo do Estado de Direito, os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático. Mais concretamente: os direitos fundamentais têm uma função democrática dado que o exercício democrático do poder: 1 - significa a contribuição de todos os cidadãos para o seu exercício (princípio direito de igualdade e da participação política); 2 – implica participação livre assente em importantes garantias para a liberdade desse exercício (o direito de associação, de formação de partidos, de liberdade de expressão, são, por ex., direitos constitutivos da próprio princípio democrático; 3 – envolve a abertura do processo político no sentido da criação de direitos sociais, econômicos e culturais, constitutivo de uma democracia econômica, social e cultural. Realce-se esta dinâmica dialética entre os direitos fundamentais e o princípio democrático. Ao pressupor a participação igual dos cidadãos, o princípio democrático entrelaça-se com os direitos subjetivos de participação e associação, que se tornam, assim, fundamentos funcionais da democracia.27 Aludido autor entende ainda que os direitos fundamentais, como direitos subjetivos de liberdade, criam um espaço pessoal contra o exercício de poder antidemocrático, e como direitos legitimadores de um domínio democrático asseguram o exercício da democracia mediante a exigência de garantias de organização e de processos com transparência democrática (princípio maioritário, publicidade crítica, direito eleitoral). Por fim, como direitos subjetivos a prestação sociais, econômicas e culturais, os direitos fundamentais constituem dimensões 26 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. 2a edição, Saraiva, São Paulo, 2005, p. 60. 27 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 6ª Ed. Coimbra: Almedina, 1995, p. 430. 17 impositivas para o preenchimento intrínseco, através do legislador democrático, desses direitos.28 1.2.1. Evolução Histórica e Aspectos Conceituais A história dos direitos fundamentais está diretamente ligada ao aparecimento do constitucionalismo, no final do século XVIII, que, entretanto, herdou da idade média as idéias de contenção do poder do Estado em favor do cidadão, sendo exemplo mais relevante neste sentido a célebre Magna Carta, escrita na Inglaterra, em 1215, pela qual o Rei João Sem Terra reconhecia alguns direitos dos nobres, limitando o poder do monarca. Numa breve abordagem histórica da evolução dos direitos fundamentais encontraremos traços gerais das primeiras declarações de direitos e nas cartas de franquia da Idade Média, que continham enumerações de direitos. Desde a Revolução de 1789, as declarações de direitos são um dos traços do Constitucionalismo, como observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho: a opressão absolutista foi a causa próxima do surgimento das Declarações. Destas a primeira foi a do Estado da Virgínia, votada em junho de 1776, que procurava estabelecer os direitos fundamentais do povo norte-americano, tais como a liberdade, a igualdade, eleição de representantes etc., servindo de modelo para as demais na América do Norte embora a mais conhecida e influente seja a dos "Direitos do Homem e do Cidadão", editada em 1789 pela Revolução Francesa. 29 Com a Revolução Francesa, em 1789, se acentuaram os movimentos e documentos escritos que buscavam garantir aos cidadãos os seus direitos elementares em face da atuação do poder público. Como dito, um dos documentos mais conhecidos neste sentido foi a denominada Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, produto daquela revolução ocorrida em território francês. Assim, mister se faz ressaltar que no século XVIII foram feitas conquistas substanciais e definitivas, contudo o surgimento das liberdades 28 Ibid., p. 431. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalvez. Estado de direito e constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 281. 29 18 públicas tem como ponto de referência duas fontes primordiais: o pensamento iluminista da França e a Independência Americana. Em 1948, logo após a 2ª Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas fazia editar a Declaração Universal dos Direitos do Homem, estendendo para praticamente todo o mundo o respeito e a proteção aos direitos fundamentais do ser humano. A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, preocupou-se, fundamentalmente, com quatro ordens de direitos individuais, conforme assevera Celso Ribeiro Bastos: "Logo no início, são proclamados os direitos pessoais do indivíduo: direito à vida, à liberdade e à segurança. Num segundo grupo encontram-se expostos os direitos do indivíduo em face das coletividades: direito à nacionalidade, direito de asilo para todo aquele perseguido (salvo os casos de crime de direito comum), direito de livre circulação e de residência, tanto no interior como no exterior e, finalmente, direito de propriedade. Num outro grupo são tratadas as liberdades públicas e os direitos públicos: liberdade de pensamento, de consciência e religião, de opinião e de expressão, de reunião e de associação, princípio na direção dos negócios públicos. Num quarto grupo figuram os direitos econômicos e sociais: direito ao trabalho, à sindicalização, ao repouso e à educação".30 Para José Joaquim Gomes Canotilho, as expressões ‘direitos do homem’ e ‘direitos fundamentais’ são freqüentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. Sem dúvida que a causa principal do reconhecimento de direitos naturais e intangíveis em favor do indivíduo é de ordem filosófico-religiosa. Uma grande contribuição é tributada ao Cristianismo, com a idéia de que cada pessoa é criada à imagem e semelhança de Deus; portanto, a igualdade fundamental natural entre todos os homens. 30 BASTOS, Celso Ribeiro. A Era dos Direitos. 10 ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 34. 19 Norberto Bobbio afirma que: a Declaração Universal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro: mas suas tábuas não foram gravadas de 31 uma vez para sempre. Paulo Bonavides, discorrendo sobre a importância das declarações dos direitos do homem e enaltecendo aquela nascida na França, alega que: Constatou-se então com irrecusável veracidade que as declarações antecedentes de ingleses e americanos podiam talvez ganhar em concretude, mas perdiam em espaço de abrangência, porquanto se dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), quando muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração francesa de 1789 tinha por destinatário o gênero humano. Por isso mesmo, e pelas condições da época, foi a mais abstrata de todas as formulações solenes já feitas acerca da liberdade. O teor de universalidade da Declaração recebeu, aliás, essa justificativa lapidar de Boutmy: Foi para ensinar o mundo que os franceses escreveram; foi para o proveito e comodidade de seus concidadãos que os americanos redigiram suas Declarações. 32 Assim, podemos afirmar que os direitos fundamentais são o resultado de um longo processo histórico, de uma lenta evolução. Eles não nasceram em uma data específica e nem foram engendrados em um único país, embora alguns momentos da história e certos Estados possam ser mencionados como relevantes para seu surgimento e fortalecimento. Em verdade, porém, como já mencionado, esses direitos do ser humano deitam suas raízes mais longínquas no cristianismo, que contribuiu enormemente para que o homem fosse visto e tratado de forma isonômica, uma vez que a doutrina cristã prega que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, valorizando assim a criação divina e permitindo-lhe que adquirisse respeito e fosse tratado de forma digna. Nessa evolução histórica, surgiram várias declarações de direitos do homem, como as já mencionadas Magna Charta Libertatum (1215), a Declaração 31 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 10 ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 34 32 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª Ed. Brasil: Malheiros, 2006, p.571. 20 americana (1776), a francesa (1789), e a Declaração da ONU (1948), que, certamente, influenciaram o surgimento das proteções jurídicas dos direitos fundamentais em outros países. Para José Afonso da Silva, Direitos Fundamentais são "situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana". Melhor dizendo: "São direitos constitucionais na medida em que se inserem no texto de uma constituição ou mesmo constem de simples declaração solenemente estabelecida pelo poder constituinte”. São direitos que nascem e se fundamentam, portanto, da soberania popular. Eis algumas características dos Direitos Fundamentais: 33 (1) Historicidade. São históricos como qualquer direito. Nascem, modificam-se e desaparecem. (...); (2) Inalienabilidade. São direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode desfazer, porque são indisponíveis; (3) Imprescritibilidade. (...) Vale dizer, nunca deixam de ser exigíveis. Pois prescrição é um instituto jurídico que somente atinge os direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade dos direitos personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o caso; (4) Irrenunciabilidade. Não se renunciam direitos fundamentais. Alguns deles podem até não ser exercidos, pode-se deixar de exercê-los, mas não se admite que sejam renunciados.34 No Brasil, face a nova concepção acerca dos direitos fundamentais, anteriormente mencionada, foi também incorporada às Constituições Brasileiras, de modo que, dentro do direito constitucional positivo, a Constituição elenca os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. A primeira Constituição, diz Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a adotar, em seu texto, essa inspiração foi da de 1934, no que foi seguida pelas posteriores. As anteriores – 1824 e 1891 – como era de se esperar, manifestavam em seu texto o apego à concepção individualista dos direitos fundamentais.35 33 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª. Ed., ver. e atual.- São Paulo: Malheiros, 2006, p. 183. 34 Ibid., p. 185. 35 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 25 ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 285. 21 Vale mencionar que a Constituição de 1988 classifica dos Direitos Fundamentais em cinco grupos: Direitos Individuais; Coletivos; Sociais; à Nacionalidade e Políticos. Os direitos fundamentais são as bússolas das Constituições; não há constitucionalismo sem direitos fundamentais. Afirma Paulo Bonavides explicando que: a pior das inconstitucionalidades não deriva, porém da inconstitucionalidade formal, mas da inconstitucionalidade material, deveras contumaz nos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos onde as estruturas constitucionais, habitualmente instáveis e movediças, são vulneráveis aos reflexos que os fatores econômicos, políticos e financeiros que sobre ela 36 se projetam. Não resta dúvida de que à margem da teorização, no âmbito exclusivo da realidade de nosso tempo, os obstáculos para a concretização dos direitos fundamentais e as ameaças de que poderão tornar letais à liberdade enquanto direito fundamental, vem ganhando espaço e força gradativamente. Em rigor, diante dos novos perfis empresariais do sistema capitalista, das ofensas ao meio ambiente, da expansão incontrolada de meios informáticos e, principalmente, da mídia posta a serviço do Estado e das cúpulas hegemônicas da economia, tais ameaças tendem a se tornar cada vez mais sérias e delicadas, obstaculizando a sobredita concretização dos direitos fundamentais. Portanto, podemos concluir que os Direitos Fundamentais estão inseridos dentro daquilo que o Constitucionalismo denomina de princípios constitucionais fundamentais, que são os princípios que guardam os valores fundamentais da Ordem Jurídica. Sem eles, a Constituição nada mais seria do que um aglomerado de normas que somente teriam em comum o fato de estarem inseridas num mesmo texto jurídico; de modo que, onde não existir Constituição não haverá também direitos fundamentais. 36 BONAVIDES, Paulo Bonvides. Curso de Direito Constitucional. 18ª Ed. Brasil: Malheiros, 2006, p. 600. 22 1.2.2 Classificação dos Direitos Fundamentais Direitos fundamentais, como já dissemos, em sua acepção formal, são aqueles direitos básicos do indivíduo e do cidadão, reconhecidos pelo direito positivo do Estado, que exige deste uma abstenção ou uma atuação no sentido de garanti-los. No Brasil, essa expressão engloba vários direitos, tais como: os individuais, os coletivos, os difusos, os sociais, os nacionais e os políticos. No entanto, os direitos fundamentais podem ser estudados e concebidos das mais diferentes maneiras. Dentre essas formas, podemos analisar os referidos direitos dividindo-os em dimensões sob a forma de gerações, como o faz Paulo Bonavides, Norberto Bobbio e outros doutrinadores. A primeira geração de direitos dominou o século XIX, e é composta dos direitos de liberdade, que correspondem aos direitos civis e políticos. Tendo como titular o indivíduo, os direitos de primeira geração são oponíveis ao Estado, sendo traduzidos como faculdades ou atributos da pessoa humana, ostentando uma subjetividade que é seu traço marcante. 37 A segunda geração de direitos, da mesma forma que a primeira, foi inicialmente objeto de formulação especulativa nos campos político e filosófico, e possuíam grande cunho ideológico.Assim como os de primeira geração dominaram o século XIX, pois tiveram seu nascedouro nas reflexões ideológicas e no pensamento antiliberal desse século.38 Cingidos ao princípio da igualdade – sendo esse a razão de ser daqueles – os direitos de segunda geração são considerados como sendo os direitos sociais, culturais, coletivos e econômicos, tendo sido inseridos nas constituições das diversas formas de Estados sociais, portanto dispersos nos textos legais. Quanto a esses direitos de segunda geração, salienta Paulo Bonavides, in verbis: atravessaram, a seguir uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes constituições, inclusive a 37 38 Ibid, p. 517. Ibid, p. 518. 23 do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. De tal sorte, os direitos da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada no caráter programático da norma. Os direitos de terceira geração (fraternidade ou solidariedade) são identificados como sendo o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação. 39 Tecendo comentários sobre a terceira geração de direitos, Norberto Bobbio, comenta que para Celso Lafer, os direitos de terceira geração são direitos cujos sujeitos não são os indivíduos, mas sim, os grupos de indivíduos, grupos humanos como a família, o povo, a nação e a própria humanidade.40 Lançadas as bases por Paulo Bonavides, tem-se que a "globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social".41 Segundo ele, os direitos da quarta geração consistem no direito à democracia, direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a materialização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo quedar-se no plano de todas as afinidades e relações de coexistência. Enquanto direito de quarta geração, a democracia positivada há de ser, necessariamente, uma democracia direta, que se torna a cada dia mais possível, graças aos avanços tecnológicos dos meios de comunicação, e sustentada legitimamente pela informação correta e aberturas pluralistas do sistema. É de se lembrar, também, que deve ser uma democracia isenta, livre das contaminações, vícios e perversões da mórbida mídia manipuladora. 39 Ibid, nota 10, p. 518. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 10 ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 13, nota 11. 41 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª Ed. Brasil: Malheiros, 2006, p. 524-256. 40 24 Assim, podemos dizer que os direitos da segunda, terceira e quarta geração, além de dispersos em todo texto legal jurídico, não se interpretam, mas sim, concretizam-se. E é no seio dessa materialização, dessa solidificação, que se encontra o futuro da globalização política, o início de sua legitimidade e a força que funde os seus valores de libertação. Enfim, conforme enfatiza Paulo Bonavides, "os direitos da quarta geração compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente com eles será legítima e possível a globalização política".42 Essas gerações, numa primeira análise, representariam a conquista pela humanidade de três espécies de direitos fundamentais, amparada nos ideais divulgados especialmente na Revolução Francesa, os quais se resumiam no lema “liberdade, igualdade e fraternidade”. Coincidentemente, cada uma dessas expressões representaria uma geração de direitos a ser conquistada. Portanto, podemos concluir em breve resumo que os direitos fundamentais de primeira geração corresponde àqueles direitos básicos dos indivíduos relacionados a sua liberdade, considerada em seus vários aspectos, buscando também controlar e limitar os desmandos do governante, de modo que este respeite as liberdades individuais da pessoa humana. A segunda geração, por sua vez, fundada na idéia da igualdade, significa uma exigência ao poder público no sentido de que este atue em favor do cidadão, cobrando uma prestação positiva do Estado aos chamados direitos sociais, direitos não mais considerados individualmente, mas sim de caráter econômico e social. E, ainda, a terceira geração, que corresponde a fraternidade, que representa a evolução dos direitos fundamentais para alcançar e proteger aqueles direitos decorrentes de uma sociedade já modernamente organizada, que se encontra envolvida em relações de diversas naturezas, especialmente aquelas relativas à industrialização e densa urbanização; assim, podemos mencionar: o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito à comunicação, os direitos dos consumidores e vários outros direitos especialmente aqueles relacionados a grupos de pessoas 42 Ibid. p. 526. 25 mais vulneráveis (a criança, o idoso, o deficiente físico, etc). Por derradeiro, uma quarta geração de direitos fundamentais, identificada por vários autores, que decorreria da atual globalização desses direitos, tais como a democracia, o direito à informação e ao pluralismo. Paulo Bonavides esclarece que: via de regra, todo direito fundamental concreto demanda, para sua interpretação, o exame dos seguintes aspectos: o aspecto objetivoinstitucional, por exemplo, no caso da Família; o da prestação estatal, haja vista o direito de acesso à cultura: o direito fundamental à prestação jurisdicional, e, finalmente o aspecto da vertente subjetiva que opera no caso de liberdade religiosa, unida, porém, ao status corporativus, como exemplificado pela igreja e comunidades religiosas.43 Com igual energia e clareza elucidativa, da gênese hermenêutica, dos direitos fundamentais na sede de sua teorização, arremata ele: É um processo ordinário no Estado constitucional o nascimento e a morte das teorias dos direitos fundamentais. O que deve permanecer é a idéia da proteção pessoal. E todas as teorias dos direitos fundamentais devem colocar-se a serviço da mesma. Com efeito, tem razão o constitucionalista: as teorias dos direitos fundamentais nascem e morrem com os regimes políticos, com as ideologias, com os teoristas dos Estado, com os filósofos do poder e com os pensadores políticos. Paulo Bonavides conclui afirmando que, as teorias modernas e contemporâneas, não importam a sua diversidade, só terão acolhida no constitucionalismo do Estado democrático se tiverem por elemento primário e base de legitimação a liberdade nas quatro dimensões que a dogmática evolutiva daqueles direitos ostenta, e que já foram referidas também sob a designação de direitos de quatro gerações, isto é, direitos individuais, sociais, do desenvolvimento, da paz e do meio ambiente e, de último, despontando no horizonte social e político, os direitos da quarta geração, a saber, a democracia, o pluralismo e a informação. 44 43 44 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª Ed. Brasil: Malheiros, 2006, p.598. Ibid, p.599. 26 2. O DEVIDO PROCESSO LEGAL E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO CIVIL A norma contida no enunciado do art. 5º, LIV, da Constituição Federal é um princípio porque não descreve um comportamento, mas sim a realização de um fim. Isso não significa que a norma não prescreva comportamentos, mas apenas que tais comportamentos (obrigatórios justamente por serem necessários à realização do fim) não estão descritos no enunciado, como ocorre com as regras. O princípio do devido processo legal está relacionado à idéia de controle do poder estatal. O Estado pode, através de seus órgãos, a fim de realizar os fins públicos, impor restrições aos bens individuais mais relevantes. No entanto, não pode fazê-lo arbitrariamente. O escopo do princípio estudado é reduzir o risco de ingerências indevidas nos bens tutelados, através da adoção de procedimentos adequados. Ou ainda, garantir que a prolação de determinada decisão judicial ou administrativa seja precedida de ritos procedimentais assecuratórios de direitos das partes litigantes. 45 Ao devido processo legal é atualmente atribuída grande responsabilidade por ser um princípio fundamental, ou seja, sobre ele repousam todos os demais princípios constitucionais, ou seja, é um super princípio. Nelson Nery Júnior, Paulo Roberto Dantas de Souza Leão, José Rogério Cruz e Tucci, Cândido Rangel Dinamarco e Paulo Rangel, afirmam que no devido processo legal estariam contidos todos os outros princípios processuais, como o da isonomia, do juiz natural, da inafastabilidade da jurisdição, da proibição da prova ilícita, da publicidade dos atos processuais, do duplo grau de jurisdição e da motivação das decisões judiciais. Com muita precisão, Cristina Reindolff da Motta afirma que "a todo momento que se fizer análise ou reflexão acerca de algum princípio processual constitucional, com certeza poder-se-á identificar nuances do Princípio do Devido Processo Legal, e vice-versa". 46 45 ÁVILA, Humberto. Fundamentos do Estado de Direito. São Paulo: Ed. Malheiros, 2005, p. 63/64. JÚNIOR, Humberto Theodoro. A garantia fundamental do devido processo legal e o exercício do poder de cautela no Direito Processual Civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1991. p. 11. 46 27 Nota-se uma critica subliminar da doutrina à expressa inserção desse princípio no texto constitucional. Tal crítica não é no sentido de que não fosse ela necessária ou o princípio não a merecesse, mas da redundância que decorreria da referência expressa ao devido processo legal após elencado todos os princípios e direitos processuais constitucionais. Entretanto, países que já tiveram o dissabor de passar por ditaduras e golpes militares, como o nosso, sabem da importância da Constituição conter explicitamente as garantias fundamentais derivadas do processo legal. Trazido praticamente ao final do rol, o devido processo legal tem por objetivo enfeixar as demais garantias, não como uma redundância, mas como um inabalável sustentáculo. O devido processo legal não tem uma definição estanque, fixa ou muito menos, perene. Isso permite a sua mutabilidade, adaptação gradual, e, principalmente, evolução, de acordo com a demanda da sociedade. Luiz Rodrigues Wambier menciona que: Arturo Hoyos entende que o princípio do devido processo legal está inserido no contexto, mais amplo, das garantias constitucionais do processo, e que somente mediante a existência de normas processuais, justas, que proporcionem a justeza do próprio processo, é que se conseguirá a manutenção de uma sociedade sob o império do Direito. 47 O devido processo legal, foi concebido e conceituado durante muito tempo como amparador ao direito processual, buscando uma adequação do processo à ritualística prevista, praticamente confundindo-se ao princípio da legalidade. 2.1. Antecedentes Históricos A garantia constitucional do devido processo legal prescinde da história do homem pela busca de sua liberdade, ou seja, libertar-se da servidão que lhe foi imposta pelo próprio semelhante; revela, sobretudo, a luta pela contenção do poder. 48 47 BOLQUE, Fernando César. A efetividade dos direitos fundamentais (art. 5º da Constituição Federal) e o princípio da razoabilidade das leis: a atuação do Ministério Público. Disponível na Internet: Acesso em 22 ago 2002. 48 SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal – Due process of Law, Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 15. 28 Qualquer abordagem que se pretenda fazer no tocante à garantia do devido processo legal deve iniciar-se pela análise do panorama político e social da Inglaterra medial, culminando com a outorga da Magna Carta do Rei João Sem Terra em 1215. Porém, nos primórdios, vivia o homem em regime tribal, com total liberdade e comunhão de patrimônio, restringidos apenas pelo interesse de sobrevivência do grupo. Após a criação do Estado, os séculos vieram demonstrar que o homem havia perdido sua liberdade, quase que total, porque o detentor do poder passou a utilizá-lo, de modo geral, em proveito próprio, ignorando o interesse do povo, chegando Luís XIV a dizer: "L’État c’ est moi" (O Estado sou eu). 49 Todavia, a saga pela liberdade nunca foi abandonada, pois, para o homem constitui o seu mais precioso bem, sendo o modo natural de manifestação da vida, da inteligência, da criatividade, das quais decorrem, inelutavelmente, a indústria e o progresso, enfim, a civilização. O homem nasceu para ser livre, sujeitando-se ao mínimo de restrições necessárias à realização do bem comum. 50 Com exatidão Paulo Fernando Silveira nos mostra que: a lição que se extrai é que as ditaduras e impérios que se apoiaram em ordem absoluta, individual do tirano ou do grupo dominante, contrariando a natureza das coisas, por mais poderosos que tenham sido, entraram em colapso, como registra a história. Apenas o governo democrático, que tem o povo como base, com suas múltiplas diversidades individuais e diferentes anseios, pode desenvolver-se serenamente, administrando a conjuntura variável, pois, ainda que cometa erros, serão, por certo, reparáveis.51 No Direito Inglês a garantia do devido processo legal surgiu no reinado de John, chamado de Sem-Terra, cujo reinado usurpou de seu irmão Ricardo Coração de Leão que morreu em virtude de um ferimento de flecha recebido em uma batalha, como dito. Paulo Fernando Silveira nos ensina que: 49 Ibid, p.15. Ibid, p.16. 51 Ibid, p.16. 50 29 João Sem-Terra ao assumir a coroa passou a exigir elevados tributos e fez outras imposições decorrentes de sua tirania, o que levou os barões a se insurgirem: ‘Os desastres, cincas e arbitrariedades do novo governo foram tão assoberbantes, que a nação, sentindo-lhe os efeitos envilecedores, se indispôs, e por seus representantes tradicionais reagiu. Foram inúteis as obsecrações. A reação era instintiva, generalizada; e isso, por motivo de si mesmo explícito: tão anárquico fora o reinado de João, que se lhe atribuía outrora, como ainda nos nossos dias se repete, a decadência; postergou regras jurídicas sãs de governo; descurou dos interesses do reino; e, a atuar sobre tudo, desservindo a nobres e a humildes, ameaçava a desnervar a 52 energia nacional, que se revoltou. Assim, em 15/06/1215 John foi obrigado a concordar apondo seu selo real, com os termos da declaração de direitos, que lhe foi apresentada pelos barões, a qual ficou conhecida como Magna Carta, ou Great Charter, da qual ainda existem preservados quatro exemplares originais. Por esse documento, o Rei John jurou respeitar os direitos, franquias e imunidades que ali foram outorgados, como salvaguarda a liberdade dos insurretos, entre eles a cláusula do devido processo legal (due process of law). Destaca-se que a Magna Carta (1215) evidenciou pela primeira vez, de modo inequívoco, que nenhuma pessoa, por mais poderosa que fosse, estaria acima da lei, ao assegurar, em seu § 39, com as alterações da Carta de 1225, com regra absoluta a ser observada, o devido processo legal: 51 Nenhum homem livre será detido ou sujeito a prisão, ou privado dos seus direitos ou seus bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou reduzido em seu status de qualquer outra forma, nem procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento legal pelos seus pares ou pelo costume da terra. Cremos que a função primeira deste documento foi sem dúvida limitar o poder real, inibindo as tiranias e manobras de João Sem Terra, e, por conseqüência, garantia aos senhores feudais certos direitos e prerrogativas antes nunca concedidas. Portanto, pela primeira vez na história, de forma muito singela, instituiu-se o devido processo legal que constitui a essência da liberdade individual em face da lei, ao afirmar que ninguém perderá a vida ou a liberdade, ou será despojado de 52 SILVEIRA, Paulo Fernando. Op. p. 21 apud Pontes de Miranda. História e prática do habeas corpus. 7. Ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, p. 11. 30 seus direitos ou bens, salvo pelo julgamento de seu pares, de acordo com a lei da terra. 53 O autor Paulo Fernando Silveira, aduz ainda que: qualquer pretensão de conceituar o devido processo legal deverá levar em consideração sua origem, que remonta, aos reinados de Henry I (1100/11350 e Henry II (1154/1189), culminando com a assinatura da Magna Carta pelo Rei João Sem Terra – (Jonh Lackland (1199/1216), que sucedeu ao seu irmão Ricardo 54 Coração de Leão-Richard the Lion Heart (1189/1199)". Assim, o primeiro ordenamento que teria tratado desse princípio foi a Magna Carta do rei John Lackland (João "Sem-Terra"), de 15 de junho de 1215, quando o seu art. 39 se referiu a legem terrae, termo posteriormente traduzido para a língua inglesa como law of the land, sem, contudo, mencionar a expressão que hoje conhecemos, due process of law. 55 No Direito Americano a origem o devido processo legal surgiu por meio de dissidentes protestantes ingleses, que, em fuga, aportaram nas praias americanas da Virgínia em 1607, trazendo consigo os fundamentos da common law, entre os quais o princípio do devido processo legal. Em 1354, ainda na Inglaterra do rei Eduardo III, no conhecido Statute of Westminster of the Liberties of London, por um legislador desconhecido, foi utilizada a expressão definitiva e, de forma mais importante, incorporado aquele texto aos dispositivos da Common Law. Há de se admitir, no entanto, que durante toda essa época, o instituto era meramente formal, se utilização e sem expressão. 56 53 SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal – Due process of Law, Belo Horizonte: Del Rey, 1996p. 22. 54 SILVEIRA, Paulo Fernando. Op. p. 21 apud Pontes de Miranda, História e prática do habeas corpus. 7. Ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, p. 79. 55 AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 79. 56 "None shall be condemned without trial. Also, that no man, of what estate or condition that he be, shall be put out of land or tenement, nor taken or imprisoned, nor disinherited, nor put to death, without being brought to answer by due process of law". JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7. ed. rev e atual com as Leis 1-0.352/2001 e 10.358/2001 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. pg. 33. nota 6. 31 Daí em diante, as garantias outorgadas a contragosto por João Sem Terra – morto aos 10 de outubro de 1216, firmaram-se como um símbolo da liberdade e do desenvolvimento do povo inglês, influenciando o resto do mundo, principalmente as colônias da América do Norte. A própria “magna charta”, como aponta Jorge Miranda, foi confirmada seis vezes por Henrique III, três vezes por Eduardo I, catorze vezes por Eduardo III, seis vezes por Ricardo II, seis vezes por Henrique IV, uma vez por Henrique V e uma vez por Henrique VI. A Constituição dos Estados Unidos da América, onde muito se desenvolveu o devido processo legal, não trata originalmente do instituto, sendo abordado explicitamente nas suas emendas, na 5ª e na 14ª Emenda. Na primeira emenda referida, a cláusula due process of law apareceu pela primeira vez ao lado do trinômio "vida, liberdade e propriedade" e, na segunda, sofreu grande transformação-evolução, passou a significar também a "igualdade na lei", e não só "perante a lei", além de marcar a sua utilização efetiva. Tais inserções deram-se pela tendência de acompanhar a evolução das Constituições de alguns Estados, como Maryland, Pensilvânia e Massachusetts, que já contavam com o a garantia em testilha, pois, por sua vez, acompanhavam as Declarações de Direitos das Colônias de Virgínia, Delaware, Carolina do Norte, Vermont e de New Hampshire, posteriormente transformados em Estados federados. Na América Latina, a Argentina e o México, desde o nascedouro de suas Constituições, em 1853 e 1857, respectivamente, já contavam com o instituto. Na Europa continental, a Itália e a Alemanha, países onde há enorme aprofundamento científico no direito processual serviram de exemplo para os demais, como Espanha e Portugal. 57 A Declaração Universal dos Direitos do Homem (Paris, 1948), a 6ª Convenção Européia Para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (Roma, 1950) e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos 57 Ibid, "All persons born or naturalized in the United States, and subject to the jurisdiction thereof, are citizens of the United States and of the State wherein they reside. No State shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or immunities of citizens of the United States; nor shall any State deprive any person of life, liberty, or property, without due process of law; nor deny to any person within its jurisdiction the equal protection of the laws". 32 das Nações Unidas (1966) consagram proteções e garantias individuais que denotam o encampar daquele princípio. No Brasil, é pacífico entre os doutrinadores que o princípio do devido processo legal foi abraçado por todas as Constituições pátrias, desde 1924, em especial a de 1967 e Emenda Constitucional nº 01, de 1969, pois, quando consignaram os princípios da ampla defesa, do contraditório e da igualdade, teriam, tacitamente, aceitado a existência daquele. Porém, a inclusão definitiva e expressa da garantia do due process of law veio somente com a Constituição Federal de 1988, mais precisamente em seu artigo 5º, LIV: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal", sendo complementada pelo inciso LV do mesmo artigo: “aos litigantes em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” Sabemos que a Magna Carta não teve, na sua gênese, a intenção mais pura de servir à cidadania, à democracia ou ao povo em geral, posto criada como uma espécie de garantia para os nobres, do baronato, contra os abusos da coroa inglesa. Entretanto, ela continha institutos originais e eficazes do ponto de vista jurídico para a repressão dos abusos do Estado, que até hoje se fazem reluzentes em praticamente todas as constituições liberais do mundo. 2.2 Características do Devido Processo Legal Em seu nascedouro, o devido processo legal foi concebido como uma garantia de feições apenas processuais, como princípio que viria a assegurar que a privação da liberdade e da propriedade somente seriam possíveis através de um processo regular. Mas, como aponta Nelson Nery Júnior, o devido processo legal é caracterizado pelo trinômio vida-liberdade-propriedade, ou seja, “tem-se o direito de tutela àqueles bens da vida em seu sentido mais amplo e genérico. Tudo o que disser respeito à tutela da vida, liberdade ou propriedade está sob a proteção da due process clause”. O devido processo legal, como mencionado, foi concebido e conceituado durante muito tempo como amparador ao direito processual, buscando uma 33 adequação do processo à ritualística prevista, praticamente confundindo-se ao princípio da legalidade. Ele ganhou força expressiva no direito processual penal, mas já se expandiu para processual civil e até para o processo administrativo. Conceituar o devido processo legal é tarefa ingrata. Há duas facetas sobre as quais incide tal princípio: o procedural due process (sentido processual) e o substantive due process (sentido material). Oportuno transcrever as palavras de Cintra, Grinover e Dinamarco, acerca do princípio sub analisis: o devido processo legal, como princípio constitucional, significa o conjunto de garantias de ordem constitucional, que de um lado asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes de natureza processual e, de outro, legitimam a própria função jurisdicional. 58 A necessidade de intervenção judicial nas atividades estatais – principalmente legislativas – fez nascer uma bipartição ideológica a pairar sobre o devido processo legal, principalmente no direito norte-americano através dos julgados da Suprema Corte. Entendeu-se que não somente em sentido processual deveria o princípio garantir o trinômio vida-liberdade-propriedade, porque de tão amplo deveria cuidar de corrigir eventuais abusos do poder soberano ao legislar. Em outras palavras, criou-se a idéia de que o devido processo legal – concebido como cláusula anti-arbítrio – seria também responsável por vincular a produção legislativa à idéia de razoabilidade ou proporcionalidade. Baseada no espírito que norteou a Magna Carta de 1215, diz a doutrina: uma lei não pode ser considerada uma law of the land, nos termos desejados pelo due process of law, se incorrer na falta de razoabilidade, ou seja, quando for arbitrária. 59 A idéia de “governo dos juízes”, com os tribunais assumindo a função de censores da vida social, política e econômica da nação norte-americana, fez com que a visão unicamente processualista do devido processo legal retratasse a entrada em cena do judiciário como árbitro autorizado e final das relações do 58 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7ª. ed. rev. ampl. atual. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2003, p. 04. 59 CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p.57. 34 governo com a sociedade civil, revelando o seu papel de protagonista e igualmente ‘substantivo’ no seio das instituições governativas.60 Esse conjunto de garantias de ordem constitucional - processual, encontrado apenas na nossa mais recente doutrina, não é novidade para os americanos, que há muito se debruçam sobre o devido processo legal. Vejamos o trecho do voto proferido no voto no caso Anti-Facist Committe vs. McGrafth (1951), pelo Juiz da Suprema Corte Americana, Felix Frankfurter: Due process não pode ser aprisionado dentro dos traiçoeiros lindes de uma fórmula... ‘due process’ é produto da história, da razão, do fluxo das decisões passadas e da inabalável confiança na força da fé democrática que professamos. ‘Due process’ não é um instrumento mecânico. Não é um padrão. É um processo. É um delicado processo de adaptação que inevitavelmente envolve o exercício do julgamento por aqueles a quem a Constituição confiou o desdobramento desse processo.61 O procedural due process, também chamado de devido processo adjetivo ou procedimental, é considerado mais restrito que o devido processo material e caracteriza-se pela simples norma de respeito ao procedimento previamente regulado. Inobstante o alcance diminuto, esta faceta do devido processo legal é mais empregada pela doutrina e pelos usuários do Direito, talvez exatamente por conta do vocábulo "processo" do princípio estudado, foi ele apenas sub-utilizado nesta acepção. A doutrina, mesmo ciente da vigência da cláusula due process of law nas constituições anteriores e do seu alcance a todos os tipos de procedimentos, debruçou-se especialmente na sua aplicação ao direito processual penal, em seguida, à jurisdição civil e, recentemente, aos procedimentos administrativos. Convém enfatizar sua aplicação ao direito processual civil, sendo indiscutível que nesse campo, entre outros, garante o direito à citação, do conhecimento do teor da acusação, de julgamento rápido e público, à igualdade de partes, à proibição da prova ilícita, à gratuidade da justiça ou ao desembaraçado 60 Ibid., p. 57. Apud Carlos Roberto de Siqueira Castro. O devido Processo Legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição e Brasil, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 56. 61 35 acesso a essa, ao contraditório, ao juiz natural e imparcial, ao duplo grau de jurisdição, à ampla defesa. "Resumindo o que foi dito sobre este importante princípio, verifica-se que a cláusula do procedural due process of law nada mais é do que a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível, isto é, de ter his day in Court, na denominação genérica da Suprema Corte dos Estados Unidos".62 O devido processo legal substantivo ou material é a manifestação do devido processo legal na esfera material. Considera-se o seu alcance mais amplo que o seu lado procedimental, pois se manifesta em todos os campos do Direito (administrativo, civil, comercial, tributário, penal, entre outros). O conteúdo substancial de cláusula do devido processo legal apresenta-se, indubitavelmente, "amorfo e enigmático, que mais se colhe pelos sentimentos e intuição do que pelos métodos puramente racionais da inteligência." 63 O substantive due process tutela o direito material do cidadão, inibindo que lei em sentido genérico ou ato administrativo ofendam os direitos do cidadão, como a vida, a liberdade e a propriedade, outros destes derivados ou inseridos na Constituição. A Suprema Corte Americana entende que tem direito a examinar qualquer lei e determinar se ela constitui um legítimo, não-abusivo, exercício do poder estatal. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso, prolatou acórdão que em poucas palavras traz a perfeita essência do aspecto material do devido processo legal: due process of. law, com conteúdo substantivo - substantive due process - constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (racionality), devem guardar, segundo W. Holmes, um real substancial nexo com o objetivo que se quer atingir. Em verdade, o devido 62 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; Ada Pellegrini Grinover; Cândido Rangel Dinamarco. Teoria Geral do Processo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 56. 63 DONADEL, Adriane. As garantias do cidadão no processo civil, Org. Sérgio Gilberto, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 263. 36 processo legal material não apresenta limites e, pode abranger quaisquer direitos que a imaginação permita conceber. 64 No direito brasileiro a aplicação do devido processo legal em seu aspecto substancial é tendência que caminha a passos lentos, em ritmo incompatível com aqueles que podemos identificar ao longo da história constitucional norteamericana, até porque naquela nação podemos identificar em fases bem nítidas a evolução do conceito substantivo da garantia, enquanto no Brasil a utilização desta concepção dá-se em casos isolados. Porém, não é difícil perceber em algumas decisões – a se destacar o pioneirismo do Supremo Tribunal Federal – a utilização dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade no controle da produção legislativa.65 Informa a doutrina que a utilização do devido processo legal em sua feição substantiva foi pela primeira vez utilizado no Brasil, ainda que não declarado expressamente, numa decisão do STF em 1968, em que o ministro Themístocles Cavalcanti foi relator de um habeas corpus em que era pretendida a declaração de inconstitucionalidade. Caio Tácito alerta que a Constituição Federal adotou a princípio da legalidade ao determinar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, querendo significar que a Lei é a vontade geral da nação, nascida da manifestação dos agentes delegados da sociedade – mandato eletivo. Mas, para que tal poder não reste absoluto, a regra da separação dos poderes constitucionais submete os atos do Legislativo ao controle final do judiciário, para que leis contrárias à Constituição ou violadoras de direitos e liberdades, sejam anuladas e destituídas de eficácia. Salienta, ainda, o autor que a jurisprudência francesa construiu a noção do desvio de poder ou desvio de finalidade como fundamento da declaração de nulidade de atos administrativos; a jurisprudência da Suprema Corte norteamericana construiu para conter abusos desta natureza o requisito do devido processo legal em seu aspecto substantivo, através do teste de racionalidade e, a 64 JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 7. ed. rev e atual com as Leis 1-0.352/2001 e 10.358/2001 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 40. 65 MESQUITA, Gil Ferreira de. Princípios do contraditório e da ampla defesa no processo civil brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p.55. 37 seguir, o padrão de razoabilidade para aferir a legalidade da legislação; o direito alemão adotou o princípio da proporcionalidade, ou princípio do proibição de excesso, para permitir ao intérprete aferir a compatibilidade entre meios e fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas contra os direitos fundamentais; e na Espanha também domina tal princípio.66 Mas, embora saliente a variação de princípios adotados em tais ordenamentos, ao tratar do direito brasileiro também eleva ao mesmo significado as noções de proporcionalidade e razoabilidade, enfatizando que “a Constituição de 1988 deu ênfase aos princípios éticos que lastreiam sua estrutura. (...) E incorpora ao quadro constitucional o princípio do devido processo legal como elementar à garantia da liberdade e do patrimônio (art. 5º, LIV).67 Também encontramos a opinião de Carlos Roberto de Siqueira Castro em seu estudo sobre o devido processo legal e a razoabilidade, o autor prefere o princípio da razoabilidade para explicar a utilização do devido processo legal em seu aspecto material no controle da constitucionalidade das leis. Adverte o autor que, ainda que por apego ao metido literal e precário de interpretação das normas jurídicas assim não se entendesse, restaria induvidoso que o postulado da razoabilidade das leis deriva diretamente da aplicação do substantive due process, a ser empregado com criatividade e senso de justiça pelos órgãos responsáveis pela guarda à Constituição. 68 De modo diverso manifesta-se Raquel Denize Stumm, que encontra no princípio da proporcionalidade o substrato que justifica a aplicação do devido processo legal em sua feição material. Para a autora, pressupondo a existência de um Estado Federal e uma constituição rígida, o Poder judiciário atua na busca de dois objetivos principais: o primeiro é a harmonização dos conflitos entre União e os Estados-membros; o segundo é justamente a proteção das liberdades civis e dos direitos fundamentais ostentados por todos os destinatários do poder. Na trilha desse último objetivo, o devido processo legal substantivo apresenta-se como o 66 TÁCITO, Caio. A razoabilidade das leis. Rio de Janeiro:Revista Forense, 1996, p.3. Ibid., p. 4-5. 68 No mesmo sentido Nelson Nery Júnior (op. Cit., p. 35-38) e Augusto do Amaral Dergint. Aspecto material do devido processo legal. 253-254 67 38 instrumento de maior amplitude, justamente porque funciona como limite à aplicação de atos normativos arbitrários e irracionais.69 Não obstantes os avalizados posicionamentos, preferimos a doutrina que vê nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade uma possível relação de intimidade, mas não uma consciência que permita a utilização de ambos termos como sinônimos. Ficamos com Willis Santiago Guerra Filho, que formulou uma útil distinção entre os dois princípios: a) O princípio da Proporcionalidade tem origem no direito público alemão e desobedecê-lo significa ultrapassar irremediavelmente os limites do que as pessoas em geral considerariam aceitável, em termos jurídicos. É princípio com função negativa; b) O princípio da razoabilidade tem origem anglo-saxônica opera seus efeitos à medida em que pretende demarcar aqueles limites aceitáveis, indicando como nos mantermos dentro deles, mesmo quando não pareça irrazoável ir além. É princípio com função positiva.70 Num ângulo mais amplo, uma afirmação torna-se inafastável, pois os princípios concretizadores (da proporcionalidade e da razoabilidade) são subprincípios responsáveis pela concretização do substantivo devido processo legal. 71 69 STUMM, Raquel Denize. Princípio da Proporcionalidade no direito constitucional brasileiro. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 1995, p.169. 70 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Dos direitos humanos aos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 25-26. 71 LIMA, João Batista de Souza. As mais antigas normas de direito. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 287, nota 3. 39 2.3 Princípios Constitucionais no Processo Civil O estudo do direito processual jamais pode divorciar-se dos princípios que o orientam. Cândido Rangel Dinamarco já advertira que: todo conhecimento só é verdadeiramente científico quando tiver por apoio a consciência dos princípios que o regem: sem essa consciência, há grande risco de perder a necessária coerência unitária entre os conceitos exarados e jamais ter-se segurança quanto ao acerto e boa qualidade dos resultados das 72 investigações. Em nome de uma coerente metodológica temos que empreender uma pequena análise a cerca do vocábulo princípio na tentativa de lhe empregar-lhe o sentido adequado. É inegável que o direito deve ser considerado como um sistema normativo, sinal da evolução alcançada pela ciência jurídica que, partindo do conceito isolado de normas jurídicas, concebe o direito como um conjunto de normas ligadas umas às outras. Contudo, o direito não deve ser concebido como um conjunto estático de normas jurídicas, algo hermeticamente fechado, produto acabado e imune a sofrer modificações. Ao contrário, deve ser entendido, nas obras de José Joaquim Gomes Canotilho, como um sistema normativo aberto de regras e princípios. Decompondo tal concepção, temos que é um sistema aberto por possuir uma estrutura dialógica, ou seja, dotada de disponibilidade e capacidade de aprendizagem das normas, captando as mudanças sociais e transformações no sentido dos valore; é sistema normativo porque a estruturação das expectativas, referentes a valores, programas, funções e pessoas é realizada por via das normas; e as normas do sistema são reveladas na forma de princípios ou de regras jurídicas.73 72 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 200, p.191, nota 16. 73 MENDONÇA JÚNIOR, Delosmar. Princípio da ampla defesa e da efetividade no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 12. No mesmo sentido a lição de Ferraz Júnior. “O sistema de que falamos neste passo tem, ademais, caráter dinâmico. O termo sistema dinâmico provém de Kelsen, em oposição ao estático, capta as normas dentro de um processo de contínua transformação. Normas são promulgadas, subsistem no tempo, atuam, são substituídas por outras ou perdem sua atualidade em decorrência de alterações nas situações normandas” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 2ª ed., São Paulo: Atlas, 1994. p. 177) 40 Imperiosa, portanto, a distinção entre princípios e regras. Para desenvolver o propósito de distinguir princípios e regras, o método que se apresenta adequado é o de José Joaquim Gomes Canotilho, que sugere cinco critérios para alcançar tal desiderato: 1 – Grau de Abstração – os princípios possuem elevado grau de abstração em relação às regras jurídicas; 2 – Grau de determinabilidade – as regras são aplicadas diretamente, já os princípios necessitam de mediação concretizadora do legislador ou do juiz; 3 – Caráter de fundamentabilidade do sistema – enquanto as regras têm apoio nos princípios, estes são fundamentais, na medida em que são elementos fundamentais, na medida em que são elementos estruturantes no sistema jurídico; 4 – Proximidade da ideai de direito – a vinculatividade das regras está ligada a seu conteúdo meramente funcional, e os princípios formam pautas vinculantes, em razão do imenso teor valorativo, ligadas à idéias de direito e de justiça; 5 – natureza normogenética – os princípios, por estarem na base do sistema jurídico, são fundamentos de regras. 74 Ainda com propósito de distinção, podemos anotar que em caso de conflito existente entre regras jurídicas, pelo menos uma deve ser invalidada, gerando antinomia, que é uma situação de incompatibilidade de normas no ordenamento, devendo uma excluir a outra. A explicação é encontrada na definitiva fixação normativa decorrente de regras, que devem ser cumpridas na medida exata de suas prescrições, não havendo no sistema a possibilidade de validade coexistente entre regras que se contradizem. Quanto aos princípios, já que coexistem, permite-se o balanceamento de valores e interesses, conforme o seu peso determinada situação e ponderação com outros conflitantes. Deste modo, havendo colisão entre dois princípios, autorizada a supremacia de um sobre o outro, em determinada circunstância social, de modo que ambos permaneçam com igual validade no sistema.75 74 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª Ed. Coimbra: Almedina, 1995. p. 166167. 75 Ibid, p. 168. A mesma advertência a respeito da solução de antinomias entre princípios é feita por Alexandre Walmott Borges, que defende: “a prevalência de princípios deve ser realizada, sempre, com a hierarquização para o caso concreto. Essa hierarquização é ditada por valores – os componentes do sistema. As relações entre os valores e os princípios é fundamental para que se saiba qual princípio há de preponderar para o caso em análise. Com isso, deve ficar bem assentado o seguinte: os princípios não são superiores, ou inferiores, por sua posição estática e formal. É superior ou inferior por sua maior relevância para o caso analisado, por análise material” (Ensaios sobre sistema jurídico. p. 80). 41 Ultrapassada tal questão, temos que definir o que vem a ser princípio para o direito processual civil. Para tanto o ponto de partida é o próprio conceito de direito processual civil, entendido como um sistema de princípios e normas que regulamentam o exercício da jurisdição quanto às lides de natureza civil, como tais entendidas aquelas que não são de natureza penal e as que não ingressam na órbita das jurisdições especiais.76 São justamente os princípios que permitem ao legislador a criação de novos institutos e ao intérprete a compreensão das normas vigentes no ordenamento jurídico. Podemos dividir os princípios processuais em dois grupos: a) Princípios informativos ou idealizadores – aqueles que têm influência direta na elaboração de qualquer norma processual, na busca do aprimoramento da tutela jurisdicional. São eles: o princípio lógico, compreendendo a busca de instrumentos rápidos e eficazes na apuração da verdade; o princípio econômico, pelo qual se procura o mínimo dispêndio de trabalho, tempo e despesas, tornando o processo acessível a todos; o princípio jurídico, através do qual busca-se a igualdade no processo, ensejando-se às partes iguais oportunidade; e, o princípio político, pelo qual objetiva-se a formulação de uma legislação na qual se alcance o máximo de garantia social com o mínimo de sacrifico da liberdade individual. b) Os Princípios gerais ou fundamentais – são normas que decorrem do ordenamento posto, variando em espaço e tempo, constituindo-se em opções do sistema jurídico, considerando-se aspectos políticos, éticos e ideológicos.77 Neste último grupo podemos incluir os seguintes princípios: da igualdade, da ação, da disponibilidade e indisponibilidade, do contraditório, da ampla defesa, da lealdade processual, do duplo grau de jurisdição, do impulso oficial, da oralidade, da imparcialidade do juiz, do dispositivo, da persuasão racional do juiz, da livre investigação das provas, da motivação das decisões judiciais, da economia processual, da publicação e da instrumentalidade das formas. 76 SANTOS, Moacyr Amaral dos, Primeiras linhas de direito processual civil. 15ª ed., São Paulo:Saraiva, 1992, p.15. 77 MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. 2ª ed., Vol 2, Rio de Janeiro: Forense, 1962, p. 107. No mesmo sentido: Cintra, Grinover e Dinamarco. 42 Lembra José Manoel de Arruda Alvim Netto que: os princípios informativos do processo são regras de ordem predominantemente técnica e, portanto, desligadas de mais intensa permeação ideológica, enquanto os princípios fundamentais são diretrizes palpavelmente inspiradas por características políticas. Sendo assim, os princípios informativos são mais “universais” do que os gerias, eis que predominantemente técnicos, “com muito mais facilidade se desprendem dos sistemas positivos e são manos ou pouco influenciados pela realidade social; são regras adquiridas mercê da evolução técnica-jurídica e incorporadas ao patrimônio da 78 ciência. Alguns dos princípios gerais listados pela doutrina são consagrados em nível constitucional como, por exemplo, o princípio da igualdade (art. 5º, I) e os princípios do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV). Outros, aparecem no plano infraconstitucional, como o princípio da lealdade processual (art. 14 do CPC), do impulso oficial (art. 262, do CPC) e da persuasão racional do juiz (art. 131, do CPC). Há, ainda, a necessidade de cumprimento satisfatório de solucionar conflitos e conduzir os envolvidos à ordem jurídica justa, o que faz residir também em âmbito constitucional uma série de garantias que passam a fazer parte daquele sistema como garantias do contraditório, da ampla defesa, da motivação das decisões judiciais, do juiz natural, etc – destinadas a dar efetividade jurídica, sendo necessária a complementação com outras determinações de menor espectro, dotadas de profundo significado social e político pelas quais o Estado de Direito oferece meios específicos para o controle jurisdicional de seus próprios atos: o mandado de segurança individual e coletivo, o mandado de injunção, o habeas data, a ação popular, ação direita de inconstitucionalidade e a ação civil pública.79 Por outro lado, o sistema também é composto por limitações, porque o mesmo Estado que se compromete a prestar a jurisdição em caso de lesão ou ameaça de lesão do direito (art. 5º, XXXV, da CF), também autolimita-se nesse 78 ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Tratado de direito processual civil. 2ª ed., Vol 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 81, nota 71. 79 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2000, p.109, nota 16. 43 exercício no plano constitucional criando em verdadeiro jogo de garantias e limitações. A mais ampla de todas limitações consiste na proibição sistemática ao exercício ex officio da jurisdição, através da qual fica a formação do processo civil condicionada a iniciativa da parte interessada. Nesta seara, podemos arrolar como limitações ao exercício da jurisdição a observância obrigatória das normas procedimentais contidas na legislação, porque não pode o juiz furtar-se à prática de atos essenciais ou praticá-los de forma diferente daquela informada pela lei, causando dano aos litigantes. Temos, ainda, as regras de competência, porque ato jurisdicional realizado por juiz diferente daquele indicado pela constituição ou pela legislação infraconstitucional é passível de nulidade. Não podemos olvidar das limitações bastante significativa que constituem objeto de profundo exames e investigações na ciência processual: os pressupostos de admissibilidade dos provimentos de mérito. Aqui estão incluídas: a proibição de medidas jurisdicionais requeridas por quem não seja titula dos interesses em conflito (ilegitimidade); o ingresso em juízo sem necessidade da tutela jurisdicional (art. 3º, do CPC); a escolha da via procedimental inadequada: e a proposição de demanda cuja providencia pretendida seja teoricamente inadmissível na ordem jurídica do país.80 Portanto, notamos que a Constituição Federal impõe ao exercício da função jurisdicional uma série de limitações, ditadas com o objetivo de assegurar às partes uma série de posições e possibilidades durante o processo e que não podem ser desrespeitadas pelo juiz e pelas partes. Assim, é certo que nosso sistema jurídico é tutelado por uma série de disposições constitucionais a serem atendidas pelo legislador ao elaborar normas processuais e pelo intérprete (mormente o juiz) encarregado de captar o significado de tal elaboração legislativa. Tal tutela reside nos chamados princípios e garantias constitucionais, de índole acentuadamente política e que correspondem a importantes opções do moderno Estado de Direito. Nessa linha de entendimento, conclui Cândido Rangel Dinamarco: “Mas a tutela constitucional do processo não seria efetiva se as grandes linhas-mestras 80 Ibid., p. 111. 44 desenhadas pela constituição (princípios) não ganhassem eficácia imperativa mediante as correspondentes garantias. Consistem as garantias constitucionais em preceitos dotados de sanção, isso significando que sua inobservância afetará de algum modo a validade sobre os imperativos constitucionais. Por isso é que geralmente os dispositivos constitucionais reveladores dos grandes princípios são encarados como garantias, a ponto de ser usual o uso indiferente dos vocábulos princípio e garantia para designar a mesma idéia.” 81 A análise dos princípios gerais do processo, especialmente o contraditório e a ampla defesa, far-se-á com a utilização indiferente dos dois vocábulos, assim como no tratamento do devido processo legal, no entanto, vale enfatizar dois aspectos importantes: o primeiro é que tais garantias devem ser entendidas como princípios gerais do processo, ou mais especificamente, princípios gerais constitucionais do processo, porque, como visto, enquadra-se em ambas classificações; O segundo refere-se à amplitude da previsão constitucional de princípios gerais do processo , porque fica constatado que além dos supracitados, temos ainda que considerar a existência em nossa Carta do princípio do devido processo legal, o da inafastabilidade da jurisdição, da igualdade, da liberdade, do juiz natural e da publicidade. Porém, como é facilmente notado, incluímos o devido processo legal (art. 5º, LVI) no rol dos princípios constitucionais do processo, mas a doutrina normalmente o considera, como já dissemos, como regra de fechamento, ou seja, é princípio do qual derivam todos os demais, garantindo-lhe o status de super princípio. Embora saibamos que os princípios processuais convivem harmoniosamente entre si e não guardam posição de superioridade ou inferioridade, torna-se imprescindível o estudo da amplitude do due process of law no direito processual civil brasileiro, para que determinemos a real fisionomia que lhe foi conferida pela atual Constituição Federal. Ao determinar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, a Constituição Federal (art. 5º, III) assegurou o direto à tutela jurisdicional, mas determinou ainda que tal exercício do 81 Ibid., p. 195. 45 Estado deverá seguir outros preceitos reguladores contidos no mesmo dispositivo, principalmente aqueles que impedem a exclusão de lesão ao direito da esfera de apreciação do Poder Judiciário (inciso XXXV), o direito ao devido processo legal (inciso LIV) e o direito ao contraditório e à ampla defesa por todos os envolvidos em processo judicial ou administrativo (inciso LV). É uma clara demonstração de que nossa Constituição foi erguida ao nível das mais avançadas Constituições do mundo, em termos de garantia da tutela jurisdicional. Também pode ser incluído na extensa abrangência do devido processo legal o respeito à dignidade da pessoa humana que, embora advenha de uma previsão constitucional de caráter não processual (art. 1, III), é princípio fundamental do Estado Democrático de Direito que se pretendeu instalar no Brasil com a nova Constituição. Diz Celso Bastos que: embora dignidade tenha um conteúdo moral, parece que a preocupação do legislador constituinte foi mai de ordem material, ou seja, a de proporcionar às pessoas condições para uma vida digna, principalmente no que tange ao fator econômico. Por outro lado, o termo ‘dignidade da pessoa humana’ visa a condenar práticas como a tortura, o racismo e outras humilhações tão comuns no dia-a-dia de nosso país. Esse, foi, sem dúvida, um acerto do constituinte, pois coloca a pessoa humana como fim último de nossa sociedade e não como simples meio para alcançar certos objetivos , como, por exemplo, o econômico. 82 Assim, o direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, por exemplo, surgem como conseqüência imediata da dignidade da pessoa humana, que assume dupla concepção: primeiro, deve ser considerada como direito individual de proteção ao indivíduo contra o Estado e em relação aos demais indivíduos; segundo, há de ser analisado somo dever fundamental de tratamento igualitário entre os cidadãos, que pode ser resumido em três princípios do direito romano: viver honestamente (honestere vivere), não prejudique ninguém (alterum non laedere) e dê a cada um o que lhe é devido (suum cuique tribuere). 83 A determinação constitucional de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” reflete num primeiro momento a proibição de que os cidadãos sejam privados daqueles bens jurídicos somente 82 83 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 158-159. MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 2ª Ed., São Paulo: Atlas, 1998, p. 60-61. 46 através de intervenção do Estado, exercendo a função jurisdicional. Num momento seguinte, a atuação estatal deve estar fundada naquele sistema de garantias e limitações. Quer dizer, a condução pelos magistrados da atividade jurisdicional deverá atender aos pilares do Estado Democrático de Direito externados no preâmbulo da Constituição Federal, sendo-lhes vedado o exercício da jurisdição além dos limites de sua competência, bem como intervir na esfera jurídica do cidadão além do que é permitido pelos mandamentos constitucionais. Segundo Antônio Cláudio da Costa Machado, a decomposição do art. 5, LIV, da Constituição Federal, quer significar três valores jurídicos a serem pautados em respeito ao princípio do devido processo legal: a) um julgamento imparcial que a própria Constituição já se ocupa de buscar ao instituir os princípios do juiz natural, da motivação dos atos judiciais e da coisa julgada; b) o pleno exercício da ação e da defesa que a Lei Maior busca assegurar ao prever o princípio do acesso a Justiça ou inafastabilidade jurisdicional, o contraditório, a ampla defesa e a garantia da assistência judiciária; c) um procedimento regular ou propício à realização de justiça, que a Carta de 1988 reconhece como sendo aquele inspirado pelos princípios da igualdade, da publicidade e da realização da proibição de prova ilícita.84 Assim, a afirmação de Nelson Nery Júnior de que a previsão do devido processo legal por si só tornaria dispensável a enumeração de grande parte dos incisos do art. 5º, dentre os quais aqueles de índole processual, faz com que a garantia tenha o mérito de: traçar o perfil democrático do processo e atrair à órbita das medidas de tutela constitucional certas garantias não caracterizadas como verdadeiros princípios ou lançadas de modo genérico em outros dispositivos constitucionais mas que com ele guardam pertinência. 85 Podemos dizer que qualquer decisão que venha a ferir um princípio constitucional do processo ou qualquer garantia que não se caracterize com o princípio, mas com algum guarde pertinência, estará ferindo o devido processo 84 COSTA MACHADO, Antônio Cláudio da. Normas processuais civis interpretadas, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 9-10. 85 JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 7. ed. rev e atual com as Leis 1-0.352/2001 e 10.358/2001 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 245. 47 legal. E mais, se uma disposição infraconstitucional for emitida ou uma decisão judicial proferida, que respeite tais garantias, mas venha ferir as premissas do Estado liberal democrático será violadora da garantia ampla e vaga do due processo of law, carecendo, pois de legitimidade constitucional. 48 2.4. O Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa Não é inútil observarmos que o princípio do contraditório, assim como ocorre com o da ampla defesa, somente foi expressamente consagrado aos litigantes no processo civil com a atual Constituição Federal, que em seu art. 5º, LV, regula: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Porém, as previsões constitucionais nos textos anteriores não foram suficientes para fazer com que a produção doutrinária ficasse alheia às tentativas de encontrar, em algum dispositivo constitucional, a consagração destas garantias fundamentalmente democráticas do processo.86 Desde a Constituição Imperial foram dedicados esforços neste sentido, porque o devido processo legal, também consagrado expressamente apenas com a Constituição de 1988, sempre foi observado pela interpretação de dispositivos constitucionais que não o consagravam. Por conseqüência, se o esforço doutrinário resultava positivo, encontrando dispositivo no qual se pudesse vislumbrar a garantia do due process of law, os seus corolários também restariam consagrados. Já afirmou Geraldo Ataliba que o princípio é uma norma, mas é mais do que uma norma, uma diretriz, é um norte do sistema, é um rumo apontado para ser seguido por todo o sistema. Rege toda a interpretação do sistema e a ele se deve curvar o intérprete, sempre que se vai debruçar sobre os preceitos contidos no sistema.87 E assim, debruçados na tarefa de estudar os princípios do processo civil, é que alguns doutrinadores têm deixado à margem de seus escritores uma questão extremamente importante: a distinção entre as garantias do contraditório e da ampla defesa. Não é raro encontrarmos um tratamento comum para os dois princípios. As razões nos parecem bem simples, porque estando previstos num mesmo 86 MESQUITA, Gil Ferreira. Princípios do contraditório e da ampla defesa no processo civil brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 119. 87 Apud Rui Portanova. Princípio do processo civil. 3ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 13. 49 dispositivo constitucional (art. 5º, LV), por serem considerados corolários do devido processo legal, e principalmente, por serem as derivações imediatas que dão a esta cláusula todo o status de super princípio, ao lado da isonomia, nada mais natural que seu estudo seja feito em conjunto. Contudo, o maior problema é justamente este, porque as tratarem das garantias num mesmo tópico da doutrina, os autores têm deixado de empreender tarefa imprescindível à boa compreensão de sua distinção. Não estamos afirmando que entre eles não haja nenhuma relação. Ao contrário, são conceitos que se completam, são dependentes entre si, mas jamais podem ser confundidos.88 Como visto, a consagração expressa dos princípios em estudo ocorreu somente com a Constituição Federal de 1988, que também lhes conferiu o contorno de garantias destinadas aos litigantes em processo civil e trabalhista, aos acusados em processo penal e interessados em processo administrativo. Contudo, nas Constituições anteriores sempre houve uma menção à ampla defesa e ao contraditório, mas dirigidos exclusivamente ao processo pena, confirmando a tese doutrinária de que o processo civil é costumeiramente preterido pelo constituinte. Ada Pellegrini Grinover, na vigência da EC/1, de 1969, também manifestava sua preocupação com a ausência de dispositivos constitucionais voltados ao processo civil, em matéria penal, substancial ou processual, as Constituições brasileiras sempre foram ricas em garantias, vedando penas e protegendo a liberdade física, expedindo normas sobre a prisão legal, erigindo em princípio constitucional a incomunicabilidade da pena, assegurando a integridade física e moral do preso, 89 garantindo o contraditório e o direito de ampla defesa. Mas a doutrina jamais deixou de empreender esforços para fazer com que o processo civil também fosse contempladas pelos princípios do contraditório e ampla defesa, ainda que não consagrados expressamente naquelas Constituições. Vejamos, então, os dispositivos constitucionais que se relacionam com o tema em discussão: 88 MESQUITA, Gil Ferreira. Processo e Constituição: anotações para uma teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 137. 89 GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do direito de ação. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1973, p. 128. 50 a) A Constituição Imperial (1824), em seu art. 179,VIII, prescrevia: “ninguém poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei (...).” b) A Constituição Republicana (1891), no art. 72,§16:”Aos acusados se assegurará na lei a mais ampla defesa, com todos os recursos e meios essenciaes a ella, desde a nota de culpa, entregue em vinte e quatro horas ao preso e assignada pela autoridade competente, com os nomes do accusados e das testemunhas.” c) A Constituição de 1934, no art. 113, §24: “ A lei assegurará aos accusados ampla defesa, com os meios e recursos essenciaes a esta.” d) A Constituição de 1937, em seu art. 122, n.11, garantia:” À exceção do fragrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão depois de pronuncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente. Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, senão pela autoridade competente, em virtude de lei e na forma por ela regulada; A instrução criminal será contraditória, asseguradas, antes e depois da formação da culpa, as necessárias garantias de defesa.” e) Na Constituição de 1946, o art. 141, § 25, assim prescrevia: “É assegurada aos acusados plena defesa com todos os meios e recursos essências a ela, desde a nota de culpa, que assinada pela autoridade competente, com os nomes do acusador e das testemunhas, será entregue ao preso dentre em 24 horas. A instrução criminal será contraditória.” f) A Constituição de 1967, o art. 150, § 15, anotava: “ A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. Não haverá foro privilegiado nem tribunais de exceção.” g) Já a Emenda Constitucional n.1 de 1969, repetiu em seu art. 153, § 15, a redação da Constituição de 1967.90 Para alguns autores, como Rui Porta Nova, a ausência de disposição expressa garantindo o contraditório e a ampla defesa ao âmbito processual civil 90 MESQUITA, Gil Ferreira. Princípios do contraditório e da ampla defesa no processo civil brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 120. 51 não impediu o desenvolvimento da doutrina nesse sentido, já que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. 8º, e o princípio da igualdade davam embasamentos suficiente para tanto. Diz o referido dispositivo da Declaração: “Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competente, remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei.” 91 A justificativa para a posição é simples: com a provação da Declaração em 1948, todas as Constituições brasileiras que se seguiram – inclusive a de 1946 que estava em vigor – admitiam em seu texto que a especificação dos direitos e garantias expressas em seus textos não excluíam outros direitos e garantias decorrentes do regime dos princípios por elas adotadas. Assim estava expresso no art. 144, da Constituição de 1946, no art. 150, § 35, da Constituição de 1967; no art.153, § 36, da Emenda constitucional n.1 de 1969 e finalmente no art. 5º, da Constituição Federal de 1988. Podemos considerar que, em termos processuais, a maior inovação da atual Constituição Federal foi a consagração expressa do devido processo legal (art. 5º, LIV). Alguns autores chegam a afirmar que a cláusula confunde-se, dada sua abrangência e generalidade, com a próprio Estado de Direito e, por tais características, alguns incisos do mesmo art. 5º tornaram-se dispensáveis e uma melhor técnica legislativa poderia tê-los evitado ao longo do novo texto.92 É opinião freqüente, também, que, em âmbito processual, o mandamento contido no referido inciso LIV, vem completado pelo seu seguinte (LV) que disciplinou, também de forma inédita no ordenamento brasileiro, o contraditório e a ampla defesa para todos os litigantes em processo judicial – seja cível, penal ou trabalhista – e para os interessados em processo administrativo. Os destinatários, portanto, foram fixados pela própria Constituição, não restando dúvida a respeito 91 PORTANOVA, Rui. Princípio do processo civil. 3ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 161. 92 JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do processo civil na constituição Federal. 7. ed. rev e atual com as Leis 1-0.352/2001 e 10.358/2001 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 40. 52 da aplicação daquelas garantias no âmbito processual civil, como ocorria nas Cartas anteriores. 93 Também deve ser observado que a redação do dispositivo quer deixar claro, embora nem sempre consiga deixar se fazer entender, que contraditório e ampla defesa querem significar conceitos diferentes, embora exista entre eles uma relação de complementação. É inconcebível imaginar que o propósito do legislativo tenha sido outro, pois ao afirmar que ”são assegurados o contraditório e ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes”, o constituinte fez crer que são duas as garantias consagradas num único preceito. Contudo, é preciso interpretar o alcance que o legislador constituinte pretendeu dar as expressões contraditório e ampla defesa. Certamente não desejou que significassem a mesma coisa, o mesmo fenômeno. O exercício de interpretação torna-se necessário além do fato de existir certo descuido doutrinário, porque mesmo as normas claras, de conteúdo indiscutível, merecem atenção do hermeneuta. Alertava André Franco Montoro: a interpretação é sempre necessária, sejam obscuras ou claras as palavras da lei ou de qualquer outra norma. É preciso determinar seu sentido e alcance. Naturalmente, quando o texto é claro a interpretação é mais fácil e surge espontaneamente. Mas, quando o texto é obscuro a interpretação é mais difícil e por isso sua necessidade se evidencia. 94 Moacyr Amaral Santos parte didaticamente da noção de que a bilateralidade da ação gera a bilateralidade do processo. Deste modo, há em todo processo no mínimo duas partes – o autor como aquele que invocou a prestação jurisdicional e o réu que deverá ser citado para estar completa a relação jurídica processual. Colocado entre as partes, o juiz, por força do seu dever de imparcialidade, ouvindo uma parte, não deixará de ouvir a outra. Esse o princípio da audiência bilateral “audiatur et altera pars” ou do contraditório, “conforme o qual não pode o juiz decidir sobre uma pretensão se não é ouvida ou citada para ser 93 A lição de Arruda Alvim é nesse sentido: “mais ainda, no entanto, a regra do inc. LV, do mesmo art. 5º, da CF de 1988, deve ser reputada uma relativa concretização do conceito do inc. LIV, ou, explicitação dos elementos virtualmente constitutivos da idéia desse inc. LIV” (José Manoel de Arruda Alvim Neto. Tratado de direito processual civil. Revista dos Tribunais, 1990. V.1. p. 66). 94 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 23º ed. Revista dos Tribunais:São Paulo, 1995. p. 371. 53 ouvida, a parte contra a qual ou sem face da qual é proposta. Ao ataque do autor deverá suceder a defesa do réu”. 95 Assim, defende que é imprescindível oportunizar ao réu momento para apresentar defesa, de modo que pela simples oportunidade estará respeitado o princípio. A tese vem aparada na doutrina de Liebman: entende-se que o princípio se dá a todas as partes a possibilidade de defender-se; que o façam efetivamente, que compareçam a juízo e ofereçam as suas razões, ou permaneçam inativas, ou mesmo sejam contumazes, depende de sua livre determinação.96 Em síntese, Moacyr Amaral Santos propões três afirmações exclusivas a cerca do princípio do contraditório: a) o princípio da igualdade das partes nos atos processuais é corolário do contraditório uma vez que o processo civil desenvolvem-se em atos de ataques e defesas e também em atos de ataques e contra-ataques, resultando imperioso o tratamento paritário das partes para que estas possam exercer seus direitos e cumprir seus deveres processuais em igualdade de condições – conforme art. 125, I, do Código de Processo Civil; b) a citação do réu no começo do processo sob pena de nulidade, é que proporciona ao réu oportunidade para apresentação de sua defesa, sendo, portanto, uma manifestação do contraditório; c) a índole constitucional do princípio do contraditório não lhe permite exceções, mesmo nos raros casos em que a lei processual permite ao juiz manifestar-se inadita altera parte como nos casos das urgentes medidas cautelares, aquele em face de quem se dirige a pretensão terá oportunidade de manifestar-se e defender-se logo em seguida.97 Para Vicente Greco Filho, a garantia mais importante para o processo penal, em torno da qual todo fenômeno processual gravita, é a da ampla defesa, que consiste “na oportunidade de o réu contraditar a acusação, através da previsão legal de termos processuais que possibilitem a eficiência da defesa”, não significando, porém, oportunidades ou prazos ilimitados, já que a própria 95 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 14º ed. São Paulo: Saraiva, 1991. v.2.p. 76-77. 96 Ibid., p. 77. 97 Ibid., p. 77. 54 legislação processual estabelece os termos, prazos e os recursos suficientes, de modo que a eficácia da defesa dependerá da atividade do réu.98 Já o contraditório é definido pelo citado autor como meio ou instrumento técnico para a efetivação da ampla defesa, através: a) da possibilidade de contrariar a acusação; b) da possibilidade de requer a produção de provas que deve obrigatoriamente ser produzidas, se pertinentes; c) do acompanhamento da produção de provas, participando ativamente das audiências, questionando testemunhas, por exemplo; d) da manifestação sempre após a acusação; e) da manifestação em todos os atos e termos processuais aos quais devem estar presentes; e f) da possibilidade da interposição de recurso nos casos de inconformismo com a sentença. Afirma ainda que, “tais providencias de defesa estão previstas como faculdades na legislação processual e não precisam efetivarse em todos os casos, podendo o réu deixar voluntariamente de exercer as que entender desnecessárias.” 99 Importante também a observação a respeito da defesa técnica, a ser efetivada por advogado. No processo penal ela apresenta-se como essencial à observação do princípio da ampla defesa. Ao contrário do que ocorre no sistema inglês e norte americano, em que o próprio acusado pode promover sua defesa; no sistema pátrio, ainda que o réu não queira ser defendido, ainda que recuse-se a nomear advogado ou seja revel, deverá o juiz do feito responsabilizar-se pela nomeação de profissional habilitado para tanto.100 Quanto a função do magistrado Vicente Greco Filho afirma que, é princípio do processo penal, que interfere na garantia da ampla defesa, a aferição, pelo juiz, da verdade real, e não apenas da que formalmente é apresentada pelas partes no processo. O poder inquisitivo do juiz na produção das provas permiti-lhe ultrapassar a descrição dos fatos como parecem no processo, para determinar a realização ex officio de provas que tendam à verificação da verdade real, do que ocorreu, efetivamente, no mundo da natureza. Essa faculdade faz com que o juiz exerça, inclusive sobre a defesa, uma forma de fiscalização de sua eficiência, podendo destituir o advogado inerte ou determinar as 98 FILHO, Vicente Grego. Direito processual civil brasileiro. 15º ed; São Paulo: Saraiva, 2000. v.1. p. 56. Ibid., p. 58, passim. 100 Ibid., p. 58. 99 55 provas para descoberta da verdade, ainda que sem requerimento do réu.101 O citado autor aduz que ainda que a efetividade do contraditório não deve ser postergada, devendo autor e réu ser intimados de todos os atos processuais, facultado o pronunciamento sobre todos os documentos e provas produzidos pelo adversário, bem como a interposição de recursos contra decisões que lhes tenham causado prejuízo, a ponto de o CPC permitir o recurso de agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias. Cita-se, inclusive, uma exceção às faculdades do contraditório no Código de Processo Civil, em que impõe proibição à parte de falar nos autos se for condenado pela prática de atentado, que consiste na violação de penhora, arresto, seqüestro ou imissão na posse, prosseguir em obra embargada ou praticar outra qualquer inovação ilegal no estado de fato no curso de processo, perdurando tal proibição até que seja purgado o atentado, ou seja, até que seja resposta a situação anterior. 102 Rui Portanova classifica os princípios de primeiro e segundo graus: a) o princípio do juiz natural (2º grau) informa todos os demais princípios ligados à jurisdição e à pessoa do juiz, sendo eles (1º grau), a inércia da jurisdição, independência, imparcialidade, inafastabilidade, gratuidade judiciária, investidura, aderência ao território, indelegabilidade, indeclinabilidade, independência da jurisdição civil e criminal; b) o princípio do acesso à justiça (2º grau) informa todos os demais princípios ligados à ação e à defesa, sendo eles (1º grau), princípio da demanda,da autonomia da ação dispositivo, ampla defesa, defesa global, eventualidade, estabilidade objetiva da demanda, estabilidade subjetiva da demanda, perpetuatio jurisdictione e recursividade; e c) o princípio do devido processo legal (2º grau) informa todos os demais princípios de primeiro grau ligados ao processo e ao procedimento, sendo eles (1º grau ), o do impulso oficial, do contraditório, da publicidade, finalidade, do prejuízo, da busca da verdade, da licitude da prova, avaliação da prova, do livre convencimento, da persuasão racional, duplo grau de jurisdição, da fungibilidade do recurso etc.103 101 Ibid.,p.59 Também estaria sujeito às mesmas penalidades o executado que praticasse atos atentatórios à dignidade da justiça, agindo deslealmente, conforme as hipóteses do art. 600, do CPC, sanção que foi substituída pela multa com a Lei n. 8.953/94, responsável pela alteração do art. 601 do mesmo diploma processual. 103 PORTANOVA, Rui. Princípio do processo civil. 3ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 14. 102 56 Note-se que o autor trata o princípio do contraditório como derivação do devido processo legal, como prefere grande parte da doutrina – para nós também. Já a ampla defesa, para o autor, seria corolário do acesso ao judiciário. Contudo, observamos também, com a devida vênia, que o autor contradiz-se e confirma pensamento no sentido de que ambas garantias são conseqüências do due process of law. Vejamos: Hoje os litigantes continuam com pleno direito de alegar fatos e propor provas. Isso constitui parte do princípio do ampla defesa, o qual contempla esta liberdade e trata de forma geral a sua extensão quanto `as alegações, às provas, enfim às garantias de um devido processo legal.104 E, ainda: Hoje, está expresso: ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’ (art.5º,LIV). Diversos outros dispositivos constitucionais completam o sentido do princípio em comentário. São exemplos que aparecem no mesmo art.5º o direito de petição aos Poderes Públicos (XXXIV), a nãoexclusão da apreciação do Poder Judiciário de lesão ou ameaça (XXXV), o juiz natural (XXXVII), o contraditório e a ampla defesa ).105 (LV Especialmente quanto ao princípio da ampla defesa, Rui Portanova enuncia-o da seguinte forma: “o cidadão tem plena liberdade de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor provas”. Em outras palavras, o direito de defesa não é uma generosidade, mas um interesse público, já que essencial a qualquer estrutura estatal que se pretenda democrática.106 Ensina que a ampla defesa é conseqüência do contraditório, porém, como características próprias, porque além de tomar conhecimento de todos os termos processuais, o litigante tem o direito de alegar fatos e prová-los e – assim como ocorre com o direito de ação – tem o direito de não apresentar defesa alguma. Caso opte pela defesa, deve-lhe ser assegurada plena liberdade. Por conseguinte, a ampla defesa compreende: a) um conjunto de atos tendentes a proteger um direito, seja mediante a exposição das pretensões 104 Ibid., p. 110. Ibid., p. 146. 106 Ibid., p. 125. 105 57 inerentes ao mesmo, seja mediante a atitude de repelir as pretensões do adversário; b) função dos advogados no patrocínio de seus clientes; c) exceções dilatórias, peremptórias ou mistas, contra a demanda principal. Nesse passo, a ampla defesa no processo civil tem caminhado para uma aproximação com a defesa penal, devendo ser entendida através de um duplo significado: a autodefesa – representando direito subjetivo disponível que tem o acusado de defender-se, inclusive comparecendo pessoalmente a todos os atos processuais – e a defesa técnica – injunção legal indeclinável, pressuposto inarredável do desenvolvimento regular da relação jurídica processual. Aliás, a própria Constituição Federal (art.5º,LV) não distingue área de atuação do princípio, seja o processo judicial civil ou penal e até mesmo aos procedimentos administrativos. Ensina ainda: Em verdade, a ampla defesa no cível ainda tem sido considerada como ônus, e não dever, como acontece no processo penal. Tanto assim que nosso CPC diz que o réu poderá oferecer, no prazo de 15 dias, em petição escrita, contestação, exceção e reconvenção. Não temos no cível, como temos no processo criminal, a obrigatoriedade de nomear defensor dativo quando o réu não comparecer (CPP, art.396, parágrafo único). É inconfundível a disponibilidade do direito material (interesse privado) com a disponibilidade do direito processual (regida por interesse público). Por isso, o interesse público que informa também o processo civil tem feito o princípio da defesa cada vez mais abrangente. 107 Invocando a lição de Fritz Baur, o autor defende que, para atender perfeitamente os mandamentos constitucionais, o princípio da ampla defesa deverá ser cuidadosamente informado pelo princípio da efetividade social do processo, ou seja, deverá ser interpretado da maneira mais abrangente possível, não sendo suficiente à parte seja garantido o direito de defender-se, mas que essa defesa seja plena, dando-se liberdade de oferecer alegações e meios de uma defesa efetiva, alcançando-se a paridade de partes no processo. Enfim, a ampla defesa deve ser vista com certa “cara de humanidade”, não devendo, portanto, 107 Ibid., p. 126. 58 limitar-se a razões meramente legais, estando aberto à possibilidade de cogitação valorativa para, no caso concreto, amenizar as injustiças sociais.108 Quanto ao princípio do contraditório, Rui Portanova enuncia que “é a ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los com alegações e provas”, podendo-se dizer que é conceito inerente à própria definição do que venha a ser processo democrático, porque este implica, ainda que implicitamente, na participação do indivíduo na preparação do ato de poder. Segundo o autor, o contraditório assenta-se fundamentado nos preceitos lógico e político. Em outras palavras, a bilateralidade da ação, geradora da bilateralidade do processo, é o fundamento lógico; já na regra de que ninguém poderá ser julgado sem ser ouvido repousa o fundamento político. Daí, o princípio torna-se dinâmico em razão destes dois preceitos, surgindo a necessidade de um processo dialético, característica que vai atingir todos os atos do processo responsáveis pelo convencimento do juiz. Por outro lado, não basta a simples comunicação dos atos processuais às partes para que se manifestem, porque o contraditório não deve ser apenas nominal e formal, deve ser pleno e efetivo, preocupando-se cada vez mais, no processo civil, da concepção que lhe é dada no processo penal: a preocupação com a qualidade da defesa. 109 Assim, afirma Rui Portanova que tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm aplicado o princípio do contraditório de maneira cada vez mais abrangente. Por exemplo: não podem as partes ser surpreendidas por decisão judicial amparada em tese jurídica que não tinham percebido ou tinham considerado sem maior significado. Em outras palavras, mesmo o conhecimento ex officio deve ser precedido de prévio conhecimento da parte. Diz ainda: “além disso, a parte deve tomar conhecimento de eventual novo rumo que o juízo irá tomar. Aqui dar-se a necessidade do contraditório para a liberdade de escolha do direito pelo juiz consubstanciada no iura novi curia.” 110 Outra situação que deve ser vista com novos olhos refere-se à revelia. Primeiro porque devemos distinguir o que seja revelia – ausência de contestação – 108 Ibid., p. 126-128. Ibid., p. 160-161. 110 Ibid., p. 162. 109 59 do que seja efeito da revelia – presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor na inicial. Este último somente ocorre em relação aos fatos e não ao direito, de modo que não será produzido em se tratando de direitos indisponíveis. Ademais, tal presunção é juris tantum, não estando o juiz obrigado a proferir julgamento antecipado da lide, conforme ordena o art.330, II, do CPC, se não estiver convencido das razões do autor através da análise das provas juntadas até então aos autos. Ao réu revel, continua, deverá ser nomeado curador especial, se sua citação foi efetivada via edital ou por hora cera, sendo obrigatória a apresentação da contestação pelo curador, que não pode concordar com o pedido do autor.111 Em linhas conclusivas, adverte o autor: Pode-se dizer que o princípio do contraditório começa antes da citação e não termina depois da sentença. Se já na elaboração da inicial a idéia de bilateralidade tem seus reflexos, por igual a sentença, com a necessidade de motivação, é informada pelo princípio. Com efeito, ao julgar, o juiz reflete a importância que deu ao direito da parte de influir em seu convencimento e esclarecer os fatos da causa. Na concepção tradicional, o contraditório é visto estaticamente, em correspondência com a igualdade formal das partes. Contudo, do ponto de vista crítico, menos individualista e mais dinâmico, o princípio do contraditório postula a necessidade de ser a eqüidistância do juiz adequadamente temperada. O plano da concreta aplicabilidade da garantia do contraditório tem íntima relação com o princípio da igualdade, em sua dimensão dinâmica (princípio igualizador). Assim, o contraditório opera com vistas à eliminação (ou pelo menos diminuição) das desigualdades jurídicas ou de fato, entre os sujeitos do processo. 112 Nelson Nery Júnior não faz alusão específica ao princípio da ampla defesa, pois para o autor o contraditório além de consistir numa manifestação do princípio do estado de direito, liga-se intimamente ao princípio da igualdade de partes e ao princípio do direito de ação, pois a Constituição Federal ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação, quando o direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório. A conclusão a que chega o autor toma em consideração o que modernamente tem sido entendido no direito italiano, em que tem-se buscado consonância ente o art. 24, 111 112 Ibid., p. 162. Ibid., p. 162-163. 60 da CF Italiana, e o art. 101, do CPC Italiana, razão pela qual Luigi Paolo Comoglio, por exemplo, entende que o contraditório significa garantia de ação e de defesa para ambas as partes.113 Em sua explanação, Nery Júnior defende que a amplitude do princípio do contraditório alcançaria então os litigantes, bem como o assistente litisconsorcial e simples, o Ministério Público (como parte ou fiscal da lei), podendo ser invocado tanto por pessoa física quanto jurídica não só para a manutenção da igualdade processual, mas também dos direitos fundamentais.114 Manifesta-se o autor: por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar-se conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhe sejam desfavoráveis. Os contendores têm direito de deduzir sua pretensões e defesas, realizarem as provas que requereram para demonstrar a existência de seu direito, em suma, direito de serem ouvidos paritariamente no processo em todos os seus termos. Nesse sentido, adota uma linha de pensamento da qual podemos concluir que o princípio do contraditório está firmado, para processo civil, no binômio informação e reação – a primeira, obrigatória, realizada no direito brasileiro através das citações e intimações; a segunda, facultativa, exercida a critério da parte interessada. É claro que ao tratar o contraditório desta forma, está o autor deixando claro que sua amplitude no processo civil é bem diversa daquela a ser observada no processo penal. Neste último, deve ser efetivo, real, substancial. Tais características podem ser facilmente observadas nas situações particulares do processo penal, como por exemplo, na obrigatoriedade de defesa técnica para o réu, ainda que revel. Em havendo defensor, ainda assim, somente estará satisfeito o mandamento constitucional se a defesa não for desidiosa, incorreta, insuficiente tecnicamente, devendo o feito ser anulado nestas hipóteses e nomeado outro 113 JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do processo civil na constituição Federal. 7. ed. rev e atual com as Leis 1-0.352/2001 e 10.358/2001 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 128. 114 Ibid., p. 129. 61 defensor, “tudo em nome do princípio do contraditório conjugado ao da ampla defesa, ambos garantidos pela Constituição.115 Já no processo civil, a amplitude do contraditório é menor, sendo suficiente que seja dada oportunidade às partes “para se fazerem ouvir no processo, por intermédio do contraditório recíproco, da paridade de tratamento e da liberdade de discussão da causa”. Com isso, pode o réu, devidamente citado, não responder aos termos da ação revelia – e isso não significa afronta ao princípio do contraditório, se a oportunidade de contradizer a pretensão do autor lhe foi concedida em termos reais e não apenas em sentido formal. 116 Assim também ocorre com o julgamento antecipado da lide (art. 330, do CPC), onde não é ferido o contraditório, já que ocorrerá tão somente naquelas hipóteses em que tenham lugar os efeitos da revelia, portanto, após oportunidade de defesa realmente proporcionada ao réu com a citação. Por tais razões Nelson Nery prefere falar em bilateralidade da audiência, como princípio do processo civil. O autor defende que o contraditório no processo civil manifesta-se nos três tipos clássicos de processos: conhecimento, execução e cautelar, sendo indiferente ainda tratar-se de procedimento de jurisdição contenciosa ou voluntária. Quanto a estes últimos, ressalta que não se trata de observar o contraditório em seu aspecto técnico-processual, uma vez que não há a presença de litigantes nestas espécies de procedimentos e, além do mais, presididos que são pelo princípio inquisitório, permitem o juiz decidir até mesmo por equidade (arts. 1.107 e 1.109 do CPC).117 Quanto à presença ou não do contraditório nos processos de execução o autor defende clara posição: o contraditório também se manifesta no processo de execução, embora de forma menos abrangente e incisiva do que nos processos de conhecimento e cautelar, pelas próprias peculiaridades do processo executivo. Com os embargos do devedor se instaura verdadeiro processo de conhecimento incidentemente ao processo de execução. Nos embargos, por 115 Ibid., p. 130-131. Ibid., p. 57. 117 Ibid., p. 134-135. 116 62 óbvio, incide o contraditório amplo. No entanto, mesmo antes de opor embargos do devedor, o que somente pode ocorrer depois de seguro o juízo pela penhora, o devedor pode utilizar-se de instrumentos destinados à impugnação no processo da execução, notadamente no que respeita às questões de ordem pública por meio da impropriamente denominada exceção de préexecutividade. 118 Portanto, poderá o devedor apontar irregularidade formal do título executivo, a ausência de citação, a incompetência absoluta do juízo, o impedimento do juiz, bem como quaisquer outras questões de ordem pública, todas representando manifestação do princípio do contraditório no processo de execução. Ainda assim, a respeito de qualquer ato praticado durante o desenvolvimento procedimental, deve ser dada oportunidade (através de intimação) ao executado para manifestarse, podendo, por exemplo, impugnar a atualização do débito, invocar a ordem de preferência na penhora etc. Humberto Theodoro Júnior ao examinar os princípios informativos – que em seu entendimento são consagrados por um conjunto de normas de direito processual oriundas principalmente do devido processo legal – dedica algumas observações ao princípio do contraditório. Na lição do autor, o contraditório consiste “na necessidade de ouvir a pessoa perante a qual será proferida a decisão, garantindo-lhe o pleno direito de defesa e de pronunciamento durante todo o curso do processo”. Não há privilégios de qualquer sorte. Daí, surgem três conseqüências básicas deste princípio: a) a sentença só afeta as pessoas que forem parte no processo, ou seus sucessores; b) só há relação processual completa após regular citação do demandado; e c) toda decisão só é proferida depois de ouvidas ambas as partes. 119 Ensina que o contraditório não se resume na simples oportunidade que deve ser dada à parte de manifestar-se sobre as alegações do outro litigante, mas, sobretudo, de produzir contraprova, sob pena de se cometer cerceamento de defesa. Assim, ao contrário do que ocorre em outros princípios processuais em 118 Ibid., p.136-137. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 665, mar. 1991, p. 24-25. 119 63 que são admitidas exceções, o contraditório é absoluto, devendo ser sempre observado por juiz e partes sob pena de nulidade do processo. Porém, não devemos entender tal característica como sendo uma supremacia do contraditório sobre os demais princípios, uma vez que o devido processo legal exige que o contraditório por vezes tenha que ceder momentaneamente a medidas indispensáveis à eficácia e efetividade da garantia de acesso ao processo justo. Como exemplo, segundo o autor, temos as hipóteses de medidas liminares cautelares ou antecipatórias que são concedidas a uma parte sem a defesa da outra. Tais medidas, no entanto, somente devem ser utilizadas em regime de excepcionalidade, de verdadeira urgência, e não podem se transformar em completa e definitiva eliminação da garantia do contraditório e ampla defesa. Tanto é tão logo seja cumprida a medida urgente, deve ser proporcionada à parte contrária possibilidade de defender-se, uma vez que “a solução definitiva da causa somente será alcançada após o completo exercício do contraditório e ampla defesa por ambos os litigantes”. 120 Aludido autor conclui exemplificando que o contraditório deve harmonizar-se com os demais princípios processuais, como nos casos típicos de cerceamento de defesa que utiliza como ilustração: um documento foi juntado aos autos sem ciência da parte contrária, ou uma diligência probatória foi cumprida sem que um dos litigantes fosse intimado a dela participar. Nestas situações não se anulará o processo se a sentença não se baseou nas provas irregularmente produzidas, havendo necessidade para tanto de efetivo prejuízo: o efeito nocivo do elemento de convicção sobre o resultado do processo. Devemos observar que Humberto Theodoro Júnior, embora esteja tratando do princípio do contraditório, indica várias situações em que tanto o princípio foco de sua explanação quanto o princípio da ampla defesa devem ser respeitados, numa clara demonstração de que os entende como expressões indicando o mesmo fenômeno. Se não for este seu pensamento, faltou-lhe cuidado na 120 Ibid., p. 25. 64 apresentação do tema, data vênia. Aliás, ao arrolar os princípios informativos do processo civil, não indica a ampla defesa, mas, somente o contraditório. 121 Na verdade, o princípio do contraditório, sem o que não se pode admitir o processo como democrático, não é senão um simples aspecto do direito fundamental e genérico da igualdade de todos perante a lei, que, no campo da justiça, se traduz na igualdade das partes no processo.122 Segundo Celso Ribeiro Bastos, devemos entender a ampla defesa como “o asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade”. É por isso que ela assume múltiplas direções, ora se traduzindo na inquirição de testemunhas, ora na designação de um defensor dativo, não importando, assim, as diversas modalidades, em um primeiro momento. Assim, a ampla defesa transforma-se naquele instrumento assegurador de que o processo não se converterá “em uma luta desigual em que ao autor cabe a escolha do momento e das armas para travá-la e ao réu só cabe timidamente esboçar negativas.123 Celso Ribeiro Bastos refere-se à ampla defesa como garantia inerente à figura do réu, por entender que as mesmas faculdade não podem estar à disposição de ambos os litigantes, o que poderia redundar em extrema injustiça, principalmente porque o demandado está em posição naturalmente desvantajosa. Ao autor, por exemplo, cabe o privilégio de escolha do momento para iniciar a ação. Por conseqüência lógica, esta condição não pode ser estendida ao réu, que deve acatá-lo, e, a ele submeter-se, surgindo daí uma primeira função da ampla defesa que é justamente propiciar meios compensatórios à perda da iniciativa, restaurando um princípio de igualdade entre litigantes essencialmente diferentes. Daí concluir com propriedade: 121 Além desse aponta como princípio informativo do processo: devido processo legal, inquisitivo e dispositivo, duplo grau de jurisdição, boa-fé e lealdade processual e verdade real. Como princípio informativos do procedimento: oralidade, publicidade, economia processual e eventualidade ou preclusão (Ibid., p. 22). 122 THEODORO JÚNIOR, Humberto. A garantia fundamental do devido processo legal e o exercício do poder de cautela no direito processual civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 665, mar. 1991, p. 11-22 123 BASTOS E MARTINS, Celso Ribeiro e Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 266. 65 a ampla defesa só estará plenamente assegurada quando uma verdade tiver iguais possibilidades de convencimento do magistrado, que seja ela alegada pelo autor, que pelo réu. Às alegações, argumentos e provas trazidos pelo autor é necessário que corresponda uma igual possibilidade de geração de tais elementos por parte do réu. Há que haver um esforço constante no sentido de superar as desigualdades formais em sacrifício da geração de uma igualdade real.124 No tocante ao contraditório, Celso Ribeiro Bastos entende que este está inserido na ampla defesa, quase confundindo-se com ela integralmente porquanto uma defesa – modernamente – não pode se senão contraditória, cabendo igual direito à outra parte de opor-se, apresentando versão que lhe convenha ou até mesmo interpretação jurídica diversa daquela promovida pelo autor. E afirma: Daí o caráter dialético do processo que caminha através de contradições a serem finalmente superadas pela atividade sintetizadora do juiz. É por isto que o contraditório não pode se limitar ao oferecimento de oportunidade para produção de provas. É preciso que ele mesmo avalie se a quantidade de defesa produzida foi satisfatória para a formação do seu convencimento. Portanto, a ampla defesa não é aquela que é satisfatória segundo os critérios do réu, mas sim aquela que satisfaz a exigência do 125 juízo. Enfatiza Gil Ferreira de Mesquita que a função jurisdicional somente poderá ser desempenhada satisfatoriamente pelo magistrado, se este contar com a colaboração das partes (autor e réu) através da formulação de suas razões, o fornecimento de informações e a produção de provas. O contraditório presta-se justamente, de início, para a manutenção do processo como fenômeno dialético, necessário para que ambos os litigantes tenham no decorrer da atividade processual as mesmas condições para defesa de seus interesses, já que sujeitos parciais da relação jurídica processual. 126 Dizia Francesco Carnelutti que: se a colaboração de uma parte é parcial ou em outras palavras, tendenciosa, este defeito se corrige com a colaboração da parte contrária, posto que esta tem interesse em descobrir a outra parte 124 Ibid., p. 267. Ibid., p. 267-268. 126 MESQUITA, Gil Ferreria de. Princípio do contraditório e ampla defesa no processo civil brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 156-157. Enfatiza ainda “O contraditório, no entanto, não tem como destinatário apenas os sujeitos processuais. Também o legislador é atingido por seus efeitos, uma vez que não poderá elaborar norma jurídica que venha a suprimir o mandamento constitucional.” 125 66 da verdade; portanto, o que torna possível e útil dita colaboração é o contraditório.127 Para Kazuo Watanabe, a atividade do Estado não pode dispensar a participação dialética das partes, A cognição torna-se necessária no momento em que o Estado avoca para si o monopólio da justiça, interpondo-se entre os homens em conflito de interesses. A interposição do Estado atende à razão política de evitar o prevalecimento do mais forte e de substituir a força pela justiça, num esforço de solucionar os conflitos pelos meios mais civilizados, e isso somente se 128 consegue conhecendo-se as razões de ambas as partes. Salvatore Satta aduz que o contraditório efetivamente proporcionado aos litigantes é indiscutivelmente necessário para regular a formação do processo antes de sua própria existência, já que o processo que desenvolve-se sem a observância das regras do contraditório é juridicamente nulo. Mesmo as exceções feitas pelo legislador em vários dispositivos são aparentes, já que o contraditório não poderá sofrer qualquer derrogação. E completa: “pode-se realmente admitir que enquanto geralmente se dispõe á observância do contraditório com a citação, em casos peculiares se podem também variar as formar de ingresso em juízo, ou sujeitar o contraditório eventual, ou adiá-lo, jamais suprimi-lo.”129 Desta forma, podemos concluir que a participação das partes, considerando sujeitos parciais da relação jurídica processual, somente pode ser proporcionada com a tomada de conhecimento de todos os atos processuais praticados durante a atividade processual, sejam eles realizados pelo Estado (juiz e seus auxiliares), sejam realizados pelos seus adversários. Daí o caráter essencial dos atos de comunicação processual para que o contraditório seja observado, que deverá ser exercido através da transmissão de informações sobre os atos processuais praticados, dirigidas às pessoas interessadas e em cuja esfera de direito tais atos poderão atuar. No sistema do atual Código de Processo Civil a comunicação é realizada através da citação e das intimações. 127 CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um processo. Tradução de Hiltomar MARTINS Oliveira: Ideal, 2000, p. 99. 128 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. . 2ª ed., Campinas: Bookseller, 2000, p. 44. 129 Salvatore Satta. Apud MESQUITA, Gil Ferreira de. Princípio do contraditório e ampla defesa no processo civil brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 179. 67 A citação, definida no art. 213 do CPC, é o ato pelo qual o réu toma conhecimento da existência de uma ação contra ele promovida e, querendo, poderá apresentar respostas, sob pena de revelia. Trata-se, portanto, de ato de comunicação dirigido à figura do demandado e, salvo situações excepcionais, somente ocorrerá uma vez para cada réu no decorrer do processo. As intimações, a seu turno, são definidas no art. 234, do CPC, como os atos pelos quais “se dá ciência a alaguem dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa”. Estas são dirigidas tanto ao autor quanto ao réu (com comando ou não para praticar um ato), e ainda, são meios hábeis á comunicação dirigida a terceiros, interessados que não integrem a relação jurídica processual. No entendimento de Eduardo Cambi, o movimento dialético que se instaura com a ação (autor) e a reação (réu), o juiz forma seu convencimento (síntese), que é plasmado na sentença. Mas esta poderá existir mesmo que não haja defesa, pois a defesa é a faculdade e não um dever do réu. O que é mais importante, e configura-se imprescindível para o atendimento ao contraditório, é que ninguém pode ser condenado sem ter prévia oportunidade de ser ouvido em juízo, embora a atuação da jurisdição deva existir mesmo na ausência do exercício do direito de defesa. Citado autor conclui com exatidão: trata-se de conferir oportunidades razoáveis para que cada uma das partes realize, dentre os vários atos juridicamente admissíveis, aquele que considere o mais apropriado para neutralizar o movimento contrário, tirando o melhor proveito possível. (...) Nisso consiste a tática processual, na qual estão implícitas as responsabilidades e as habilidades de cada litigante, podendo o processo ser comparado a um jogo de xadrez, em que cada competidor, deve antes de fazer qualquer movimento, estudar sua situação jurídica e a do adversário, bem como tentar prever qual a possível reação, inclusive psicológica, que o ato venha a causar na parte contrária e no juiz. 130 De todas essas observações, parece tecnicamente correto admitir que a participação direita do juiz durante todo o desenvolvimento da atividade processual seja fator indispensável ao pronto atendimento ao contraditório, porque toda a atividade dialética realizada pelos litigantes, embora estejam em juízo cada qual defendendo seus interesses como objetivo mediato, tem como objetivo imediato 130 CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 125. 68 participar da formação do convencimento do juiz, o responsável pela entrega da prestação jurisdicional às partes, favorável a uma delas e desfavorável a outra. Temos, pois, que o princípio do contraditório não se presta apenas a dar ciência aos litigantes de todos os atos do processo, mas também para proporcionar-lhes oportunidades de reagir contra quaisquer atitudes prejudiciais do juiz ou do adversário. Daí, a doutrina comumente apresenta a garantia através de um binômio: informação-reação. Esta fórmula sofre variações dependendo do autor consultado: Vicente Greco Filho prefere falar em informação e contraposição; Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci optam por informação e manifestação; Cândido Dinamarco aponta informação e participação; enquanto Joaquim Canuto Mendes de Almeida refere-se a informação e contrariedade. Optamos por adotar a concepção de Nelson Nery Júnior, baseado no entendimento de Sérgio La China: informação e reação.131 Este binômio pode ser considerado a condensação ideológica do princípio do contraditório em âmbito processual civil e penal, mas apresenta-se distinto dependendo do ramo do processo a examinar. No processo penal, por exemplo, tanto a informação quanto a reação são obrigatórias (no interrogatório réu tem direito ao silêncio). Quer dizer, mesmo estando o réu autorizado a realizar sua auto-defesa no processo criminal deverá ter sua defesa patrocinada por advogado, responsável pela defesa técnica. 131 JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do processo civil na constituição Federal. 7. ed. rev e atual com as Leis 1-0.352/2001 e 10.358/2001 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 130. 69 3. O CONTRADITÓRIO NA EXECUÇÃO Segundo professor Antônio Cláudio Costa machado: Processo de execução é o processo disciplinado pela lei cujo escopo é a entrega pelo Estado de um provimento jurisdicional que satisfaça concretamente o direito já reconhecido num título executivo. Por meio dele não se busca a declaração de direito, mas a realização efetiva e material desses, o que se dá pela invasão do patrimônio jurídico do devedor em seu mais amplo 132 sentido, pelo Estado. A execução foi, por muito tempo, considerada como fase suplementar da ação. Sustentavam os juristas que, no processo judiciário, a primeira fase era o conhecer dos fatos, ou seja, processo de cognição ou conhecimento, que findava com o querer do juízo – decisão – investido de eficácia especial, e atribuía ao vencedor direito reconhecido (que era conhecido e querido). Era preciso, porém, que tal reconhecimento se impusesse ao vencido, para que se fizesse valer o seu direito. Em outras palavras, era necessário que o juiz agisse, complementando a atividade jurisdicional, alcançando o resultado esperado. Dizia-se, por isso, que a atividade jurisdicional era o somatório da atividade de conhecimento e da atividade de coerção (conhecimento e execução = atividade jurisdicional). Em conseqüência desse entendimento, sustentava-se haver uma unidade lógica entre ação e execução, tal como no processo humano, consistindo no “saber, querer e agir”, correspondendo à execução à última etapa. Sendo assim a execução passou a ser a última etapa para assegurar a eficácia do julgado. No processo de conhecimento, a incidência do princípio do contraditório é indiscutível, até mesmo porque a estrutura procedimental construída no processo civil brasileiro prevê a prática de atos processuais, em momentos facilmente identificáveis, que bem caracterizam o respeito a tal garantia. No processo de execução, contudo a facilidade de vislumbrar se o contraditório não se apresenta nos mesmos moldes, não sendo recentes os esforços das doutrinas brasileiras e alienígena no sentido de determinar a presença (ou não) do princípio no processo de execução, que em face de suas características próprias, sempre foi colocado 132 COSTA MACHADO, Antônio Claudio. Código de Processo Civil Interpretado. 6ª ed., São Paulo: Editora Manole, 2007, p. 723. 70 em posição comparativa com o processo de conhecimento, até mesmo para a determinação da incidência ou não da garantia do contraditório. Humberto Theodoro Júnior, salientando as diferenças entre processo de conhecimento e de execução, invocando Liebman, sustenta que aquela diferença consiste “no fato de pender processo de cognição à pesquisa do direito dos litigantes”, enquanto o de execução “parte justamente do direito do credor, atestado pelo título executivo.”133 Significa que na execução não há dúvidas quanto ao direito do credor, seu pressuposto é a certeza desse direito, não sendo a execução um processo contraditório. Nele não se discute o mérito da relação jurídica material entre as partes, o que não quer dizer que não se reconheça ao devedor a possibilidade de resistir à pretensão executiva. É que essa resistência não se instala no processo de execução, mas fora dele, através dos embargos de devedor onde instalar-se-á o contraditório, limitado na matéria passível de discussão. Não há, portanto, contestação, mas defesa incidente do executado. Poderíamos, numa conceituação objetiva, necessária ao entendimento do iniciante da matéria, conceituar a execução como conjunto de atos materiais destinados a concretizar o direito do credor, reconhecido ou declarado na sentença (título judicial) ou inserido no título a que a lei confere igual eficácia (título extrajudicial). Em sede de proposições doutrinárias, conforme indica Ângelo Bounsignore, temos três posições indicando a divergência do princípio do Contraditório no processo de execução: a) exclusão absoluta do contraditório diretamente no processo de execução; b) Admissão da incidência com limitação; c) vigência absoluta do princípio no processo de execução. Os defensores da primeira entendem que por suas características próprias, estaria o processo de execução alheio à incidência do contraditório, admissível sua presença apenas quando propostos os embargos do devedor, ação incidental e cujo objetivo – discutir o mérito do direito pretendido pelo exeqüente e/ou suscitar defeitos na constituição e 133 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I, 34ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 53. 71 desenvolvimento da execução – exige a observância daquele princípio. A terceira posição, à qual nos filiamos, é justamente aquela que vislumbra no próprio processo de execução necessidade de obediências ao contraditório, mesmo que suas características o diferenciem tanto do processo de conhecimento.134 3.1. Histórico do Processo de Execução No Direito Romano, a execução visava a própria pessoa do executado, vencido na ação. A execução se fazia através da manus injectio, que se traduzia no seguinte: O vencedor da demanda, depois de 30 dias do julgado, sem que o vencido cumprisse a obrigação imposta na sentença, conduzia este último, á força, á presença do juízo e, perante testemunhas, lançava-lhe a mão o julgador, manus injectio, gesto que autorizava o credor a encarcerá-la, transportando-o algemado. Feito isto, devia o credor apregoá-lo em três feiras, a intervalos de nove dias, declarando o valor da condenação para que alguém por ele saudasse o débito. Se não aparecesse alguém para ajudá-lo no cumprimento da obrigação, o credor tinha direito de vendê-lo fora da cidade – trans tiberium, podendo até matá-lo. 135 No direito clássico, a situação do vencido melhorou porque as partes deveriam comparecer perante o pretor, se o vencido não cumprisse a obrigação, e poderia até argüir, em sua defesa, a nulidade da sentença ou expor exceção, como a do pagamento, o que fazia surgir a litiscontestatio e o judicium. Se fosse novamente vencido, era condenado ao pagamento em dobro do que devia. Se, porém, diante do pretor confessava a obrigação, tinha início a execução. Significa que a sentença condenatória não era, a rigor, um título executivo, mas tãosomente a obligatio judicati, que substituía a primitiva obrigação.136 Se o devedor, vencido, não cumpria a condenação, o credor tinha de propor contra o mesmo a actio judicati, que, esta sim, leva à execução, caso o devedor não pagasse. É que o imperium só o pretor possuía; o arbítrio não. Na época pretoriana, a manus injectio ainda era a forma de execução, só que o credor adjudica o devedor para fazê-lo pagar a dívida com o seu trabalho. Só muito 134 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Garantia do tratamento paritário entre as partes. In; José Rogério Cruz e Tucci. Garantias Constitucionais do processo civil. Revista dos tribunais, 1998, p. 91. 135 RODRIGUES, Maria Stella Vilella Souto Lopes. ABC do Processo Civil, V.I Processo de Conhecimento e Processo de Execução, Editora RT, p. 45. 136 http://www.escritorioonline.com/webnews/noticia.php?id_noticia=5098& (acesso em 23/09/08). 72 tempo depois é que surgiu a forma de execução sobre os bens de devedor, a pignoris capio, criação do pretor Rutílio.137 Nessa forma de execução, os bens do vencido eram vendidos, levados a praça, e o produto da venda servia ao pagamento de credor, dividindo aqueles proporcionalmente entre credores, se outros viessem a protestar pelo pagamento de seus créditos em face do mesmo devedor. Era a bonorum venditio. Tal execução dava grande lucro ao comprador dos bens, já que poderia, depois, vendê-los parceladamente. Em razão disso, concedeu-se ao vencido o direito de pedir que a venda de seus bens se fizesse parceladamente, até que seu produto solucionasse a divida executada na distracio bonorum. Finalmente, na fase final do Direito do Império surgiu a pignus ex causa judicati captum, do Imperador Antônio Pio, que era forma de execução menos onerosa para o devedor executado, pois que só se lhe penhoravam os bens necessários à satisfação do julgado. No Direito português, a execução se fazia de duas maneiras, pela actio judicati e por ofício do juiz. Este é o modo usual, ocorrendo pelo pedido feito pelo credor ao juiz, para que obrigasse o devedor a cumprir o julgado. Aquele tinha lugar quando a execução se fazia perante juízo diverso daquele onde proferida a sentença, o que, hoje, se faz através de precatória executória. No nosso Direito a execução, até o Código Processual Civil de 1939, era fase complementar do processo de conhecimento. Era a atuação da sanção, que decorria da sentença. E para isso criaram-se regras para a execução da dívida. No ordenamento brasileiro, só o patrimônio responde (exceto nos casos de depositário infiel e pagamento de pensão alimentícia, casos em que pode ocorrer prisão). Essas regras criadas tiveram como princípio a existência de duas pessoas honestas: um devedor e um credor, e todos com um objetivo: o primeiro pagar o débito e o outro receber o crédito. A dívida representada pelo título executivo extrajudicial exigia a propositura de ação especial, ação executiva, com procedimento especial como se vê do art. 298 do CPC de 1939.138 137 Ibid, p. 51. 73 O código de 1939 vigeu até 1973, quando, sob a batuta de Alfredo Buzaid, então Ministro da Justiça, foi promulgada a Lei nº 5.869 de 11/01/73 que, no dizer de Cândido Rangel Dinamarco representou "um passo de gigante no que diz respeito a alguns aspectos da técnica processual, à adoção de conceitos modernos, à correta estruturação dos institutos." 139 Cândido Rangel Dinamarco ensina que: O Código de Processo Civil de 1973 não se caracterizou como repúdio a uma velha estrutura ou aos seus pressupostos, com opção por uma nova, inspirada em novas e substanciais conquistas. Mesmo tendo sido elaborado com o declarado intuito de constituir-se efetivamente em um novo estatuto e não em meros retoques à lei velha, o Código Buzaid foi ainda o retrato do pensamento jurídico-processual tradicional e, nesse plano, não havia tanto a modificar então como em 1939. Urgia, sim, corrigir os defeitos evidenciados pela experiência trintenária, além de aperfeiçoar os institutos à luz dos maiores conhecimentos do direito processual, já incorporados à cultura brasileira na década dos anos setenta, de Enrico Túlio Liebman.140 Em seu artigo sobre “A reforma do processo de execução. Pontuações ao Projeto de Lei nº 3.253/2004”, Maria de Fátima Abreu Marques Dourado, sustenta que o novo código vinha pôr o sistema processual civil brasileiro em consonância com o progresso científico dos tempos atuais, Buzaid destacou como principais inovações no processo de execução, que, a partir de então, faria parte do Livro II e não mais da última parte da lei, como no Código de 1939 (arts. 882 usque 1.030), os seguintes pontos: 1) a unidade do processo de execução, ou seja, não mais haveria dois meios de se realizar a execução, como no direito luso-brasileiro, que previa a via pela parata executio (títulos executivos extrajudicial) e pela ação executiva (quando fundada em título executivo judicial), mas, abraçando as idéias de Liebman e a evolução 138 Ibid. p. 53. DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 3ª ed. Malheiros : São Paulo, 2002, p.21. 140 Ibid. p. 22-23. 139 74 histórica, a novo código adotou a equivalência das sentenças e dos instrumentos públicos; 2) a criação do instituto da insolvência civil, com a distinção entre a execução contra devedor solvente e execução contra devedor insolvente. Na primeira hipótese, o devedor possui bens livres e desembaraçados e o credor obtém a satisfação de seu direito em execução singular, na segunda hipótese, as dívidas excedem às possibilidades do devedor de solvê-las, e, neste caso, dá-se a insolvência civil, cuja declaração produz o vencimento antecipado das dívidas, a arrecadação dos bens e a execução por concurso universal.141 Desde sua promulgação até os dias atuais, o Código de Processo Civil passou por uma série de reformulações, através de leis que foram sendo editadas ao longo dos anos, tudo com vistas a obtenção de uma legislação processual mais eficiente diante da enormidade de demandas que surgiram, principalmente após a Constituição de 1988 que introduziu no ordenamento pátrio princípios e garantias fundamentais, entre eles a ampliação do acesso a justiça. Antes mesmo de entrar em vigor – a Lei que instituiu o Código de Processo Civil teve vacatio legis de um ano – alguns dispositivos foram retificados pela Lei 5.925 de 01/10/73. A partir de então, outras alterações vieram através das leis nº 6.851 de 17/11/80 e nº 8.898 de 29/06/94, esta última alterou dispositivos relativos à liquidação de sentença e lei nº 8.953 de 13/12/94, que por sua vez modificou vários dispositivos do processo de execução, trazendo profunda reformulação ao Livro II do Código de Processo Civil. Em dezembro de 2001, foi publicada a lei nº 10.358 que, dentre outras coisas, fez alterações no artigo 575 do CPC que trata da competência para a execução fundada em título executivo judicial, revogando o antigo inciso III e introduzindo o inciso IV, estabelecendo que quando o título executivo for sentença penal condenatória ou sentença arbitral a execução se processará perante o juízo cível competente. 141 http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7885 (acesso em 22/09/09) 75 Esta mesma lei alterou, ainda, o artigo 584 do CPC para determinar nova redação ao inciso III e acrescentar o inciso VI elevando a sentença arbitral à categoria e título executivo judicial. Mais recentemente, foi editada a lei nº 10.444 de 07/05/02, que reformulou vários artigos do Código de Processo Civil, muitos deles pertencentes ao processo de execução. As alterações trazidas pela Lei 11.382 de 2006, que cuidou da execução de títulos extrajudiciais, buscaram agilizar o processo de execução a fim de satisfazer o direito do credor, atacando várias situações em que o processo atrasasse a efetivo resultado esperado, em muitas situações claramente protelatórias. A sistemática é uma seqüência do rumo das alterações já introduzidas pela lei 11.232/05 que cuidou da execução de título executivo judicial, a que deu o nome de cumprimento de sentença (art. 475-J a 475-R). Portanto, podemos afirmar que nova etapa reformista foi desencadeada no final de ano de 2.005, com a edição da Lei nº 11.187, de 20-10-2005, que alterou pontualmente o recurso de agravo. Após isso, editaram-se as Leis 11.232, de 22/12/2005, 11.276, 11.277, ambas de 07/02/2006 e Lei 11.280, de 16/02/2006. Em linhas gerais, adotou-se o sincretismo das tutelas, alterou-se a sistemática da liquidação das sentenças com resolução de mérito, suprimiu-se a execução de título judicial como meio processual autônomo criando em seu lugar o "incidente de cumprimento de sentença", afora a alteração dos embargos executivos judiciais, substituídos pela impugnação sem efeito suspensivo (em regra).142 142 MAFRA, Jéferson Isidoro. Sincretismo processual. CD-Rom n. 52. Produzida por Sonopress Rimo Indústria e Comércio Fonográfico Ltda. 76 3.2 O Contraditório no Processo de Execução de Sentença e de Título Extrajudicial. Com a entrada em vigor da Lei n. 11.232/2005 (Reforma da Execução), a satisfação dos créditos reconhecidos em títulos executivos judiciais passa a depender apenas de uma “fase de execução” do processo de conhecimento denominada “cumprimento de sentença” (arts. 475-I a 475-R). Antônio Cláudio Costa Machado explica que, “a conseqüência disso é que o Livro II do CPC passou a reger, principalmente, o processo de execução fundado em título executivo extrajudicial, e subsidiariamente, a execução de título judicial (art. 475R)”.143 Afirma ainda, aludido professor, que de todos os dispositivos que compõem a chamada Reforma da Execução (Lei n.11.232/2005), dois deles correspondem, de fato, à coluna vertebral do novo sistema implantado: o art. 162, §1º, que eliminou do conceito de sentença a necessária eficácia de extinção do processo; e o art. 475-I, caput, que cria a fase de “cumprimento de sentença”. Assim, temos que as execuções para entrega de coisa e de obrigação de fazer e de não fazer – chamadas pela doutrina de específicas, posto que por meio delas se busca a satisfação do credor mediante a realização da própria prestação a que se obrigou o devedor, contrapõem-se às execuções por quantia certa, apelidadas de genéricas, ante a circunstância de que a satisfação do credor é alcançada pela entrega de um montante em dinheiro que nem sempre corresponde à prestação ou recusa obstinada do devedor em cumpri-la, hipóteses em que as execuções específicas se convertem em genéricas. Costa Machado entende ainda que, sob tal ponto de vista classificatório, o termo “execução genérica” não se sustenta em nenhuma das situações em que o desejo e a pretensão do credor tem por objeto exatamente a quantia certa, visto que nesse contexto a execução por quantia é tão especifica quanto as execuções específicas. Já a execução por quantia certa contra devedor solvente é a mais comum das execuções indubitavelmente, não só por causa da possibilidade de conversão aludida, como também porque a maioria das relações jurídicas no 143 COSTA MACHADO, Antonio Cláudio. Código de Processo Civil Interpretado. 6ª ed., São Paulo: Editora Manole, 2007, p. 723. 77 mundo moderno envolve prestações pecuniárias e, além disso, a prática mostra que a regra é a solvência e não a insolvência dos devedores (a execução por quantia certa contra devedor insolvente – arts. 748 a 786 – é a outra modalidade de execução genérica disciplinada pelo CPC). 144 Com a entrada em vigor da lei n. 11.232/35 (Reforma da Execução), o Capítulo IV, Título II do Livro II, passa a reger o processo de execução por quantia fundado em título executivo extrajudicial apenas, porque os títulos judiciais se executam por meio de “cumprimento da sentença”, ou seja, uma fase de execução do próprio processo condenatório (arts. 475-I a 475 – R). Passamos agora a analisar a incidência do contraditório nas execuções derivadas de obrigações específicas, isto é: obrigações pessoais cujo objeto é determinado e específico. Tal distinção é importante porque a doutrina brasileira tende a aproveitar as disposições dos artigos 621 e seguintes do CPC para todos os tipos de execução, seja obrigacional ou real, como denuncia Ovídio Baptista da Silva.145 3.2.a. Contraditório na Execução para Entrega de Coisa Certa Há uma tendência em confundir o que seja execução real e pessoal, pois doutrinadores como José Carlos Barbosa Moreira lecionam que a obrigação de entregar coisa certa pode ser derivada de direito real ou pessoal. Não concordamos com tal afirmativa, pois a pretensão real, inexoravelmente, é fundada em direito real e não em direito obrigacional. 146 A “entrega de coisa certa” é uma das execuções mais simples, tanto é que o Código dispensou apenas oito artigos para o seu regulamento. Trata-se de execução de forma específica. Segundo João Lace Kuhm: Na execução genérica por crédito, o credor se satisfaz com o equivalente em dinheiro, nesta não. O bem buscado é a coisa e só com esta se satisfará o credor. Não vedado, todavia, quando a 144 Ibid., p.834-835. SILVA, Ovídio Baptista. Curso de Processo Civil, Vol. II, 2ª ed. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor 1993, p. 84. 146 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Novo Processo Civil Brasileiro. Vol.II, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 24. 145 78 impossibilidade de reavê-la, satisfazer-se com as perdas e danos daí resultantes. Neste caso, segue o rito da execução genérica – após apurado o quantum debeatur, o procedimento é de execução por quantia certa. 147 Afirma ainda aludido autor que, no que diz respeito à incidência do contraditório, nenhuma novidade se apresenta. A citação é imperativa para o desenvolvimento regular do feito, tal que em qualquer outro processo, seja de conhecimento ou de execução. As questões são as mesmas, e forma tratadas quando do exame da execução por crédito. Outros incidentes podem ocorrer, todavia, também nesse tipo de procedimento, mas o texto legislativo não anuncia nenhuma particularidade expressiva. Todos os incidentes que poderão dar azo ao conhecimento de questões se relacionam com o cumprimento da obrigação no plano fático, tais como aqueles envolvendo o bem reclamado, modo de entrega etc. De peculiar, ao revés da execução genérica, diz a lei que o processo se encerra por sentença que julgue cumprida a execução. Naquela, encerra-se pela satisfação do credor com o recebimento de seu crédito, pela transação, renúncia ao crédito, ou qualquer outro meio de remição, reclamando mera declaração judicial do ocorrido, apenas para produção de efeitos. Aqui, contraria-se todo o primado do procedimento executivo que afirma, reiteradamente, inexistir decisão terminativa. O artigo 624 do CPC determina a exigência de lavração do termo para extinguir ou não a execução. É, sem dúvida, um elemento caracterizador deste tipo de execução onde o contraditório aflora soberano. João Lace Kuhn explica ainda que: A sentença, decisão de mérito, acarreta coisa julgada material com todos os seus reflexos. Só é concebida, com validade e legitimidade, se obtida dentro de processo livre, democrático e, principalmente, contraditório. O duplo grau de jurisdição é imprescindível, também, para a segurança da prestação jurisdicional, e nele se observa, intensamente, sob pena de nulidade, o contraditório puro, sem atenuações e limitações. 148 147 KUHN, João Lace. O princípio do contraditório no processo de execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 99. 148 Ibid., p. 101. 79 Não temos receio em afirmar que, tal como no tema da execução geral, a execução de entrega de coisa certa guarda o mesmo móvel ideológico no que diz respeito às garantias constitucionais atinentes a emprestar legitimidade à jurisdição. Com a entrada em vigor da Lei nº 8953/94, que permitiu a utilização de títulos executivos extrajudiciais para aparelhar a execução, importante questão se apresenta. No caso de a res não ser encontrada, por desaparecimento, perecimento ou outro motivo qualquer, deve, nos termos da lei, converter-se em perdas e danos, continuando a execução, nos mesmos autos, por quantia certa. Todavia, é certo que para se obter o quantum a ser executado como indenização, devemos realizar uma verdadeira cognição, com produção dos mais variados tipos de provas dentro do processo de execução – pois não temos a possibilidade da liquidação de sentença – como procedimento cognitivo autônomo. Há, no entanto, um elemento fundamental, face à disciplina legislativa acerca da necessidade do contraditório executivo – sob pena de macular a execução. É a rega do artigo 630 do CPC (entrega de coisa incerta), onde está disposto que qualquer parte poderá impugnar a escolha da outra, em 48 horas, impugnar a escolha feita pela outra, e o juiz decidirá de plano, ou se necessário ouvindo perito de sua nomeação, enfim: realizando uma verdadeira cognição dentro do processo de execução. Alcides Mendonça Lima, ao comentar a regra do artigo 630, diz estabelecerse um singelo contraditório entre as partes, explicando que tudo está contido no princípio do artigo 620 do mesmo diploma, cuja finalidade é evitar o ônus injustificado para o devedor (modo menos gravoso). 149 Não podemos concordar como eminente professor no aspecto singelo, pois pode ser na extensão, mas, na importância para o prosseguimento do feito, é fundamental. Diríamos que se torna o incidente – contraditório executivo -, na execução de entrega de coisa incerta, prejudicial à ação principal. Uma vez não resolvida a questão do bem a ser perseguido, refoge de conteúdo a própria ação, 149 LIMA, Alcides Mendonça Lima. Comentários ao CPC, Vol.VI, tomoII, 3ª ed. Rio de Janeiro:Forense, 1979, p. 804-805. 80 perde o objeto e sentido. Há, antes de tudo, a necessidade de se verificar e individuar o objeto, a coisa que se pretende ver excutida. A faculdade de “manifestação” cabe a qualquer das partes. A demonstração da presença do contraditório, como forma prejudicial ao desenvolvimento válido do processo, é inequívoca. O artigo 630 do CPC é expoente cristalino da preocupação do legislador em dotar o sistema das execuções de mecanismos que o tornasse mais efetivo, dando-lhe condições de produzir efetividade ao processo, distribuindo a jurisdição com justiça e equidade. Para tanto, obviamente, louvou-se nos princípios maiores do processo, sendo um deles o do contraditório. 3.2.b. Contraditório na Execução de Obrigação de Fazer e não Fazer Para as execuções de “Obrigação de Fazer”, a lei processual só admitia, até bem pouco, título judicial. Previa que o devedor seria citado para cumprir a condenação – artigos 632 e 638. Sobre o tema, Ovídio Baptista da Silva entende ser difícil a distinção da estrutura procedimental destas como estão propostas, inclusive sem antecipação executória liminar como as das chamadas “execuções lato sensu”.150 Atualmente, como o advento da Lei nº 8.953/94, não mais fica o procedimento executivo apenas vinculado aos títulos judiciais, pois, inspirado no sistema lusitano, a lei alterou o artigo 632 para permitir que também os títulos extrajudiciais possibilitem a execução, não alterando, entretanto, a antecipação da atividade executória, marcada registrada do processo de execução. Resta, destarte, a anomalia executiva da inexistência da antecipação liminar dos atos de realização. João Lace Kuhn trata o tema afirmando que: Cremos também que o desaceleramento da utilização deste mecanismo processual é fato inconteste. Como se sabe, as dificuldades para obrigar os indivíduos a realizar ou não alguma coisa sempre foram muito questionadas porque invadem a esfera dos direitos individuais, aliadas às dificuldades impostas pela lei 150 SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil, Vol. II, 2ª ed. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor 1993, p. 92. 81 para o exercício desses direitos desestimulam, ainda mais, seu emprego. 151 Ainda, a Lei 8.952/94, incluiu no processo de conhecimento o art. 461 que, em nosso entender, veio para elidir a aplicação do procedimento executório das obrigações de fazer e não fazer. Tal dispositivo abarca todo o procedimento cognitivo, peculiar do procedimento ordinário, aliado ao executivo tendente a realizar os resultado práticos equivalentes ao adimplemento. É a generalização das execuções lato sensu. A lei criou um dispositivo onde se enquadram todas as obrigações de fazer, inclusive com a possibilidade de antecipação da tutela, o que é estranho no regramento da execução das obrigações de fazer e não fazer, dos art. 632 e seguintes. Tanto num caso como no outro a cognição é ampla. Analisando o art. 461 do Código de Processo Civil, afirma João Lace Kuhn: O que o contraditório está presente como nunca. No procedimento executivo, com suas peculiares limitações estruturais há a cognição “necessária”. Já o previsto no art. 461 há, dependendo do caso posto em juízo, uma simples cognição sumária, ou uma cognição exauriente. A possibilidade da antecipação da tutela é um elemento diferenciador entre os dois tipos de procedimentos determinando a supremacia da disciplina estabelecida no art. 461 com relação às dos art. 632. e seguintes. Pensamos, nada obstante a convivência conjunta e independente dos dois mecanismos postos à disposição das partes, o da execução, como tal, integrante do livro II, está com os dias contados, pelo desuso que inexoravelmente vai ocorrer, face à sistemática prevista no art. 461 do CPC. É a grande mudança, juntamente com o art. 273 do mesmo diploma, são os expoentes máximos da reforma do CPC. 152 O contraditório, nessa classe de ações, se faz presente com maior intensidade e freqüência que nas outras, pelas características intrínsecas do procedimento. Giuseppe Borrè, analisa detidamente todos estes aspectos153 sob a prisma do direito italiano, ensinando que a própria disciplina ordinatória dos atos carece de um contraditório executivo, a realizar-se incidentalmente ao processo de execução. 151 KUHN, João Lace. O Princípio do Contraditório no Processo de Execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 103. 152 Ibid., p. 103. 153 Giuseppe Borrè, Apud KUHN, João Lace. O Princípio do Contraditório no Processo de Execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 106. 82 O artigo 634 do CPC determina: “Se o fato puder ser prestado por terceiros, é lícito ao juiz a requerimento do exeqüente, decidir que aquele o realize à custas do executado. O parágrafo único diz o exeqüente adiantará as quantias previstas na proposta que, “ouvida as partes”, o juiz houver aprovado. Claro está que o comando constante na norma instaura um contraditório, cuja inobservância resultará na nulidade procedimental. Os atos não são realizados de ofício, mas sempre a requerimento da parte interessada podendo parte contrária manifestar-se sobre tais pedidos. A seguir, o artigo 635 do CPC, percorre a mesma linha de comportamento “Prestado o fato o juiz ouvirá as partes no prazo de dez dias: não havendo impugnação, dará por cumprida a obrigação, e em caso contrário, decidirá a impugnação”. Os termos da lei dispensam quaisquer comentários sobre a presença do contraditório nessa classe de execução. São claros e expresso, negálo não seria a melhor doutrina. Assim com previsto no CPC, a “obrigação de não fazer”, prevista em apenas dois artigos, importa, apenas, afirmar a presença do contraditório aqui também. Independente dos chamados embargos que, para Ovídio Baptista da Silva, não passam de uma simples contestação; são inúmeras as situações de oposição do réu a aludida execução. São manifestações incidentais que deverão ser conhecidas e instruídas em atenção ao princípio do contraditório. Na espécie, vale tudo o que já foi dito relativamente à transformação da execução específica em execução geral, autorizada pelo parágrafo único do artigo 643 do CPC. 83 3.3 O Contraditório na Impugnação, Exceção de Pré-executividade e Embargos do Devedor. Contraditório na Impugnação Uma das grandes inovações trazidas para o sistema processual civil brasileiro pela Lei n.11.232/2005, que instituiu ente nós a chamada Reforma da Execução, é a substituição do instituto dos “embargos à execução fundada em sentença” (arts. 741 a 743) pela nova figura da “Impugnação”, ou impugnação à execução, que os arts. 475-L e 475-M regulamentam. Antes de mais nada, registre-se que a substituição mencionada ocorreu por conta de uma simples mudança terminológica: trocou-se a locução “(...) fundada em sentença” por outra “(...) contra a Fazenda Pública”, no título do Capítulo II do Título III (“Dos embargos do Devedor”) do Livro II (“Processo de Execução “) – e também no caput do art. 741 onde a locução substituída foi “título judicial” – e com isso limitou-se o cabimento dos embargos apenas á execução contra a Fazenda e, ao mesmo tempo, disciplinou-se neste artigo e no subseqüente o novo instituto da impugnação á execução. Também a liquidação da sentença deixou de figurar no Livro II, que trata do Processo de Execução, para constar, com a reforma, do Capítulo IX, do Título VIII (Do Procedimento Ordinário), do Livro I, que disciplina o Processo de Conhecimento. Com isso, também a liquidação, como regra (para o art. 475, N, I), passou a ser uma etapa do processo de conhecimento, a exemplo do que hoje se dá com a execução de título judicial. Para citar apenas um reflexo da reforma, nesse ponto, pode-se destacar que a parte deixará de ser citada, como previa o revogado art. 603, do CPC, para, na nova sistemática, ser intimada, também na pessoa do seu advogado, só que para se manifestar sobre o simples requerimento de liquidação (art. 475-A e §1º). Costa Machado afirma com clareza que: Parece importante observar que a inexistência dos embargos à execução no âmbito disciplinar deste inovador Capítulo X dedicado ao “cumprimento da sentença”, deve-se claramente ao fato de ter a Reforma (da Lei n. 11.232/205) transformado o “processo” de execução por quantia em “fase de execução” (do processo condenatório), com o que se eliminou, a um só tempo, tanto a necessidade de novo ato citatório com a possibilidade de 84 ajuizamento da ação incidental de embargos, tudo à luz do propósito mais alto de tornar a execução da sentença por quantia um procedimento ágil e eficiente; os embargos à execução continuam existindo apenas no processo de execução por quantia, fundado em título extrajudicial (art.745), e na execução contra a Fazenda Pública (art. 741). 154 Tecendo comentários a respeito do instituto da “Impugnação”, aludido professor comenta que o recém criado instituto não tem natureza de ação de conhecimento incidente como os embargos à execução, mas se traduz em simples exercício do direito de defesa contra a execução. No regime dos embargos, a sua oposição não deixa significar exercício de defesa, mas se trata de defesa que só se veicula por meio de ação, enquanto no regime do “cumprimento da sentença”, o direito de defesa não depende mais de dedução de pretensão a ser atendida para destruir o título ou nulificar o processo, manifestando-se apenas como resistência aos atos executivos que já se praticaram por desconformidade com a lei processual ou material. Além disso, é necessário reconhecer a existência de uma distinção formal relevantíssima: enquanto os embargos à execução dependem de petição inicial e de processamento em apenso (art. 736, parágrafo único), a impugnação à execução se processa, como regra, nos próprios autos onde se desenvolve a fase de “cumprimento da sentença” (art. 475 M,§ 2º). Quanto o procedimento, nota-se que o presente art. 475 – L, que trata da Impugnação, e o subseqüente art. 475-M, nada prescrevem a esse respeito, o que nos leva a concluir que, aplicando-se subsidiariamente “as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial” (art. 475-R), deve-se buscar no art. 740 e em seu parágrafo único os regramentos da forma de processar a impugnação à execução (recebimento, intimação do credor para manifestar-se em quinze dias, eventual julgamento antecipado, designação de audiência de instrução e proferimento de sentença – Art. 740). De uma análise sistemática desse novo instrumento de defesa do devedor, na fase de execução para cumprimento da sentença, nota-se a clara intenção do legislador de afastar a natureza de ação, rotineiramente atribuída aos embargos 154 COSTA MACHADO, Antonio Claudio Costa. Código de Processo Civil Interpretado. 6ª ed., São Paulo: Editora Manole, 2007, p. 526. 85 do devedor. Nessa linha, apenas para exemplificar, a nova impugnação não terá, como regra, efeito suspensivo, o qual poderá ser atribuído ou não pelo juiz quando relevantes os fundamentos e houver risco de grave dano de difícil ou incerta reparação para o executado, afastando, assim, a prévia segurança do juízo (art. 475-M). Além disso, será a impugnação resolvida por decisão interlocutória, desafiada por agravo de instrumento, salvo quando acolhida pelo juiz, hipótese em que se der ensejo à extinção da execução, o recurso cabível será o de apelação (art. 475-M, §3º). Quanto a segurança do juízo como requisito do oferecimento de defesa, o § 1º, do art. 475-J dispõe expressamente que “do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado (...), podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias”. Portanto, apesar do Capítulo X não fazer referência expressa à segurança do juízo, parece indubitável que o requisito é exigido pela nova sistemática, no entanto, abre espaço para discuções. E ainda, conclui Costa machado que: não podemos deixar de dar registro ao fato que, também nesta nova fase de execução, ou fase “do cumprimento da sentença”, tem cabimento a exceção de pré-executividade por meio da qual, em situações excepcionais, o devedor pode tentar buscar o proferimento de uma sentença de extinção da execução e, assim, livrar-se da necessidade de ver seus bens penhorados par poder se defender pela via da impugnação.155 Contraditório e Exceção de Pré- executividade Na execução de Pré-executividade há grande polêmica na doutrina sobre a necessidade de exame de mérito dada a inexistência das condições da ação. Num primeiro momento, pensamos ser, simplesmente, uma oposição de mérito, pois fulmina o direito à ação proposta. Todavia, em análise mais acurada, verificamos não se tratar apenas disso, pois ataca os requisitos exigidos para o exercício da ação de execução, não inquina o direito material intrinsecamente, mas apenas a sua manifestação através da proposição da ação. 155 Ibid., p.527. 86 Somos parceiros da tese que, quando se trata de condições de processabilidade, não haverá, em princípio, ataque ao direito, isto é, ao mérito. Este fica preservado, sendo-lhe facultada, sempre, a utilização de um rito processual a fim de realizá-lo, podendo, evidentemente, propor outra ação e nunca repetir a inepta ou inquinada por falta de requisito. Galeno Lacerda afirma que há defesa para o executado sem exigências: são as chamadas prévias lato sensu que dizem respeito às condições da ação, ou do próprio título executivo é atacado nos seus próprios pressupostos, com argumentos idôneos e sérios, não há necessidade da chamada segurança do juízo, figura criticada em se tratando de títulos executivos extrajudiciais, pois não há juízo a ser seguro. 156 Todo o tipo de processo exige um mínimo de pressupostos gerais de existência, assim também o de execução. Inicia-se pela petição inicial, cujos requisitos são elencados no CPC (282 a 295 e 614 a 616). Deve possuir um órgão jurisdicional previamente estabelecido para o endereçamento da demanda. O autor deve possuir capacidade postulatória e deve estar representado em juízo por quem tenha capacidade processual, além de embasar sua pretensão num título executivo líquido, certo e exigível. Os pressupostos acima referidos devem ser obedecidos. A carência de algum deles acarreta a nulidade relativa ou absoluta do processo, conforme o que ocorrer. Sabe-se que a execução visa a recompor a situação das partes realizando coativamente a satisfação do credor. Para tanto, realiza diversos atos práticos tendentes a retirar parcela do patrimônio do devedor e repassar ao credor. Não seria justo, todavia, que devedor suportasse ameaça ao seu patrimônio quando o pretenso credor não reunisse as condições necessárias para buscar, através do direito constitucional de ação processual, a proteção estatal. A falta de pressupostos processuais, seja de ordem objetiva ou subjetiva, pode, e deve, ser atacada antes mesmo da penhora. Pelas peculiaridades intrínsecas, entendemos não ser obrigatória a garantia para discutir temas que, certamente, levarão à extinção da execução indevidamente proposta, ou por quem 156 LACERDA, Galeno. Despacho Saneador. 2ª ed. Porto Alegre:Sérgio Fabris Editor, 1985, p. 82. 87 não é parte, ou não tem legitimidade para tal, ou ainda por aquele que não possui título executivo líquido, certo e exigível. A penhora, bloqueio ou depósito são medidas executivas, pois com tais atos inicia-se a expropriação propriamente dita, e, por certo, não se adequariam a processos cujas condições pré-processuais, ou mesmo processuais, não fossem atendidas. Segundo afirmação de João Lace Kuhn: A provocação regular do Estado é fundamental para o desenvolvimento válido do processo e a busca da prestação jurisdicional adequada. É uma questão de política jurisdicional. Sabe-se, pela experiência, da inutilidade de manter-se uma demanda quando for a parte ilegítima, o pedido impossível, ou faltar interesse ao demandante. Frente a isso nega-se a prestação do serviço jurisdicional.157 O indeferimento de ofício ou a pedido será proclamado em sentença, mesmo no processo de execução, cabendo apelação. Já a inaceitação dos argumentos do demandado, quanto a tais condições da ação, será decisão interlocutória e requererá agravo de instrumento. Marcelo Lima Guerra dedicou algumas idéias ao tratar da préexecutividade. Entende o autor, que o executado pode dispor da defesa prévia sempre que ocorrerem situações relativas às condições da ação ou qualidade do título. Isto é, valer-se de uma defesa contra o processo, em certas oportunidades, antes da citação. Alega que, por tratar de defesa que ataca a admissibilidade, tanto a doutrina como a jurisprudência estão se firmando em admitir tal possibilidade em atenção ao princípio do prejuízo e, principalmente, acrescentamos, ao do contraditório executivo. 158 A exceção de pré-executividade nada mais é do que a defesa direta em atenção ao sagrado direito de defesa do executado no processo de execução que não obedece aos requisitos legais exigidos por lei, independente dos embargos e sem garantia do juízo. 157 KUHN, João Lace. O Princípio do Contraditório no Processo de Execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 121. 158 GUERRA, Marcelo Lima. Execução Forçada Controle e Admissibilidade. Coleção estudo de direito processual civil – Enrico Túlio Liebman – Vol. 32, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 146-147. 88 João Lace Kuhn ensina que: Já em 1975, Pontes de Miranda, em um parecer memorável para o chamado caso Manesmann, citado por quase todos os doutrinadores como o embrião da tese da exceção de préexecutividade, dizia; ‘Se alguém entende que pode cobrar dívida que conste de instrumento público, ou particular, assinado pelo devedor e por duas testemunhas e ao demandado público é falso, ou de que a sua assinatura, ou de alguma testemunha é falsa, tem o juiz de apreciar o caso antes de ter o devedor de pagar ou de sofrer a penhora’. Para Araken de Assis o sentido de que a exceção de pré-executividade é uma oposição excepcional, decretável de ofício, quando ao juiz for dado conhecer a falta de pressupostos processuais, ou a requerimento da parte. Continua afirmando que o fato desconstitutivo requer prova pré-constituída, e que a rejeição do incidente reclama agravo de instrumento como remédio idôneo para a reapreciação da matéria pelo órgão ad quem. 159 Para nós importa, apenas, mostrar o incidente como representante do contraditório executivo. Como se conhece, inexiste execução sem título. A célebre afirmação de Carnelutti, sine titolo, sine excuzione, imortalizou idéia que a execução é dependente do título. Tirante os pressupostos subjetivos, este é o mais agudo e mais incidente caso de exceção de pré-executividade. Não é lícito ao credor, nem moral, tentar constranger o devedor com uma execução aparelhada por um título que não preencha todos os requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade, fato que refoge ao conhecimento prévio do juiz, ao contrário daquelas outras condições, tais como endereçamento, petição inicial, representação etc. Não é justo que o devedor suporte o ônus de uma contrição sobre seu patrimônio para discutir um título pago ou título que ainda não venceu. Assim, plenamente justificável o incidente antes da penhora, ou qualquer outra defesa no processo de execução, pois este é o mérito da discussão, devendo as partes argumentar e apresentar suas razões, e o magistrado, como parte integrante dessa relação processual, decidir. Há, destarte, cognição, com princípio 159 ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução, Vol. I, Porto Alegre:Lejur, 1987, p.346-347. 89 da ampla defesa e do contraditório, agindo a toda evidência, como ensina João Lace Kuhn.160 Necessário salientar, ainda, a possibilidade de quase todas as condições de processabilidade serem detectadas pelo julgador no exame da petição inicial. A falta de condição da ação, muitas e muitas vezes, se detecta em exame preliminar. A condução atenta e segura do magistrado elidirá, em inúmeras oportunidades, a necessidade de interposição de exceção de pré-executividade. Também é verdade que a falta de condição da ação ou por ausência de requisitos formais do título, não é caso de preclusão do direito da parte de opor-se ao prosseguimento da execução indevidamente proposta. Tal oposição deve ser considerada, pois, manifestação típica de contraditório, mas que se revela diferente dos embargos nos seguintes termos: a) aos embargos tem natureza de ação incidente, enquanto a exceção é um incidente processual; b) os embargos devem atender aos requisitos do art. 282, do CPC, já a exceção não tem forma a ser seguida, resumindo-se em simples petição; c)os embargos têm prazo preclusivo para propositura, a exceção pode ser oposta em qualquer prazo, já que questões de ordem pública também o são, como a prescrição, a decadência, o pagamento e a compensação; d) a exceção não enseja a produção de prova testemunhal ou pericial, admitindo-se apenas a documental, enquanto nos embargos a produção de provas é ampla; e c) os embargos prestam-se à defesa e ao contra-ataque, enquanto a exceção é instrumento apenas para defesa. 161 Ainda para justificar a presença do contraditório em tal incidente, é interessante a questão da resposta à exceção de pré-executividade, porque já pairou dúvida na doutrina sobre necessidade ou não de o juiz abrir prazo para o credor manifestar-se sobre o incidente promovido pelo executado. A ausência de norma processual específica a regular a exceção proporcional à doutrina utilizar a analogia para obtenção de resposta ao problema. 160 KUHN, João Lace. O Princípio do Contraditório no Processo de Execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 123. 161 MOREIRA, Alberto Camiña. Defesa sem embargos do executado. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 40. 90 Como defende Alberto Camiña Moreira, devem ser aplicadas as regras dos arts. 326 e 327, do CPC, ou seja, para os casos em que o executado argüir fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do exeqüente ou qualquer das matérias enumeradas no art. 301, deverá o juiz ordenar a intimação do exeqüente para, querendo, manifestar-se sobre os termos da exceção. O autor sugere ainda a designação de audiência para tentativa de conciliação, atitude já tomada por alguns juízes mais cuidadosos.162 Em síntese, cabe exceção de pré-executividade para combater: a ausência de pressupostos de constituição e de validade da relação processual; a presença de pressupostos processuais negativos, como a coisa julgada, litispendência, perempção e compromisso arbitral; a ausência de condições da ação; a nulidade da execução; os vícios do título executivo; o excesso de execução, prescrição, decadência, pagamento, compensação e novação. Contraditório nos Embargos do Devedor Os embargos à execução possuem características e roupagem próprias. Pesquisadores do direito apontam como marco exordial dos embargos o Direito Romano. Naquela oportunidade, uma vez obtida a sentença judicial, o devedor tinha trinta dias para cumprir com o decisum; e, assim não procedendo, o credor poderia propor uma demanda denominada actio fudicati, segundo ensinamentos de Hugo Leonardo Penna Barbosa.163 No Direito Francês que, pela primeira vez, os embargos do devedor foram vistos como “ação”. Na França, o juiz não cuidava da execução da sentença, sendo a mesma feita pelos sargents du Roi, iniciada por meio de simples requerimento do credor possuidor do título. José Alonso Beltrame explica que: O devedor poderia se opor por meio de exceções, que não poderiam ser julgadas pelos sargents, em razão do fato de os mesmo não disporem de legitimidade para apreciá-las, fazendo162 Ibid., p. 54-55. BARBOSA, Hugo Leonardo Penna; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; DUARTE, Márcia Garcia Duarte. Nova Sistemática da Execução dos Títulos Extrajudiciais e a Lei n. 11.382/06. Rio de Janeiro:Editora Lúmen Júris, 2007, p.100. 163 91 se necessária a retomada da atividade do juiz. À medida que o juiz reassumisse a causa, iniciava-se a oposição, ou seja, fuma forma de ação, como o meio de manifestação do inconformismo do devedor perante o Judiciário.164 O direito Lusitano, desde as Ordenações Afonsinas, já cuidava dos embargos em seu texto legislativo. No direito contemporâneo brasileiro não há mais a hipótese do processo de execução quando a obrigação deriva de uma decisão transitada em julgado, ou seja, de um título executivo judicial (salvo em sentença arbitral, penal e homologada pelo STJ. A partir da Lei nº 11.232 de 2005, o cumprimento de sentença passou a correr nos próprios autos do processo de conhecimento do qual se originou a sentença, sem a necessária propositura de nova demanda com fins executórios, o mesmo se dando nas hipóteses de sentenças estrangeira, arbitral ou penal condenatória, homologatória de acordo etc. Por outro lado, o instituto do processo de execução não foi excluído do ordenamento. Ao contrário, ganhou novos contornos por meio da Lei nº 11.382/06, que permitiu a adequação do processo á sistemática legal contemporânea.165 Segundo entendimento de J. E. Carreira Alvim e Luciana G. Carreira Alvim Cabral, os embargos referidos no art. 736 não recebem qualquer adjetivação -, como no art. 694, em que são denominados embargos do executado -, sendo, na doutrina e na jurisprudência chamados de embargos à execução, por se tratar de uma ação que, no fundo, traduz a defesa oposta por quem resiste à pretensão executória.166 Prescreve o parágrafo único do art. 736 que os embargos à execução serão distribuídos por dependência, autuados, em apartado, e instruídos com cópias das peças processuais relevantes, que podem ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal (art. 544, § 1º, in fine). 164 Ibid., p. 39. BARBOSA, Hugo Leobardo Penna; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; DUARTE, Marica Garcia. Nova sistemática da execução dos títulos extrajudiciais e a Lei 11.382/06. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 100-101. 166 ALVIM, J. E. Carreira; CABRAL, Luciana G. Carreira Alvim. Nova execução de Título Extrajudicial. Comentários à Lei 11.382/06. 3ªed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 198. 165 92 Essa providência, de processamento em apartado, resultou da técnica adotada pelo Código de Processo Civil de 1973, na sua redação original, em que se preferiu unificar o processo de execução, tanto de título judicial quanto extrajudicial, mas, a partir do momento em que a execução de título judicial passou a ser objeto de “cumprimento”, na modalidade de execução sincretizada, já não teria sentido manter a autuação em apartado. Como a reforma operada pela Lei nº 11.382/06, ganha força o termo “executado” em vez de “devedor”; a expressão que melhor traduz, atualmente, essa atividade processual é embargos do executado, expressão usada por exemplo, pelo art. 694 pelo parágrafo único do art. 736, pelo art. 738,§ 3º e pelo art. 739 A: embora o Título III do livro II tenha mantido a expressão “Dos embargos do devedor”. É certo que a natureza jurídica ou a ratio essendi dos embargos do executado encontra guarida na garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório. A Constituição Federal é clara ao afirmar que seu artigo 5º LV, acerca da inviolabilidade da garantia do devido processo legal, sem distinguir a que tipo de processo se refere. Assim, não cabe ao legislador infraconstitucional dispor de forma a restringir a aplicação deste princípio fundamental em razão da natureza do processo, seja ele cognitivo, cautelar ou de execução. Cândido Rangel Dinamarco discorreu sobre o tema, anunciando que: Hoje, pode-se até considerar superada a questão fundamental da incidência in executivis da garantia do contraditório, mercê dos termos amplos da disposição contida no inc. LV do art. 5º da Constituição Federal. O processo executivo inclui-se, como é óbvio, na categoria processual judicial que o texto constitucional enuncia sem qualquer resalva ou restrição.167 A aplicação da garantia do devido processo legal nos processo de execução ocorre de uma forma muito peculiar, pois, os títulos extrajudiciais têm eficácia executiva, visto que revestidos de presunção de legalidade. Para que a obrigação nele contida seja cumprida, o credor não precisará utilizar-se da via 167 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 8ª ed. São Paulo:Malheiros, 2002, p. 183. 93 cognitiva para o cumprimento da obrigação. Poderá valer-se da ação de execução, que não sucumbe ao lastro probatório do qual se revestem aquelas demandas. Por outro lado, existe a garantia constitucional de que todo demandado deverá ser ouvido e terá a oportunidade de se manifestar em juízo, inclusive opondo-se a uma execução civil, claro que em observância ao princípio do contraditório. Apesar de não se tratar de uma ação cognitiva, o demandado pode alegar em sua defesa todas as matérias, tais como se demanda de conhecimento fosse, conforme prescreve o art. 745 do CPC: “Nos embargos, poderá o executado alegar: (...) V – qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento”. Assim se formarão os embargos à execução. Neste sentido, salienta Enrico Tullio Liebman: O título executório inclina para o lado do credor a balança da justiça e a oposição restaura em prol do devedor o equilíbrio, quando se demonstre injustamente turbado. Na verdade, o estado, que realiza por seus próprios órgãos a execução, tem um interesse próprio, atinente à ordem pública, em evitar que se exerçam atos de execução contra quem não deve; e, pois que esse perigo só se pode evitar por iniciativa do devedor, a possibilidade de que ele proponha suas razões representa um princípio fundamental inviolável para o ordenamento da execução.168 Portanto, os embargos são a forma de defesa do executado, o meio pelo qual poderá apresentar suas razões que se prestem a desconstituir o título, o que caracteriza o princípio da ampla defesa e também do contraditório. Os embargos terão o caráter de uma nova ação, na qual o devedor-executado passa a ser o demandante, recebendo a nomenclatura de embargante; já o credor-exequente, que foi quem propôs a execução, passará a ser o demandado, ou seja, o embargado. Assim, os embargos têm natureza jurídica de auto-suficiente, de ação incidental, que cuidará de tratar de questões de fato e de direito, que visem a desconstituir o título executivo e que não poderiam ser tratadas na ação principal, a de execução, dada característica desta última de não-cognitiva. São os embargos uma ação constitutiva negativa, proposta em oposição a um processo 168 LIEBMAN, Enrico Tullio. Embargos do Executado. Tradução de José Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1952, p. 188 e 196. 94 de execução, em que o executado visa a desconstituir o título executório, como ensina Izner Hanna Garcia.169 Em síntese, os embargos são, portanto, uma ação incidente ao processo de execução, na qual o executado manifesta sua oposição e defesa, que não poderia fazer na ação de execução, visto que esta não admite cognição. Os embargos buscam uma sentença que desconstitua o título (constitutiva negativa). Há, no entanto, várias espécies de embargos. A modalidade de embargos de terceiro encontra guarida legal nos artigos 1.046 a 1.054, que podem ser possuidores, credores hipotecários, pignoratícios etc, que tem seus bens constritos em razão de esbulho ou turbação oriunda de determinação judicial, tem como objetivo desembaraçar, separar bens indevidamente envolvidos em processo alheio e se trata de um processo incidental, autônomo, que será autuado em apenso á demanda executória.170 Já os embargos à execução de título extrajudicial, em face de devedor solvente, cuidarão das partes envolvida diretamente na demanda executória. Os legitimados a propô-los serão os executados. Os embargos devem ser autuados em apenso ao processo de execução. Ter-se-á o prazo de 15 (quinze) dias para serem opostos e poderão ser recebidos no efeito suspensivo. Os embargos à execução poderão ser opostos ainda pelo executado insolvente. Nestes casos, regidos pelos artigos 748 e seguintes do CPC, o credor de obrigação líquida, certa e exigível, requererá seja declarada a insolvência do devedor, que poderá oferecer sua oposição dentro do prazo de 10 (dez) dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação. Antes da nova redação do processo de execução, esta modalidade de oposição à execução forçada – em face de devedor insolvente – gozava da dispensa da segurança do juízo para ser apresentada, contrariando a antiga regra de necessária garantia do juízo para a oposição de embargos. 169 170 GARCIA, Izner Hanna Garcia. Embargos á Execução. Rio de Janeiro: Aide Editora, 2002, p. 56. ASSIS, Araken de Assis. Manual da Execução. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 1.179. 95 Os embargos à adjudicação são a modalidade de oposição do adjudicado ou de terceiro em razão de fatos ocorridos posteriormente à penhora que possam resultar na inexigibilidade da execução. Os embargos à alienação decorrem da nova modalidade de expropriação em virtude da alteração na sistemática da execução de título extrajudicial, pelo qual o exeqüente poderá dispor do bem para si (adjudicação) ou tentar aliená-lo por iniciativa particular, antes que o bem seja exposto à basta pública. Do mesmo modo que os embargos à adjudicação, o demandante nos embargos à alienação, que pode ser o executado ou terceiro, está adstrito a alegar matérias ulteriores ao ato de penhora. Por fim, os embargos à arrematação são o remédio oponível em caso de arrematação do bem penhorado em hasta pública, cuja matéria alegável restringirse-á a questões ocorridas posteriormente à penhora. Os embargos de retenção por benfeitorias, previstos originariamente no artigo 744 do CPC, foram expressamente revogados pelo artigo 7º, IV, da Lei nº11.382/06, que passou a tutelar o direito no artigo 45, IV, apontando a matéria como uma das argüíveis nos embargos do executado. Igualmente, foram extintos do ordenamento pátrio os embargos à execução de título judicial, uma vez que, em razão do advento da Lei nº 11.232 de 2005, deixou de existir a necessária propositura de ação de execução para impor o cumprimento da decisum transitada em julgado, haja vista que o cumprimento de sentença se processará independentemente de processo de execução, como já mencionado. Portanto, os embargos à execução introduzem uma ação de conhecimento no organismo da execução, pelo que deve seguir o regime das ações de cognição em geral, podendo inclusive ser objeto de julgamento antecipado, se não houver necessidade de produzir outras provas em audiência.171 Tanto quanto qualquer ação, devem os embargos atender ás condições gerais da ação, que são o interesse de agir, a possibilidade jurídica do pedido e a 171 FUX, Luiz Fux. A Reforma do Código de Processo Civil. Niterói:Impetus, 2006, p. 313. 96 legitimidade das partes; a possibilidade jurídica do pedido e a legitimidade das partes; evidentemente, com as especificidades típicas do processo de execução. Não apenas o devedor pode opor-se à execução por meio de embargos, mas também o “terceiro responsável” pode oferecer embargos à execução e não apenas embargos de terceiro, onde se limita a pretender excluir o seu patrimônio da execução alheia. O responsável secundário também é parte legítima para embargar a execução, aduzindo defeitos de forma e de fundo, posto que, se destruir o processo, automaticamente libera o seu patrimônio da responsabilidade assumida.172 O processo de execução segue um procedimento próprio, só lhe aplicando as regras do processo de conhecimento subsidiariamente (art. 598 do CPC), naquilo em que forem compatíveis os dois processos. Assim, enquanto no processo de conhecimento, a defesa se faz geralmente através de contestação (art. 301), no processo de execução se faz através de embargos, que, no plural, traduzem uma especial modalidade de defesa. É certo que o exeqüente, não podendo fazer justiça pelas próprias mãos, tem a faculdade (ou o direito) de submeter a sua pretensão ao conhecimento e à tutela do Judiciário; e o executado, por sua vez, não podendo repelir por si a pretensão do exeqüente, tem também a faculdade de submeter a sua demanda ao conhecimento e tutela daquele Poder, e de tal sorte ficam ambos sujeitos à jurisdição do juiz competente, como ensina Amílcar de Castro173. Diversamente do que acontece no processo de conhecimento, em que a defesa se comporta nos limites da resistência à pretensão do autor, e, por isso, é denominada de “contestação” – exceto no procedimento sumário, que comporta pedido contraposto (art. 278.§ 1º), no processo de execução, o executado assume posição semelhante à autor, sendo toda a sua atividade de processual desenvolvida com o propósito de desconstituir o título executivo. Não é o fato de a defesa denominar-se “embargos” que transforma de defesa em ataque, porque, no 172 Ibid., p. 314. CASTRO, Amílcar de Castro. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1976, p. 383. 173 97 procedimento monitório, por exemplo, a defesa do réu se faz por meio de embargos monitórios, e, no entanto, continuam sendo uma defesa. Por serem os embargos do executado uma atividade direcionada ao ataque à pretensão do exeqüente, com o objetivo de desconstituir o título executivo que embasa a demanda, a doutrina lhes reconhece a natureza de ação, na modalidade de ação desconstitutiva. Os embargos do executado surgem mais com o aspecto de ataque, do que de reação; e com o aparecimento deles, suspensa, ou não a execução (art. 739-A e § 1º) , invertem-se as posições das partes no processo de execução: entra o executado a agir como autor, inaugurando o litígio incidente, novo processo, não de execução, mas de conhecimento, de verificação positiva, ou negativa, e o exeqüente é que, nessa demanda incidente, faz as vezes de réu, na defesa do ataque feito ao título exeqüendo, ou ao processo de execução.174 Existe uma diferença entre o contraditório que se forma no processo de conhecimento e no processo de execução, pois este vem fundado num título executivo extrajudicial – por isso, dispensa, originariamente, a formação de um titulo executivo num processo -, enquanto aquele depende da formação desse título, o que se obtém, num processo, mediante uma sentença de mérito, que resolve o pedido do autor. Amílcar de Castro afirma que: Os italianos costumam falar em contraditório eventual, de vez que, em razão da natureza do título em que se funda, pode perfeitamente funcionar sem litígio. Esse o motivo por que, no processo de execução, afirma-se, em doutrina, que o contraditório é eventual, podendo existir, ou não, na medida em que o processo pode funcionar sem litígio. No fundo, não é que, neste caso existindo o título não-impugnado, inexista litígio, pois o litígio não se forma apenas em razão de uma pretensão contestada, mas, também, de uma pretensão insatisfeita (Carnelutti), e é uma pretensão insatisfeita que enseja a execução.175 No processo de execução, o executado não é citado para embargar, embora possa fazê-lo, mas para efetuar o pagamento da dívida no prazo de três dias (art. 652), ou, como salientava Amílcar de Castro, para “confirmar o inadimplemento, pois o exeqüente já vem a juízo com um título executivo, 174 175 Ibid., p. 384. Ibid., p. 384. 98 contendo uma obrigação certa, liquida e exigível, que, por si, constitui prova bastante de sua pretensão que é a de promover o processo de execução”.176 Antes da reforma, o oferecimento de embargos dependia, necessariamente, da garantia do juízo, dispondo o art. 737 que não seriam admissíveis embargos do devedor antes de seguro o juízo, pela penhora, na execução por quantia certa (inc.I), e pelo depósito, na execução para entrega de coisa (inc.II). Após a reforma operada pela lei. 11.383/06, o executado pode opor-se á execução por meio de embargos, independentemente de penhora, de depósito ou caução, como reza agora o art. 736, em conseqüência do que foi revogado o antigo art. 737, que tratava da garantia de juízo. Apesar do art. 736 dispor que o executado pode se opor à execução independentemente de penhora, depósito ou caução, isso só ocorrerá se não tiver ele bens penhoráveis, pois, nos termos do art. 652, caput, é citado para, no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida, e, não o fazendo, o oficial de justiça, munido da segunda via da penhora, procede de imediato à penhora de bens e à sua avaliação, lavrando-se o respectivo auto, intimando-se, na mesma oportunidade o executado, como reza o art. 652 e § 1º. Como já mencionado, se pretender o executado oferecer exceção ou objeção de pré executividade, deve fazê-lo no prazo para efetuar o pagamento, que é agora de três dias, pedindo ao juiz que suspenda a penhora e faça recolher a segunda via do mandado até que esse incidente processual seja resolvido, pois, se não o fizer, o oficial de justiça procederá de imediato á penhora, se encontrar bens penhoráveis. Reza a exposição de motivos que, com o sistema adotado no art. 736, desaparecerá qualquer motivo para a interposição da assim chamada “exceção de pré-executividade”, de criação pretoriana e que tantos embaraços e demoras causa ao andamento das execuções. No fundo, essa visão é ilusória, pois a exceção de pré-executividade continuará tão presente quanto antes, sempre que o executado tiver algum motivo para opor tal modalidade de defesa, desde que o faça no prazo de três dias que lhe é assinado para o pagamento. 176 Ibid., p. 385. 99 Fato é que, se houver bens penhoráveis, já terá ocorrido, por ocasião dos embargos à execução (art. 738), a penhora de bens e sua avaliação, cabendo ao juiz apenas verificar, havendo requerimento do executado neste sentido, se é, ou não, caso de suspensão da execução, paralisando-a, ou não. No entanto, como na execução de título extrajudicial, a execução é definitiva (art. 587), e os embargos á execução têm natureza de ação, a sentença que vier a ser proferida estará, eventualmente, sujeita a apelação, a qual, se houver, determina a subida dos autos dos embargos (apartados) ao tribunal, prosseguindo a execução nos autos originais. Esse é também o motivo pelo qual não se fala em “contestação”, mas em “embargos”, porquanto estes têm, e aquela não, a natureza jurídica de ação. No processo de conhecimento, se o autor não provar o pedido, o réu será absolvido ainda que não prove sua contestação; mas no processo de execução, não provando o executado seus embargos, será ele o vencido.177 A instrução dos embargos, com cópias das peças processuais relevantes, é necessária para a eventual hipótese de virem os autos a subir ao tribunal em virtude de recurso, que, no caso é a apelação, mas, na verdade, não passarão de cópia do título executivo extrajudicial, do eventual protesto (se tiver havido) e da procuração outorgada ao advogado do executado. Podemos concluir que seja na impugnação, na exceção de préexecutividade ou nos embargos do devedor, o princípio do contraditório sempre impera cristalino, pois a lei é clara em se intimar, a parte contrária para a devida manifestação ou defesa de qualquer ato, ou seja, é clara a ocorrência da “açãoreação” em todo processo de execução. 3.4 As Controvérsias sobre a Incidência do Contraditório na Execução Como já mencionado, o princípio do contraditório deriva de comando constitucional e abrange todos os tipos de processos, inclusive o de execução, principalmente por ser procedimento autônomo com vida e regras próprias. 177 CASTRO, Amílcar de Castro. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1976, p. 384. 100 Segundo Joaquim Canuto Mendes de Almeida, o contraditório é: “a ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidades de contrariá-los”. Não restam dúvidas que de que tal princípio é aplicado em qualquer procedimento, sem exceção, sob pena de ferir a lei maior. Encontramos no campo doutrinário os mais gabaritados autores posicionando-se contrários à incidência do contraditório no processo executivo. Enrico Tullio Liebman merece destaque especial, até porque indiscutível sua influência na construção do novo processo civil brasileiro, principalmente a partir do Código de Processo Civil de 1973. Para o autor, há uma distinção basilar entre os processos de execução e de conhecimento, a ponto de justificar a ausência do princípio do contraditório naquele; enquanto na execução a atividade do órgão jurisdicional é praticada e material, na cognição é investigatória e interpretativa, visando a reproduzir e a avaliar os fatos para obter um resultado final de caráter ideal. A posição das partes também faz diferença nas duas espécies de processo, explica o autor que: na cognição estão em posição de igualdade de equilíbrio, pois não se sabe qual delas está com a razão, e nada pode ser feito sem que todas elas sejam ouvidas ou possam fazer-se ouvir, de acordo com o princípio do contraditório. Na execução não há equilíbrio entre as partes, não há contraditório; uma delas foi condenada e sobre este ponto não pode mais, em regra, haver discussão. É certo que a controvérsia e o contraditório podem reaparecer, mas isto somente em novo processo de cognição de 178 caráter incidente (embargos). . Enrico Tullio Liebman, apesar de dizer em certas passagens que o princípio devesse se estender a todos os procedimentos, afirma que a diferença existente entre a cognição e a execução não permite que nesta haja incidência do contraditório. 179 Alega, para sustentar tal posição, que, na execução, a atividade do órgão jurisdicional é prevalentemente prática, diversa da exercida na cognição, que é investigatória, lógica, interpretativa, visando a reproduzir e a avaliar os fatos para obter um resultado final de caráter ideal. Afirma que tal não ocorre na execução, 178 179 LIEBMAN, Enrico Tullio Liebman. Processo de execução. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1963, p. 33-34. LIEBMAN, Enrico Tullio Liebman. Processo de Execução. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 44. 101 pois as posições das partes são diferentes. No primeiro caso, a cognição, há igualdade; na execução não há este equilíbrio. Somente aceita o contraditório quando de um novo processo cognitivo, ou seja, via incidental de embargos. Ademais, explica o autor que a presença do título executivo permite ao juiz conduzir a execução independentemente da demonstração de existência do direito do autor. Tal eficácia não quer significar a ausência total de controvérsias, que poderão surgir no próprio processo de execução (desrespeito às formas e limites procedimentais estabelecidos em lei) ou referentes à própria situação jurídica material existente entre as partes (pagamento, prescrição ou qualquer fato extintivo da obrigação). Contudo, Enrico Túllio Liebman não concebe a idéia de que tais questões possam ser discutidas diretamente na execução, porque há meio próprio à disposição do executado: os embargos.180 Outro autor que merece destaque é Salvatore Satta que, seguindo a mesma linha de pensamento de Enrico Túllio Liebman, posiciona-se contrário à presença do contraditório no processo de execução, motivando sua tese na estrutura e objetivos de ambas espécies de processo, afirmando que no processo de execução, está o devedor em posição de submissão ao credor. Enquanto na cognição busca-se estabelecer uma norma para o caso concreto, com a incidência da lei, na execução busca-se adequar a vontade da lei, substituindo a vontade do devedor através da transferência de parcela de seu patrimônio ao credor. Há, para o autor, uma exigência insuprível do contraditório, mas que no processo de execução é satisfeita a posteriori, pó ocasião dos embargos – até porque o princípio do contraditório é resultante da combinação entre ação e exceção, pressupondo esta a absoluta liberdade de impugnar a postulação do autor. Na execução, por definição, isso não ocorre. Salienta o autor que: as impugnações opostas pelo devedor serão por certo incidentais no processo de execução, mas não intrínsecas dele, vale dizer, como deverão ser autonomamente consideradas. Se fossem 180 Ibid., 145-146, passim. 102 intrínsecas, a ação executiva e a normativa que a determina perderiam qualquer significado.181 O princípio sagrado do contraditório só poderia aparecer em outro processo de cognição, com a possibilidade de o devedor impugnar o ato do credor, ou seja, voltar-se contra os atos da execução com as oposições de rito ou de mérito. Tanto uma como a outra são impugnações incidentais, correspondentes, em nossa legislação processual, os embargos do devedor. Destarte, tanto Salvatore Satta quanto Enrico Tullio Liebman só admitem a possibilidade, dentro do processo de execução, que se observe o princípio do contraditório nos embargos do devedor, pois, como um procedimento de cognição plena, estaria autorizado pela ciência processual a ser o veículo adequado para discutir as questões com toda a extensão e profundidade, valendo-se de todos os mecanismos postos à disposição dos contendores, inclusive com a bilateralidade dos atos processuais, ou seja: o contraditório pleno. Entre os autores brasileiros Athos Gusmão Carneiro e Alfredo Buzaid também postaram-se contrários à incidência do contraditório no processo de execução. Athos Gusmão Carneiro posiciona-se, utilizando-se ensinamentos de Carnelutti sobre a definição de título executivo, também pela impossibilidade de incidir neste procedimento o princípio do contraditório, pois tem em mente que o título executivo deve ser incontroverso e com eficácia plena, não sendo possível, assim, dentro do processo executivo, haver qualquer tipo de conhecimento referente a qualquer fato que possa ocorrer no curso da lide. Assim, também sustenta a posição de que a única hipótese possível de haver conhecimento dentro do processo de execução é com a interposição de embargos que, sobrestando o feito principal, e um procedimento de cognição exauriente, decide todas as questões relativas ao título ao próprio direito do credor. No processo de execução, afirma Carneiro que, “o exeqüente não argüi fatos sujeitos a controvérsias e, por isso, os embargos são a via única para o surgimento do contraditório”.182 181 SATTA, Salvatore Satta. Direito processual civil. Tradução de Luiz Autuori. 7ª ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1973. v.2. p. 532. 103 Para Alfredo Buzaid, ainda que a execução seja considerada novo processo, nela nada pode ser questionado, eis que o devedor encontra-se em situação de desigualdade em relação ao credor, tendo este proeminência jurídica sobre aquele, restando ao executado os embargos, não para se defender, mas para atacá-la, procurando inutilizar a eficácia executiva do título.183 É impossível a qualquer tipo de procedimento ser estanque como querem tais doutrinadores. Assim como entendemos ser impossível, no processo de conhecimento, que o juiz, imbuído da melhor intenção de prestar a jurisdição, não execute nada, no estrito sentido da palavra, entendida como modificação do mundo fático, em razão de determinação judicial. Pouco provável será que, na execução, não se conheça nada. São conceitos e posições que serão tratados a seu tempo. Com o mesmo entendimento, Celso Ribeiro da Silva, conclui tal como seus inspiradores, ou seja, pela inaplicabilidade do princípio sob exame no processo de execução. Todavia, observa-se, sua tese, um mesmo equívoco dos demais defensores da inaplicabilidade do princípio do contraditório na execução. Suas observações carecem de consistência científica e de adequação, como que se referisse às execuções em geral. 184 É certo que o contraditório, na execução, tem um caráter limitado, mas existe e incide em determinados momentos, perfeitamente identificáveis, onde haverá, sim, o conhecimento por parte do juiz, forçando-o a decidir questões presentes no procedimento e que serão fundamentais para o processo. Citado autor entende não poder incidir o princípio porque o processo de conhecimento anterior já realizou amplamente e seria uma repetição inócua e inadequada, de nada servindo, a não ser para entravar os feitos. Defende, em razão da natureza do processo executório, a inadmissibilidade de contrariedade no seu bojo. 182 CARNEIRO. Athos Gusmão Carneiro. Da execução no novo CPC. Revista de Processos, São Paulo, n.10, p. 97-99, abr/jun.1978, p. 98. 183 KUHN, João Lace Kuhn. O Princípio do Contraditório no Processo de Execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 51 184 Apud, KUHN, João Lace Kuhn. O Princípio do Contraditório no Processo de Execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 49. 104 Afirma que a desigualdade das posições entre autor e réu também é fator determinante para a exclusão da incidência dialética no seio da execução. Conclui, afirmando: se o magistrado pudesse conhecer na execução, estaria a desmentir o caráter abstrato do título executivo e, desta forma, todo o instituto da execução sucumbiria. Aceita o contraditório apenas quando da propositura dos embargos, o que é óbvio. Nessa condição, evidentemente, se abre a possibilidade de discutir tudo, inclusive, voltar-se contra a executividade do título, retirando-lhe o caráter abstrato literal que o compõe, assim como também rever o próprio direito do credor. Comentando Isolde Favaretto, citado por João Lace Kuhn, afirma que, na sua tese, aborda, minuciosamente, o assunto, trazendo opiniões de doutrinadores que defendem tanto um ponto de vista quanto o outro. Na verdade, Isolde Favaretto não toma posição sobre a questão, mas deixa antever que se filia às correntes mais conservadoras e afirma não haver contraditório no processo de execução. Sua manifestação deve-se, seguramente, à tendência de filiar-se dogmaticamente às doutrinas pregadas por Salvatore Satta, que o inspiraram para defender a posição mais conservadora do processo civil contemporâneo, o que não deve ser considerado como equívoco, pois a maioria da doutrina prega a mesma tese. João Lace Kuhn afirma ainda que: Tantos outros autores poderiam ser citados: dentre nós, Calmon de Passos, reproduzido por José Raimundo Gomes da Cruz, quando afirma que, na execução, o réu não é citado para propriamente defender-se, mas para cumprir o julgado; dente os estrangeiros, Menestrina, citado por Giuseppe Tarzia, entendendo que o executado nesse processo não é sequer parte e está o devedor liberado da cognição; o alemão Kohler, também citado por Tarzia, ensina que no processo de execução o devedor é uma parte processual, mas não dotado de poder de contraditar, pois esse procedimento não possui estrutura contraditória. 185 Não cabem, ao nosso ver, posições de meio-termo, ou intermediárias, como querem alguns autores. A simples atenuação do princípio não lhe retira a condição de incidente. De fato ele existe, porém, por circunstâncias próprias é observado desta ou daquela maneira, com aquela ou esta grandeza. É simples: existe ou não 185 Ibid., p. 51. 105 existe. Incide ou não. Alegar que cabe aqui, mas ali deve ser afastado, é inconcebível. Afinal, o devedor deve sujeitar-se a tudo? Não pode nada alegar? Se alegar, não pode exercer oposição? São questões que ficam claras na medida em que há uma sistematização de conceitos a fim de buscar a unidade do estudo. A grande questão a ser posta é efetivamente, a de que não se está falando sob o ponto de vista do mérito cognitivo da causa, pois aí sim, estaríamos a tentar destruir a teoria dos títulos de créditos. Queremos, apenas, demonstrar que a teoria, dogmaticamente insculpida, avessa ao contraditório dentro do processo de execução, é, em primeiro lugar, falsa; em segundo, perniciosa para o processo e para as partes; em terceiro, ilusória, devendo ser considerada dentro da dinâmica processual, visando sempre ao escopo a que se destina, como elemento de segurança da própria atividade estatal administradora e prestadora de jurisdição. Com outro entendimento, evidentemente, há aqueles que aceitam, de forma pacífica, a presença do contraditório no processo de execução. Nesta esteira de doutrinadores encontramos inúmeros nomes proeminentes no estudo do processo e, especificamente, no de execução. Cândido Rangel Dinamarco, que entende, de fato, ter o processo de execução como objetivo principal os atos de realização, e não de conhecimento puro. Há, entretanto, toda uma dinâmica tendente à satisfação do credor sem, todavia, descurar dos princípios básicos do processo civil e especialmente o do contraditório. O fato de a execução visar a retirar do patrimônio do devedor certa parcela e transferi-la ao credor, em atos práticos, não lhe retira a necessidade de observar as técnicas e os princípios processuais, sem as quais, defende citado autor, não seria possível manter o mínimo de igualdade entre a exigência da satisfação do credor e o patrimônio do devedor. Defende esta posição, pois execução não é mero procedimento e quando se fala em processo de execução se está falando de processo mesmo e, portanto, cercado de todas as garantias legislativas tendentes ao escopo final, que é o da pacificação social. 106 Como poderá ser atendida dita pacificação social sem haver a instauração de meio judicial com todas as garantias constitucionais emprestadas pelo Estado, especialmente no processo de execução? Como alcançar o desiderato sem a citação, sem o conhecimento de questões incidentes ao feito? É obvio, conforme entendimento de Cândido Rangel Dinamarco, que quanto ao mérito da causa, pela própria estrutura procedimental, não é aconselhável ser questionada, mas todos os incidentes necessários a sua consecução devem ser conhecidos, discutidos e decididos dentro do processo de execução. Posicionar-se nesse sentido é, na verdade, aceitar a concretização daquilo que Cândido Rangel Dinamarco vem defendendo em seus escritos: (..) falar em due process of law, em contraditório e em ampla defesa significa superar os meros conceitos estáticos que costumam envolver os sujeitos da relação processual e concentrar o interesse na dinâmica da atuação de cada um, em vista do objetivo final que é sempre o de oferecer o real acesso à ordem jurídica justa através do processo.186 Pontes de Miranda, ao comentar as ações executivas de cognição incompleta, como denomina, observa que quando o Estado atribui a algum documento ou causa certeza suficiente para que se possa fazer a execução, dita certeza é diversa para todos os casos de efeitos executivos. Diz Pontes de Miranda que, “a prevalência, é pelo efeito executivo nesse procedimento, diversamente da cognição onde prepondera o efeito declaratório, constitutivo, condenatório ou mandamental”. Mas admite a presença do conhecimento na execução, guardadas suas proporções e desideratos. Alguma cognição há.187 Araken de Assis está entre doutrinadores que lecionam existir um contraditório eventual dentro do processo de execução. Assim, portanto, participa da corrente daqueles mestres que vislumbram a presença da dialética dentro da execução. Pois, como dissemos, ela existe, seja de forma eventual ou continuada. 186 DINAMARCO, Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001. v.1, p. 165, nota 41. 187 MIRANDA, Pontes de Miranda. Comentários à Constituição de 1967. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revista dos tribunais, 1976, p. 26. 107 A simples denúncia de sua presença é bastante como elemento caracterizador, e para efeitos científicos basta. 188 Tecendo comentários a respeito de Araken de Assis, o autor João Lace Kuhn alega que, apesar de o processo de execução estar voltado para operações práticas desenvolvidas no mundo fático, não pode ser estranha ao juiz da causa a realização de atividades cognitivas necessárias ao cumprimento do objetivo final que, como ensina, é a modificação efetiva da realidade material. Ou seja, a satisfação do credor com a transferência de patrimônio daquele para este. 189 João Lace Kuhn afirma ainda que, para José Frederico Marques leciona haver possibilidade da existência do contraditório dentro do processo de execução; citando Redenti e Crisanto Mandrioli, alega ter o contraditório, nesse caso, significado diverso do que no processo de conhecimento, mesmo sendo as partes da execução sujeitos da relação jurídica processual, possuindo poderes e direitos processuais. Sustenta este posicionamento porque, quanto ao mérito, dentro do processo de execução, não é permitido ao réu exercer oposição, entretanto, o princípio de desenvolve em questões atinentes a certos atos da execução. As partes têm poderes, no processo, para intervir, opinar sobre o conteúdo e desenvolvimento dos atos articulados. Humberto Theodoro Junior, aborda o tema dizendo que ninguém pode ser atingido na esfera jurídica sem lhe ser dada oportunidade de defesa. Especialmente pelo fato de ser o princípio do contraditório constitucionalmente assegurado e uma peça imprescindível do due process of law, afirma não se tratar de exclusividade do processo de conhecimento, incide também no processo de execução. 190 O autor José Rogério Cruz e Tucci, que defende a bilateralidade dos atos e termos processuais no processo de execução. Assim como Ovídio Baptista da Silva, não denomina o princípio de contraditório, mas de bilateralidade da 188 Apud, KUHN, João Lace Kuhn. O Princípio do Contraditório no Processo de Execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 55. 189 Ibid. p, 56. 190 THEODORO JÚNIOR, Humberto Theodoro Júnior., em artigo em homenagem ao professor Alcides Mendonça Lima. Processo de Execução de as Garantias Constitucionais e Tutela Jurisdicional. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1995, p. 156. 108 audiência, acrescentando que também o processo de execução, nada obstante a realização de operações práticas no desenrolar de seus atos, não fica imune à dialética típica de qualquer processo. 191 Na doutrina alienígena encontramos, segundo João lace Kuhn, tanto como na nacional até aqui comentada, inúmeros escritores que se dedicaram ao estudo do tema. Aludido autor reproduz opiniões de apenas alguns deles, tendo em conta que o conteúdo e a importância de suas propostas merecerem atenção especial. Sérgio La China, aborda como firmeza o tema, fazendo um exame circunstanciado de todas as implicações que traduzem a presença do contraditório no processo de execução. Seu estudo inicia pela forma mais embrionária de formação do conflito. Começa por verificar que, para existência de um processo, é necessário um autor e um réu em posições distintas. Na execução, continua, há o credor insatisfeito e o devedor inadimplente. Afirma que se existe um, é porque, necessariamente, existe o outro, pois se assim não fosse não existiria a insatisfação e muito menos o processo.192 Está é uma posição pré-processual, mas sem dúvida se esta não existir, não ocorrerá a seguinte, ou seja, a processual. Não é possível, como diz o autor, existir uma posterior sem a existência de uma anterior. É uma questão de lógica formal. É a primeira resistência. Tal contrariedade manifesta-se imediatamente ao descumprimento voluntário. Instala-se, desde aí, o contraditório. Ensina Sérgio La China que o estudo deve ser feito no âmbito do processo e deve ser reservar ao conteúdo processual, pois a mais vigorosa noção civilista de crédito impede que, no processo de execução, se discuta o mérito da causa, e, portanto, resta gravitarem os processualistas apenas na órbita que lhe pertence: o processo. Para tanto, busca arrimo no artigo 101 do CPC italiano, que, entende, ser a fonte inspiradora de todo o procedimento dialético endoprocessual vigente na Itália. 191 TUCCI, José Rogério Cruz e Tucci, em artigo em homenagem ao professor Alcides Mendonça Lima. A Tutela Processual do Direito do executado. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1995, p. 242. 192 Apud, KUHN, João Lace Kuhn. O Princípio do Contraditório no Processo de Execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 59. 109 Assim também Francesco Carnelutti, citado por João Lace Kuhn, diz que o princípio do contraditório é a garantia mais eficaz da, imparcialidade do juiz. Afirma que o progresso da ciência processual permite, através de seus avanços, visualizar a presença do contraditório também no processo de execução. Altera a posição do executado no leito, deixando de ser mera parte em sentido material para se tornar parte em sentido processual, cabendo-lhe, daí, funções de agir e reagir em defesa de seus interesses processuais. Já o autor italiano Giuseppe Tarzia ensina que, efetivamente, os atos de execução e realização do direito são de ordem prática, mas toda a preparação destes se desenvolve em procedimentos que exigem, por força constitucional, a presença do contraditório. São, como diz, os elementos representantes do conteúdo mínimo e irredutível do contraditório. Examinado sempre à luz do direito italiano positivo, continua o autor, fazendo uma distinção da aplicação do contraditório na execução. Diz não haver, de fato, um contraditório prévio, como no processo de conhecimento face às peculiaridades da execução em razão de sua estrutura e finalidade. A formação do ato final da execução é eivada de elementos que denunciam o contraditório. Tanto é que, se inobservados alguns dos requisitos, especialmente o dialético, é passível de nulidade, sendo maior ou menor sua extensão de acordo com a substância do ato. O sistemas democráticos contemporâneos não admitem a submissão das pessoas uma pelas outras. O sistema de paridade de forças, o sistema de igualdade processual, como que seja chamado, é elemento fundamental de garantia constitucional. Não há dúvida de que o próprio direito positivo, tanto o italiano, pelas conclusões de Giuseppe Tarzia, quanto o nacional, possuem, em seus conteúdos, mesmo que voltados ao processo de execução, disciplina que observe efetivamente o contraditório. Como diz Sérgio La China, o devedor não resiste ao direito, mas sim à satisfação do direito. Moacyr Amaral Santos – defensor da presença de um contraditório– vale um menção especial: 110 Também no processo de execução se contém uma relação processual (...). Entretanto, enquanto na relação processual de conhecimento domina o princípio do contraditório, a relação processual da execução, que se inicia com a petição de execução e se completa com a citação do executado, não se informa, senão de modo bastante atenuado, por aquela princípio. Na execução, formada a relação processual, as atividades contidas se desenvolvem contra o executado, que não pode impedi-las, não lhe cabendo senão o poder de exigir que se realizem na conformidade e nos limites da lei. 193 Nosso tribunais também já apresentaram tese de que no processo de execução propriamente não se deve respeito ao contraditório, o que ocorrerá apenas em sede de embargos do devedor. O TJRS já decidiu que a origem do bem penhorado, e a conseqüente nulidade da penhora, deve ser discutida nos embargos do devedor e não nos próprios autos da execução, onde não cabe o contraditório: Não é processo de execução, que tem cunho satisfativo, sede para discussão acerca da origem do bem que se pretende ver penhorado. A alegação de que o imóvel indicado e de propriedade do agravo/executado e não do terceiro, por se este ‘ teste de ferro’ do recorrido, deve ser discutida com ação própria, onde ampla a produção de provas e assegurado o contraditório. Agravo improvido” (AI 598220622 –j.30.3.1999) O TARJ, em linha semelhante de pensamento, decidiu que a desconstituição da penhora incidente em bem de família só pode ocorrer via embargos do devedor: Penhora efetivada em imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar. Desconstituição somente através do procedimento próprio, observado o contraditório ente as partes interessadas (AI 490/95 – 7º Câm. – Rel. juiz Maurício Gonçalves de Oliveira – j 20.9.1995). Para não nos tornarmos cansativos, um derradeiro posicionamento, agora do 1º TACSP: Despacho do magistrado que, homologando-a, determina a intimação dos réus remanescentes para fins de fluência do prazo para pagamento ou oferecimento de bens por aplicação analógica do art. 298, § único do CPC.Inadmissibilidade. Processo em que 193 SANTOS, Amaral Moacyr dos Santos. Primeiras Linhas de direito processual civil. 13ª ed., São Paulo: Saraiva, 1993. v. 3, p. 218. 111 não há contraditório. Defesa somente possível através dos embargos, cujo prazo começa a fluir da intimação da penhora para cada devedor. Aplicação do art. 569 e inteligência do art. 598 do referido código (AI 426.20-5 – 2º Câm. – Rel. juiz Rodrigues de Carvalho – j. 210.1989). Filiamo-nos àquela corrente que entende ser imprescindível o respeito ao contraditório no processo de execução, independentemente da interposição de embargos do devedor, porque este são ação de conhecimento como tal, respeitam sem limitação os princípios do contraditório, da ampla defesa e da isonomia. Além do mais, com os embargos nasce uma nova reação jurídica processual, envolvendo de um lado o embargante e de outro o embargado – executado e exeqüente no processo de execução, respectivamente – que devem ter à sua disposição liberdade total para demonstrar ao magistrado suas razões na tentativa de formação do seu convencimento. Por isso mesmo a doutrina define os embargos como “ação de conhecimento”, geradora de processo incidental e autônomo, mediante a qual, com a suspensão creditícia do exeqüente e a validade da relação processual executiva.194 A ordem contida no art. 5º. LV, da Constituição Federal prevê que o princípio do contraditório, assim como o da ampla defesa, deve ser respeitado em relação aos litigantes em qualquer processo judicial, bem como os interessados em processo administrativo. Ora, o processo de execução, embora tenha características próprias que o diferem do cognitivo, também deve ser enquadrado no gênero “processo judicial”, o que logicamente o faz alvo de incidência do princípio do contraditório. Ademais, a essência do contraditório pode ser encontrada no trinômio pediralegar-provar, que também encontra-se presente no processo da execução, porque não só o processo cognitivo produz resultados com características próprias para atingir o patrimônio do particular, porque o de execução sempre o atinge, por vezes resultando mesmo a expropriação dos bens penhorados. Além do mais, os resultados advindos do exercício do poder estatal somente serão impostos 194 WAMBIER, Luiz Rodrigues Wambier. Curso avançado de processo civil. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. v. 2, p. 286. 112 legitimamente após a indispensável participação dos interessados, de modo que privar de participação no processo o executado é medida que torna aquele exercício ilegítimo, principalmente porque só lhe restará, na hipótese, sujeitar-se aos atos do juiz e permanecer inerte diante do exercício do poder estatal sobre seus bens. 195 O processo de execução também exige a presença das condições da ação e dos pressupostos processuais, questões de ordem pública que podem ser conhecidas de ofício pelo juiz (art.267, § 3º, 1º parte. Art. 301, § 4º, do CPC), sendo obrigatório o exame até mesmo pelo tribunal, conforme já decidiu o STJ: I – O Tribunal da apelação, ainda que decidido o mérito na sentença, poderá conhecer de ofício da matéria concernente aos pressupostos processuais e às condições da ação. II – Nas instâncias ordinárias não há preclusão para o órgão julgador enquanto não acabar o seu ofício jurisdicional na causa pela prolação da decisão final; III – No processo de execução as partes exercitam direito de ação contra o Estado e tal ação deve ser apreciada pelos mesmo critérios que norteiam a ação de cognição, sob pena de quebra de unidade do sistema. (Ag. Rg. Resp.192.199- RS – 4º Turma – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 20.9.1999, p.66). Assim, tanto no processo de conhecimento quanto no de execução este exame poderá ser feito desde o despacho da inicial, primeiro momento em que se enseja o controle ao juiz. Porém, não há na execução um momento próprio para o juiz sanear a relação processual, como aquela existente na cognição (art.331 do CPC). Então, nada mais lógico do que se admitir que exeqüente e executado trabalhem em conjunto com o magistrado, fornecendo-lhe elementos informativos para que conheça daquelas questões de ordem pública. Como defende Luiz Rodrigues Wambier: seria ilógico dizer que o juiz pode conhecer dessas matérias na execução, mas a parte não tem o direito de suscitá-las; todo poder conferido ao argente público traz consigo o dever de seu 195 DINAMARCO, Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001. v.1, p. 308, nota 41. 113 exercício (função) – e as partes tem o direito de provocar o cumprimento desse dever.196 A respeito de tais questões de ordem pública, tem sido admitida no processo de execução a chamada exceção de pré-executividade, como já foi explicado no capítulo anterior, modalidade de oposição do executado via petição avulsa (sem necessidade de embargos) e independente da segurança do juízo pela penhora, como explica Vicente Greco Filho: Como os defeitos do art. 618 estão expressamente cominados como nulidades, o juiz pode reconhecê-los de ofício, independentemente de embargos do devedor. A matéria é de ordem pública, podendo ser argüida a qualquer tempo e por qualquer meio. Os embargos são a sede própria para a alegação de nulidades (art. 741), mas nas matérias do art. 618 qualquer oportunidade é valide.197 O legislador foi cauteloso ao determinar que “quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor” (art.620, do CPC). Esclarece Cândido Rangel Dinamarco que: Nem sempre o executado encarna a figura do devedor desidioso e mal-intencionado, interessado em procrastinar, preocupado em tirar proveito das imperfeições da justiça e delongas do processo, empenhado em privar o credor daquilo que lhe é devido. Isso acontece e com muita freqüência até.198 Trata-se, pois, de uma garantia que tem o devedor de que seu patrimônio não será dilapidado pelo Estado no exercício legítimo de sua função jurisdicional, tanto é que garantido ao executado por quantia certa, a penhora dos bens, seguindo a gradação legal estabelecida no art. 655, do CPC. Em verdade, quis o dispositivo informar que dentre dois ou mais atos executivos a serem praticados contra o executado num mesmo procedimento, o juiz deve optar por aquele que lhe trouxer menor prejuízo. Tal ordem apresenta-se como um temperamento entre duas finalidades estabelecidas pelo legislador: a 196 WAMBIER, Luiz Rodrigues Wambier. Curso avançado de processo civil. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. v. 2, p. 124. 197 GRECO FILHO, Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. 14ª ed., São Paulo:Saraiva, 200. v.3, p. 52. 198 DINAMARCO, Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001. v.1, p. 308, nota 41. 114 utilidade da execução (por isso os bens mais fáceis de serem alienados vêm primeiro) e o princípio da execução menos onerosa (por isso ao executado cabe a nomeação e a doutrina admite que por vezes a gradação legal seja invertida em benefício do devedor. Nesse passo já decidiu o TJRS: Considerando o vultuoso valor do crédito, torna-se inadmissível a penhora e dinheiro, tendo como devedor instituição financeira, visto que tal constrição judicial poderá trazer prejuízo ao devedor, que deverá ser executado de forma menos gravosa (art. 620, CPC). Agravo improvido” (AI598124899 – 15º Câm. Cível. – Rel.Des. Manuel Martinez Lucas – j.9.9.1998). Ora, se não se admitisse o contraditório no processo de execução, não poderia o executado exigir o cumprimento do disposto no art. 620 do diploma processual civil. É certo que a regra é destinada ao exeqüente e ao juiz, num primeiro momento, devendo de início o próprio credor escolher a forma menos gravosa de proceder à execução, no decorrer da atividade processual, cabe ao juiz do feito examinar-se os atos processuais efetivamente estão sendo praticados segundo a vontade do legislador. Contudo, o maior interessado no cumprimento da ordem é o próprio devedor, a quem devem ser dadas oportunidades para apresentar manifestação contra os atos atentatórios à sua prerrogativa. O posicionamento de nossos tribunais vêm garantindo o respeito à regra do art. 620, do CPC, e conseqüentemente a observância ao princípio do contraditório. Vejamos três exemplos: a) o TJRS também entendeu que, “realizada a avaliação pericial, as partes têm direito, em respeito ao princípio do contraditório, de se manifestar sobre o laudo, para o que devem ser corretamente intimadas. Destarte, a equivocada intimação das executadas caracteriza cerceamento de defesa e importa em nulidade do ato”,referindo-se à publicação oficial que não continha o nome dos advogados das partes, na forma dos arts. 236, § 1º, e 247, ambos do CPC (ai 198098295- 14º Câm. Cível – Rel. Dês. Aymore Roque Pottes de Mello – j. 25.6 1998). b) o TARJ concede ao “co-executado, na iminência de ter o prédio em que reside com os seus familiares penhorado, por indicação do credor exeqüente, fazendo a prova regular de que refere-se a um bem de família, como definido na Lei n.8.009/1990, pelo princípio do contraditório, por economia processual, e pelo dizer claro do art. 3º, caput, da lei mencionada”autorização para “postular, nos próprios autos, a não concretização do ato de 115 constrição judicial fadado a ser ineficaz” (AI833/94- 6º Câm. – Rel. juiz Ronald Valladares – j 27.9.1994). c) o TRF, da 3º Região, apreciou agravo de instrumento interposto contra decisão tomada pelo juiz nos próprios autos da execução em que determinava o desligamento de duas linhas telefônicas, “a fim de garantir que a penhora incidente sobre direitos a ela relativos não viesse a ser frustrada, em razão de eventual e abusiva utilização dos aparelhos”. O Tribunal acolheu o recurso, por entender que não havia nos autos qualquer indício de que a garantia seria defraudada, devendo a execução correr da forma menos gravosa ao executado (AIn.92.03.21964-1 – 2º Turma – Rel. juiz Souza Pires j. 15.10.92). Antonio Carlos Marcato aponta para a manifestação do princípio do contraditório em cada passo do processo de execução, quer pela exigência da citação do devedor, quer pela imposição da intimação da penhora, quer ainda pela possibilidade que se abre àquele para impugnar a avaliação, pedir a redução da penhora ou opor-se ao pedido de reforço da mesma. 199 Tal comportamento combativo do executado só é proporcionado porque toma que conhecimento de todos os atos do processo. Enfim, afirmar que o executado deve participar do controle da regularidade da execução é admitir a presença do contraditório. No processo de execução também falamos em relação jurídica processual – com a presença de seus sujeitos principais: partes e juiz – que se inicia com a petição de execução e se completa com a citação do executado. Ora, se é necessária a criação do devedor para ser formada a relação processual, além das intimações que ocorre durante o decorrer de toda atividade processual, nada mais lógico que se concluir pela presença do contraditório no processo de execução. Dar ciência às partes de tudo que ocorre no processo, principalmente informar ao executado de que em seu desfavor corre uma ação, é admitir-se o respeito ao princípio. 199 MARCATO, Antonio Carlos. Preclusões:limitação ao contraditório? Revista de processo, São Paulo, n.17, p. 105-114, jan/mar. 1980, p. 112. 116 Marcelo Lima Guerra defende a incidência do contraditório no processo de execução, afirmando ser uma das maiores evidências o artigo 9º do CPC, que exige, quando na execução o réu é citado por edital, a presença de curador especial para o desenvolvimento válido e regular do feito. Admite, entretanto, tratar-se de tema polêmico, mas hoje completamente pacificado pelo Supremo Tribunal Federal. Conclui, peremptoriamente, pela incidência do princípio no processo de execução, especialmente pela necessidade da citação e do acompanhamento do executado para que o feito se desenvolva com o fim de satisfazer o credor, mas da maneira menos gravosa para o devedor. Aponta ainda, que o contraditório é concebido pela doutrina como a necessária ciência que deve ser dada a ambas as partes daqueles atos praticados no processo, possibilitando-lhes cooperar e contrariar. E arremata: Tendo como premissa tal concepção de contraditório não há de deixar de reconhecer sua incidência no processo de execução. Desde logo, observa-se que é assegurada a necessária informação do que ocorre nesse processo, e onde também é indispensável a citação inicial, bem como a intimação dos demais atos processuais. (...) Dessa forma, conclui-se que o contraditório incide claramente no processo de execução, tanto por ser aí garantida a necessária informação (especialmente a citação inicial do devedor ) sobre os atos processuais, como também por assegurada a participação do devedor no controle da regularidade da execução. 200 Ainda temos que analisar a hipótese do executado presumidamente citado, porque nesses casos deverá o juiz nomear-lhe curador especial, nos termos do art. 9º, II, do Código de Processo Civil e Súmula 196, do STJ, que orienta: “Ao executado que, citado por edital ou pó hora certa, permanecer revel. Será nomeado curador especial, com legitimidade para apresentação de embargos”. Certo é que o tema gera polêmica, até porque a doutrina discute o cabimento da citação por hora certa no processo de execução. Contudo, a tendência no Brasil é aceitar a orientação sumulada, como afirma Gil Ferreira Mesquita.201 200 GUERRA, Marcelo Lima Guerra. Execução forçada:controle de admissibilidade. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1995, p. 26-30. 201 MESQUITA, Gil Ferreira Mesquita. Princípios do contraditório e da ampla defesa no processo civil brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 238. 117 Mas, sem ingressarmos na discussão acerca da legitimidade ativa do curador especial para propositura dos embargos, resta evidente que o conteúdo da Súmula revela a preocupação corrente de que o executado deve tomar ciência da ação que lhe é proposta (citação) e acompanhá-la em todos seus termos (intimações). Se não responde à citação ficta, não há melhor alternativa para atendimento ao princípio do contraditório do que nomear-lhe curador para defesa de seus interesses, tomando ciência de todos os atos processuais praticados, ou seja, o respeito e incidência do contraditório. São estes quatro argumentos que entendemos necessários à justificativa de nosso posicionamento aceitando a presença do princípio do contraditório no processo de execução, independentemente dos embargos, que são ação incidental de conhecimento, onde o princípio reina absoluto. Temos que a simples possibilidade que deve ser dada ao executado pra manifestar-se sobre a avaliação do bem penhorado, por exemplo, é respeito ao contraditório, bem como acompanhar a prática de todos os atos processuais para evitar lesão à prerrogativa de menor lesão (art. 620, do CPC) e todas as hipóteses possíveis para propositura da exceção de pré-executividade configuram manifestação inequívoca e que o processo de execução também desenvolve-se dialético, guardadas as características próprias que o diferenciam do processo cognitivo. É importante salientar, por derradeiro, que o contraditório é garantia que atinge não só o executado, mas também deve ser observado em face do exeqüente, principalmente face a Lei 11.382/2006 (reforma da execução extrajudicial). Todavia, alguns atos são praticados no decorrer do processo de execução e que caracterizam respeito ao contraditório em benefício do credor, dente eles: a) requerimento para ampliação e reforço de penhora (art. 685, II); pedido de adjudicação do bem penhorado (art. 685); c) pedido de nova avaliação do bem constritado (art. 683); e. d) pedido de alienação antecipada do bem (art. 670). Não devemos duvidar, pois, que tanto a reação do executado ao oferecer suas impugnações no próprio processo de execução, independentemente de embargos, quanto a reação do exeqüente, nas várias possibilidades em que 118 manifesta-se em defesa de seus interesses, são possibilitadas pelo princípio do contraditório. Para nós, é inequívoco que o contraditório incide no processo de execução. O exame doutrinário esclarece peremptoriamente a questão. Não resta dúvida da ocorrência deste fenômeno. A execução é apenas um dos tipos de processo previsto na legislação atual. O contraditório incide, conforme comando constitucional, em todo o processo civil, logo, por uma questão de silogismo primário, também sobre o processo de execução. CONCLUSÃO O Contraditório é princípio de direito Constitucional, constante na Constituição nacional e com garantias constitucionais, insculpido no artigo 5º, inciso LV, da atual Carta, e nas Constituições anteriores. Como princípio constitucional, sobrepões-se a qualquer outro princípio de direito processual. A execução é, sem dúvida, a expressão maior da jurisdição, pois sem ela o bem da vida buscado no processo judicial, se não cumprida a decisão espontaneamente, ficará sem ser realizado. A execução é o corolário máximo da jurisdição. Sem ela ficaria inócuo e desprovido de sentido todo o processo. A cogência da execução é o que empresta força e credibilidade ao processo judicial. 119 O império exercido pela jurisdição é, em última análise, a realização da função estatal, dentro da tripartição de poderes. As igualdade entre ditos poderes constitucionais, tão importante para o mundo moderno, obriga o Estado a criar mecanismos para poder realizar a pacificação social através do Judiciário (via processo), no qual o processo de execução é, sem dúvida alguma, o seu expoente máximo. Sem ele, já frisamos, inóquo e supérfluo todo o processo, pois processo que termina com uma exortação, nas palavras do Giuseppe Chiovenda, para que o devedor cumpra o julgado, é ineficaz e de uma perda de tempo irreparável e irresponsável. Nem sempre foi assim. A doutrina clássica não acata o contraditório na execução pela simples razão de que, se execução é uma parte do processo de conhecimento, clara está a impossibilidade, nesta fase, de se voltar a ter cognição no procedimento. Se já exaurido todo o conhecimento que devia ter o juízo sobre o feito, nada mais lhe resta senão realizar o direito. São as novas tendências, as novas necessidades e o tempo que se encarregam de mudar conceitos e nos levam a questionar paradigmas, muitas vezes arraigados por séculos, tanto no nosso ordenamento jurídico, como também em nossas outras atividades, pois devem servir para manter a paz e distribuir a justiça entre os partícipes sociais. A própria lei, no âmbito normativo, disciplina o contraditório como elemento essencial para a existência da própria demanda, quando alude às figuras do autor e do réu, aquele que propõe e aquele contra qual é proposta uma ação, pelo fato do descumprimento voluntário de alguma obrigação, sob pena de inexistir a causa, e, por conseqüência, desnaturar o processo. Assim, também o processo de execução não deverá apartar-se deste conceito de demanda, em função da resistência de uma das partes. Há sempre uma evidente reação de contrariedade calcada no próprio sentido do descumprimento de uma obrigação decorrente de título executivo – extra ou judicial – sempre representativo da obrigação que não foi honrada 120 espontaneamente. Na verdade, na execução não há uma resistência quanto à existência do direito, mas contra a satisfação do mesmo. Certo é que o contraditório se faz presente no processo de execução. Não de uma forma tradicional, como meio de obtenção de prova para criação do direito. Na execução o direito, mérito, já está criado, ou pela sentença anterior, ou pelo título extrajudicial. Neste sentido, sim, concordamos, deve o contraditório ser atenuado, pois se incidir plenamente deixa a execução de ter sua finalidade, perpetuando os processos indefinidamente, com graves prejuízo às partes e ao próprio aparelho judiciário. Todavia, deve ter presença, sim, no processo. Presença inestimável na esfera do procedimento tendentes à realização do direito. O ônus do cumprimento é recusado pelo devedor da obrigação em todos sos momentos e no limite das suas forças. O processo de resistência, de contrariedade, é nato do ser humano e não seria dentro do processo de execução, por simples apego a dogmas ou paradigmas, que se faria desprezado, submetendo o devedor a imposições até maiores do que deveria suportar pelo simples fato de não poder refutar. Entretanto, por ser idéia “nova” para a ciência processual, diante dos milênios utilizados para insculpir o direito material em nosso ordenamento moderno, tanto o processo (gênero), como a execução (espécie), ensaiam seus primeiros passos. Devem, por conseguinte, ser aprimorados e adequados, sempre com o objetivo maior, pois são instrumentos e estão a serviço da sociedade para cumprir a função que lhe foi reservada. Entendemos vencida a compreensão da autonomia e independência do processo de execução pela presente exposição. Não há mais espaço no sistema processual brasileiro vigente para dúvidas dessa estirpe. Execução é processo independente, autônomo, com regras e disciplina especiais, pois seu fim é especial, mas nunca fora dos princípios gerais da jurisdição e da segurança do tráfego jurídico exigido nas civilizações democráticas modernas. A execução é um processo com objetivos diversos dos insculpidos no processo de conhecimento, por isso o contraditório existente na execução também é diferenciado, em razão desse objetivo diferenciado. 121 O contraditório executivo é limitado ao objeto controvertido ocorrente no curso da execução, cinge-se ao quad objetum, não atinge o mérito. A observação do contraditório é obrigatória como medida de garantia e segurança das partes no processo. Os mecanismos onde afloram o princípio devem ser invocados pelas partes em atenção ao previsto no art. 2º do CPC, a fim de produzir efetividade jurídica aos pedidos. Uma das tantas finalidades da utilização do princípio do contraditório é emprestar às partes, com segurança, definitividade das decisões do Judiciário. As regras que obrigam a aplicação do princípio, no processo de execução, não se aplicam aos procedimentos, ordinatórios não-jurisdicionais, tais como procedimentos administrativos de condução do processo. Os casos apresentados, onde demonstramos a incidência do contraditório no processo de execução, não são exaustivos, correspondem apenas aos casos mais comuns que encontram suporte na lei processual. BIBLIOGRAFIA AGRA. Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. ALVIM, J. E. Carreira Alvim; CABRAL, Luciana G. Carreira Alvim Cabral. Nova execução de Título Extrajudicial. Comentários à Lei 11.382/06. 3ªed. Curitiba:Juruá, 2007. ALVIM NETTO, José Manuel de Arruda. 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