UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENESE UNESC CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA VIVIANE RAUPP NUNES DE ARAÚJO A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO CRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2005 VIVIANE RAUPP NUNES DE ARAÚJO A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO Monografia apresentada à Diretoria de Pósgraduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense- UNESC, para a obtenção do título de especialista em Educação Matemática. Orientador: Prof.(Dr). Ademir Damazio CRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2005. Para Paulo, Paula e Maria Laura. Pela esperança, alegria e ternura que renovam em mim a cada dia. AGRADECIMENTOS Este trabalho, além do esforço pessoal, contou com inúmeras contribuições, as quais sou eternamente grata. Aos meus pais, pela existência e por terem cultivado em mim o dom da persistência. A minha família, pela compreensão, paciência e esforço compartilhado. Ao professor Ademir Damazio, que com sabedoria, e respeito às minhas idéias, soube indicar o caminho a ser trilhado. Aos amigos, Fábio, Josilete e Franciane, que em muitos momentos fizeram deles o meu trabalho Aos meus colegas de especialização, em especial para Maria Aparecida, Daiana Souza e Jaqueline, companheiras nas horas boas e ruins... As colegas da Escola de Educação Básica João Dagostim pelo apoio, incentivo e oportunidade da pesquisa. Antes de começar quero lavar-me da suspeita de ingratidão para com meus mestres. O ensino que critico é tanto o que ministrei como o que recebi. (REVUZ, s/d, p. 70) RESUMO Nesta pesquisa, relatamos nossas investigações acerca dos entendimentos que duas professoras de Matemática uma do Ensino Fundamental e outra do Ensino Médio - apresentam com relação à formação de professores tendo como base as diversas concepções de Filosofia da Educação Matemática. A pesquisa foi realizada em uma escola pública estadual localizada no bairro Quarta Linha, município de Criciúma SC. O objetivo foi analisar as perspectivas do ensino da Matemática a partir da ação docente e as concepções que os educadores têm com relação ao ensino e à Filosofia da Educação Matemática. Os dados coletados para o desenvolvimento deste trabalho foram obtidos através de reuniões entre as professoras de matemática da escola, com o objetivo de preparar as atividades de aprendizagem a serem incluídas no projeto trimestral desenvolvido na escola no 2º trimestre de 2004. Também serviram de instrumentos de coletas de dados as conversas informais, (sala dos professores) e as observações das aulas com as respectivas professoras. As atividades desenvolvidas em sala de aula nos permitiram apontar quais correntes filosóficas se manifestam conforme as atividades propostas. Da mesma forma, quais as concepções de ensino e de formação de professores que se manifestam na prática pedagógica destas professoras. Para que analisássemos os dados obtidos, resultantes das observações feitas nas aulas, efetuamos uma série de leituras referente ao objeto pesquisado. Tudo isso com a finalidade de adquirirmos fundamentação teórica adequada, objetivando compreender e analisar tais informações com maior aproximação possível. Assim sendo, pudemos identificar os encontros e desencontros entre teoria e prática pedagógica, e da mesma forma, a filosofia que fundamenta as perspectivas e as concepções que as educadoras têm com relação ao ensino da Matemática baseada na Filosofia da Educação Matemática. Palavras-chave: Filosofia da matemática, concepções de ensino, formação de professores. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 08 2 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA - Significações que servem de esclarecimento para uma forma de pensar e conceber a educação matemática .................................................................................................................................... 17 2.1 Filosofia ............................................................................................................... 17 2.2 Filosofia da Educação........................................................................................ 21 2.3 Filosofia da Matemática.....................................................................................25 2.2.1 Logicismo......................................................................................................... 27 2.2.2 Formalismo......................................................................................................39 2.2.3 Intuicionismo...................................................................................................49 3 AULAS DE MATEMÁTICA: QUE FILOSOFIA? .................................................... 58 3.1 Caracterização da Escola .................................................................................. 58 3.2 Primeira Aproximação ....................................................................................... 61 3.3 Acompanhamento das aulas - Observações, Invetigações, Dúvidas - Que filosofia é esta?........................................................................................................62 4 CONCLUSÃO.......................................................................................................... 74 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 79 1 INTRODUÇÃO As mudanças pelas quais o ensino da matemática passou ao longo dos tempos acabaram por refletir fortemente na formação dos professores da contemporaneidade. Se analisarmos a situação da prática educativa dos anos 80 até a atualidade identificaremos problemas como: a grande ênfase dada à memorização e pouca preocupação com o desenvolvimento do pensamento matemático para a reflexão crítica e autocrítica do conhecimento que apreende. (PAVANELLO, 2003) Em conformidade com a retrospectiva histórica publicada por Falvetta (2002), a Matemática entrou na escola no final do século XVIII, com a forte influência da filosofia positivista de Auguste Comte, cuja fundamentação teórica se demonstrava herdeira fiel à teoria do método de René Descartes. Até então as ciências eram reservadas aos grandes filósofos. Os estudos históricos sobre a constituição das disciplinas do ensino científico praticamente inexistiram, porém alguns mostram que os primeiros textos para a escolarização da matemática no Brasil, surgem nas primeiras décadas deste mesmo século. Enquanto isso se sabe da história que, nas escolas européias o livro didático era o Elementos de Euclides e a comunidade de filósofos e estudiosos da época dominava o conhecimento histórico e filosófico construído até então. Além disso, a imprensa faz a transição do manuscrito para o impresso, ampliando as condições de acesso e de produção do conhecimento. No século seguinte, Hilbert faz uma releitura de Euclides e imprime um caráter mais abstrato à obra do matemático grego. Com isso, o ensino da matemática assume as características dessa época. Se estudarmos os trabalhos de Euclides observa-se que ele elimina da matemática os procedimentos experimentais e cria uma mediação de leitura do real através dos elementos geométricos e suas propriedades e, ao contrário, se estudarmos Hilbert constata-se que ele elimina as figuras geométricas e estabelece a axiomática na geometria. O formalismo se instalou no ensino da matemática que caracterizou o ensino tradicional. A releitura que Hilbert fez de Euclides aperfeiçoou o dedutivo e penetrou o ensino de matemática de modo geral. O enfoque formal se impõe na ciência e adentra no seu ensino. A mesmo autor ainda complementa que a especialização das ferramentas cria condição para o surgimento da máquina como combinação de ferramentas simples. Com estas bases a expansão do comércio gera novas instituições financeiras e a necessidade de mão de obra qualificada. A produção mecanizada lentamente elimina o artesanato e o sistema doméstico de produção. A Revolução Industrial, a administração e os sistemas bancários de produção passaram a exigir mais do cidadão. A matemática chega às escolas para preparar este cidadão que o mercado exige. Entretanto, o currículo e os livros didáticos são criados com base no raciocínio dedutivo do grego Euclides (século III a.C.). Tal procedimento mostra-se importante para a compreensão da matemática , mas não para o Ensino Básico, por não estar adequado às necessidades sociais e às possibilidades intelectuais da grande maioria das pessoas que buscavam conhecimentos sistematizados. No século XX, durante as guerras mundiais, a matemática evolui e adquire importância fundamental nas escolas. Contudo, a concepção formalista continua resistindo e se impondo. Novas propostas educativas matemáticas vão surgindo nos meios escolares, porém se esvaíram diante da impregnação do formalismo clássico. A partir dos anos 70 começa a disseminação de escolas de Educação Básica, isto é, a população passa ter oportunidade de acesso aos saberes sistematizado pela humanidade. Ainda conforme Falvetta (2002), no período pós-guerra os norteamericanos, a fim de formar cientistas e superar os avanços soviéticos, fazem da matemática um conjunto de algoritmos e desvalorizam a elaboração conceitual, marcando o início da efetivação do Movimento da Matemática Moderna (MMM), na década de 70. Parecia uma ótima idéia, porém mal encaminhada, pois está apoiada na teoria dos conjuntos, com desprezo à resolução de problemas aos aspectos históricos, com primazia aos conteúdos aritméticos e algébricos e uma certa aversão a geometria. A ênfase aos aspectos estruturais e à precisão de sua linguagem caracteriza a matemática moderna como eminentemente formal, ou seja, não priorizando a significação dos conceitos matemáticos. Segundo Pavanello (2003), os símbolos e suas relações não ampliaram o conhecimento inicial do contrário, reforçaram a memorização do mesmo para aluno; ao realizar operações lógicas. É muita técnica operatória para o estudante do ensino fundamental e pouca preocupação com a capacidade de pensar dos estudantes. Neste sentido, o efeito maléfico de um ensino sem significações seria determinante para uma enxurrada de alunos reprovados e com dificuldades de aprendizagem no Ensino Médio. (PAVANELLO, 2003) Foram as próprias exigências vindas da sociedade que começaram a impor uma certa mudança nessa visão funcionalista da educação. Os avanços tecnológicos e a expansão econômica dos anos 60, propiciaram o surgimento de pressões para que a escola tivesse os interesses voltados para as necessidades do capital. Houve, então, um deslocamento da ênfase no papel da educação. Privilegiando as exigências de uma sociedade tecnocrática, o sistema educacional passou a adotar preocupações com a qualificação técnica e profissional visando a formação de quadros, bem como com a mobilidade da mão-de-obra. O que estava em jogo, pois, nessa visão funcional-tecnocrática da educação era a adaptação ás exigências do mercado. (MOISÉS,1997, p.13) As críticas ao ensino da matemática se acirraram. Com isso, começa o Movimento de Educação Matemática, no Brasil, início dos anos 80, surgindo grupos de estudo e pesquisa. É neste contexto que o ensino da Matemática tem uma aproximação com a psicopedagogia, com a Filosofia e a Sociologia, pois a preocupação dos especialistas e professores era com a elaboração do conhecimento, por parte dos estudantes. (PAVANELLO, 2003) Moisés, em Aplicações de Vygotski na Educação Matemática (1997), afirma que embora no campo da Educação Matemática se debatam novas propostas para um ensino de Matemática que proporcione realmente seu aprendizado, nos cursos de formação de professores, uma quantidade enorme de informações é ainda despejada sobre os estudantes como se os mesmos fossem seres desprivilegiados de raciocínio e capacidade de pensar. O trabalho nuclear da filosofia da educação matemática é analisar criticamente os pressupostos ou idéias centrais que articulam a pesquisa e o currículo ou a proposta pedagógica, buscando esclarecer suas afirmações e a consonância entre os procedimentos utilizados e as considerações éticas, epistemológicas e científicas sobre possíveis desdobramentos em ações pedagógicas e entre as ações visualizadas, ou seja, há consistência entre a concepção de educação, de ensino, de aprendizagem, de conteúdo matemático, atividades propostas e desenvolvidas, avaliação proposta e efetuada na realidade escolar ou educacional? (BICUDO e GARNICA, 2003, p. 21 22) Sendo assim, verificamos que é correto definir Filosofia da Educação Matemática como a procura das razões, das conseqüências e do sentido da educação Matemática no processo educativo. É o questionamento radical da imagem de homem que se pretende obter e ainda mais, é a investigação dos pressupostos, dos condicionamentos e dos objetivos de se ensinar Matemática. Neste sentido, o conhecimento em Filosofia da Educação Matemática e as reflexões com relação à educação matemática que dela se originam, podem ser determinantes na metodologia e na prática pedagógica do educador, pois estes demonstram qual a concepção de matemática, de ensino e de educação que o profissional tem e, conseqüentemente, determinará os saberes e a aceitação desta disciplina por parte dos educandos. (BICUDO, 2003) Caraça, em Conceitos Fundamentais da Matemática, (1998), expõe claramente duas atitudes em face a ciência, afirmando que a mesma pode ser compreendida em dois aspectos diferentes. Ou se olha para ela como vem exposta nos livros de ensino, como coisa criada, onde os capítulos se encadeiam em ordem e sem contradições, ou se procura acompanha-la no seu desenvolvimento progressivo, permitindo-se assistir a maneira como foi sendo elaborada, descobrindo-se hesitações, dúvidas, contradições, que só um longo trabalho de reflexão e apuramento consegue eliminar, para que logo surjam outras perplexidades, outras dúvidas, outras contradições. No primeiro aspecto, a ciência parece bastar-se a si própria; no segundo, ao contrário, vê-se toda a influência que a vida social exerce sobre a sua criação, compreendendo-a como um organismo vivo, impregnado de condição humana. Segundo a Proposta Curricular de Santa Catarina (1998), o ensino da Matemática não se baseia somente em cálculos, mas em uma realidade ampla e rica que visa não só formar alunos, mas seres humanos comprometidos com a vida, agentes da história, construtores de uma nova sociedade. Visa à educação plena do aluno, a formação de valores fundamentais através da busca do metafísico e da descoberta do sentido mais profundo da existência da Matemática. Neste sentido, verificamos que o ensino da matemática carece de mudanças. A realidade nos mostra a necessidade e a urgência que na formação de professores, além do domínio nas áreas de conhecimento se dê também prioridade ao desenvolvimento de atitudes que permitam não só aceitar a mudança e a inovação, mas ser ele próprio agente de mudança, através de práticas de reflexão. (SCHEIBE & DAROS, 2002) A Filosofia da Educação Matemática tem apontado que tendências se apresentam para prática pedagógica e que nelas se explicitam os modos de conceber a Matemática, seu ensino e sua aprendizagem. Tais tendências, como afirma Fiorentini (1995), historicamente, surgem com a preocupação de melhorar a qualidade do ensino da Matemática . No entanto, temos convivido com informações e dados da literatura que indicam o estado nada alentador e apontando a prática docente dos professores reprodutivistas como responsável. Os dados até aqui mencionados conduziram-nos a formulação do seguinte questionamento: "Qual é o entendimentos que os professores de matemática do ensino fundamental e médio, da E.E.B.J.D., apresentam com relação à formação de professores tendo como base as diversas concepções de Filosofia da Educação Matemática? Neste sentido, outras questões se desdobraram: Que concepções de ensino de matemática transitam no cotidiano escolar? Quais as determinações que levam os professores terem este entendimento? É possível ensinar matemática sem a repetição exagerada de exercícios que, segundo alguns formalistas, oportunizam o domínio da técnica? Levando em consideração os questionamentos apresentados anteriormente acreditamos que não podíamos apresentar objetivos diferentes aos expostos a seguir, quando analisamos: As concepções que os educadores têm com relação ao ensino e a Filosofia da Educação Matemática; A organização do processo ensino aprendizagem como estabelecimento de relações para os condicionantes uma nova prática sociais, históricos pedagógica, e políticos conseguem que indicar contribuíram para aprodução dos conceitos matemáticos e o conteúdo trabalhado; As perspectivas do ensino da Matemática a partir da ação docente. Partindo do principio que a aprendizagem se constitui num processo social e que o indivíduo deve se apropriar das significações dos conceitos e não apenas memorizá-los, (Proposta Curricular de Santa Catarina;1998), não é difícil perceber que o processo de ensino-aprendizagem apresenta-se muito desgastado, uma vez que é baseado na transmissão de explicações descontextualizadas e nos exercícios repetitivos, o que vem a ser uma ação equivocada, já que os professores ao trabalharem os conteúdos priorizam a memorização desprezando, desta forma, as significações dos conceitos matemáticos. Gadotti, (1995), salienta a importância dos professores saberem que não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas pelo contrário, o ser social é que determina a sua consciência, logo, manter a tensão dialética entre individuo e sociedade talvez seja o principio básico de uma pedagogia que pretenda ser transformadora das condições humanas, de suas relações consigo mesmo e com o mundo. Sendo assim, relação educativa não se dá entre indivíduos singulares, mas sempre entre indivíduos que representam o todo complexo social. (MANACORDA, 1996) Desta forma, para Saviani, (1980), é preciso então, pensar numa educação que objetive trabalhar o senso comum de modo a extrair o seu núcleo válido e dar-lhe expressão elaborada com vistas à formulação de uma concepção de mundo adequada aos interesses populares. A prática pedagógica deve ter como objeto a socialização do conhecimento já acumulado historicamente pela humanidade, visando a que esse conhecimento seja utilizado pelos educandos no processo de transformação da realidade em que eles vivem. (DUARTE, 1987, p.11) Segundo Vasconcelos (1998), a Filosofia da Matemática influencia de forma decisiva no modo como ensinamos e reflete logicamente no modo como os nossos alunos aprendem Matemática. Constatamos então que, a prática pedagógica destes professores é a responsável pela organização das experiências da aprendizagem dos alunos. O que os mesmos fazem na sala de aula é em função do que pensam sobre a Matemática e como sentem a Matemática e o seu ensino O tempo exige um novo paradigma para formação de licenciados: Um licenciado novo portador de uma nova missão, capaz de entender a globalização que se instaura, tecnicamente capaz de utilizar/lidar com a informação em todos os níveis, de problematizar e analisar conjunturalmente o que está a sua volta para, com o seu aluno, responder aos desafios de uma nova era, ou de um novo momento histórico. (FROTA, 2003, p.127) De acordo com Biccudo e Garnica, (2003), a filosofia da educação matemática é constituída por aspectos, da filosofia, da filosofia da educação e da filosofia da matemática, porém se revela numa área própria de indagação e de procedimentos. Diante do exposto, achamos conveniente destinar o capítulo 2 para melhor esclarecermos cada área de inquérito em questão. Com base em alguns comentários que expomos até aqui sobre Filosofia da Educação Matemática e seu arcabouço de significados, verificamos que não há prática pedagógica que não seja influenciada por uma concepção filosófica sobre a natureza desta ciência. É neste contexto começamos a nossa pesquisa. Inicialmente, estabelecemos contato com a direção e as professoras de Matemática do Ensino Fundamental e Ensino Médio da E.E.B.J.D., situada no bairro Quarta Linha município de Criciúma. É importante salientar que os dados coletados para o desenvolvimento deste trabalho foram obtidos através de conversas informais, (sala dos professores), e dos acompanhamentos durante as aulas com as respectivas professoras. Para que pudéssemos analisar os dados obtidos, resultantes das observações feitas nas aulas que mencionamos acima, efetuamos uma série de leituras referente ao objeto pesquisado, com o intuito de adquirirmos fundamentação teórica adequada, objetivando compreender e analisar tais informações com maior aproximação possível para que pudéssemos identificar as perspectivas do ensino da Matemática a partir da ação docente e quais concepções que as educadoras têm com relação ao ensino e a Filosofia da Educação Matemática. É importante salientar que estas informações foram evidenciadas na prática pedagógica e na metodologia utilizada pelas professoras em sala de aula, desta forma, destinamos o capitulo 3, intitulado: Aulas de Matemática: Que filosofia? para melhor elucidar os dados obtidos/analisados no decorrer do trabalho. Enfim, com base em alguns comentários que expomos até aqui sobre a Filosofia da Educação Matemática e seu arcabouço de significados, verificamos que não há prática pedagógica que não seja influenciada por uma concepção filosófica sobre a natureza desta ciência. 2 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA SIGNIFICAÇÕES QUE SERVEM DE ESCLARECIMENTO PARA UMA FORMA DE PENSAR E CONCEBER A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA - Antes de iniciarmos a elucidação do nosso objeto de estudo, procuramos ilustrar o caminho que percorremos pelo pensamento filosófico da Educação e Filosofia da Matemática Filosofia, Filosofia até encontrarmos uma via que nos remetesse e ao mesmo tempo nos interligasse à Educação Matemática. Nossa verdadeira intenção é estabelecer relações entre a Filosofia da Matemática e a Educação Matemática, constituindo, assim, um novo olhar, (Filosofia da Educação Matemática), que fundamentou a nossa pesquisa: A Filosofia da Educação Matemática na formação de professores do ensino fundamental e médio. Para que tal comentário fosse possível, abordamos separadamente, Filosofia, Filosofia da Educação e Filosofia da Matemática, na tentativa de explicálas e averiguar seus pontos comuns, para que assim se justificasse o termo Filosofia da Educação Matemática. 2.1 Filosofia Quando se deu passagem do mundo mítico para a consciência racional, apareceram os primeiros sábios. A palavra Filosofia surge na Grécia, séc.VI a.C. nos escritos de Pitágoras, que não querendo definir-se como sábio SOPHOS em grego prefere autodenominar-se Filos-sophos ou seja, amigo do saber , aquele que busca a sabedoria. Para ele, esta era uma denominação mais humilde e fiel à sua postura de tentar compreender a realidade de seu tempo (COTRIM, 1996). De acordo com Cyrino & Penha (1986), no séc. V a.C. Heráclito define melhor o conceito original do vocábulo Filosofia: a busca de compreensão da realidade total , em todas as suas formas, de maneira disciplinada. Opõe-se ao conceito de polimathéia , ou seja, um saber comum, desconexo, fragmentado, no nível de senso comum, geralmente preconceituoso e limitado, sobre a realidade pessoal, social e da natureza. Podemos observar que a filosofia desde sua definição originária, se faz compreender como um saber sobre a condição humana pessoal e social, sobre a cultura, sobre o mundo. Um processo sempre dinâmico de apreensão das significações históricas da realidade humana de maneira humilde e processual. Portanto, a filosofia não se trata de um saber abstrato, à margem da vida. O próprio tecido do seu pensar é a trama dos acontecimentos, é o cotidiano; por isso a filosofia se encontra no seio da história, enfatizando que não é um corpo de doutrina e nem um saber acabado referindo-se a um determinado conteúdo, ou seja, não é um conjunto de conhecimentos estabelecidos de uma vez por todas. (BORNHEIM, 1969) Segundo Martins & Aranha (1986), nos seus primórdios, a ciência se achava ligada à filosofia, sendo o filosofo aquele sábio que refletia, sobre todos os setores da indagação humana. Por isso, é possível falar na teoria de Tales e Pitágoras e na física e astronomia Aristotélica. De acordo com as mesmas autoras, partir do século XVII, a revolução cientifica iniciada por Galileu determinou a ruptura dessas duas formas de abordagem do real. Lentamente apareceram as chamadas ciências particulares matemática, física, astronomia, química, biologia, psicologia, sociologia, etc. -, delimitando campos específicos de pesquisa. Na verdade, o que estava ocorrendo era o nascimento mesmo da ciência, pois ela não existia propriamente antes disso. Com este acontecimento, ocorre a fragmentação do saber, cada ciência se ocupando de um objeto especifico. Fica, então, a dúvida: o que resta à filosofia se ao longo dos tempos houve um esvaziamento de seus conteúdos, decorrente do aparecimento das ciências particulares, tornadas independentes? Neste sentido, Martins & Aranha, (1986), corroboram com nossa resposta, quando afirmam que na verdade a filosofia continua tratando desta mesma realidade apropriada pelas ciências. A diferença é que, as ciências se especializam e observam recortes do real, enquanto a filosofia jamais renuncia em considerar o seu objeto do ponto de vista da totalidade. Desta forma, podemos compreender que a alma da filosofia é uma visão de conjunto, ou seja, o problema tratado nunca é examinado de modo parcial, mas sempre sob a perspectiva do todo, relacionando cada aspecto com os outros do contexto em que está inserido. Em todos os setores da ciência, a filosofia deve estar presente como reflexão crítica a respeito dos respectivos fundamentos das diversas áreas de conhecimento. Para Teles (1975), a filosofia propriamente dita tem condições de surgir no momento em que o ato de pensar é posto em causa, tornando-se objeto de uma reflexão. Por sua vez, refletir é retomar o próprio pensamento, pensar o já pensado, voltar para si mesmo e colocar em questão o que já se conhece. Se pensar o próprio pensamento e colocar em questão o que já se conhece é refletir, então, podemos compreender a reflexão como o ato de filosofar? Concordamos com o professor Dermeval Saviani, (1980), ao afirmar que a reflexão é filosofia quando é radical, rigorosa e de conjunto. Ou seja: Radical: (primeira exigência) - exige-se que o problema seja colocado em termos radicais (...), é preciso que se vá até as raízes da questão, até seus fundamentos. Em outras palavras, exige-se que se opere uma reflexão em profundidade. Rigorosa: (segunda exigência) para garantir a primeira exigência, deve-se proceder com rigor, ou seja, criticamente, segundo métodos determinados, colocando-se em questão as conclusões da sabedoria popular e as generalizações que a ciência pode ensejar. De conjunto: (em terceiro lugar), o problema não pode ser examinado de modo parcial, mas numa perspectiva de conjunto, relacionando--se o aspecto em questão com os demais aspectos do contexto em que está inserido. È neste ponto que a filosofia se distingue da ciência de um modo mais marcante. Segundo Martins e Aranha (1986), é ela, a filosofia, que: permite o distanciamento para a avaliação dos fundamentos dos atos humanos e dos fins a que eles se destinam; reúne o pensamento fragmentado da ciência e o reconstrói na sua unidade; retoma a ação pulverizada no tempo e procura compreendê-la. Portanto, a filosofia é a possibilidade da transcendência humana, ou seja, a capacidade que só o homem tem de superar a sua imanência, (que significa a situação dada e não escolhida). Pela transcendência, o homem surge como um ser de projeto, capaz de construir o seu destino, capaz de liberdade. Esta abordagem dialética da filosofia quer dar ao homem uma consciência crítica de seu tempo. É uma postura segura, reflete sobre o dogmatismo, permitindo uma compreensão mais realista das estruturas sociais, retirando o espaço do moralismo, dos reformismos e formalismos e nos remete para a exigente compreensão dos conflitos estruturais. Terminam as ilusões de que a realidade seja alimentada por idéias, intenções, afeições e vontades pessoais. (MARTINS & ARANHA, 1986) Para Martins & Aranha (1986), o que a filosofia dialética propõe é a interação entre teoria e prática, o que não acontece no pensamento formal. Desta forma, o que buscamos é uma mediação para compreender as estruturas do nosso sentir, pensar e agir. Com a mediação dialética (materialista), somos capazes de evitar a consciência ingênua, funcionalista, utópica ou idealista. Sendo assim, a filosofia não faz juízos de realidade, mas juízos de valor. O filósofo parte da experiência vivida do homem trabalhando numa linha de montagem repetindo sempre o mesmo gesto, mas vai além desta constatação não só o vê como é, mas como deveria ser. Julga o valor da ação, sai em busca do significado dela. Filosofar é dar sentido à experiência. (MARTINS & ARANHA, 1996) De acordo com Bornheim (1969), a filosofia exige coragem. Filosofar não é um exercício puramente intelectual. Descobrir a verdade é ter a coragem de enfrentar as formas estagnadas do poder que tentam manter o status quo, é aceitar o desafio da mudança. Saber para transformar. Tudo muda, tudo passa, nada permanece... (HERÁCLITO, apud, NUNES 1996, p.104) 2.2 Filosofia da Educação Se a Filosofia da Educação tem alguma coisa a dizer de essencial, de importante, à educação, é necessário que ela caminhe passo a passo com a educação, com suas preocupações e suas inquietações, seus problemas. (GADOTTI 1980, p. 35) Iniciamos nossas considerações sobre Filosofia da Educação com a citação de Moacir Gadotti, pois verificamos nela, uma definição simples sobre o ato de filosofar, mediante as questões que se referem à educação. De acordo com Saviani (2000), definir filosofia e filosofia da educação não é uma questão simples, pois a sua multiplicidade conceitual varia de acordo com a concepção epistemológica defendida pelos diferentes filósofos. Para alguns, a filosofia deveria se preocupar com a essência, para outros a atenção deveria voltar se para o fenômeno, uns acreditam que a busca da verdade é a função da filosofia. Platão considerava a filosofia como o desenvolvimento do saber em benefício do homem. Bicudo e Garnica, (2003), afirmam que a Filosofia da Educação, faz uso das análises e reflexões sobre a educação, a aprendizagem, o ensino, etc..., não os olhando somente da perspectiva daqueles que estão preocupados com a educação do outro, mas principalmente com o significado que a mesma assume ao ser anunciada através de seu ensino e aprendizagem. Para Bicudo e Garnica (2003), as questões que são cruciais para a filosofia como: O que existe? , Como se conhece isto que existe? , O que é o valor? são enfocadas pela filosofia da educação, porém diferenciando-se por mencioná-las sempre em termos de educação, (neste caso, educação matemática), ou seja, se a filosofia remete ao pensar analítico, critico e reflexivo, consideramos correto discorrer que filosofia da educação partilha do mesmo núcleo constitutivo, ainda que revele características próprias, principalmente no que se refere à educação. Trata-se da ação de pensar sobre a educação, buscando esclarecer o seu significado, ou seja, perguntar-se e ir à busca de respostas que justifique o que é a educação? O que significa ela para o homem, para a sociedade, para a ciência, arte, religião e estado? Para que educar e com que fim? É possível intervir no curso dos acontecimentos humanos históricos e sociais pela definição e consecução de metas educacionais? (SAVIANI, 1980). Sendo assim, acredita-se que a filosofia da educação volta-se para questões que tratam de como se faz educação, dos aspectos ensino, básicos presentes ao ato educador como é o caso do da aprendizagem, de propostas político-pedagógicas, do local onde a educação se dá e, de maneira sistemática e abrangente, as analisa buscando entender seu significado para o mundo e para o próprio homem. De acordo com Saviani (1980), a tarefa de Filosofia da Educação é de oferecer aos educadores um método de reflexão que lhes permitam encarar os problemas educacionais, penetrando na sua complexidade e encaminhando a solução de questões tais como: conflito entre filosofia de vida e ideologia na atividade do educador, a relação entre meios e fins da educação, a relação entre teoria e prática, os condicionamentos da atividade docente, até onde se pode contálos ou superá-los. Neste sentido, o mesmo autor afirma que os educadores precisam compreender que consciente ou inconscientemente toda prática pedagógica está embasada numa teoria, numa filosofia, ou seja, numa concepção de mundo, de educação e de homem que se pretende formar. Esta deveria ser a primeira definição a ser feita, antes mesmo de se definir quais os objetivos da educação. Sendo assim, para Saviani, (1980), o modo pelo qual a filosofia da educação procede varia conforme os pressupostos filosóficos que assume. Com relação a nossa pesquisa, ousamos afirmar que se fundamenta na filosofia Marxista materialismo dialético e na teoria científica, materialismo histórico. Com o intuito de melhor explanar as peculiaridades referentes à Filosofia da Educação que comunga dos pressupostos da Filosofia Marxista, iremos considerar as concepções (de filosofia e de filosofia da Educação) de Demerval Saviani (1980) e (2000) e Moacir Gadotti (1980) e (1995). Para Saviani (1980) e (2000), podemos conceituar filosofia como uma reflexão (radical, rigorosa e de conjunto) sobre os problemas que a realidade apresenta. Sendo assim a Filosofia da Educação não seria outra coisa senão uma reflexão (radical, rigorosa e de conjunto) sobre os problemas que a realidade educacional apresenta. De acordo com Gadotti (1980), a realidade educacional brasileira, nos remete a contradições, pois ao mesmo tempo em que nossa educação tem sido pautada pelos princípios do silêncio, da obediência, da passividade, da dissimulação, (fingir o ensinar e o aprender) da omissão, da exclusão e da desigualdade, espera-se como resultado dessa prática que o aluno seja um cidadão crítico, atuante, participativo, honesto, solidário, criativo e humano. É neste contexto que verificamos a grande contradição se revelando entre o discurso e o fazer pedagógico. Gadotti (1995), segue afirmando que a pedagogia do conflito é a teoria de uma prática pedagógica que procura não esconder o conflito, mas afrontá-lo, desmascarando-o. Para lutar contra as desigualdades, elas devem estar evidentes para todos os membros de uma sociedade e não ser percebida como um fato natural e universal. Os conflitos existem porque os interesses das classes sociais são divergentes. Uns lutam pela manutenção do status quo , outros querem a transformação da estrutura social a fim de que se desenvolva maior igualdade social. Nesse contexto, o papel do educador deve ser crítico e revolucionário, ou seja, seu papel é o de inquietar, incomodar, perturbar. O mesmo autor ainda acrescenta que o educador deve impregnar-se da consciência da contradição. Foi isso que fizeram, por exemplo, Marx, Nietzsche, Gramsci entre outros grandes nomes da história. Libâneo comenta em sua obra Didática (1994), que o monopólio do conhecimento é o fator que contribui para a manutenção de uma estrutura social. A possibilidade para mudança está na apropriação do conhecimento por parte daqueles que estão à margem da sociedade. É este o princípio que irá reger a Pedagogia Crítico Social dos Conteúdos, (como menciona na obra), que tem nos pressupostos filosóficos de Marx, seus fundamentos. De acordo com o pensamento de Libâneo, é através do domínio de conteúdos científicos, que os alunos poderão formar consciência crítica face às realidades sociais e assim terão capacidade de assumir no conjunto das lutas sociais a sua condição de agentes ativos das transformações da sociedade e de si próprios. Neste sentido, acreditamos que idéias filosóficas sobre a educação de Moacir Gadotti, Dermeval Saviani e José Carlos Libâneo, contribuíram de forma significativa para a formação da concepção da educação como um ato político e transformador da realidade social. Conforme Saviani (2000), cabe a filosofia da educação, interrogar os fins e os meios da ação educadora, colocando a prática educacional do nível do saber fazer em consonância com aquela do por que e para que fazer deste modo. Para o mesmo autor, é esse o sentido da prática refletida. 2.3 Filosofia da Matemática De acordo com Costa (1962), podemos dizer que a preocupação com a filosofia da matemática constitui a característica que mais claramente marca a filosofia ocidental das outras grandes tradições filosóficas. O interesse dos filósofos pela matemática tem várias razões, porém, vamos enfatizar, neste caso, somente duas (segundo o mesmo autor): em primeiro lugar, a matemática é o exemplo original de um ramo do conhecimento cujas verdades não estão (ou não parecem estar) alicerçadas na experiência e em segundo lugar, alguns dos mais profundos problemas da filosofia encontram a sua formulação mais cristalina quando são especializados para o domínio da matemática e seus fundamentos. Segundo o mesmo autor, alguns matemáticos célebres também se interessaram pelos fundamentos da sua disciplina. Isto foi especialmente verdade durante o século XIX, quando Russel, Hilbert, Leibiniz, Brouwer, Kant, entre outros, debateram apaixonadamente os fundamentos da matemática. Segundo Costa (1962), as tentativas de reformar radicalmente a Matemática acabaram por gerar as crises dos fundamentos. De acordo com Davis & Hersh (1986), as crises dos fundamentos são: A descoberta dos incomensuráveis, século VI aC.: Por volta do século VI a.C., Pitágoras e seus discípulos descobriram que nem sempre a cada segmento de reta estaria associado um número natural, ou a razão entre dois deles que resultaria em um número Q*+. Os pitagóricos tiveram uma decepção ao aplicarem essas informações ao triângulo retângulo formado pelos lados e a diagonal de um quadrado de lado 1. Chegaram a conclusão que a medida da diagonal, que segundo suas concepções deveria ser um número racional, resultou em um número que elevado ao quadrado resultava em dois. Os pitagóricos sabiam perfeitamente que aquele número não era racional. Mas, preferiram negar a descoberta feita dos números irracionais, atrasando esta informação ao mundo em no mínimo 2000 anos. Descoberta das Geometrias não Euclidianas; No início do séc. XIX, emergiu um ponto de vista audacioso: arquitetar geometrias autoconsistentes que diferissem da geometria de Euclides, (325 a.C./265 a.C.), em particular no que diz respeito às retas paralelas. As novas teorias alteraram o centro de interesse da geometria especulativa, transportando-o do conteúdo para a estrutura, da verdade extrínseca das proposições isoladas para a coerência interna do sistema total. Afirmações como esta: A soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a 180º, começavam a ser postas em causa e a merecer alguma atenção. As ideias principais, destas novas teorias, independentemente por três grandes matemáticos: foram concebidas János Bolay (1802/1860), Nikolai Lobachevskii (1792/1856) e Gauss (1777/1855). Introdução dos números Imaginários no Calculo Algébrico; Ainda sem superar as dificuldades em lidar com os irracionais e os números inteiros negativos, no século XVI os matemáticos ocidentais começam a se ver às voltas com os hoje chamados números complexos até então praticamente ignorados. Surgidos inicialmente de problemas como achar dois números cuja soma é 10 e o produto 40 , cuja solução é x1 5 15 e x2 5 15 , faziam jus, na época, à frase de d Alembert (1717-1783): A álgebra é generosa; muitas vezes fornece mais do que dela se espera . É que na época os números complexos careciam de sentido e aplicabilidade. A rigor sabe-se que a matemática está sempre em crises de fundamentos, as quais deram início a algumas correntes filosóficas que são: Logicismo Formalismo Intuicionismo Vamos agora, com o auxilio de alguns autores, (através de suas reflexões sobre a filosofia e a matemática), que serão citados no decorrer do texto, explanar um pouco sobre as três correntes filosóficas, seus fundadores e o quais as verdades matemáticas que defendiam. 2.3.1 Logicismo Inicialmente, achamos conveniente traçar em linhas gerais a situação histórica da qual surgiu o logicismo. Segundo Costa (1962), no começo do século XIX a matemática havia se desenvolvido muito, porém mostrava-se ainda frágil com relação aos seus fundamentos, pois os pesquisadores da época preocupavam-se em desenvolver a ciência tendo em vista somente suas aplicações e não seus alicerces. Verificando, então, os erros do caminho que vinham seguindo Cauchy, Abel e Weierstrass, iniciaram o retorno aos fundamentos da matemática com, o intuito de assentar o seu desenvolvimento em bases sólidas. Tal fato caracterizou um movimento que culminou com a chamada aritmetização de análise matemática (que engloba álgebra, aritmética e calculo diferencial), onde paulatinamente foram eliminadas algumas noções mais confusas como, por exemplo, de infinitésimo, concebida nos moldes antiquados que estavam na base da análise matemática (fundamentada unicamente no conceito de número natural). De acordo com o mesmo autor, de semelhante forma houve renovação nos fundamentos da geometria e com o advento da geometria não euclidiana, passou-se a considerar a geometria não como o estudo do espaço real, mas como estrutura lógica abstrata. Admitindo-se então a existência de várias estruturas abstratas, concluiu-se que existem diversas geometrias matematicamente possíveis. Para Costa (1962) todo esse movimento, apresentado aqui de forma resumida, proporcionou as disciplinas dedutivas atingir um alto grau de perfeição lógica. Neste sentido, observamos que ao mesmo tempo em que havia a reestruturação nos fundamentos da matemática, também se processou um grande progresso na lógica formal. De acordo com Cotrim (1996), Boole foi o responsável por notável desenvolvimento quando dotou a lógica de um simbolismo matemático permitindo análises profundas das operações lógicas. Porém assim estruturada a lógica apresentava pouca importância para os fundamentos da matemática. Desta forma, Peano em 1880, criou uma linguagem lógico-simbólica na qual tratou de expor todas as disciplinas dedutivas, conseguindo assim, colocar a lógica como forte contribuinte para a melhor compreensão dos problemas relativos aos fundamentos da matemática. Para completar este esboço, não poderíamos deixar de citar Cantor, que a partir de 1872, começou a publicar trabalhos revolucionários com o intuito de influenciar não somente nos fundamentos da matemática, mas também nas concepções referentes a ela. Mencionaremos apenas algumas contribuições de Cantor com sua obra relativa à Teoria dos Conjuntos. (COSTA, 1962) Aritmética que engloba números infinitos; Teoria dos Números Cardinais; Mostrou como se definir os números infinitos para caracterizar conjuntos infinitos; Contribuiu para esclarecer conceitos matemáticos referentes à ordem dimensão e contínuo. De acordo com Davis & Herch (1986), mesmo apresentando algumas teorias que acabaram sendo consideradas paradoxais, Cantor conseguiu incorporar a Teoria dos Conjuntos definitivamente a matemática. Em conformidade com o que foi escrito até o momento e ressaltando que os fatos mencionados até aqui deixaram muitas interrogações, poderíamos afirmar que a corrente Logicista nasceu ... como coroamento das indagações delineadas atrás . COSTA (1962, p.11) Prova disso é que na obra de Bertrand Russel, líder do logicismo, aparecem as pesquisas de Cantor, Dedekind, Weierstrass, Boole e Peano. Russel admite que sua tese é como o remate de tais investigações. (RUSSEL, 1974) Conforme Costa (1971), é importante salientar que antes de Bertrand Russel, o filósofo alemão Frege, já havia apresentado as teses centrais do logicismo, porém devido a grande dificuldade de compreensão dos símbolos nela colocados, a obra ficou praticamente ignorada, até Russel, independentemente redescobrí-las. Desta forma seria justo e antes disso correto, considerarmos Frege o precursor do logicismo, não obstante que alguns autores como Quine, apontam Frege como o verdadeiro fundador da lógica simbólica. (COSTA, 1962) Russel (1974), afirmou que a tese fundamental do logicismo poderia ser resumida garantindo que a Matemática reduz-se à lógica, pois mesmo considerando que historicamente ambas eram consideradas disciplinas distintas, onde a matemática referia-se a ciência e a lógica ao pensamento, contudo, estas desenvolveram-se de tal forma que a matemática tornou-se mais lógica e a lógica mais matemática, ou seja, é impossível traçar divisões entre elas. Essa assimilação da matemática pela lógica foi o leitmotiv do Logicismo, uma corrente filosófica de peso da qual Russell é o representante insigne.(...) Nesse terreno, a Matemática parece possuir um conteúdo próprio, e é mais freqüente a subsunção da Lógica pela Matemática do que a inversa, como pretendem os logicistas. Entretanto, resquícios de tal pretensão podem ser detectados mesmo no senso comum, quando são associados acriticamente o ensino da matemática com o desenvolvimento do raciocínio lógico. (MACHADO, 1993, p.36) De acordo com Chauí (1999), René Descartes introduziu a teoria do método na ciência, conforme a necessidade que o mesmo apresentava em organizar o pensamento que segundo ele estava confuso, carecendo desta forma de organização. Para Descartes, era preciso que se instituísse uma metodologia (estudo do método), que pudesse conduzir a razão ao conhecimento das coisas tanto para instruir-se quanto para instruir os outros.(ABBAGNANO, 2000) Segundo Abbagnano, (2000, p.669) A Lógica foi interpretada como metodologia na fase póscartesiana.(...)...como a ciência de dirigir a faculdade cognoscitiva no conhecimento da verdade. (...)...como ciência das operações do intelecto que servem ´para a avaliação da prova. Desta forma, podemos compreender que a lógica está intimamente ligada com a linguagem, que por sua vez pode manifestar-se por símbolos (lógica artificial) e ser utilizada pelos lógicos através da sintaxe (estudo das relações entre os símbolos) e a semântica, (estudo dos significados que estes símbolos adquirem ao relacionarem-se). (CYRINO & PENHA, 1986). Sendo assim, acreditamos que a lógica visa superar as dificuldades e ambigüidades manifestadas pela linguagem que devido a sua natureza vaga e metafórica, portanto confusa, (segundo Descartes), poderia atrapalhar o rigor lógico do raciocínio. Para Machado (1993, p.35): Na própria Matemática, atendendo aos pressupostos cartesianos, Newton e Leibniz, por exemplo, jamais poderiam ter desenvolvido o Cálculo Diferencial e Intergral, como o fizeram, pois, justamente nesses domínios, pouco progresso poder-se-ia esperar se se impusesse a classificabilidade das sentenças em verdadeiras ou falsas como condição de possibilidade de sua aceitação no arsenal dos resultados aceitáveis. Neste sentido, verificamos que lógica sempre exercerá atração sobre muitas mentes, simplesmente porque em um universo onde tanta coisa é incerta, ela nos oferece maneiras de obtermos certezas com relação à validade ou falsidade das afirmações. Desta forma, podemos enfatizar que utilizamos a lógica por todo momento, ou seja, usamos a lógica quando argumentamos e argumentamos quando tentamos convencer outras pessoas de algo ou quando tentamos nos defender de alguma acusação que nos é feita. Assim sendo, não é de se estranhar que ao argumentarmos, fazemos o uso de argumentos que nos permitam provar a verdade (ou falsidade), que estamos colocando.(MARTINS & ARANHA, 1986) Mas, qual o significado de um argumento para a lógica? Primeiramente, vamos definir o termo argumento, com o auxílio de alguns autores. Para Abbagnano (2000), argumento é em seu primeiro significado, qualquer razão, prova, demonstração ou indicio, ou seja, motivo capaz de captar a aceitação ou de induzir a persuasão ou à convicção. O mesmo autor ainda destaca que esta palavra foi usada por Frege, como sendo o que preenche um espaço vazio de uma função ou aquilo a que uma função deve ser aplicada para que tenha determinado valor. Segundo Jolivet (1990), um argumento é um conjunto de proposições, mas não um conjunto qualquer. Num argumento as proposições têm que ter uma certa relação entre si e é necessário que uma delas seja apresentada como tese, ou conclusão, e as demais como justificativa da tese, ou premissas para a conclusão. Normalmente argumentos são utilizados para provar ou desprovar uma proposição ou para convencer alguém da verdade ou da falsidade de alguma coisa. Desta forma, para melhor expor o que foi dito por Jolivet no parágrafo anterior, apontamos um conjunto de proposições, que segundo o autor mencionado, não é na realidade um argumento: Todos os bebês choram quando sentem dor. Todos os anos cada um de nós faz aniversário. Logo, o CAP é um bom colégio. Neste caso, observamos que embora todas as proposições sejam (pelo menos à primeira vista) verdadeiras, e embora elas se disponham numa forma geralmente associada com a de um argumento (premissa 1, premissa 2, e conclusão, precedida por "logo"), não temos um argumento porque as proposições não têm a menor relação entre si. Não devemos sequer afirmar que temos um argumento inválido aqui, porque mesmo num argumento inválido as premissas e a conclusão precisam ter uma certa relação entre si. Por outro lado, o seguinte conjunto de proposições é um argumento: Todos os homens são racionais. Russel é homem. Logo, Russel é racional. Neste caso, temos um argumento válido. Nele, todas as premissas são verdadeiras e a conclusão também (ou, pelo menos, parecem ser), à primeira vista. Com o auxílio de Cyrino e Penha (1986), Cotrim (1993), Martins & Aranha (1986), Jolivet (1990), Russel (1974) e Zimbarg (1973), elaboramos alguns exemplos de argumentos e sua respectivas classificações, de acordo com o modo que se apresentam. 1º Argumento: Se você me amasse (p), não teria me deixado sozinha (q). p q ~q (você me deixou sozinha) . .. ~p (logo, você não me ama) Argumentos como o apresentado são tão comuns que "modus tollens" é o nome latino dado a argumentos que têm essa forma. [Forma do Argumento Válido Modus Tollens - Negação do Conseqüente] Esse argumento, e todos os que possuem a mesma forma, é um argumento válido. O raciocínio é correto. Resta saber se as premissas usadas, especialmente a primeira, são verdadeiras. Se forem, a conclusão é, necessariamente, verdadeira. Se não forem, ou se pelo menos uma delas não for, a conclusão não precisa ser verdadeira, mesmo que o argumento seja válido, como este. 2º Argumento: Se você me ama (p), você não me deixa aqui sozinha (q). p q q (Você não me deixa aqui sozinha) . .. p (Logo, você me ama) A forma desse argumento é a seguinte: [Forma da Argumento Inválido (Falácia) de Afirmação do Conseqüente] Todos os argumentos que têm essa forma são inválidos. Mesmo que as premissas sejam verdadeiras, a conclusão pode ser falsa. Este argumento não convence muita gente, pois você pode aceitar a premissa que Se você me ama, você não me deixa aqui sozinha, e admitir que você não deixou ninguém sozinho, sem aceitar a conclusão. 3º Argumento: Se você não me deixa aqui sozinha (q), você me ama (p). p q p (Você não me deixa aqui sozinha) . .. q (Logo, você me ama) Este argumento, "modus ponens": válido, tem a seguinte forma, chamada em latim de [Forma do Argumento Válido Modus Ponens - Afirmação do Antecendente] 4º Argumento: Se você me deixa aqui sozinha (p), então você não me ama (q). p q ~p (Você não me deixa aqui sozinha) . .. ~q (Logo, você me ama) Este argumento, inválido, provavelmente não convence ninguém, pois o fato de não deixar alguém sozinho não quer dizer necessariamente que outro alguém o ame. Sua forma é a seguinte: [Forma do Argumento Inválido (Falácia) de Negação do Antecedente] 5º Argumento Ou você faz o que eu quero (p), ou você não me ama (q) p q ~p (Você não faz o que eu quero) . .. q (Logo, você não me ama) Esse argumento é válido e é conhecido como argumento Disjuntivo Válido. [Forma do Argumento Disjuntivo - Válido: Negação de um Disjunto] 6º Argumento Ou você faz o que eu quero (p), ou você não me ama (q) p (Você faz o que eu quero) . .. ~ q (Logo, você me ama) Esse argumento é inválido (Falácia) a forma dele é o Disjuntivo: Afirmação de um Disjunto. De acordo com Alencar Filho, (1978), a lógica não está interessada no processo, e sim no produto: nos argumentos. Na verdade, ela se interessa pelos princípios que permitem distinguir argumentos válidos dos inválidos. Conforme o que mencionamos anteriormente, os argumentos são constituídos por proposições, e, por isso, a lógica se interessa por proposições, enquanto componentes básicos de argumentos. Em regra, a lógica não se interessa pela verdade ou falsidade das proposições que compõem um argumento: interessa-se, sim, pelas relações que as proposições têm umas com as outras, especialmente se o conjunto de proposições que formam as premissas de um argumento implicam a proposição que é sua conclusão. (CORBISIER, 1987) Para Alencar Filho, (1978), embora a lógica não se interesse pela verdade ou falsidade das proposições que compõem um argumento, quando a verdade ou falsidade é contingente, ela estipula alguns princípios básicos que estabelecem as condições básicas em que as noções de verdade e falsidade devem operar. De acordo com o mesmo autor, os três princípios básicos da lógica são: 1ª - Princípio do Terceiro Excluído verdadeira ou falsa -- não há terceira alternativa Uma proposição sempre é ou 2ª - Princípio da Não-Contradição - Uma proposição nunca é ambas as coisas, verdadeira e falsa 3ª - Princípio da Identidade - Se uma proposição é verdadeira, ela é verdadeira, sempre; se ela é falsa, ela é falsa, sempre. De acordo com Machado (1993), Russel (1974), Cotrim (1996), Martins & Aranha (1986), Jovilet (1990) vamos brevemente analisar cada um desses princípios: 1º Princípio do Terceiro Excluído - O Princípio do Terceiro Excluído estipula (afirma) que uma proposição é ou verdadeira ou falsa, sempre, sem exceção. Tem que ser ou uma ou outra coisa, pois não há uma terceira possibilidade. Por isso é que o princípio se chama "Terceiro Excluído". Em um certo sentido isso parece até bastante óbvio. Contudo, Jovilet (1990), Zimbarg ( 1973), Machado (1993) e Russel (1974)), afirmam que muitos autores ainda têm tentado contestar a verdade desse princípio, argumentado que as proposições que se referem a estados de coisas ou eventos futuros não são nem verdadeiras nem falsas, visto que aquilo a que se referem ainda não ocorreu, e que, portanto, existe uma terceira possibilidade, além da verdade e da falsidade: a indeterminação. Contrariando os autores acima citados, Alencar Filho (1978), afirma que não há proposições simultaneamente verdadeiras e falsas. Por exemplo, na proposição: Hoje 18 de outubro faz sol, é dotada de uma verdade, pois é algo perceptível. Por sua vez, a proposição: Amanhã, dia 19 de outubro fará sol. Por se tratar de uma proposição de previsão futura, é válido ou admiti-la como falsa ou verdadeira. No entanto, quando chegar amanhã e pudermos comprova-la, tal proposição não será a mesma. Pois se trata de um novo dia, sendo assim, uma nova proposição. Desta forma, as proposições que os críticos chamam de indeterminadas são proposições, verdadeiras ou falsas, cuja verdade ou falsidade não é possível determinar no momento, porém, quando determinadas não se tratam mais da mesma proposição. 2º O Princípio da Contradição - O Princípio da Contradição estipula que uma proposição nunca é verdadeira e falsa ao mesmo tempo, isto é, que ela não pode ser ambas as coisas. De acordo com Cotrim (1996), dois conceitos são contraditórios, quando não podem não ser e ser ao mesmo tempo, ao analisarmos de um mesmo ponto de referência. Desta forma o autor cita como exemplo de contradições: O fracasso é o sucesso. O circulo é quadrado. O interior é o exterior. Segundo Jovilet (1990), a milenar aceitação desse princípio não está sujeita a ataques, ou seja, se afirmamos que esse princípio é verdadeiro, e outra pessoa diz que é falso, não é possível que nós dois estejamos certos, ou seja, que nós dois tenhamos a verdade. Um dos dois tem que estar errado. A própria negação do princípio implica, portanto, sua aceitação. 3º O Princípio da Identidade Segundo Cotrim (1996), este princípio formulado desde Parmênides, é de uma tal evidencia e objetividade que sua formulação chega a ser extravagante. Para este autor, tudo é idêntico a si próprio, ou seja: O ser é. Sendo assim, o mesmo autor segue afirmando que o principio da identidade é tautológico, (tauto = o mesmo). Isto significa que uma proposição pode ter sujeito e predicado iguais, ou seja, com o mesmo conceito. Por exemplo: Você é você. (sujeito e predicado com o mesmo conceito) Conforme afirmam Martins & Aranha (1986), a lógica aristotélica baseia-se no princípio da identidade, partindo, portanto de uma concepção estática da realidade, a qual se explicaria por intermédio de noções absolutas, sendo assim, não é possível a contradição. 2.3.2 Formalismo Antes de iniciarmos as considerações sobre o formalismo na Matemática, é oportuno fazer alguns comentários sobre o conceito forma , do ponto de vista da Lógica Matemática , ou seja, Lógica Simbólica. Segundo Abbagnano (2003, p.469): ...diz-se habitualmente que a matemática é uma ciência da forma (no sentido formal), porque o que ela ensina não vale para certos conjuntos de coisas mais sim para todos os conjuntos possíveis, já que versa sobre certas relações gerais que constituem o aspecto formal das coisas. Neste sentido, a palavra forma foi usada pela primeira vez por Tetens, para indicar as relações estabelecidas pelo pensamento entre as representações sensíveis, que por sua vez constituíram a matéria do conhecer. Para Davis & Hersh (1986), ainda que o sentido mais comum do termo forma relacione-se com o feitio externo dos objetos materiais, também é costume, na linguagem trivial, falar de forma em um sentido mais amplo, como por exemplo: Quando se comenta que uma composição poética está em forma de soneto; Quando verifica-se que uma composição musical está em forma de sonata. Para o mesmo autor, o que se pensa nesse momento é nas propriedades estruturais que podem ser observadas, sem ter em conta o significado dos versos ou dos motivos que inspiraram a música. Da mesma maneira usa-se o termo estrutura não só para indicar a composição de um corpo sólido, mas também se referindo à estrutura de uma sociedade, de um discurso, e assim por diante. Segundo Manno (s/d), do mesmo modo pode-se pensar em estruturas lógicas ou formas lógicas, sendo que tais expressões representam um aspecto que se reveste de fundamental importância: o aspecto formal. A lógica formal é um tipo de investigação sobre a linguagem e analisando suas estruturas, pode-se perceber que estas prescindem de conteúdos concretos que posteriormente sejam dados a estas estruturas (gerando proposições concretas de um discurso falado ou escrito, como acabamos de mencionar anteriormente durante as reflexões sobre a corrente Logicista. A forma lógica diz respeito ao raciocínio dedutivo, ou seja, ao conteúdo das coerências que organizam uma demonstração, prescindindo-se dos conteúdos semânticos do discurso. A lógica, nesse caso, somente se ocupa do problema do desenvolvimento dessa demonstração. O fato de prescindir dos conteúdos nos mostra a possibilidade de utilizar-se estruturas dedutivas mediante símbolos, e isso permite uma exatidão da análise estrutural que seria muito mais difícil de conseguir sem o auxílio do simbolismo. (BARKER, 1976) Para Corbisier (1987, p.104): A lógica formal é formalista, ou tende fortemente ao formalismo, na medida em que desinteressando-se do conteúdo, permanece no momento da abstração que retira ou destaca do real, apenas um de seus aspectos, isto é, a forma. De acordo com Costa (1962), Hilbert (analista alemão, criador e principal representante do formalismo e considerado um dos maiores matemáticos contemporâneos) não tinha pretensões de reduzir a matemática à lógica, (diferentemente dos matemáticos da escola logicista), porém, pretendia fundamentá-las conjuntamente. Ele e os outros seguidores da escola formalista viam na matemática a ciência da estrutura dos objetos, sendo que os números são as propriedades estruturais mais simples desses objetos constituindo-se, desta forma, também em objetos. Abbagnano (2003, p.471), define formalismo como: Toda a doutrina que recorra à forma, em qualquer das significações do termo.(...). em matemática, foi chamado de formalismo o procedimento que pretende prescindir dos significados dos símbolos matemáticos, especialmente a corrente filosófica de Hilbert. Segundo Barker (1976), o matemático pode estudar as propriedades dos objetos somente por meio de um sistema apropriado de símbolos, reconhecendo e relevando os aspectos destituídos de importância dos sinais que utiliza, pois, uma vez que se tenha um sistema de sinais adequados, não é mais necessário se preocupar com seus significados, sendo assim, os próprios símbolos possuem as propriedades estruturais que interessam. Neste sentido, o matemático deve apenas investigar, segundo os formalistas, as propriedades estruturais dos símbolos, e, portanto dos objetos, independentemente de seus significados. Assim como na geometria ou na álgebra, para simplificar e padronizar determinadas questões, são introduzidos conceitos não reais que são apenas convenções lingüísticas, também se justifica a introdução, na matemática, de conceitos e princípios sem significado dos conteúdos. De acordo com Barker (1976), o que mencionamos anteriormente acabou sendo um dos pontos chaves da metamatemática de Hilbert. Sendo assim, o filósofo e matemático procurou estabelecer um método para se construir provas absolutas de consistência (ausência de contradição) dos sistemas, sem dar por suposta a consistência de algum outro sistema. Para isso, Hilbert estabeleceu alguns passos a serem dados. Sendo assim, nos apoiamos em Barker (1976), Manno (s/d), Costa (1962) e Davis & Hersh (1986), para destacar alguns passos que Hilbert estabeleceu. São eles: 1. A completa formalização de um sistema dedutivo. Isto implica tirar todo significado das expressões existentes dentro do sistema, sendo assim, estes sistemas devem ser considerados puros sinais vazios . 2. Combinar expressões. (Expressão é o nome que se dá às palavras do sistema, que por sua vez são compostas de símbolos abstratos, também chamados alfabeto do sistema.) A forma como se devem combinar essas expressões deve estar impregnada em um conjunto de regras de formação e regras de inferências enunciadas com toda precisão, que especificam como uma expressão pode ser formada ou transformada em outra. A finalidade deste procedimento é construir um cálculo que não oculte nada e que somente apresente o que expressamente se tenha colocado nele. 3. Tomar um número finito de expressões como sendo o conjunto de axiomas do sistema. A idéia de prova num sistema formal consiste em começar com um dos axiomas e aplicar uma seqüência finita de transformações, convertendo o axioma em uma sucessão de novas expressões, onde cada uma delas ou é um dos axiomas do sistema ou é derivada deles pela aplicação das regras de formação. 4. Obter a totalidade dos teoremas, e desta forma constituir o que pode ser provado no sistema. Os axiomas e os teoremas de um sistema completamente formalizado são portanto sucessões finitas de símbolos sem significados. Segundo Costa (1962, p.35): ...o método axiomático encontra aplicação prática em toda a matemática, constituindo-se hoje, na técnica básica desta ciência. O formalismo em poucas palavras, deseja transformar o método axiomático, de técnica que é, na essência mesma da matemática. Conforme o mesmo autor, o método axiomático não serve somente para economizar pensamento e sistematizar teorias. Ele constitui um ótimo instrumento de trabalho e de pesquisa no domínio da matemática. Assim por exemplo, grandes avanços feitos no séc. XX feitos em álgebra, topologia e em outros ramos da matemática, encontram-se correlacionados, de modo intimo, com o método axiomático. Sendo assim achamos conveniente apontar um exemplo de sistema formal relacionado a linguagem computacional e da mesma forma um exemplo de sistema formal utilizado na demonstração de um teorema matemático. De acordo com Carvalho & Oliveira (1998, p.121), vamos mostrar um exemplo de sistema formal utilizado na linguagem computacional: Um sistema formal é uma tupla < ,L,A,R>, onde: é um alfabeto; L é um conjunto recursivo em , chamado de linguagem do sistema formal; A é um subconjunto recursivo de L, chamado de Axiomas; R é um conjunto recursivo de relações em L. Seja um sistema formal, onde o alfabeto, as palavras, os axiomas e as relações estejam definidos abaixo: = {+,*} L = { *} A = {+,*} R = {r1,r2}, onde: r1 = {<x+,x*> | x * } r2 = {{<x+*,x*+> | x * }U * {<x+**,x*++> | x {<x*,x++> | x }U * }} As relações r1 e r2 são binárias, e seus pares ordenados possuem uma lei de formação bem definida. Conforme Davis & Hersh (1986), uma axiomática formalizada converte-se, em resumo, em uma espécie de jogo grafo-mecânico, efetuado com símbolos destituídos de significado e regulado por meio de regras determinadas. E isso tem uma valiosa finalidade: revelar com clareza a estrutura e a função, de maneira análoga a um manual esquemático e de funcionamento de uma máquina. Quando um sistema está formalizado, tornam-se visíveis às relações lógicas existentes entre as proposições matemáticas, como se combinam, como permanecem unidas, etc. Uma página inteira preenchida com os sinais sem significados não afirma nada: é simplesmente um desenho abstrato que possui determinada estrutura. No entanto é perfeitamente possível descrever as configurações de um sistema assim especificado e formular declarações de acordo com as configurações e suas diversas relações entre si. Hilbert observou que tais declarações pertencem a metamatemática, isto é, declarações a respeito dos símbolos e expressões existentes dentro de um sistema matemático formalizado. Segundo Davis & Hersh (1986, p.169-170): Um texto formal é uma cadeia de símbolos. Quando manipulada por um matemático ou por uma máquina, é transformada em uma outra cadeia de símbolos.tais manipulações de símbolos podem, elas próprias, ser o objeto de uma teoria matemática. Quando se considera a manipulação como sendo feita por uma máquina, a teoria é chamada de teoria dos automata pelos informáticos ou teoria de recursividade pelos lógicos. Quando a manipulação é considerada como sendo efetuada por um matemático, a teoria é chamada de teoria da demonstração . Da mesma forma que procedemos para o sistema formal computacional, (teoria automata), vamos agora exemplificar um sistema formal na matemática, ou seja, uma demonstração matemática (teoria da demonstração). Para Davis & Hersh (1986), nada melhor do que demonstrar o mais famoso teorema da história da matemática. Estamos nos referindo ao Teorema de Pitágoras, como ocorre na proposição 47, do livro I dos Elementos de Euclides (300 aC). Proposição 47. Nos triângulos retângulos, o quadrado sobre o lado que subentende o ângulo reto é igual aos quadrados sobre os lados que contêm o ângulo reto. Seja ABC um triângulo retângulo que tem o ângulo BAC reto; Afirmo que o quadrado sobre BC é igual aos quadrados sobre BA, AC. Pois tracemos sobre BC o .quadrado BDEC, e sobre BA, AC, os quadrados GB, HC; [I,46] por A, seja AL paralela a 'BD ou CE e unamos AD, FC. Então, como cada um dos ângulos BAC, BAG é reto, seguese que as retas AC, AG, passando por A, e de lados distintos de BA, formam corri BA ângulos iguais a retos, e, portanto, estão em linha reta, isto é, CA está em linha reta com AG. [1,46] Pela mesma razão BA está também em linha reta com AH. E como o ângulo DBC é igual ao ângulo FBA, pois cada um deles é reto: seja o ângulo ABC adicionado a cada um; portanto, todo o ângulo DBA é igual ao ângulo FBC. [N.C. 2] E, como DB é igual a BC, e FB a BA, os dois lados AB, BD são iguais aos dois lados FB, BC respectivamente, e o ângulo ABD é igual ao ângulo FBC: portanto, a base AD é igual à base FC, e o triângulo ABD é igual ao triângulo FBC. [1,4] Ora, o paralelogramo BL é o dobro do triângulo ABD, pois têm a mesma base BD e estão sobre as mesmas paralelas BD, AL. [I, 41] E o 'quadrado GB é o dobro do triângulo FBC, pois mais uma vez têm a mesma base FB e estão sobre as mesmas paralelas FB, GC. [I, 41] [Mas os dobros de iguais são iguais entre si]. Portanto, o paralelogramo BL é também igual ao quadrado GB. Semelhantemente, se AE, BK foram unidos, pode-se também demonstrar que o paralelogramo CL é igual ao quadrado HC; portanto, todo o quadrado BDEC é igual aos dois quadrados GB, HC. [N.C. 2]. E o quadrado BDEC está descrito sobre BC, e os quadrados GB, HC sobre BA, AC. Portanto, o quadrado sobre o lado BC é igual aos quadrados sobre os lados BA, AC. Segundo Fiorentini (1995), o que mencionamos até o momento sobre o formalismo, inclusive nas demonstrações do sistema formal computacional e do teorema de Pitágoras, tem raízes fortemente marcadas no formalismo clássico que predominou o ensino, no Brasil, até os anos 50. De acordo com o mesmo autor, as principais características do formalismo clássico no ensino da matemática são: 1. O ensino da Aritmética e da Álgebra é baseado em teorias constituídas de regras prontas, demonstrações, como o exemplo que colocamos acima, deduções de fórmulas e a busca de teoremas e axiomas para fundamentar o conteúdo trabalhado, em Geometria; as verdades são logicamente organizadas. 2. Ênfase no aspecto computacional, visto que a finalidade do ensino pautava-se em desenvolver habilidades computacionais, bem como o desenvolvimento do pensamento lógico dedutivo; sendo assim, o processo ensino-aprendizagem se resumia em transmissão e memorização dos conteúdos; 3. O importante é a teoria, as significações e aplicações, ficam em segundo plano; Conforme com as características mencionadas, verificamos que a corrente formalista clássica é a-histórica e estática, compreendendo a ensino da matemática como transmissão de uma saber pronto e acabado. Se, anteriormente apresentamos uma demonstração com bases marcadas na tendência formalista clássica, acreditamos que seria conveniente apresentarmos um exemplo de demonstração matemática pautada na tendência formalista moderna que se manifestou no Brasil por volta dos anos 60/70. Sendo assim, recorremos novamente, a Davis & Hersh (1996), para representar tal tendência com os axiomas de Zernelo-Fraenkel-Skolem- (teoria dos conjuntos): De acordo com Fiorentini (1995), o uso de axiomas e símbolos matemáticos com ênfase na teoria dos conjuntos é uma das maiores características do formalismo moderno. Entre esta característica citada por Firentini (1995), destacamos: 1. Sistema logicamente estruturado e unificado pela teoria dos conjuntos; 2. Fortemente axiomatizada, dando assim, ênfase aos aspectos estruturais e lingüísticos que fundamentam a matemática. 3. O processo ensino-aprendizagem se resumia em transmissão e memorização dos conteúdos; 4. O processo ensino aprendizagem era baseado na transmissão e assimilação da linguagem e dos processos de sistematização e estruturação lógica da matemática. Segundo Pavanello (2003), um dos problemas que encontramos no processo ensino aprendizagem da matemática, é o formalismo. O formalismo consiste em repetir fórmulas vazias nas aulas, que os estudantes copiam diligentemente para os cadernos, decorando-as na véspera dos exames. Para Vianna (1995), o formalismo se encarrega de desunir a historicidade do processo ensino aprendizagem da matemática, uma vez que, para os formalistas, não há historicidade para ser abordada no desenvolvimento dos conceitos. Neste sentido o formalismo é considerado o suporte da filosofia positivista. 2.3.3 Intuicionismo Deus nos deu os números naturais, o resto, é obra dos homens... (KRONEKER, apud Costa, 1962,p.21) Começamos nossas reflexões e apontamentos sobre a corrente filosófica do intuicionismo com a fala de Kroneker, pois, entendemos que é a melhor maneira de caracterizar o pensamento dos filósofos matemáticos que defendem a corrente Começamos nossas reflexões e apontamentos sobre a corrente filosófica do intuicionismo com a fala de Kroneker, pois, entendemos que é a melhor maneira de caracterizar o pensamento dos filósofos matemáticos que defendem a corrente intuicionista. Segundo Costa (1962), Kroneker com tal afirmação, queria na verdade, mencionar que em matemática, tudo deve ser intuitivo e efetivamente construído pelo matemático (partindo dos números naturais, tidos como claros e intuitivos), sendo que tal edificação significa a uma ação livre da mente. Sendo assim, o intuicionismo na filosofia da matemática, significa uma abordagem matemática de acordo com a atividade mental construtiva dos humanos. Ou seja, qualquer objeto matemático é considerado um produto da construção da mente humana e, portanto, a existência de um objeto é equivalente à possibilidade de sua construção. Para Costa (1971, p. 156): ...a intuição é uma faculdade da mente que conhece imediatamente; isto é, a intuição não depende de qualquer meio para fazer o conhecimento. Em particular, a intuição é independente da razão e da linguagem, (estes elementos passam a ser somente uma ajuda a memória. O resultado da atividade construtiva da mente, porém é conhecido absolutamente certo e evidente (porque construído). Segundo Abbagnano (2003), o termo intuicionismo é utilizado para indicar atitudes filosóficas ou científicas diversas, que tem em comum o uso da intuição no sentido mais geral do termo. Neste caso, a relação imediata com um objeto qualquer, sendo assim considerada por Descartes, como o caminho que leva ao conhecimento. Todavia, quando Abbagnano se reporta a corrente filosófica da matemática, o referido autor faz a seguinte afirmação: ...corrente matemática fundada por L.E.J.Brower, inspirada nas idéias de L. Kroneker (...), ...as teses típicas do intuicionismo de Brower são as seguintes: 1º a existência dos objetos matemáticos é definida pela sua possibilidade de construção(...);2º o principio da terceiro excluído não é válido(...); 3º as definições impredicativas não são válidas. (ABBAGNANO, 2003, p.583) De acordo com Costa (1962), alguns matemáticos, como Poincaré e Weyl, comungaram das mesmas teses de Kroneker, porém mostraram-se menos radicais. Contudo, Brower, um geômatra holandês, resolveu levar as teses de Kroneker ao extremo, elaborando desta forma uma nova corrente filosófica na matemática conhecida como intuicionismo. De acordo com o mesmo autor, Brouwer insiste que a matemática não se compõe de verdades eternas, semelhantes às idéias platônicas. Opondo-se, ele procura demonstrar que o saber matemático escapa a toda e qualquer caracterização simbólica e se forma em etapas sucessivas que não podem ser conhecidas de antemão. A matemática, em resumo, pertence à categoria das atividades sócio-biológicas e se destina a satisfazer certas exigências vitais do homem. Esta atividade pode ser prolongada, mas é pura ilusão querer sintetizá-la em grupo de fórmulas previamente estabelecidas, como pretendem os logicistas e os formalistas, aos quais Brouwer se opõe fortemente. De acordo com os intuicionistas, o matemático não descobre as entidades matemáticas, pois é ele próprio quem cria as entidades que estuda. O matemático intuicionista, enquanto matemático, não se oporá a qualquer filosofia que sustente que o espírito humano, em sua atividade criadora, reproduza os seres de um mundo transcendente, mas considerará semelhante doutrina como excessivamente especulativa para servir de fundamentos a matemática pura. Sendo assim, a matemática, de acordo com o intuicionismo, originou-se, historicamente, da experiência, através dos sentidos. Conforme afirma Körner (1985), os intuicionistas acreditam que a matemática é uma atividade totalmente autônoma e auto-suficiente. Em decorrência disto, os filósofos do intuicionismo, não aceitam como válidas certas demonstrações que tem por objetivo provar a veracidade dos objetos matemáticos (características de outras correntes filosóficas). Sendo assim, Brower defende que os juízos matemáticos são sintéticos, pois é uma construção livre e criativa do espírito humano, e a priori, porque consiste de intuições puras, isto é, intuições destituídas de todo o conteúdo sensorial. Em resumo, a intuição matemática estrutura o material empírico. Ao elaborar desta forma a questão da veracidade matemática coloca-se como um problema interno seu e não como decorrência de sua relação com o mundo exterior. Tal concepção nos remete a Kant, ao procurar justificar as leis matemáticas recorrendo ao espaço e tempo como formas de intuição pura. Desta forma, nos apoiamos em Machado (1985), para exemplificar o que mencionamos no parágrafo anterior: Exemplo: É comum, principalmente em matemática, deduzirmos através do raciocínio que um número y existe, e desta forma, sua não existência implicaria em uma contradição. De acordo com o principio do terceiro excluído, poderíamos então concluir que y existe, já que não temos uma terceira alternativa. Porém, como a afirmação de que y existe, para Kroneker significa que o mesmo foi construído, a demonstração considerada anteriormente não significa nada. Corbisier (1987), ainda afirma que a intuição é um bom instrumento que pode ser utilizado para obter, a partir da observação, possíveis interpretações dos fatos. Enfatiza que a mesma representa um conhecimento imediato, direto da realidade, acreditando-se, então, que o percebido é verdade, sem fazer uso de análises prévias. Contudo, o mesmo autor salienta que deve-se ter cuidado, pois muitas vezes a intuição pode enganar. Confirmando o que foi mencionado, Soares (1995, p. 65) completa: Intuições são aquelas idéias que parecem tão evidentes que são aceitas como verdadeiras, sem questionamentos. Por exemplo, Euclides apresenta, em Os Elementos, livro 1, em seguida às definições e postulados, algumas noções comuns (intuitivas!). Uma delas diz: O todo é maior que a parte . Essa noção comum é uma proposição intuitiva que foi aceita como verdadeira até o século XIX. Neste sentido, tomamos como exemplo os apontamentos de Soares (1995) para ilustrar o que foi mencionado por Corbisier: Exemplo: Considere a soma S de infinitas parcelas: 1+2+3+4+5.....= S, como esperamos, certamente a soma S cresça indefinidamente e nesse caso é exatamente isso que ocorre. Consideremos agora, admitimos a soma R = 1 1 1 1 1 + + + + +... 2 4 8 16 32 Intuitivamente, espera-se o mesmo comportamento da soma S para a soma R. Porém, a soma R resulta em 1. Isto pode ser verificado em parte, com o uso de uma calculadora, aumentando-se suficientemente o número de parcelas. Para Manno (s/d), a intuição matemática consiste nas representações dos objetos matemáticos. Tais representações, são formadas com base em situações empíricas. Como estas contêm apenas processos e grandezas finitas, é natural que a maioria das intuições no contexto infinito seja enganosa. Isso ocorre porque o primeiro juízo dado sobre uma idéia é baseado no que é conhecido e naquilo que já se tem experiência. O mesmo poderá, acontecer com alunos acostumados a efetuarem multiplicações entre números naturais. S=5x5 S = 25 A tendência do resultado desta operação, obviamente, é aumentar. Sendo assim, o resultado será maior que os números que se multiplicam. Contudo, ao solicitarmos que multipliquem números racionais ou decimais, 1 1 1 x = 2 2 4 ou 0,5 x 0,5 = 0,25 verificamos que estes mesmos alunos esperam que o resultado continue aumentando, porém a resposta apresentada é um número menor do que as parcelas multiplicadas. Baseando-se, então no que foi mencionado por Corbisier (1987), Soares (1995) e Manno (s/d), constatamos que mais uma vez, e de acordo com o que ocorreu no exemplo anterior, o pensamento intuitivo driblou os alunos. De acordo com Machado (1993), Brower afirma que a matemática é pura, independente da linguagem especial (lógica) e do formalismo mesmo admitindo que ambos são meros acessórios resultantes de uma atividade autônoma. Desta forma, não admitia em hipótese alguma que um sistema axiomático fosse um instrumento utilizado com a finalidade de transmitir conhecimento. Portanto o conhecimento matemático deveria girar em torno de atividades que conduzissem os alunos a fazerem suas próprias construções Para Costa (1962), a crítica intuicionista com relação à matemática tradicional, tão destrutiva e severa, obrigou os filósofos de outras correntes filosóficas, menos radicais, a desenvolverem métodos novos, na esperança de reabilitarem as teorias clássicas. Um bom exemplo disso é a corrente formalista, que progrediu grandemente motivada pelas polêmicas com o intuicionismo. Segundo Corbisier (1987), a concepção brouweriana quase torna impossível considerar a matemática como ciência, pois insistia demasiadamente nos caracteres intuitivo e construtivo das indagações matemáticas, bem como no papel secundário da linguagem e do simbolismo em geral. Assim, o intuicionismo transforma essas indagações em atividades estritamente individuais. Levando-se a tese intuicionista ao pé da letra, chega-se à conclusão de que, surpreendentemente, cada pessoa tem sua própria matemática (COSTA, 1962). De acordo com Soares (1995), a intuição é um ponto de partida para o acesso à realidade. No entanto, é desejável fazer uso do raciocínio dedutivo (da formalização), para fundamentar e complementar as conclusões de um pensamento intuitivo. Prova disso, é que muitas teorias, como por exemplo, a geometria euclidiana, tiveram seu ponto de partida em conceitos intuitivos. Descartes (apud, SOARES, 1995, p.66), em O Discurso do Método, estabelece alguns preceitos metodológicos e dentre estes, afirma que, a intuição, unida ao método dedutivo, serve de critério universal para estabelecer ou não a evidência de um fato. Diz ele: O primeiro (preceito) era de jamais receber alguma coisa por verdadeira se eu não a conhecesse evidentemente ser tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de não compreender nada a mais em meus juízos do que se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito que eu não tivesse ocasião alguma de o pôr em dúvida. Na verdade, Descartes propõe o uso de um método, cujo mecanismo assegura o emprego adequando da razão, aliando duas importantes atividades intelectuais: a intuição e a dedução. (SOARES, 1995) Para Körner (1985) e Machado (1985), freqüentemente nos deparamos com o desejo de combinar as intenções intuicionistas, com a precisão formalista. No entanto, uma das conseqüências desta mútua interação é que a nítida divisão dos matemáticos e filósofos em logicistas, formalistas e intuicionistas, tende a perder muito do seu valor e tornar-se mais um artifício pedagógico. Com relação ao pensamento de Körner (1985), Machado (1985) e Soares (1995), afirma que é desejável estabelecer uma compreensão intuitiva dos conceitos antes de expor a definição formal destes. Com isso, possibilita-se ao aluno que deixe seu raciocínio fluir, completando-o com o raciocínio dedutivo. Desta forma, é possível dizer que as idéias intuitivas formam a etapa inicial do raciocínio. Isto posto, é fundamental estar atento para o fato de que, numa primeira etapa, as idéias intuitivas devem ser submetidas ao processo de formalização, que é o caminho para se decidir sobre o grau de veracidade da intuição, dentro do contexto em que ela é considerada. Ou seja, é fundamental estabelecer e formular, juntamente com os princípios próprios da teoria à qual a intuição fornece de algum modo a matéria inicial, os princípios formais pelos quais será explorado esse fornecimento inicial. Desse modo, a formalização, mesmo parecendo apenas um jogo, enquanto age de acordo com determinadas regras, é um bom método para desvendar as instituições. O uso da intuição é verificado no trabalho de Bassanezi (1994), ao utilizar do raciocínio indutivo, para chegar a um modelo matemático que justificasse a distância necessária e exigida no momento do plantio, entre os pés de batatas. Tal idéia é compartilhada por Cardoso (anotações durante as aulas de análise matemática no curso de especialização), quando diz que o princípio da indução matemática pode nos auxiliar na procura do modelo matemático que representa, por exemplo, a soma dos n primeiros números ímpares: Os números ímpares formam a relação: 1 + 3 + 5 + 7 + 9 .... = ? Onde: a1 = 1 an = 2n Sn = (a1 + an) . n 1 Sn = ( 1 + 2n 2 1).n Sn = 2n2 2 Sn = n2 2 Segundo Davis & Hersh, a matemática intuicionista corresponde à categoria experimental do conhecimento matemático, podendo ser representado pelo seguinte esquema: Mundo Físico Modelagem matemática do mundo Transformação e operações matemáticas Aplicações ao Mundo Físico O que acabamos de explicitar, são algumas formas de identificar o intuicionismo, na prática pedagógica do professor de matemática. Não pretendemos, aqui, apresentar conceituações definitivas sobre a concepção intuicionista para o ensino da Matemática, porém, refletir algumas considerações sobre o conceito de intuição e seu uso na educação Matemática. 3 AULAS DE MATEMÁTICA: QUE FILOSOFIA ? Antes de começarmos as explanações referentes às observações das aulas de Matemática, achamos conveniente que fizéssemos alguns comentários com relação à escola em que se realizou a pesquisa. Assim sendo, estaremos destacando as principais características da escola, (localização, fundação, concepções de ensino aprendizagem explicita no PPP, etc...), para que posteriormente, frente à análise de dados possamos traçar alguns encontros e desencontros com relação à proposta de ensino (teoria) e a ação pedagógica (prática docente), um dos aspectos do nosso objeto de estudo. 3.1 Caracterização da escola A Escola de Educação Básica João Dagostim é uma escola pública estadual, localizada no bairro Quarta Linha no município de Criciúma. Atualmente, a escola conta com 769 alunos, distribuídos nos seguintes cursos: Ensino Fundamental (1ª a 8ª série) e Ensino Médio (1º, 2º e 3º ano). O Ensino Fundamental funciona nos turnos matutino e vespertino, com matricula atual de 558 alunos e o Ensino Médio, no período noturno, com um total de 211 alunos. A matricula da escola prioriza aqueles que residem ou trabalham na área geográfica onde o colégio esta localizado. O quadro efetivo de docentes é composto por vinte e cinco professores. Todos com formação de nível superior, e destes, dezenove possuem curso de especialização (pós-graduação). Os demais professores, (treze) são admitidos em caráter temporário. Além destes, a escola possui uma diretora geral e uma diretora adjunta, uma secretária e seis merendeiras / serventes. A Escola de Educação Básica João Dagostim, tem uma história de 99 anos. Começou modestamente com uma sala de aula e somente no ano de 1977 foi transformada em Escola Básica com o nome que mantém, até os dias de hoje, homenageando uma pessoa da comunidade. O Projeto Político Pedagógico da escola vem sendo elaborado ao longo dos últimos dez anos. Antes disso, já havia um regimento escolar e da mesma forma um planejamento de conteúdos. A partir de 1996, com um evento chamado de DIA D , a escola iniciou uma série de discussões envolvendo suas necessidades. Foram abordadas questões relacionadas com aspectos físicos e pedagógicos, sendo que o segundo item foi mais enfatizado. Fizeram parte do projeto algumas etapas fundamentais, tais como: discussão das necessidades, elaboração propriamente dita, execução e avaliação. O referencial teórico seguido pela escola, baseia-se na Filosofia do materialismo dialético e na teoria científica do materialismo histórico, cujas concepções de homem, (partindo do pressuposto de que tudo o que diz respeito à condição humana tem origem nas relações sociais), sociedade (síntese das relações sociais de produção produto e produtor dela) e educação (processo de humanização do homem em uma sociedade), entendem que os seres humanos fazem a sua história num mesmo tempo em que são determinados por ela . (MARX, 1978, apud PPP) No que se refere à concepção pedagógica, a escola pretende seguir a abordagem Histórico-Cultural, (o termo pretende está entre aspas, porque os próprios professores admitem que a prática pedagógica está distante do que foi idealizado). Ainda com relação à prática pedagógica, os professores e os gestores se reúnem no inicio do ano letivo para delinear os objetivos a serem alcançados. A partir daí, são realizados encontros com certa freqüência para discussão das atividades desenvolvidas em sala de aula e na escola, e encontros trimestrais para elaboração das atividades de aprendizagem que compõem o projeto interdisciplinar desenvolvido a cada trimestre. A diretora da escola salienta a cada encontro que são poucos os professores que se dedicam ou se interessam no aprofundamento teórico, de forma espontânea. Os espaços pedagógicos se articulam da mesma forma, na espontaneidade, em relação aos conceitos que estão sendo desenvolvidos. A escola vê o saber científico como decorrência de uma boa proposta pedagógica e de fatores externos (sociais). Consta no Projeto Político Pedagógico que apropriação de novos conceitos se faz necessária para a evolução da humanidade. A diretora da escola, nas reuniões pedagógicas, deixa claro que a produção do conhecimento, nesta escola, se efetiva parcialmente, pois muitos são os profissionais que confundem mera informação com apropriação de conceitos. Os alunos são avaliados através de testes, trabalhos e demais atividades desenvolvidas no decorrer dos bimestres. Ainda com relação à produção de conhecimento, a diretora, Iracema Rosso de Souza, em uma das reuniões pedagógicas desabafa: ...a produção de conhecimento se reverte no maior problema de uma escola, quando se vive em conflito e não conseguimos encontrar mecanismos suficientes que nos permitam alcançar nossos objetivos, quando estes mesmos objetivos não coincidem com os manifestados pelos alunos, quando não conseguimos pensar uma forma de utilizar o que o aluno traz e sim somente o que achamos que se faz necessário: é como se o aluno nunca soubesse nada... . Tal manifestação expressa que há algo estagnado na prática docente dos professores da escola que precisa ser rompido. A estagnação tem seus valores e concepções que precisam ser estudados e entendidos para que se possa fazer algo. 3.2 Primeira Aproximação Após terminarmos o pré-projeto de pesquisa, (que serviu como requisito parcial para aprovação na disciplina do professor Ricardo Luiz de Bitencourt Metodologia e Método da Pesquisa em Educação) e do contato com o orientador (professor Dr. Ademir Damazio), algumas questões, como, por exemplo, contato com a escola, conversa com as professoras que fariam parte da pesquisa, turmas que seriam observadas, etc..., começaram a exigir providências. Sendo assim, no mês de julho de 2004, por meio de conversas informais, solicitamos autorização para as colegas de escola, (J, professora de 5ª a 8ª série do ensino Fundamental e A, professora do 1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio), para que observássemos algumas de suas aulas, com a finalidade de responder a questões pertinentes às atividades da pós-graduação (especialização). É necessário enfatizar que, inicialmente, não contamos que seria a pesquisa da monografia, pois preferimos evitar acanhamentos. Salientamos, da mesma forma, que não utilizamos questionários como instrumento para coleta de dados, em primeiro momento, porque não estávamos medindo o conhecimento das colegas referente à filosofia da educação matemática. Por outro lado, não gostaríamos que as profissionais manifestassem qualquer constrangimento por acreditarem que estavam sendo avaliadas ou analisadas. Não combinamos nada, conforme a oportunidade estaríamos presentes nas aulas. Na mesma semana, a professora J precisou se ausentar da escola e aproveitamos a ocasião para substituí-la. Estava estabelecido o primeiro contato com os alunos. Eram duas turmas, uma sétima e uma quinta série. Inicialmente, não foram feitas anotações, pois queríamos verificar quais os conteúdos estudados, as manifestações dos alunos, as dificuldades apresentadas e como se comportavam frente às dúvidas apresentadas nas aulas. Naquele mesmo dia, a professora A tinha cinco aulas no período noturno. Aproveitamos a ocasião e nos fizemos presentes em algumas delas. Após o final das aulas, confesso que me sentia perdida, sem saber que rumo tomar. Na sétima série, o conteúdo estudado era grau de polinômios, os alunos demonstravam tamanha confusão. Na quinta série, resolução de problemas, ninguém se entendia. No ensino médio 1º ano, função polinomial do segundo grau (quadrática), os alunos estavam mais calmos, algumas dúvidas foram manifestadas, a professora fez algumas intervenções e logo em seguida a aula terminava. Após algumas reflexões, concluímos que nos faltavam leituras que pudessem servir de embasamento para nossas observações. Decidimos então, dar início à fundamentação teórica e, desta forma, determinamos que começaríamos a fazer novas observações em agosto, no retorno das férias. 3.3 Acompanhamento das aulas Observações, investigações, dúvidas Que Filosofia é esta? Quando retornamos das férias, iniciamos as observações. Porém, preferimos escolher somente uma turma do ensino fundamental (sétima série) e outra do ensino médio (1º ano). Começamos nossas observações com a sétima série. A professora J, foi para sala de aula e, em seguida, fomos ao seu encontro. No quadro verde estavam as seguintes figuras: 1 A = X . X = X2 X X A=X.1=X 1 A = 1.1= 1 X 1 Observamos que a professora J, estava estabelecendo uma relação entre as áreas encontradas nas figuras geométricas com a representação de adição de polinômios. A lei era a seguinte: figuras azuis sinal positivo figuras vermelhas sinais negativos A alerta era de que: não se poderia somar figuras diferentes, pois estas não representam a mesma área; figuras com cores diferentes, se anulam. Terminada a explicação, a professora propôs uma série de atividades para que os alunos resolvessem em aula. A atividade era a seguinte: 1) Represente geometricamente os seguintes polinômios: (citamos somente a questão a, pois as demais são similares) a) 2x2 + 3x + 5 A resposta de grande parte dos alunos foi esta: 1 X² X² X X X 1 1 1 1 Não precisou de muito tempo para que os alunos completassem as atividades com êxito. Então a professora J colocou a seguinte questão no quadro verde: 2) Qual o polinômio resultante da adição representada abaixo: + O número de acertos havia diminuído, com relação à atividade anterior. Observamos que algumas dúvidas começaram a surgir, porém se referiam as operações com números relativos. Com relação a este fato, Kline (1976), comenta que ao formar matemática construtivamente, o principio genético se manifesta útil como um guia. Este princípio diz que a ordem histórica é geralmente a ordem certa e que as dificuldades experimentadas pelos próprios matemáticos são justamente as dificuldades que os estudantes experimentarão. Nisso inclui-se principalmente os números irracionais, negativos e complexos. A aula chega ao final. Saímos conversando sobre o assunto. A professora J nos confessava que ainda se sentia um pouco insegura ao trabalhar polinômios representando-os geometricamente. Percebemos nela certo constrangimento. Sendo assim, perguntamos se incomodávamos ou atrapalhávamos o desenvolvimento das aulas ao que ela respondeu negativamente. De acordo com os fatos ocorridos já na primeira aula com J, verificamos a importância de salientar que a referida professora estava fora da sala de aula por mais de dezesseis anos. Nesse período, ocupava o cargo de diretora da escola. Outra questão que não podemos perder de vista é que as aulas das duas turmas de sétima série do período vespertina eram ministradas pela professora em questão, e nas sétimas séries do período matutino, somos nós os mediadores do processo de ensino aprendizagem. Na aula seguinte, a minoria dos alunos demonstrou interesse em responder a questão proposta na aula anterior. A professora começou a desenhar as figuras geométricas no quadro verde com o objetivo de dar início às explicações. Neste momento, um aluno pede para fazer a atividade no quadro e a professora permite. O procedimento adotado pelo aluno foi o seguinte: + Resposta: 7x2 3x 2 A professora perguntou: Profª : Como obteve a resposta? Aluno: Cancelei todo positivo com o negativo. Profª: O que significa cancelar? Aluno (já parecendo arrependido de estar ali): cancelar..., acho que é anular... Profª: E com as figuras da mesma cor, o que você fez ? Aluno: Somei porque tinham a mesma cor... A professora pediu ao aluno que sentasse, perguntou aos demais alunos da turma se apresentavam alguma dúvida. Como não responderam nada, começou a passar mais atividades no quadro. A atividade era a seguinte: 3) Utilizando as figuras, faça a adição de polinômios abaixo, transformando-os para a forma algébrica e em seguida encontrando o seu valor numérico, conforme o valor de x em cada questão. a) + Para x = 2 Colocamos como exemplo somente um item da atividade proposta, pois as demais apresentavam as mesmas características desta. Chamou-nos a atenção o fato de que ao trabalharem do geométrico para o algébrico (intuição para formalização) os alunos não manifestavam dúvidas. Porém, no momento em que tinham que calcular o valor numérico da expressão, quando x=2 (algébrico para o aritmético), não conseguiram chegar na resposta. Lembramos, nesta ocasião da fala de Costa (1971, p.156), quando menciona: ...a intuição é uma faculdade da mente que conhece imediatamente; isto é, a intuição não depende de qualquer meio para fazer o conhecimento. Em particular, a intuição é independente da razão e da linguagem, (estes elementos passam a ser somente uma ajuda à memória). O resultado da atividade construtiva da mente, porém é conhecido absolutamente certo e evidente (porque construído). Sendo assim, não é difícil de perceber que os alunos utilizaram a intuição na busca de respostas aos exercícios propostos. Mas, ao se depararem com uma atividade formalizada que exigia conhecimentos matemáticos, não conseguiram discernir o resultado esperado. O intuicionismo na filosofia da matemática significa uma abordagem à matemática de acordo com a atividade mental imediata e construtiva dos humanos. Desta forma, não objetiva conduzir os alunos às múltiplas significações dos conceitos. Verificamos, então, que atividade mental imediata, ou seja, a intuição poda o desenvolvimento do pensamento matemático, visto que este se fundamenta em reflexões e pensamentos profundos que não se limitam aos imediatos. O que mencionamos, anteriormente, não quer dizer que as atividades desenvolvidas com figuras geométricas são indicadas como errôneas, porque conduzem os alunos ao pensamento intuitivo, mas sim porque não se verifica a apropriação de conceitos em sua totalidade. Na aula seguinte, a professora J propôs o inverso, ou seja, a atividade consistia em passar do algébrico para o geométrico. Os alunos não manifestaram dificuldades. Nas aulas que se seguiram, verificamos que os estudantes apresentavam mais segurança em adicionar e subtrair polinômios sem a ajuda das figuras geométricas. Podemos, então, inferir que tais estudantes chegaram a concretizar o processo de formalização. Ou seja, fazer uso de símbolos e regras aleatoriamente, sem compreender as significações matemáticas envolvidas no processo. Porém, quando a professora J começou a ensinar multiplicação de polinômios, a história começou a mudar de rumo. A professora J começou a aula com as seguintes figuras geométricas, dispostas no quadro: Como: x2 = x= 1= A atividade consistia no seguinte: Ao prolongarmos as extremidades de cada figura, fazendo com que as mesmas se encontrem obteremos a resposta da multiplicação dos polinômios, através das figuras formadas no cruzamentos de ambas projeções. Logo, a resposta da multiplicação de 2x. (2x + 3) = 4x2 + 6x O resultado foi, momentaneamente muito bom, pois todos os alunos conseguiam multiplicar polinômios geometricamente. Com o desenrolar das aulas, sem o auxilio geométrico, pouquíssimos chegaram a respostas satisfatórias. Neste sentido, percebemos que o processo de formalização não se concretizou, muito menos a apropriação de significação de conceitos. Para Kline (1976), ensinar intuitivamente não é tarefa indicada, porém, no hábil emprego do processo de descoberta, despertamos no aluno o prazer da realização. Além disso, colaboramos para que os mesmos encontrem um resultado independente dos meios. Contudo, esta descoberta não bastará por muito tempo. A prova dedutiva é o que viabiliza a aceitação de um resultado para o corpo da matemática. Sendo assim, se a mesma não se concretizar, (formalização), voltamos à estaca zero. Continuamos nossas observações, agora no 1º ano do Ensino Médio, com a professora A. Não podemos deixar de apontar que em todos os momentos que conversávamos com a professora J, a professora A, estava presente. Isto se deve principalmente por termos atividades de aprendizagens em comum, (éramos professoras do 1º ano do ensino médio no turno matutino turma especial). Quando entramos na sala de aula a professora já havia começado a passar atividades. O conteúdo era função polinomial do 2º grau. Uma atividade que nos chamou a atenção foi a seguinte: 3) Encontre os zeros de cada uma das funções, em seguida, classifiqueas em polinomial do 1º grau ou quadráticas. Logo após, construa seus respectivos gráficos: Na questão d , ocorreu o seguinte fato: d) f(x) = x2 x2 4 4=0 x2 = 4 x= O aluno pergunta: 4 x=±2 Aluno: Professora porque a resposta é ± 2 ? A professora responde gentilmente: Profª: Por que (-2)2 = 4 e da mesma forma 22 = 4. A esta observação, chamamos de formalismo vulgar, por se tratar de uma formalização simplória, ou seja, que não exige e não faz uso do rigor das provas axiomáticas. O procedimento formalista correto a ser adotado para explicação ao aluno seria: f(x) = x2 x2 4 4=0 ( x + 2 ) . (x x = -2 2) = 0 x = +2 Ainda em cada passo ou afirmação seria ideal justificar indicando a propriedade ou a definição utilizada. Da mesma forma, surpreendemo-nos ao verificar que os alunos, objetivando encontrar os zeros da equação de primeiro grau, procederam da seguinte forma: c) f(x) = 3x - 12 3 12 ² 4.( 3 ).0 2 .1 3 x´= 3 12 2.1 144 0 2 .1 9 2 e x´´= 15 2 Os alunos procuraram os zeros de uma equação do primeiro grau, com os procedimentos formais utilizados para resolver uma equação do segundo grau. Isto nos mostra que tais alunos, não compreendem o sentido da palavra Grau de uma equação. Uma definição, bastante formal, porém exata, seria a seguinte: O grau de uma equação é indicado pelo maior expoente da incógnita e indica o número de raízes que possui. Assim: * A equação x2 4 = 0, constitui uma equação polinomial do 2º grau, pois x apresenta grau 2, sendo assim, possuirá duas raízes; * A equação 3x 9 = 0, constitui uma equação do 1º grau, pois x apresenta grau 1, sendo assim, possuirá uma raiz real. Segundo Costa (1962), o método axiomático encontra aplicação prática em toda a matemática, constituindo-se hoje, na técnica básica desta ciência. O formalismo, em poucas palavras, deseja transformar o método axiomático, de técnica que é, na essência mesma da matemática. Moisés (1997) afirma que, embora no campo da Educação Matemática se debatam novas propostas para um ensino de Matemática que proporcione realmente seu aprendizado, no Ensino Fundamental e Médio, uma quantidade enorme de informações é ainda despejada sobre os estudantes como se os mesmos fossem seres desprivilegiados de raciocínio e capacidade de pensar. Esse tipo de prática pedagógica, que é adotada quase que unanimemente nas escolas, tem o efeito perverso de oferecer e fortalecer uma única concepção de ensino (positivista/formalista). Algumas aulas se passaram e nós continuamos observando-as atentamente, na busca de informações que contribuísse significativamente com nossa pesquisa. Entre alguns intervalos, mantínhamos conversas que denunciavam a decepção dos resultados obtidos com relação à aprendizagem dos alunos durante o ano letivo vigente. Aproveitamos a oportunidade para confessarmos às colegas que a pesquisa em foco se tratava da monografia de pós-graduação. Tanto a professora J, quanto a professora A, confessaram o desencanto pela profissão em seus discursos. Algumas destas falas demonstraram importância incalculável para nossa pesquisa. A professora J mencionou o seguinte: Profª: ...eu tento, mas não sei mais o que fazer. Procuro atividades diferenciadas, não agüento mais carregar tantos livros. Não sei, acho que desaprendi de dar aula, ou sei lá, talvez nunca tenha aprendido... A outra professora completa afirmando: Eu também tento, tô sempre correndo atrás, me dedico sempre que posso, ás vezes chego a ficar até as 2:00h da manhã preparando atividades e tentando encontrar uma maneira de fazer esses alunos aprender. Parece que falta alguma coisa nas aulas. Tenho a impressão que elas estão sempre incompletas. No tempo em que nos formamos, não tínhamos as informações que hoje o pessoal mais novo tem . Neste momento, uma série de lembranças me ocorreram durante minha formação discente. Acreditávamos que tínhamos encontrado um dos personagens principais responsáveis pelo caos da educação desde muitos tempos, até a atualidade: a formação dos professores. Isto mesmo, aquela formação marcada pela extrema linearidade positivista incutida a muito em nossa sociedade e impulsionada pelo método rigoroso de Descartes, desde o século XVI / XVII. Cabe-nos, desta forma, as seguintes perguntas: Como tentar fugir desta linearidade, que se apresenta nas reuniões pedagógicas da escola, nos projetos interdisciplinares, nas atividades de aprendizagem e inclusive nos cursos de capacitação de professores? Como casar teoria, (que também se manifesta com falhas, desde o Projeto Político Pedagógico até a Proposta Curricular), com a tão sonhada prática pedagógica constituída de sólida fundamentação teórica alicerçada em pressupostos filosóficos coerentes de forma que não vise à educação como elemento de hierarquia social? Um(a) professor(a), certamente gostaria de transcender sua prática pedagógica pela construção de um referencial teórico norteador de suas atividades escolares. Porém a efetivação do desejo, tropeça na falta de tempo disponível para percorrer calmamente uma reflexão continuada. A sociedade bloqueia o professor no caminho a ser percorrido em busca de sua profissionalização como intelectual, quase que o obrigando a ser um mero repassador de conteúdos e impedindo-o de participar do exercício da pesquisa. Percebe-se, então, como a prática pedagógica enfadonha, ao lado de outros fatores, impede que a maioria dos professores das escolas públicas adquirir uma visão intensa e plena sobre os aspectos psico-pedagógico-culturais de seu trabalho. Por sua vez, esta falta de visão não lhes permite elaborar propostas cientifico-didáticas praticáveis para superar as dificuldades, deficiências e impropriedades encontradas no ato pedagógico de ensinar. 4 CONCLUSÃO Nesta pesquisa, apresentamos nossas entendimentos que duas professoras de Matemática investigações acerca dos uma do Ensino Fundamental e outra do Ensino Médio - apresentam com relação ao ensino de Matemática e a formação de professores, tendo como base algumas concepções de Filosofia da Educação Matemática. Nossas observações foram feitas em duas turmas, uma do Ensino Fundamental (7ª série), com a professora J e outra no Ensino Médio (1º ano), com a professora A, durante o terceiro bimestre do ano letivo de 2004. Para que pudéssemos analisar os dados obtidos, nos apoiamos em Bicudo, Garnica e Miguel (2003), quando afirmam que a Filosofia da Educação Matemática se refere a uma abordagem filosófica da educação matemática, que nos permite avaliar intenções, finalidades, propósitos e valores subjacentes à educação matemática, tematizando criticamente seus objetos, objetivos, métodos, a sua significação e relevância social. Em reuniões destinadas ao planejamento de atividades de aprendizagem procurávamos fazer do questionamento um fato sempre presente. Para nós, questionamento , significava perguntar-se: Como ensinar?, O que ensinar?, Qual o significado disso, (a matemática), para o aluno? Durante as aulas de Matemática, apesar de todos os esforços para promover o abandono à pedagogia fundamentada numa formalidade, (que preferimos chamar de formalismo vulgar, pois não apresenta axiomas ou postulados para provar as verdades matemáticas), verificamos que posturas e valores, próprios da filosofia positivista insinuam-se, são reproduzidos, fortalecidos e legitimados. A realidade da sala de aula mostrava-se com estranheza. As atividades preparadas tomavam formas diferentes ao serem aplicadas na prática da sala de aula. Na escola, parece ser natural que a forma de argumentação utilizada para garantir a validade do conhecimento matemático seja, na maioria das vezes, a demonstração formal. Percebemos, desta forma, como a prática pedagógica rotineira , impregnada da formalidade vinda da filosofia positivista, impede que os professores adquiram uma visão global sobre os aspectos pedagógicos e sociais do seu trabalho. Esta falta de visão, não lhes permite elaborar propostas de atividades pedagogicamente favoráveis para superar as dificuldades, deficiências e impropriedades, encontradas na prática pedagógica. Ficou evidente, então, que não adiantava prepararmos inúmeras atividades com vistas a uma metodologia que não comungava com a filosofia e a concepção de ensino que as professoras apresentavam. Não bastava querer se inserir numa concepção pedagógica, sem acreditar, apostar, defender e, sobretudo, lutar por ela. É como uma filosofia de vida, que você defende e mantém porque é assim que você prefere e gosta de viver. Verificamos, então, que a impregnação de uma formação linear, não permitiu que as professoras, mesmo com muito esforço, delineassem um caminho pedagogicamente articulado, que as permitissem, aos poucos, se libertarem de um método ou de uma forma de ver a ciência imposta para a sociedade desde o século XVII, (Discurso do Método René Descartes). Não seria nenhuma surpresa, desta forma, anunciar a presença marcante das correntes em filosofia da matemática nas atividades pedagógicas desenvolvidas em sala de aula. Tudo se combinava, a linearidade explicita na formação das professoras, e a filosofia formalista e intuicionista que se evidenciava a cada atividade. Ambas frutos do mesmo pomar . Cabe-nos apontar, que não estamos criticando ninguém, na verdade estamos analisando os fatos, apontando concepções de ensino, traçando um perfil da formação na qual também somos vítimas. Afinal, o sistema e a metodologia no domínio da educação têm se caracterizado por um processo consistindo em fornecer respostas a questões que jamais foram postas pelos participantes. Um processo imitativo e acrítico no qual as respostas não são produzidas a partir da reflexão de um indivíduo, ou grupo deles, sobre sua ação em uma dada realidade. Assim sendo, esse processo e suas respostas ignoram a característica diversa e multiforme da realidade e incorrem, geralmente, no erro de identificar método e modelo. Os professores de matemática apontam as suas dificuldades no enfrentamento das questões que não satisfazem seus ideais a respeito da relação com seus alunos e a conseqüente aprendizagem. Eles têm consciência de que há algo errado e até buscam alternativa de apresentação de conteúdos para seus alunos como, por exemplo, ensinar operações de polinômios com figuras retangulares. No entanto, revelam uma certa ingenuidade em acreditar que aquele ato daria resposta imediata as suas angústias. Não há um entendimento de que subjacente àquela apresentação de conteúdo, aos alunos, existe uma concepção de matemática, de ensino e de aprendizagem que penetra com a maior facilidade nas concepções já arraigadas. Portanto, não oportuniza a problematização do real pedagógico estabelecido a luz de algo teoria - já assumido com conhecimento de causa. Fica evidente que é a característica externa da ação de expor um conteúdo que proporciona aprendizagem do aluno e a conseqüente superação dos problemas a que ela veio. Questões internas da matemática e do processo pedagógico são despercebidos pelos professores. Para estes, a matemática é um todo inquestionável. De modo algum admitem que os fundamentos da matemática estão constantemente sendo colocados em xeque a ponto de emergirem explicações filosóficas para apagar o incêndio. Assim formalismo, logicismo e intuicionismo não fazem parte do vocabulário e, conseqüentemente, do referencial teórico dos professores. Nesse contexto produzido, historicamente, gerou-se professores com convicções acirradas e, contraditoriamente, geradora de ingenuidade teórica que os levam a viver pedagogicamente sempre em estado de angústia e de impotência. É impossível, pois, não fazer o questionamento: Então, os professores de matemática vivem num obscurantismo que impede de entender as múltiplas determinações da sua docência? A resposta a ser construída, na certa, exigirá estudo futuro mais aprofundado. Porém, nada impede de apontarmos as possibilidades de uma pedagogia que contribua para crítica efetiva dos sujeitos sobre o processo de significar e ressignificar conceitos. Tal pedagogia deveria fundamentar-se numa concepção que recupere o sentido social, humano e solidário do ato de conhecer. Precisamos sair da menoridade, como sabiamente afirmava Kant. Para isso, precisamos acreditar que - antes do educador instituir objetivo ou atividade teórica ou prática em que a finalidade seja o ensino da matemática - o educador precisa saber responder as questões filosóficas sobre a natureza e a finalidade da ciência que fundamenta a disciplina que leciona e da educação. Só assim, estará alerta paro fato de que o modo como é manifestado o fazer educativo, pode estar colaborando para a formação de um indivíduo com ideais transformadores ou pode ser também a reprodução da alienação. (DUARTE, 1993) Diante desse contexto de consciência frágil a respeito das questões sobre a matemática e de seu ensino, adotamos como tema do nosso projeto de mestrado as concepções de educação e de filosofia da educação matemática inseridas no contexto da formação de professores durante sua formação universitária. Isso significa dizer que desponta uma nova etapa da presente pesquisa que se edificará nas reflexões sobre a prática pedagógica no ensino superior, com um olhar da filosofia da educação matemática. REFERÊNCIAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ALENCAR FILHO, Edgard de. Iniciação à lógica matemática. 10 ed. São Paulo: Nobel, 1978. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. 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