Baixar este arquivo PDF - Portal de Periódicos Científicos do Grupo

Propaganda
Junho 2013
[PERIÓDICO CIENTÍFICO OUTRAS PALAVRAS]
Democracia Antiga e Sociedade Atual
Júlio Lopes Hott
Resumo
Este artigo tem por objetivo estudar as democracias antigas, especialmente as grecoromanas, haja vista elas fundamentarem historicamente o sistema de governo do Mundo
Ocidental. Visa entender suas influências econômicas, sociais, ideológicas, filosoficas,
culturais e, principalmente políticas, na sociedade atual para verificar se a democracia no
mundo globalizado é uma realidade, utopia ou apenas um processo em evolução. A história
democrática não possui um desenvolvimento progressivo e linear até chegar ao estágio atual
e, para compreendê-la melhor, temos que partir da realidade passada e tentar projetar o
seu desenvolvimento futuro.
Palavras-chave: Democracia. Autonomia. Liberdade. Igualdade.
Abstract
This article focuses on studies the ancient democracies, especially the Greco-Roman,
considering they historically substantiate the system of government of the Western World.
Seeks to understand their influences economic, social, ideological, philosophical, cultural and
especially political, in modern society, to verify whether democracy in a globalized world is a
reality, utopian or just an evolving process. The story democratic does not have a progressive
and linear development up to the present status and to understand it better, we have from
the past reality and try to design its future development.
Keywords: Democracy. Autonomy. Freedom. Equality.
1 Introdução
As democracias greco-romanas significavam o povo submetido ao poder por sua própria
escolha. Tais culturas fixaram uma definição de democracia como o poder de tomar decisões
vinculativas para todos, exercido pelo povo, mediante a soma de livres escolhas individuais,
ou seja, mediante a igualdade e a liberdade. O pressuposto da democracia antiga é o
indivíduo como sujeito de vontade racional, considerando como racional a capacidade de
reconhecer como própria a vontade geral, uma vez que contribui como cidadão para sua
formação. Historicamente tais democracias fundamentaram todo o sistema de governo do
moderno mundo ocidental. A história democrática não possui um desenvolvimento
progressivo e linear até chegar ao estado atual. Ela possui períodos altos e baixos e ainda
não está pronta, mas continua em processo de formação assim como o de um diamante,
desde sua origem bruta até chegar ao seu produto final após ter passado por altíssimas
pressões e milhares de anos.
Periódico Científico Outras Palavras | v.9 | n.1
22
Junho 2013
[PERIÓDICO CIENTÍFICO OUTRAS PALAVRAS]
O objetivo primordial deste estudo é analisar as democracias nas sociedades antigas
buscando trazer para os dias atuais os conceitos que as fundamentaram, sobretudo visando
verificar a construção do sistema de governo naquela época embrionária e qual foi sua
influência no Mundo Ocidental. Por conseguinte, suscitar a seguinte questão-problema:
democracia no mundo globalizado, uma realidade ou apenas um caminho?
Vivemos no Mundo Ocidental e sabemos que nossas raízes culturais estão na cultura grecoromana e que ainda convivemos, senão toda, mas com boa parte desta realidade passada
que construiu o nosso presente e, por isso, tudo que diz respeito àquelas culturas nos
interessa. Devemos, portanto, tentar extrair algum ensinamento para melhorar nossa
realidade e continuar construindo o que se denomina processo histórico da democracia.
Adotamos com parâmetro as sociedades grego-romanas e, apesar de ambas serem
escravistas, a primeira permaneceu ligada à concepção de polis. Essa concepção teve maior
influência na construção do conceito de governo do povo e, por isso, será tratada com
predominância neste artigo. Enquanto a segunda realizou a concepção de império e, devido
sua extensão territorial, teve preponderância na construção do conceito de república, que
era tratado como sinônimo de democracia.
Tratando-se da democracia moderna, somada ao aspecto político-democrático herdado dos
gregos e romanos, as práticas políticas européias proporcionaram uma base para o
surgimento da democracia. Entre os proponentes de uma democratização maior, as
descrições de governos populares na Grécia Clássica, na Roma antiga e nas cidades italianas
às vezes emprestavam maior plausibilidade à sua defesa.
Robert Dahl (2001, p.32) analisando a democracia antiga afirma que a democratização não
vingou nesses períodos em razão de quatro pontos: faltava igualdade social entre homens
livres, o que destruía a lógica da igualdade; Não existia poder suficiente nas assembléias ou
nos parlamentos para se firmarem perante um rei; Não representavam todo o povo,
faltando as mulheres serem representadas; e a falta de compreensão e compartilhamento
pelos cidadãos e representantes da idéia democrática. Contudo essas experiências históricas
demonstraram que os governos sujeitos à vontade do povo eram mais do que esperanças
ilusórias. Elas aconteceram realmente e duraram muitos séculos; valia à pena tirar proveito
delas.
2 O conceito de democracia
Aristóteles entendia a democracia como forma degenerativa da república, assim como a
oligarquia e a tirania seriam manifestações depreciativas da aristocracia e da monarquia.
Para o estagirita a democracia seria o “governo dos pobres ou das pessoas pouco
favorecidas”. Já sustentava que não se devem, como costumavam fazer certas pessoas,
definir simplesmente a democracia como o governo em que a maioria domina.
Em Atenas o povo se reunia em assembléia em praça pública, ou como era mais conhecida
na Ágora, para exercer o seu poder e direito político de forma direta, ou seja, decidia-se
pessoalmente sobre todas as questões públicas importantes para a nação. Nesta época os
intelectuais desaprovavam a democracia; O filósofo grego menospreza o termo, referindo-se
Periódico Científico Outras Palavras | v.9 | n.1
23
Junho 2013
[PERIÓDICO CIENTÍFICO OUTRAS PALAVRAS]
a democracia com certa prevenção e descaso: dizia que democracia é sinônimo de povo e
estes são muitos, sendo então um governo democrático governado por pobres. (FINLEY,
1988, p. 26)
Esse mal estar conceitual, reservava a participação política, tanto em Atenas como em
Esparta, apenas aos cidadãos e nacionais. O modelo explicitava xenofobia, qualificada por
hostilidade para com o estrangeiro. A cidade grega era espaço ambíguo. Propiciou ambiente
para construção do vocabulário da política. Pólis passa a significar o coração da cidade, a
república cívica. Demos a comunidade organizada, no que se refere aos negócios
domésticos. Dai a construção do termo democracia.
Entretanto podemos citar uma polissemia de expressões que ifnluenciarm a construção do
conceito de democracia. Político invoca o moderno estadista. Politeuma o corpo cívico e
legislativo. Archon identificava o legislador. Kyrios o senhor da família, expressão que será
apropriada pela liturgia cristã, que valeu-se do grego Koiné. Nomos configurava a regra de
direito. Diké a determinação do que é justo. Dakaiosyné a qualidade de conduzir-se com
retidão, o agir nobre; dikastêrion a corte onde a justiça seria administrada. Physis designará
o que se conformava com a natureza. Areté será a virtude, a bondade, a excelência. Os
oligoi serão os poucos ricos, os abastados, também chamados de plousoi, pessoas educadas
e distintas que podiam desfrutar do ócio. Às demais, era reservado o trabalho, ocupação dos
pobres, em maior número, artesãos, trabalhadores manuais, além dos escravos, chamados
de doulos. (ARISTOTELES apud FINLEY, 1988).
3 Democracia na sociedade
A cidade (pólis) é espaço onde desenvolvia-se a vida pública, a política e a cultura. “a pólis
era o eixo seguro e certo ao redor do qual girava toda a vida de seus cidadão” (VERDROSS,
apud Bonavides, 1993, p. 141). O grego era vinculado a sua cidade, não teorizava ou vivia
num Estado de dimensões mais amplas. Os antigos habitantes da península balcânica
falavam língua parecida (com algumas nuanças mais sofisticadas no dialeto ático),
acreditavam no mesmo Panteão; porém é hábito historiográfico indicar diferenças entre
Atenas e Esparta.
E, historicamente falando, no século V a.C. Atenas conhecera cerca de 50.000 cidadãos
detentores de direitos políticos. O elevado número não permitia reunião ao ar livre, com
todos os representantes do corpo da cidade, como sugere a romântica tradição ocidental.
Garantia-se, todavia, a isologia, ou o direito de expressão. Ao cidadão presente à reunião
política, Ecclesia, se lhe era garantido o direito de falar. Decisões eram tomadas pela maioria
dos presentes. A classe dominante era aristocrática.
As reformas de Sólon, efetivadas por volta de 595 a.C. de certa forma indicavam alteração na
dicotomia entre possuidores e possuídos, que marcara os séculos iniciais do primeiro milênio
antes de Cristo. Sólon dividira a cidade em quatro grupos, qualificados pela renda,
inaugurando regime censitário. Os pentacosiomedimos tinham acesso aos altos cargos
públicos, devendo comprovar renda que indicasse quinhentas medidas de óleo ou vinho. Os
cavaleiros comprovavam trezentas medidas, tinham papel militar, a eles era vedado o
arcontado. Os zenzitas deveriam comprovar duzentas medidas, serviam na infantaria, sob o
Periódico Científico Outras Palavras | v.9 | n.1
24
Junho 2013
[PERIÓDICO CIENTÍFICO OUTRAS PALAVRAS]
comando dos cavaleiros. Os tetas apresentavam menos de duzentas medidas. Podiam
participar das assembléias e ser jurados nas cortes de justiça. Ao que consta, os tetas
ampliavam seus orçamentos participando como jurados nas cortes atenienses. Aristófanes,
comediógrafo ateniense, ridicularizou esses juízes na peça “As Vespas”, que estreou em
422a.C.. Percebe-se nessa peça que a magistratura popular era egressa do grupo menos
privilegiado. As reformas de Sólon representaram aparente quebra na unidade aristocrática,
premonindo grandes reformas que seriam realizadas nos séculos seguintes
Aspecto importante diz respeito à forma de governo que não se baseava nas instituições dos
vizinhos; ao contrário, servia de modelo a alguns, ao invés de imitar outros. Seu nome, como
tudo depende não de poucos, mas da maioria, juntou governo e povo para surgir a
democracia. Nela, enquanto no tocante às leis todos são iguais para a solução de suas
divergências privadas, quando se trata de escolher não é o fato de pertencer a uma classe,
mas o mérito, que dá acesso aos postos mais honrosos; inversamente, a pobreza não é razão
que alguém, sendo capaz de prestar serviços à cidade, seja impedido de fazê-lo pela
obscuridade de sua condição.
Michelangelo Bovero, filósofo e gramático, se propôs a conceituar os termos definidores da
democracia como se estivesse ensinando a um incauto(alguém que ainda não ouviu os
conceitos atuais). Apresentou a origem etimológica da palavra dissecando-a em seus
substantivos componentes, ou seja, dêmos e krátos. A última parte, na tradicional
conceituação aristotélica, não teve problema pois significava o poder ou o governo.
Encontrou dificuldade com o significado de Dêmos, pois com este termo os gregos
indicavam, alternadamente, todos os cidadãos da cidade-Estado, ou então a parte não nobre
da população e, portanto, a mais numerosa. (BOVERO, 2002, p. 16-18)
Atualmente traduzimos apenas como povo. O mesmo autor desafia. Quem é o povo?
Compara-o aos membros de um corpo que separados do tronco não tem utilidade.
Relaciona a imagem do corpo com a imagem da praça de Atenas onde se reunia a
assembléia com a participação de todos, destacando aqueles que `a medida que se tornam
aptos a exercer o poder de decidir olham o povo do alto, usa a expressão do “terraço do
poder”, e conclui que essa ambigüidade atravessa toda a história da linguagem política.
4 A cidadania
Quanto à cidadania, algumas observações são inferidas dos referenciais teóricos usados,
principalmente (CROIZET, 2002), sendo a primeira delas a definição das características de um
cidadão. Metecos, mulheres e escravos não eram considerados cidadãos. Seriam cidadãos os
habitantes da Ática filhos de um pai cidadão e de uma mãe ateniense. No Brasil, cidadão é
aquele que possui título de eleitor e, conseqüentemente, o direito a voto. Na Atenas
Clássica, um homem tornava-se cidadão quando se inscrevia, ao completar dezoito anos, em
um registro do seu dema (o registro do sorteio para os encargos). Pelo período de dois anos,
ele passava por um período de “adaptação” (o autor citado assemelhou esta fase a um
estágio) na efebia, servindo como membro da milícia. Completado vinte anos, possuía a
plenitude dos seus direitos políticos e civis. Poderia participar da Assembléia, falar, votar, ter
cargo na magistratura e ocupar diversas funções concernentes aos cidadãos. Entretanto,
existiam reservas: um mínimo de idade mais elevada era exigido para determinados cargos e
Periódico Científico Outras Palavras | v.9 | n.1
25
Junho 2013
[PERIÓDICO CIENTÍFICO OUTRAS PALAVRAS]
pertencer à classe mais abastada era um requisito para ocupar função nas magistraturas
superiores. Apesar destas condições, Atenas enveredou – como passar dos anos – para uma
igualdade mais completa.
Possuir idade elevada era uma condição prévia para determinadas magistraturas, mas
aplicava-se a todos, logo, a igualdade cívica não era rompida. Compreendendo-se a idade
como um mecanismo de restrição e comparando esse período com o sistema eleitoral
brasileiro – especificamente a eleição para prefeitos – observa-se que os gregos possuíam o
entendimento de que os cargos públicos mais relevantes precisam de cidadãos mais
qualificados. No Brasil, em razão da falta de mecanismos de restrição, visualiza-se um
quadro onde diversos prefeitos não possuem requisitos mínimos para assumir função
sobremaneira relevante. Um exemplo de condição para candidatura a uma prefeitura
poderia ser a obrigação de possuir – no currículo acadêmico – o ensino superior completo. É
certo que nossa Constituição Federal exige um mínimo de idade para candidatura a
determinados cargos. Entretanto, há de se concordar que a sociedade atual é sobremaneira
mais complexa do que a existente na Grécia Antiga, portanto, essa restrição não é suficiente.
Os gregos tinham como maior preocupação as questões públicas, às quais eles doavam-se de
corpo e alma. Para eles as questões públicas vinham em primeiro lugar e as questões
particulares em segundo plano. Vale aqui outro parênteses para citar a célebre oração
fúnebre de Péricles após o desastre da expedição contra a Sicília, nesta “[...] são louvadas as
pessoas que se ocupam não apenas de seus interesses privados, mas também dos negócios
públicos”. (BOBBIO, 1988, p. 372)
A pequena extensão das cidades diminuía a complexidade das instituições, logo, a
democracia ateniense era, por sua vez, mais singela. A verdadeira vida política encontrava-se
concentrada na cidade propriamente dita e funcionava no centro de Atenas. Duas grandes
assembléias eram o centro da vida política: o Conselho dos Quinhentos (órgão de direção
exterior e de preparo) e a Assembléia do Povo (essencialmente soberana).
O Conselho dos Quinhentos era formado por quinhentos membros (cem por tribo)
escolhidos por sorteio. A administração do Conselho era também a da Assembléia do Povo.
O Conselho estudava as questões que deviam ser debatidas na Assembléia, preparava os
projetos de decreto e formulava a ordem do dia. Também possuía atribuições de vigilância e
fiscalização em todas as áreas administrativas.
Interessante ressaltar que havia um revezamento entre os membros do Conselho em sua
presidência e o tempo de permanência era de apenas um dia, logo após sorteava-se o
seguinte. Isso impedia a profissionalização política desse cargo, refletindo a ojeriza que os
gregos possuíam da tirania. A Assembléia do Povo, teoricamente, abrangia todos os cidadãos
maiores de vinte anos. Entretanto, no dia a dia, muitos trabalhavam e outros moravam em
cidades próximas como Maratona e Eleuses. Logo, as assembléias ocorriam com pouco
número em seu quorum e, apenas, em dias onde os assuntos a serem debatidos eram de
suma importância é que a assembléia desenrolava-se com um número expressivo de
cidadãos. Nas palavras do autor: “Constituía um verdadeiro meeting popular, realizado ao ar
livre, e submetido necessariamente a essas grandes correntes de opinião que acarretam
todas as reuniões desse gênero.” (CROIZET, 2002, p. 20)
Periódico Científico Outras Palavras | v.9 | n.1
26
Junho 2013
[PERIÓDICO CIENTÍFICO OUTRAS PALAVRAS]
Nos debates que ocorriam na Assembléia na primeira parte do século V antes de Cristo, os
que se utilizavam da palavra eram os cidadãos qualificados pelos seus cargos ou pela sua
autoridade pessoal. Posteriormente, formou-se uma classe de oradores por profissão que
passaram a ter o monopólio da tribuna e, apenas podia-se alcançar êxito na Assembléia,
caso se dedicasse inteiramente a ser um orador.
Acerca do princípio do sorteio, o citado autor se pergunta qual a intenção do legislador em
utilizá-lo? Cita a tese de Fustel, que inferia ser o sorteio não a voz da sorte, porém a da
divindade. Contudo rebate afirmando que, caso a ação divina fosse a mais relevante na
escolha dos cidadãos, utilizariam o sorteio na escolha para os cargos mais relevantes, o que
de fato não ocorria. Para os cargos mais importantes, utilizavam o princípio da eleição.
(CROIZET, 2002).
Outras duas características presentes na Constituição ateniense eram: a extrema divisão dos
poderes e a brevidade da duração dos mandatos. A brevidade da duração dos mandatos
impedia a formação de políticos profissionais (visando afugentar o fantasma da tirania, como
o autor aponta) e a extrema divisão de poderes demonstra a igualdade – todos podiam fazer
parte, por um período, do serviço público – dividindo, assim, as honras. Outro ponto a ser
ressaltado da democracia ateniense é que todas as autoridades públicas – findo seu
mandato – deveriam prestar contas ao povo. (ARISTOTELES, 2003)
Existia certo número de tribunais que julgavam sobre determinadas questões. Um exemplo
era o Areópago, que julgava certos processos de homicídio. O Tribunal por excelência era o
de Heliastas (um dos principais elementos da vida ateniense). Era composto por seis mil
cidadãos maiores de trinta anos e designados pelo sorteio, à razão de seiscentos por tribo.
Este exprimia a última solução em todas as questões de interesse, fossem privadas ou
públicas. Era, em suma, um extenso júri popular em razão de seu número de membros
assemelhando-se mais a uma assembléia política do que um tribunal moderno. Portanto, era
muito identificável com a democracia.
Os mesmos princípios descritos nos parágrafos anteriores estão inseridos nas Magistraturas.
Todas eram submetidas ao sorteio, salvo algumas que necessitavam de talentos especiais.
Eram numerosas; logo, reduzia-se o poder de cada um e ampliava a participação de cidadãos
no governo. A duração de um mandato era anual, entretanto, a sua acessibilidade era
pequena (apenas uma vez o cidadão poderia ocupar esse cargo),o que impedia a
profissionalização.
Já os estrategistas, que comandavam o exército e a frota e eram dez no total, eram eleitos
por um período de um ano, mas podia ser renovado o mandato1. Isto demonstra que,
quanto maior fosse o cargo, uma maior especialização profissional poderia ocorrer, pois,
logicamente, atributos especiais eram necessários para exercer a função. Sobre as
magistraturas voluntárias ou aqueles denominados oradores. Esta designação advinha por
mérito, pois necessitava de talento na oratória. Por um lado, extremamente democrático,
pois todo cidadão podia intervir nos negócios públicos, entretanto, não era igualitário, pois
1
( Péricles foi citado como sendo o caso mais célebre).
Periódico Científico Outras Palavras | v.9 | n.1
27
[PERIÓDICO CIENTÍFICO OUTRAS PALAVRAS]
Junho 2013
necessitava possuir o “dom da palavra” para arrebanhar a assembléia em prol do seu
argumento.
Segundo Croizet, (CROIZET, 2002, p. 21), o exército ateniense restringiu seu tamanho após a
guerra do Peloponeso, pois era composto pela classe rica e esta “desgostou-se” de pertencer
aos hoplitas. Adquiriu-se o hábito de contratar mercenários. A marinha ateniense detinha
grande influência em Atenas, pois manterem-se senhores do mar constituía um axioma da
sua política. A população marítima era constituída pelo cidadãos mais pobres. Logo, os
excessos da democracia ateniense atribuíam-se aos marinheiros enquanto que governos de
reação moderada eram apontados como sendo de hoplitas.
Sobre a renda do governo, o Estado era proprietário de terras, que alugava. Também se
taxava os metecos (diretamente) e os escravos (através de seus donos). Os cidadãos não
eram taxados diretamente, pois entendiam isto ser um abuso do governo. Entretanto,
impostos indiretos eram cobrados deles através dos incidentes sobre mercadorias advindas
dos mercados e portos – ressalta-se que Atenas era uma cidade extremamente comercial.
Essas fontes de recursos não seriam suficientes para a manutenção da cidade sem outras
duas fontes: o dinheiro das cidades-estado aliadas à Atenas e as contribuições voluntárias
dos ricos (estes financiavam os navios de combate em prol de status). O autor entende que,
de maneira geral, em todos os momentos nos quais Atenas foi poderosa, necessitou-se de
uma soma de recursos advindos do exterior, pois havia duas exigências: uma organização
interior custosa e uma política ativa no exterior. O autor conclui que a lógica do
funcionamento da cidade ocorreu em torno de um objetivo, que é a soberania do grande
número. Não havia freio aos desejos mutáveis de uma maioria – que mudava
constantemente podendo no dia seguinte ser minoria – na Assembléia. (CROIZET, 2002, p.
22).
5 A igualdade e a liberdade
O ideal político ateniense era a absoluta igualdade entre todos os cidadãos. O governo
possui como finalidade o interesse de todos, e não de uma oligarquia. O objetivo é a
representatividade total dos cidadãos. Sabe-se que, quanto maior a representatividade
menor será a governabilidade, ou seja, mais difícil será gerenciar o governo. Em Atenas isso
não se aplicou devido às leis e aos costumes. Estes eram severos para assegurar o exercício
dos deveres públicos. As sanções legais e as da opinião mantiveram uma disciplina
respeitada por todos. Nas palavras de Croizet (CROIZET, 2002, p. 37):
[...] A igualdade ateniense, na idéia dos fundadores da democracia, era
essencialmente individualista e liberal: implicava a submissão às leis, mas
somente no domínio em que a lei se deve exercer, isto é, no cumprimento
dos deveres cívicos indispensáveis à vida coletiva da cidade.
Por fim, o autor revela que havia discordância em Atenas quanto ao uso de um sistema tão
democrático. Alguns cidadãos da classe rica, como Xenofonte, entendiam que os pobres
(com sua ignorância, indisciplina e maldade) não detinham os atributos necessários para
governar. Entretanto, o próprio Platão (aristocrata) reconhece que a Atenas das guerras
médicas se mostrou capaz de disciplina voluntária e de dedicação. Croizet, afirma, por
Periódico Científico Outras Palavras | v.9 | n.1
28
Junho 2013
[PERIÓDICO CIENTÍFICO OUTRAS PALAVRAS]
último, que a igualdade tal qual encontrou-se na Grécia Antiga (Atenas) pode levar um povo
a diferentes regimes de governo, conforme o espírito do povo que a utiliza. É necessário,
portanto, analisar os princípios da Constituição ateniense sem inserir opiniões
preconcebidas para a compreensão de quem eram os atenienses e a democracia.
Neste sentido o autor cita o orador grego Péricles como o articulador da democracia grega, o
que ninguém contesta. Péricles também vislumbrava no modelo ateniense o modelo seguido
por outros povos com o que não se polemiza. Atenas será a escola da Grécia, segundo
Péricles. O orador ateniense também evoca a igualdade perante a lei, o que contesta-se com
a imagem platônica para quem os reis filósofos seriam a razão, representada pela cabeça, os
guardiães a coragem, representada pelo tronco e os artesãos, o ventre, qualificando a
temperança.
Essa igualdade destoa de sentido mais contemporâneo, que vislumbra igualdade na lei,
voltada para o legislador, proibindo-se normas que estabeleçam desigualdades entre
pessoas, e igualdade perante a lei, isto é, voltada para impedir tratamento desigual entre
pessoas que se encontrem nas mesmas condições. Com efeito, o preceito magno da
igualdade, é norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador.
Péricles também evoca que o contexto ateniense não vedaria o acesso à prestação de
serviços à cidade, o que sugere interpretação restritiva, das limitações decorrentes das
condições de mulheres e escravos. Assim, Péricles declara Atenas cidade aberta, receptiva,
sem nenhum traço de xenofobia. É a materialização do ideal, o paraíso democrático de
serem também superiores aos adversários, inclusive, em não estar, digamos, oculta podendo
ser vista por um inimigo e ser-lhe útil porque o lítico ateniense proclamava sua cidade como
culta e elevada, lavrada, tratada e ataviada, por assim dizer, no bom gosto.(CROIZET, 2002).
A fala conduz ao reconhecimento de Atenas como importante cidade grega, o que dá os
contornos de um dos mais conhecidos e comentados passos da literatura jurídica clássica
como que a confundi-la com a própria Grécia. O principal modelo de democracia grega era
Atenas, entretanto, as instituições políticas gregas foram ignoradas durante o
desenvolvimento da moderna democracia representativa.
Com efeito, só Atenas entre as cidades contemporâneas se mostra superior à sua reputação
quando posta à prova, e só ela jamais suscitou irritação nos inimigos que a atacaram, ao
verem o autor de sua desgraça, ou o protesto de seus súditos porque um chefe indigno os
comanda. Exemplo disso foi a Guerra do Peloponeso, travada entre Atenas e Esparta nos
anos de 431 a 404 a.C.. Platão nascera por volta de 427 a.C. A guerra marcará a democracia
ateniense, que viverá período ditatorial chamado de “época dos trinta tiranos”, que
suscitará o processo e a morte de Sócrates, cujo significado maior é a prova cabal de que a
democracia grega se confundia mesmo com a ateniense. Registre-se que as instituições
atenienses promoveram sentido de unificação, espaço onde debateram os grandes nomes
da época, como Temístocles e Péricles, todos egressos das classes dominantes.
Inegavelmente, a principal característica do pensamento político produzido pela cidadeestado helênica fora a concepção de Estado como associação política soberana voltada para
o bem comum. O povo era soberano, mas esta soberania exercia-se dentro dos limites
impostos pela lei, haja vista que “a palavra que traduzimos por ‘igualdade diante da lei’
Periódico Científico Outras Palavras | v.9 | n.1
29
Junho 2013
[PERIÓDICO CIENTÍFICO OUTRAS PALAVRAS]
passou a significar igualdade através da lei, vale dizer, igualdade de direitos políticos de
todos os cidadãos, uma igualdade que foi criada a partir de uma evolução constitucional, a
partir da lei. Bovero (BOVERO, 2002, P. 18-22) distingue a democracia de outras formas de
convivência exatamente pela presença em todos os tempos de alguma forma de igualdade
ou equiparação, afirmando que os antigos consideravam quase sinônimos os termos de
democracia e isonomia e critica a conceituação corrente de isonomia apenas como
igualdade perante a lei, pois isonomia é igualdade de direitos políticos de todos os cidadãos,
portanto não só diante da lei, mas de escolher e ser escolhido, de exercer o poder de fazer
as leis.
Observa-se, também, que críticas à democracia havia, e assim o fez Tucídides algumas vezes,
para quem cidadãos ordinários de Atenas tinham pequena margem para contestação .
Mesmo porque enquanto projeto político factível a democracia nasce em oposição à
oligarquia, o que nos remete, de novo, à isonomia, enquanto característica fundamental do
sistema; a pólis era, idealmente, uma comunidade de iguais, muito embora de base
escravista e excludente porque apenas os indivíduos do gênero masculino, livres, adultos,
residentes e autóctones tinham o título de cidadãos. Já o escravo, que antes de mais nada é
um homem privado de qualquer cidadania, ou apolítico, é considerado externo à
comunidade e, portanto, nem formal nem informalmente capacitado a opinar sobre os
negócios públicos. Não faz parte do povo.
A democracia para os gregos residia na participação nas deliberações públicas, ou seja, de
uma forma direta; como membro da comunidade, um indivíduo exercia sua liberdade
diretamente através dos direitos políticos, constituindo a vontade coletiva, e sendo por ela
tolhido. Esta liberdade,é claro, como explanado acima, não era para todos, uma vez que dela
só fazia uso o povo grego, ficando de fora todos os súditos estrangeiros e os escravos. Deste
modo, as questões públicas eram discutidas e votadas nas assembléias pelos cidadãos
gregos.
Na praça e de forma direta os gregos deliberavam sobre a guerra e a paz, sobre a conclusão
ou não de tratados de aliança, sobre a acusação, o julgamento, a condenação que variava
entre a pena de morte ou o ostracismo, bem como a absolvição de qualquer cidadão;
elegiam alguns funcionários essenciais como os generais; votavam as leis; examinavam as
contas públicas etc. Podendo-se concluir que os gregos exerciam direta, pessoalmente e
plenamente as funções: legislativa, executiva e judicial.
Essa foram de democracia continua a oxigenar problemas contemporâneos, a exemplo da
regra da maioria, da liberdade, da igualdade, da dignidade e dos direitos humanos.
Considere-se que entre a democracia dos antigos e a dos modernos – ao menos seguindo
certas versões ideais de ambos - não mudou, portanto, substancialmente a concepção
política, segundo a qual é cidadão a pleno título, ou seja, partícipe do poder político, todo
indivíduo membro da coletividade, sem distinção de classe ou de patrimônio. Considerado
simplesmente como sujeito capaz de vontade racional, e por isso mesmo dotado de
dignidade política; o que mudou substancialmente foi a concepção antropológica em que
era reconhecido sujeito ‘capaz’ e (por isso) ‘digno’ de participar da vida política somente o
indivíduo do gênero masculino livre por nascimento.” (BOVERO, 2002, p.27)
Periódico Científico Outras Palavras | v.9 | n.1
30
Junho 2013
[PERIÓDICO CIENTÍFICO OUTRAS PALAVRAS]
Na democracia antiga detinha poder político apenas o adulto do sexo masculino e não
escravo, limitações que hoje não existem, mas em ambos os casos, cada cabeça vale um
voto, todos tem igual dignidade política.Aristóteles repete o conceito de democracia
vinculado a igualdade também preconizado mais de dois mil anos depois por Kelsen,
segundo o qual os destinatários da lei participam igualmente de sua produção.Entre a
democracia dos antigos e a dos modernos não mudou a concepção política de que todo
cidadão é partícipe do poder político. O que mudou foi a concepção antropológica em
relação aos excluídos de antes(mulheres e escravos), não existente hoje. Na pespectiva
antiga mulheres e escravos se inseriam no âmbito não igualitário do poder doméstico.
Poder-se-ia indagar que, por conta disso, o berço da democracia não fora uma democracia?
Se esta associa-se a liberdade e nem todos os homens eram livres de qual liberdade e de
qual democracia estamos falando? E o paradoxo acompanha, sempre, as discussões que a
democracia suscita. E o fato não passou despercebido a Kelsen, para quem a idéia de que
somos – idealmente – iguais, pode-se deduzir que ninguém deve mandar em ninguém.
(KELSEN, 1993, p. 29).
A experiência ensina que, se quisermos ser realmente todos iguais, e livres, deveremos
deixar-nos comandar distinguindo-se a liberdade privada ou civil e a liberdade pública ou
política, ou seja, “a liberdade do cidadão como sujeito político. Hans Kelsen sustentou,
remetendo-se a Rousseau, que a liberdade política constitui a resposta ao problema ‘como é
possível estar submetido a uma ordenação social e ainda assim ser livre’. E na liberdade
política como autonomia, ou seja, como ‘autodeterminação do indivíduo mediante a sua
participação na criação da ordenação social’, fez consistir o princípio da democracia.”
(BOVERO, 2002, p.85).
E a crise da democracia representativa moderna? Aquela na qual o povo, fonte primária do
poder, não podendo dirigir os negócios do Estado diretamente, outorga as funções de
governo aos seus representantes, que elege periodicamente, os quais são incapazes de
captar as exigências sociais e de transformá-las em decisões políticas, e a pior demonstração
da crise que é a falta de credibilidade em alguns políticos em decorrência das constantes
denúncias de corrupção.
Essa ambigüidade, público e privado, da liberdade liberal e liberdade democrática, aponta
para dualidade cósmica, cogitada por Platão e admitida pelo próprio Kelsen. A política grega
pode não ser a ideal, mas é de onde radica a nossa, que persiste em viver paradoxo que
plasma intransponibilidade entre o ideal e o real, na busca ainda de um caminho.
Enfim, se por um lado o pretérito nos distancia conceitualmente do mundo grego, de outra
banda seu entendimento é sensível para compreensão do conteúdo democrático, haja vista
a História nada mais ser do que “um profeta com os olhos voltados para trás”,
particularmente tratando-se da construção dos Estados constitucionais democráticos onde
“são compostos e se sustentam reciprocamente, corretamente formulados e redefinidos no
seu núcleo substancial, liberdade liberal e liberdade democrática, direitos civis (ou melhor,
pessoais) fundamentais e direitos de cidadania política”. (BOVERO, 2002, p.89)
Periódico Científico Outras Palavras | v.9 | n.1
31
Junho 2013
[PERIÓDICO CIENTÍFICO OUTRAS PALAVRAS]
Conclusão
O artigo em tela teve por escopo comentar as bases da democracia ocidental a partir das
democracias grega e romana e lançar para o futuro, que em razão da velocidade tecnológica
nos parece cada vez mais presente, a questão sobre a existência de uma democracia global.
A questão talvez diga respeito sobre qual o modelo de democracia. Descartando-se a
escravista, claro, temos várias possibilidades em razão do novo modelo de sociedade que
surge: a informacional. De qualquer sorte, o modo de produção, tudo indica, continuará
sendo o mesmo por parecer “improvável que o capitalismo de mercado seja suplantado nos
países democráticos.” (DAHL, 2001, p. 200).
Isso significará a continuidade da tensão entre capital e trabalho, porém pulverizado pelos
efeitos da globalização “porque é provável que a internacionalização venha a expandir o
domínio das decisões tomadas pelas elites políticas e burocráticas à custa dos controles
democráticos.”
De fato, tudo está no campo do provável. Parece que tudo está ficando líquido, volátil e
“com os recentes desenvolvimentos tecnológicos – a Internet sendo aqui emblemática -, a
globalização parece ser o destino do mundo. Ninguém, entretanto, parece estar no controle
da situação.” (ZYGMUNT, 1999, p. 145)
No campo sócio-político tudo dependerá da mobilização e participação dos cidadãos num
ambiente permeado, às vezes, pela diversidade cultural, ou seja, navegamos no campo das
hipóteses onde nos parece mais plausível que o jogo democrático atual se mantenha e até
se expanda sem, contudo, perder o capital o seu controle, ao menos, até quando lhe convier
enquanto vivemos a intransponibilidade entre o ideal e o real de cada momento histórico.
E se democracia representa o povo no poder, o alcance da palavra povo, portanto num dado
contexto histórico, é variável e pode indicar a justa medida da democracia grega. Assume
outro significado em Roma. Admite outro sentido no medievo. Ressurge no iluminismo
oitocentista opondo ao radicalismo de Rousseau a parcimônia de Montesquieu. Ganha a
América onde freqüenta o preâmbulo do texto constitucional. Justifica ditaduras no século
XX, sufraga entornos intervencionistas de Roosevelt, a ascensão e a queda do bolchevismo.
No Brasil flerta com o populismo de Getúlio Vargas, João Goulart, Jânio Quadros, Carlos
Lacerda, Juscelino Kubitscheck, Ademar de Barros, Brizola e Lula, dentre outros.
Concluindo, deve-se reconhecer, com Hans Kelsen que a teoria política da Antigüidade
distinguia três formas de Estado: monarquia, aristocracia e democracia (KELSEN, 1993, p.
87). A teoria moderna não foi além dessa tricotomia. A organização do poder soberano é
apresentada como o critério dessa classificação. Quando o poder soberano de uma
comunidade pertence a um indivíduo, diz-se que o governo, ou a constituição, é
monárquico. Quando o poder pertence a vários indivíduos, a constituição é chamada
republicana. Uma república é uma aristocracia ou uma democracia conforme o poder
soberano pertença a uma minoria ou a uma maioria do povo.
Periódico Científico Outras Palavras | v.9 | n.1
32
Junho 2013
[PERIÓDICO CIENTÍFICO OUTRAS PALAVRAS]
Assume-se a assertiva por verdadeira, reconhecendo-se a influência de Sócrates, Platão e
Aristóteles que deve ser menos reverenciada e mais instrumentalizada, a exemplo da
tentativa de Norberto Bobbio que cogitou comparar a liberdade dos antigos com a dos
modernos. A recomendação parece ter a ousadia de afirmar que a Ciência Política pode
filiar-se em Aristóteles, cujo admirável tratado intitulado Política, escrito à roda do ano 330
antes de Cristo, ainda hoje tem de se considerar fundamental. Nenhum estudioso deve
deixar de consultá-lo, pelo proveito que sempre se tira das suas páginas luminosas e pelo
verdadeiro prazer espiritual, proporcionado pela verificação de como o gênio pode criar
conceitos que os séculos não desmentem. (BOBBIO, 1998)
Apesar de questões atinentes à mulher, à escravidão, e outros temas de desigualdades
antigas, não há dúvidas que encontramos em Platão ou em Aristóteles muitas das idéias que
se encontram nas bases da maioria das filosofias ocidentais. Porém, o filosofar é constante
convite para releituras, críticas, novas contextualizações. Não há texto sem contexto,
paradigma que informa a ação comunicativa, em sentido mais vulgar e menos
habermasiano. O homem livre, emancipado, pluridimensional, tem direito e dever de
questionar verdades que se pretendem perenes, na admoestação já clássica de Marcuse.
Nesse sentido a crítica ao modelo grego e, principalmente, aos que se derramam em
apologias helênicas. Servidão e escravatura são atentados aos direitos do homem em todas
as épocas e lugares. Embora, reconheça-se, o movimento de internacionalização dos direitos
humanos constitui um movimento extremamente incerto na história, surgindo, a partir do
pós-guerra, da mesma forma que incerto é a consolidação de uma democracia global.
O que se passa é que a democracia pode ser inventada e reinventada em qualquer tempo
em que existam condições apropriadas, conquanto que a idéia de direito relacione o
indivíduo à sociedade, perspectiva pouquíssimo implementada no direito ateniense.
Contudo o caminho percorrido na forma direta de democracia ateniense nos trouxe a
democracia representativa dos dias atuais.
Assim, comparando a cultura grega com a de outros povos da Antigüidade, podemos dizer
que os gregos foram grandes filósofos do direito. Até os dias de hoje encontramos autores e
escolas jurídicas que utilizam conceitos e argumentos provenientes da filosofia grega e
influenciados por aquele ensaio de democracia continuam a percorrer o caminho na busca
de um modelo ideal.
Referências
ARISTOTELES, Constituição dos Atenienses, tradução de Delfim Ferreira Leão: Porto, 2003.
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 1988.
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social.Belo Horizonte: Del Rey, 1993.
BOVERO, Michelangelo. Contra o governo dos piores, Rio de Janeiro: Campus, 2002.
Periódico Científico Outras Palavras | v.9 | n.1
33
Junho 2013
[PERIÓDICO CIENTÍFICO OUTRAS PALAVRAS]
CROIZET, A. A cidadania na Grécia, volume II, 2ª edição, Brasília: Senado Federal, 2002.
DAHL, Robert. Sobre a democracia, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.
FINLEY, M. I. Democracia antiga e moderna. Trad. Waldéa Barcellos, Sandra Bedram. Rio de
Janeiro: Graal, 1988.
______. A política no mundo antigo. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
KELSEN, Hans. A essência e o valor da democracia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
ZYGMUNT B. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1999.
Periódico Científico Outras Palavras | v.9 | n.1
34
Download