EXPANSÃO DE UMA FUNÇÃO RACIONAL EM FRACÇÕES PARCIAIS RICARDO MAMEDE A decomposição de uma função racional F/G (que consideramos ter coeficientes reais) numa soma de fracções mais simples é uma técnica usada em vários contextos, como por exemplo no calculo de primitivas, na resolução de equações diferenciais ou na expansão de uma função em série de potências. Esta decomposição, embora teoricamente seja sempre possı́vel, pode ser difı́cil de realizar pois depende da decomposição de G em produtos de factores lineares da forma x − α e em factores irredutı́veis da forma (x2 + αx + β). Por exemplo, o polinómio x4 − 6x3 + 13x2 − 24x + 36 é o produto dos factores (x − 3)2 e (x2 + 1), e esta decomposição permite-nos escrever a função racional 3x3 − 15x2 + 33x − 5 3x3 − 15x2 + 33x − 5 = x4 − 6x3 + 13x2 − 24x + 36 (x − 3)2 (x2 + 1) como a soma das fracções 3x − 1 4 e , 2 (x − 3) x2 + 1 que se designam fracções parciais da função dada. O nosso objectivo nesta nota é mostrar que uma tal decomposição de uma função racional em fracções parciais é sempre possı́vel. Mais precisamente, vamos provar o teorema seguinte: Q Teorema 1. Sejam F e G dois polinómios com coeficientes reais. Seja G = ki=1 Pini a decomposição de G em produtos de polinómios irredutı́veis. Então existem polinómios Q e Aij com gr(Aij ) < gr(Pi ) e gr(Q) < gr(G), univocamente determinados por F e G, tais que ni k X X F Aij =Q+ . G Pij i=1 j=1 Além disso, se gr(f ) < gr(g) temos Q = 0. Notemos que se Pi é um factor linear (x−α) os polinómios Aij são constantes, enquanto que se Pi é um factor irredutı́vel (x2 + αx + β) temos Aij = aij x + bij para alguns números reais aij e bij . A demonstração deste teorema é baseada nos dois lemas que provaremos de seguida. Lema 1. Sejam F e G dois polinómios com coeficientes reais, α ∈ R tal que G(α) 6= 0 e n um inteiro positivo. Então, existe uma constante b ∈ R e um polinómio F1 , univocamente determinados por F e G tais que gr(F1 ) < gr(F ) e b F1 (x) F (x) = . + n n (x − α) G(x) (x − α) (x − α)n−1 G(x) Além disso, b 6= 0 se (x − α) não for um factor de F . Demonstração. Comecemos por notar que podemos escrever F (x) b F (x) − bG(x) (1) − = n n (x − α) G(x) (x − α) (x − α)n G(x) 1 2 RICARDO MAMEDE com b escolhido de forma a que P (α)−bG(α) = 0 e, portanto, F (x)−bG(x) = (x−α)F1 (x), para algum polinómio F1 . A unicidade de b e do polinómio F1 é consequência do facto do único número real b que satisfaz a igualdade P (α) − bG(α) = 0 ser b = F (α)/G(α). Podemos então cancelar o factor (x − α) na última expressão de (1) e obter: F (x) b F1 (x) = + n n (x − α) G(x) (x − α) (x − α)n−1 G(x) como desejado. Por fim, notemos que se b = 0 a igualdade F (x) − bG(x) = (x − α)F1 (x) mostra que (x − α) é um factor de F . Portanto, nas condições do lema anterior temos F (x) b F1 (x) = . + n n (x − α) G(x) (x − α) (x − α)n−1 G(x) Podemos agora repetir este processo com o última fracção desta igualdade, obtendo F (x) b c F2 (x) = + + n n n−1 (x − α) G(x) (x − α) (x − α) (x − α)n−2 G(x) para alguma constante c ∈ R e um polinómio F2 , univocamente determinados por F1 e G. Após n aplicações deste processo obtemos (2) F (x) b c d Fn (x) = + + ··· + + , n n n−1 (x − α) G(x) (x − α) (x − α) (x − α) G(x) onde b, c, . . . , d são números reais univocamente determinados com b 6= 0 se (x − α) não é um factor de F e Fn um certo polinómio univocamente determinado com gr(Fn ) < gr(F ). De seguida, se β ∈ R for raiz de G com multiplicidade m, temos G(x) = (x − β)m H(x) com H um polinómio de grau inferior ao de G e tal que H(β) 6= 0, e podemos decompor a última fracção em (2) de forma semelhante. Continuando desta forma obtemos o seguinte caso particular do Teorema 1: Teorema F e G dois polinómios com coeficientes reais e suponhamos que Qk 2. Sejam ni G = i=1 (x − αi ) . Então existem números reais aij e um polinómio Q com aini 6= 0 e gr(Q) < gr(G), univocamente determinados por F e G, tais que k (3) n i XX F aij =Q+ . G (x − αi )j i=1 j=1 Além disso, se gr(F ) < gr(G) temos Q = 0. a Notemos que cada um dos factores (x−αiji )j tende para zero quando x → ∞. Assim, tomando limites em (3) quando x → ∞ vemos que Q = 0 se gr(F ) < gr(G). Para obtermos o Teorema 1 na sua total generalidade temos de analisar o caso em que o polinómio G possui raı́zes complexas, as quais correspondem a factores irredutı́veis da forma (x2 + αx + β). Vamos então provar um resultado análogo ao do lema anterior para raı́zes complexas do denominador. Lema 2. Suponhamos que ω e ω são as raı́zes complexas do polinómio irredutı́vel x2 + αx + β. Sejam F e G dois polinómios com coeficientes reais com G(ω) 6= 0 e seja n um 3 inteiro positivo. Então, existem constantes a, b ∈ R e um polinómio F1 , univocamente determinados por F e G tais que gr(F1 ) < gr(F ) e (x2 F (x) ax + b F1 (x) = 2 . + 2 n n + αx + β) G(x) (x + αx + β) (x + αx + β)n−1 G(x) Além disso, as constantes a e b não são simultaneamente nulas se (x2 + αx + β) não for um factor de F . Demonstração. Tal como na demonstração do lema anterior, podemos escrever ax + b (x2 + αx + β)F1 (x) F (x) F (x) − (ax + b)G(x) − = 2 , = (x2 + αx + β)n G(x) (x2 + αx + β)n (x2 + αx + β)n G(x) (x + αx + β)n G(x) para algum polinómio H com gr(F1 ) < gr(F ) desde que existam a, b ∈ R para os quais o polinómio F (x) − (ax + b)G(x) se anula quando x = ω e x = ω. Mostremos que tais números a e b existem. Estes números têm de satisfazer as igualdades ( F (ω) − (aω + b)G(ω) = 0 , F (ω) − (aω + b)G(ω) = 0 ou de forma equivalente, ( aω + b = T (ω) aω + b = T (ω) , com T (x) := F (x)/G(x). Como ω − ω = 2iIm (ω) 6= 0 (pois estamos a assumir que ω não é real), o determinante deste sistema é diferente de zero e a única solução do sistema é dada pelo números reais a = T (ω) − T (ω) /(ω − ω) e b = ωT (ω) − ωT (ω) /(ω − ω). A unicidade de a e b implicam que o polinómio F1 é univocamente determinado. Finalmente, se a = b = 0, a igualdade F (x) − (ax + b)G(x) = (x2 + αx + β)F1 (x) mostra que (x2 + αx + β) é um factor de F . É agora fácil concluir que aplicações sucessivas dos lemas 1 e 2 à função F/G dãonos a prova do Teorema 1. As demonstrações destes lemas fornecem-nos igualmente um algoritmo para a decomposição de uma função racional em fracções parciais. No entanto, na prática é usual recorrermos ao chamado método do tapa de Heavyside que detalharemos de seguida para os casos mais frequentes. Comecemos por supor que o grau de F é inferior ao grau de G. Se tal não se verificar, basta efectuarmos a divisão de F por G: F (x) = Q(x)G(x) + R(x) com 0 ≤ gr(R) < gr(G), F (x) R(x) = Q(x) + , G(x) G(x) e considerar a função racional R/G. Uma função racional nestas condições, i.e., F/G com gr(F ) < gr(G) é designada por fracção própria. 1◦ caso: G possui apenas factores lineares não repetidos 4 RICARDO MAMEDE Suponhamos que gr(F ) < 2 e que G = (x − s)(x − t) possui duas raı́zes reais distintas s e t. Queremos escrever F (x) a b (4) = + , (x − s)(x − t) x−s x−t para alguns números reais não nulos a e b. Para determinar a tapamos o factor (x − s) no lado esquerdo de (4) e determinamos o seu valor substituindo x pela outra raiz t. Notemos que esta operação corresponde a multiplicar F/G por (x − s) antes de substituir x por t. Para determinar b procedemos de modo análogo, tapando agora o factor (x − t) antes de substituir x por s. Se houvesse mais factores procederı́amos do mesmo modo. Exemplo 1. 2x + 1 a b c = + + . (x + 1)(x − 1)(x − 2) (x + 1) (x − 1) x − 2 Tapando o factor (x + 1) e substituindo x = −1 no lado esquerdo da igualdade acima vem a = −1/6. Tapando o factor (x − 1) e substituindo x = 1 vem b = −3/2. Finalmente, tapando (x − 2) e substituindo por x = 2 vem c = 5/3. Portanto, −1/6 −3/2 5/3 2x + 1 = + + . (x + 1)(x − 1)(x − 2) (x + 1) (x − 1) x − 2 2◦ caso: G possui apenas factores lineares mas com repetição Suponhamos que gr(F ) < 3 e que G = (x − s)2 (x − t) possui duas raı́zes reais distintas s e t, tendo s multiplicidade 2. Queremos escrever F (x) a b c (5) = + + , 2 2 (x − s) (x − t) (x − s) x−s x−t para alguns números reais a, b e c, com a, c 6= 0. Começamos por determinar a constante a tapando o factor (x − s)2 no lado esquerdo de (7) antes de substituirmos x por s. Após a conhecermos a, passamos a fracção (x−s) 2 para o lado esquerdo e simplificamos: F (x) a F (x) − a(x − t) b c − = = + . (x − s)2 (x − t) (x − s)2 (x − s)2 (x − t) x−s x−t Notemos que de acordo com a última igualdade em (6), (x − s) tem de ser um factor de F (x) − a(x − t). Denotando por F1 o polinómio que satisfaz F1 (x)(x − s) = F (x) − a(x − t) e simplificando (6) obtemos a igualdade F1 b c = + , (x − s)(x − t) x−s x−t na qual não aparecem factores repetidos. Estamos assim reduzidos ao caso anterior. (6) Exemplo 2. 2x3 + x2 − 9x + 4 b a c d = + + + . 2 2 (x − 1) (x − 2)(x + 1) (x − 1) x−1 x−2 x+1 Tapando o factor (x + 1)2 e substituindo x = 1 no lado esquerdo da igualdade acima vem a = 1. Passemos então a fracção 1/(x − 1)2 para o lado esquerdo da equação e simplifiquemos. Obtemos a fracção 2x2 + 2x − 6 b c d = + + . (x − 1)(x − 2)(x + 1) x−1 x−2 x+1 5 Tapando o factor (x − 1) e substituindo x = 1 no lado esquerdo da equação anterior vem b = 1. Tapando o factor (x − 2) e substituindo por x = 2 vem c = 2. Finalmente, tapando (x + 1) e substituindo por x = −1 vem d = −1. Portanto, 2x3 + x2 − 9x + 4 1 2 −1 1 = + + . + 2 2 (x − 1) (x − 2)(x + 1) (x − 1) x−1 x−2 x+1 3◦ caso: G possui factores lineares e factores quadráticos irredutı́veis Consideremos G(x) = (x2 + sx + t)(x − k) e gr(F ) < 3. Este caso pode ser combinado com os casos anteriores para tratar situações mais gerais. Queremos escrever F (x) ax + b c (7) = 2 + , 2 (x + sx + t)(x − k) x + sx + t x − k para alguns números reais a, b não simultaneamente nulos e c 6= 0. Determinemos a constante c tapando o factor (x − k) e substituindo x por k no lado esquerdo da equação. De seguida, passemos a fracção c/(x − k) para o lado esquerdo e simplifiquemos: F (x) F (x) − c(x2 + sx + t) c ax + b = − = 2 . 2 2 (x + sx + t)(x − k) x − k (x + sx + t)(x − k) x + sx + t Notemos que (x − k) deverá ser um factor de F (x) − c(x2 + sx + t). Seja F1 o polinómio que satisfaz F1 (x − k) = F (x) − c(x2 + sx + t). Temos então ax + b F1 = 2 2 x + sx + t x + sx + t e as constantes a e b podem ser obtidas directamente da equação. Exemplo 3. 2x2 − 2x + 3 ax + b c = + . (x2 + 2)(x − 1) x2 + 2 x − 1 Tapando o factor x − 1 e substituindo x por 1 no lado esquerdo da equação obtemos c = 1. Passemos o factor 1/(x − 1) para o lado esquerdo da equação e simplifiquemos: x−1 ax + b = 2 . 2 x +2 x +2 Vem então a = 1, b = −1 e 2x2 − 2x + 3 x−1 1 = 2 + . 2 (x + 2)(x − 1) x +2 x−1 Referências [1] B. L. van der Waerden, Algebra Volume I (7th Ed.), Springer-Verlag, New York, 1991. [2] Hugh J. Hamilton, The Partial Fraction Decomposition of a Rational Function, Mathematics Magazine, Vol. 45, No. 3 (May, 1972), pp. 117-119.