original / originals Avaliação do Estado Nutricional e do Lanche Consumido por Crianças entre 2 e 3 Anos em Escola Particular de São Carlos (SP) Assessment of nutritional status and snacks consumed by children aged 2 to 3 years in private school of São Carlos (SP) Resumo O objetivo do estudo foi avaliar o estado nutricional e o lanche consumido por crianças na faixa etária de 2 e 3 anos de idade de uma escola particular de São Carlos (SP). Participaram desta pesquisa 21 crianças que tiveram seus lanches trazidos de casa avaliados durante quinze dias. Os alimentos que fizeram parte dos lanches foram anotados e, posteriormente, realizado o cálculo das calorias e dos macronutrientes. Para análise da qualidade dos lanches, estes foram classificados em saudáveis, parcialmente saudáveis e não saudáveis e divididos em grupos de alimentos conforme a frequência na lancheira da criança. Os resultados indicaram que 38% das crianças têm risco de sobrepeso. A média das calorias por lanche avaliado foi de 504,7 kcal e a distribuição percentual dos macronutrientes encontrou-se balanceada. A avaliação da qualidade nutricional dos lanches trazidos de casa indicou que 51,6% são parcialmente saudáveis e o grupo dos cereais foi o mais frequente nas lancheiras das crianças estudadas. Concluiu-se que a qualidade nutricional dos lanches parcialmente saudáveis e não saudáveis oferecidos às crianças necessitam sofrer melhorias para torná-los mais saudáveis e, principalmente, é necessária a redução das calorias desta refeição que, apesar de balanceada, se mostrou elevada para esta faixa etária e pode ser um fator contribuinte do risco de sobrepeso e de excesso de peso observado entre o grupo avaliado. Palavras-chave avaliação nutricional; valor nutritivo; pré-escolar. Talita de Mattos Godoy Discente do Curso de Nutrição pelo Centro Universitário Central Paulista de São Carlos – UNICEP. [email protected] Valeska Masucci Teixeira Centro Universitário Central Paulista de São Carlos – UNICEP. [email protected] Angélica de Moraes Manço Rubiatti Profa. Doutora do Curso de Nutrição pelo Centro Universitário Central Paulista de São Carlos – UNICEP. [email protected] Abstract The aim of this study was the assessment of the food eaten in the 2 and 3 year-olds, as well as their nutritional state, at a private school in São Carlos (SP). Taked part in this research twenty-one children had the food they brought from home assessed for fifteen days. All the items included in their snacks were written down and, afterwards, we performed the calculations to determine the amount of calories and of macronutrients. To analyze the quality of their food, we classified it in “healthy”, “partially healthy” and “unhealthy” and divided it in groups according to the frequency it appeared in the children’s lunchboxes. Results showed that 38% of the children are under risk of being overweight. The caloric average of the content of each lunchbox was 504.7 kcal and the percentage distribution of macronutrients was balanced. The assessment of the nutritional quality of the food children brought from home points that 51.6% of the snacks are partially healthy having the group of grains been considered the most frequent in their lunchboxes. We concluded that the nutritional quality of the food partially healthy and unhealthy offered to schoolchildren needs to be improve to make it healthier and, the most important, is necessary the reduction of the calories of this meal, which despite being balanced, proved to be too high for this age group and may be a significant factor for the risk of overweight and of obesity observed in the children who were part of the group that we assessed. Keywords nutrition assessment; nutritive value; child. Sáude em Revista Avaliação nutricional e do lanche de crianças DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2238-1244/sr.v13n33p55-65 55 Talita de Mattos Godoy; Valeska Masucci Teixeira; Angélica de Moraes Manço Rubiatti Introdução Os alimentos são necessários para a reprodução, o crescimento, o desenvolvimento e o funcionamento de todo sistema orgânico e o atendimento das exigências nutricionais do corpo, por essa razão o suprimento adequado de nutrientes é tão importante. O acesso aos alimentos muda de indivíduo para indivíduo de acordo com a renda, habitação e disponibilidade para compra e aquisição.1 Na fase pré-escolar, como a criança apresenta um crescimento rápido, torna-se necessário o consumo adequado de alimentos e nutrientes para atender suas necessidades nutricionais, sendo fundamental a aquisição de hábitos alimentares saudáveis. Nas principais refeições recomenda-se consumir alimentos mais consistentes e não troca-los por alimentos lácteos.2 Diante do perfil nutricional brasileiro, pode-se considerar que a avaliação nutricional e a realização de inquérito nutricional em crianças e adolescentes são métodos de extrema importância para a formulação de políticas e ações mais efetivas para tornar os hábitos alimentares nestas faixas etárias mais saudáveis.3 A grande maioria das crianças não realiza algumas das refeições principais ou as substitui por lanches. A escolha por alimentos mais gordurosos e com elevado teor calórico são pouco nutritivos e levam a uma alimentação desbalanceada, influenciados pelos hábitos alimentares já adquiridos pela mídia e pelo convívio com outras crianças da mesma idade. Nesta etapa da vida, fase pré-escolar, é recomendado oferecer alimentos variados, rico em 56 nutrientes para um bom crescimento e desenvolvimento.4 Os pais devem se preocupar com a qualidade dos alimentos no momento da compra e preparo, além da quantidade ingerida, pois as crianças são influenciadas pelas escolhas e pelos hábitos alimentares deles.5 O aumento do consumo de guloseimas e alimentos ricos em açúcar e gordura e a baixa ingestão de frutas, hortaliças e alimentos mais saudáveis, associados ao sedentarismo, vêm contribuindo para o aumento de peso entre os brasileiros, incluindo as crianças. Práticas alimentares mais saudáveis devem ser estimuladas desde a infância, visando o controle de peso, a promoção da saúde e da qualidade de vida. As escolas de educação infantil vêm se tornando necessárias à população, devido às alterações socioeconômicas, ao relacionamento entre indivíduos e à mudança no exercício das funções, em especial aquelas realizadas pelas mulheres, que estão cada vez mais motivadas a trabalhar fora de casa para contribuírem com a renda familiar ou pelo desejo de se realizarem profissionalmente. Mesmo as mulheres que não trabalham fora de casa têm procurado um espaço de socialização para seus filhos, já que muitos contam com pouco recurso no espaço doméstico.6 A escola é o melhor lugar para se desenvolver atividades educativas em nutrição, a fim de incentivar a alimentação saudável, pois é na infância que se fixam atitudes e práticas corretas, visto que hábitos alimentares incorretos são mais difíceis de serem modificados na idade adulta. Além disso, o conhecimento construído nessas atividades estende-se à família e a toda comunidade envolvida.¹ SAÚDE REV., Piracicaba, v. 13, n. 33, p. 55-65, jan.-abr. 2013 DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2238-1244/sr.v13n33p55-65 Talita de Mattos Godoy; Valeska Masucci Teixeira; Angélica de Moraes Manço Rubiatti O lanche que as crianças costumam levar para a escola, compõem-se de cereais, sucos artificiais, alimentos lácteos, bolos e bolachas e, apenas uma minoria, principalmente as meninas, leva frutas, sucos naturais, verduras e legumes. A composição das lancheiras de um modo geral é inadequada, sendo encontrados alimentos industrializados, ricos em açúcar, gordura e sódio. 7 Num estudo realizado com escolares ao avaliar as práticas alimentares e o conhecimento em nutrição por meio de um questionário autoaplicado, verificou-se que as crianças que sabem mais sobre esse assunto relataram práticas sabidamente mais saudáveis, mas não necessariamente as exercem. As práticas alimentares menos saudáveis em crianças foram associadas aos casos de obesidade identificados. Os pesquisadores concluíram que o nível do conhecimento sobre nutrição pode alterar a relação entre obesidade e práticas alimentares.8 Nesse sentido, a escola representa um ambiente propício para a introdução de hábitos alimentares adequados, e o lanche realizado nesse local poderá ser um dos caminhos para promover mudanças na alimentação, o que deve ser incentivado entre as crianças, pais e funcionários dela. Diante do exposto, avaliar a qualidade nutricional dos lanches e apresentar sugestões de refeições mais saudáveis poderão trazer benefícios aos pré-escolares. Desta forma, o objetivo do presente estudo foi avaliar o estado nutricional e o lanche consumido por crianças na faixa etária de 2 e 3 anos de idade de uma escola particular de São Carlos (SP). Sáude em Revista Avaliação nutricional e do lanche de crianças Material e Métodos Avaliou-se um grupo de 21 crianças na faixa etária entre 2 e 3 anos de idade, de ambos os sexos, estudantes do período diurno de uma escola particular de São Carlos (SP). A participação dos alunos na pesquisa foi autorizada pelos pais ou responsáveis mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Central Paulista (UNICEP) de São Carlos (SP), sob o Parecer nº. 057/2011. Para o alcance dos objetivos, os métodos empregados foram: avaliação antropométrica, que determinou o estado nutricional dos participantes e análise da composição e da qualidade nutricional dos lanches consumidos na escola. As crianças foram pesadas na balança digital portátil da marca Toledo, com capacidade para 150 kg e a altura delas foi aferida pelo estadiômetro compacto da marca Sanny, com capacidade para 210 cm. Com os dados de peso e altura coletados foi calculado o Índice de Massa Corporal (IMC) e projetado o resultado na curva de IMC para crianças menores de 5 anos para meninos e meninas, recomendada pela Organização Mundial da Saúde9 para determinação do estado nutricional dos participantes desta pesquisa. A classificação do estado nutricional para a faixa etária entre 0 e 5 anos, segundo o percentil (P) foi magreza acentuada (P<0,1), magreza (P≥0,1 e P<3), eutrofia (P≥3 e P≤85), risco de sobrepeso (P>85 e P≤97), sobrepeso (P>97 e ≤P99,9) e obesidade (>P99,9).9 DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2238-1244/sr.v13n33p55-65 57 Talita de Mattos Godoy; Valeska Masucci Teixeira; Angélica de Moraes Manço Rubiatti Para análise da composição nutricional dos lanches, anotou-se os alimentos que compuseram as lancheiras trazidas de casa durante quinze dias consecutivos, assim como sua quantidade em medida caseira. Essa quantidade foi transformada em gramas e, em seguida, avaliou-se o total de calorias e a distribuição percentual dos macronutrientes com o auxílio de uma tabela de composição química dos alimentos10 e das informações nutricionais contidas nos rótulos dos alimentos industrializados consumidos pelas crianças. Para verificar a adequação das calorias adotou-se a recomendação de 200 kcal por lanche como propõe a Resolução n. 38 de 2009 do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)11, ou seja, atingir 20% das necessidades diárias das crianças entre 1 e 3 anos que realizam apenas uma refeição na escola. Os parâmetros utilizados para considerar os lanches balanceados foram: 45%65% para os carboidratos, 5%-20% para as proteínas e 30%-40% para os lipídeos segundo a faixa etária entre 1 e 3 anos.12 A avaliação da qualidade nutricional dos lanches foi baseada nos alimentos recomendados ou não recomendados pela Resolução nº 38 de 2009 do PNAE11 e separados em lanches saudáveis (frutas, sucos naturais de frutas, sucos industrializados de frutas, iogurtes, leite, queijos, biscoitos sem recheio, pães, bolos caseiros), lanches parcialmente saudáveis (alimentos saudáveis e não saudáveis na mesma lancheira) e lanches não saudáveis (salgadinhos de pacote, biscoitos recheados, refrigerantes, salgados fritos, chocolates, doces, bolos industrializados, embutidos). Também para avaliar a qualidade nutricional dos lanches, dividiu-se os alimentos 58 em grupos, como propõem Matuk et al.7 – leite e alimentos lácteos (iogurtes, achocolatado, queijos, requeijão e leite fermentado); frutas e sucos naturais (água de coco e sucos 100% naturais); refrigerantes; sucos artificiais e outras bebidas (chás, energé­ticos, sucos industrializados, bebidas com soja, bebidas isotônicas e hidrotônicas); cereais (pães, biscoitos sem recheio ou cobertura, torrada, bolos sem recheio ou cobertura, cereal matinal – flocos de milho, granola, aveia, flocos de milho com chocolate e barras de cereais sem cobertura ou recheio); salgados assados (empada, pão de queijo e croissant); salgadinhos e frituras (salgadinhos industrializados, batata palha, pipoca e salga­dos fritos como coxinha, rissoles e pastel); frios e embutidos (lingüiça, lombo, presunto e peito de peru); óleos e gordu­ras (patês, maionese, margarina, manteiga e azeite); doces (chocolate, bala, chiclete, pirulito, açúcares e cremes – leite condensado, creme de avelã, geleia, mel, sobremesa láctea com chocolate e outros doces – paçoca, cocada, brigadeiro, beijinho, amendoim doce, tortas doces, gelatina); bolachas/barras de cereal e/ou bolos recheados e/ou com cobertura (bolachas wafer, cookies, pão de mel, rocambole, bolinho de chuva, brownie, panetone, bolinhos industrializados) e considerou-se a frequência com que cada grupo apareceu nas refeições das crianças no ambiente escolar. Resultados Neste estudo, avaliou-se 21 crianças entre 2 e 3 anos de uma escola particular da cidade de São Carlos (SP), sendo 57,1% (n=12) do sexo feminino e 42,9% do sexo masculino (n=9). SAÚDE REV., Piracicaba, v. 13, n. 33, p. 55-65, jan.-abr. 2013 DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2238-1244/sr.v13n33p55-65 Talita de Mattos Godoy; Valeska Masucci Teixeira; Angélica de Moraes Manço Rubiatti Pela Figura 1 verifica-se que a maioria das crianças avaliadas são eutróficas (52,4%), seguidas daquelas com risco de sobrepeso (38,0%), sobrepeso (4,8%) e obesidade (4,8%). Não se identificou nenhum caso de baixo peso entre o grupo estudado, mas uma tendência ao excesso de peso ou este já instalado, o que reforça a atenção na seleção de lanches mais saudáveis para essas crianças, evitando, assim, problemas com o ganho de peso excessivo no futuro. Figura 1. Distribuição, em percentual, das crianças segundo o estado nutricional de cada uma delas % 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 eutrofia risco de sobrepeso Os resultados a seguir referem-se aos quinze dias de observação e registro dos alimentos que fizeram parte dos lanches trazidos de casa pelas crianças, totalizando a avaliação de 244 lanches. A Tabela 1 apresenta a média de calorias e a distribuição do percentual de macronutrientes dos lanches avaliados e a Tabela 2 mostra a média de calorias e a distribuição do percentual de macronutrientes dos lanches, que foram divididos em saudáveis, parcialmente saudáveis e não saudáveis. Segundo a Tabela 1, a média de calorias dos 244 lanches avaliados é de 504,7 ± 175,7 kcal e a distribuição percentual mé- Sáude em Revista Avaliação nutricional e do lanche de crianças sobrepeso obesidade dia dos macronutrientes indica que eles se encontram balanceados para a faixa etária entre 1 e 3 anos, porém ultrapassam as 200 kcal recomendadas pelo PNAE. Tabela 1. Média (± desvio-padrão) de calorias e a distribuição percentual dos macronutrientes dos lanches trazidos de casa pelas crianças avaliadas Lanches escolares Calorias (kcal) Carboidrato (%) Lipídeo (%) Proteína (%) DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2238-1244/sr.v13n33p55-65 Média 504,7 ± 175,7 55,1 ± 0,8 31,2 ± 0,0 13,7 ± 0,8 59 Talita de Mattos Godoy; Valeska Masucci Teixeira; Angélica de Moraes Manço Rubiatti Tabela 2. Média (± desvio-padrão) de calorias e a distribuição percentual dos macronutrientes dos lanches trazidos de casa pelas crianças avaliadas, divididos em saudáveis, parcialmente saudáveis e não saudáveis Lanches escolares Calorias (kcal) Carboidrato (%) Lipídeo (%) Proteína (%) Média Saudáveis 382,0 ± 286,0 46,2 ± 8,2 Média Parcialmente saudáveis 471,7 ± 317,9 58,7 ± 2,1 Média Não saudáveis 660,4 ± 180,9 57,7 ± 2,8 30,1 ± 3,0 23,7 ± 5,2 29,2 ± 0,1 12,1 ± 2,3 33,3 ± 3,0 9,0 ± 1,2 De acordo com a Tabela 2, os lanches saudáveis apresentam a média menor de calorias, porém a ingestão de proteína está acima da recomendação. A média dos lanches parcialmente saudáveis está um pouco abaixo da recomendação para lipídeos e os lanches não saudáveis estão balanceados em relação aos macronutrientes, mas excede nas calorias, o que poderá contribuir para o excesso de peso. Além disso, deve-se considerar que, por serem alimentos não saudáveis, são ricos em açúcar, gordura saturada e trans. A Tabela 3 aponta a classificação dos lanches em saudáveis, parcialmente saudáveis e não saudáveis, indicando que 91,4% são parcialmente saudáveis e saudáveis, o que representa um dado positivo, pois será mais fácil incentivar as modificações para tornar a composição dos lanches mais saudáveis. Os lanches das crianças classificados como saudáveis continham frutas, sucos industrializados, biscoitos sem recheios (às vezes integrais), bebidas lácteas, bolos caseiros e pães ou minitorradas com margarina. Nos lanches parcialmente saudáveis foram encontrados os alimentos citados anteriormente, mas no mesmo lanche tinha bolos industrializados, biscoitos re- 60 cheados, embutidos (presunto, mortadela), salgadinhos de pacote e chocolate. Já nos lanches não saudáveis foram observados salgadinhos de pacotes, salgados fritos, doces, refrigerantes, biscoitos recheados e bolos industrializados, sem a presença de nenhum alimento saudável na composição do lanche trazido de casa. Tabela 3. Distribuição, em percentual, dos lanches em saudáveis, parcialmente saudáveis e não saudáveis. Lanches escolares Saudáveis Parcialmente saudáveis Não saudáveis Total n Porcentagem (%) 97 39,8 126 51,6 21 8,6 244 100,0 A qualidade dos lanches também foi analisada pela frequência com que os alimentos de maneira individualizada apareceram na alimentação das crianças durante esses quinze dias de investigação. Avaliou-se 244 lanches compostos na maioria das vezes por mais de um alimento, totalizando 428 alimentos consumidos pelas crianças, os quais foram divididos em 11 grupos conforme a Figura 2. SAÚDE REV., Piracicaba, v. 13, n. 33, p. 55-65, jan.-abr. 2013 DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2238-1244/sr.v13n33p55-65 Talita de Mattos Godoy; Valeska Masucci Teixeira; Angélica de Moraes Manço Rubiatti Figura 2. Distribuição, em percentual, dos alimentos presentes nos lanches das crianças salgados assados % 30 óleos e gorduras 25 doces refrigerantes 20 frios e embutidos 15 salgadinhos e frituras bolachas, barras de cereias e bolos recheados 10 leite e alimentos lácteos 5 sucos artificiais e outras bebidas frutas e sucos naturais 0 alimentos presentes nas lancheiras Conforme a Figura 2, o grupo dos cereais era o mais consumido pelas crianças durante a pesquisa (19,9%), seguido das frutas e sucos naturais (17,5%) e sucos artificiais e outras bebidas (15,7%). Discussão O início das atividades dos pré-escolares representa um período de mudança na rotina diária da criança, que passa a acordar mais cedo e a ter os horários de refeições alterados. O estabelecimento de padrões e disciplina alimentar será de grande importância. Ao ir à escola, o infante desenvolve novas formas de se alimentar; além disso, a convivência com outros escolares influencia o seu comportamento alimentar em casa.13 A avaliação do estado nutricional dos participantes da presente pesquisa apontou que 38,0% estão com risco de sobrepeso, 4,8% com sobrepeso e 4,8% com obesida- Sáude em Revista Avaliação nutricional e do lanche de crianças cereais de (Figura 1). Segundo Giugliano e Melo14, a obesidade é considerada uma verdadeira epidemia mundial, atingindo todas as faixas etárias, especialmente as crianças. As causas da obesidade associadas ao consumo alimentar apresentam as seguintes características: volume de ingestão alimentar, composição nutricional dos alimentos e qualidade da dieta. As mudanças nos hábitos alimentares da população brasileira fundamentam o contínuo aumento da adiposidade nas crianças, caracterizada pelo baixo consumo de frutas, verduras, legumes e leite e pelo aumento no consumo de bolachas recheadas, salgadinhos, doces e refrigerantes e a omissão de refeições.15 Biscegli et al.16 avaliaram o estado nutricional de 113 crianças freqüentadoras da creche Irmã Sheila em Catanduva (SP), na faixa etária entre 6 meses e 5 anos e 8 meses de idade de ambos os sexos, e verificaram que 71,7% delas apresentavam ser eu- DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2238-1244/sr.v13n33p55-65 61 Talita de Mattos Godoy; Valeska Masucci Teixeira; Angélica de Moraes Manço Rubiatti tróficas, 12,4% desnutridas e 15,9% obesas, prevalecendo a obesidade no sexo feminino. As autoras concluíram que a prevalência de desnutrição e obesidade mostra a necessidade de medidas preventivas, como a implementação de dietas mais balanceadas e a prática de orientação nutricional, que ensinem e estimulem hábitos alimentares saudáveis e, consequentemente, reduzam a prevalência de distúrbios nutricionais. A análise da composição nutricional dos lanches trazidos de casa pelas crianças avaliadas mostrou que a média de calorias calculada é de 504,7 kcal com 55,1% de carboidrato, 31,2% de lipídeo e 13,7% de proteína (Tabela 1). No estudo de Bigido17, participaram da pesquisa 49 crianças entre 4 e 6 anos de idade, sendo 25 do sexo masculino e 24 do sexo feminino, regularmente matriculados em escola da rede privada de ensino localizada na zona leste da cidade de São Paulo (SP). Os lanches trazidos de casa pelas crianças foram avaliados, e a média de calorias foi de 311,67 kcal, sendo 64,2% de carboidrato, 28,7% de lipídeo e 7,4% de proteína. A autora concluiu que o lanche escolar contribui significativamente para o atendimento das necessidades nutricionais de crianças, enfatizando a importância da qualidade nutricional dessa refeição. Monjardino18 avaliou a composição nutricional do lanche escolar de 372 crianças na faixa etária entre 5 e 8 anos de idade de escolas públicas de Matosinhos no Distrito de Porto em Portugal. Os resultados obtidos indicaram que a média de calorias era de 300,8 kcal, distribuídas em 59,7% de carboidrato, 26,5% de lipídeo e 14,8% de proteína. Para a pesquisadora, a composição 62 nutricional dos lanches deverá ser ajustada às necessidades das crianças e evitar o excessivo consumo energético e de nutrientes que podem conduzir à obesidade. Separou-se os lanches avaliados no presente estudo em saudáveis, parcialmente saudáveis e não saudáveis (Tabelas 2 e 3). De acordo com as análises realizadas, a alimentação das crianças de São Carlos participantes da pesquisa no ambiente escolar necessita de melhorias, pois 60,2% dos lanches foram classificados como parcialmente saudáveis ou não saudáveis. Cabe destacar que os lanches escolares devem ser simples, disponíveis, capazes de satisfazer às crianças e auxiliar para que as necessidades nutricionais delas sejam atingidas. A recomendação é que sejam incluídos leite, queijo, bolachas, frutas, vegetais, iogurte, sanduíches de patês e cereal de grão integral nessas refeições.19 Os três princípios básicos para uma alimentação saudável, segundo Barbosa20 são variedade de alimentos – diariamente deve-se ingerir uma quantidade variada de alimentos, garantindo assim todos os nutrientes necessários para o crescimento e desenvolvimento da criança; moderação no consumo – moderar a ingestão de alimentos, principalmente aqueles ricos em açúcar e gorduras; proporcionalidade – para um bom funcionamento do organismo, é necessário ingerir os alimentos em proporção adequada, visando o consumo dos diversos nutrientes oriundos da alimentação. As crianças devem ser orientadas a comer devagar e mastigar bem os alimentos, pois o organismo demora entre 10 e 15 minutos para perceber a sensação de saciedade, e ainda, elas devem receber cinco a seis refeições por dia, SAÚDE REV., Piracicaba, v. 13, n. 33, p. 55-65, jan.-abr. 2013 DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2238-1244/sr.v13n33p55-65 Talita de Mattos Godoy; Valeska Masucci Teixeira; Angélica de Moraes Manço Rubiatti com intervalos de duas a três horas, sempre com horários estabelecidos. Para Matuk et al.7, sugestões de preparações rápidas e saudáveis para compor os lanches escolares poderão contribuir para diminuir a frequência de bolachas, bolos recheados e refrigerantes. O envolvimento dos responsáveis pelas crianças nas ações de educação nutricional é muito importante e o trabalho de modificação de hábitos alimentares e da alimentação escolar deve ser contínuo e abranger as crianças, os educadores e os funcionários da escola. Conforme a Figura 2, os grupos de alimentos mais frequentes nos lanches das crianças foram: cereais, frutas e sucos naturais e sucos artificiais e outras bebidas. A pesquisa realizada por Campos e Zua21 non avaliou o tipo de lanche consumido por 52 crianças de 1 a 6 anos de idade em uma escola particular da cidade de Araraquara (SP). Os alimentos encontrados com maior frequência nas lancheiras foram a bolacha doce recheada com 33,4%, seguida do refrigerante (17,5%) e do iogurte (11,6%). Diante dos resultados as autoras concluíram que a educação nutricional deve ser utilizada como estratégia para a alteração da qualidade dos lanches, a fim de proporcionar às crianças a incorporação de hábitos saudáveis em suas vidas. Monjardino18, ao avaliar a frequência dos grupos de alimentos e bebida nos lanches consumidos pelas 372 crianças de Matosinhos (MG), observou que o grupo do pão e equivalentes foi o mais disponível para o consumo, seguido do grupo dos leites com chocolate. A qualidade da alimentação de uma criança não pode ser baseada somente no lanche que ela consome na escola. Para ava- Sáude em Revista Avaliação nutricional e do lanche de crianças liar se a alimentação é realmente saudável deverá ser feita uma análise dos hábitos alimentares em casa e da família. Apesar do grupo das frutas e sucos ter sido o mais frequente entre os avaliados, vale ressaltar que quase metade da frequência registrada refere-se aos sucos industrializados. O bom hábito alimentar deve ser mantido em casa como o consumo frequente de frutas, hortaliças, carne, leite e ovos para reforçar os preceitos alimentares e a adequação da dieta da criança.22 Conclusão Conclui-se que a qualidade nutricional dos lanches parcialmente saudáveis e não saudáveis oferecidos às crianças necessitam sofrer melhorias para torná-los mais saudáveis como substituir bolos industrializados por caseiros e biscoitos recheados por sem recheio, preferir sucos naturais de frutas e evitar o consumo de embutidos, bolachas recheadas, salgadinhos de pacote, salgados fritos, refrigerantes e doces. Outro ponto fundamental é reduzir as calorias nessa refeição realizada no ambiente escolar, pois apesar de balanceada, mostrou-se elevada para essa faixa etária e pode ser um fator contribuinte do risco de sobrepeso e do excesso de peso observado entre o grupo avaliado. A sugestão é diminuir o tamanho da porção ou o número de alimentos no mesmo lanche. O incentivo do consumo de alimentos mais saudáveis é de responsabilidade dos pais e deve ser exercido também pela comunidade escolar, para que juntos possam contribuir com a saúde e qualidade de vida dessas crianças no futuro. DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2238-1244/sr.v13n33p55-65 63 Talita de Mattos Godoy; Valeska Masucci Teixeira; Angélica de Moraes Manço Rubiatti Referências Bibliográficas 1. Turano W, Almeida CCC. Educação nutricional. In: Gouveia ELC. Nutrição: saúde & comunidade. Rio de Janeiro: Revinter; 1999. p. 57-68. 2. Accioly E, Benzecry EH. Nutrição materno-infantil. In: Gouveia ELC. Nutrição: saúde & comunidade. Rio de Janeiro: Revinter; 1999. p. 54-55. 3. Anjos LA, Castro IRR, Engstron EM, Azevedo AMF. Crescimento e estado nutricional em amostra probabilística de escolares no município do Rio de Janeiro 1999. Cad. Saúde Pública 2003; 19 (1):171-179. 4. Barbosa VLP. Alimentação saudável e equilibrada na infância e na adolescência. In: Sambatti JBA, Rogero MM. Prevenção da obesidade na infância e na adolescência: exercício, nutrição e psicologia. Barueri: Manole; 2004. p. 83-84. 5. Rossi A, Moreira EAM, Rauen MS. Determinantes do comportamento alimentar: uma revisão com enfoque na família. Rev. Nutr. 2008; 21 (6):739-748. 6. Biscegli TS, Correa CEC, Romera J, Hernandez JLJ. Avaliação do estado nutricional e prevalência de carência de ferro em crianças freqüentadoras de uma creche. Rev. Paul Pediatr. 2006; 24 (4):323-9. 7. Matuk TT, Stancari PCS, Bueno MB, Zaccarelli EM. Composição de lancheiras de alunos de escolas particulares de São Paulo. Rev. Paul Pediatr. 2011; 29 (2):157-63. 8. Triches RM, Giugliani ERJ. Obesidade, práticas alimentares e conhecimentos de nutrição em escolares. Rev. Saúde Pública 2005; 39 (4):541-7. 9. WHO. World Health Organization. The WHO child growth standards. 2007. [acesso 17/ nov/2011]; Disponível: <http://www.who.int/childgrowth/standards/en/>. 10. Philippi ST. Tabela de composição de alimentos: suporte para decisão nutricional. 2 ed. São Paulo: Coronário; 2002. 11. Brasil. Ministério da Educação. Resolução/CD/FNDE nº. 38. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Brasília: Ministério da Educação; 2009. 12. Institute of Medicine. Dietary reference intakes for energy, carbohydrate, fiber, fat, protein and acids (macronutrients). Washington (DC): National Academy Press; 2005. 13. Souza MC, Rondo PHC, Sousa MV. Alimentação na infância. In: Tirapegui J. Nutrição: fundamentos e aspectos atuais. São Paulo: Atheneu; 2006. p.125. 14. Giugliano R, Melo ALP. Diagnóstico de sobrepeso e obesidade em escolares: utilização de índice de massa corporal segundo padrão internacional. Jornal de Pediatria 2004; 80(2):129-134 15. Triches RM, Giugliani ERJ. Obesidade, práticas alimentares e conhecimento de nutrição em escolares. Rev Saúde Publica 2005; 39(4):541-547. 16. Biscegli TS, Polis LB, Santos LM, Vicentin M. Avaliação do estado nutricional e do desenvolvimento neuropsicomotor em crianças freqüentadoras de creche. Rev Paul Pediatr 2007; 25 (4):337-42. 17. Bigido GR. Avaliação nutricional dos lanches trazidos por pré-escolares de uma escola particular do município de São Paulo – Projeto piloto. Rev. FAMESP s/d. [acesso 1/jun/2012]; Disponível: <http://www.revistafamesp.com.br/index.php/edicoes/edicao-1/67.html>. 18. Monjardino MTPB. Avaliação dos lanches escolares de crianças do 1º ano do ensino básico de escolas de Matosinhos. [tese]. Porto (Portugal): Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação, Universidade do Porto; 2008. 64 SAÚDE REV., Piracicaba, v. 13, n. 33, p. 55-65, jan.-abr. 2013 DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2238-1244/sr.v13n33p55-65 Talita de Mattos Godoy; Valeska Masucci Teixeira; Angélica de Moraes Manço Rubiatti 19. Sizer F, Whitney E. Nutrição: conceitos e controvérsias. Barueri: Manole; 2003. p.470-506. 20. Barbosa VLP. Alimentação saudável e equilibrada na infância e na adolescência. In: Sambatti JBA, Rogero MM. Prevenção da obesidade na infância e na adolescência: exercício, nutrição e psicologia. Barueri: Manole; 2004. p.83-84. 21. Campos JADB, Zuanon ACC. Merenda escolar e promoção de saúde. Cienc Odontol Bras 2004; 7(3):67-71. 22. Fernandes IT, Gallo PR, Advincula AO. Avaliação antropométrica de pré-escolares do município de Mogi-Guaçu, São Paulo: subsídio para políticas públicas de saúde. Rev Brasileira de Saúde Materno Infantil 2006; 6(2):217-222. Submetido em: 28/06/2012 Aceito em: 24/04/2013 Sáude em Revista Avaliação nutricional e do lanche de crianças DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2238-1244/sr.v13n33p55-65 65