I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE UNICENTRO Reitor Vitor Hugo Zanette Vice-Reitor Aldo Nelson Bona Diretora do SEHLA Maria Aparecida Crissi Knüppel Chefe do DEFIL Manuel Moreira da Silva COORTI / Midia Felipe Collares Rodrigues Mauricio Adriano Teixeira Revisora de Língua portuguesa Ana Lúcia Trevisan Bittencourt Coordenação Manuel Moreira da Silva Comissão Organizadora Manuel Moreira da Silva Marciano Adilio Spica Evandro Bilibio Ernesto Maria Giusti Jussara T. M. Bezeruska Gilberto Luiz de Araújo Malheiros Comissão Científica Prof. Dra. Andréa Faggion (UEM) Prof. Dr. Augusto Bach (UNICENTRO) Prof. Dr. Daniel Omar Perez (PUCPR) Prof. Dt. Ernesto Maria Giusti (UNICENTRO) Prof. Dt. Evandro Bilibio (UNICENTRO) Prof. Dr. Horacio Luján Martínez (UNIOESTE/Toledo) Prof. Jussara T. M. Bezeruska (UNICENTRO) Prof. Ms. Luiz Yanzer Portela (UNIOESTE/Toledo) Prof. Dt. Manuel Moreira da Silva (UNICENTRO) Prof. Dt. Marciano Adilio Spica (UNICENTRO) Prof. Dr. Paulo Vieira Neto (UFPR) Prof. Dr. Ubirajara Rancan (UNESP/Marília) Prof. Dr. Valério Rohden (PUCPR/UFSC) Apoio Governo do Estado do Paraná Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, SETI Fundação Araucária Caixa Econômica Federal Banco do Brasil Faculdades Campo Real I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 PROGRAMAÇÃO GERAL 22/06/2009 - Segunda-feira 19h às 20h Abertura Oficial 20h às 23h Conferência de abertura: "As observações de Kant sobre as raças atingem o universalismo de sua filosofia?" Prof. Dr. Ricardo Terra (USP) 23/06/2009 - Terça-feira 13h 30min às 15h Apresentação de trabalhos científicos selecionados para o Evento, em forma de comunicação. 15h 30min às 18h Mesa Redonda - "Filosofia Prática e Antropologia" com as seguintes palestras: A Relação entre poder e subjetividade na obra de Michel Foucault Prof. Dr. Augusto Bach (UNICENTRO). Kant e Foucault: Uma aproximação Prof. Dr. Vinicius Berlendis de Figueiredo (UFPR). O significado prático da natureza humana em Kant Prof. Dr. Daniel Omar Perez (PUCPR), 19h às 19h 30min Intervenções Artísticas Espetáculo: "Declaração dos Direitos Humanos" com Rossana Campello Manfredini e equipe. 19h 30min às 21h 30 min. Conferência seguida de debate: "A faculdade prática de apetição nas reflexões antropológicas de Kant". Prof. Dr. Valério Rohden (PUCPR/UFSC). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 21h 30min às 23h Reunião oficial da SKB-PR. 24.06.2009 – Quarta-Feira 13h 30min às 15h: Apresentação de trabalhos científicos selecionados para o evento, em forma de comunicação. 15h 30min às 18h: Mesa redonda – “O Empírico e o Transcendental no Idealismo kantiano” com as seguintes palestras: Caráter inteligível e caráter empírico na Crítica da Razão Pura Prof. Dr. Aguinaldo Pavão (UEL). Dogmatismo e Criticismo na encruzilhada da Doutrina do idealismo transcendental kantiano Prof. Dr. Luciano Carlos Utteich (UNIOESTE/Toledo). Sobre o Especulativo em Kant: Ou do reconhecimento de uma região intermediária entre o empírico e o transcendental Prof. Dt. Manuel Moreira da Silva (UNICENTRO). 19h às 19h 45min Intervenções Artísticas Espetáculo: Mousike, com Daiane Stoerbel. 19h 45min às 23 h Conferência seguida de debate:“Kant e um certo vocabulário musical” Prof. Dr. Ubirajara Rancan (UNESP/Marília) 25.06.2009 – Quinta-feira 13h 30min às 15h Apresentação de trabalhos científicos selecionados para o evento, em forma de comunicação. 15h 30min às 18h Mesa redonda – “Filosofia Transcendental e Metafísica” com as seguintes palestras: Filosofia transcendental e Metafísica Prof. Ms. Luis Yanzer Portela (UNIOESTE/Toledo) A Concepção kantiana de existência: posição da coisa ou categoria do entendimento? Prof. Dr. Marco Antônio Valentim (UFPR). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Cognição e Predicação em Kant Prof. Dr. Tiago Fonseca Falkenbach (UFPR), Metaphysica sunt, non leguntur: Matemática e Filosofia de Kant a Gauss Prof. Dt. Ernesto Maria Giusti (UNICENTRO) 19h às 19h 30min Lançamento do livro: Percursos de Leitura da Relação entre Homem e Cultura - autora: Ruth Rieth Leonhardt. Local: Espaço de Convivência da Faculdade Campo Real (Contíguo ao Salão Nobre). 19h 30min às 23 h Conferência seguida de debate: "A motivação moral em Kant", Profa. Dra. Maria de Lourdes Borges (UFSC) 26.06.2009 - Sexta-Feira 13h 30min às 15h Apresentação de trabalhos científicos selecionados para o evento, em forma de comunicação. 15h 30min às 18h Mesa redonda – “Perspectivas wittgensteinianas na Filosofia contemporânea” com as seguintes palestras: A possibilidade de um pressuposto ético em Heidegger e Wittgenstein Prof. Dt. Evandro Bilibio (UNICENTRO) Wittgenstein e a variedade de saberes Dt. Marciano Adilio Spica (UNICENTRO), Uma leitura wittgensteiniana da vontade política Prof. Dr. Horacio Luján Martínez (UNIOESTE/Toledo) 19h às 19h 30min Intervenções Artísticas Espetáculo: Mulheres de Klint, com Marisa Ults 19h 30min às 23 h Conferência seguida de debate: "O sublime matemático de Kant e o expressionismo abstrato na pintura norte-americana" Prof. Dr. Jair Barboza (PUCPR) Encerramento Oficial do I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/II Colóquio da SKB-PR I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO KANT, HERANÇA E INTERPRETAÇÃO: APRESENTAÇÃO Manuel Moreira da Silva...................................................................12 TEXTOS COMPLETOS AS OBSERVAÇÕES DE KANT SOBRE AS RAÇAS ATINGEM O UNIVERSALISMO DE SUA FILOSOFIA? Ricardo Terra.................................................................................16 REPRESENTAÇÕES NÃO-CONSCIENTES EM KANT Valério Rohden...............................................................................32 A RELAÇÃO ENTRE PODER E SUBJETIVIDADE NA OBRA DE FOUCAULT Augusto Bach.................................................................................44 CRÍTICA E ANTROPOLOGIA EM KANT Vinicius Berlendis de Figueiredo........................................................62 CARÁTER INTELIGÍVEL E CARÁTER EMPÍRICO NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA Aguinaldo Pavão.............................................................................78 SOBRE O ESPECULATIVO EM KANT, OU DO RECONHECIMENTO DE UMA REGIÃO INTERMEDIÁRIA ENTRE O EMPÍRICO E O TRANSCENDENTAL Manuel Moreira da Silva...................................................................95 UMA LEITURA WITTGENSTEINIANA DA VONTADE POLÍTICA Horacio Luján Martìnez..................................................................112 A DIVERSIDADE DE SABERES A PARTIR DE WITTGENSTEIN Marciano Adilio Spica.....................................................................122 RESUMO DE PALESTRA DOGMATISMO E CRITICISMO NA ENCRUZILHADA DA DOUTRINA DO IDEALISMO TRANSCENDENTAL EM KANT Luciano Carlos Utteich...................................................................138 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 RESUMOS DE COMINUCAÇÕES O CONCEITO DE INTUIÇÃO: DISTINÇÕES ENTRE DESCARTES, KANT E BERGSON Luiz Ricardo Rech..........................................................................144 O CONCEITO DE DIREITO NATURAL EM HOBBES: LIBERDADE E OBRIGAÇÃO Gerson Vasconcelos Luz..................................................................148 A LIBERDADE GENIAL Luiz Carlos de Souza Filho...............................................................152 A TEORIA NEURONAL DO PROJETO DE UMA PSICOLOGIA (1895) E SUAS IMPLICAÇÕES: UMA INTRODUÇÃO AO MATERIALISMO FREUDIANO Gleisson Roberto Schmidt...............................................................156 O TEMPO COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE NA CONSTITUIÇÃO DO OBJETO EM MERLEAU-PONTY Jeovane Camargo..........................................................................160 O SUMO BEM LEIBNIZIANO DE IMMANUEL KANT Rafael da Silva Cortes....................................................................164 CARÁTER, DETERMINISMO E LIBERDADE EM KANT E SCHOPENHAUER Vilmar Debona..............................................................................168 A GLOBALIZAÇÃO COMO IDEOLOGIA Guilherme Benette Jeronymo..........................................................172 A CARACTERIZAÇÃO DOS ‘SONHOS DE UM VISIONÁRIO’ COMO UM ESCRITO DE CUNHO CRÍTICO Marcio Tadeu Girotti.......................................................................177 DESMISTIFICANDO A TECNOLATRIA – UMA ANÁLISE CRÍTICA DA SOCIEDADE TECNOLOGICAMENTE CENTRALIZADA Vitor Ogiboski...............................................................................182 A FORMAÇÃO POLÍTICA EM ROUSSEAU Darlan Faccin Weide.......................................................................185 UMA DEONTOLOGIA HOBBESIANA? A TESE TAYLOR E A TEORIA DA OBRIGAÇÃO EM HOBBES Clóvis Brondani.............................................................................19’ A INTERSUBJETIVIDADE NO FUNDAMENTO DO DIREITO NATURAL DE FICHTE João Geraldo Martins da Cunha........................................................195 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ESTUDO COMPARATIVO ENTRE O EPICURISMO E O UTILITARISMO Karina Mikuska..............................................................................199 UMA LEITURA DOS PRECEITOS ÉTICOS NAS MEDITAÇÕES DE MARCO AURÉLIO Marcio Fraga de Oliveira.................................................................203 CRÍTICA DE KARL POPPER À UTILIZAÇÃO DO MÉTODO INDUTIVO NA CONSTITUIÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO Alexandre Klock Ernzen..................................................................207 O NEO-ARISTOTELISMO BRENTANIANO E O CONCEITO DE OBJETIVIDADE IMANENTE Lauro de Matos Nunes Filho............................................................211 VIOLÊNCIA E DEMOCRACIA EM HANNAH ARENDT Paulo Eduardo Bodziak Junior..........................................................215 SOBRE O CONCEITO DE VIRTUDE E REMINISCÊNCIA NA OBRA MÊNON DE PLATÃO Felipe Cardoso Martins Lima............................................................219 A RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO NA PESQUISA E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO Lucia Helena Barros do Valle...........................................................223 O POSITIVISMO COMTIANO E O DISCURSO PROGRESSISTA DE GETÚLIO VARGAS NO ESTADO NOVO (1937-1945) João Henrique dos Santos...............................................................227 RAZÃO E MORAL EM BERGSON Marcelo Prates de Souza.................................................................231 OS FUNDAMENTOS DO GOSTO, DA ARTE E DO GÊNIO NA ESTÉTICA DE IMMANUEL KANT Edy Klévia Fraga de Souza..............................................................235 LINGUAGEM E MENTE ORNAMENTAL Felipe dos Santos Millani.................................................................239 RELAÇÃODE FOUCAULT E KANT: A AUFKLÄRUNG E A ATITUDE CRÍTICA Marcelo da Rocha..........................................................................242 SCHILLER E O IMPULSO ESTÉTICO Filipi Silva de Oliveira.....................................................................246 SIMBOLOGIA NO ESPAÇO FUNERÁRIO: TRANSMISSÕES CULTURAIS E RELAÇÕES SOCIAIS Maristela Carneiro..........................................................................251 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A DISTINÇÃO ENTRE O CORPO E ALMA EM DESCARTES Geder Paulo Friedrich Cominetti.......................................................254 UMA LEITURA DE GÓRGIAS Patrícia dos Santos Pinto, Maristela Carneiro.....................................258 A PÓS-HUMANIDADE NO CINEMA DE CRONENBERG Wyllian Eduardo de Souza Correa....................................................262 CARÁTER EMPÍRICO E CARÁTER INTELIGÍVEL NA PRIMEIRA CRÍTICA Fabiano Queiroz da Silva................................................................266 APONTAMENTOS EM TORNO DO CONCEITO DE LIBERDADE EM HANNAH ARENDT Willian Bento Barbosa....................................................................271 EDUCAÇÃO/DISCIPLINA MODERNA NO PENSAMENTO FOUCAULTIANO Eduardo Alexandre Santos de Oliveira..............................................275 ASPECTOS DA REFUTAÇÃO DO IDEALISMO MATERIAL SOB A PERSPECTIVA APRESENTADA NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA Marco Aurélio Fabretti....................................................................279 FOUCAULT COM KANT Fernando Padrão de Figueiredo........................................................282 DA POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO DO CARÁTER MORAL EM KANT Carlos Eduardo Neres Lourenço.......................................................286 O PROBLEMA DA INTUIÇÃO EM KANT Christian Carlos Kuhn.....................................................................291 O CONCEITO DE ALMA DO MUNDO NO TIMEU DE PLATÃO André Wowk Nunes........................................................................295 TRANS-MODERNIDADE E GEOPOLÍTICA DA HISTÓRIA EM DUSSEL Elias Dallabrida.............................................................................299 NARRATIVA E IDENTIDADE EM PAUL RICOEUR Ruth Rieth Leonhardt.....................................................................303 A REFUTAÇÃO KANTIANA DO IDEALISMO Adriel José Machado.......................................................................307 HOMEM EM ROUSSEAU: EDUCAÇÃO POLÍTICA Roberto Valim De Almeida..............................................................311 LIBERDADE EM PLATÃO Leandro A. Xitiuk Wesan.................................................................315 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 SOCIEDADE E O PROBLEMA DA MORAL EM HUME Ricardo Zolinger Zanin...................................................................318 DISCUSSÃO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES A PARTIR DA OBRA ÉDIPO REI DE SÓFOCLES Julio Cezar de Lima........................................................................321 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CIÊNCIAS HUMANAS E A ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA EM HENRIQUE CLÁUDIO DE LIMA VAZ Hugo José Rhoden.........................................................................325 O ESTADO DE DIREITO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Italo Biancardi Neto.......................................................................330 FOUCAULT E A VERDADE Jussara Tossin Martins Bezeruska....................................................334 ADVERTÊNCIA Os números de página acima indicados referem-se apenas à paginação contínua do documento presente, em formato PDF, elaborado conforme exigência formal de prestação de contas junto à Fundação Araucária, vinculada à Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, SETI, do Estado do Paraná, sem cujo apoio o evento em questão dificilmente teria se realizado. Os textos a seguir mantem a paginação original (descontínua) resultante de sua publicação oficial nos Anais do I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO – I CONAFIL – em meio digital, sob a forma de CD-ROM. Devido a essa nova formatação (em um único documento), alguns textos podem apresentar pequenas variações quanto ao lugar físico (no editor de texto) de uma ou mais linhas em relação à formatação indivudual de cada um dos textos presentes no CD-ROM. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 APRESENTAÇÃO I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 KANT, HERANÇA E INTERPRETAÇÃO: APRESENTAÇÃO Manuel Moreira da Silva DEFIL – UNICENTRO/PR [email protected] Estes ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO e do II COLÓQUIO KANT DA SOCIEDADE KANT BRASILEIRA, SEÇÃO PARANÁ – SKB/PR – marcam uma virada no modo de se fazer congressos científicos no Paraná e, talvez, no Brasil. Pela primeira vez na História das instituições envolvidas, um evento de filosofia, cujo cerne constituiu-se na discussão e no debate de temas e problemas os mais elevados e com alto grau de especificidade, foi transmitido online – na completude de suas palestras, conferências e intervenções artísticas – para diversos pólos de outro curso que não filosofia, a saber, o Curso de História a Distância da UNICENTRO. Isso com a devida participação e a efetiva intervenção dos espectadores do Curso de História a partir de seus respectivos pólos; o que, de um modo ou de outro, direta ou indiretamente, deixa sua marca também nestes ANAIS. O Congresso discutiu o tema Kant: Herança e Interpretação, constituindo-se a partir de um arco que pôs em questão desde o problema das raças na filosofia de Kant até heranças e interpretações quase sempre ou ainda em contestação, por exemplo, a de Hegel e a de Wittgenstein. Isso, não obstante, jamais seria possível se, desde a primeira hora, os organizadores do evento não tivéssemos o apoio sincero e decidido da Sociedade Kant Brasileira e, sobretudo, de sua Seção Paraná; assim e da UFPR, mas também de outros estados, como São Paulo (UNESP/Marília e USP) e Santa Catarina (UFSC), que ou nos prestigiaram, na medida do possível, I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página universidades do estado do Paraná, em especial da UNIOESTE/Toledo, da PUC/PR 1 como o apoio de colegas dos departamentos de filosofia de praticamente todas as ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 praticamente durante todo o evento, ou se esforçaram para a liberação de colegas e alunos para que os mesmos pudessem permanecer em Guarapuava durante todos os dias do Congresso. Da mesma forma, nosso evento não teria sido possível em sua plenitude caso também não tivéssemos o apoio da Reitoria e dos cursos de Filosofia, Arte-Educação e História à Distância da UNICENTRO; os quais, cada um ao modo e segundo suas possibilidades e capacidades – o mesmo valendo para a Academia Romany, de Guarapuava –, nos brindaram institucional, logística e politicamente (a Reitoria, bem como o SEHLA – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes), tecnológica, institucional e didático-pedagogicamente (O Curso de História a Distância) e, enfim, artisticamente (o Curso de Arte-Educação e a Academia Romany, suas professoras, alunas e alunos, que nos prestigiaram com belíssimos espetáculos), em prol de uma Universidade aberta, laica, gratuita e de qualidade. Capítulo à parte deve ser concedido à Fundação Araucária, pelo apoio financeiro e pela compreensão em relação às contingências que ocorrem em todo grande evento; mas, principalmente, por ter acreditado na proposta de evento, para muitos audaciosa, então submetida à apreciação da mesma no início de maio de 2009. Outro capítulo à parte deve ser concedido aos alunos e alunas do Curso de Filosofia da UNICENTRO, que, à primeira hora, abraçaram a causa pela realização de um Congresso de Filosofia propriamente científico e, como bons anfitriões, estiveram presentes em todas as ocasiões importantes, bem como do primeiro ao último minuto deste I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO; o que deve ser estendido às estagiárias e aos professores do DEFIL, especialmente aos que compuseram a Comissão Organizadora e as equipes de apoio. Por fim, mas não menos importante, este Congresso não teria a projeção e o alcance que teve não fosse o grande número de submissões de trabalhos e de inscrições de ouvintes; os quais percorreram distâncias consideráveis, vindos de vários estados brasileiros, I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página todo o Paraná – entre outros lugares. 2 em especial do Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro – além, é claro, de ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Nossos ANAIS estão assim organizados: 1. Apresentação; 2. Trabalhos completos; 3. Resumos de Palestras e 4. Resumos de Comunicações. Ainda que esses textos não constituam a totalidade do material apresentado e discutido durante o evento, esperamos que todos apreciem o que aí está escrito e, na medida do possível, possa ter uma imagem mais ou menos aproximada disso que no mesmo foi o caso. Mais uma vez agradecemos a todos que, de um modo ou de outro, colaboraram conosco nesse empreendimento e renovamos o convite para que também se façam presentes nos próximos eventos que poderemos então organizar. Coordenador do I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/II Colóquio Kant da SKB/PR; Chefe do Departamento de Filosofia da Página 3 UNICENTRO I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 TEXTOS COMPLETOS I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 AS OBSERVAÇÕES DE KANT SOBRE AS RAÇAS ATINGEM O UNIVERSALISMO DE SUA FILOSOFIA?1 Ricardo Terra USP/CEBRAP I Antes de tudo, eu gostaria de agradecer aos organizadores do I Congresso Nacional de Filosofia da Universidade Estadual do Centro-Oeste e do II Colóquio da seção Paraná da Sociedade Kant Brasileira pelo convite para proferir a conferência de abertura destes eventos. Em nome da diretoria da Sociedade Kant Brasileira gostaria de cumprimentar os organizadores pela programação do encontro. Graças aos temas e aos nomes dos participantes está garantida a grande densidade filosófica das conferências e dos debates, articulados sob o tema geral: ―Kant, Herança e Interpretação‖. É bom lembrar que há pouco mais de vinte anos Zeliko Lopáric, Valério Rohden, Guido de Almeida, Balthazar Barbosa e eu nos reunimos para elaborar a minuta de uma nova associação, que foi finalmente fundada por ocasião do I Congresso Kant Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro em 1988: a Sociedade Kant Brasileira. Na ocasião foi eleito como primeiro presidente o Prof. Zeliko Loparic. No regimento estava prevista a criação de regionais da Sociedade e foram fundadas as regionais do Rio de Janeiro, Campinas e Porto Alegre. A Seção Regional Rio de Janeiro organizou em Itatiaia, em 1997, o II Congresso Kant, ocasião em que decidimos fundar a revista Studia Kantiana, cujo primeiro 1 O texto que se segue é o resultado inicial de um trabalho em andamento. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página entidade. 1 número foi publicado em 1998. Na época o Prof. Valério Rohden era presidente da ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Desde então tivemos um extraordinário crescimento dos estudos kantianos no Brasil. Na saudação que pronunciei por ocasião da abertura do X Congresso Kant Internacional, em 1995, afirmei: ―A realização do X Congresso Kant no Brasil é o reconhecimento de nossos esforços e ao mesmo tempo um grande estímulo para prosseguir nosso projeto nas próximas décadas‖.1 E é justamente o que podemos constatar aqui hoje: a consolidação de mais uma seção da SKB, a seção Paraná, que já surgiu com um conjunto de pesquisadores da melhor qualidade. Meus votos de congratulação a todos os membros da regional e à sua diretoria, os Professores Daniel Peres, Vinícius Figueiredo e Ernesto Giusti. Esperamos que também a regional Nordeste se consolide, e temos a boa notícia da fundação da regional ―Gérard Lebrun‖ – Marília, São Carlos, São Paulo –, graças aos esforços do Prof. Ubirajara Rancan, que também é responsável por uma significativa ampliação da relação com nossos colegas italianos e portugueses. É da maior importância a troca de experiências com pesquisadores da filosofia kantiana que se expressam em outras línguas latinas, já que procuramos não só traduzir Kant para o português, mas também dotar nossa língua dos instrumentos necessário ao pensamento filosófico. II É notável o modo como os movimentos feminista e anti-racista provocaram revisões na história do pensamento, levando à releitura dos textos clássicos tendo em vista a posição que a mulher e as diferentes raças ocupam nessas filosofias. O silêncio sobre esses temas em grande parte de estudos históricos da filosofia, mesmo os referentes à filosofia política, não deixa de ser bastante significativo. Questões como 1 TERRA, Ricardo ―Begrüssungsansprach anlässlich der Eröffnung des X. Internationalen KantKongresses―, in Rohden, Terra, Almeida, Ruffing (editores) Recht und Frieden in der Philosophie Kants. Berlin, de Gruyter, 2008. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página feminino no pensamento aristotélico dificilmente é tematizada. 2 a da escravidão no pensamento de Aristóteles são lembradas, mas a situação do ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Em épocas distintas, asserções sobre essas questões certamente têm significados muito diferentes. A situação é bastante diversa se certa filosofia apenas repercute as concepções presentes em uma sociedade (como no caso de Aristóteles), ou se está reagindo a mudanças que começam a ser perceptíveis na sociedade (como no caso de Nietzsche, que reage a movimentos por direitos iguais). A reconstrução ou crítica das filosofias deveria levar essas diferenças em conta. Quando se pensa na história dos efeitos ou na atualização das filosofias, certos temas passam a ter uma importância muito maior ou menor do que tinham na época em que as obras foram escritas. Ora, a vitalidade do pensamento está justamente na possibilidade de ser atualizado, ou seja, de nos ajudar a pensar criticamente as questões do presente. Ao lado das tentativas de atualização, há outro movimento, em certo sentido a elas oposto, que é a perspectiva de culpabilização dos clássicos e de certas posições filosóficas. Culpa-se Marx pelo Gulag, culpa-se a razão por Auschwitz. Há uma espécie de estratégia da suspeita generalizada, que pretende ser radical mas acaba se autodestruindo em contradições performativas. Usa-se a razão para criticar radicalmente a razão, a democracia contra a democracia, a tolerância contra a tolerância. III Levando em conta esta reflexão esquemática sobre a atualização das filosofias, eu gostaria de formular a seguinte questão: ―As observações de Kant sobre as raças atingem o universalismo de sua filosofia?‖. Trata-se de um tema em que venho seguintes: I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Os principais textos kantianos em que a questão das raças aparece são os 3 trabalhando ultimamente, e cujos resultados, ainda parciais, exponho a seguir. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 1. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime. (1764) 2. Notas sobre as Observações sobre o sentimento do belo e do sublime. (Ak, XX) 3. ―Das diferentes raças humanas.‖ (Texto publicado para o anúncio das aulas de geografia física do semestre de verão de 1775. Outra versão foi publicada em 1777, na obra de J. J. Engel Philosoph für die Welt. Cf. Ak, II, 518.) 4. ―Definição do conceito de raça humana.‖ (Berlinische Monatschriften, novembro de 1785. Texto aparentemente suscitado por juízos sobre o artigo anterior de Kant sobre as raças. Cf. Ak, VIII, 479.) 5. ―Sobre o emprego dos princípios teleológicos na filosofia.‖ (Der teutsche Merkur, janeiro-fevereiro de 1788. Duplo propósito: 1. Responder às objeções de Georg Forster dirigidas à ―Definição do conceito de raça humana‖ e também ao ―Começo conjectural da historia humana‖; 2. Afirmar a concordância com as Cartas sobre a filosofia kantiana, de Reinhold. Cf. Ak, VIII, 487.) 6. Antropologia de um ponto de vista pragmático. (1798) 7. Geografia Física. (1802) 8. Lições de antropologia. Como dito, o que apresentarei aqui é um trabalho em andamento e que será 1. Na primeira, retomarei algumas análises críticas a respeito da questão das raças no pensamento kantiano. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 4 articulado em três partes: ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 2. Na segunda, abordarei rapidamente as Observações sobre o sentimento do belo e do sublime, juntamente com as Notas sobre as Observações. 3. Finalmente, abordarei o texto de 1775 acerca ―das diferentes raças humanas‖. Como se vê, minha análise se restringirá a textos pré-críticos. Mas acredito que os argumentos valem, com força ainda maior, para os textos críticos. Não se trata de minimizar a importância daquelas afirmações de Kant que saltam aos nossos olhos como etnocêntricas e racistas. Trata-se apenas de distinguir com clareza o estatuto teórico da antropologia, de um lado, e aquele da filosofia política e da doutrina do direito, de outro. A desconsideração dessa distinção pode levar a grandes equívocos, relativos aos preconceitos eurocêntricos presentes em algumas passagens e que, segundo certos autores, deveriam levar–nos a questionar o universalismo da moral kantiana. Como exemplo desses equívocos, vale mencionar os artigos de Robert Bernasconi ―Who Invented the Concept of Race? Kant´s Role in the Enlightenment Construction of Race‖1 e ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖,2 e também o artigo de Emmanuel Chukwudi Eze, ―The Color of Reason: The Idea of ´Race´ in Kant´s Anthropology‖.3 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página BERNASCONI, Robert, ―Who Invented the Concept of Race? Kant´s Role in the Enlightenment Construction of Race‖, in: BERNASCONI, R (ed) Race. Blackwell, 2001. 2 BERNASCONI, Robert, ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖, in: Ward, J. e Lott, T. ed. Philosophers on Race. Critical Essays. Blackwell, 2002. 3 EZE, Emmanuel Chukwudi, ―The Color of Reason: The Idea of ´Race´ in Kant´s Anthropology‖, in: EZE, E.C. (ed) Postcolonial African Philosophy. Cambridge, Blackwell, 1997. Devido à limitação de espaço, não será possível comentar esse artigo, mas pode-se dizer que violenta o texto kantiano, por exemplo, em relação ao conceito de transcendental, e também que se utiliza da mesma retórica da suspeição presente em Bernasconi. 5 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 No primeiro artigo em questão, Bernasconi examina os candidatos ―à honra duvidosa de ser o inventor do conceito de raça‖.1 Nesse contexto, a referência ao texto de 1775, ―Das diferentes raças humanas‖, torna-se central. A questão da diferença na aparência e nos costumes dos homens ganhou vulto na época de Kant, principalmente devido aos relatos de viagens. E é nesse quadro que o conceito de raça se torna uma questão importante para o conhecimento. O que Kant busca são critérios para a classificação de raças. Em vez de reconstruir esse debate de época, no entanto, Bernasconi exercita apenas uma retórica da suspeição, o que já se mostra no próprio título do artigo. Ele sugere que na gênese do conceito já estão presentes, em grande medida, as suas utilizações posteriores. Esse estado de coisas se agrava ainda mais no caso do segundo artigo. Parafraseando o título de um artigo de Isaiah Berlin, ―Kant as an Unfamiliar Source of Nationalism‖, mas diferentemente dele, cuja intenção é estudar como certas idéias são transformadas em seu contrário, Bernasconi toma o título literalmente. Sua tese é a de que, ―apesar do cosmopolitismo confesso, que é evidente em certos ensaios como a ‗Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita‘, encontram-se também em sua filosofia expressões de um racismo virulento e fundado teoricamente em um tempo em que o racismo científico estava ainda em sua infância‖.2 Para Bernasconi, o humanismo, o igualitarismo e o cosmopolitismo seriam limitados e eurocêntricos. A acomodação histórica desses movimentos com o racismo perpassaria toda a modernidade e Kant não escaparia desse quadro, já que ―caracteriza os negros, os americanos nativos e em certa medida também outras raças de tal maneira que sugere que lhes falta a autonomia para contarem como agentes morais plenos. Em outras palavras, não é apenas uma questão de como 1 BERNASCONI, Robert, ―Who Invented the Concept of Race?‖, p. 15 BERNASCONI, Robert, ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖, in: Ward, J. e Lott, T. ed., Philosophers on Race. Critical Essays. Blackwell, 2002, p. 145. 2 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 6 negros e americanos nativos são vistos na teoria moral de Kant, mas também uma ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 questão de saber se Kant pensou sobre eles de tal maneira que comprometeu a universalidade de sua teoria moral universal‖.1 Bernasconi não para por aí. Refere-se ao livro de Horkheimer e Adorno, Dialética do esclarecimento, no sentido de indicar a vinculação do seu humanismo, igualitarismo e cosmopolitismo com o racismo. Cito: ―Se alguém aceita a sugestão de Horkheimer e Adorno na Dialética do Esclarecimento, segundo a qual o humanismo, o igualitarismo e o cosmopolitismo não contradizem tanto o racismo, mas prestam-se a ele, afirmando-o enquanto tentam negá-lo, mais questões do que respostas são criadas e, então, [tal sugestão] pode ser tomada apenas como ponto de partida. Por que tantos pensadores esclarecidos foram aparentemente incapazes de articular o novo sentido de humanidade sem ao mesmo tempo desenhar-lhe os limites mais rígida e explicitamente que antes? O registro histórico não mostra que o cosmopolitismo não apenas não foi introduzido para combater o racismo, mas também que prontamente o acomodou?‖.2 Convém dizer, de saída, que concordo com Thomas McCarthy (―Die politische Philosophie und das Problem der Rasse‖3) quando ele diz que Bernasconi exagera ao pretender que as afirmações de Kant sobre as raças comprometam suas pretensões universalistas. Nesse sentido, é necessário distinguir uma perspectiva, digamos, antropológica, baseada em relatos de viagens, da perspectiva de uma I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Idem p. 161. Thomas McCarthy depois de reconhecer a relevância dos artigos de Bernasconi e Eze para sua própria análise da relação da filosofia política com o problema da raça no que diz respeito ao pensamento kantiano, escreve: ―não obstante, penso que Bernasconi e Eze exageram a medida em que o pensamento de Kant relativo às raças aniquila seu projeto filosófico como um todo‖, ―Die politische Philosophie und das Problem der Rasse‖, in: WINGERT, L. e GÜNTHER, K. eds., Die Öffentlichkeit der Vernunft und die Vernunft der Öffentlichkeit. Frankfurt, Suhrkamp, 2001, p. 631 2 BERNASCONI, Robert. ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖, in: WARD, J. e LOTT, T. ed. Philosophers on Race. Critical Essays. Blackwell, 2002, p 146. Ver também a passagem: ―Kant caracteriza negros e americanos nativos e em certa medida outras raças de maneira que sugere que lhes falta a autonomia para contar como plenos agentes morais. Em outras palavras, não é somente uma questão de como negros e americanos nativos são vistos dentro da teoria moral de Kant, mas também uma questão de saber se ele pensou sobre aqueles de tal modo que comprometeu a universalidade da sua teoria moral universal‖, idem pag. 161 3 MCCARTHY, Thomas. ―Die politische Philosophie und das Problem der Rasse‖, in: WINGERT, L. e GÜNTHER, K. eds. Die Öffentlichkeit der Vernunft und die Vernunft der Öffentlichkeit. Frankfurt, Suhrkamp, 2001, p. 631. 7 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 filosofia da história e, por fim, da perspectiva político-jurídica. Ao contrário de Ritter,1 acredito que haja uma distinção entre uma doutrina do direito pré-crítica e outra crítica, mas no plano da antropologia, pelo menos na maneira de tratar os dados empíricos, há certa continuidade no pensamento kantiano sobre os diversos povos. Mas tratemos agora dessa questão na década de 1760 e 1770, Nas Observações e Notas e, depois, no texto sobre as raças. IV Para a defesa de sua tese, Bernasconi se utiliza de algumas passagens desses textos que são ―racistas‖ em relação aos índios americanos e aos negros. Como já disse, pretendo chamar a atenção para o estatuto específico do discurso antropológico relativamente à filosofia da história e à perspectiva político-jurídica, que estão em formação nesse período, de modo a desfazer as suspeitas contra o universalismo nascente.2 Podemos ler, nas Observações, que ―entre todos os selvagens, nenhum outro povo demonstra um caráter espiritual tão sublime como o da América do Norte. Possuem um forte sentimento de honra e, para alcançá-la, buscam selvagens aventuras por centenas de milhas e são extremamente atentos em preservá-las do menor prejuízo, mesmo quando um inimigo feroz, depois de tê-los feito prisioneiros, procura forçá-lo a um gemido covarde por meio de terríveis torturas. O selvagem canadense é, aliás, sincero e honesto‖.3 Um pouco adiante, lemos o seguinte: ―Licurgo provavelmente 1 RITTER, C. Der Rechtsgedanke Kants nach den frühen Quellen. Frankfurt, V. Klostermann, 1961. Para uma ampla análise da concepção de raça no pensamento kantiano, que leva em conta os diferentes estatutos epistemológicos e práticos dos textos de Kant, ver de LAGIER, Raphaël, Les races humaines selon Kant. Paris, PUF, 2004. 3 KANT, I. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime, Ak. II, 253 ; Trad. Vinicius de Figueiredo. Campinas, Papirus, 1993, p. 76. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 8 2 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 deu leis semelhantes a selvagens e, se um legislador surgisse entre as seis nações, veríamos elevar-se uma republica espartana no Novo Mundo‖.1 Os selvagens da América do Sul, por outro lado, seriam diferentes daqueles da América do Norte: ―Os Sul-Americanos são indiferentes e fleumáticos, os negros são muito levianos e vaidosos, os europeus são vivazes e impetuosos‖.2 (Bem. Ak, XX, 166). Em relação aos negros, as afirmações racistas são mais pronunciadas ainda. Kant escreve: ―Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que se eleve acima do ridículo. O senhor Hume desafia qualquer um a citar um único exemplo em que um negro tenha demonstrado talentos, e afirma: dentre os milhões de pretos que foram deportados de seus países, não obstante muitos deles terem sido postos em liberdade, não se encontrou um único sequer que apresentasse algo grandioso na arte ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre os brancos, constantemente arrojam-se aqueles que, saídos da plebe mais baixa, adquirem no mundo certo prestígio, por força e dons excelentes‖. (Beob. Ak, II, 253)3 Argumentos semelhantes às vezes são usados em relação às mulheres, por exemplo quando se pergunta por que tão poucas mulheres se tornaram grandes filósofas ou cientistas. 1 Idem, Ak.II, 253; 76. Bemerkungen zu den Beobachtungen über das Gefühl des Schönen und Erhabenen, Ak. XX, 166. 3 Vejamos o texto do próprio Hume: ―Eu me inclino a suspeitar que os negros são naturalmente inferiores aos brancos. Praticamente nunca existiu uma nação civilizada com aquela compleição, nem sequer um individuo eminente seja na ação seja na especulação. Não existem manufaturas engenhosas entre eles, nem artes nem ciências. Em contrapartida, mesmo os mais rudes e bárbaros dos brancos, como as antigos Alemães ou os Tártaros no presente, apresentam algo de eminente entre eles (...) Semelhante diferença uniforme e constante, não poderia acontecer em tantos países e épocas se a natureza não tivesse feito uma distinção original entre essas raças de homens. Sem mencionar nossas colônias, existem escravos negros dispersos por toda a Europa, e nunca se descobriu em qualquer um deles algum sinal de engenhosidade, enquanto membros brancos da classe baixa, sem educação, são capazes de progredir e se destacar em qualquer profissão‖. HUME, David. ―Do caráter nacional‖. In: Ensaios Políticos & Literários. Rio de Janeiro, Topbooks Editora, 2004, p. 344. Outras passagens de Kant: ―nas terras dos negros o que esperar de melhor do que ordinariamente lá se encontra, ou seja, o sexo feminino na mais profunda escravidão? (Beob. II, 254; 77); ―esse sujeito era preto da cabeça aos pés, argumento suficiente para considerar irrelevante o que disse‖. (Beob. II, 255; 78). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 9 2 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 O próprio Kant, no entanto, esclarece sua perspectiva. Depois de constatar que alguns homens podem gostar de algo que outros detestam, que o que é repugnante para uma pessoa pode ser indiferente para outra, diz ele: ―O campo de observações dessas particularidades da natureza humana estende-se a perder de vista, e oculta ainda descobertas tão agradáveis quanto instrutivas. Aqui lanço meu olhar, mais de observador do que de filósofo, apenas sobre alguns pontos que parecem apresentar-se como relevantes nessa área.‖ (Beob. Ak, II, 207; 19). E, mais adiante, prossegue: ―Minha intenção não é descrever minuciosamente os caracteres das nações, mas apenas esboçar traços que neles exprimem os sentimentos do sublime e do belo. É fácil supor que tal esboço apenas seja capaz de limitada exatidão, que os modelos não possam surgir senão do grande acervo daqueles que almejam a um sentimento refinado, e que nenhuma nação encontre-se privada das disposições de espírito que reúnem as qualidades eminentes desse tipo. A censura que eventualmente possa recair sobre um povo não pode, por isso, ofender a ninguém, pois é de tal ordem que cada um pode lançá-la ao vizinho como lança uma bola. Se essas diferenças nacionais devem-se ao acaso, se dependem de época e forma de governo ou se são necessariamente ligadas ao clima, isso não investigo aqui‖. (Beob. Ak, II, 243; 65). Essas últimas passagens devem ser lidas com cuidado, de modo que possamos diferenciar os estatutos dos textos: o que é observação empírica e o que é reflexão filosófica. Kant depende para a sua observação de relatos de viagens, já que só conhecia pessoalmente os arredores de Königsberg. Além disso, a perspectiva empírica tem de ser considerada no quadro de suas limitações. A censura que um povo faz a outro pode ser feita de volta ao primeiro. E devemos levar em conta a disposições de espírito que reúnem as qualidades eminentes desse tipo‖. Kant Página incluiria entre as nações os selvagens e os negros da África? 10 afirmação de que se pode supor que ―nenhuma nação encontre-se privada das I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Mesmo assim, é certo, as afirmações racistas são brutais. Em que medida, porém, interferem elas na elaboração da filosofia kantiana? Haveria alguma influência das observações antropológicas racistas na elaboração conceitual? Segundo Vinícius Figueiredo, tradutor para o português das Observações sobre o sentimento do belo e do sublime, ―na descrição dos comportamentos humanos, o ideal de elegância, formulado conforme os parâmetros do refinamento, prefigura com nitidez a figura do homem esclarecido que, mais tarde como aqui, caracteriza-se por uma conduta norteada pela crítica. Guardadas as diferenças, as Observações, como aponta seu desfecho, já delineiam a antropologia do Esclarecimento, apropriando-se de duas idéias centrais do século XVIII, a educação e o cosmopolitismo: ambas se encontram aí articuladas pela aposta de Kant na consolidação, tanto nas artes como nas ciências, do gosto do jovem cidadão do mundo, o Weltbürger.‖1 Podemos perfeitamente considerar, assim, que as observações antropológicas empíricas não condicionam necessariamente a elaboração da visão kantiana em relação à educação, à Aufklärung e ao universalismo de sua perspectiva. Como contraprova, procuremos observar a formação do pensamento político jurídico kantiano nas Notas sobre as Observações e Reflexões, dos anos 1760 e 1770. O estado de natureza é visto por Kant em pelo menos três perspectivas: uma ―antropológica‖, baseada em observações sobre os selvagens; outra político-jurídica, em que o estado de natureza aparece como idéia; e, finalmente, uma terceira - que não será aqui analisada -, vinculada à filosofia da historia, em que a passagem de uma situação primitiva para o estado civil será pensada de maneira diferente, desempenhando o antagonismo um papel fundamental. Em relação à perspectiva antropológica, pode-se ler em Les Sources françaises de FIGUEIREDO, Vinícius. « Introdução » a Kant Observação sobre o sentimento do belo e do sublime. Campinas, Papirus, 1993, p. 12, ver também Figueiredo, V. 1762-1772 Estudo sobre a relação entre método, teoria e pratica na gênese da critica kantiana. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, 1998. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 11 la philosophie de Kant, de Jean Ferrari, que, ―quando Kant procura um equivalente ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 do homem da natureza no selvagem ou no primitivo, não pode esconder sua decepção. (...) Em geral, Kant não partilha o entusiasmo de seu século pelo bom selvagem e descreve o homem primitivo como um ser próximo da animalidade‖.1 Bem diversa, como vimos insistindo, é a perspectiva ―político-jurídica‖, em que o estado de natureza é considerado uma ideia. Veja-se, por exemplo, a Reflexão 6593 (1764-1768): ―O estado de natureza: um ideal de Hobbes. Considera-se aqui o direito no estado de natureza e não o factum. Prova-se que seria arbitrário deixar o estado de natureza, mas necessário segundo as regras do direito‖. Assim, o contrato social também será considerado uma idéia, e não um fato histórico: ―O contractus originarius não é o principio de explicação da origem do status civilis, mas de como deveria ser‖ (Refl. 7740 (1773-5 ?, 1778-9 ?, 1776-8 ?)). O estado civil é um estado jurídico e o contrato é um principio regulador, uma norma para o direito político (Refl. 7416 e 7738). Como contrato, é apenas um direito ideal (Refl. 7737). Ora, ―o contrato social não é o principium do estabelecimento do Estado, mas aquele de sua administração, e compreende o ideal da legislação, do governo e da justiça pública‖ (Refl. 7434). A Reflexão 7416 (1766/8, 1790??), por seu turno, é bastante clara: ―Non est pacto reali sed ideali, weil der Zwang voran geht‖.2 Há uma separação completa entre a perspectiva antropológica e a político-jurídico, o conceito de estado de natureza e contrato social são ideias que participarão do sistema jurídico universalista. O estado de natureza, portanto, é caracterizado como um estado de ausência do direito, vindo daí a obrigação de realizar o contrato. Na concepção dos anos 1790, o estado de natureza é uma ideia: ―prescindimos da experiência e não descrevemos um fato, como não é algum fato que torna FERRARI, Jean, Les sources françaises de la philosophie de Kant. Paris, Librairie Klincksieck, 1979, p.186. 2 Cf. TERRA, R. A Política tensa. Ideia e Realidade na Filosofia da História de Kant. São Paulo, Iluminuras, 1995, 26 e seguintes. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 12 necessária a saída do estado de natureza, o qual não é apresentado como ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 composto por fases; a mudança não seria forçada pelo agravamento da situação de guerra. A exigência de sair do estado de natureza será caracterizada como a priori, como uma exigência puramente racional, e não como um misto de razão e paixão.‖1 Dessa maneira, pode-se dizer, contra a leitura de Bernasconi, que as observações racistas de Kant não têm nenhuma influência no universalismo da doutrina políticojurídica então em construção. As descrições dos diferentes povos, baseadas em relatos de viagem, e mesmo as tentativas de classificar as raças, têm um estatuto teórico diferente tanto da ciência propriamente dita como da filosofia prática. V - “Das diferentes raças humanas” Antes de entrar na análise do texto sobre as raças de 1775, convém lembrar que Kant ministrou cursos de Geografia Física de 1756 a 1796. Segundo Michele CohenHalimi, ―o curso de Geografia Física acompanhou, por assim dizer clandestinamente, todo o percurso filosófico de Kant, já que só foi editado tardiamente, em 1802: nos 268 ciclos de cursos que o filósofo de Königsberg assegurou durante toda sua atividade acadêmica, iniciada em 1755 e terminada em 1796, 54 foram consagrados à lógica e à metafísica, 49 à geografia física, 46 à ética, 28 à antropologia, 24 à física teórica, 20 às matemáticas, 16 ao direito, 12 à enciclopédia das ciências filosóficas, 11 à pedagogia, 4 à mecânica, 2 à mineralogia e apenas 1 à teologia‖.2 Kant era um leitor assíduo de relatos de viagens e dependia de tais textos como fonte de informações. ―Kant diz, em mais de uma ocasião, que esperava os resultados de tal ou qual viagem de exploração em curso, e esperava notadamente as informações de Humboldt‖.3 É importante lembrar que a qualidade e a veracidade desse tipo de informação variavam muito, pois, além de Humboldt, havia muitos 1 TERRA, R. op. cit. P. 34 COHEN-HALIMI, M. ―Introduction‖ à tradução de Kant Géographie. Paris, Aubier, 1999, p. 10. 3 Idem, ibidem. 2 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 13 aventureiros, comerciantes e padres cujos relatos eram lidos na época. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Diferentemente do que vimos nas Observações e das Notas sobre as observações, no entanto, a preocupação maior de Kant nas ―Diferentes raças‖ está na caracterização do que é uma raça e nos critérios de classificação. Ainda assim, encontramos afirmações racistas semelhantes às daqueles textos. Por exemplo: ―aos indígenas desse continente faltam em geral as faculdades e a resistência‖ (Racem. Ak, II, 438). E também: ―o negro é bem adaptado a seu clima, a saber é forte, carnudo, ágil; mas, pelo fato da abundância material de que se beneficia seu pais natal, é ainda preguiçoso, mole e frívolo‖ (Racem. Ak, II, 438). No sentido de verificar como podemos lidar com isso, detenhamo-nos esquematicamente em alguns aspectos do texto: (1) a distinção entre classificação escolástica e historia natural; (2) a definição de raça; (3) a polêmica relativa às várias criações do homem (ou uma só); e a questão da posição kantiana contra Maupertuis, que propunha um melhoramento da humanidade, Tais são, segundo entendo, os elementos necessários para discutir a tese de Bernasconi. Com vistas a isso, demos a palavra a Gérard Lebrun em Kant sans kantisme, uma recém publicada coletânea de artigos em que ele procura mostrar como Kant distingue a descrição da natureza e a história natural. A descrição preocupa-se apenas com a classificação, quando, por exemplo, alinhamos o cachorro e o gato como animais quadrúpedes. já o historiador da natureza vai mais longe, buscando nas espécies filiações ou formações derivadas, como as raças.1 ―Entendemos por raças grupos caracterizados por traços ‗infalivelmente hereditários‘ sem formar, entretanto, espécies, pois a fecundidade dos cruzamentos entre esses grupos torna mais verossimilhante sua derivação de um mesmo tronco comum. Essa noção de raça, à qual as descrições da natureza permanecem indiferentes, é ao contrário 1 Cf. LEBRUN, G. Kant sans kantisme. Paris, fayard, 2009, p. 264. ―A divisão escolástica se faz por classes, reparte os animais segundo a semelhança; a divisão da natureza se faz pelo tronco (Stamm), ela reparte segundo o parentesco, do ponto de vista da geração‖ (Ak. II, 429). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página regra enunciada por Buffon: ‗todos os animais suscetíveis de procriar filhos também 14 indispensável ao historiador da natureza, que, ele, tem em vista prioritariamente a ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 fecundos, qualquer que seja sua diversidade de forma, pertencem, entretanto, a um único e mesmo gênero físico‖.1 Essa caracterização de Bufon é, de fato, fundamental para Kant, já que aponta para o caráter único da humanidade. O tronco original teria tido uma série de germes, que se desenvolveram em certas circunstâncias de clima, como temperatura e umidade. Depois que os germes se desenvolveram, eles passaram para as gerações seguintes sem retorno. Os descendentes de negros que nasceram na Europa, mesmo depois de muitas gerações, continuam a ser negros. Contra vários pensadores da época, inclusive Voltaire, Kant afirma a descendência familiar única, e não a pluralidade de criações. Certos autores, ―estimando impossível unificar esta multiplicidade no seio do gênero humano, admitem para explicá-la uma multidão de criações locais. Dizer com Voltaire: ‗Deus criou a rena na Lapônia para comer o musgo dessas regiões glaciais, e também criou nesses lugares o lapão para comer essa rena‘ não é uma má invenção para o poeta; mas é um mau expediente para o filósofo, que não tem o direito de abandonar a cadeia das causas naturais senão quando a vê manifesta e imediatamente ligada ao acaso‖. (Racem. Ak, II, 440). Se os homens fossem semelhantes sem ser aparentados (tendo a mesma ascendência), ―seria preciso admitir um bom número de criações locais, teoria que multiplica sem necessidade o número das causas.‖ (Racem. Ak, II, 430) Kant não apenas afirma a origem comum de todos os homens, como também recusa toda forma de eugenia: ―É sobre essa possibilidade de estabelecer, por uma triagem cuidadosa entre os recém nascidos degenerados e os recém nascidos bem constituídos, uma linhagem familiar durável, que repousava a idéia de M. de em minha opinião, seria nele mesmo realizável, mas é evitado completamente pela 1 Idem, p. 264. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página em que a inteligência, a habilidade e a retidão seriam hereditárias. Projeto este que, 15 Maupertuis projetando o desenvolvimento, em algum lugar, de certa linha humana ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 sábia natureza; pois precisamente nessa mistura de bem e do mal residem os grandes impulsos que colocam em movimento as forças adormecidas da humanidade, obrigando-a a desenvolver todos os seus talentos e a tender em direção à perfeição de seu destino‖ (Racem. Ak, II, 431). À guisa de conclusão, eu gostaria de voltar ao texto de Gerard Lebrun para dele extrair a seguinte afirmação:―é a um duplo título, parece, que a ‗teoria das raças‘ está em conexão com a Ideia de uma história universal. Em primeiro lugar, ela dá sua maior consistência à ideia de um gênero humano unitário: a ‘humanidade‘ não é certamente um agregado de espécies que viriam de criações locais dispersas. ‗Provenientes de um mesmo tronco, os homens pertencem não apenas ao mesmo gênero, mas a uma mesma família‘ (Racem. Ak II, 430). Daí a expressão ‗historia universal‘ toma todo o seu sentido. Em segundo lugar, esse reconhecimento da unidade humana é inseparável da investigação histórica, em um sentido desta palavra cuja novidade é revelada por Kant‖.1 É inegável que encontramos nos textos de Kant muitas passagens de caráter racista e eurocêntrico. Segundo procurei mostrar, no entanto, tais considerações não atingem o universalismo dos conceitos filosóficos, mesmo no período pré-critico. A elaboração do conceito de raça não contém, nela mesma, as conotações que lhe seriam atribuídas nos séculos XIX e XX. Com Lebrun e Monique Castillo, podemos relacionar a teoria das raças a uma perspectiva universalista, à história universal de um ponto de vista cosmopolita, e, assim, afastarmo-nos da leitura empobrecedora 1 Idem, p. 265. Ver também : CASTILLO, Monique Kant et l´avenir de la culture. Pars, PUF, 1990, p. 79 e seguintes. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 16 de Bernasconi. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 REPRESENTAÇÕES NÃO-CONSCIENTES EM KANT1 Versão introdutória Valerio Rohden PUCPR/UFSC [email protected] Procurarei abordar o tema da presença de atividades não-conscientes na elaboração do conhecimento em Kant a partir da afirmação em sua Reflexão 177: ―Todos os atos do entendimento e da razão podem ocorrer na obscuridade.‖2 Para uma filosofia fundada na autoconsciência a frase surpreende. O título das Reflexões sobre Antropologia que despertou minha atenção chama-se: ―Das representações que temos sem ser conscientes delas‖. Na verdade, se trata do mesmo título do § 5 da Antropologia de um ponto de vista pragmático3, segundo cujos critérios, também em relação com os demais parágrafos desta obra, aquelas Reflexões foram agrupadas. Essa classificação de reflexões avulsas de Kant, direcionadas aos seus cursos de antropologia ainda que não usadas em classe, foi procedida por Erich Adickes, segundo seu Prefácio de 1913 ao volume XV, tomos 1 e 2, da Edição da Academia de Berlim.4 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página O presente texto foi também publicado em AdVerbum, revista digital de filosofia da psicanálise, v. 4, nº 1, jan/jul 2009, pp. 3-9. 2 KANT, I. Reflexionen zur Anthropologie. Kant´s gesammelte Schriften. Akademie-Ausgabe = AA. Band XV/1. Berlin und Leipzig: Walter de Gruyter, 1923, p. 65. Tradução em andamento na PUCPR, com apoio da Fundação Araucária. 3 KANT, I. Anthropologie in pragmatischer Hinsicht. Akademie Textausgabe. Bd. VII. Berlin: Walter de Gruyter, 1968. (abrev.: Anth). Antropologia de um ponto de vista pragmático. Trad. Clélia Aparecida Martins. S. Paulo: Iluminuras, 2006; Antropologia em sentido pragmático. Traducción de Mario Caimi (no prelo). 4 A tradução dessas Reflexões sobre Antropologia encontra-se em andamento na PUCPR, com a participação dos professores Valerio Rohden e Daniel Omar Pérez e com o apoio da Fundação Araucária. 1 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 O título sugere uma distinção entre dois grupos de representações: de representações das quais somos conscientes, e de representações das quais não somos conscientes. Quando Kant, na Crítica da razão pura, ao final da primeira seção do livro I da Dialética transcendental, para situar a representação ―ideia‖, estabeleceu uma escala de denominação de diferentes espécies de representações, ele escreveu que o gênero, no caso, é a ―representação em geral‖, acrescentando: ―Sob ele está a representação com consciência (perceptio).1 Todas as demais representações que se seguem são especificações dessa representação com consciência. Isso faz supor que sob as representações em geral poderia supor-se um segundo grupo, o das representações sem consciência, acerca das quais Kant não se ocupa senão fugidiamente, como quando escreve na sua teoria do esquematismo: ―Este esquematismo de nosso entendimento é uma arte oculta nas profundidades da alma humana, cujo verdadeiro manejo dificilmente arrebataremos algum dia à natureza de modo a poder apresentá-lo sem véu.‖2 Aqui já se vê que o entendimento na produção de esquemas para fenômenos enreda-se em representações que, embora essenciais para a produção do conhecimento, fogem de seu controle. Outra forma de agrupar as representações é a apresentada no quadro geral das faculdades do ânimo3. Nele constam três grupos de faculdades de representação: primeiro, das faculdades de conhecimento, segundo, do sentimento de prazer e desprazer e, terceiro, da faculdade de apetição. Kant curiosamente diz que o parentesco ou a afinidade entre as faculdades de representação é maior que o que se encontra entre as faculdades de conhecimento superiores (entendimento, juízo e razão), e que aquelas têm como princípio comum – além do qual não se deve ir – a faculdade do juízo. É, pois, provável que no juízo de gosto, que propicia a passagem entre as faculdades teóricas e práticas, oculte-se um grande número de I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página KANT, I. Crítica da razão pura. Trad. Valerio Rohden e Udo B. Moosburger. São Paulo: Abril Cultural, 1980, B 376 (abrev.: KrV). 2 KrV B 180 3 KANT, I. Crítica da faculdade do juízo. Trad. Valerio Rohden e António Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, B LVIII (abrev.: KU). 2 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 representações não-conscientes. Esse em verdade é um âmbito que, por chamarse de âmbito da faculdade de juízo reflexiva, nos surpreende que possa abrigar também representações não-conscientes. Kant determinou as representações não-conscientes como representações obscuras. Na Reflexão 176, escrita em latim, consta: Obscurarum perceptionum campus est amplissimus (o campo das percepções obscuras é amplíssimo). E elenca entre elas todos os conhecimentos, todas as representações que conseguimos recordar e outras que não conseguimos perceber microscópica ou telescopicamente, as representações parciais do entendimento, as representações filosóficas que contribuem formalmente para o conhecimento, mais especificamente as representações morais e as do gosto. No mapa do conhecimento a maior parte das percepções carece de cor ou é fracamente iluminada em suas diferenças. Mas mais enfaticamente Kant se pronuncia a respeito das representações nãoconscientes na Reflexão 177, da qual destaco: 1. ―A maior parte do entendimento ocorre na obscuridade.‖ 2. ―Muito do que um juízo a partir de representações obscuras é vem a ser atribuído à sensação.‖ 3. As representações obscuras encobrem qualidades ocultas, p. ex., a raiva no olhar de um homem. 4. ―Representações obscuras são significantes de claras.‖ Clarear essas representações é uma atividade de parteira dos pensamentos. 5. ―Todos os atos do entendimento e da razão podem ocorrer na obscuridade.‖ 6. ―Representações obscuras frequentemente resistem às claras (medo da morte, abismo da reflexão).‖ I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página que pensamos nem sempre podemos expressar.‖ 3 7. ―Deleita-nos ceder algo às reflexões obscuras... A beleza é indizível‖. E ―o ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Esta última frase sugere-nos que o pensamento comporta uma significação maior do que a sua expressão, e que há uma obscuridade no pensamento que pode ser fecunda, mas não é clara ou distinta. Ela parece, à primeira vista, contrariar a posição de Wittgenstein do Tractatus, de que sobre o que não se consegue falar ou que não se consegue dizer claramente se deve calar. Em tese, Kant concordaria em que só o pensamento claro pode ser formulado, mas ele não limita o pensamento à sua expressão linguística. Sobre o que se deve calar, diria Kant, nem por isso se deixaria de pensá-lo obscuramente. O que então podemos fazer é recorrer agora ao texto da própria Antropologia de um ponto de vista pragmático e a seus comentários por Reinhard Brandt, no que concerne aos conceitos de representações claras e distintas, para ver se encontramos aí mais luz para melhor compreensão da posição de Kant. Em oposição às representações obscuras, entendidas como não-conscientes, as representações claras dependem de nossa ação, de nossa força de alma, do arbítrio, da atenção (cf. Reflexão 172). A clareza é voltada para a consciência dos objetos, e não para a consciência de si mesmo. Representações claras são todas as representações não-obscuras, que por sua vez são representações não imediatamente conscientes, que contudo podem vir a tornar-se mediatamente conscientes, por inferência. Nas representações claras diferenciamos um objeto de outro, mas ainda sem a diferenciação e ligação de suas partes, mediante cuja operação passam a chamar-se representações distintas. As representações distintas são representações claras que se estendem às partes e suas ligações, Por exemplo, nós distinguimos faculdades do ânimo: entendimento e razão, o lógico e o real, o material e o formal. A distinção é fruto da ordenação, da divisão em classes e especialidades e da própria sistematização. A consciência da composição pressupõe unidade, regra e ordem do múltiplo. A distinção é a clareza na I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página uma soma de representações em conhecimento. 4 composição das representações. Com o que só a representação distinta transforma ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Segundo o § 5 do livro da Antropologia, parece contraditório ter representações e não ser consciente delas. Por isso Locke rejeitou esse tipo de representações. Kant, ao invés, contemplou no gênero das representações apenas a espécie consciente, porque só ela parecia interessar à fundamentação do conhecimento. Embora a leitura do § 16 da Crítica da razão pura possa apresentar a propósito alguma dificuldade a esse respeito, talvez ela permita sua reinterpretação à luz de uma reflexão sobre as representações não conscientes. Senão de que modo as veríamos como compatíveis com a frase: ―O eu penso tem de poder acompanhar todas as minhas representações, pois do contrário seria representado em mim algo que não pudesse ser pensado, o que equivale a que a representação seria impossível, ou pelo menos para mim não seria nada‖ (KrV § 16, B 131-2)? Depois que tivermos mais adiante apreciado a interpretação que Claudio La Rocca oferece dessa passagem, entenderemos que o acompanhamento da autoconsciência constituir-seá como uma possibilidade estrutural, e que por isso Kant grifou a palavra pode. Ou seja, veremos ao nível da reflexão que a autoconsciência poderá acompanhar todas as reflexões, dando-lhes uma unidade judicativa, sem exclusão prévia de representações não-conscientes. Por isso também Kant contesta a negação de Locke, dizendo que ―podemos ser mediatamente conscientes de ter uma representação, ainda que não sejamos imediatamente conscientes dela‖ (Anth AA 135). Porque não podemos ser imediatamente conscientes de representações, elas chamam-se obscuras. Mas isso não exclui uma ambiguidade adicional no exemplo que Kant dá, de que se sou consciente de ver lá longe no campo um homem, mesmo sem ter a intuição de suas partes – cabeça, olhos, orelhas, nariz, boca etc. – com o posso ter certeza de ver lá um homem, se a representação total está composta de representações parciais? A proposta de Kant é de que não se trata de uma visão imediata, mas só que as representações do campo das intuições sensíveis e das sensações sejam I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página modo essa inferência pode processar-se fica omitido no texto. Segundo ele, mesmo 5 de uma inferência de que aquele objeto visto indistintamente é um homem? De que ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 obscuras, podemos inferir com certeza que as temos (cf. Anth AA 135). Do contrário nos moveríamos muito pouco, uma vez que o campo das representações obscuras no ser humano e nos animais é imenso, em contraste com os poucos pontos acessíveis das representações claras: ―No mapa der nossa mente... só poucos lugares estão iluminados‖ (ib.). Se fôssemos capazes de ver em ato o que se oculta em nossa memória, um mundo se abriria ao nosso olhar. Outro exemplo curioso é de que o nosso olho nu recebe a mesma quantidade de luz que um telescópio. O que nos leva a admitir que todos os objetos iluminados em nosso campo de visão de algum modo atingem nossa retina – mesmo que não sejamos conscientes disso – e que o telescópio não faz senão ampliar as imagens recebidas por nosso olho nu e assim transformar a presença de imagens não conscientes em imagens conscientes. Felizmente Kant recorre ainda a um exemplo que foge ao olhar e reclama a complementação do ouvido pela reflexão, pelo juízo e pelo entendimento. O exemplo é o da improvisação do músico executando uma fantasia ao órgão. Nessa fantasia não há nenhuma desafinação por qualquer golpe de dedo, de modo que a improvisação livre sai talvez mais primorosa que um trabalho diligentemente produzido. Isso me faz recordar o que Daniel Barenboim escreveu num livro, cujo título já é a propósito significativo: La musica sveglia il tempo (a música desperta o tempo)1, – ou seja, a música é capaz de elevar à consciência um tempo que afora isso se encontraria adormecido. O que Barenboim, administrador da Ópera de Berlin, nessas páginas do curso em Harvard sustenta é que a inteligência penetra profundamente o ouvido: La sensibilità musicale tuttavia è insuficente, a meno che non sia già unità di pensiero (p. 21). Talvez as explicações de Kant e Barenboim bebam da própria fonte da vida, que de um lado inspira o improvisador de uma fantasia e de outro produz a própria unidade de ouvido e entendimento nela. Nas 1 BARENBOIM, D. La musica sveglia Il tempo. Milano: Feltrinelli, 3ª. ed. jan. 2008 (1ª. ed. nov, 2007). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 6 palavras de Barenboim: Quindi tenterò l‟impossibile e cercherò diretto individuare ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 alcuni collegamenti fra l‟inesprimibile contenuto della musica e l‟inesprimibile contenuto della vita (p. 11). De análogas ilustrações ulteriores Kant conclui que ―o campo das representações obscuras é o maior no ser humano‖: nós jogamos com representações obscuras, ante as quais o entendimento, mesmo percebendo que se trate de representações enganosas, não consegue defender-se, e as quais não desaparecem mesmo que o entendimento as ilumine. O amor sexual é um desses casos em que a imaginação prefere mover-se na obscuridade. De outro lado, a mística apela à obscuridade artificial para atrair os que buscam a sabedoria através dela. Para fazer contrastar com essas representações obscuras as representações com consciência, Kant no § 6 da Antropologia trata da diferença entre ideias claras e distintas. Como vimos, a consciência das representações claras permite diferenciar um objeto de outro (cf. Anth AA 137). Ao invés disso, a consciência da clareza sobre a composição das representações chama-se distinção. Só a distinção produz conhecimento, porque nela é propiciada uma síntese de diferentes representações sob o pressuposto de uma unidade e de que ―só a distinção faz com que uma soma de representações se torne um conhecimento; no qual, visto que toda síntese com consciência pressupõe a unidade da consciência e uma representação para a síntese, pensa-se uma ordem na multiplicidade‖ (Anth AA 138). Desde esse ponto de vista, é o entendimento que, como faculdade de conhecer em sentido amplo, reúne a faculdade de apreensão das representações dadas, convertendo-as em intuições; a faculdade de abstração para produzir o comum a diversas representações, o conceito; e a faculdade de reflexão, para produzir o conhecimento do objeto. A distinção estende-se à diferenciação entre duas faculdades cognoscitivas: primeiro, a do sensus communis, que conhece as regras nos casos de aplicação; e, prática; a segunda chama-se também de engenho inteligente ou perspicaz. Mas é o I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página primeira chama-se também de são-entendimento, e é uma faculdade cognoscitiva 7 segundo, a da ciência, que conhece as regras em si mesmas, antes da aplicação. A ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 primeiro que é elogiado por Kant como uma mina de tesouros ocultos escondidos na profundidade do ânimo. Há casos em que, para a resolução de uma questão, é mais seguro seguir as regras universais inatas do entendimento, do que buscar princípios encontrados num estudo forçado e artificial do engenho escolástico – fazendo-se assim o resultado depender de fundamentos determinantes do juízo que residem na obscuridade do ânimo (tato lógico). Neste caso, ―a reflexão se representa o objeto de vários lados, e produz um resultado correto sem tornar-se consciente dos atos que o precedem no interior do ânimo‖ (Anth AA 140). Essa cooperação inconsciente entre ciência e senso comum mereceria um estudo específico. Nosso passo seguinte será apreciar brevemente os comentários de Reinhard Brandt a esses §§ 5 e 6, em seu Comentário crítico à Antropologia de Kant 1. De início, ele confessa com Beno Erdmann sua estranheza, de que as representações da razão prática, que detinham uma importância tão grande (―todo mundo sabe, só não está consciente‖), não tenham sido aí consideradas. Sabemo-lo nós mesmos, da Doutrina da virtude: ―Princípio da moral é uma metafísica obscuramente pensada‖.2 Interessante é a remissão de Brandt ao capítulo I da Física de Aristóteles, segundo a qual precisamos partir do geral, do todo, mais conhecido aos sentidos. Depois o entendimento com seus conceitos opera sobre esse universal simples, desmembrao, torna-o objetivo e distinto. Para Kant, o objeto sensível é só um múltiplo, embora dê exemplos de percepção de uma casa, um homem, um navio, sem que vejamos algumas de suas partes. Brandt admite que a reflexão, embora reservada para atividades conscientes, comporta obscuridade. O entendimento é maximamente atuante nela, pois as reflexões claras em geral resultam de reflexões obscuras. Mas Kant não levanta a questão de que papel o Eu joga nas representações, atividades e reflexões 1 BRANDT, R. Kritisches Kommentar zu Kants Anthropologie in pragmatischer Hinsicht (1798). Hamburg: Felix Meiner, 1999, pp. 142-174. 2 KANT, I. Metaphysik der Sitten / Tugendlehre. Kants Werke, VI, AA 376. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 8 obscuras. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Mais controversa é a afirmação de Brandt de que Kant não usa o termo unbewusst (inconsciente), embora Rudolf Eisler o tenha incluído em seu Kant-Lexikon (1930).1 Enfim, para o comentador, Kant não investiga o inconsciente (cf. Kommentar 157). Para Brandt tampouco a Antropologia oferece alguma ponte das representações obscuras da consciência para o sentimento de prazer e a faculdade de apetição. Contudo entendo que outros autores referidos – Leibniz/Locke, para os quais a alma está repleta de representações diminutas, e Herder: a nossa alma é uma força representativa do universo, cujo fundo total é constituído de ideias obscuras (cf. Brandt 149) – oferecem suporte à concepção de Kant, de que o olho humano vê, ainda que obscuramente, o que o telescópio mostra. Mas, pensa Kant, se o homem pudesse ser consciente de todas as representações que ocupam a alma, seria uma espécie de divindade. Uma investigação acabada do significado das representações não-conscientes na teoria do conhecimento de Kant ainda está por ser feita. Claudio La Rocca, com seu texto Der dunkle Verstand. Unbewusste Vorstellungen und Selbstbewusstsein bei Kant (O entendimento obscuro. Representações inconscientes e autoconsciência em Kant), ofereceu uma relevante contribuição para o desenvolvimento da reflexão nessa direção, a partir da pergunta pelas ―condições de possibilidade de uma investigação do inconsciente como uma esfera independente e múltipla de eventos e processos mentais‖. 2 Sua resposta é de que Kant, para além das contribuições de Leibniz e Wolff a uma lógica do inconsciente, opera uma transformação radical da concepção das chamadas representações obscuras: ele, fundamentalmente, faz implodir essa concepção, dando-lhe uma direção nova. Segundo ele, Kant deixa de ver as representações obscuras como um defeito da falta de reflexividade no fundo EISLER, R. Kant-Lexikon. Hildesheim: Georg Olms, 1964, p.549-550. In: ROHDEN, V.; TERRA, R.; ALMEIDA, G.; RUFFING, M. (Hrsg.). Recht und Frieden in der Philosophie Kants. Akten des X. Internationalen Kanat Kongresses, v. II. Berlin / New York: Walter de Gruyter, 2008, p. 457. 2 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 9 da alma, que, ao invés, por meio delas realiza plenamente a sua função. Ou seja, ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Kant tem uma concepção positiva do inconsciente, que envolve uma variedade de operações: - percepções obscuras sensíveis de pequenas partes de um objeto só compreensível em sua totalidade (Via Láctea); - sentimentos obscuros, pressentimentos etc., que envolvem atos de reflexão realizados inconscientemente; - atividade reflexiva inconsciente de diferentes formas; - representações mais complexas metafísicas ou morais, a serem esclarecidas; - cursos de representações imaginativas: muitas vezes somos ―um jogo de representações obscuras‖; - o entendimento como um lugar de atividades espirituais parcialmente inconscientes. E é nessa atividade inconsciente que se operam as suas produções mais criativas: ―Talvez no mais profundo sono se exerça a máxima perfeição da alma no pensamento racional‖ (Refl 1764). Inferências secretas e obscuras geram conceitos ao ensejo da experiência, contribuindo corretamente para o conhecimento. ―Todos os conhecimentos racionais (descobertas) são preparados na obscuridade‖ (Refl 1482, XV/2, p. 665). Isso permite o desenvolvimento de uma teoria segundo a qual a operação inconsciente do entendimento constitui basicamente uma preparação do conhecimento consciente. Porem o ponto central da contribuição de La Rocca reside na fundamentação de sua tese, de que a teoria das representações inconscientes está presente já na posição transcendental da Crítica da razão pura. Aí a imaginação é uma cega operação da alma, sem a qual não há conhecimento. A ligação é uma ação do entendimento, ―quer sejamos conscientes ou não dela‖ (KrV B 130). E, ao fundar a ação de julgar na apercepção transcendental, Kant não diz que todo ato de representação seja ao fato psicológico, e sim uma possibilidade estrutural. O que principalmente importa não é que uma consciência acompanhe toda representação, mas da consciência de I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página representacional tem de ser um conteúdo pensável. O que importa aqui não é um 10 mesmo tempo um ato de pensamento autoconsciente, mas que todo conteúdo ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 que eu acrescento uma representação a outra e sou autoconsciente de sua síntese. Ser consciente de uma síntese é diferente do ato de acompanhar com consciência as representações; é, antes que uma consciência psicológica, uma consciência lógica voltada para objetos, uma consciência objetiva. O componente reflexivo concerne à consciência de uma síntese, ou seja, de como ligo representações, uma consciência de condições e regras fundada em um poder ligar. O pensamento de que as representações me pertencem enquanto as unifico em uma autoconsciência pressupõe a consciência da síntese das representações. Que as representações me pertencem significa que tenho a capacidade de realizar sua síntese ou de compreender o múltiplo numa consciência mediante aquelas regras chamadas categorias. Assim a apercepção transcendental torna-se a estrutura universal de uma peculiar consciência que possibilita ao mesmo tempo a unidade de si mesmo e da formação da experiência. Sobre a equiparação da consciência empírica a um estado de clareza, que leva a supor que a simples representação Eu ocorra obscuramente, La Rocca apresenta quatro posições, entre as quais destaco apenas a de Tuschling, segundo a qual a subjetividade transcendental constitui a unidade de consciente e inconsciente (cf. La Rocca 453), e explicito a do próprio La Rocca, ou seja, de que a apercepção transcendental é uma possibilidade indispensável: o campo do entendimento é o da possibilidade de algo tornar-se consciente. Se admitirmos a consciência transcendental como uma possibilidade estrutural, então a ideia de um entendimento obscuro não é nem contraditória nem prejudicial. Mas ela deve pelo menos permitir captar as regras e princípios do exercício de sua faculdade de conhecer: ―Autoconsciente em um sentido cognitivo é aquilo que pode prestar contas sobre as razões do seu próprio juízo‖ (cf. 467). É isto que significa um bewusstes Erleben – filosofia e ciência, a priori e empírica, porque consiste na estrutura universal de atos I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página razões. Com isso a autoconsciência transcendental pode ser ao mesmo tempo 11 um vivenciar consciente, aquele que em princípio e quando necessitar pode dar ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 concretos. Esta interpretação torna o Eu uma presença leve ―que tem de acompanhar toda a nossa vida espiritual‖. Para concluir provisoriamente1: a teoria de La Rocca, que demonstra a compatibilidade entre representações inconscientes e autoconscientes, faz ressaltar a presença positiva das representações inconscientes contribuindo substancialmente para a produção do conhecimento e para a criação de soluções de problemas da razão em todos os seus níveis. Consequentemente, falta reelaborar com mais ousadia a teoria do conhecimento de Kant desde a perspectiva da complementação mútua de representações obscuras e conscientes. Em recente reunião de físicos declarou-se que apenas o percentual de 4% da matéria era conhecido até agora. Isto faz supor que os físicos, independentemente das proezas que propiciaram (viagens interplanetárias), têm uma idéia obscura da quase totalidade da matéria, sem plena certeza do que nessas viagens os espera. Se a ciência da natureza, depois de tantos investimentos e sucessos, encontra-se apenas no seu início, vendo seu objeto como um pálido ponto luminoso dentro da noite do conhecimento, que dizer então da filosofia, bem mais antiga e mais difícil que a própria investigação física? Significa dizer, muito mais justificadamente, que a consciência do predomínio de representações inconscientes no exercício da razão a faz despertar para a consciência de que ela se encontrará para sempre em um eterno início; de que o enigma do ser humano no universo não vai ser decifrado por ela; que teremos de conviver obscuramente com ele, mas certamente com a autoconsciência de uma admiração crescente pelo nosso destino. Curitiba, 30 de junho de 2009 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Na apresentação deste texto na UFPR, foi-me perguntado em que a concepção das representações claras e distintas de Kant se relacionaria ou diferenciava da equivalente concepção de Descartes. Relendo então as Meditações metafísicas, verifiquei que pelo menos nessa obra as diferenças seriam maiores que as semelhanças: Descartes não parece aí preocupado em diferenciar clareza e distinção; funda ambos os conceitos teologicamente; não atribui clareza aos sentidos, que se enganam como se fossem sentimentos de pensamentos confusos. 12 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A RELAÇÃO ENTRE PODER E SUBJETIVIDADE NA OBRA DE FOUCAULT Augusto Bach DEFIL – UNICENTRO/PR [email protected] 1. Introdução Raros são os autores no rol da intelectualidade contemporânea que tenham atravessado uma multiplicidade de questões, à primeira vista díspares, como Michel Foucault. Por se tratar de um personagem oriundo do panorama filosófico francês, egrégio pela assídua e frequente recepção das novidades trazidas do pensamento alemão, surpreende sua capacidade de transitar sem maior embaraço por tantas áreas do saber. Da epistemologia das ciências humanas à ética de si, passando pela literatura, loucura, psicanálise e outras tantas disciplinas, o estudo do poder parece ter sido o causador da maior publicidade. Na esteira de tanta repercussão, assistimos hoje ao seu mais ―novo‖ conceito sair dos bastidores e figurar como protagonista principal no cenário das ideias: a bio-política. Antes, porém, de se projetar na cultura ocidental ganhando status de paradigma de inteligibilidade para pesquisas sociais em diversos campos do saber, o vocábulo ―bio-política‖ aparecia em primeira mão numa palestra de Michel Foucault no ano de 1974, intitulada ―O nascimento da medicina social‖. Entre outros assuntos, nela se discutia o fenômeno de medicalização nas sociedades modernas, o desvio de seu objeto que teria deixado de ser a doença para se deslocar ao tema da saúde e dos procedimentos em torno dos sistemas de saneamento público contemporâneos. todo um novo aparato de discursos, cálculo do seu crescimento no interior de uma I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página apareceria ao mesmo tempo como manifestação individual e coletiva. Implicando 1 Em tais políticas sociais, conforme suas análises, o reconhecimento da doença ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 população, previsão dos seus riscos de contágio, era toda uma parafernália técnica de inoculação e vacinação que vinha a ser administrada em defesa da sociedade. Contra seus próprios perigos internos, um conjunto de mecanismos de proteção e controle social esboçava desde já aquilo que viria a ser nossa preocupação maior: o alerta em nome da segurança e vida da população. Proferida curiosamente na cidade do Rio de Janeiro – palco setenta anos antes de um trágico conflito social de amotinados contra as primeiras práticas bio-políticas na história do Estado brasileiro, cuja medicina encontrava-se, aliás, sob os auspícios do Dr. Oswaldo Cruz – essa conferência dava sequencia a um longo ciclo de inquietações em seu itinerário intelectual.1 E apenas dois anos depois, podemos reencontrar a mesma expressão já inserida num contexto filosófico mais amplo. Tanto no último capítulo de A vontade de saber, intitulado ―Direito de morte e poder sobre a vida‖, publicado em 76, como na última aula deste mesmo ano ministrada no Collège de France, publicada mais tarde como Em defesa da sociedade, Foucault começava a situar a bio-política no interior de uma estratégia que foge ao simples escopo de suas pesquisas sobre medicina social. 2 Se em Vigiar e Punir (1975) e na conferência sobre medicina pública suas indagações se debruçavam sobre o corpo – objeto de investimento político da sociedade sobre o indivíduo em seu pequeno dia a dia – doravante será o aspecto do corpo como coletividade que passará a ser ressaltado. Em resumo, o tema da ―população‖ como unidade portadora de sentido em função de processos biológicos começa lentamente a ganhar forma em seus estudos. Novas técnicas como a I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página ―Minha hipótese é que com o capitalismo não se deu a passagem de uma medicina coletiva para uma medicina privada, mas justamente o contrário; que o capitalismo, desenvolvendo-se em fins do século XVIII e início do século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de produção, força de trabalho. O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio-política. A medicina é uma estratégia bio-política.‖ (FOUCAULT, M. O nascimento da medicina social em Microfísica do poder, p.80). 2 Sabe-se, por exemplo, que desde História da Loucura (1961) Foucault esteve às voltas com os procedimentos de domesticação que a sociedade inventara a fim de se equilibrar diante de figuras inassimiláveis como a do louco e do leproso, que já nos indicavam o amplo espectro de seu olhar para além do questionamento específico da medicina social. 2 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 vacinação e o controle de epidemias passam a ser estudadas associadamente à questão da urbanização e circulação do capital nas grandes cidades. Todas elas, consoante Foucault, esboçam uma unidade de mecanismos de segurança que desde fins do século XVIII obedecem prioritariamente à preocupação com o governo dos vivos. As palavras de Foucault teriam de esperar sem embargo a publicação de suas futuras obras para começarem a revelar sua real fecundidade. Para que não sejam apressadamente identificadas com suas análises arqueológicas do saber e até mesmo com seus estudos genealógicos sobre as disciplinas operados em Vigiar e Punir, faz-se mister recordarmos o viés ―ensaístico‖ de seu proceder, bem como o forte componente de aventura presente em sua escrita. Tal comportamento, ao valorizar o ensaio e o saber haurido na experiência, como que aceitando a máxima latina da ars longa, vita brevis, abre mão da busca de sentidos e regularidades objetivas no movimento histórico ao admitir o acaso e a indeterminação como qualidades intrínsecas de um ―real‖ sempre reconstruído pela razão. Avesso a intuições intelectuais que o intérprete pudesse comprovar através de exemplos oriundos de sua prévia leitura da história, Foucault escolhia operar um work in progress ao singrar, nas palavras de Camões em Os Lusíadas, por ―mares nunca dantes navegados‖ (I,1). Preferia partir da positividade imposta pelo próprio dado empírico, demandante de uma posterior conceitualização de sentido que acompanhasse post festum os avanços da pesquisa. Tanto foi que assim nascia, fortuitamente em meio às suas análises, a expressão bio-política. Tentemos agora compreender o caráter descontínuo de seu pensamento partindo de alguns de seus antecedentes. produtivo ao poder na formação de nossas almas. Às expensas de História da Loucura onde quiçá poderíamos encontrar operando uma função repressiva do I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página É notório como Foucault jamais se cansou de atribuir um aspecto fundamental e 3 2. Poder, Estado e ideologia ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 poder, em todos os seus demais escritos somos convidados a burlar nossos preconceitos e formas familiares de pensamento. ―Já repeti cem vezes que a história dos últimos séculos da sociedade não mostrava a atuação de um poder essencialmente repressivo‖. 1 Somada a esta declaração, encontramos uma outra não menos intrigante num ensaio intitulado Pourquoi étudier le pouvoir: La question du sujet, onde ele dizia que não era o poder, mas sim o sujeito que constituíra o tema geral de suas pesquisas. Ora, se de acordo com essas palavras o poder nunca foi o mais velho desafio proposto por suas análises, e sim o sujeito, é porque de alguma forma suas inquietações jamais deixaram de estar associadas com o ubíquo problema da subjetivação do homem e a constituição do indivíduo moderno. De uma escrita literária contrarrepresentativa que dissolvia o sujeito das ciências nos anos 60 ao estudo das práticas estoicas e epicuristas do cuidado de si nos anos 80 (contrapostas aos modernos mecanismos de sua captura em nossa sociedade), pode-se constatar um interregno em sua obra onde a questão do poder e do governo dos vivos é tematizada conjuntamente. Presumimos que seja possível, destarte, determinar o lugar em que se encontra o estudo do poder na obra de Foucault em função de sua inserção na perspectiva da preocupação com a subjetividade. Muito embora essa vinculação não seja de toda explícita, principalmente nos anos 70 quando a genealogia do poder parece se sobressair em relação à questão do sujeito, será preciso não ceder à tentação de determinarmos qual problemática se sobrepõe a outra, em se tratando de dois lados da mesma moeda. Sempre às voltas com a problematização do presente como acontecimento filosófico maior, Foucault elegeu na década de 70 o homem moderno com o fito de decifrar o atual modo de subjetivação de nossa cultura. Marcado objetivamente pela docilidade e utilidade que justificam seu processo de constituição dentro das novas formas de 1 FOUCAULT, M. A vontade de saber, p.79. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página uma série inúmera de discursos que procuram atribuí-lo de uma identificação 4 acumulação do capital, cada vez mais flexíveis, o indivíduo também é submetido a ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 subjetiva. Distinguindo nas grandes mudanças de regime político a intervenção material de um poder imanente que perpassa o corpo social por inteiro, Foucault descobria as grandes transformações que o Ocidente atravessava desde a formação dos Estados Nacionais com no encerramento da Idade Média.1 Tomando corpo em técnicas de dominação refinadas e criando novas instituições sociais, nossa cultura passa a formular saberes que estudam o indivíduo fazendo dele um sujeito passível de atribuições científicas. Temos antes que admitir que o poder produz saber, que poder e saber estão diretamente implicados; que não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder. Essas relações de ‗poder-saber‘ não devem então ser analisadas a partir de um sujeito de conhecimento que seria ou não livre em relação ao sistema do poder; mas é preciso considerar ao contrário que o sujeito que conhece, os objetos a conhecer e as modalidades de conhecimentos são outros tantos efeitos dessas implicações fundamentais do poder-saber e de suas transformações históricas.2 Seja por erro, ignorância ou pura estupidez, temos sempre a tendência em acreditar que o saber seja resultado de operações lógicas isentas de qualquer relação de força. Para Foucault, no entanto, nunca houve modelo de verdade que pairasse sobre os ares do convívio político humano nem ciência positiva que já não implicasse uma prática de poder se exercendo concomitantemente. Pois é precisamente no contato físico do eu com o outro, no intermédio de uma relação afetiva e resistente a abstrações, que ele localizou o funcionamento concreto de técnicas disciplinares, domesticadoras do comportamento humano. Na contramão da concepção moderna de Estado jurídico, o caráter prospectivo de uma rede difusa 1 2 Formação dos Estados Nacionais; entenda-se, sob a forma das monarquias absolutistas. FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. p.30. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página dos governos mediante o consentimento tácito dos governados. As ciências do 5 de poderes em nossa sociedade torna possível assegurar a coesão e a legitimidade ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 homem, dessa feita, encontrarão nesse mesmo mal-entendido o solo fértil para sua multiplicação. Assim, em sua apreensão no interior de uma vasta teia discursiva, costumamos falar de um sujeito de sexualidade, de um sujeito de nacionalidade, um sujeito que fala, deseja, vive e trabalha; enfim, de um sujeito alienado na doença mental, no crime... Domínios específicos que remetem cada qual a experiências fundamentais que possibilitam uma assunção subjetiva, uma tomada de consciência qualquer do indivíduo sobre si mesmo e o proveniente ganho de uma identidade cultural. Seu estudo do poder, sua incursão nas zonas cinzentas mais do que nas zonas iluminadas da teoria e da ciência, veio a calhar na tarefa de conhecer seus procedimentos e estratégias, a fim de esclarecer o lado sombrio do tratamento conferido ao ser humano pelas hodiernas democracias ocidentais. * * * Com o fito de passarmos à descrição de seus estudos, cabe destacarmos em linhas gerais alguns traços específicos de sua concepção de poder. Sobremaneira o desvio estabelecido com a análise tradicional em ciência política. No trabalho de muitos teóricos modernos da política, o domínio e a conservação de uma ordem social sempre foi questão jurídica, passível de ser resolvida por intermédio de uma elaboração contratual entre indivíduos ou classes sociais. Assim, boa parte da teoria contratualista moderna consistiu na tentativa de racionalização desses conflitos e na formulação de esquemas que terminavam por atribuir ao Estado importância fundamental. Para eles, o aparelho do Estado sempre se apresentou como o órgão central e único do poder. Tendo como instrumento clássico de legitimação de da relação entre os poderes e os saberes nas sociedades capitalistas. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página poder, a figura do Estado serviu como ponto de partida necessário para a explicação 6 regimes políticos uma ideologia, isto é, a justificação racional da organização do ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 No entanto o arranjo dessas concepções parece sofrer na pena do genealogista uma transposição bem como uma ligeira alteração de seus postulados. Estudando a formação histórica da sociedade capitalista em todas as suas ramificações, o que Foucault primeiramente vê se conformando é uma não identidade entre Estado e poder. Conquanto a teoria clássica postule que o poder proceda por ideologia, estabelecendo uma versão dos fatos que conferisse sentido e legitimidade à conservação do status quo, a novidade da concepção genealógica consiste em dizer que o poder produza a verdade antes de disfarçá-la no discurso oficial da historiografia. Se, por conseguinte, Foucault ceticamente desconfia do poder enquanto mera artimanha ideológica, procedimento que nos impede de atribuir a um ente subjetivo a propriedade constituinte no uso de um poder verdadeiro, não estamos mais autorizados a dizer que por trás das ações de uma determinada classe social se esconda uma ideologia subjetiva que se disseminaria pelo corpo social. Lançando seu olhar para além do elemento teórico de justificação moral e racional, Foucault investiga (sképis) a utilização de táticas e estratégias que modificam as relações de poder bem como a colocação em jogo dos discursos ideológicos que permitem fundir de maneira racional essas táticas. Da suposição que o Estado moderno seria o responsável pela difusão de uma Weltanschauung oficial, transmitida de um ponto transcendente para toda a imanência do corpo social, passa-se à análise de pequenas batalhas que, curiosamente, teriam como corolário um resultado mais abrangente e eficaz que as próprias ideologias. Longe de denegar a sua função, pois, o que está a se afirmar é o papel secundário delas na formação de nossas almas. Nesse sentido, a noção de liberdade a que ocidentalmente somos tão afeitos, herança cara das principais revoluções republicanas que abem o período ela contribuiu não apenas como ideologia, mas também como técnica disciplinar I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página desenvolvimento das formas modernas, leia-se capitalistas, da economia. Ipso facto, 7 contemporâneo da história, não deixou de ser sem dúvida uma das condições do ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 correlata à introdução dos novos dispositivos de segurança da sociedade. Pois aquilo que se investigará, segundo Foucault, como objeto de governo a partir do século XVII em diante não será apenas a propriedade soberana de um território ou uma estrutura política, e sim coisas e pessoas que passam a viver, falar e trabalhar sob a nova égide de uma nação. Pode-se dizer [...] que esta ideologia da liberdade, essa reivindicação de liberdade foi sem dúvida uma das condições do desenvolvimento das formas modernas ou, se preferem, capitalistas da economia. É inegável. [...] Segundo: em algum lugar eu disse que não se podia compreender a introdução das ideologias e de uma política liberal no século XVIII sem se ter em conta que esse mesmo século, que havia reivindicado em tão altos clamores as liberdades, as tinham conduzido todavia com uma técnica disciplinar que, ao afetar as crianças, os soldados e trabalhadores onde se encontravam, limitava de forma considerável a liberdade e dava de certo modo garantias ao seu exercício. [...] Essa liberdade, ao mesmo tempo ideologia e técnica de governo, deve ser compreendida no interior das mutações e das técnicas de poder. E de um modo mais preciso e particular, a liberdade não é outra coisa que o correlato da introdução dos dispositivos de segurança.1 À guisa de exemplo, leia-se a gaia alusão de Deleuze, ―como Nietzsche já havia visto, elas não constituem o combate das forças, são apenas a poeira levantada pelo combate.‖ 2 Outramente dito, debaixo do tapete discursivo e científico em que hoje gostaríamos de esconder tamanha poeira ideológica, podemos encontrar a miríade de combates de poder que nos configuram. Procedimentos que não poderiam ser descritos por meio do discurso das ideias, mas que podem ser pensados por sua ações físicas no interior de uma população; como sua regulação afetiva capaz de se 1 2 FOUCAULT, M. Segurança, território, população, p.70. DELEUZE, G. Foucault, p. 38-39. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 8 produzir apenas através da liberdade de cada indivíduo e com o apoio dela. Daí a ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 insuficiência de qualquer abordagem tão somente voluntarista ou jurídica da questão. Com efeito, não deixam de ter razão os sociólogos ao dizerem que o poder se expressa modernamente por ideologias. Ocorre no entanto que ele se manifeste também por intermédio de símbolos e instituições, disciplinas no dizer de Foucault, mitos e ritos que garantam sua eficácia. Na medida em que tenham êxito na elaboração de uma Paidea geral para nossas almas, podem assim plasmar visões de mundo e modelar condutas de comportamento social. Para muitas revoluções de nossos tempos, a governamentalidade pública significava acima de tudo formas as nossas almas. Para Foucault, ao seu turno, isso tudo significava tão somente a prática de uma bio-política incipiente. Não à toa, ele permaneceu praticamente uma década de estudos no Collège de France investigando novas técnicas de poder; debruçando-se sobre o esforço de educação, vigilância e punição que a sociedade moderna dispensa ao governo dos vivos em seu etéreo e incessante trabalho de esconjurar seus males de origem. Esta questão perpassa seus estudos de 72 a 80 do século passado. De conceito universal que reúne sob sua égide a multiplicidade de eventos sociais, o Estado passa a conotar apenas a ―superestrutura em relação a toda uma série de redes de poder que investem o corpo, sexualidade, família, parentesco, conhecimento...‖. 1 Ou seja, todas as formas de relações que a ele se refiram e que, embora colocadas sob seu controle, não devem ser percebidas como meras projeções de seu poder constitutivo e soberano. Pois quando a população começa a aparecer como objeto técnico-político de uma gestão governamental, o que se deverá gerir é justamente a sua naturalidade. O que há nela de espontâneo, físico e quase incontrolável passa a ser identificado como a fonte de poderio do próprio Estado. E serão inúmeras as variáveis e contingências a servirem de estudo para as 1 FOUCAULT, M. L´ impossible prison, p. 122. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Estado não se esgote mais na simplória esfera de obediência de um vassalo ao 9 ciências humanas, fazendo com que a relação entre a população e a soberania do ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 suserano. Diante da imprevisibilidade do comportamento de uma população, o problema do governo como gestão das condutas humanas passará a ser objeto de diferentes formas de governamentalidade desde o fim do século XVI até os nossos dias. Isto posto, por afastado que esteja de afirmar a primazia substancial do aparelho do Estado na absorção dos poderes, o que se aponta como evidência é a existência de formas de exercício do poder diferentes e periféricas em relação a um órgão central; mas que a ele continuam articuladas organizando um sistema, uma nova regulação cumprindo inclusive papel indispensável à sua legítima sustentação e à atuação eficaz de seu código legal. * * * Ao enfatizar o aspecto produtor e positivo do poder, percebemos a insurgência de Foucault contra toda uma tradição da filosofia política e sua ênfase na questão da representação. Seria mesmo possível caracterizarmos a genealogia como uma tática engajada de intervenção de Foucault em favor da insurreição de saberes assujeitados. 1 Pois até o ano de 1976, em seu curso Em defesa da sociedade que encerra um ciclo de estudos que vai da publicação de Vigiar e Punir ao primeiro volume de sua História da Sexualidade (a vontade de saber), é justamente a adoção do modelo da guerra à inteligibilidade das relações de poder que vem justificar seu abandono do Direito como modelo histórico das relações sociais; em suma, sua crítica às teorias contratualistas modernas. Assim, se a uma descrição microfísica 1 Essa é uma interpretação bastante corrente na literatura de comentadores. Conferir, por exemplo, as análises de François Ewald em Foucault, a norma e o direito. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 10 dos poderes correspondia o simples abandono do modelo legal, seria ―preciso ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 construir uma analítica do poder que não tome o Direito como modelo.‖ 1 Evidentemente que dessa perspectiva o Estado Nacional parece sair perdendo completamente de vista o privilégio que a análise política clássica desde outrora lhe vinha garantindo. 2 Já sabemos que conforme a teoria clássica da soberania ele sempre fora visto como a representação formal e estruturada da consolidação histórica dos Estados Nacionais na Europa. E apesar das notórias diferenças de época e objetivos que nos separam dos séculos anteriores, a representação do poder, dirá Foucault, permaneceu marcada deveras pela monarquia. No fundo, apesar das diferenças de época e objetivos, a representação do poder permaneceu marcada pela monarquia. No pensamento e na análise política, ainda não cortaram a cabeça do rei. Daí a importância que se dá, na teoria do poder, ao problema do direito e da violência, da lei e da ilegalidade, da vontade e da liberdade e, sobretudo, do Estado e da soberania (mesmo se esta é refletida, não mais na pessoa do soberano, mas num ser coletivo). Pensar o poder a partir destes problemas é pensá-los a partir de uma formação histórica bem particular às nossas sociedades: a monarquia jurídica.3 Digamos então, parafraseando a fórmula de um defensor do equilíbrio de poder europeu (Adolphe Thiers) – adotada até hoje por várias monarquias constitucionais – que se no teatro das idéias da filosofia política o rei de direito ainda reina (quid júris), no espaço das práticas de poder analisadas por Foucault não é mais ele quem de fato governa (quid fatis). 4 Na constatação de que o poder produza antes rituais de verdade e realidades fictícias em que jogamos nossas vidas, e nos quais somos 1 FOUCAULT, M. História da sexualidade I ( vontade de saber), p.87. Análise política, diga-se de passagem, em sua maior parte de cunho ora weberiano ora marxista. 3 FOUCAULT, M. História da sexualidade I (a vontade de saber) p.86. 4 ―Quanto mais eu falava de população, mais deixava de dizer ‗soberano‘. Encontrava-me na necessidade de designar ou apontar algo que, parece, também é relativamente novo, não como denominação nem em certo nível de realidade, mas como técnica. Ou, melhor dito, o privilégio que o governo começa a exercer com respeito às regras – ao ponto de um dia poder-se dizer, para limitar o poder do rei: ‗o rei reina, mas não governa‘ – essa inversão do governo em relação com o reino e o fato de que aquele seja no fundo mais que a soberania, muito mais que o reinado, muito mais que o imperium, o problema político moderno, creio que esteja ligado absolutamente à população.‖ (FOUCAULT, M. Segurança, território, população p.102). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 11 2 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 objetos de campos políticos que nos ultrapassam, é o sujeito (soberano real) que deixa de ser filosoficamente o articulador de seu destino para vir a ser assujeitado às técnicas que o determinam (população). Do poder visto como substância da qual se poderia extrair uma gênese e realizar sua dedução, Foucault herda até 1976 apenas a tarefa ―kantiana‖ de fazer uma analítica; o que quer dizer, a descrição minuciosa e paciente de seu caráter ramificado e microscópico. Desse modo, tudo nos levaria a crer que suas análises do poder direcionar-se-iam progressivamente ao estudo da matriz representada pela idéia de enfrentamento de forças e de combates perpétuos. À primeira vista afastado de querer formar uma teoria geral e globalizante, ele preferiu se ater a uma análise onde o enfrentamento e a batalha fazem dele mais uma ação física que se exerça entre outros do que uma substância ou predicado que se atribua a um nome real. Inusitada maneira, é verdade dizê-lo, de explicar a relativa tranquilidade do poder burguês ao nosso tempo de manter a ordem e a legitimidade do status quo, numa sociedade injusta e desigual na distribuição de suas riquezas. 3. À Guisa de Conclusão Por essas e outras lições históricas, em contraste com a Antiguidade e a maior parte de Idade Média, a cultura ocidental passa a impor desde o classicismo limitações morais sobre a conduta de seu soberano em assuntos tanto externos quanto internos, porquanto novas práticas de poder atuem sobre o comportamento dos indivíduos e dos soberanos. De qualquer sorte, com o intuito de concluir nossa interrogação, a morte que até o século XVI era considerada o ponto de maior manifestação do poder soberano passa a ser justamente o ponto de fuga por onde as disciplinas e os mecanismos de segurança poderão capturar o corpo do indivíduo da imoralidade, as aspirações individuais de poder acabam sendo deslocadas para 12 canais onde os referidos impulsos não coloquem mais em perigo a sociedade. São Página e da população como um novo eixo de articulação do poder. Marcada pelo estigma muitos até hoje em dia os instrumentos disciplinares empregados com tal finalidade, I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 todos eles de ordem econômica e jurídica: leis, costumes, desenvolvimento industrial e tecnológico, várias instituições estatais e formas de organização social tais como vestibulares, concursos para preenchimento de cargos públicos com o fito de amealhar a tão brasileira política de clientelismo, corridas eleitorais, associações empresariais, incentivo à prática de esportes, clubes recreativos, organizações não governamentais (ONGs), etc. Com essas transformações, o princípio de fazer viver vai se tornando princípio de Estado devido à intromissão de um novo direito na antiga legitimidade dinástica da soberania. A cultura ocidental demorará no mínimo dois séculos tentando ocultar de seu horizonte o velho direito de espada. Decerto que, com isso, o princípio aristocrático da honra do príncipe tende gradativamente a se apagar diante de valores ―democráticos‖ como a prosperidade, a segurança, a democracia, a intenção subjetiva, o cálculo do recato ou da intimidade e sua exposição em público, a decência nos costumes e a proteção da vida que aparecem em substituição aos antigos e ―memoráveis‖ valores da conduta guerreira. Percebe-se também que, com a modificação nas formas de organização do convívio humano, o bio-poder não se constituirá numa forma totalmente nova e independente do poder soberano, mas vai integrando este último com a introdução de novas técnicas disciplinares que agem sobre os corpos individuais. Por essa razão, Foucault poderá deslocar em A vontade de saber a noção de uma sexualidade reprimida em prol do agenciamento político da vida realizado em torno de seu próprio corpo. Ao contrário de uma vitoriana renúncia aos prazeres ou desqualificação da carne, deveríamos antes enxergar em nosso próprio sexo, nossa força e nossa saúde, o ponto de articulação entre o biopoder e a elevação de uma nova classe social empenhada em afirmar sua diferença e sua hegemonia.1 Em princípio separadas historicamente, a disciplinarização dos ―É, sem dúvida, preciso admitir que uma das formas primordiais da consciência de classe, é a afirmação do corpo; pelo menos, foi esse o caso da burguesia no decorrer do século XVIII; ela converteu o sangue azul dos nobres em um organismo são e uma sexualidade sadia.‖ (FOUCAULT, M. História da Sexualidade I (a vontade de saber), p.119). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 13 corpos e a regulação da população acabam confluindo numa só unidade. Duas ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 lógicas, duas concepções de poder que vigoraram diferentemente cada qual à sua época. E sobre as quais Foucault deverá estabelecer um continuum não sem antes demarcar suas profundas transformações. Na medida mesma em que no museu de nosso arcabouço jurídico ainda não terminamos de cortar a cabeça do rei, ele deverá ipso facto cuidar para não confundir o poder constitutivo do soberano na Idade Média com a função regulativa ocupada pela razão de Estado desde a época clássica. H.: Pode-se perguntar, tanto para fazer efeito quanto para lançar uma hipótese, se o saber geográfico não traz consigo o círculo da fronteira, seja nacional, provincial ou municipal. E portanto se às figuras de enclausuramento, que você assinalou – louco, delinquente, doente, proletário – não se deve acrescentar a do cidadão soldado. O espaço do enclausuramento não seria então infinitamente mais vasto e menos estanque? M.F.: É uma ideia bastante sedutora. E este seria o homem das nacionalidades? Pois este discurso geográfico que justifica as fronteiras é o discurso do nacionalismo...1 Destarte, se em 1976, no seu famoso Em defesa da sociedade, Foucault partia da inversão do aforisma do teórico da guerra Von Clausewitz com o fito de acentuar o aspecto belicoso e contingente da guerra como matriz da formação político-histórica da nacionalidade francesa (da guerra como continuação da política por outros meios para a política como continuação da guerra por outros meios), ele irá curiosamente. em 1978. inserir este mesmo aforisma como exemplo de uma nova razão de Estado que aparece, consoante suas análises, em meados do século XVI tendo como preocupação maior a questão da governamentalidade política.2 Do modelo 1 FOUCAULT, M. Microfísica do poder, p.161. Em 1976, com o intuito de mostrar o viés diferenciador de suas análises históricas em relação ao discurso tradicional da filosofia política, Foucault ainda se valia do discurso histórico e reacionário de um nobre francês como Boulainvilliers sobre as instituições políticas. Destinado a uma crítica à razão de Estado de Luis XIV, este estudo se constituiria para Foucault como uma espécie de saber do Estado sobre o Estado mesmo. Boulainvilliers se posicionaria contrário então a esse ―saber do rei‘ que procurava recuperar mitologicamente a memória de sua nobreza e a façanha de seus atos. A tal mitologia de reconstituição das origens do Estado, dever-se-ia opor justamente o saber da história I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 14 2 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 estratégico de poder pensado em termos de batalha, luta e guerra continuada, contraposta à astúcia pacificadora da dialética estatal (juridicamente codificadora e neutralizadora dessa lutas), Foucault subitamente passará ao estudo de um poder de Estado que consiste em ―conduzir condutas‖. O poder, enfim, deixaria de ser interpretado em sua obra como sendo da ordem do enfrentamento múltiplo de adversários para se tornar problema de governo. Questão, diga-se de passagem, só formulada por aqueles que estão ou ao menos pretendem estar sob ―posse‖1 do governo de si e dos outros, e não por aqueles que meramente se opõem ou fazem resistência a ele. Pois bem, essa espécie de salto que abandona um referente de legitimidade crítico à ratio ocidental, e que desde o início de seu pensamento até então vinha sendo protagonizado pela sofística, conduziu Foucault a um tipo de questionamento que à primeira vista parece perder muito de seu caráter crítico. 2 Nada obstante, a colocação da hipótese do bio-poder em detrimento de uma sexualidade reprimida exigiu a reacomodação de suas indagações em um marco mais amplo que o sugerido pelo esboço de uma ―história das tecnologias da I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página representado por personagens que participaram das batalhas e enfrentamentos do poder; em suma, aqui ainda a inversão de Clausewitz e a matriz guerreira antes da política. 1 Bem que poderíamos substituir a expressão não muito feliz e em aspas ―posse‖ pelo termo grego paraskeuê, que designará para Foucault em A hermenêutica do sujeito, curso de 82, todo um aparato técnico de saber que um indivíduo formula acerca de si mesmo. Mas o que desejamos ressaltar é a incipiente tentativa de Foucault em construir uma nova ética na relação do eu com o outro, ou seja, um governo de si que escape à regulação bio-política de seu tempo. Nada obstante, por mais que o conceito de governo marque uma ruptura com o discurso da batalha, assinalando um primeiro deslizamento da analítica do poder em direção à ética do sujeito, é bem verdade dizer também que tudo isso não passou de um enorme e grande equívoco para Foucault. 2 À primeira vista soa no mínimo estranho a dedicação de Foucault ao estudo da governamentalização das res publica aparecer sob as mãos de aristocratas do poder tais como o marquês de Mirabeu ou o duque de Richelieu. Mas como historiadores da filosofia, devemos alertar academicamente ao leitor que o estudo anunciado em 1976, dos mecanismos pelos quais a espécie humana adentrou no século XVIII numa estratégia geral de poder, cede espaço nas análises de Foucault a uma ―história da governamentalidade‖ aparentemente sem nenhuma contrapartida crítica. Embora não deixe de figurar como horizonte dos cursos de 78 e 79, a noção de bio-política (ou de ―história das tecnologias de segurança‖) será sucedida de outra acepção em benefício das análises em 1979 sobre a governamentalidade liberal em O nascimento da bio-política. Nestes dois cursos, já se poderia entrever também a bio-política não apenas como ponto de articulação das disciplinas com os dispositivos de regulação estatais, mas como o fio condutor de sua futura reflexão ética acerca do cuidado de si. Imbróglio a ser objeto de nossas reflexões ulteriores. 15 segurança‖, anunciadas desde sua conferência sobre medicina social no Rio de ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Janeiro. No intervalo de 77, ano de sua licença sabática no Collège de France, as análises das condições de formação da bio-política moderna se apagam em benefício do exame da governamentalidade clássica durante os séculos XVII e XVIII. ―Talvez a filosofia possa cumprir ainda um papel pelo lado do contra-poder, com a condição de que esse papel já não consista em fazer valer, frente ao poder, a lei mesma da filosofia. De que este deixe de ser pensado enquanto profecia, deixe de ser pensado como pedagogia ou legislação e se dedique à tarefa de analisar, elucidar, fazer visíveis e portanto intensificar as lutas que se dão em torno do poder, as estratégias em torno dos adversários no seio das relações de poder, as táticas utilizadas, os focos de resistência; com a condição, em suma, de que a filosofia deixe de colocar a questão do poder em termos de bem ou mal e o faça em temos de existência.‖1 Explicita, dessa mesma maneira e nesse mesmo ano, sua reinterpretação da questão kantiana acerca do presente – ―O que são as Luzes?” – sob termos bastante novos quando comparados com seus escritos anteriores. Em não existindo mais um sublime ideal que faça as vezes de função transgressiva, judicativa ou de tribunal à razão europeia, é o primeiro termo que deixa de prevalecer sobre o segundo. A razão, não mais se entendendo como repressora, portanto carente de crítica, passaria a exercer o papel de investigar aquilo que tem legitimidade em nosso tempo; sem mais contestação em qualquer contravenção ou resistência ao poder. Mutação da pena do próprio intérprete de nossa civilização a ser objeto de estudos ulteriores. 2 1 FOUCAULT, M. A filosofia analítica do poder (27 de abril de 1978), p. 540. Em seu artigo já clássico Um novo cartógrafo (Vigiar e Punir), Deleuze, logo de início, frisava que o novo questionamento do problema do poder introduzido por Foucault não deixava de caracterizar ―o novo esquerdismo [...] voltado tanto contra o marxismo quanto contra as concepções burguesas‖ (Cf. DELEUZE, G. Um novo cartógrafo, p. 34). Na esteira dessa interpretação e de outras entrevistas concedidas por Foucault, Michel Senellart, em seu comentário Situação dos Cursos, atribuirá a razão de ser dessa mutação de pensamento de nosso autor a uma vinculação àquilo que na França então se chamava de ―novo pensamento de esquerda‖. Ora, ainda que Foucault tenha dado asas a esse I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 16 2 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 4. Bibliografia AGAMBEM, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004. CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. São Paulo: Companhia das Letras --------------------, Os Bestializados. São Paulo: Companhia das Letras DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo, Brasiliense, 1988. EWALD, François. Foucault, A norma e o direito. Lisboa: Vega Comunicação & Linguagens, 1993. FOUCAULT, Michel. 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Já que todo o seu questionamento futuro residirá na questão em como saber se conduzir sem dispor de uma lei previamente dada que forneça o conceito esquematizador para a conduta pública do indivíduo. Pena a morte ter ceifado tão cedo o seu caráter quase inesgotável de invenção de novas formas de governo de si. Em outras palavras, é preciso que inventemos cotidianamente a regra que não nos é dada pela cultura a fim de que harmonizemos a relação entre, mais do que o entendimento, nossa razão com os outros. A coragem de dizer a verdade, acreditamos nela, virá cumprir aqui sua função na legítima defesa dos governados e no direito da dissidência. 17 ------------------. Securité, territoire, population ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 HARDT, Michael e Antonio Negri; Império. Rio de Janeiro: Record, 2005. Kissinger, Henry; Diplomacia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2001. LEBRUN, G. O microscópio de Michel Foucault in Passeios ao Léu. São Paulo: Brasiliense, 1994. MAGNOLI, Demétrio. O Corpo da Pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista: Moderna, 1997. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. MORAES, Antonio Carlos Robert, Ratzel. São Paulo: Ática, 1990. --------------------, Território e História no Brasil. São Paulo: Annablume, 2005. RIBEIRO, Renato Janine. A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar em Ao vencedor as batatas. São Paulo: Duas Cidades, 1981. Página 18 SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina. São Paulo: Brasiliense, 1984. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 CRÍTICA E ANTROPOLOGIA EM KANT Vinicius Berlendis de Figueiredo Depto de Filosofia - UFPR/CNPq 1. Introdução: Projeto crítico e antropologia – uma hipótese de leitura Como Kant faz questão de destacar em vários textos, a Crítica da razão pura, ao limitar o conhecimento especulativo ao âmbito dos fenômenos, possibilitou pôr fim ao dogmatismo. É sabido que essa operação limitativa já foi interpretada como tendo sido pautada por uma orientação de cunho positivista, a pergunta pela validade objetiva enunciada na ―Dedução transcendental‖ aparecendo como crivo da significação de nossos conceitos e ideias a serviço da formulação filosófica de uma ciência rigorosa da natureza, conforme aos princípios da ciência newtoniana e, por isso, desembaraçada das pretensões descabidas do racionalismo clássico. Segundo essa interpretação, Kant seria – com a licença da simplificação – o correspondente filosófico de Newton. Como também é sabido, essa interpretação da Crítica se sujeitou há tempos à objeção de unilateralidade. Dificilmente se compreenderia por que a Crítica, se realmente estivesse comprometida com a assimilação entre significação e objetividade, não tenha se resumido a uma Analítica do entendimento, a qual, como diz Kant, deve tomar doravante o lugar da ontologia (KrV B 303)1. Se é preciso transpôr o âmbito da Analítica do entendimento, é porque há questões que a ―razão humana‖ <menschliche Vernunft> não pode evitar, impostas que são pela ―natureza As referências a Kant seguem a 1a (A) ou 2a (B) edição das obras, abreviadas como de costume: KrV = Crítica da razão pura; KpV = Crítica da razão prática; Gdlg. = Fundamentação da metafísica dos costumes; Antropologie = Antropologia de um ponto de vista pragmático; EE = 1a Introdução à Crítica do Juízo; Log. = Lógica. As traduções utilizadas constam na bibliografia. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 1 da razão‖ <Natur der Vernunft>, mas às quais também ―não pode dar resposta por ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ultrapassarem completamente as suas possibilidades‖ (KrV A VII)1. Tais questões, como anuncia Kant no Prefácio de 1781 e revela na Dialética transcendental, têm origem na progressão da razão de partir do condicionado ―para condições <cada vez> mais remotas‖ (ibid.). em um movimento de totalização que produz uma ilusão ―que de modo algum pode ser evitada‖ (KrV A 297 - B 353), restando-nos, quando muito, a alternativa de não sermos mais enganados por ela. Por isso, a ―lógica da verdade‖ trazida pela Analítica do entendimento é seguida da ―crítica da ilusão‖, efetuada na Dialética: somente aí, as significações para as quais não se pode oferecer qualquer correspondente na experiência – significações que, portanto, não são ―objetivas‖ nem capazes de determinação – são justificadas como exigências da razão concernindo ao conhecimento empírico2. Poder-se-ia legitimamente retorquir que isso apenas significa que a teoria da experiência kantiana incorpora remissões àquela totalidade sistemática trazida pela razão ao refletir sobre as determinações que o entendimento estabelece na sensibilidade, e daí concluir que, feitas as contas, Kant permanece preso à epistemologia. Mas a melhor prova contra a interpretação de que o idealismo transcendental promove sua ruptura com a metafísica clássica tendo por intuito principal justificar a ciência newtoniana está no fato de que a própria epistemologia, aqui, abriga a metafísica especial, cujos temas (alma, mundo, Deus), adquirindo o estatuto de princípios regulativos sem os quais a razão não poderia conhecer a natureza, recobram a validade que haviam perdido em outras filosofias que, ao longo do século 18, também sofreram o influxo de Newton. A I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Como se verá adiante, o presente texto resume-se, grosso modo, a comentar a redação de Kant nessas primeiras linhas da Crítica, através das quais introduz em 1781 o leitor no idealismo transcendental. O passo pode ser parafraseado assim: a natureza da razão impõe à razão humana... Conceitualmente, porém, como explicar que a razão figure ao mesmo tempo como sujeito e objeto indireto de um mesmo período, senão conjecturando que ela é tomada em acepções distintas conforme seja qualificada pelo adjetivo ―menschlich‖ ? 2 ―Ora, o conceito transcendental da razão sempre se refere apenas à totalidade absoluta na síntese das condições e jamais termina senão no absolutamente incondicionado – isto é, o incondicionado em toda relação. Com efeito, a razão pura deixa tudo ao encargo do entendimento, que se refere imediatamente aos objetos da intuição, ou antes, à sua síntese na capacidade da imaginação. A razão reserva para si somente a totalidade absoluta no uso dos conceitos do entendimento e procura conduzir a unidade sintética, que é pensada na categoria, até o absolutamente incondicionado. Por isso se pode denominar essa unidade da razão com respeito aos fenômenos, assim como aquela que é expressa pela categoria, unidade do entendimento‖ (KrV A 326 - B 382/3). 2 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 comparação com Hume (a quem Kant conhecia bem) é elucidativa: enquanto, para o autor da Investigação sobre o entendimento humano, ―todas as nossas conclusões experimentais decorrem da suposição que o futuro estará em conformidade com o passado‖ (HUME, 1972, 39), sendo isso o que basta para, sem deixar de mostrar que tal suposição não procede da razão, acolher leis como instanciação de regularidades contingentes que apoiam alguma espécie de necessidade nas conexões figuradas por elas (ROSENBERG, 1993, p. 78), para Kant, em contrapartida, o conhecimento empírico requer a referência ao plano da razão, cuja normatividade, exatamente por conta de ter passado pelo crivo da crítica, ganha estatuto transcendental1. Mas se, para afastar a ideia de que o objetivo fundamental da Crítica tenha sido justificar a ciência newtoniana, já não bastasse atentar para a complementaridade que lógica da verdade e crítica da ilusão exibem no interior da ―Lógica transcendental‖ da razão pura, conviria então retomar as palavras do ―2o Prefácio‖ (1787), no qual Kant, provavelmente tendo em vista a polêmica do panteísmo que eclodiu em 1784 (cf. FIGUEIREDO, 2004), é taxativo em relação à utilidade do exame a que submete a razão dogmática. Só através da limitação do saber especulativo ao âmbito da experiência, diz-nos aí Kant, o interesse prático da razão pode ser assegurado. A ―utilidade positiva‖ da Crítica, portanto, reside em preparar o terreno para a recuperação prática das idéias especulativas, consideradas na ―Dialética transcendental‖. Com efeito, a Crítica da razão prática (1788) retira o princípio de sua estrutura da reabilitação transcendental da metafísica especial, operada por Kant na 1a Crítica. Na passagem de uma a outra obra, Kant procede a um realinhamento dos elementos da doutrina transcendental possível apenas com base na afirmação de I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Na acepção inicial da Crítica: ―Denomino transcendental todo conhecimento que se ocupa não tanto com objetos em geral, mas com nosso modo de conhecer objetos na medida em que este deve ser possível a priori. Um sistema de tais conceitos denominar-se-ia filosofia transcendental‖ (KrV A 11 - B 25; trad. modificada). Poder-se-ia dizer, com base nisso, que Kant deslocou os temas da metaphysica specialis para o âmbito da filosofia transcendental promovida pela revolução copernicana em filosofia (ver Progressos da metafísica, A 11). 3 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 que se trata, sempre, de uma mesma e única razão. Sem levar isso em conta, com efeito, não se pode explicar que a liberdade – conceito cuja significação originária, vale lembrar, é cosmológica – não só passe a figurar, na Crítica da razão prática, como elemento da Analítica, como também que constitua, a partir do momento em que tem sua realidade provada pela lei moral, o fecho da abóbada de todo o edifício de um sistema da razão pura, mesmo da razão especulativa, e todos os demais conceitos (os de Deus e de imortalidade), que permanecem sem sustentação nesta <última> como simples idéias, seguemse agora a ele e obtêm com ele e através dele consistência e realidade objetiva, isto é, a possibilidade dos mesmos é provada pelo fato de que a liberdade efetivamente existe (KpV, A 4/5). Apenas através desse realinhamento dos elementos da doutrina transcendental, verificado na transição da primeira para a segunda Crítica, a unidade da razão na diversidade de seus usos, já subjacente à crítica da razão teórica e graças à qual são diferenciadas no seu âmbito determinação e reflexão, adquire o estatuto de um princípio demonstrado. Pois a rigor, à anunciada divisão da filosofia em ―Teoria da natureza‖ e ―Teoria dos costumes‖, de que já nos falava Kant no Prefácio da Fundamentação da metafísica dos costumes (1785), faltava ainda a demonstração da unidade da razão prática ―com a razão especulativa num princípio comum‖ (Gdlg. trad. 106) – o que se dá apenas em 1788, quando o incondicionado posto pela razão a título de princípio de inteligibilidade do conhecimento empírico se revela fundamento de determinação da ação moral e postulado sem o qual a moralidade seria incompatível com a felicidade1. Essa reorganização temática vai de par com o princípio de exposição dos textos: somente tendo em conta a unidade da razão, 1 Com a prova de que a razão pura é prática, ―fica doravante estabelecida também a liberdade transcendental‖ e, por meio disso, adquirem ―realidade objetiva os conceitos de Deus e imortalidade‖ (KpV A 5). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 4 compreende-se que a doutrina dos elementos da 2a Crítica seja a perfeita ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 acomodação dos temas da metafísica especial (liberdade, alma e Deus), cuja pretensão teórica, contestada por Kant na Crítica da razão pura, dá lugar à vocação última da razão para a moral e a religião. Observe-se, a propósito, que esta transição da primeira para a segunda Crítica traz implicações significativas para a ordem elementar comum a ambas. Com efeito, com o uso prático da razão, o problema cosmológico adquire prerrogativas inéditas frente à psicologia e a cosmologia racionais. Enquanto, na 1a Crítica, em comparação com elas a cosmologia somente dispunha de uma prerrogativa fenomenológica – as antinomias, afinal, constituíam o terreno privilegiado de manifestação da aparência transcendental –, agora, é a partir da liberdade que as ideias psicológica e teológica ―obtêm consistência... e realidade objetiva‖ (KpV A 5). Digamos que, na passagem da teoria à prática, um princípio regulador, através do qual a razão exigia a ampliação do uso do entendimento no conhecimento empírico, se torna constitutivo – ou, por outra: o princípio de reflexão sobre a natureza inflete em fundamento de determinação da ação moral. E aqui começamos a nos aproximar de nosso ponto: não faltam indícios de que a reformulação dos elementos, operada na transição da 1a para a 2a Crítica e possível graças à unidade da razão na diversidade de seus usos, é balizada por uma dupla referência à finitude do homem. De um lado, a limitação do conhecimento especulativo ao âmbito dos fenômenos, a partir da qual o incondicionado ganha o estatuto transcendental de ―simples ideia‖ na Dialética transcendental, mobiliza como fator decisivo a natureza sensível de nossa intuição (Estética transcendental). É tendo em vista os resultados desta última em sua articulação com a Lógica transcendental que Kant irá decretar que o incondicionado é incognoscível, embora permaneça sendo pensável para nós. De outro lado, a moralidade é definida na Crítica da razão prática como adoção de uma máxima baseada no mandamento da 1 ―A virtude é a força da máxima do homem no cumprimento de seu dever. – Toda força se reconhece apernas pelos obstáculos que é capaz de superar; no caso da virtude, os obstáculos são as I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 5 razão em oposição direta aos móbiles patológicos1, o que configura um conflito que ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 (além de ensejar a doutrina do livre arbítrio) só faz sentido tendo em vista o estatuto singular da vontade de um ser racional e sensível. Em suma, não bastasse o fato de que, num e noutro caso, a experiência seja concebida sob exigências normativas da razão cujos resultados são mediados por considerações sobre a ―nossa natureza‖, parece que a própria transição da teoria à prática – a qual, como vimos, traz consigo o reordenamento elementar da crítica e que articula as duas partes do inteiro sistema dos conhecimentos racionais – exibe um compromisso de fundo, mas talvez não menos essencial, com premissas de cunho antropológico. Dito de outro modo, tudo indica que a referência à ―nossa natureza‖ aparece não apenas a título de elemento decisivo operante quer na teoria, quer na prática, mas também, e mais essencialmente, como ponto de fuga sob o qual Kant articula a passagem de uma a outra parte da filosofia. Porém, de que estatuto goza, no interior do kantismo, essa natureza humana, que é referência constitutiva da epistemologia transcendental, da doutrina moralidade e da articulação entre elas? Responder a essa questão nos impõe examinar mais de perto os objetivos perseguidos na Crítica do Juízo (1790), obra com a qual Kant diz pôr termo ao ―kritisches Geschäft‖. Com efeito, a tarefa crítica só cessa com a localização do princípio transcendental da faculdade de julgar, que, embora não forneça qualquer novidade doutrinal, dispõe, contudo, de um princípio a priori ―puramente subjetivo‖ – o da finalidade. Para nossos propósitos, importa destacar que, como revelam dois textos decisivos para a compreensão global do projeto kantiano – a ―1a Introdução‖ e a ―Introdução‖ definitiva da Crítica do Juízo (cf. ANCESCHI, 1966, p. 60) –, o acolhimento do princípio da finalidade no idealismo transcendental conduz Kant a explicitar a distinção entre dois planos de sistematização distintos, o primeiro relativo ao já mencionado sistema dos conhecimentos racionais por conceitos e ordenado conforme a divisão entre teoria e inclinações naturais que podem entrar em conflito com o propósito moral‖ (MC Ak 394). Sem as inclinações naturais próprias à vontade do homem, portanto, não há sequer como definir a virtude. Daí Kant ter afirmado desde muito cedo que uma vontade santa é incapaz de moralidade. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 6 prática, e o segundo, concernindo ao sistema da crítica, unicamente no interior do ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 qual transcorre a investigação suplementar atinente ao Juízo. ―Aquilo que não pode aparecer na divisão da filosofia, pode todavia aparecer na crítica da faculdade de conhecimento pura em geral, a saber no caso de conter princípios que por si não são úteis, nem para o uso teórico, nem para o uso prático‖ (KU B XXI, trad. p. 20/21)‖1. Nem por isso tal princípio é secundário; ao contrário, em 1790, Kant deixa claro que somente graças à faculdade de julgar podemos conceber uma passagem ―do domínio do conceito de natureza para o de liberdade‖ (KU, B LVI, trad. 40). Ora, tendo em vista que, com a faculdade de julgar, ―a crítica toma o lugar da teoria‖ (KU B X, trad. p. 14), nela a distinção operante entre natureza e liberdade se mantém recuada em relação a todo tipo de objetividade e revela que o ponto em torno do qual gravitam epistemologia, crítica da ilusão e moralidade, originando-se da referência da filosofia à ―menschliche Vernunft‖, não corresponde a positividade alguma. Tudo parece indicar, portanto, que, por decisiva que seja para o projeto crítico e sua substituição ao dogmatismo, a referência ao homem não acolhe nem suscita qualquer teoria do homem. A subjetividade kantiana, parece-nos possível mostrar, situa-se entre a tematização do cogito no quadro de uma ontologia da substância (Descartes, Leibniz) e o enquadramento do homem no âmbito das ciências do espírito (neokantismos), constituindo-se, por isso, em uma ocasião privilegiada para investigarmos as relações existentes entre crítica e antropologia no limiar da filosofia contemporânea. 2. O problema antropológico na literatura: duas referências O compromisso da filosofia crítica com a antropologia foi objeto da atenção de muitos intérpretes. Sem qualquer intuito exaustivo, relacionamos aqui somente duas I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página No mesmo sentido, lê-se, na Primeira Introdução: ―Se se trata não da divisão de uma filosofia, mas de nossa faculdade-de-conhecimento a priori por conceitos (da superior), isto é, de uma crítica da razão pura <...>, a representação sistemática da faculdade-de-conhecimento resulta tripartida, ou seja, primeiramente a faculdade de conhecimento do universal (das regras), o entendimento, em segundo lugar a faculdade da subsunção do particular sob o universal, o Juízo, e em terceiro lugar a faculdade da determinação do particular pelo universal (da derivação a partir de princípios), isto é, a razão‖ (EE, trad. p. 170/1). 7 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 interpretações, com o intuito único de esclarecer melhor nossa própria hipótese de trabalho. 1) Comecemos por A. Philonenko, cuja análise da obra kantiana se filia expressamente a Hermann Cohen, mencionado anteriormente. A sinuosa trajetória de Kant rumo à filosofia crítica, afirma Philonenko, tem seu momento decisivo quando o autor da Dissertação de 70 se dá conta de que nesta obra ele permanecera assimilando, erroneamente, o conceito do a priori com o conceito do inato (PHILONENKO, 1983, I, p. 76) . ―Percebe-se que unindo psicologia e filosofia transcendental, Kant <na Dissertação de 70> confunde o fato com o direito e se encontra, em 1770, incapaz de enunciar a questão que define o criticismo: quid juris?‖ (PHILONENKO, 1983, I, p. 77). Sem recusar essa assimilação, prossegue Philonenko, ―o problema da unidade do conhecimento científico, como fonte do real que se exprime nas leis, princípios de determinação dos fenômenos <se transforma> na investigação da possibilidade de o homem aceder ao existente e ao mesmo tempo desanda na antropologia e na psicologia‖ (PHILONENKO, 1983, I, p. 93). – Como é fácil notar, em sua reconstrução da trajetória de Kant rumo a Crítica da razão pura Philonenko assimila entre si psicologia, antropologia e subjetividade, todas tidas como resíduos de uma perspectiva não crítica – ou melhor, pré-crítica –, que só fez adiar o idealismo transcendental e a revolução que viria romper a clássica dependência do conhecimento em relação ao ser. Sem entrar no mérito dos marcos gerais da interpretação de Philonenko, vale servirse dela para precisar que, quando sinalizamos a referência que a filosofia crítica contém a premissas de fundo antropológico, de modo algum pretendemos relativizar o corte que a separa das formas de dogmatismo em polêmica com as quais teve sua origem. Pensamos, ao contrário, ser possível mostrar que o projeto crítico, no que passo da Lógica de Jäsche em que Kant reduz a filosofia em sentido cosmopolita a quatro perguntas fundamentais, quais sejam: ―1) o que posso saber? 2) o que devo I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página textos são bastante esclarecedores a esse respeito. O primeiro deles é o conhecido 8 possui de mais característico, possui uma orientação antropológica decisiva. Dois ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 fazer? O que me é lícito esperar? 4) o que é o homem?‖ – e, em seguida, esclarece: ―À primeira questão responde a Metafísica; à segunda, a Moral; à terceira, a Religião; e a quarta, a Antropologia. Mas, no fundo, poderíamos atribuir todas essas à Antropologia, porque as três primeiras questões remetem à última‖ (Log. A 25; trad. p. 42). Como deixa clara essa passagem, Kant admite um sentido para ―antropologia‖ muito diverso daquele circunscrito no Prefácio da Fundamentação da metafísica dos costumes (1785), quando o termo em pauta é introduzido através da oposição entre a normatividade da razão e a positividade empírica, isto é, entre a análise conceitual das significações racionais – dentre as quais figura o dever, a cuja análise o leitor é primeiramente apresentado neste texto – e a simples descrição das condutas humanas1. No sentido convocado pela acepção cosmopolita da filosofia, evocado na Lógica, a questão antropológica abarca sob si a questão pelo que devo fazer, atinente à moral, o que basta como argumento para recusarmos toda assimilação imediata e definitiva entre antropologia e empiricidade2. O outro texto que temos em mente ajuda a esclarecer em que medida admitir a validade da antropologia lato sensu, ao invés de mitigar o caráter normativo da moralidade kantiana, ajuda a esclarecê-lo. Como adverte Kant no Prefácio da Antropologia de um ponto de vista pragmático, de 1798, há duas pespectivas alternativas no que concerne ao conhecimento sistemático do homem <Kenntnis des Menschen>, a fisiológica e a pragmática: I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página ―As leis morais com seus princípios, em todo conhecimento prático, distinguem-se portanto de tudo o mais em que exista qualquer coisa de empírico, e não só se distinguem essencialmente, como também toda Filosofia moral assenta inteiramente na sua parte pura, e, aplicada ao homem, não recebe um mínimo que seja do conhecimento do homem (Antropologia), mas fornece-lhe como ser racional leis a priori‖ (Gdlg., A trad. p. 104/105). Registre-se, de passagem, ser nesta oposição, retomada na 2a Crítica, que encontram sua origem as prerrogativas que a ―Analítica da razão prática‖ assumiu diante da "parte impura da ética" (LOUDEN, 2000) na literatura secundária mais recente – a ponto de a inteira filosofia prática kantiana ter sido resumida por alguns comentadores à explicitação dos procedimentos e formulações requeridos por uma ética prescritiva. 2 Evidentemente, isso não desabona a vasta literatura dedicada a investigar as relações, no interior da razão prática kantiana, entre moral propriamente dita e antropologia. Um autor cuja discussão a respeito mobiliza a literatura corrente é LOUDEN, 2000. 9 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 O conhecimento fisiológico do homem reporta-se à investigação daquilo que a natureza faz do homem; o pragmático, àquilo que ele, enquanto ser que age livremente <als freihaldelndes Wesen>, faz ou pode e deve fazer de si mesmo. (Anthropologie, A IV). Neste sentido, a antropologia corresponde a uma consideração na qual os aspectos efetivo e normativo – em cuja separação reside a novidade inicial da crítica kantiana – subjacentes ao ―Menschenkenntnis‖, sem que se confundam um com o outro, exibem novamente, e talvez de modo privilegiado, sua complementaridade. Diante das reticências expressas por Philonenko, diríamos que a investigação antropológica, nesse sentido preciso, nada tem que ver com as fisiologias que, de Locke até Kant, animaram várias análises do entendimento no curso do século 18. Com efeito, o texto de 1798 não está comprometido com qualquer metafísica das faculdades da mente humana, nem, tampouco, com qualquer forma de inatismo ou psicologismo. Antes, ele decorre da crítica da razão, cujos resultados, como sugerimos, retirando seu alcance transcendental da referência que possuem ao que podemos conhecer, ao que devemos fazer e ao que podemos esperar1, são agora mobilizados pela atividade que reúne, sem qualquer prerrogativa doutrinal, a sua condição de possibilidade – essa atividade que designaremos, na falta de nome melhor, pela reflexão ou subjetividade em nome da qual se promoveu a revolução copernicana em filosofia. 2. Mas em que exatamente consiste o teor desse novo discurso, que, não renunciando às prerrogativas da filosofia transcendental, evoca o Menschenkenntis sem pretender fazer doutrina? E quais, afinal de contas, seriam suas implicações? É 1 Mesmo Philonenko parece admitir tacitamente esse sentido amplo de antropologia, ao declarar de partida que a filosofia kantiana ―é uma investigação, tão ordenada quanto possível, que se aplica a todos os momentos fundamentais da condição humana‖ (PHILONENKO, 1983, I, p. 14). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 10 comum a ideia de que a antropologia progressivamente se tornou foco privilegiado ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 disso que se chamou ―a filosofia do Iluminismo‖1, interpretação essa que se pode perfeitamente subscrever, desde que se estabeleça no seu âmbito diferenças por referência às quais se possa avançar uma hipótese sobre a singularidade do discurso sobre o homem no interior da filosofia kantiana. Com esse intuito, sigamos um momento as conclusões de Kant e o fim da metafísica, livro no qual G. Lebrun, inspirado na arqueologia das ciências humanas empreendida por M. Foucault, comenta o significado que a filosofia crítica, por conta de sua referência ao homem, possui na constituição de nossa modernidade. A crer em Lebrun, a antropologia é nada menos do que o desdobramento necessário da interdição da metafísica dogmática levada a cabo na Crítica da razão pura. Isso seria especialmente o caso da teologia racional, cujo princípio finalístico, uma vez privado de qualquer alcance especulativo na ―Dialética transcendental‖, é apresentado na 3a Crítica como elemento apriorístico da faculdade de julgar: ―(...) ao mesmo tempo em que é definitivamente compreendida a possibilidade da última disciplina da metafísica especial, a finidade encontra, enfim, um rosto e o ‗homem transcendental‘ substitui o sujeito anônimo e puramente funcional da crítica teórica. No nível desta investigação a-teórica, a autocrítica da metafísica assume necessariamente a forma de uma antropologia; a demonstração da finidade coincide com a descrição de regiões da existência e de experiência. Dessa forma, Kant inicia o movimento que conduzirá a abandonar a análise categorial pela descrição do vivido, e a transferir a metafísica especial para o campo da antropologia, investido de uma dignidade transcendental inesperada‖ (LEBRUN, 1993, p. 687/688). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Para ficarmos com um exemplo célebre, veja-se o apelo de Cassirer à ideia de disposição de época e que o faz reaver, nos diversos setores do pensamento esclarecido, uma mesma orientação antropológica: ―Assim se elucida, através da estética de Baumgarten, nos vínculos estreitos com a filosofia acadêmica alemã, essa mesma ideia que já encontramos por toda a parte agindo na constituição da ética, da filosofia da religião, da filosofia do direito e da filosofia política do Iluminismo. Cada vez mais, a época iluminista aprende a renunciar ao ‗absoluto‘, no sentido estritamente metafísico, ao ideal de um conhecimento ‗à imagem do conhecimento divino‘, para substituí-lo por um ideal puramente humano, que ela procura constantemente definir com maior exatidão e preencher com maior perfeição‖ (CASSIRER, 1992, p.459). 11 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Portanto, se Kant ―inicia o movimento‖ rumo à descrição do vivido, ele, contudo, ainda não toma parte nele. Ao metamorfosear a finalidade teológica ―em sentimentos e em atitudes‖ e converter o belo, o sublime e o organismo vivo em pretextos para a descrição de uma experiência puramente subjetiva (LEBRUN, 1993, 688)1, a Crítica teria aberto o espaço no qual a condição de determinação do sensível pelo inteligível poderá passar a ser ―vivenciada‖ – o passo seguinte consistindo em fazer dessa vivência a experiência de um sujeito que, a um só tempo, é fundamento e objeto do conhecer. Kant situar-se-ia, assim, no limiar daquela modernidade, cuja episteme Foucault descreveu como refém do paradoxo constituído pelo fato de que agora é o ser finito, compreendido como ser determinado, quem ―dá a toda determinação a possibilidade de aparecer na sua verdade positiva‖ (FOUCAULT, 1987, p. 354). Entenda-se: ao contrário do que, com o abono de Lebrun, acreditamos valer para a Crítica, nesta vertente da modernidade que se segue a ela e da qual a fenomenologia será o aprofundamento, a determinação já não será mais efetuada através da sua referência à totalidade posta pela razão, uma vez que, agora, o limite procede da finitude na qual o homem passou a reconhecer sua essência. E eis-nos assim frente à dificuldade incontornável para a qual a fenomenologia, conforme os partidários da reconstrução arqueológica, não teria atinado: como, feitas as contas, o finito pode operar como fundamento de qualquer limitação?2 Feita tamanha violação à ―ciência dos limites‖ (expressão pela qual Kant define a investigação crítica), a I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Valemo-nos outra vez de Cassirer – cuja simpatia pela fenomenologia é sabida, e que, como atestará Merleau-Ponty na Fenomenologia da percepção, nada tem de casual – para ilustrar, por contraste, o ponto em sobre o qual insiste Foucault e, na trilha aberta por ele, Lebrun. Cassirer comenta nestes termos a passagem do espírito cartesiano vigente na estética do século 17 para a nova disposição do Iluminismo: ―Trata-se de libertar-se do despotismo absoluto da dedução, trata-se de dar lugar, ao lado dela e não contra ela (...) aos fatos simples, aos fenômenos, à observação direta. (...) Assim, o método de explicação e de dedução tende cada vez mais, também nesse domínio. a ceder o lugar à pura descrição. E essa descrição não parte mais das obras de arte mas da consciência estética cuja natureza ela quer, em primeiro lugar, reconhecer e definir‖ (CASSIRER1992, p. 394). 2 Ou ainda, pelas palavras do autor: ―a análise da finitude explica como o ser do homem se acha determinado por positividades que lhe são exteriores e que o ligam à espessura das coisas, e como, em troca, é o ser finito que dá a toda determinação a possibilidade de aparecer na sua verdade positiva‖ (FOUCAULT, 1987, p. 352). 12 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 fenomenologia, embora herdeira da interdição da metafísica especulativa, estaria desde o início imersa no ―sono antropológico‖, cuja noite se anunciava no instante em que saberes supostamente concretos se alojaram no lugar da velha metafísica racional, como se eles dispusessem do mesmo grau de evidência de que gozavam os objetos supra-sensíveis aos olhos do dogmático, antes da instituição do tribunal da razão. Embora muito sumárias, essas observações bastam para, à guisa de conclusão, retomarmos o fio investigativo aqui apresentado. Argumentamos acima que, no kantismo, a antropologia não requer investir de positividade o seu objeto. É significativo, a esse respeito, que a ―Analítica do juízo estético‖, paradigma da reflexão, não forneça acréscimo algum à filosofia como sistema de conhecimentos racionais (ver supra p. 6). E é isso o que, gostaríamos de mostrar através da análise pormenorizada dos textos, impede que o homem figurado no sistema kantiano não seja nem possa ser fundamento de determinação de qualquer experiência. O que, no homem, é puramente determinado, corresponde à natureza. Mas, conforme a clivagem de perspectivas trazida pela solução da terceira antinomia da Crítica da razão pura, Kant poderá argumentar que o elemento característico do homem não reside na pura determinação, através da qual ele não se distingue de todos os fenômenos (e de que irá tratar a antropologia em sentido fisiológico). No que possui de próprio, o homem só admite um discurso reflexionante, cujo princípio, examinado na Crítica do Juízo, torna possível os enunciados dos opúsculos sobre a história e da antropologia pragmática. Em suma: para Kant, ao que tudo indica, a diferença entre natureza da razão e razão humana não conduz à investigação da essência do homem, mas ao recenseamento das condições de possibilidade do conhecimento da experiência e do juízo moral e, por fim, ao exame da passagem da liberdade à Se tal orientação corrobora a avaliação de Lebrun e de Foucault acerca da singularidade do Menschenkenntnis kantiano em relação àqueles herdeiros da I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página heurísticos. 13 natureza nos termos de uma filosofia da história capaz unicamente de juízos ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 revolução copernicana que, por própria conta e sem a licença de Kant (LEBRUN, 1993, p. 691) irão assimilar o empírico e o transcendental, convém, todavia, assinalar que nem por isso visamos, nesse texto, os mesmos fins da análise arqueológica. Simplesmente nosso objetivo de fundo foi diverso. Ao invés de promover o acerto de contas com a fenomenologia, gostaríamos apenas de terminar sugerindo a seguinte hipótese de trabalho. Caso seja correto retroceder da Crítica do Juízo, dos textos sobre a história e da antropologia à interdição da metafísica especial na 1a Crítica, comentando, com base nisso, os deslocamentos internos da trajetória de Kant, a questão a examinar reside em determinar até que ponto o Menschenkenntnis não representa a secularização da ideia teológica de finalidade. Apenas através da resposta a essa suspeita estaremos aptos a avaliar se, exatamente por ser não comportar qualquer correspondência positiva, o homem evocado pelo kantismo não enseja um discurso crítico por definição aporético, parasitário de um movimento no qual toda determinação é objeto de uma reflexão ulterior que a cogita em um plano cujo sentido é a um só tempo essencial e irrealizável ao sujeito. . Bibliografia: ANCESCHI, L. 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Primeiro, procuro reconstruir a distinção entre caráter inteligível e caráter empírico e entender o papel que tal distinção desempenha na argumentação de Kant. Em seguida, busco esclarecer como é possível, tendo como base tal distinção, entendermos a responsabilidade moral das ações. Nesta altura, discuto e critico a interpretação oferecida por Schopenhauer à noção kantiana de caráter inteligível. Tentarei mostrar que Schopenhauer erra ao pensar que o caráter inteligível é o ―ser‖ do homem, ou seja, algo que teríamos assumido por uma espécie de escolha única, a qual determinaria para sempre o agir humano. Depois, discutirei o famoso exemplo da mentira maldosa. Este exemplo impõe a necessidade de se pensar sobre a existência de uma linha demarcatória entre ações livres e não livres. Não obstante a falta de clareza do texto kantiano, defenderei a possibilidade de traçarmos as fronteiras do imputável e do inimputável. Com efeito, não agride o espírito do texto de Kant pensarmos que determinadas condições empíricas, como a primeira infância e a loucura, não reclamam uma compreensão a partir da noção de caráter inteligível. Na III parte do capítulo II do livro segundo da Dialética Transcendental, denominado ―Solução das ideias cosmológicas da totalidade da divisão dos eventos a partir das atribui ambos ao mesmo sujeito agente. Kant argumenta que, para um sujeito 1 dotado de uma causalidade livre, tem de se atribuir um ―caráter inteligível‖, que é o Página suas causas‖, Kant expõe a distinção entre caráter empírico e caráter inteligível e I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 caráter de uma causalidade por liberdade1, visto que os efeitos (ações) deste sujeito, conquanto repercutam no mundo dos sentidos, possuem causas que independem de qualquer condição empírica. Contudo, este mesmo sujeito, como membro do mundo dos sentidos, possui um caráter empírico e suas ações têm de ser consideradas na interconexão necessária dos fenômenos conforme a causalidade natural. Esse argumento parece ser um tanto obscuro e realça as dificuldades da resolução da terceira antinomia. Como é possível a atribuição ao mesmo sujeito de um duplo caráter? Como compreender que uma mesma ação, como fenômeno, seja tanto o resultado de determinações causais naturais como o efeito de uma causalidade inteligível, independente de qualquer condição temporal? Com relação a estas questões, a resposta kantiana parece se dirigir para uma necessária dupla consideração do sujeito agente, à medida que o ser humano é compreendido como algo radicalmente distinto do resto da natureza. Diz Kant: Exclusivamente o homem que de outra maneira conhece toda a natureza somente através dos sentidos, se conhece a si mesmo mediante uma pura apercepção ... para si mesmo, ele certamente é, de uma parte fenômeno, mas de outra, ou seja no que se refere a certas faculdades um objeto puramente inteligível porque a sua ação de modo algum pode ser computada na receptividade da sensibilidade. Denominamos estas faculdades de entendimento e razão (CRP, B 574575)2. 2 Ver também em: Fundamentação da Metafísica dos Costumes BA 108 e Tugendlehre, § 3 Ak 418. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página A liberdade, como causa eficiente, tem um caráter. E caráter, conforme Kant define, é uma lei da causalidade da causa eficiente. (Cf. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburguer. São Paulo, Abril Cultural, 1980. p. 274, B 567 / Kritik der reinen Vernunft. Werkausgabe III/IV. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991 - Doravante CRP). Sobre a variação do significado de ―caráter‖ (Charakter) em Kant, veja nota 11). 2 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Ora, o idealismo transcendental, conforme assinala corretamente Henry E. Allison1, considera o espaço, tempo e as categorias do entendimento como condições epistêmicas e não ontológicas, abrindo-se , assim, um ―conceptual space‖ para o pensamento de objetos não empíricos, dentre os quais estão os agentes humanos como agentes racionais, que podem ser considerados como coisas em si mesmas. Dessa forma, os seres humanos podem atribuir-se a si mesmos um caráter inteligível, já que as condições epistêmicas mencionadas não representam a propriedade de todas as coisas em geral. Pode-se dizer que Kant pretende, com a dupla maneira de consideração do sujeito agente, destacar que o determinismo causal natural é o ponto de vista legítimo e necessário para a explicação das ações humanas, dada a condição destas de eventos empíricos e de produtos de seres sensíveis como são os seres humanos. Todos os eventos empíricos caem dentro das condições espaço-temporais e categoriais, unicamente mediante as quais nós podemos conhecê-los. Ora, sendo as ações humanas eventos empíricos, é forçoso que as consideremos dentro dos quadros epistêmicos apresentados por Kant na Estética e na Analítica. Se o determinismo causal natural é o ponto de vista legítimo e necessário para a explicação de todos os eventos empíricos, nos quais se incluem as ações humanas, parece não haver razões para que tal ponto de vista impeça compreensões alternativas caso estas não levantem as mesmas pretensões que aquela assegura para si com exclusividade. Ora, as ações humanas, dada a singularidade dos seres humanos, seres dotados de razão e entendimento (sobretudo de razão), requerem um outro ponto de vista possível, um ponto de vista que seja capaz de justificar Cf. Kant‟s Theory of Freedom, p. 44. I. KANT. CRP B 577-578: ―Todas as ações do homem no fenômeno estão determinadas segundo a ordem da natureza, por seu caráter empírico... Mas se ponderarmos justamente estas mesmas ações com relação à razão, e não à especulativa a fim de explicar aquelas segundo a sua origem, mas 2 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 3 praticamente as ações2. Assim, se faz necessário considerar o caráter empírico do ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 sujeito agente como uma sinalização sensível, por meio das ações, de seu caráter inteligível como causas destes enquanto fenômenos (CRP, B 567 e B 574). II Todavia, uma questão aqui parece se impor. Dada a ―natureza‖ numênica da liberdade e supondo, como é razoável supor, que nem todas as ações são livres, como podemos nos certificar que determinadas ações, isto é, certos eventos empíricos, expressem a presença ou a ausência da liberdade? Trata-se de saber como podemos imputar moralmente - ato que pressupõe a atribuição de liberdade ao agente - se o caráter inteligível do ser humano, unicamente mediante o qual nós podemos considerá-lo livre, nos é inacessível? Diz Kant: ... a moralidade própria das ações (mérito e culpa), mesmo a de nosso próprio comportamento, permanece-nos totalmente oculta. As nossas responsabilidades só podem ser referidas ao caráter empírico. Mas quanto disto se deve imputar ao efeito puro da liberdade, quanto à simples natureza e quanto ao defeito de temperamento do qual não se é culpado, ou à natureza feliz (merito fortunae) do mesmo, eis algo que ninguém pode perscrutar e consequentemente, também não julgar (richten) com toda a justiça (CRP, B 579, nota). Dessa citação interessa-me reter dois pontos. Um conduz novamente à questão sobre a responsabilidade de nossas ações, pois, uma vez que não sabemos se as ações são efeito da liberdade ou da natureza, convém entender como é possível ainda falar em imputabilidade moral. O segundo ponto consiste na necessidade de compreender o que Kant quer significar com a frase ―As nossas responsabilidades exclusivamente na medida em que a razão é a causa de sua produção, numa palavra, se compararmos estas ações com a razão tendo em vista um propósito prático, então encontraremos uma regra ou uma ordem que são totalmente diversas da ordem da natureza‖ (grifos de Kant). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 4 só podem ser referidas ao caráter empírico‖. Tomo inicialmente a segunda questão. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Parece-me que o que Kant quer dizer com a frase acima é que as responsabilizações que fazemos partem do caráter empírico do agente - pois nesta esfera é que nos deparamos com ações, ―sinais sensíveis‖, que julgamos dignas de louvor ou de censura -, mas são referidas (atribuídas) ao caráter inteligível, uma vez que é em referência a esta ―lei da causalidade‖ que estamos autorizados a imputar. Na discussão do exemplo da mentira maldosa (que veremos na sequencia), a atribuição de responsabilidade será dirigida ao caráter inteligível do homem. Diz Kant: ―A ação é atribuída ao caráter inteligível do homem e agora, no momento em que mente, ele é totalmente culpado‖ (CRP, B 583). Pode-se, pois, dizer que a afirmação: As nossas responsabilidades, ainda que só possam ser referidas ao caráter empírico, têm de ser, contudo, atribuídas/imputadas ao caráter inteligível expressaria corretamente a relação que caráter empírico e inteligível mantém com os juízos de imputabilidade. Assim, embora aparentemente possa ser considerada ambígua a frase ―As nossas responsabilidades só podem ser referidas ao caráter empírico‖ - seria ambígua porque a frase ―as nossas responsabilidades só podem ser atribuídas ao caráter empírico‖, devido à proximidade semântica de ―referir‖ e ―atribuir‖, pode ser considerada sinônimo daquela, ou ainda a frase ―as nossas responsabilidades só podem ser referidas ao caráter inteligível‖ pode ser válida desde que ponderado o sentido de ―referir‖ - ela se mantém coerentemente ao lado da atribuição das ações ao caráter inteligível. Na linha dessas reflexões, alguém poderia interpretar Kant como o fez 5 Schopenhauer, dizendo que ―a responsabilidade moral do homem refere-se, em Página II.1 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 primeiro lugar e ostensivamente, àquilo que ele faz, mas no fundamento, àquilo que ele é‖1. Ora, aquilo que o homem faz, sendo para nós acessível pela experiência, é expressão do seu caráter empírico. Assim, o operari humano, sujeito à lei da natureza, é o alvo inicialmente visado por nossos juízos de imputabilidade - poderse-ia dizer que é nesse sentido que ―as nossas responsabilidades só podem ser referidas ao caráter empírico‖. Porém, de acordo com a leitura de Schopenhauer, a incidência precisa de um juízo de imputabilidade deve recair sobre o que o homem é, ou seja, sobre o que o homem pode ser de acordo com a sua essência. Ora, se o caráter inteligível, ―presente (...) em todos os atos do indivíduo e impresso em todos eles, como o carimbo em mil selos (...) determina o caráter empírico deste fenômeno [as ações exteriorizadas pela lei da causalidade - AP] que se manifesta no tempo e na sucessão dos atos‖2, então deve ser a ele propriamente imputada a ação humana. Assim, Schopenhauer poderia compatibilizar facilmente as duas frases de Kant acima consideradas, afirmando: ―as nossas responsabilidades só podem ser referidas ao operari mas têm de ser atribuídas ao esse‖. A questão está em que, para Schopenhauer, a conclusão que se segue a partir disso é que a liberdade não pode mais ser entendida como um poder que o agente possui de agir de outro modo. O meu agir é determinado necessariamente, seja do ponto de vista exterior por motivos (isto é, uma espécie de causalidade empírica), seja do ponto de vista interno pelo caráter inteligível. Como a liberdade só pertence ao caráter inteligível, e o caráter inteligível apenas diz respeito ao “esse” e não ao “operari”, ela só pode ser entendida como um poder de ser de outro modo, ou melhor, um poder que homem possui de ter sido outro.3 A. SCHOPENHAUER. Sobre o fundamento da moral, p. 92. Cf. Sobre o fundamento da moral, p. 91. Sobre a ―interpretação‖ de Schopenhauer acerca da distinção kantiana entre caráter inteligível e caráter empírico, veja também O Mundo como Vontade e Representação II, § 20, p. 142, § 28, p. 203-207, IV, § 55, p. 379-385 e Essai sur le libre arbitre, p. 117ss., e p. 191-195. 3 Sobre o fundamento da moral, p. 91: ―... tudo o que [o homem] faz acontece necessariamente. Mas no seu ‗esse‘, aí está a liberdade. Ele poderia ter sido outro: e naquilo que ele é estão culpa e mérito‖. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR 6 2 Página 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Ora, essa limitação da liberdade a uma escolha, mediante um ato inteligível, do nosso ser parece chocar-se com o pensamento de Kant. De fato, Kant afirma que a ―ação (Handlung) é atribuída ao caráter inteligível do homem‖ e, na sequencia, parece tornar-se mais difícil o acordo com Schopenhauer quando lemos: ―e agora, no momento em que mente, ele é totalmente culpado; portanto, desconsiderando todas as condições empíricas do ato, a razão era integralmente livre, e a mentira é de todo imputável à sua omissão‖ (CRP B 583). Para o meu interesse nessa discussão importa sublinhar, nessa passagem, as partes ―no momento em que ele mente‖ e ―a razão era inteiramente livre‖. Parece ser clara a sugestão de Kant de que a ação particular (no exemplo, a mentira maldosa) resultou de uma razão que era livre para mentir ou não mentir.1 No parágrafo seguinte ao da citação acima, Kant argumenta que a razão, embora estando presente e sendo ―sempre a mesma em todas as ações do homem em todas as circunstâncias temporais‖, não é, contudo, ―no tempo nem atinge um novo estado no qual não estava‖2, uma vez que, em relação a este novo estado, ―ela é determinante, mas não determinável‖. Assim sendo, não cabe perguntar por que a razão não se determinou de outro modo. Poder-se-ia indagar por que a razão ―mediante a sua causalidade (...) não determinou diversamente os fenômenos‖. Porém, em relação a isto, ―qualquer resposta é impossível. Com efeito, um outro caráter inteligível teria dado um outro caráter empírico‖ (CRP B 584). Se esta última frase de Kant é isolada, pode-se tomá-la como significando que se um homem que mente maldosamente tivesse um outro caráter moral, isto é, tivesse um outro ―sinal distintivo ... enquanto ser racional dotado de liberdade"3 que comportasse princípios I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Na Crítica da Razão Prática Kant afirma que ―satisfazer ao mandamento categórico da moralidade está em poder de cada um em todo tempo‖ (A 64). 2 Veja nota anterior. 3 I. KANT. Anthropologie du point de vue pragmatique, p. 135. É digna de registro a mudança de sentido que o termo ―caráter‖ (Charakter) sofre no pensamento de Kant. Se na Crítica da Razão Pura, como vemos, caráter é a ―lei da causalidade‖, na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, embora sem definição clara, o termo já é tomado em outro sentido (por exemplo; seção I, §§ 1 e 11, onde Kant o contrasta com o temperamento, sugerindo, no § 1, que caráter seria o modo como a vontade usa os talentos do espírito, as qualidades do temperamento e os dons da fortuna). Na 7 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 práticos proibitivos do mentir, teria então um caráter empírico, isto é, um comportamento diverso, sempre dizendo a verdade. Embora isso até possa ser considerado verdadeiro, o que Kant quer dizer é que um outro caráter inteligível daria um outro caráter empírico porque de uma outra lei da causalidade nãoempírica resultaria, como efeito, um outro fenômeno. Schopenhauer interpreta a frase em pauta no primeiro sentido com a agravante de compreender o caráter inteligível como caráter moral imutável (no sentido antropológico)1. No entanto, Schopenhauer poderia resistir a essa leitura. A base textual mais forte contra a sua tese parece estar em outro lugar, a saber, na seguinte advertência de Kant: Mas porque o caráter inteligível resulta nas circunstâncias existentes, exatamente nestes fenômenos e neste caráter empírico é uma questão que ultrapassa tão de I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Antropologia de um ponto de vista pragmático, o caráter é a ―propriedade da vontade pela qual o próprio sujeito se liga a princípios práticos determinados que são indefectivamente prescritos por si mesmo através de sua própria razão‖ (p. 139-140 da edição francesa citada). Segundo H. Allison, a ênfase no sentido antropológico de caráter, que ao seu ver surge implicitamente a partir da segunda Crítica, marca uma mudança que deve ser entendida como ―concomitantes às mudanças na teoria moral de Kant produzidas pela introdução do princípio da autonomia‖ (Kant‟s Theory of Freedom, p. 140). 1 Cf. A. SCHOPENHAUER. Sobre o Fundamento da Moral, p. 89. Segundo o ponto de vista de V. Delbos (Op. Cit., 365-367), Schopenhauer retém o substancialismo ―plus ou moins explicite‖ da teoria kantiana do caráter inteligível. Este substancialismo se verificaria na consideração de que a ação resultaria de uma ―determination essencialle de la chose en soi comme chose‖ (p.367). Para Delbos, Kant se inclinaria, na Crítica da Razão Prática a eliminar este pendor substancialista , tomando como origem do caráter uma ação intemporal em sua relação direta com a lei moral‖ (Ibid.). De acordo com Henry E Allison, o contraste entre caráter inteligível e empírico na Crítica da Razão Pura não tem sentido psicológico ou antropológico, mas sim a função de distinguir os modos de operar da causalidade, na medida em que esta pode ser duplamente considerada como causalidade empírica e inteligível (Cf. HENRY ALLISON. ―Entre la cosmología y la autonomía: La teoría kantiana de la libertad en la Crítica de la razón pura‖. p.484-485). H. Allison assinala que Kant também aplica a distinção entre caráter empírico e inteligível ao agente causal, isto é, o sujeito da causalidade, porém, segundo ele, ―não há indicação, ao menos na exposição inicial, de que este sujeito se deva conceber em termos psicológicos, i.é, como pessoa‖ (p.485). Não obstante, Kant, ao afirmar que é pelo caráter empírico ―que podemos considerar o homem quando simplesmente o observamos e quando, tal qual ocorre na Antropologia, pretendemos investigar fisiologicamente as causas de suas ações‖ (CRP B 578) parece sugerir uma aproximação de sentido entre a lei da causalidade empírica e caráter antropologicamente considerado. 8 longe a faculdade de nossa razão para responder, e até todo o direito de ela sequer ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 perguntar, como se se indagasse porque o objeto transcendental de nossa intuição sensível externa só dá uma intuição no espaço e não em qualquer outro tipo de intuição (CRP B 585). Assim, quando se quer defender a tese de que o caráter inteligível, entendido como o “esse” do homem, se está tentando sustentar, senão exatamente o porquê de o caráter inteligível resultar num determinado caráter empírico (teria de se responder porque o homem é o que é), algo que ultrapassa os limites legítimos do poder de nossa razão para responder. Afirmar que Kant, com a distinção entre caráter empírico e inteligível, nos retirou ―do erro fundamental que deslocava a necessidade para o ‗esse‘ e a liberdade para o ‗operari‘1 e nos fez perceber que a relação é inversa, isto é, “operari sequitur esse”, é supor-se autorizado a perscrutar o imperscrutável. Na verdade, Kant, ao distinguir caráter empírico do caráter inteligível, nos retirou do seguinte erro fundamental: considerar o operari como o faz Schopenhauer, ou seja, como suscetível de uma única leitura, não sendo possível de ser considerado senão sob o ponto de vista da causalidade natural. Deve-se notar, ainda, que o não ter direito de indagar sobre por que o caráter inteligível resulta num determinado caráter empírico está vinculado à não autorização de perguntar sobre de onde surge a ação livre e quando ela é iniciada. De fato, visto que condições espaço-temporais só podem ser referidas ao caráter empírico, a causalidade livre da razão ―em seu caráter inteligível não surge, nem começa por volta de um certo tempo a fim de produzir um efeito. Pois, do contrário ela mesma ficaria submetida a lei natural dos fenômenos‖ (CRP B 579-580)2. 1 A. SCHOPENHAUER. Sobre o fundamento da moral, p. 92. Na Religião, Kant apresenta uma distinção que tem uma incidência esclarecedora neste ponto. Trata-se da distinção do conceito de ―Origem primeira‖ - Ursprung (der erste) , que significa ―a derivação de um efeito da sua primeira causa, i.é, daquela que, por seu turno, não é efeito de outra causa da mesma espécie (p.45) . Esta pode se distinguir em ―origem racional‖ e ―origem temporal‖. A ―origem racional‖ toma ―em conta apenas a existência do efeito‖, ja a ―origem temporal‖ ―o acontecer do mesmo, por conseguinte, o efeito como ocorrência é referido a uma a uma causa no tempo. Se o efeito é referido a uma causa que a ele está ligada segundo leis da liberdade ... então a determinação do arbítrio à sua produção é pensada ... como ligada ... somente na representação da razão, e não I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 9 2 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Voltemos a questão sobre a responsabilidade de nossas ações. Somente pode haver imputabilidade (Zurechnungskeit) onde há liberdade. Ora, se não há condições de saber (kennen) da existência ou não da liberdade, temos de enfrentar a seguinte dificuldade: ou nós abdicamos qualquer juízo de imputabilidade ou expomo-nos ao risco da injustiça nos julgamentos que fazemos. Pareceria que o não poder ―julgar com toda a justiça‖ neste caso significaria não poder julgar com nenhuma justiça, visto que sugeriria um julgamento cego. Nesta perspectiva, diz Jonathan Bennett, comentando a citação de Kant em pauta: Dizer que não se pode ‗julgar com plena justiça‘ é pouco. De fato, não temos a menor base para crer que qualquer juízo de imputabilidade tenha a mínima justiça (...). Visando apoiar a noção ordinária de responsabilidade moral, a teoria de Kant a aniquila1. Convém, tendo presente tais questionamentos e leituras, retornar à Crítica da Razão Pura na busca de uma possível resposta de Kant, seja explícita ou não, ao problema levantado. Examinando bem a nota da CRP B 579, talvez se consiga dissipar um pouco as dificuldades apresentadas. Na verdade, Kant não diz que nós não sabemos se as ações são efeitos da liberdade ou da natureza. Kant afirma que nós não sabemos o quanto deve ser imputado à liberdade ou à natureza2. Desse modo, seria possível uma interpretação favorável a Kant. De fato, a afirmação de Kant não impede totalmente o juízo moral, ela apenas restringe a sua acribia. Neste sentido, pode-se admitir que ninguém julga com toda a justiça, o que não significa eliminar todo o julgamento. A tese simplesmente introduziria cláusulas de reservas quanto ao I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página pode ser derivada de qualquer estado precedente‖ (A Religião nos limites da simples razão, p. 45. Portanto, a pergunta pela ―origem temporal das ações livres como tais (como se fossem efeitos da natureza) é, pois, uma contradição‖ (p.45-46). 1 J. BENNETT. La „Crítica de la razón pura‟, 2, La Dialética. p. 223. 2 No original: ―Wie viel aber davon reine Wirkung der Freiheit, wie viel der blossen Natur ...‖ (grifei). 10 seu caráter peremptório. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 III Todavia, para se conceder validade à compreensão de Kant sobre a imputabilidade moral na CRP deve-se cuidar ainda de um outro ponto. Tenho em mente o exemplo, apresentado por Kant, da mentira maldosa, causadora de uma certa confusão para a sociedade. Em primeiro lugar, segundo Kant, esta ação deve ser examinada ―quanto às motivações a partir das quais emergiu‖ para em seguida a julgarmos ―como ela pode ser imputada ao agente juntamente com as suas consequências‖ (CRP B 582). A primeira questão diz respeito ao caráter empírico da ação, exigindo que compreendamos a mentira maldosa dentro de uma série de causas que a determinam naturalmente. Assim, encontramos como fatores determinantes uma ―educação defeituosa, [...] más companhias, [...] índole insensível à vergonha, [...] leviandade, [...] irreflexão‖, bem como ―causas ocasionais que a tal ato deram azo‖ (CRP B 582). Tais fatores, que expressam tanto traços de caráter (sentido antropológico) quanto determinações do ambiente, apenas explicam como a ação ocorreu, não permitindo, portanto, julgá-la moralmente. Ora, a imputação é garantida pelo segundo procedimento de exame. Neste procedimento, ―apesar de se crer que a ação esteja determinada mediante tal [série de causas que determinam um efeito natural dado - AP], nem por isso admoesta-se menos o agente‖ (CRP B 582-583). Mas como podemos justificar uma censura a um agente se consideramos que sua ação resulta de uma causalidade natural? Conforme Kant, esta censura está baseada numa ―lei da razão por meio da qual se encara esta última como uma causa que, sem levar em conta todas as condições empíricas mencionadas, poderia e deveria determinar diversamente o comportamento do homem‖ (CRP B 583). Para é atribuída ao caráter inteligível do homem, e agora, no momento em que mente, ele é totalmente culpado‖ (CRP B 583). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página completa. Nesse sentido, entende-se a afirmação já referida segundo a qual ―a ação 11 Kant, ainda que adversidades empíricas se coloquem, a causalidade da razão é ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Assim sendo, a responsabilidade moral de um homem que mente maldosamente requer um desprezo pelas condições empíricas, sejam estas internas ou externas. Kant diz ainda, no mesmo parágrafo, que nós temos de considerar tal ato, na perspectiva de censura do agente, de um lado, como se a série decorrida das condições não tivesse ocorrido1 e, de outro lado, como se se tratasse de início espontâneo, por parte do agente, de uma série de consequências. Parece um tanto difícil aceitar que, quando se propõe a avaliar moralmente a responsabilidade ou não de um ser humano, seja necessário desconsiderar condições empíricas passadas. Se uma pessoa teve uma educação defeituosa, más companhias e cometeu uma ação censurável por leviandade, parece que, nestes casos, seria plausível a possibilidade de que esta pessoa agisse, mediante a causalidade de sua razão, de um modo diverso. Sendo assim, nos veríamos obrigados a sustentar que tais condições não são relevantes, visto que não determinam necessariamente a ação. Mas tal irrelevância das condições empíricas deve resultar da avaliação que fizermos, não de uma desconsideração prévia delas. Considere-se o caso, mencionado por Kant, de que se verifique no agente, conjugadamente a outros fatores, a ―malignidade de uma índole insensível à vergonha‖. Neste caso, se estaria diante de algo que poderíamos chamar de um grave distúrbio de personalidade, fato que tornaria insustentável qualquer expectativa de comportamento moral do agente. A ideia de uma pessoa ―insensível à vergonha‖ parece nos conduzir à compreensão da existência de uma falha estrutural na formação de sua consciência moral, o que nos permitiria considerá-la moralmente incivilizada. Nesse contexto, parece intervir uma condição empírica relevante. Assim, o agente não estaria sujeito à imputabilidade, uma vez que a causalidade determinante não foi a causalidade da razão (livre e de modo algum afetada pela sensibilidade), mas a causalidade natural Para Allison, a pretensão de Kant seria a de que ―a disponibilidade de uma explicação empíricocausal de uma ação por si mesma não excluí a possibilidade de supor que o agente poderia ter agido de outro modo e, portanto, de sustentar que o agente é responsável‖ (Kant‟s Theory of Freedom, p. 42). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 12 que subtrai todo juízo de responsabilização moral. Dessa forma, a argumentação de ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Kant em torno do exemplo da mentira maldosa se revela também problemática, sobretudo em função de ele sugerir, pelo desprezo das condições empíricas, que todas as ações humanas seriam livres1. De qualquer forma é importante enfatizar que a pretensão de Kant é mostrar que liberdade e necessidade natural podem, numa mesma ação, ―ocorrer independentemente uma da outra e sem interferências recíprocas‖ (CRP B 585). Logo, o argumento principal em favor desta tese é, de fato, a distinção entre fenômeno e númeno com a consequente abertura do já referido espaço conceitual que nos permite pensar a possibilidade das ações humanas fora das condições epistêmicas (espaço-temporais e categoriais). Todavia, o recurso a este espaço conceitual, em que se justifica a compreensão das ações humanas como resultado de uma causalidade por liberdade, isto é, numênica, deve ser validado apenas ―onde há alguma razão para ir além da causalidade fenomênica, e estas são encontradas apenas na volição humana‖2. Com efeito, na natureza inanimada ou meramente animal não existem razões para o recurso a uma compreensão diferente da que nos é oferecida pelo determinismo natural (Cf. CRP B 574). Ora, se o recurso a uma causalidade numênica somente se justifica quando existe alguma razão para irmos além da causalidade fenomênica, e mesmo que este apelo à causalidade numênica só seja justificado quando se tratar de volições humanas, poder-se-ia considerar que, nas ações humanas, tendo em vista a avaliação de responsabilidade das mesmas, o apelo à causalidade numênica pode ser impugnado à medida que I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Esta questão é assinalada por Jonathan Bennett (Op. Cit , p. 233) e Lewis White Beck que, embora numa perspectiva de argumentação diferente da de Bennett, afirma: ―Todos os fenômenos têm duas dimensões de relações, uma para o fenômeno anterior, uma para o númeno. A segunda dimensão ou relação não é o que se quer significar por liberdade num sentido interessante, porque ela é indiscriminadamente universal. Liberdade como um predicado universal é destituída de interesse‖ (A Commentary on Kant‟s Critique of pratical reason, p.188). Embora Beck não esteja se referindo a universalidade indiscriminada quanto às ações humanas (o que faz Bennett), a sua ponderação ao meu ver pode valer também nesse sentido, uma vez que o conceito de liberdade como predicado de toda e qualquer ação humana, ao desconsiderar a possibilidade do arbítrio humano ser necessitado patologicamente, apresenta-se com interesse reduzido, dada a sua miopia quanto às ocorrências patológicas suscetíveis ao agir humano. 2 L. W. BECK. Commentary, p. 189. 13 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 inexistam razões para se ir além da causalidade fenomênica. Tome-se novamente o exemplo da mentira maldosa. É razoável supor que um tal ato resulte de certas condições empíricas que afetam completamente (necessitariamente) a volição humana (consideremos, mais uma vez, o fator da ―malignidade de uma índole insensível à vergonha‖ no sentido mais forte). Assim, em casos semelhantes a este, não existiria razão para irmos além da causalidade fenomênica. Convém que se atente que o que está em questão aqui não é em primeiro lugar a precisão dos exemplos, mas sim a de perceber que a liberdade não está sempre presente nas ações humanas, não se justificando, portanto, por princípio um desprezo das condições empíricas do agente quando visamos juízos de imputabilidade. O que se questiona em Kant é a tese de que, independentemente de qualquer afeto, a razão é moralmente soberana (e não que ela deva ser moralmente soberana). Ora, um sujeito destituído do sentimento de vergonha seria um caso empírico de uma patologia1 diante da qual a razão não teria soberania. IV Nesse sentido, pode-se buscar um apoio nos textos kantianos. Com efeito, Kant considera que a primeira infância e a loucura, incluindo nesta última estados psicológicos como uma melancolia extrema ou depressão, representam condições empíricas que nos levam a considerar um agente como não livre2. A discriminação de atos livres de atos não livres se deixa perceber também no texto Resposta à pergunta: que é o Iluminismo? em que Kant fala da ―menoridade‖ de que o próprio homem é culpado, a qual se distingue da menoridade que reside na falta de entendimento ou que se baseia no fato da natureza não nos ter ainda ―libertado do Bem entendido, patologia no sentido moderno (e não kantiano) do termo. Cf. I. KANT. Metaphisik L., edição da Academia, vol, XXVIII, p. 254-257, citado por H. Allison, Kant‟s Theory of Freedom, p. 59 e 74. 3 I. KANT. ―Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?‖, p. 11. 2 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 14 controle alheio‖3. A menoridade imputável é a menoridade a qual o Iluminismo ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 (Aufklärung) empenha-se na crítica, responsabilizando o homem que não saiu deste estado precisamente em função de que o mesmo poderia não mais continuar menor, ou seja, responsabiliza-se uma menoridade que resulta da liberdade. Contrastivamente a esse caso de menoridade imputável, temos uma menoridade não imputável, isto é, atos de menoridade não livres, empiricamente destacados, e, assim, insuscetíveis de responsabilização (menoridade no sentido comum, relativo à infância, e uma menoridade por alguma deficiência do entendimento). Ainda, na Crítica da Faculdade do Juízo, vemos Kant, ao distinguir afetos (Affekten) de paixões (Leidenschaften)1,, sinalizar a possibilidade de um impedimento empírico da liberdade2, ao afirmar que as paixões ―são inclinações que dificultam ou tornam impossível toda determinabilidade do arbítrio por princípios‖3. Logo, as paixões podem limitar e inclusive suprimir a liberdade4. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Diz Kant: ―Afetos são especificamente distintos de paixões. Aqueles referem-se meramente ao sentimento; estas pertencem à faculdade de apetição e são inclinações que dificultam ou tornam impossível toda determinabilidade do arbítrio (Willkür) por princípios. Aqueles são impetuosos e impremeditados; estas, duradoras e refletidas‖ (Crítica da Faculdade do Juízo. B 121, nota 128). O exemplo fornecido por Kant nesta nota é o da indignação (Unwille) que, sendo um afeto, é cólera (Zorn) e, sendo paixão, é ódio (Hass), sede de vingança. Na Tugendlehre Kant também apresenta esta distinção. O exemplo é o mesmo. A cólera ou ira, como sentimento repentino e brusco, é uma propensão a um afeto. O ódio - inclinação permanente - é uma paixão. A diferença está nas definições. Os afectos ―pertencem ao sentimento, na medida em que este, precedendo à reflexão (Überlegung), a impossibilita ou a dificulta‖ (Ak 407). A paixão ―é o apetite sensível convertido em inclinação permanente‖ (Ak 408). Assim, temos ao lado da já conhecida vítima da paixão ( o arbítrio), a vítima do afeto (a reflexão, ou raciocínio). A questão que se coloca, num caso extremo, é até que ponto pode arbítrio se determinar livremente considerando-se a impossibilidade da reflexão? Por certo, isso dificulta somente o que é uma tese mais moderada de Kant. 2 Referência no mesmo sentido à Crítica da Faculdade do Juízo é feita por Henry Allison, Kant‟s Theory of Freedom, 260, n.12. 3 Cf. nota 35. 4 Também nas Lecciones de Ética (De Imputatione): "Podemos atribuir algo a uma pessoa sem chegar a imputar-lhe; por exemplo, podemos atribuir suas ações a um louco ou a um ébrio, mas não imputar-lhes. Na imputação, a ação tem de ter sua origem na liberdade. Certamente, não se podem imputar suas ações ao ébrio, senão à própria embriaguez" (p.97; veja também p. 101). A referência ao ébrio lembra Aristóteles: "O homem embriagado ou enfurecido age na ignorância, mas não por ignorância, sendo portanto responsável" (Ética a Nicômaco, III, 1, 1110 b25ss.). Aristóteles também afirma que "sucede até que um homem seja punido pela sua própria ignorância quando o julgam responsável por ela, como no caso das penas dobradas para os ébrios; pois o princípio motor está no próprio indivíduo, visto que ele tinha o poder de não se embriagar, e o fato de se haver embriagado foi causa de sua ignorância" (EN, III, 5, 1113 b30ss). 15 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Assim sendo, pode-se retornar com outros olhos à afirmação de Kant segundo a qual a ação do homem "de modo algum pode ser computada na receptividade da sensibilidade" (CRP B 575). Ao que parece, certas ações podem ser computadas na receptividade da sensibilidade, demarcando-se assim alguma fronteira entre o imputável e o não imputável, entre as ações livres e as não livres. Bibliografia 1. ALLISON, Henry E. ―Entre la cosmología y la autonomía: La teoría kantiana de la libertad en la Crítica de la razón pura‖. In: El idealismo transcendental de Kant: una interpretación y defensa. Tradução de Dulce Granja Castro. Barcelona, Anthropos; México, Universidad Autónoma Metropolitana. Iztapalpa, 1992. 2. ALLISON, Henry E. Kant‟s theory of freedom. New York, Cambridge University Press, 1990. 3. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo, Nova Cultural, 1987. 4. BECK, Lewis White. A Commentary on Kant‟s Critique of pratical reason. Chicago: The University of Chicago Press, 1966 5. BENNETT.Jonathan. La „Crítica de la razón pura‟, 2, La Dialética. Madrid, Alianza Editorial, 1981. 6. DELBOS, Victor. La philosophie pratique de Kant. Paris, PUF, 1969. 7. 13. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1994. 8. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburguer. São Paulo, Abril Cultural, 1980. 9. KANT, Immanuel. Kritik der reinen Vernunft. Werkausgabe III/IV. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991. 10. KANT, Immanuel. ―Resposta à pergunta: que é o iluminismo?‖. In: A Paz perpétua e outros opúsculos. Tradução de Artur Morão. Lisboa, Ed. 70. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 12. KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. São Paulo, Abril Cultural, 1980. 16 11. KANT, Immanuel. Lecciones de Ética. Tradução de Roberto Rodriguez Aramayo e Concha Roldan Panadero. Barcelona. Crítica, 1988. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 13. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Tradução de Artur Morão. Lisboa, Ed. 70, 1986. 14. KANT, Immanuel. Kritik der praktischen Vernunft. Werkausgabe VII. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991. 15. KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Tradução de Valério Rohden e Antonio Marques. Rio de Janeiro, Forense, 1993. 16. KANT, Immanuel. Kritik der Urteilskraft. Werkausgabe X. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991. 17. KANT, Immanuel. A Religião nos limites da simples razão. Tradução de Artur Morão. Lisboa, Ed. 70, 1992. 18. KANT, Immanuel. Die Religion innerhalb der Grenzen der blossen Vernunft. Werkausgabe VIII. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991. 19. KANT, Immanuel. La Metafísica de las Costumbres. Tradução de Adela Cortina Orts e Jesus Conill Sancho. Madrid, Tecnos, 1994. 20. KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten. Werkausgabe VIII. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991. 21. KANT, Immanuel. Anthropologie du point de vue pragmatique. Tradução de Michel Foucault, Paris, J. Vrin, 1964. 22. SCHOPENHAUER, Artur. O mundo como vontade e representação. Tradução de M. Filosofia Sá Correia. Porto: Rés, s/d. 23. SCHOPENHAUER, Artur. Sobre o fundamento da moral. Tradução de Maria Lúcia Cacciola. São Paulo, Marins Fontes, 1995. Página 17 24. SCHOPENHAUER, Artur. Essai sur le libre arbitre. 13a. ed. Tradução de Salomon Reinhach. Paris: Fálix Alcan, 1925. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 SOBRE O ESPECULATIVO EM KANT, OU DO RECONHECIMENTO DE UMA REGIÃO INTERMEDIÁRIA ENTRE O EMPÍRICO E O TRANSCENDENTAL Manuel Moreira da Silva DEFIL – UNICENTRO/PR 1. Considerações preliminares O presente trabalho visa explicitar em que sentido Hegel retoma e desenvolve o que para ele consiste no ponto o mais interessante do Sistema kantiano1 e em que medida o fundador do Idealismo especulativo se apresenta como um legítimo intérprete deste; vale dizer, como o herdeiro que leva a termo o projeto de seu antecessor, não só pacificando províncias reciprocamente hostis, mas também assumindo e mantendo de cada uma e para cada uma seus limites e seu alcance, i.é, sua jurisdição, no contexto de uma nova ordem do Saber. Essa cuja consolidação, em 1812, quando o tempo de sua fermentação parecia haver se dissipado, ainda não se mostrava aos olhos de Hegel plenamente consumada; sendo esta, portanto, a pretensão do filósofo: transformar em ciência o princípio desta nova ordem do Saber, o qual embora já adquirido e afirmado desde aproximadamente 1787, permanecia até então em sua intensidade não- 2 desenvolvida – e isso justamente pelo fato da completa mudança que o modo de pensar filosófico sofrera neste período de tempo não ter tido ainda influxo sobre a configuração da Lógica.3 Neste caso, de modo mais rigoroso, da Lógica entendida I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Ver, G. W. F. HEGEL, Glauben und Wissen (1802), in: G. W. F. HEGEL, Jenaer Schriften (18011807). Auf der Grundlage der Werke von 1832-1845 neu edierte Ausgabe. Redaktion Eva Moldenhauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970 [TWA 2], p. 322 (= GW, TWA 2, p. 322). 2 Ver, G. W. F. HEGEL, Wissenschaft der Logik, I. Auf der Grundlage der Werke von 1832-1845 neu edierte Ausgabe. Redaktion Eva Moldenhauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970 [TWA 5], p. 16 (= WdL I, TWA 5, p. 16). Quando for o caso, seguiremos este mesmo procedimento também para a Wissenschaft der Logik, II [TWA 6]. 3 WdL I, TWA 5, p. 13. 1 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 como a verdadeira Metafísica ou a Filosofia especulativa pura;1 para o que se deveria levar em conta a sistematização expandida do princípio anterior, tarefa essa em relação à qual, nas palavras de Hegel, o princípio presente – quando ainda em fermentação – costuma comportar-se com fanática hostilidade.2 Trata-se, pois, em certo sentido, de um balanço histórico-crítico e de uma reconsideração sistemático-especulativa das linhas de força que, ao mesmo tempo, entre a segunda edição da Kritik der reinen Vernunft (1787) e a primeira edição da Wissenschaft der Logik (1812), mas que já se apresentam de modo programático em 1802, mais precisamente em Glauben und Wissen, unem e separam o Idealismo crítico e o Idealismo absoluto. Linhas de força essas que, nos limites da filosofia kantiana interpretada de modo não meramente exotérico, emergem de pontos nodais perfeitamente determinados, os quais se mostram passíveis de constatação e verificação segundo o espírito e a letra do Idealismo crítico ele mesmo em seu desenvolvimento imanente – portanto, sem fazer-lhe violência, mas nele discernindo as linhas de força que, rigorosamente determinadas, o conduzem para a suprassunção daquilo que nele se opõe. Neste sentido, por ‗interpretação não meramente exotérica‘ entende-se aqui aquela que não se fixa no aspecto popular da doutrina kantiana, este segundo o qual o Entendimento não pode pura e simplesmente ir além da experiência sensível,3 mas busca compreender em que sentido, por exemplo, a exigência de uma mediação entre Natureza e Liberdade no Idealismo crítico, não pode dispensar o Entendimento, tendo antes que já nele pressupor um caráter ativo e, por isso, apreender a espontaneidade do mesmo nos quadros de um Entendimento intuitivo que, independente do fato de nós mesmos (enquanto simples representação) não possuí-lo, se impõe como princípio de nossas representações, juízos e de nós mesmos (ou do Eu como simples representação), 1 WdL I, TWA 5, p. 16. WdL I, TWA 5, p. 15. 3 Esse o de boa parte dos kantianos, anti-kantianos e pós-kantianos imediatos, uma lista razoavelmente longa de filósofos mais ou menos influentes cujos nomes mais proeminentes neste período seriam Reinhold, Jacobi, Bardili, Fries, Herbart, etc., aos quais Hegel alude em WdL, I, TWA 5, p. 13ss, p. 45ss. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 2 2 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 assim como produz o múltiplo da sensibilidade, na medida em que se produz a si mesmo sob a forma de Autoconsciência.1 O que, enfim, se deixa pelo menos entrever em algumas das mais importantes obras de Kant, das quais, de modo mais privilegiado, em Glauben und Wissen, Hegel irá tomar em questão apenas a Kritik der reinen Vernunft e a Kritik der Urteilskraft; razão pela qual, no presente trabalho, discutir-se apenas o que se impõe a partir da consideração hegeliana delineada na obra juvenil de 1802, acima referida. Assim, nossa discussão versará sobre o problema a um tempo ontológico e epistemológico da relação do Transcendental e do Empírico em Kant e sua resolução hegeliana mediante a instauração do Especulativo, este reconhecido como aquela região intermediária entre o Empírico e o Transcendental de certo modo antevista por Kant.2 Desse modo, procuraremos mostrar o que há de especifico na exposição kantiana e na exposição hegeliana dessa região – a primeira constituindo-se como transcendental e a segunda como especulativa, essas cujas diferenças tornar-se-ão cada vez mais claras em função do desenvolvimento de seus respectivos pontos de vista acerca de tal região ou do Especulativo propriamente dito. Em vista disso, ao contrário da interpretação tradicional, tanto das instâncias kantianas, quanto das hegelianas, a tematização aqui levada a cabo parte da constatação que o Transcendental e o Especulativo: (1) embora inicialmente se identifiquem, não constituem uma e a mesma coisa, não podendo, pois, o Especulativo constituir-se como uma espécie de radicalização ou de dialetização do I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Sobre este ponto já então desenvolvido na obra madura de Hegel, veja-se: G. W. F. HEGEL, Encyklopädie der philosophischen Wissenschaften im Grundrisse. Erster Teil. Die Wissenschaft der Logik. Mit den mündlichen Zusätzen. Auf der Grundlage der Werke von 1832-1845 neu edierte Ausgabe. Redaktion Eva Moldenhauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970 [TWA 8], p. 71ss. Versão brasileira: Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio (1830). I. A Ciência da Lógica. Trad. Paulo Meneses e Pe. José Machado, São Paulo: Loyola, 1995, p. 69ss. Texto citado, de ora avante e sempre que possível, pela inicial ‗E‘, seguida de ‗1830‘, para o ano de sua publicação, ‗I‘ para a indicação do presente volume, ‗§‘ para os parágrafos correspondentes e, quando for o caso, de ‗A.‘, para as Anotações de Hegel, e de ‗Ad.‘, para os Adendos orais recolhidos por seus discípulos; no caso: E., 1830, I, § 20ss. Veja-se também: WdL, I, TWA 5, p. 43ss; WdL, II, TWA 6, p. 253. 2 GW, TWA 2, p. 322. 3 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Transcendental;1 (2) da mesma forma, ainda que possam ao fim e ao cabo distinguir-se profunda e radicalmente, isso não implica uma oposição intransponível entre ambos, sem que haja passagem de um ao outro.2 O ponto aqui em jogo decide-se em três momentos chave, delineados justamente em Glauben und Wissen, os quais demonstram não só a consistência de uma interpretação não tradicional de Kant e de Hegel, mas também a da que Hegel assume enquanto ponto de partida de sua retomada e desenvolvimento da região entre o Transcendental e o Empírico, a qual, em Kant, se apresenta de modo pura e simplesmente inconsciente. Em suma: (a) aquilo que tornam possíveis os juízos sintéticos a priori, (b) o termo-médio entre o conceito de natureza e o de liberdade e (c) a conformação deste termo-médio como o Especulativo propriamente dito. A seguir, discutiremos cada um desses momentos em seu aspecto histórico-crítico e em seu caráter sistemático-especulativo. Primeiro, o tratamento hegeliano da pergunta ―como são possíveis os juízos sintéticos a priori?‖, buscando explicitar o que Hegel entende como o lado do Eu absoluto enquanto Identidade sintética originária e o lado do juízo como sua separação e seu aparecer.3 Logo após, algumas observações de Hegel relativas à concepção kantiana do termo-médio entre o conceito de natureza e o de liberdade e à determinação do mesmo enquanto Entendimento intuitivo, esse que conformaria em seu automovimento o próprio momento especulativo tal como Hegel o compreende.4 A título de conclusão, em que medida os resultados então alcançados por Hegel representariam um mero desvio ou uma simples rejeição da perspectiva kantiana ou, antes, a sua consumação. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Sobre este ponto, veja-se, por exemplo, J.-M. LARDIC, Hegel classique, ou spéculation et dialectique du transcendantal. In: J.-Ch. GODDARD (Ed.). Le transcendantal et le spéculatif dans l‟idéalisme allemand. Paris: Vrin, 1999, p. 115-116ss, p. 135. 2 Veja-se, igualmente, J.-M. LARDIC, Hegel classique..., in: op. cit., p. 123ss, p. 135. 3 GW, TWA 2, p. 304-309. 4 GW, TWA 2, p. 322-330. 4 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 2. Do Eu absoluto enquanto Identidade sintética originária e do juízo como sua separação e seu aparecer Em sua Introdução a Glauben und Wissen,1 Hegel apresenta o problema imposto pelo fato de a essência da filosofia kantiana consistir em um idealismo crítico, i.é, permanecer pura e simplesmente na oposição e, a um tempo, fazer da identidade dos opostos (nela presentes) o fim absoluto da filosofia.2 Assim, de um lado, a filosofia kantiana teria o mérito de ser idealismo, na medida em que demonstra que nem o conceito apenas por si, nem a intuição somente por si são algo, reconhecendo pois que a intuição por si é cega e o conceito por si é vazio; de outro, contudo, ela teria o demérito de não sê-lo, pois, para ela, o conhecimento finito se apresenta como o único possível.3 Já em sua Conclusão,4 o autor de Glauben und Wissen atém-se às conseqüências de tal procedimento, apresentando por um lado o aspecto especulativo da fé prática afirmada pelo Criticismo, i.é, a Ideia de que, simultaneamente, a Razão teria realidade absoluta e, nesta Ideia, os contrários da liberdade e da necessidade seriam suprassumidos, assim como, da mesma forma, que o pensar infinito é ao mesmo tempo realidade absoluta ou a identidade absoluta do pensar e do ser; algo que, por outro lado, ao ser vertido na forma humana, exige por seu turno que a Razão não possa atingir nada de mais elevado que esta fé prática, a qual, ao fim e ao cabo, implica em nosso ser-submergido absoluto na empiria, abandonando a esta tanto a finitude de seu pensamento e de sua ação quanto a de seu deleite.5 Enfim, na parte principal de Glauben und Wissen, Hegel deixa de lado, ao que parece de modo proposital, a Kritik der praktischen Vernunft, concentrando-se na Kritik der reinen Vernunft e na Kritik der Urteilskraft, essa na I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página GW, TWA 2, p. 301-304. GW, TWA 2, p. 302. 3 GW, TWA 2, p. 303. 4 GW, TWA 2, p. 330-333. 5 GW, TWA 2, p. 330-331. 2 5 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 qual se encontraria o ponto o mais interessante do Sistema kantiano, a saber, o termo-médio entre o conceito de natureza e o de liberdade.1 No que tange à Kritik der reinen Vernunft, Hegel inicia seu comentário passando em revista o estabelecimento kantiano da possibilidade dos juízos sintéticos a priori, quando então assume e mantém a tese segundo a qual ―pelo Eu vazio, enquanto simples representação, [não] é dado nada de múltiplo‖2, bem como a de que ―a verdadeira unidade sintética ou identidade racional é apenas aquela que é a referência do múltiplo à identidade vazia, o Eu a partir do qual, como síntese originária, primeiramente se separam o Eu enquanto sujeito pensante e o múltiplo enquanto corpo e mundo‖.3 Na primeira tese, com a diferença do acréscimo do termo ‗vazio‘ para qualificar ―o Eu enquanto simples representação‖, Hegel cita expressamente a Kritik der reinen Vernunft, B 135; passagem em que, nos quadros do § 16 da segunda edição (1787),4 Kant pretende dar conta não só da possibilidade dos juízos sintéticos a priori, mas também justificar o ato da espontaneidade do Entendimento ou antes do próprio sujeito, a qual, como representação que tem de ser dada antes de qualquer pensamento determinado, tem de ser uma intuição – essa, porém, de um lado não pode ser considerada como pertencente à sensibilidade mas sim ao próprio Entendimento e, de outro, não pode ser tomada como uma operação ou uma capacidade do Entendimento humano enquanto tal, pois este só pode pensar e, por isso, necessita procurar a intuição nos sentidos, nos quais esta ocorre sem aquela espontaneidade.5 Na segunda tese, que se apresenta mais como uma interpretação do que como uma citação de Kant por Hegel, estaria em jogo o modo como a ―referência do múltiplo à identidade vazia‖ ou a síntese originária da qual ―primeiramente se separam o Eu enquanto sujeito pensante e o 1 GW, TWA 2, p. 322ss. GW, TWA 2, p. 306. Confronte-se: I. KANT, Kritik der reinen Vernunft (1787). Stuttgart: Reclam, 1980, p. 178 (= KrV, B 135). Quando das citações desta obra utilizaremos a edição portuguesa da mesma: I. KANT, Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuel Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão, introdução e notas de Alexandre Fradique Morujão. – 5. Ed. –, Lisboa: FCG, 2001. 3 GW, TWA 2, p. 306-307. 4 KrV, B 131-136. 5 KrV, B 135, B 68. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 6 2 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 múltiplo enquanto corpo e mundo‖;1 o que, nas palavras do filósofo de Königsberg, não significa senão ―que tenho consciência de uma síntese necessária a priori dessas representações, a que se chama unidade sintética originária da apercepção, à qual se encontram submetidas todas as representações que me são dadas, mas à qual também deverão ser reduzidas mediante uma síntese‖.2 Essas teses exprimem a emergência do Transcendental e do Especulativo em relação ao Empírico, assim como a das respectivas regiões destes então designadas pela separação (1) da ―verdadeira unidade sintética‖ ou do Eu como síntese originária, (2) dessa mesma unidade sintética enquanto ―referência do múltiplo à identidade vazia‖ ou das determinações categoriais e do juízo como aparência3 do princípio supremo e (3) do ―Eu enquanto sujeito pensante e o múltiplo enquanto corpo e mundo‖.4 Emergência essa na qual as regiões do Transcendental e do Especulativo se distinguem, precisamente, pela opção do primeiro em ocupar-se das determinações categoriais e do juízo como aparência do princípio supremo e pela opção do segundo em tomar por objeto a própria Identidade absoluta, como o princípio supremo, em seu desenvolvimento imanente. Neste sentido, para o filósofo de Iena, tem-se já aqui a distinção entre a abstração do Eu ou a Identidade intelectiva e o Eu verdadeiro, enquanto princípio, como Identidade sintética originária, absoluta; distinção essa com a qual, segundo Hegel, Kant resolve o problema de como são possíveis os juízos sintéticos a priori; vale dizer, nos quadros da interpretação hegeliana, ―eles são possíveis pela Identidade absoluta originária do heterogêneo, da qual, como do Incondicionado, primeiramente [esta identidade] ela mesma se separa, quando sujeito e predicado, particular e 1 GW, TWA 2, p. 306-307. KrV, B 136-137. 3 O termo ‗aparência‘ traduz aqui ‗Erscheinung‘. Porém, a Erscheinung em questão, para Hegel (GW, TWA 2, p. 307-314), não é a mera aparência ou o chamado aparecer sensível (o fenômeno em sentido vulgar) da Essência, mas o próprio conhecer enquanto o mostrar-se em si mesmo do Absoluto ou do Incondicionado (GW, TWA 2, p. 311-312); vale dizer: o conhecer concebido como o aparecer daquilo que não aparece. Esse um dos temas os mais caros à tradição neoplatônica, então em franca retomada nos fins do século XVIII e inícios do século XIX na Alemanha. Confronte-se com: KrV B 349-351, A 293-294. 4 GW, TWA 2, p. 306-307ss. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 7 2 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 universal, aparecem separados na forma de um juízo‖.1 Assim, não obstante o valor especulativo desta solução, o racional ou o que há de a priori no juízo sintético a priori, a Identidade absoluta como conceito médio [Mittelbegriff], não se apresenta no juízo propriamente dito, mas apenas na conclusão [im Schluss];2 situação que talvez se explique pelo fato de, segundo Kant, embora em todo silogismo [Schlusse], haja uma proposição que serve de princípio (a premissa maior) e outra que dela é extraída, a saber: a conclusão [Folgerung], e, por fim, a dedução [Schlussfolge] (consequência), pela qual a verdade da última está indissoluvelmente ligada à verdade da primeira:3 quando ―o juízo inferido encontra-se já no primeiro de modo a poder ser deduzido dele sem mediação de uma terceira representação‖, o silogismo é designado imediato ou do Entendimento; quando, entretanto, além do primeiro é necessário outro juízo para produzir a conclusão [die Folge], o silogismo é o da Razão [Vernunftschlusse]. Esse o silogismo no qual, nos termos de Kant: ―penso em primeiro lugar uma regra (maior) pelo Entendimento; em segundo lugar, subsumo um conhecimento sob a condição da regra (minor) mediante a Faculdade do juízo [Urteilskraft]; finalmente, determino o meu conhecimento pelo predicado da regra (conclusio), por conseguinte a priori pela Razão‖ – o que implica, ao fim e ao cabo, em ser pela conclusão que a Razão procura alcançar a unidade suprema dos conhecimentos do Entendimento.4 Por isso, de acordo com Hegel, no juízo (segundo a concepção kantiana), a identidade absoluta (ou a unidade suprema) consiste apenas na cópula ‗é‘, restringindo-se, pois, a algo inconsciente, sendo o juízo tão só 1 GW, TWA 2, p. 307. Sigo aqui as versões de Glauben und Wissen de Alexis Philonenko e Claude Lecouteux (Foi et Savoir, Paris: Vrin, 1988) e de Oliver Tolle (Fé e Saber, São Paulo: Hedra, 2007), as quais vertem ‗Schluss‘ por ‗conclusão‘; o que parece justificar-se em parte pelo contexto da discussão hegeliana, bem como, em parte, pela concepção kantiana do Schluss e pela própria tese de Hegel do Silogismo como princípio do idealismo, essa apresentada em 1801 como a segunda de suas Teses de Habilitação (G W, TWA 2, p. 533), em vista da qual se exigirá cada vez mais que o princípio absoluto se apresente no Juízo ele mesmo (ver, por exemplo, E., 1830, I, § 165ss). Para o caso presente, veja-se: GW, TWA 2, p. 307, p. 313; KrV B 359-361, A 303-305. 3 KrV B 359-360, A 303. 4 KrV B 360-361; A 304-305. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 8 2 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ―o fenômeno predominante da diferença‖1 – este o motivo pelo qual, ao que tudo indica, Kant afirmar que o ―princípio da unidade necessária da apercepção é, na verdade, em si mesmo, idêntico, portanto uma proposição analítica, mas declara como necessária uma síntese do diverso dado na intuição, síntese sem a qual essa identidade completa da Autoconsciência não pode ser pensada‖.2 Disso resulta que tal síntese seja necessária apenas a título de hipótese; pois, já que o diverso não pode ser dado pelo ―Eu enquanto simples representação‖, mas tem de ser dado pela Autoconsciência, essa, ao dá-lo ao Entendimento, faz deste um Entendimento intuitivo, algo que o ―Eu enquanto simples representação‖ não possuí, este necessita então procurar a intuição (na qual o diverso é dado) tão só nos sentidos, para enfim subsumi-las aos conceitos na Imaginação transcendental.3 No dizer de Hegel, aquele algo inconsciente que na cópula então se exprime não é senão o não-ser-conhecido do racional, vindo, portanto, à luz e sendo na consciência apenas o seu produto enquanto membro da oposição de sujeito e predicado, os únicos que, como tais, para Kant, se apresentariam na forma do juízo, mas não seu ser-um enquanto objeto do Pensar; por isso, a identidade racional da identidade enquanto identidade do universal e do particular é o inconsciente no juízo e o juízo mesmo apenas a sua aparência.4 Desse modo, o juízo, ou a aparência daquela identidade racional, não apresenta unicamente um lado subjetivo – que se impõe como o do Eu subjetivo ou particular e que, como tal, se mostra na exposição levada a cabo na Kritik der reinen Vernunft,5 resultando, em última instância, nas chamadas antinomias da Razão, sobretudo a dos conceitos da natureza e da liberdade, e na concepção das Ideias, em especial as cosmológicas, enquanto meramente regulativas6 –, mas apresenta, especialmente, um lado objetivo, este o 1 GW, TWA 2, p. 307. KrV B 135. 3 KrV B 33ss, 176-187; A 137-147. Confronte-se: GW, TWA 2, p. 309-314. 4 GW, TWA 2, p. 307. 5 KrV B 169ss, A 130ss; B 187ss, A 148ss. 6 Devido às dimensões e aos propósitos deste trabalho e embora a exposição hegeliana das antinomias e das Ideias da Razão (GW, TWA 2, p. 316-322) seja fundamental para uma I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 9 2 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 lado do Eu objetivo ou universal, mais precisamente, o da experiência propriamente dita e não apenas o de sua possibilidade; lado esse que, por seu turno, constitui o Sistema dos princípios da Faculdade do Juízo e que, neste sentido, se mostra exposto na Kritik der Urteilskraft.1 É justamente aqui, enfim, que o conceito médio delineado, i.é, a Identidade absoluta originária do heterogêneo, se apresenta de modo mais explícito; ainda que, no dizer de Hegel, como sempre é o caso em Kant, reconhecido não como uma região para o conhecimento, mas apenas como o lado de sua aparência, não o de seu fundamento, a Razão.2 3. A concepção kantiana do termo-médio entre o conceito de natureza e o de liberdade, a determinação do mesmo enquanto Entendimento intuitivo e sua configuração propriamente especulativa Enquanto em sua exposição da pergunta ―como são possíveis os juízos sintéticos a priori?‖ Hegel faz apenas uma citação expressa da Kritik der reinen Vernunft, na exposição do que, segundo ele, para Kant, constituiria o termo-médio entre a multiplicidade empírica e a unidade abstrata absoluta, nosso filósofo se utiliza de I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página compreensão adequada do problema do termo-médio entre os conceitos da natureza e da liberdade, não a discutiremos aqui. Além disso, como essa parte do comentário de Hegel a Kant guarda certa dificuldade adicional, passada despercebida por muitos de seus críticos, a qual, por um lado, se configura como a não consideração da Kritik der praktischen Vernunft, à qual a discussão das antinomias e das Ideias da Razão deveriam necessariamente levar, e, por outro lado, se apresenta sob a forma como se articulam os diversos temas e problemas concernentes à filosofia kantiana nos quadros da exposição de Hegel, a tematização de tal comentário, aqui, ultrapassaria em muito os limites da questão principal da qual ora nos ocupamos. Em todo caso, sobre este ponto, confronte-se: KrV B 368ss, A 312; B 472ss, A 444; B 536ss, A 508ss; B 560ss, A 532; B 670, A 642; GW, TWA 2, p. 316ss, p. 320ss. 1 GW, TWA 2, p. 311ss. Confronte-se: I. KANT, Kritik der Urteilskraft. In: I. KANT, Werke in sechs Bänders, V. Kritik der Urteilskraft und Schriften zur Naturphilosophie. Herausgegeben von Wilhelm Weischedel. Wissenschaftliche Buchgesellschaft Darmstadt, 1975, p. 248ss; versão luso-brasileira: I. KANT. Crítica da Faculdade do Juízo. Tradução de Valerio Rohden e António Marques. – 2. Ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 20ss. (= KU B XXIss, A XXIss). Para uma discussão mais recente do conceito de experiência (propriamente dita) na Kritik der Urteilskraft, segundo o espírito e a letra de Kant ele mesmo, veja-se: A. MARQUES, Organismo e sistema em Kant, Lisboa: Presença, 1987, p. 143-200. 2 GW, TWA 2, p. 322ss. 10 pelo menos 6 (seis) passagens chave da Kritik der Urteilskraft; mais precisamente, ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 de sua segunda edição (1793).1 As três primeiras referem-se ao juízo reflexionante, Hegel as discute negativamente, mostrando que nelas, malgrado Kant, exprimem-se justamente o domínio da Razão, a determinação da Ideia do supra-sensível como identidade da natureza e da liberdade e, por conseguinte, a exposição da Ideia da Razão, i.é, sua demonstração; a quarta passagem, relativamente longa, refere-se ao chamado Entendimento intuitivo, o qual, por um caminho distinto do de Fichte e do de Schelling, Hegel irá explicitar como não sendo outra coisa que a Ideia da Imaginação transcendental, já discutida por ele anteriormente.2 Enfim, nas últimas duas passagens, sendo a quinta de razoável extensão, Hegel discute o que se poderia denominar o momento especulativo em Kant, no qual estará em questão a unidade do conceito e da intuição, da possibilidade e da realidade. As três primeiras passagens, por sua brevidade, devem ser tratadas em conjunto. Ainda que nelas Kant não tenha em vista os mesmos objetivos de Hegel, este mostra justamente o ponto em que, malgrado Kant, o que por ele é enunciado negativamente não só ultrapassa os limites do que então é dito, mas põe precisamente aquilo que no enunciado fora negado. É o que ocorre, por exemplo, na discussão sobre a forma ideal da beleza, quando, citando Kant, a ―Ideia de uma ‗imaginação que se dá suas próprias leis, de uma legalidade sem lei e de uma livre harmonia da imaginação e do entendimento‘‖,3 bem como quando se refere à explicação kantiana em torno da Ideia estética, ―querendo que ‗ela seja a representação da imaginação que dá muito a pensar sem que nenhum conceito possa lhe ser adequado e que ela não possa, portanto, tornar-se inteligível nem totalmente atingida pela linguagem‘‖,4 Hegel irá dizer que, por sua ressonância soberanamente empírica, nada deixaria pressentir que já nos encontraríamos aí no A saber: KU B 69, B 192-193, B 240, B 339-354, B 324-327, B 367. GW, TWA 2, p. 309-312. 3 GW, TWA 2, p. 322; KU B 69. 4 GW, TWA 2, p. 322-323; KU B 192-193. 5 GW, TWA 2, p. 323. 2 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 11 domínio da Razão.5 De um lado, isso se explica pelo fato de ambas as passagens ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ocuparem-se, respectivamente, da Ideia do Belo como aquilo que é conhecido sem conceito, fundando-se, pois, na forma da livre conformidade a fins,1 e da Ideia mesma do espírito, em sentido estético, como ―o princípio vivificante no ânimo‖ e a faculdade da apresentação das Ideias estéticas, sendo justamente essas Ideias estéticas o que ―põe em movimento as forças do ânimo, i.é, em um jogo tal que se mantém por si mesmo e ainda fortalece as forças para ele‖,2 fazendo com que, ao fim e ao cabo, as Ideias estéticas (às quais, como representações da imaginação, nenhum conceito é adequado) se distingam das Ideias da Razão, i.é, dos conceitos aos quais ―nenhuma intuição (representação da faculdade da imaginação) pode ser adequada‖.3 O que, de outro lado, pressupõe e mesmo implica que, para Kant, a Razão não seja senão ―a Ideia indeterminada do supra-sensível em nós que não pode ser tornada mais compreensível‖.4 Neste caso, com o qual entramos na terceira passagem citada e discutida por Hegel, a saber: que a Ideia estética seja ―uma intuição da imaginação, para a qual não podemos jamais encontrar um conceito que lhe seja adequado‖, pois ―uma Ideia racional não pode tornar-se um conhecimento porque ela contém um conceito do supra-sensível ao qual não podemos jamais dar uma intuição que lhe seja conforme – aquela a representação inexponible da imaginação, este o indemonstrable conceito da Razão‖.5 Quanto a este ponto, ainda que a expensas de Kant, Hegel parece tirar as consequências as mais interessantes e, não obstante, as que Kant, pelos limites aos quais havia se imposto, de modo algum poderia tirar; a saber: que a Ideia estética já tem sua exposição na Ideia mesma da Razão e esta sua intuição na Ideia da beleza, o que, no dizer de Hegel, não seria mais que aquilo que o próprio Kant chama demonstração, a exposição do conceito na intuição – com o que, ao fim KU B 68-69. KU B 192. 3 KU B 192-193. 4 GW, TWA 2, p. 323. 5 GW, TWA 2, p. 323; KU B 240, 2 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 12 e ao cabo, na beleza como Ideia experimentada ou intuída, a forma da oposição ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 entre a intuição e o conceito se esvanece.1 Não obstante extrapolarem os limites aceitos pelo kantismo, essas consequências são pelo menos em parte reconhecidas pelo próprio Kant; o qual, no dizer de Hegel, reconhece a desaparição da oposição enquanto momento negativo no conceito de um supra-sensível em geral – este que não se apresenta senão enquanto a beleza é intuída positivamente ou, segundo as palavras de Kant, seja dada pela experiência (aqui, mais precisamente, a experiência estética), sendo esta justamente a exposição do princípio da beleza como identidade dos conceitos da natureza e da liberdade, isto é, o supra-sensível enquanto substrato inteligível da natureza fora de nós e em nós, a coisa em si, como a define o próprio Kant.2 O que se constitui precisamente como o termo-médio entre o conceito da natureza e o da liberdade, entre a multiplicidade objetiva determinada pelos conceitos e a pura abstração do Entendimento, ou a região da identidade do que é sujeito e predicado no juízo absoluto acima do qual a filosofia teórica não é mais elevada que a filosofia prática.3 Esta identidade, que segundo Hegel é a verdadeira e única Razão, apresenta-se a Kant não como uma identidade para a própria Razão, mas tão somente para a Faculdade do Juízo reflexionante; por isso, na medida em que Kant reflete sobre a Razão em sua realidade, de um lado, como intuição consciente (sobre a beleza, que se mostra como o lado subjetivo da mesma) e, de outro, como intuição inconsciente (sobre a organização, o lado objetivo), a Ideia da Razão é aí expressa de um modo mais ou menos formal. Não obstante, em se reconhecendo que o supra-sensível em geral seja o princípio da beleza como identidade dos conceitos da natureza e da liberdade e que sua exposição (no sentido acima aludido) ocorra na Ideia da Razão e, desse modo, constitua-se como uma intuição da Razão mesma; há que se reconhecer também que, precisamente aqui, adentramos à esfera de um 1 GW, TWA 2, p. 323. GW, TWA 2, p. 323-324. 3 GW, TWA 2, p. 323. 2 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 13 Entendimento intuitivo – que embora não seja o nosso, dado que não o possuímos, ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 pode ser tematizado e alcançado (como reconheceria o próprio Kant)1 na medida em que sejamos capazes de ir além do nosso mero entendimento, dissolvendo a oposição entre intuição e conceito ou entre realidade e possibilidade. Na esfera do Entendimento intuitivo, que é tematizada por Hegel a partir de sua apresentação como o lado objetivo da Razão em sua realidade, esse que porta sobre a intuição inconsciente da realidade da Razão, possibilidade e realidade são um; aí, nas palavras de Hegel, citando Kant, ―os conceitos (que indicam simplesmente a possibilidade de um objeto) e as intuições sensíveis (pelas quais alguma coisa nos é dada, sem por isto permitir que a conheçamos como objeto) desaparecem igualmente‖2 – com isso, para o filósofo de Iena, Kant não só reconhece a Ideia de um Entendimento intuitivo, mas reconhece também que somos necessariamente possuídos por ela – sendo esta Ideia, em última instância, nada mais que a Ideia da imaginação transcendental.3 Assim, deve-se ainda necessariamente reconhecer que a imaginação transcendental não é senão ela mesma um Entendimento intuitivo, ainda que um entendimento intuitivo captado tão só ao nível de sua aparência (ou melhor, para nós), permanecendo para si mesmo inconsciente. Esse o cerne da quarta passagem chave então citada por Hegel, a qual, na verdade, não é senão um resumo dos parágrafos 76-77 da Kritik der Urteilskraft, os quais, por seu turno, se constituem como o phulchrum dos parágrafos 72-80, que serão considerados pelo autor de Glauben und Wissen nas duas últimas das seis citações acima elencadas. Quer dizer, não obstante Hegel citar de modo mais explícito, mas resumidamente, apenas as passagens de B 324 a B 327, sua discussão do que aí está em jogo abarca necessariamente a totalidade dos parágrafos aqui aludidos;4 conformando, pois, a partir de uma consideração do problema do idealismo das causas finais na natureza segundo a concepção de Espinosa e sua crítica por Kant, KU B 340ss; 345ss. Confronte-se: GW, TWA 2, p. 324; KU B 340. 3 Confronte-se: GW, TWA 2, p. 325; KU B 350-351. 4 GW, TWA 2, p. 327. 2 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 14 o material indispensável da concepção hegeliana de uma Filosofia especulativa ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 pura, na qual, em se assumindo a Ideia de um Entendimento intuitivo se fazendo presente ao espírito, bem como, ao mesmo tempo, as exigências que Kant dirige ao espinosismo, a unidade do mecanismo da natureza, a relação de causalidade, e tecnicismo teleológico não só seria possível, como o reconhece Kant, mas se apresentaria como o próprio Organismo, enquanto Razão efetiva, o princípio supremo da natureza e a identidade do universal e do particular, de modo perfeitamente imanente.1 Eis aí, pois, o lugar exato em que Hegel pode então afirmar a noção de um momento especulativo em Kant; o qual, embora reconhecido apenas como possível pelo filósofo de Königsberg, tem que ser denominado como em si e para si justamente pelo fato de nele: (1) a natureza não ser determinada por uma Ideia que lhe seja oposta e (2) o que aparece, segundo o mecanismo como absolutamente separado (de um lado como causa, de outro como efeito) em uma conexão empírica da necessidade, ser absolutamente ligado em uma identidade originária enquanto coisa primeira.2 Ao fim e ao cabo, pelo fato de Kant afirmar tal identidade apenas como possível, isto é, em si, já que para nós ela permanece impossível,3 em sua última citação, Hegel dirá que isso se mostra precisamente assim devido à decisão de Kant em favor da fenomenalidade.4 Por conseguinte, mesmo em reconhecendo uma outra intuição que a sensível e em definindo o substrato da natureza como inteligível, Kant irá optar pela limitação à esfera da separação entre conceito e intuição e, por isso, aterse de modo absoluto a este conhecimento finito.5 Neste sentido, de um lado, a Razão ela mesma será também considerada tão só enquanto é para nós, portanto, como pura e simplesmente regulativa, e, de outro, ainda que o poder de conhecer seja capaz de elevar-se à Ideia e ao racional, objetar-se-á que não se deve pura e GW, TWA 2, p. 326-327. GW, TWA 2, p. 326. 3 Confronte-se: Confronte-se: GW, TWA 2, p. 328; KU B 367. 4 GW, TWA 2, p. 326. 5 GW, TWA 2, p. 328. 2 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 15 simplesmente conhecer segundo os mesmos, mas conhecer o Orgânico apenas ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 segundo o fenômeno e a si mesmo de modo finito.1 Não obstante, isso ocorre em função da própria natureza da filosofia de Kant; o que o leva a deixar de lado a necessidade de pensar a necessidade ela mesma, o racional ou a espontaneidade intuinte – tarefa essa que, de certo modo, Hegel fará a sua. 4. Considerações finais Embora a exposição levada a cabo em Glauben und Wissen, em torno da filosofia de Kant, possa se apresentar suscetível das mais diversas objeções – seja no tangente à consideração dos problemas aí em jogo, seja no que diz respeito ao desenvolvimento ulterior da própria filosofia hegeliana –, o que importa nessa exposição é justamente a constatação pioneira de Hegel em relação ao lugar e à função do Entendimento intuitivo na filosofia transcendental. O reconhecimento disso por parte de um crítico explícito da filosofia hegeliana, como é o caso de A. Philonenko, que reconhece não só o acerto, a originalidade e a originariedade de Hegel quanto a este ponto, mas também, e principalmente, a falta ou o despercebido mesmo de Kant no concernente ao afloramento sem cessar do Especulativo ou do Racional nos quadros da Imaginação transcendental,2 esse reconhecimento, por si só, demonstra a não-violência e, portanto, justeza da interpretação hegeliana da filosofia de Kant em 1802. Algo que, ao fim e ao cabo, permite a abertura de um novo campo de investigação no interior do Idealismo crítico; por conseguinte, também de um desenvolvimento de uma interpretação não exotérica da filosofia kantiana. Isso porque, como ainda nos lembra Philonenko ele mesmo,3 sobretudo no que tange à natureza orgânica e à teoria do nexus finalis em Kant ou em seu 1 GW, TWA 2, p. 328. A. PHILONENKO, Introduction [a la Foi et Savoir]. In: G. W. HEGEL, Foi et Savoir, op. cit., p. 42ss. 3 A. PHILONENKO, Introduction [a la Foi et Savoir]. In: G. W. HEGEL, Foi et Savoir, op. cit., p. 45. 2 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página também não parecem ter recebido uma atenção mais exclusiva por parte dos 16 desenvolvimento imanente, Hegel não aprofunda suas investigações; essas que ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 kantianos de estrita observância. Da mesma forma, a tese do afloramento sem cessar do Especulativo ou do Racional, seja nos limites do Juízo estético, seja nos limites do Juízo teleológico, e o seu tratamento enquanto tal – no caso de Kant, como o aparecer ou o fenômeno do Incondicionado – ainda permanece uma tarefa em aberto nos quadros do pensamento kantiano, em especial no tangente à rigorosa delimitação do Empírico, do Transcendental e do Especulativo (ainda que tão só em sua aparência) no âmbito do Sistema crítico em geral e do chamado Sistema dos princípios da Faculdade do Juízo em particular. Na medida em que tais estudos puderem efetivamente realizar-se, seus resultados mostrarão que também aqueles alcançados por Hegel não constituem um mero desvio nem uma simples rejeição da perspectiva kantiana, mas antes, se mostra ou pode mostrar-se como a sua consumação. O que, enfim, não significa uma sorte qualquer de retorno às interpretações tradicionais de Kant e o Idealismo alemão. Antes disso, poderá significar a exata apreciação, não exotérica, dos temas e problemas concernentes ao Incondicionado e que então se apresentam no limite entre o Moisés e, de certo modo, o Josué do Idealismo alemão. De fato, entre aquele que aponta o caminho para a Terra prometida e aquele que, em adentrando-a tanto quanto lhe é possível, torna efetiva Página 17 a partilha da herança divina. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 UMA LEITURA WITTGENSTEINIANA DA VONTADE POLÍTICA Horacio Luján Martinez Depto de Filosofia, UNIOESTE/Toledo Lista de abreviações: DC Da Certeza GF Gramática Filosófica IF Investigações Filosóficas Z Zettel (As abreviações serão acompanhadas do número do parágrafo segundo ordenação do próprio Wittgenstein ou de seus herdeiros literários) (....) Não se poderia pensar até que várias pessoas tenham tido um propósito (Absicht) e o tenham realizado, sem que nenhuma delas o tivesse? Deste modo, um governo pode ter um propósito que nenhum homem tenha. (Z 48). Esta epígrafe é um fragmento de uma série de anotações nas que Wittgenstein revisa a noção de intencionalidade entendida classicamente (isto é, de modo agostiniano) como uma exteriorização da vontade interior. A intenção, pensada deste modo como pensamento que fica ontologicamente ligada ao efeito, ao acontecimento resultante, é criticada por Wittgenstein quando é considerada como um pensamento incompleto à espera da sua realidade. O filósofo da o seguinte exemplo: um mecanismo que faz funcionar o freio de uma máquina às vezes acionar o freio, às vezes a raiva do operário.‖ (GF VII, 95) Responder que um I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página máquina fique bravo: qual julgaríamos ser a intenção do mecanismo? ―Às vezes 1 funciona, às vezes não. Imaginemos que, quando não funciona, o operário da ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 mecanismo não pode pensar e, portanto, não pode ter intenção é já um início. Precisamente, a questão é que ―(...) a intenção está inserida na situação, nos hábitos humanos e nas instituições. Se não existisse a técnica de jogar xadrez, eu não poderia ter a intenção de jogar uma partida de xadrez.‖ (IF 337). Encontrar não mostra o que estávamos procurando, nem a realização do desejo o que estávamos desejando: ―(...) Os sintomas da expectativa não são a expressão dela.‖ (GF VII, 92) A expectativa, a intenção e o desejo não são estados mentais persistentes e incompletos que esperam sua concretização para ter realidade. Se o jovem Wittgenstein seguiu Schopenhauer na ideia de eliminar o ―desejo‖, já que este nos conduzia a contra-sensos lógicos e infelicidade na vida, isto se reverterá nos escritos posteriores. O querer será também uma experiência, a vontade também somente representação. O ―querer‖ perderá a sua aura ―mágica‖, aquela que havia ganho pelo fato de ser involuntário: ―(...) Não posso produzi-lo? –Como o quê? O que é que posso produzir? Com o que estou comparando o querer quando digo isto?‖ (IF 611) Quando eu disse: ―isso significaria não considerar a intenção como um fenômeno‖, a intenção recordaria aqui a concepção schopenhaueriana da vontade. Todo fenômeno nos parece inerte em contraste com o pensamento vivo. (GF VII, 97). O querer é um fenômeno, e não somente um meio para a produção de um acontecimento, uma ponte para o fenômeno. O querer é um agir, como o falar, o caminhar ou o comer. Se levantarmos um braço é porque queremos (falamos de casos normais, sem coerção externa ou embriaguez por uso de alguma droga). Isto é, na gramática das ações voluntárias, querer e agir são sinônimos. O curioso é que numa leitura menos racionalista da política. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Neste sentido, da intenção constituída por práticas externas, é que podemos entrar 2 no caso da ação bem sucedida não pensamos na intenção. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Vamos por partes. Sabemos que, na ―segunda‖ filosofia de Wittgenstein, o significado de uma palavra é dado pelo uso no contexto dos ―jogos de linguagem‖ (Sprachspielen). Ora, o uso é evidente para nós, nos é prescrito, de certo modo, pela ―normalidade‖ do acontecimento. Ao falar de ―jogos de linguagem‖, talvez Wittgenstein pensasse em seu exemplo predileto: o de crianças começando a utilizar palavras. Tem-se apontado o parágrafo 26 da Gramática filosófica como o local da primeira aparição da expressão. A situação apresentada nesse fragmento é a de uma criança à qual se mostram objetos ao mesmo tempo em que se pronunciam palavras. A partir destas explicações ostensivas (hinweisende Erklärungen), a criança compreenderia as palavras, mas o critério de aferição de tal compreensão será sua habilidade em aplicar, depois, corretamente as palavras. Se ele usa as palavras do modo certo, que seria ―o modo esperado‖, é porque compreendeu as regras? Wittgenstein nos adverte que compreender o jogo é saber jogá-lo, sem que se tenha necessariamente a capacidade de descrever e definir suas regras. Este tipo de ―jogo de linguagem‖, de natureza extremamente primitiva, põe em relevo o fato de que as regras podem ser aprendidas somente pela observação de como ele é praticado, sem que haja necessidade de uma instrução especial. Aprendemos o jogo sem ter reconhecido regras explícitas. Isto situa na base da compreensão a concordância entre ―formas de vida‖ de que se necessita para levar-se adiante um ―jogo de linguagem‖: ―De modo similar a como a gramática de uma linguagem é registrada e começa a existir quando os homens já têm falado essa linguagem por muito tempo, os jogos primitivos são jogados sem que as suas regras tenham sido codificadas e, mais ainda, sem que uma só dessas regras tenha sido formulada.‖ (GF II, 26). O modo comum de comportamento dos participantes do jogo é o que mostra como esse jogo de linguagem primitivo se desenvolve. poderia ter uma explicação biográfica coerente: a de que Wittgenstein foi professor I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página forma de práticas de ensino com crianças, eram dos preferidos de Wittgenstein. Isto 3 Dissemos que os exemplos de jogos de linguagem primitivos, especialmente na ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 de escola no interior da Áustria (no período pós-Tractatus, período de afastamento do trabalho filosófico). Ocorre que esses exemplos primitivos têm um uso metodológico: eles nos fazem vislumbrar os fenômenos lingüísticos em estado, por assim dizer, ―embrionário‖, e, por isso, ajudam a dissolver os erros provindos de preconceitos acerca do aprendizado da linguagem. Estes casos ilustram uma afirmação da segunda filosofia wittgensteiniana: ―O ensino da linguagem não é aqui nenhuma explicação (Erklären), mas sim um treinamento (Abrichten).‖ (IF 5). Atente-se, porém, para o fato de que, juntamente com essa noção de ―jogo de linguagem‖ como definição ostensiva – ―jogo de linguagem primitivo‖ –, Wittgenstein chama também de ―jogo de linguagem‖: ― (...) o conjunto da linguagem e das atividades com as quais está interligada.‖ (IF 7). Isto significa que a expectativa, a compreensão, o desejo (fenômenos psicológicos abrangidos pelo que denominamos ―interior‖), como também os gestos corporais e expressões faciais, e ainda o entorno cultural (o ―externo‖), fazem parte de um determinado ―jogo de linguagem‖. Esses elementos, tirados de seus contextos determinados, poderiam ser mal interpretados ou não ser entendidos de modo algum. Os ―jogos de linguagem‖ também podem ser entendidos como sistemas linguísticos parciais, como entidades funcionais ou como contextos que formam um todo orgânico. Dentro desta última acepção estariam: Comandar e agir segundo comandos. Descrever um objeto conforme a aparência ou conforme medidas. Produzir um objeto segundo uma descrição (desenho). Relatar um acontecimento. Conjeturar sobre o acontecimento. Expor uma hipótese e prová-la. Apresentar os resultados de um experimento por meio de tabelas e diagramas. Inventar uma história; ler. Representar teatro. Cantar uma cantiga de roda. Resolver enigmas. Fazer uma anedota; contar. Resolver um exemplo de cálculo aplicado. Traduzir de uma língua para outra. Pedir, agradecer, maldizer, Depois de ter estabelecido essa variada lista de jogos de linguagem, Wittgenstein admite que essa lista é parcial e arbitrária: é impossível estabelecer limites à I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 4 saudar, orar. (IF 23). ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 quantidade e à variedade de jogos de linguagem que podem existir. Alguns novos jogos aparecem, outros se modificam, ainda outros são esquecidos. Eles vão surgindo segundo as necessidades humanas. A linguagem não tem sua arquitetura definida para sempre: ela é como uma velha cidade na que novas ruas surgem enquanto casas novas e antigas convivem assistindo à criação de novos subúrbios (IF 18). Tais ações linguísticas pertencem a nossa história natural, como andar, comer, beber e jogar (IF 25), sendo isso o que lhes confere sua pluralidade e consistência. Esta última – a consistência do uso de certos jogos de linguagem – se deve, em parte, à regularidade biológica, tanto da natureza como das ações humanas. Existem fatos naturais extraordinariamente gerais que garantem tal ―normalidade‖: ―Tais fatos não são nunca mencionados devido à sua grande generalidade‖ (IF 143). Como nos adverte Wittgenstein na segunda parte das Investigações filosóficas, a formação de conceitos não é explicável pelos fatos (IF II, XII). Embora os conceitos devam corresponder a esses fatos naturais extremamente gerais, sua importância se deve – quase paradoxalmente – a serem eles tão gerais que não chamam nossa atenção. O autor das Investigações não tem intenção de fazer história natural estabelecendo cadeias causais entre fatos e conceitos. Wittgenstein afirma que o aprendizado da linguagem constitui também seu uso. Esse aprendizado da linguagem é feito através do ensino ostensivo e também na repetição de palavras e de proposições que constituem tal ensino. Quando uma criança aprende uma palavra, não está aprendendo apenas uma palavra, mas, também deve saber o que está em volta dessa referência. Isto é, para que alguém possa saber que uma palavra qualquer se refere a um objeto determinado ou a uma ação determinada, muita coisa deve já estar preparada na linguagem. Adentramos aqui frontalmente na questão da confiança (Vertrauen) (DC 170) ou da que nunca poderíamos pôr em dúvida, porque elas constituem a base a partir da I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página certeza. Nossas expressões lingüísticas descansam sobre uma rede de proposições 5 segurança tranquila (beruhigte Sicherheit) (DC 357), tal como é exposta em Da ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 qual podemos fazer novas afirmações e descobertas, criar novas proposições em geral. Existem relações internas entre a gramática e o mundo, mas já não se trata de uma forma lógica compartilhada. A segurança está na base da linguagem (DC 457), e essa segurança não significa nada mais que o comportamento regular da natureza incorporado ao fundamento da linguagem (DC 558): ―Todo jogo de linguagem descansa no fato de que possam reconhecer-se de novo palavras e objetos.‖ (DC 455). ―O saber se fundamenta no reconhecimento.‖ (DC 378). O reconhecimento não é um processo, mas um ―descansar no que vejo‖. É a familiaridade com os objetos e com meus modos de considerá-los (GF IX, 116). Tais formas de consideração não são criadas individualmente, mas, por assim dizê-lo, ―herdadas‖. Isto sublinha o caráter de aprendizado social da linguagem: uma criança aprende porque acredita nos adultos que a educam e convivem com ela (DC 160). De outro lado, se é em virtude da autoridade de certos seres humanos que essa criança aprende e aceita coisas, tem, posteriormente, a possibilidade de comprová-las ou refutá-las (DC 161). A conhecida afirmação de que o significado de uma palavra é seu uso num jogo de linguagem (IF 43) é somada àquela que diz: ―Nosso falar obtém seu sentido do resto de nosso agir.‖ (DC 229). Wittgenstein coloca ―fatos naturais extremamente gerais‖ e o ―comportamento comum da humanidade‖ na origem daquele substrato necessário a partir do qual afirmo, nego ou duvido de alguma coisa, a Weltbild. Falar de tais elementos sugeriria interpretações homogeneizantes da vida social, cultural e lingüística. Afortunadamente não é isto o que ocorre nem o que Wittgenstein quer propor. A regularidade e a normatividade que a noção de ―seguir uma regra‖ sugere não impede mudanças críticas de nossas convicções e do modo de enunciá-las. Isso é o que veremos a seguir. Isto é, vamos nos perguntar se a pluralidade das ―formas de de vida‖. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página entendido como convivência com o outro, com o diferente, com diferentes ―formas 6 vida‖ e os ―jogos de linguagem‖ a partir delas constituídos, asseguram o pluralismo, ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Com essa noção wittgensteiniana: a de uma vontade que se expressa no mundo como um elemento a mais nele e não como continuador de um exercício racional, não como uma ―boa vontade‖ à procura de consenso é que revisaremos as ―petições de princípio‖ da democracia liberal. Por ―democracia liberal‖, ou seu arquétipo, entendemos um tipo de democracia que aspira a eliminar os antagonismos a partir da discussão que procura o acordo entre as partes. Nossa posição, inspirada no livro de Chantal Mouffe, The Democratic Paradox (London: Verso. 2009) é que a obra tardia de Wittgenstein sustenta um ponto de vista em que a política pode ser pensada como campo de luta e a discussão e o consenso racional não serem seus objetivos fundamentais. A obra wittgensteiniana alimenta e precisa do pluralismo das diferentes ―formas de vida‖. Neste sentido Mouffe pensa em Wittgenstein como alternativa ao enfoque racionalista. Podemos apresentar os conceitos do chamado ―segundo‖ Wittgenstein como base para o que Chantal Mouffe define como ―pluralismo agonista‖, isto é, a divergência de opiniões e a racionalidade baseada nas diferentes práticas como elementos constitutivos da política. Uma racionalidade política derivada das práticas realmente existentes e não como sua condição a priori, nos ajudará a evidenciar a fragilidade da suposta neutralidade do ―bom senso‖ em política. Abordar a ação democrática desde um ponto de vista wittgensteiniano pode nos ajudar, portanto, a formular a questão sobre a fidelidade à democracia de uma forma diferente. De fato, nos faz reconhecer que a democracia não precisa uma teoria da verdade ou noções como incondicionalidade e validade universal, mas antes, uma multiplicidade de práticas e mudanças pragmáticas dirigidas a persuadir as pessoas a ampliar o campo de seus compromissos para com os Página 7 demais, a construir uma comunidade mais inclusiva. (MOUFFE: 2009, p. 65-66). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Mouffe chama a olhar as práticas reais, de modo panorâmico, perspícuo. Exercício wittgensteiniano por excelência: atingir o limite da razão para reconhecer a importância do outro lado. Recurso evidente no Tractatus através do silêncio conquistado. A persuasão, então, seria a dobra invertida da argumentação (lembrar DC 612). Ela chega como auto-persuasão quando as perguntas chegam a um final e atinjo a rocha dura onde a pá entorta (IF 217). Mas o limite da razão não nos abandona a mais pura e dura contingência. Ele, esse limite, é a base da qual emergem os ―jogos de linguagem‖, constituídos por ―formas de vida‖ e atravessados por ―regras‖ para serem seguidas. Uma vez que uma regra não pode ser seguida uma vez só, elas constituem uma tradição. A noção de tradição pode ajudar a caracterizar culturalmente essa ―imagem de mundo‖ da qual falamos antes. A tradição é o conjunto de práticas linguísticas e não linguísticas que nos constituem enquanto sujeitos. O projeto de Chantal Mouffe, então, é o de pensar na radicalização da democracia o que ela denomina: democracia radical. Esta deve ser entendida como a expansão de práticas democráticas com o ―objetivo de criar um outro tipo de articulação entre os elementos da tradição democrática liberal, já não enquadrando os direitos numa perspectiva individualista, mas concebendo-os como ―direitos democráticos.‖1 (MOUFFE: 1996, p. 33) Aquilo de que necessitamos é de uma hegemonia de valores democráticos, o que exige uma multiplicação de práticas democráticas, institucionalizando-as num número cada vez mais diverso de relações sociais, de forma que possa ser constituída uma multiplicidade de posições de sujeito a partir de uma matriz democrática. É por este meio – e não tentando proporcionar-lhe um fundamento racional – que poderemos, não apenas defender a democracia, mas também 1 Por “direitos democráticos” entendem-se aqueles direitos que não podem ser alienados sem comprometer a existência mesma da democracia, ou seja: distinção entre o público e o privado, a separação entre Igreja e o Estado, entre lei civil e lei religiosa. (MOUFFE: 1996, p. 176). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 8 aprofundá-la. Uma tal hegemonia nunca será completa e, de qualquer forma, não ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 é desejável que uma sociedade seja governada por uma única lógica democrática. (MOUFFE: 1996, p. 33) Então, para finalizar, se retomamos a epígrafe de Wittgenstein e lembramos que ―um governo pode querer o que ninguém particularmente quis‖ isto significa que a vontade política não deve ser entendida como unanimidade deliberativa ou vontade geral institucionalizada. Nossa leitura aponta mais para as práticas, para a exterioridade que constitui nosso interior e nossos desejos e pretensões como cidadãos democráticos. É essa exterioridade e não um fundamento íntimo que deva ser tornado comum a que favorece e constitui a multiplicidade de práticas e opções que devem ser levadas em conta na hora da procura não somente da fundamentação, quanto do aprofundamento da democracia. Referências bibliográficas MOUFFE, Ch. O regresso do político. Tradução Ana Cecília Simões. Lisboa: Gradiva. 1996. . The democratic paradox. London-New York: Verso. 2009 WITTGENSTEIN, L. Da certeza. Tradução de Maria Elisa Costa. Edição bilíngüe (alemão-português). Lisboa: Edições 70, 2000. . Gramática Filosófica. Tradução de Luis Felipe Segura. Edição bilíngüe (alemão-espanhol). México:UNAM, 1992 . Investigaciones filosóficas. Philosophische Untersuchungen. Edição bilingüe (alemão-espanhol). Trad. Alfonso García Suárez e Ulises Moulines. Barcelona: Crítica, 1988a. Página 1999. 9 . Investigações filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Nova Cultural, I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 _____. Tractatus lógico-philosophicus. Edição bilíngue (alemão-português). Trad. Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo: EDUSP, 1993. . Zettel. Edição preparada por G. E. M. Anscombe e G. H. von Wright. Tradução de Octavio Castro e Carlos Ulises Moulines. Edição bilíngue (alemão- Página 10 espanhol). Mexico: UNAM, 1985. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A DIVERSIDADE DE SABERES A PARTIR DE WITTGENSTEIN Marciano Adilio Spica DEDIL – UNICENTRO/PR Doutorando UFSC Lista de abreviações DC: Da Certeza IF: Investigações Filosóficas ORDF: Observaciones a La Rama Dorada de Frazer P. M. S. Hacker em seu artigo Wittgenstein and the autonomy of Humanistic Undestanding, ao comparar as ideias de Wittgenstein com as de Kant, faz uma observação sobre o fato de que a obra do primeiro seria kantiana em dois sentidos. Num primeiro por mostrar os limites da linguagem, mostrando que devemos entender cada saber com suas regras. E, num segundo sentido, sua filosofia foi crítica por ter, analogamente a Kant, criticado a ilusão filosófica que resulta do fato de transgredirmos os limites da linguagem inadvertidamente. Ele criticou o behaviorismo e o dualismo em filosofia da psicologia, atacou o platonismo e o intuicionismo na filosofia da matemática, e minou o fundacionalismo em epistemologia e filosofia da linguagem. Ele rejeitou as pretensões dos metafísicos [...] e repudiou a venerável crença de que a lógica é um campo de conhecimento das relações entre objetos abstratos. Ele condenou como ilusão a ideia de que o subjetivo e o mental estão essencialmente no conhecimento objetivo, e negou que o sujeito tem acesso privilegiado a sua 1 HACKER, P. Wittgenstein and the autonomy of humanistic understanding. In.: HACKER, P. M. S. Wittgenstein: Conections and Controversies. Oxford: Clarendon Press, 2001, p. 37. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 própria consciência1. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Concordamos com o que Hacker coloca em sua observação e entendemos que nesse espírito crítico, de ênfase na destruição de conceitos estabelecidos na filosofia é que se radica a maior contribuição de Wittgenstein. Mais especificamente, a filosofia tardia se caracteriza por ―uma acentuada tentativa de proteger e conservar domínios e formas de conhecimentos da erosão e distorção feitos pelo espírito científico da época.‖ Ou seja, o grande objetivo deste filósofo é manter uma certa independência entre as diferentes áreas de conhecimento e mostrar que nem tudo pode ser reduzido aos métodos e explanações da ciência natural do século XX. Um bom exemplo disso se faz presente Anotações sobre La Rama Dorada. A obra La Rama Dorada é de autoria de Frazer, um antropólogo que neste trabalho faz uma leitura das religiões primitivas, tentando mostrar os equívocos que esta comete. O problema é que o antropólogo o faz comparando os costumes de religiões primitivas à religião e à ciência europeia de sua época e essa é a principal crítica do filósofo em questão. Tal crítica nos mostra a importância de se entender a variedade de jogos de linguagem e a necessidade de se pensar também na variedade de saberes. Wittgenstein percebe que o problema de Frazer é ter entendido as religiões primitivas como um erro. E tal problema surge justamente deste não ter observado a religião e os ritos de acordo com a visão que as próprias crenças tinham, mas as ter estudado sob o olhar de um cristão inglês. Por um lado, Wittgenstein acusa Frazer de entender as religiões primitivas em comparação ao cristianismo de sua época, por outro, ele estaria simplificando o significado dos ritos religiosos ao estudá-los sob a ótica das leis da ciência natural. O filosofo austríaco se pergunta até que ponto poderíamos entender que santo Agostinho ou Buda ou outro qualquer estavam errados ao expressar uma determinada religiosidade e conclui: ―Nenhum deles estava em erro a não ser quando criaram uma teoria.‖1 1 ORDF, p. 50. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página como uma teoria e nem deve ser entendida dessa forma. Mas é justamente isso o 2 Essa frase é ilustrativa para mostrar que a religião não é entendida por Wittgenstein ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 que faz Frazer. Ele busca entender os ritos religiosos, buscando encontrar neles sempre uma teoria que legitime tal mito. O pressuposto parece errado e fica mais errado ainda quando o antropólogo em questão coloca teorias iguais ou muito próximas a teorias das ciências naturais. Por exemplo, será que realmente podemos dizer que a dança da chuva é dançada para que chova ou é um rito de agradecimento? Frazer parece entender tais ritos através de uma lei natural de causa e efeito e por isso simplifica tal rito, dizendo que ele é ingênuo por não ter resultados e que as pessoas que a praticam não percebem que sempre dançam em épocas que antecedem a chuva e não em outras. A pergunta que se colocaria aqui é até que ponto no desenvolvimento de tal rito se pensou que realmente haveria uma relação de causa e efeito entre a chuva e a dança ou não é simplesmente um rito de agradecimento ou espera pela chuva que está chegando. Uma tal constatação de Frazer talvez seja mais ingênua do que a própria dança da chuva, pois é como se um homem que nunca tivesse visto uma casa com janelas e ao ver que logo depois que as pessoas fecham as janelas começa a chover, concluísse que acreditamos que fechamos as janelas para que chova. O erro de Frazer é reduzir tudo a algo plausível a homens que têm a mesma visão que ele.1 Ao fazer isso, simplifica a religiosidade antiga. E esse é um dos principais problemas de não entendermos a linguagem e a variedade de saberes. Quando estamos presos a uma única ideia de linguagem, procuramos a todo custo recusar outros tipos de linguagens e atividades ou reduzi-las às nossas concepções de mundo. É isso que faz Wittgenstein exclamar uma espécie de desabafo diante da leitura que Frazer faz das religiões primitivas: ―Que estreita é a vida do espírito para Frazer! E consequentemente: Que incapacidade para compreender uma vida que não seja a de um inglês de seu tempo! Frazer não pode imaginar um sacerdote que 1 2 ORDF, p. 51. ORDF, p. 57. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página imbecilidade e mediocridade.‖2 Tal desabafo de Wittgenstein se explica por Frazer 3 não seja, no fundo, como um pároco inglês de nossos dias com toda a sua ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 estar totalmente envolvido numa forma de ver o mundo que é a forma de sua época. O antropólogo em questão está dogmaticamente envolvido na linguagem científica ocidental do século XX e não consegue sair dela e, ao não conseguir ir para além dela, generaliza-a a todas as linguagens possíveis. Como bem expressa Moreno: Frazer não estaria cometendo apenas um erro teórico; seu erro foi principalmente incorrer na generalização de determinada visão de mundo, ou melhor, estaria atribuindo, de maneira dogmática, ainda que inadvertidamente, o modelo de explicação científica do século XX, explicação através de hipóteses e causas, aos indivíduos das comunidades cujos rituais descreve e pretende explicar. O erro teórico consiste apenas em supor que explicações causais possam esclarecer o sentido de comportamentos ritualístico, quando, na verdade, esse tipo de explicação fornece somente ligações empíricas. Erro mais grave e profundo consiste em atribuir uma falsa ciência a comunidades em que hábitos ritualísticos não visam, segundo Wittgenstein, explicar processos naturais através de causas, mas exprimir valores de sua cultura. Erro profundo, porque atribui valores e hábitos de uma sociedade aos indivíduos de outra sociedade, cujos valores e hábitos pretende compreender. Confusão gramatical que tem consequências teóricas e éticas no trabalho do antropólogo.1 O que Frazer precisa e nós também é fazermos uma terapia gramatical que nos cure desta busca por generalidade que nos torna dogmáticos e atrapalha nossa visão correta dos fenômenos humanos e naturais. Não podemos sobrepor a nossa linguagem a todas as linguagens possíveis. Isso é um erro grave que tem como resultado principal um entendimento totalmente errôneo daquilo que buscamos compreender. O erro do filósofo que faz isso é o erro de superficialidade, ou seja, ele não vai ao fundo das questões linguísticas, mas fica na superfície onde se reflete a imagem dele mesmo. Frazer fica na superficialidade, ele projeta sua cultura na cultura alheia e assim chega a conclusões que podem ser totalmente equivocadas. 1 MORENO, A. R. Introdução a uma pragmática filosófica: de uma concepção de filosofia como atividade terapêutica a uma filosofia da linguagem. Campinas: Editora da Unicamp, 2005. p. 275-276. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página XX ou que todos eles têm a mesma natureza é, na visão de Wittgenstein, 4 Ora, entender que ritos têm a mesma natureza linguística que a ciência do século ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ingenuidade. É diante disso que ele dirá que ―Frazer é muito mais selvagem que a maioria dos selvagens, posto que estes não estariam tão afastados da compreensão de algo espiritual como está um inglês do século XX. Suas explicações dos costumes primitivos são muito mais superficiais que o sentido de tais costumes.‖1 Frazer se mantém preso a uma única forma de explicar os fenômenos e não consegue ir além dessa percepção. O que Wittgenstein propõe é que ultrapassemos nossos dogmatismos e vejamos a variedade de formas de vida e de jogos de linguagem e de saberes. O que precisa ficar claro e Wittgenstein tem bem presente é que para além dos fenômenos naturais, existem, na vida humana ‗fenômenos‘ que ultrapassam a esfera natural e que são de suma importância para os seres humanos. Estes fenômenos estão ligados às nossas paixões, desejos e formas de compreender o mundo e a vida. Eles não são desligados da totalidade de nossa vida e, muitas vezes, até são parte integrante nas nossas compreensões dos fenômenos naturais. Como destaca Clack a vida humana é mais do que simples fenômeno natural ou racionalidade lógica: ―ela é regrada pela paixão, pelo instinto, por motivações que nós podemos descobrir e agarrar. Como resultado, nossa vida aqui é estranha e desconcertante. Daqui que as reflexões de Wittgenstein sobre prática mágica atingem fundamentalmente a base dos pensamentos sobre ‗homem e seu passado ... o estrangeiro que eu vejo em mim e em outros, que eu tenho visto e tenho ouvido‘‖2 Ora, se temos mais do que simplesmente pensamentos racionais, se nossa linguagem é capaz de falar sobre religião, arte, ética, conceitos absolutos e abstratos, seria absurdo recusar tudo isso ao ostracismo e dizer que não possui sentido algum. Somos muito mais do que meramente seres naturais ou animais, que podem ser compreendidos meramente pelas ciências naturais. ―Nossa natureza 1 ODRF, p. 58. CLACK, B. Wittgenstein and Magic. In.: Arrington, R. L & ADDIS, M. (org). Philosophy of Religion. London New York: Routledge, p. 26. 2 Wittgenstein an I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 5 animal é transformada pela nossa aquisição de, e participação na instituição cultural ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 de uma linguagem. Os fenômenos que são objetos de estudos das humanidades estão entornados com linguagem, inteligíveis somente como propriedades e relações, ações e paixões, práticas e produtos, instituições e histórias de criaturas que usam linguagem.‖ E é disso que Wittgenstein se dá conta em sua filosofia tardia. O que Wittgenstein enfatiza é que se somos seres que possuem uma linguagem muito mais complexa do que somente uma linguagem empírica ou científica, devemos nos ater também nesses outros campos da vida humana em que conceitos e sentenças surgem de práticas que não se enquadram nas explicações das ciências naturais. É nesse sentido que Hacker diz que: Há formas de investigação racional que não são científicas, formas de entendimentos que não são modeladas sobre o conhecimento científico dos fenômenos naturais. Entender o homem como um ser cultural e social envolve categorias e formas de entendimento e explanações para além das ciências naturais. Há outros domínios de investigação que também são verdadeiros – por exemplo, compreensão estética, compreensão do mito e do ritual, bem como compreensão filosófica.1 Esses outros campos de compreensão precisam ser pensados dentro de seus limites, pensados a partir de suas gramáticas e não sob a égide de um único saber. É daí que ―A compreensão de tais fenômenos, contudo, demanda formas de entendimentos e explanações apropriadas a e dependentes da compreensão da linguagem e seus usos no curso da vida humana‖2. Mas a pergunta que se coloca é justamente qual seria essa tal forma de explanação e entendimento. Em nossa perspectiva, talvez o primeiro e mais importante passo a ser dado é elucidar o fato de que Wittgenstein tinha uma visão ampla de conhecimento, ou HACKER, P. Wittgenstein and the autonomy of humanistic understanding. In.: HACKER, P. M. S. Wittgenstein: Conections and Controversies. Oxford: Clarendon Press, 2001, p. 40. 2 HACKER, P. Wittgenstein and the autonomy of humanistic understanding. In.: HACKER, P. M. S. Wittgenstein: Conections and Controversies. Oxford: Clarendon Press, 2001, p. 57. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 6 melhor, de saber. Ele não concordava com uma única idéia de saber e mostra em ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 vários momentos que a gramática do saber é bem mais ampla do que podemos perceber num primeiro momento. A discussão sobre uma possível diferenciação de saberes começa a ser apresentada por Wittgenstein nas Investigações Filosóficas e tem uma certa continuidade no Da Certeza. Para este, os saberes devem ser entendidos dentro de um sistema global de sentenças e práticas, ou seja, eles estão intimamente ligados com os jogos de linguagem1. Estando ligados diretamente com a linguagem, ou melhor, com jogos de linguagem, o saber não pode ser entendido sem entendermos os jogos de linguagem que o constituem. Todo saber está fincado nos emaranhados de práticas e signos de um jogo. Nesse sentido, suas discussões sobre a possibilidade de existirem diferentes saberes não podem ser distanciadas de suas discussões sobre a linguagem e sua busca por mostrar diferenças gramaticais.2 Assim, ao falar dos diversos saberes, ele está se referindo à gramática do saber, ou seja, às várias maneiras nas quais utilizamos essa palavra em nosso dia-a-dia linguístico. Para ele, ―É evidente que a gramática da palavra ‗saber‘ goza de estreito parentesco com a gramática das palavras ‗poder‘, ‗ser capaz‘. Mas também com a gramática da palavra ‗compreender‘. (‗Dominar uma técnica‘). Mas há também este emprego da palavra ‗saber‘: dizemos ‗Agora sei!‘ – e igualmente, ‗Agora sou capaz!‘ e ‗Agora compreendo!‖. Neste trecho contido nos parágrafos 150-151, Wittgenstein elabora um breve e profundo estudo sobre as utilizações que fazemos da palavra saber. Em nosso diaa-dia, não dizemos somente que sabemos algo se estamos a par de uma crença verdadeira e justificada, mas também se somos capazes de fazer determinada 1 2 Cf. DC, p. 159. Cf. IF, p. 245 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 7 atividade ou se compreendemos como desempenhar alguma tarefa. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Wittgenstein mostra claramente que em nosso dia-a-dia utilizamos a palavra saber também em circunstâncias em que dizemos que somos capazes de fazer determinada coisa, ou que dominamos uma técnica ou que seguimos uma regra corretamente. Por exemplo, uso a palavra conhecer ou saber para dizer que sei dirigir, significando que sou capaz de conduzir um carro; ainda, no sentido de que posso fazer um churrasco, ou seja, de dominar a técnica de assar carne. Essas idéias, mostram claramente que em nosso dia-a-dia não estamos presos a somente um uso da palavra saber, não estamos presos em dizer que só sabemos algo no sentido proposicional. Saber é algo mais amplo do que simplesmente ter boas razões para determinada coisa, ou asserir algo. Nesse sentido é que, no Da Certeza, Wittgenstein dirá que para entender a linguagem e, mais do que isso, o saber, é necessário tomar o homem como um ser primitivo a quem se reconhece instinto e não raciocínio. Se o tomarmos nesse sentido, entenderemos o aprendizado das coisas e, consequentemente, os vários usos da palavra saber. Como seres linguísticos, aprendemos a usar a linguagem sem nos preocuparmos com os fundamentos das sentenças, aprendemos a escrever sem saber por que o ‗A‘ é realmente ‗A‘ e assim por diante. ―As crianças não aprendem que existem livros, que existem poltronas, aprendem a ir buscar livros, a sentarem-se em poltronas, etc.‖1 Ou seja, as crianças aprendem a desempenhar determinadas atividades, a seguir determinadas regras, somente depois é que aprendem a fundamentar e justificar suas ações e crenças. Neste sentido, não podemos nos furtar de darmos um estatuto de saber também a atividades que não necessariamente se constituem em crenças verdadeiras e justificadas, ou a atividades que não podem ser descritas de forma assertiva. Além destes saberes mais primitivos, alguns outros saberes também prescindem de 1 DC. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página caso da moralidade, da arte e da religião. Na moralidade, uma pessoa pode saber 8 um conhecimento no sentido clássico, mas podem ser entendidos como saber. É o ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 seguir uma regra, sem saber necessariamente justificá-la. Na arte é possível dominar uma técnica e esse dominar uma técnica não necessariamente se coloque como um saber científico e nem pode ser expresso em proposições. Na religião é possível compreender um ritual, sem que necessariamente precisemos entendê-lo no sentido da ciência; podemos rezar sem que essa oração seja um conjunto de proposições ou que estejamos preocupados com a verdade do que estamos proferindo. Nesse sentido, não se pode deixar de dizer que Wittgenstein entendia que havia uma variedade de saberes e que a tentativa de reduzir todos eles a uma única forma de conhecimento é um erro gramatical, fruto do mau entendimento da linguagem e das práticas que constituem esses saberes. Na verdade, o principal erro no que tange à redução do conhecimento é considerar como único saber válido, o saber constituído por proposições, ou seja, por sentenças passíveis de verdade ou falsidade. Para Wittgenstein, há saberes práticos, compreensões que extrapolam o conhecimento proposicional, e há coisas que somos capazes de fazer sem que possamos traduzi-las em proposições, como no exemplo de uma poesia ou oração. O conhecimento então não se reduz somente ao conhecimento proposicional, mas a conhecimentos que podem ser entendidos como saberes que são frutos de nossas práticas cotidianas, desenvolvidas dentro de um determinado jogo. Esse conhecimento prático é fruto geralmente da repetição ou treinamento ou de práticas cotidianas e pode ser traduzido como uma certa capacidade de fazer determinadas atividades. Assim, ele pode ser entendido como um saber fazer1, ou ser capaz de fazer ou poder fazer Apesar de Wittgenstein ter mostrado a possibilidade de variedade de saberes, é interessante perceber que ele não chegou a sistematizar tais idéias, ou conceituar estes saberes. é necessário olharmos de forma mais sistemática essa possibilidade 1 Aqui o ‗fazer‘ não deve ser entendido somente no sentido de fazer algo com material, mas também atividades que requerem pensamento abstrato como no caso de seguir uma série de números na matemática, como bem o coloca Wittgenstein no parágrafo 151 das Investigações. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 9 de divisão de saberes. Para isso, não podemos nos furtar da apresentação das ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ideias desenvolvidas por Gilbert Ryle que tentou mostrar que além do conhecimento como crença verdadeira e justificada, existiria um outro saber que é fruto do treinamento. Essas ideias estão bem desenvolvidas em sua obra The concept of mind, mais precisamente no capítulo 2 de tal obra intitulado: Knowing how and knowing that. Para Ryle, Quando nós falamos de intelecto, ou melhor, dos poderes intelectuais e performances das pessoas, estamos nos referindo primariamente aquela classe especial de operações que constituem teorias. O objetivo destas operações é o conhecimento de proposições verdadeiras ou fatos. [...] Outros poderes humanos seriam classificados como mentais somente se eles mostrassem ser de algum modo guiados pela compreensão intelectual de proposições verdadeiras. Ser racional seria ser capaz de reconhecer verdades e as conexões entre elas. Agir racionalmente seria, consequentemente, ter alguma propensão não-teórica controlada por alguma apreensão de verdades sobre a conduta da vida.1 Aqui, neste trecho, Ryle nos apresenta como a filosofia caracteriza o saber. Na contemporaneidade, conhecer é ser guiado pela razão ou ter um aparato de conhecimentos racionais. Tal ideia é tão difundida que até mesmo coisas simples do dia-a-dia deveriam ser entendidas dentro de teorias sobre como funcionam as coisas. Aquilo que não se encaixa dentro da ideia de verdade deveria ser deixada de lado por não se constituir em conhecimento. Tais ideias são típicas, por exemplo, do positivismo lógico ou círculo de Viena, no qual só era considerado conhecimento aquilo que poderia ser transformado em proposição. O problema nessa descrição do conhecimento é que em nosso dia-a-dia não estamos preocupados somente com teorias ou proposições. Nossa linguagem é que revelam diretamente qualidades de mente, ainda que não sejam nenhuma 1 RYLE, G. The Concept of Mind. London: The Penguin Group, 1990, p. 27. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página caso da poesia e até mesmo de sentenças morais. Para Ryle há ―muitas atividades 10 capaz de criar jogos onde os fatos ou proposições são deixados de lado, como no ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 operação intelectual em si, nem efeitos de operações intelectuais. Prática inteligente não é um estepe de teoria. Pelo contrário, teorizar é uma prática entre outras e é em si inteligível ou estupidamente conduzida.‖1 O que Ryle pretende mostrar é que existem inúmeras atividades humanas que não estão baseadas em teorias ou verdades da razão, mas que nem por isso podem ser consideradas como de nível inferior ou serem deixadas de lado. Pelo contrário, ele mostra que em nosso dia-a-dia, dizemos que uma pessoa é inteligente ou não muito mais por sua capacidade ou habilidade para fazer determinadas coisas do que por seu conhecimento acumulado de teorias. Tais habilidades são capacidades ou competências para fazer ou desempenhar determinada atividade, por isso elas se constituem em uma espécie de saber como (Know how). Esta espécie de saber se diferencia de um saber teórico que apresenta um repertório de conhecimentos a respeito das mais diversas teorias, o que é caracterizado por Ryle como saber que (Know that) no sentido de ter conhecimento a respeito de se alguma proposição ou fato é ou não o caso, é ou não é verdadeira. O saber que se caracteriza como a idéia clássica de conhecimento que perpassa a história da filosofia. O que Ryle nos apresenta e que para nós é interessante é o fato de que existem conhecimentos que não se enquadram dentro desta definição clássica do conhecimento ou do que ele chama intelectualismo. Assim, ao apresentar o saber como, Ryle nos abre para uma visão mais ampla de conhecimento, assim como Wittgenstein fizera nas Investigações. Por isso, antes de voltarmos as teorias deste último, entendemos ser necessário olharmos atentamente para as idéias sobre o saber como. Para Ryle o que está em jogo quando dizemos que uma pessoa sabe falar 1 Ibidem I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página atividades é que quando elas fazem estas atividades, 11 corretamente, usar corretamente uma gramática, jogar xadrez ou tantas outras ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Elas tendem a fazê-las bem, i.e., corretamente ou de modo eficiente ou com sucesso. Suas performances atingem certos padrões, ou satisfazem certos critérios. Mas isso não é tudo. [...] Ser inteligente não é meramente satisfazer critérios, mas aplicá-los. Regular ações e não meramente ser bem-regulada. A performance de uma pessoa é descrita como exata ou equivocada, se em suas operações ele é prontamente detectada e corretamente decorrida, repetida e improvisada sobre sucessos, aproveitando-se dos exemplos dos outros e assim por diante.1 Se o observarmos com atenção veremos que Ryle entende que o saber como possui critérios próprios de correção, internos à própria ação, ou seja, quando dizemos que alguém sabe como fazer determinada coisa, nós temos como perceber que ele está fazendo a atividade de forma correta ou não e isso é o que importa. No saber como, a linguagem está intimamente ligada ao fato de saber ou não seguir uma determinada regra. Ryle foca muito suas ideias no fato de que o saber como é fruto de treinamento, ou seja, uma pessoa que sabe como fazer determinada coisa não o sabe por acaso, mas aprendeu a fazê-lo desta forma, foi treinada para fazer isso. Tal treinamento é fruto da prática, ou seja, da repetição dentro de certos parâmetros. Assim, o saber como torna-se como que uma segunda natureza, ou seja, disposições adquiridas e que se tornam parte do sujeito que as possui2. Dall‘Agnol em seu artigo Pratical cognitivism mostra de forma clara essas ideias de Ryle ao afirmar que uma determinada pessoa que é treinada a fazer determinada atividade não o faz de forma mecânica, mas de forma critica. Ele usa o exemplo de uma pessoa que aprende a andar de bicicleta e depois de ter aprendido é capaz de reformular algumas regras na própria atividade de andar de bicicleta. Assim, ele hábitos por constante treinamento, que não são somente repetições mecânicas, mas 1 2 RYLE, G. The Concept of Mind. London: The Penguin Group. 1990, p. 29.. RYLE, G. The Concept of Mind. London: The Penguin Group. 1990, p. 41-44. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página através da educação esta habilidade torna-se parte de seu ser. Ele desenvolve 12 afirma que ―O conhecer como torna-se parte de sua segunda natureza, isto é, ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 podem envolver (auto)criticismo e refazer(redoing).‖1 O que Dall‘Agnol reforça, se bem o entendemos, é que o saber como é puramente prático, no sentido de que mesmo que o detentor de determinado saber tenha em mente as regras que deve seguir para andar de bicicleta, com sua prática cotidiana, essas regras podem ser modificadas. Tal modificação não acontece por reflexão racional, mas no próprio andar de bicicleta, na própria prática dele. Isso acontece de forma clara com um motorista, que ao aprender na auto-escola as regras de como dirigir um carro, com o passar do tempo, modifica sua maneira de dirigir, aperfeiçoa ou não sua maneira de dirigir. O que temos que ter em mente, ao falarmos do saber como, e que Wittgenstein tinha ao falar da variedade de saberes, é que a prática humana é totalmente dinâmica e mesmo que seja regrada, ela mesma modifica as regras. Ou seja, na prática do próprio jogo as regras podem ser postas à prova e modificadas. Daqui, pode-se entrar na discussão sobre a possibilidade ou não do saber como ser reduzido ou entendido como uma esfera do saber que. Alguns defensores2 dessa idéia dizem que a inteligência prática, envolvendo a observação de regras, ou aplicações de critérios, requer necessariamente uma reflexão anterior, caracterizando-se como um saber que. Aqui novamente temos que voltar ao texto de Dall‘Agnol. Para ele, sendo o conhecer como uma habilidade de aplicar regras adquiridas por treinamento,3 ele até pode envolver em seu interior aspectos do conhecer que, mas não pode ser reduzido a ele porque o primeiro não é adquirido pelo conhecimento de conexões causais4. Concordamos com Dall‘Agnol que pode haver aspectos por assim dizer teóricos no saber como, mas disso, não se pode 1 DALL‘AGNOL, D. Pratical Cognitivism. In.: ethic@. Florianópolis. v. 7, n. 2 , 2008. p. 326. Entre tais defensores, podemos citar Jason Stanley e Timothy Willianson que no artigo Knowing how (Journal of Philosophy, 98.8. 2001) defendem tal redução. Aqui é importante dizer que não nos ateremos de forma muita intensa a tal debate. Tomaremos como base o fato de que o saber como não pode ser reduzido ao saber que, apesar de, as vezes, possuir alguns aspectos de saber que. 3 Dall‘Agnol, ao fazer essa definição afirma também que se tomarmos conhecer como neste sentido, não teremos o problema de alguém nos dizer que o conhecer como é instintivo e que faz parte de animais e seres recém-nascidos, por exemplo. Entendemos que essa definição é de suma importância para nossos objetivos posteriores, além de mostrar claramente as visões de Ryle. 4 Cf. DALL‘AGNOL, D. Pratical Cognitivism. In.: ethic@, Florianopolis, v. 7, n. 2 , 2008, p. 331. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 13 2 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 induzir que o saber como, necessariamente precise de conexões causais ou reflexões lógico-racionais. O saber como independe de relações causais. Este trabalho buscou, de forma breve, mostrar a contribuição de Wittgenstein para compreender a variedade de saberes. Tal discussão se faz presente porque na época de Wittgenstein e ainda hoje um dos principais problemas da filosofia e da ciência é tentar encontrar um único saber e fazer dele o saber hegemônico. Nosso trabalho mostrou que talvez seja muito mais frutífero nos voltarmos para a compreensão da variedade de saberes que a prática e a linguagem humana é capaz de criar, do que cometer erros de entrecruzamento de jogos ou de generalização de métodos e entendimentos de uma área de atuação humana a todas as áreas. Isso pode parecer desnecessário, mas Wittgenstein vive em uma época em que não faltam tentativas de tentar justificar, por exemplo, ética, estética e religião de um ponto de vista das ciências naturais e, ainda hoje, não faltam obras que tentam fazer isso. Mas será que essa é realmente a saída para entendermos os fenômenos humanos? Será que tudo o que temos são fatos que podem ser explicados pelas ciências? Podemos reduzir à ética, por exemplo, a uma ciência? Se sim, como poderíamos dizer que somos livres e que podemos decidir sobre o certo e o errado? Talvez com o que apresentamos aqui surjam muito mais questões do que respostas. Mas, talvez, num mundo em que nos apresentam tudo como certo, a melhor coisa a fazer é aprender a questionar. Referências bibliográficas CLACK, B. Wittgenstein and Magic. In.: Arrington, R. L & ADDIS, M. (org). Wittgenstein an Philosophy of Religion. London New York: Routledge, 2005. Página 14 DALL‘AGNOL, D. Pratical Cognitivism. In.: ethic@. Florianópolis.v 7 n2 , 2008. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 HACKER, P. Wittgenstein and the autonomy of humanistic understanding. In.: HACKER, P. M. S. Wittgenstein: Conections and Controversies. Oxford: Clarendon Press, 2001 MORENO, A. R. Introdução a uma pragmática filosófica: de uma concepção de filosofia como atividade terapêutica a uma filosofia da linguagem. Campinas: Editora da Unicamp, 2005. p. 275-276. RYLE, G. The Concept of Mind. London: The Penguin Group. 1990. WITTGENSTEIN, L. Observações a La Rama Dorada de Frazer Madrid: Tecnos, 1992. _________________. Diário Filosófico. Barcelona: Ariel, 1982. _________________. Aulas sobre Fé Religiosa. In: WITTGENSTEIN, L. Aulas e Conversas sobre estética, psicologia e fé religiosa. Lisboa: Cotovia, 1991. _________________. Diários Secretos. Madrid: Alianza Editorial, 1991. _________________. O Livro Azul. Lisboa: edições 70, 1992. _________________. Tractatus Logico-philosophicus. São Paulo: Edusp, 1993. _________________. Cultura e Valor. Lisboa: Edições 70, 1996. Página 15 _________________. Investigações Filosóficas. Petrópolis: Vozes, 2004. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 RESUMOS DE PALESTRAS I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 DOGMATISMO E CRITICISMO NA ENCRUZILHADA DA DOUTRINA DO IDEALISMO TRANSCENDENTAL EM KANT Luciano Carlos Utteich Depto de Filosofia – UNIOESTE/Toledo [email protected] Palavras-chave: Kant, Schelling, Dogmatismo, Criticismo. Idealismo transcendental Apresentamos aqui a polêmica do jovem Schelling com o modelo da razão transcendental kantiana, cuja Crítica da razão pura instituiu a partir do método da doutrina do Idealismo transcendental a possibilidade de dois paradigmas contrapostos: o dogmatismo e o criticismo. Reformular a questão do fundamento incondicionado da razão, como alternativa à disputa sem fim entre os criticistas e os dogmatistas, é a meta schellinguina para estabelecer a autonomia da razão. O estabelecimento dessa autonomia passava pela crítica à prova moral da existência de Deus em Kant. O pano de fundo do debate está na relação entre o texto schellinguiano Cartas Filosóficas sobre o Dogmatismo e o Criticismo (1795), no qual é apresentada a sua elaboração contra a chamada prova moral da existência de Deus, e essa prova, que resultara como desfecho de investigação à filosofia críticotranscendental kantiana. O texto schellingiano está inteiramente embasado na proposta transcendental do sistema kantiano; mas isso não o impediu de se servir disso tanto para refutar a prova moral da existência de Deus como para edificar um novo estágio da razão sistemática, o da tematização do incondicionado. Na ligação dos temas Deus e natureza, comparamos as duas representações vinculadas à refutação do criticismo e do dogmatismo, já que elas aparecem como posturas filosóficas não fundadas de modo verdadeiramente incondicional. Schelling, comparando o tratamento concedido aos pressupostos destes dois modelos, levado a efeito por Kant, redargüiu à solução kantiana pela avaliação dessas duas escolas I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 filosóficas que dividem no texto a atenção às análises e que encontramos conforme a caracterização das posições que mantiveram historicamente o debate: a posição dos ―intérpretes‖ e seguidores da filosofia transcendental, herdeiros do kantismo, como aqueles que se julgavam aptos a manter em voga o núcleo de problemas discutidos pela filosofia transcendental, sob o título de criticismo; e a abordagem constituída pela postura dogmática, na designação das vertentes filosóficas que julgavam poder valer-se, de algum modo, no encalço dos motivos encontrados na Crítica da razão pura de Kant, do endosso dessa última. É através da crítica ao modo como a recepção da prova moral da existência de Deus interveio no estabelecimento da autonomia da razão kantiana que Schelling chega ao princípio absoluto. Na sua argumentação destaca-se a distinção entre os filósofos críticos e os dogmáticos: os primeiros lançavam mão exclusivamente do uso de postulados práticos da razão, visto que acreditavam ―pelo mero nome de postulados práticos, já terem distinguido suficientemente esse sistema [criticista] de todos os outros‖(Quinta Carta, Ak 301; 1972 Abril Cult., p. 188). A eles Schelling lança a objeção: ―Àquilo que não podeis provar, imprimis a chancela da razão prática, assegurando que vossa moeda será negociável por toda parte, onde reinar a razão humana‖(Segunda Carta, Ak 292; 1972 Abril Cult., p.183). Já para os filósofos dogmáticos se servir dos postulados práticos e de fundamentos morais da crença para justificar o fundamento transcendental da razão levaria a rebaixar a dignidade da razão especulativa. Nesse sentido, o dogmatismo e o criticismo têm o mesmo problema, que é: como é possível determinar ainda algo para além da lei de identidade? Para ambos isso é insolúvel. Assim, pela reformulação do problema se encontrará o fundamento autêntico que leva a conciliar essas duas tradições históricas. Tal fundamento é o ―ser original‖, como representando o elemento incondicionado subjacente a ambos e que só aparece a partir da crítica ao argumento moral da prova da existência de Deus, a partir do silogismo schellingiano que reza: porque a razão teórica é demasiado fraca para conceber um Deus, e porque a ideia de um Deus só é ―realizável‖ por exigências morais, então tenho de pensar Deus ―sob leis morais‖. Ou seja, se I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 preciso – para salvar minha moralidade – da ideia de um Deus moral, e assim admito um Deus apenas para salvá-la, esse Deus tem de ser (caracterizado como) um Deus ―moral‖. Preservando o de melhor da filosofia crítica o dogmatismo perfeito schellinguiano concebe os fundamentos de um novo sistema, já que numa instância meramente ―teórica‖ a ideia de um Deus moral estaria sujeita a sofrer as intempéries da história, pois com ela se visou conceber um Deus que alinhava ―o desalento moral e a autonomia moral‖, ―a fraqueza e a força‖. Portanto, essa ideia permanece não apenas arbitrária, senão que leva a desconsiderar que a própria natureza está encarregada de promover o desenvolvimento do gênero humano pela ideia de uma astúcia oculta (no sentido em que Kant a desenvolveu em Ideia de uma História Universal do ponto de vista cosmopolita) e que, em se admitindo atribuir essa ideia a um Deus considerado ―moral‖, a função de Deus aqui seria apenas a de corroborar, por sua vez, as intempéries da natureza (Deus ex machina). Daí porque, diz Schelling, o ―forte atrativo peculiar ao dogmatismo‖ perfeito, reside no fato de que ―ele não parte de abstrações ou de princípios mortos, mas (pelo menos em sua forma perfeita) de uma existência, que zomba de todas as nossas palavras e princípios mortos‖(Segunda Carta, Ak 290; 1972 Abril Cult., p. 182). Sem admitir subterfúgios como os que fizeram o criticismo buscar num mundo absolutamente objetivo e num Deus moral a justificação para causas naturais, em face da fraqueza e cegueira da razão teórica, o dogmatismo perfeito exigirá do próprio ser originário que admita uma objetividade absoluta: este deve explicar a necessidade de uma existência que é independente da lei (ab-solutos), não cabendo conceder tal tarefa à mera índole da faculdade de conhecer. Assim, da própria Crítica da razão pura, na medida em que ela tem apenas o status de um ―cânon‖ da razão, e não de um sistema desenvolvido, obteve-se a condição para os sistemas – dois deles: o criticismo e o dogmatismo (Quinta Carta, Ak 301; 1972 Abril Cult., p. 188). E uma decorrência necessária do conceito de filosofia é que ―não poderia haver, em geral, sistemas diferentes, se ao mesmo tempo não houvesse um domínio comum a todos eles‖(Terceira Carta, Ak 293; 1972 Abril Cult., p. 184). Se por um lado a Crítica I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 estabeleceu o método dos postulados práticos para dois sistemas inteiramente opostos, por outro lado era impossível a ela justamente por isso ―ir além do mero método, e como ela devia atender a todos os sistemas, era-lhe impossível determinar o espírito próprio de cada sistema em sua singularidade‖(Quinta Carta, Ak 304; 1972 Abril Cult., p. 189). Por isso, a fim de que o método fosse mantido em sua universalidade, a Crítica teve ―de mantê-lo, ao mesmo tempo, naquela indeterminação que não excluía nenhum dos dois sistemas‖(Quinta Carta, Ak 304; 1972 Abril Cult., p. 189). Por isso torna-se claro que toda a tentativa de ir além da mera crítica só pode pertencer a um dos dois sistemas, visto que todos os demais sistemas são somente cópias mais ou menos fiéis dos dois sistemas expostos. E, neste sentido, Schelling salienta que enquanto ―cânon‖ de todos os sistemas possíveis a Crítica da razão pura devia então deduzir ―a necessidade de postulados práticos‖ da idéia de um sistema em geral, e não da idéia de um sistema determinado. Só com vistas a esse sistema deverá ser encontrado um princípio incondicionado, visto que aqui não está mais em atividade a razão teórica (Verstand), mas antes a razão em geral (Vernunft). Bibliografia GIL, F. Recepção da Crítica da razão pura. Antologia de escritos sobre Kant (17861844). Lisboa: Calouste-Gulbenkian, 1992. HEGEL, G. W. F. Escritos de Juventud. México: Fundo de Cultura Económica, 1978. HENRICH, D. Hegel en su contexto. Venezuela: Monte Ávila Editores, 1987. HÖLDERLIN, F. Urteil und Sein. Trad. Joãosinho Beckenkamp. In: Dissertatio, (1314), UFPel, 2001, p. 27-53. KANT, I. Crítica da razão pura. Trad. Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. Coleção Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1980. ____. Crítica da razão prática. Lisboa: Edições Setenta, 1997. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ____. Crítica da faculdade do juízo. Trad. Valério Rohden. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. ____. Primeira introdução à Crítica da faculdade do juízo. Trad. Rubens R. T. Filho. In: Duas Introduções à Crítica do juízo. São Paulo: Edusp, 1995. LÖWY, M. Romantismo e Messianismo: ensaios sobre Lukács e Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva/Editora da Universidade de São Paulo, 1990. SCHELLING, F. W. Cartas Filosóficas sobre o Dogmatismo e o Criticismo. Trad. Rubens R. T. Filho. Coleção Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1973. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 RESUMOS DE COMUNICAÇÕES I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 O CONCEITO DE INTUIÇÃO: DISTINÇÕES ENTRE DESCARTES, KANT E BERGSON Luiz Ricardo Rech, Mestrando – UNIOESTE/Toledo [email protected] Palavras-chave: Intuição, Bergson, Descartes, Kant, História da Filosofia É fato relativamente comum que filósofos nas mais diferentes épocas lancem mão de termos já amplamente utilizados pela tradição filosóficas para expressar suas idéias e estabelecer seus próprios conceitos. Ao fazê-lo, os autores travam um diálogo muito particular com a tradição, chegando por vezes à reformulação completa dos termos a fim de buscar maior clareza e precisão em suas argumentações. Em meio a esta diversidade de usos de termos filosóficos podem surgir dificuldades de compreensão na leitura dos textos e até mesmo erros de interpretação. O presente trabalho busca esclarecer como o conceito de intuição sofreu distinções na modernidade e na passagem para a contemporaneidade, em três autores em particular: Descartes, Kant e Bergson. Isto será feito mediante uma breve abordagem do termo para Descartes e Kant, e posteriormente com a exposição da interpretação bergsoniana do mesmo. Visto que para Bergson o termo tem profunda ligação com a própria atividade filosófica, serão discutidas também as dificuldades encontradas na metafísica tradicional, sob a ótica do autor e a proposta do filósofo francês para a filosofia, partindo da intuição como forma de se apreender uma realidade movente, buscando restituir ao movimento o que este tem de filósofos fundamentais do período moderno –, para, a partir disso, prosseguir com a I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página partir de uma linha histórica, o conceito de intuição em Descartes e Kant – dois 1 essencial, ou seja, a própria mudança e sua indivisibilidade. Busca-se abordar, a ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 discussão a respeito do método intuitivo bergsoniano, no princípio do período contemporâneo. Para Descartes a intuição é parte constituinte do próprio entendimento, junto com a dedução. O entendimento é, por sua vez, uma das faculdades do espírito, que devem ser exercitadas para dar ao homem a capacidade de estabelecer juízos sobre aquilo com o que toma contato. A intuição para Descartes é intelectual e proporciona uma distinção clara e nítida no estudo de uma realidade. Intuição e dedução ligam-se ao método no sentido em que por ele são direcionadas para alcançar um conhecimento verdadeiro. É importante frisar também seu caráter de simplicidade: toda intuição se dá sobre uma realidade simples e por isso mesmo evidente. Se para Descartes a intuição é componente ativo do entendimento, para Kant deve-se efetuar uma divisão entre as formas da intuição sensível e o entendimento. Ao entendimento ficam designadas as categorias ou conceitos puros. A intuição, por sua vez, diz respeito à recepção dos fenômenos sensíveis, sendo empírica quando associada à sensação (aesthèsis) e pura quando associada às formas (espaço e tempo) que são a própria condição de possibilidade de uma intuição sensível (empírica). Espaço e tempo caracterizam-se como as duas formas puras da intuição sensível e são dadas a priori, de tal forma que condicionam a experiência do fenômeno. Assim, a matéria para Kant, é a própria sensação que se encontra condicionada pelas formas de intuição. Constituinte do entendimento (como em Descartes) ou condição para toda experiência sensível (como em Kant), a intuição liga-se ao intelecto de maneira inextricável. A direção do pensamento é a mesma: a busca por uma ciência que dê conta de compreender a realidade de maneira segura e determinística. Em relação a Bergson é importante destacar inicialmente que há duas vias para se conhecer a realidade. Dois movimentos opostos do pensamento. A primeira dessas vias é a que segue o próprio intelecto, generalizando, classificando e agindo sobre a matéria. Há uma caracterização e onde, primitivamente, se desenvolveu a vida, na sua relação com a matéria (por I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página conhecimento é o ambiente no qual se desenvolvem as ciências positivas modernas 2 profundamente pragmática nesta forma de pensar (e agir). Esta forma de ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 vezes como obstáculo, outras como sustentação). Nesta via não há traço algum do que Bergson denomina intuição. A intuição, para Bergson, surge na segunda via de conhecimento da realidade: a metafísica. O esforço de reflexão necessário à metafísica apresenta-se como uma inversão da reflexão intelectual. Se o intelecto busca a imobilização de uma realidade para estudá-la em seus detalhes, para a metafísica bergsoniana o que importa é a percepção do movimento, das tendências que um e outro estado estabelecem entre si. Para perceber este movimento é que surge o recurso à intuição na filosofia bergsoniana. Bergson ergue sobre os conceitos de duração (não abordado diretamente neste texto) e intuição o método pelo qual pretende investigar a realidade em sua característica mais profunda e reveladora: o movimento. A intuição é, pois, consciência imediata que adere ao movimento e às mudanças e tendências do objeto. Esta, portanto, é a raiz do pensamento bergsoniano. A segunda via de compreensão da realidade é o ponto central do pensamento do filósofo francês, tornando-se o recurso fundamental para a compreensão do movimento. É a aderência total da percepção à realidade e ao fluxo da vida. O primeiro sentido que se destaca da intuição é o do acesso direto ao espírito. Não obstante, Bergson adverte desde sempre em suas obras a respeito da dificuldade de conceituação do próprio termo intuição. Assim, não há o que se possa identificar como uma definição objetiva e pontual. Diversas gradações compõem a construção do termo, bem como diferentes aproximações, em situações diversas. Porém o fundamento da intuição volta sempre sobre si mesmo, ou seja, a duração pura, a percepção do movimento como tal, não considerado como instantâneos que fixam o espaço e deixam de lado a duração. A intuição é a própria percepção do movimento. Deve, antes de qualquer coisa, devolver à realidade seus atributos qualitativos, aceitando cada desenvolvimento da duração como único e resultante de um movimento que é o fundamento da própria realidade. Neste sentido, Bergson das filosofias de Descartes e Kant. Tal distanciamento é abordado aqui pela análise do uso do conceito de intuição nos três filósofos, porém, tem raízes mais profundas, envolvendo pressupostos e I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR 3 propositadamente Página distancia-se ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 conseqüências bastante distintos em cada um dos autores. Ainda que Bergson, como ele mesmo aponta, busque para a filosofia um caráter de precisão e indubitabilidade, tal busca acaba por levar a uma inversão na marcha tradicional do pensamento. A intuição da duração pura para o autor não é uma faculdade intelectual, ainda que necessite articular elementos intelectuais para que possa ser expressada. Referências bibliográficas BERGSON, Henri. Ensaio sobre os dados imediatos da consciência. Tradução: João da Silva Gama. Lisboa: Edições 70, 1988. . O pensamento e o movente. Tradução: Bento Prado Neto. São Paulo: Martins Fontes, 2006. KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001. SILVA, Franklin Leopoldo e. Bergson: Intuição e discurso filosófico. São Paulo: Loyola, 1994. PRADO, Bento. Presença e campo transcendental: consciência e negatividade na Página 4 filosofia de Bergson. São Paulo: Edusp, 1988. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 O CONCEITO DE DIREITO NATURAL EM HOBBES: LIBERDADE E OBRIGAÇÃO Gerson Vasconcelos Luz Mestrando em Filosofia – UNIOESTE Orientador: Prof. Dr. Arlei de Espíndola [email protected] Palavras-chave: Hobbes, homem, movimento, lei de natureza, direito natural Para Hobbes (2002, p.20) a natureza humana consiste na soma de suas faculdades e poderes naturais. O homem na qualidade de corpo vivo e finito está determinado a manter no seu estado cinético. Sendo assim, a conservação do movimento é um dever para o indivíduo. É um dever e também um direito. Porém, Hobbes (2003, p.112) afirma que estes dois conceitos quando aplicados a uma mesma situação torna-se contraditórios. Ou se pratica uma ação por dever ou por liberdade. Diante disso, o objetivo do trabalho é procurar demonstrar que em se tratando dos elementos de defesa do maior bem do ser humano o direito natural é tanto dever quanto liberdade. Observemos inicialmente o conceito de lei de natureza e, posteriormente, o de direito natural. Quanto ao primeiro, escreve o nosso autor, uma lei de natureza [...] é um preceito ou regra geral, estabelecida pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir a sua vida ou privá-lo dos meios necessários para a preservar, ou omitir aquilo que pense melhor contribuir para a preservar (HOBBES, 2003, p.112). da maneira que quiser, para a preservação da sua própria natureza, I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página [...] a liberdade que cada homem possui de usar o seu próprio poder, 1 Quanto ao segundo, ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ou seja, da sua vida; e conseqüentemente de fazer tudo aquilo que o seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios mais adequados a esse fim (HOBBES, 2003, p.112). Observemos ainda a passagem na qual o filósofo esclarece a distinção entre os conceitos: [...] o direito consiste na liberdade de fazer ou omitir, ao passo que a lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas. De modo que a lei e o direito se distinguem tanto como a obrigação e a liberdade, as quais são incompatíveis quando se referem à mesma questão (HOBBES, 2003, p.112). MacAdam (1980, p.143), comenta que na filosofia hobbesiana ―ter um direito é não ter um dever e, de modo correspondente, ter um dever é não ter um direito. Contudo, o direito natural à vida parece constituir exceção à regra geral de Hobbes. Já que é tanto direito como dever‖. A lei de natureza é um preceito internalizado em cada corpo humano a fim de obrigar que cada indivíduo possa conserva o seu próprio movimento vital. Se por um lado, a lei determina a autoconservação, por outro assegura o direito natural como mecanismo de obtenção de resultados necessários à autoconservação. Sendo o direito natural liberdade e dever, cada qual se configura como juiz de si. E na qualidade de juiz de si todos estão autorizados a desobedecerem às leis naturais (ou positivas, se for o caso) sempre que estas desfavorecerem ao direito primordial. O conceito de liberdade natural é compatível com o de lei de natureza. Trata-se de uma liberdade condicionada à necessidade de manter o propósito essencial do corpo em relação ao seu estado cinético. Todo indivíduo está livre para escolher sem propósitos. Nesse sentido, o direito é também um dever natural. O estar livre 2 para fazer não importa o que tendo em vista a autoconservação é justificado pela Página aquilo que favorece aos seus interesses fundamentais. A escolha não é procedida I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 necessidade de conservação. O que move os indivíduos na liberdade da deliberação é o dever conservar-se vivo. Trata-se de um dever para consigo mesmo. As leis naturais funcionam como regras de prudência e não como um imperativo categórico. É verdadeiro que o filósofo inglês muitas vezes nos permite entender que tais leis é também moral (HOBBES, 1992, p.80). Não obstante, quando se apoia no conjunto de seus escritos, nota-se que as leis naturais são princípios que constam na reta razão de cada indivíduo. Um homem está autorizado a fazer tudo o que bem entender tendo em vista a preservação de si (HOBBES, 2003, p.112) sem que quaisquer coisas que faça ou deixe de fazer em relação aos objetivos em questão seja considerado como bem ou mal. A moralidade da ação praticada se configura em acordo com a necessidade do sujeito que a pratica a ação. Se a ocasião exige que um homem mate o outro, então matá-lo é uma boa ação; se a melhor solução é deixar-se escravizar, eis a boa ação. A boa atitude é aquela que melhor contempla o interesse do agente. O homem prudente é aquele que na liberdade de suas ações sabe manejar de modo bem a sua liberdade natural. Hobbes descreve aproximadamente vinte leis de natureza. No seu conjunto as regras têm como objetivo lógico orientar as ações do homem. Todo indivíduo está naturalmente orientado a cumpri-las quando isto interessa a conservação de si ou a não observá-las quando lhe for desfavorável. Portanto, a ação praticada está centrada em um só ponto: o próprio sujeito da ação. A vontade, o último apetite ou repulsa na deliberação, escolhe sempre o melhor a ser feito por e para si. Não se trata de um egoísmo gratuito, mas sim de uma disposição que atende a necessidade natural de autoconservação. Dentre as leis formuladas no sistema hobbesiano a primeira ou lei fundamental de natureza é esta, ―que todo homem deve se esforçar pela paz, na medida em que tenha esperança de consegui-la, e caso não a consiga pode procurar e usar todas que se use, ela necessariamente deve se dar em função de si mesmo. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página quanto ao modo de agir, buscar a paz ou fazer a guerra. Seja qual for a alternativa 3 as ajudas e vantagens da guerra‖ (HOBBES, 2003, p.113). Há duas alternativas ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Ao perguntarmos a Hobbes o que é direito natural, a resposta é sempre esta: liberdade para fazer aquilo que representa a melhor alternativa em vista a autoconservação. E ao indagarmos qual a funcionalidade das leis de natureza, o filósofo deixa claro que é condicionar as ações humanas de modo a contemplar toda a extensão de necessidades de conservação; ou seja, direito natural e leis de natureza são princípios diferente, com funções e objetivos diferentes, mas inerentes ao mesmo interesse do corpo em questão, manter-se em movimento e incrementar o poder próprio. Entretanto, a ausência de um poder irresistível capaz de governar os homens, permite o entrecruzamento de interesses gerando o que em Hobbes se denomina de estado de guerra. E a guerra representa uma ameaça ao direito natural a vida, gerando um perpétuo medo da morte violenta. Portanto, na inexistência de um direito positivo todo homem tende naturalmente a seguir a segunda alternativa da lei fundamental de natureza. Independente da condição – seja esta natural ou política –, o referido direito deve ser utilizado em favor de si sempre que a ocasião exigir do indivíduo. Referências HOBBES, Thomas. Do Cidadão. Tradução de Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 1992 ______. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ______. Os Elementos da Lei Natural e Política. Tradução de Fernando Dias Andrade. São Paulo: Ícone, 2002. MACADAM, James. Rousseau e Hobbes. In: Pensadores Políticos Comparados. FITZGERALD, Ross (Org.). Tradução de Antonio Patriota. Brasília: Editora UnB, Página 4 1983, p. 131-151. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A LIBERDADE GENIAL Luiz Carlos De Souza Filho Mestrando – UFPR Orientador: Dr. Vinicius Berlendis de Figueiredo [email protected] Palavras chave: Liberdade – Regularidade – Sistema – Gênio – Arte. Falar de liberdade em Kant é sempre um desafio, pois para quem ao menos deu uma passada de olhos sobre sua teoria do conhecimento, ou ainda, sobre os escritos onde o autor trata a respeito da moralidade, percebe a dificuldade que cerca o tema da liberdade em Kant, seja ela a liberdade transcendental, ou seja a liberdade prática, se é que podemos dizer que se trata de coisas distintas, pois bem, é este um dos problemas que trataremos no momento, e não satisfeito com tamanha questão o objetivo principal que tenho em vista é investigar se essa liberdade se mostra de algum modo também na terceira crítica de Kant, A Crítica do Juízo (KU), sobretudo na experiência do sentimento estético, e em decorrência disto na figura do Gênio artístico. Desde já podemos afirmar que de modo algum o Gênio é um indivíduo empiricamente livre, pois isso seria uma contradição não só ao espírito mas também a letra da filosofia kantiana, o objetivo então é tentar entender qual a distinção entre um sujeito ―comum‖ determinado por suas faculdades de conhecimento e limitado pela crítica, e o sujeito ―genial‖, o qual possui um ―uso livre I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página disposição de ânimo (ingenium) pela qual a natureza dá regra a arte.‖ (KU 181). 1 de suas faculdades de conhecimento‖ (KU 200) ou ainda, ―Gênio é a inata ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Como entender esse inatismo do Gênio? Segundo Kant o Gênio é um privilegiado pela natureza, um escolhido por ela para dar regra a arte. Sendo assim, como conciliar um filósofo iluminista como Kant, o qual nitidamente nas duas primeiras críticas valoriza a sistematização da razão, mostrando num importante texto chamado: Resposta a pergunta: O que é Esclarecimento? que basta um indivíduo querer sair de sua menoridade, ou seja, tomar uma atitude de deixar de ser guiado por outros, e fazer uso de sua própria razão que após um longo percurso, difícil e penoso, seria capaz de atingir o Esclarecimento, o qual então permitiria ao indivíduo agir moralmente. Sendo a moralidade o fim último não só de um homem individual mas também de um sujeito cosmopolita. Tal questão nos leva a questionar o motivo que leva Kant permitir que através da razão um homem atinja seu fim supremo e não permita que um homem através de sua razão torne-se um gênio, pois como podemos observar nos escritos de Kant o Gênio é um escolhido pela natureza , recebe, é dotado de um espírito genial. Fato que nos leva a uma possível interpretação de que um homem por mais que estude, pesquise, treine, sinta, contemple etc., nunca se tornará um Gênio se a natureza assim não o queira. ―(...) O gênio consiste na feliz disposição, que nenhuma ciência pode ensinar e nenhum estudo pode exercitar, (....) (KU 199). Neste contexto pretendemos analisar ponto a ponto essa figura tão invejada e curiosa que é o gênio artístico, tentar buscar qual a diferença entre ele e o público pois de algum modo ele é diferente dos outros homens, tentaremos então buscar qual seria essa diferença, e neste panorama o problema da liberdade retorna com toda força, pois arriscamos dizer que o tal ―uso livre de suas faculdades de conhecimento‖é o que faz com que o gênio produza sua arte, mesmo este não sendo realmente livre, ou seja, o Gênio pensa-se livre mas empiricamente não o é. Para entender melhor essa questão podemos colocá-las em outras palavras, se como fenômeno está preso ao mundo. (...)o gênio se compraz em seu arrebatado I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página norteia boa parte de sua filosofia, o Gênio como coisa-em-si pensa-se livre mas 2 pensarmos na distinção entre coisa-em-si e fenômeno no sistema de Kant a qual ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ímpeto, porquanto abandonou o fio pelo qual antes a razão o dirigia(...)1. Podemos até admitir através da Crítica da Razão Prática ou até pela solução da Terceira Antinomia que todos os homens devem pensar-se livre, porém a diferença entre estes e o Gênio é que o Gênio realmente sente-se livre ele não pensa-se somente livre, porém a cada momento que ele volta os olhos para o mundo, e volta a sistematizar pela sua razão para se comunicar com os demais homens, a razão torna-se um fardo para ele, fato este que será visto um pouco mais adiante. Ainda tratando-se da figura do gênio é intrigante o fato que ―nós‖ geralmente o invejamos, quem nunca quis ser como Goethe, Sócrates, Shakespeare, Homero, Mozart, Bach ou Beethoven entre outros?Segundo Kant, esta suposta ―inveja‖ que possuímos em relação ao Gênio deve-se ao fato que: ―Ser auto-suficiente, por conseguinte isto é fugir dela (da sociedade), é algo que se aproxima do sublime, assim como toda liberação de necessidades” (KU 127) é por esta libertação ou por esta auto-suficiência que invejamos o gênio, pois produz em nós um sentimento próximo ao sublime. Quando observamos o Gênio, sobre-tudo quando reconhecemos seu espírito Genial o qual segundo Kant ele é dotado, sentimos que de algum modo existe uma certa liberdade a qual se evidência em sua produção. Podemos primeiramente investigar quais as características principais que constituem o Gênio buscando sua relação com o mundo, e investigar essa liberdade de pensamento que só gênio tem posse, ou melhor, faz uso. Descobrir até que ponto tal liberdade pode ser vista ou entendida em termos da liberdade transcendental ou da liberdade moral, sem que com isso o sistema kantiano do conhecimento não se abale. Ainda tentar encontrar vestígios nos escritos de Kant algo relativo a um abandono da razão da parte do Gênio (...) o gênio se compraz em seu arrebatado ímpeto, porquanto abandonou o fio pelo qual antes a razão o dirigia (...)2, se caso confirmada a hipótese da recusa da razão por parte do gênio, automaticamente 1 2 Que significa orientar-se no pensamento? P. 60 Que significa orientar-se no pensamento? P. 60 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 3 recusa também toda a idéia de regularidade e de totalidade as quais a razão é ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 responsável, ―O uso hipotético da razão tem, pois, por objetivo a unidade sistemática dos conhecimentos do entendimento e esta unidade é a pedra de toque da verdade das regras‖ (A 648, B 676) (Totalidade e regularidade da natureza Dialética Transcendental). Na medida em que avançamos percebemos que a questão do Gênio em Kant nos oferece uma grande e variada fonte de pesquisa de um ponto de vista um tanto quanto instigante, pois partimos em busca de uma figura que apesar de ainda não sabermos bem do que se trata, podemos dizer que possui uma relação com o mundo de algum modo diferente do ―sensus communis‖, é em busca desse algo, desse modo diferente, que pretendemos partir. Referências bibliográficas KANT, I. Antropologia de um Ponto de Vista Pragmático. Trad.: Clélia Aparecida Martins. São Paulo: Iluminuras, Biblioteca Pólen, 2006. _______. Crítica da Faculdade do Juízo. Trad.: Valério Rohden e António Marques. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1995. _______. Crítica da razão pura. Trad.: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. Segunda Edição. _______.Que significa orientar-se no pensamento? In.: Textos seletos, Petrópolis, RJ: Vozes, 2008 LEBRUN, Gérard. Kant e o Fim da Metafísica. Trad.: Carlos Alberto ribeiro de Moura São Paulo: Martins Fontes, 2002. Página 4 SUZUKI, Márcio. O Gênio Romântico. São Paulo: Iluminuras, 1998. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A TEORIA NEURONAL DO PROJETO DE UMA PSICOLOGIA (1895) E SUAS IMPLICAÇÕES: UMA INTRODUÇÃO AO MATERIALISMO FREUDIANO Gleisson Roberto Schmidt Instituições: Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Programa de PósGraduação em Filosofia – Mestrado); Universidade Federal do Paraná (Departamento de Filosofia) Orientadores: Dr. Francisco Verardi Bocca (PUCPR); Dr. Luiz Damon Santos Moutinho (UFPR) E-mail: [email protected] Bolsista CNPq de Iniciação Científica, Edital 2008-2009 Palavras-chave: epistemologia da Psicanálise; materialismo; psicologia científica; teoria neuronal; filosofia da natureza. Em linhas gerais, o termo materialismo designa uma atitude filosófica caracterizada pelo recurso exclusivo à noção de matéria para explicar a totalidade dos fenômenos do mundo físico e do mundo moral. Em todos os matizes que esta atitude assumiu ao longo da história do materialismo – desde o atomismo grego até a física corpuscular e suas aplicações à química e à biologia - tal redução não aconteceu sem questões paradoxais. Uma delas, referente à filosofia da mente, pode ser expressa nos seguintes termos: se cada materialismo se propõe a tarefa de definir o primado da matéria tanto no domínio da física quanto no da moral, estaria por isso I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página afirmativo, como o faria? 1 sempre confrontado a delimitá-la – a matéria - ao interior do pensamento? Em caso ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Sigmund Freud, a seu modo, parece ter respondido estas questões, e descrever a maneira como este autor o fez constitui o objetivo do presente trabalho. Na última década do século 19, momento em que se assistia, no domínio da epistemologia, uma espécie de ―disputa‖ por legitimidade científica (FERREIRA, 2006, p. 17) entre o conjunto constituído pelo saber tradicional clássico galileano (que incluía a física, a química e as demais ciências naturais) e o conjunto das nascentes ciências humanas - que à época careciam de solidez metodológica -, Freud realiza uma empresa singular: propõe-se ―fornecer uma psicologia científica e naturalista, ou seja, expor os processos psíquicos como estados quantitativamente determinados de partes materiais capazes de serem especificadas e, com isso, torná-los intuitivos e livres de contradição‖ (FREUD, 1895/2003, p. 175). Trata-se do Projeto de uma Psicologia de 1895. Por ter a intenção de apresentar os processos psíquicos como partículas materiais em movimento – o que caracteriza uma psicologia quantitativa -, Freud adota, no Projeto, uma concepção materialista de princípio, ou seja, nega a dualidade entre substâncias psíquicas ou mentais e substâncias físicas. O que dizer então do estatuto que Freud confere à matéria, esta que, resguardada a filiação materialista do projeto freudiano, constituiria o ―estofo‖ dos processos psíquicos, o componente ao qual toda a realidade mental deveria ser reduzida? E o que há de propriamente original em suas elaborações acerca da materialidade do psíquico? No Projeto Freud introduz a descrição do funcionamento do aparelho psíquico e o modus operandi das psicopatologias a partir da conjugação entre uma abordagem quantitativa, a teoria neuronal e o paradigma biológico-adaptativo. A primeira se justifica pelo fato de que a física corpuscular galileano-newtoniana constituía o referencial epistêmico de todo o qualquer discurso científico que aspirasse a esse status. Da física, então, Freud assume a tese segundo a qual no mundo externo ao sistema nervoso ―há apenas massas em movimento e nada mais‖ (FREUD, ocasionando propagação de movimento. Se uma psicologia naturalista também I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página nervoso só podem ser de natureza quantitativa, isto é, massas em choque 2 1895/2003, p. 187), do que decorre que os estímulos que invadem o sistema ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 precisa submeter-se a esse princípio, qual seria a instância pronta a receber e associar os estímulos oriundos dos diferentes órgãos sensoriais, possibilitando a ocorrência de processos conscientes? No Projeto, bem como nos textos metapsicológicos a ele relacionados, Freud apresenta o neurônio como esta partícula material cujos estados quantitativamente determinados produzem, no psiquismo, os processos relacionados à percepção, à memória e à consciência. É a partir desse dado primitivo que este autor responde ao problema da delimitação da matéria ao interior do pensamento. Pode-se então afirmar que o Projeto descreve a gênese materialista da interioridade sobre a atividade perceptiva deste – o neurônio - que é a ―substância perceptiva do ser vivo‖ (FREUD, 1915/1992, p. 115). No que concerne à epistemologia, então, todo conhecimento possível é empiricamente condicionado pela estrutura básica do neurônio, excluído qualquer conhecimento a priori. O neurônio apresenta-se, na peculiaridade de seu funcionamento, como a estrutura ordenadora das representações possíveis; é ele quem recebe os estímulos provindos das massas em movimento no mundo externo ―numa fórmula de redução desconhecida‖ (Freud, in GABBI JR., 2003, p. 190); é ele que transfere, regido pelo princípio da inércia, a quantidade em curso em seu interior às barreiras de contato pelo caminho conveniente; é ele o portador da memória e das possibilidades de relacionar idéias; é de uma organização neuronal que resulta o eu e sua capacidade de modificar cursos excitativos que, de outra forma, ocorreriam sem inibição, pondo em risco a preservação do organismo inteiro; é ele, por fim mas não por último, que possibilita a percepção de qualidades. Imaginamos com isso ter esboçado a forma como Freud descreve a gênese do psiquismo a partir da materialidade do neurônio. No campo da teoria do conhecimento, esta é sua especificidade: o psicanalista sustenta que um elemento os mais elevados. Em meio a uma multiplicidade de influências passíveis de serem I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página ser responsável por todos os processos psíquicos, desde os mais elementares até 3 material primário, em sua própria arquitetura, organização e funcionamento, possa ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 esquadrinhadas, situando-se ela mesma numa posição de reformulação de pressupostos do naturalismo precedente (SIMANKE, 2009), a psicanálise freudiana assume o monismo de certa filosofia da natureza em curso no espírito científico de sua época para com ele recusar a duplicidade de substâncias e responder às perguntas acerca da extensão do conhecimento humano e da natureza das leis que regem os processos psíquicos. A psicanálise evidencia assim, desde a teoria neuronal do Projeto, sua fundamentação nesta escola de pensamento, pelo menos no que diz respeito à teoria do conhecimento. Referências bibliográficas FERREIRA, A. P. B. Contextualização epistemológica da psicanálise de Freud. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCPR. Curitiba, 2006. FREUD, S. Projeto de uma Psicologia (1895). In GABBI JUNIOR, O. F. Notas a Projeto de uma Psicologia. As origens utilitaristas da psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2003. _____. Pulsiones y destinos de pulsión (1915). In Sigmund Freud – Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu, vol. XIV, 1992, pp. 105-134. SIMANKE, R. T. Freudian Psychoanalysis as a model for overcoming the duality between natural and human sciences. Paper apresentado na Disciplina História da Psicologia I. Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Filosofia e Página 4 Metodologia das Ciências, 2009 (no prelo). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 O TEMPO COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE NA CONSTITUIÇÃO DO OBJETO EM MERLEAU-PONTY Jeovane Camargo Universidade Federal do Paraná Orientador: Luiz Damon Santos Moutinho [email protected] Palavras-chave: método, objeto, percepção, temporalidade, condição de possibilidade Ao iniciar o estudo da percepção, Merleau-Ponty comenta que nós ―encontramos na linguagem a noção de sensação, que parece imediata e clara‖. Em seguida, ele anuncia que é preciso ver como essa noção é ―a mais confusa que existe‖1. O procedimento merleau-pontiano que se inicia aqui, por um lado, é o de descrever o pensamento objetivo e de lhe colocar questões que ele próprio se coloca2, de modo que estas revelem as contradições e os pressupostos não esclarecidos pelos quais o pensamento objetivo se constrói; de outro lado, é um procedimento que se serve das ciências humanas como de uma forma de investigação que trás à tona certo modo de ser não tematizado pelas filosofias clássicas. É assim, por exemplo, que a noção de sensação como puro quale, em voga no empirismo, dissolve-se ante a pesquisa psicológica que mostra que não temos a experiência sensorial de dados puros, mas de qualidades ambíguas, sinestésicas. No entanto, embora elas lhe sirvam de instrumento, Merleau-Ponty não pára nas ciências humanas, as quais mostrariam por si sós um ultrapassamento do pensamento objetivo. O que ele I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Trad.: Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 3ª ed., 2006, p. 23. 2 O intuito de não endereçar ao pensamento objetivo questões que ele mesmo não se coloca é revelador do método merleau-pontiano. O recuo à experiência perceptiva deve surgir como uma necessidade ao se fazer o inventário do pensamento clássico. Pressuposta por eles a todo momento, ela acaba esquecida em razão de um ―golpe‖ natural: a passagem da experiência efetiva, vivida por todos, ao pensamento objetivo, construtor de um objeto único, verdadeiro. Id., ibid., p. 110. 1 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 procura é uma nova concepção do ser que leve ao mesmo tempo para além da filosofia clássica e aponte para certa ―compreensão‖ do ―real‖ que permita às ciências humanas um novo tipo de investigação — embora elas se alcem para adiante das teorias clássicas (naquilo que elas desvelam), elas ainda são devedoras do pensamento objetivo (pelo modo como compreendem). O procedimento merleaupontiano aqui é aquele mesmo apresentado na descrição da fala falante, o de reorganizar as significações já constituídas, habitualmente repetidas na linguagem ordinária, em vista de um sentido novo. Não se trata de desvelar a Verdade, mas de instituir certa verdade, histórica. E o saldo, logo anunciado, desse procedimento, é o reencontro com o fenômeno da percepção. Ora, se já encontramos na linguagem certa noção de sensação, assim como certa noção de objeto, é preciso perguntar então como essas noções se constituíram? Qual é o solo que fundamentou seu nascimento? Pois é certo que a definição de objeto como partes extra partes, definição que está por trás daquela de sensação, não pode ser apenas um delírio ou sonho dos filósofos, mas de alguma forma se encontrar, ou ao menos se anunciar, no mundo. Assim como a fala falante ou o movimento temporal, é sempre por uma retomada que pode aparecer algo novo, não há projeção se não houver retenção. A experiência perceptiva, assim, se se quer primordial, precisa se apresentar como o solo de toda criação. Portanto, como a condição mesma tanto do pensamento objetivo quanto do movimento paradoxal do ser no mundo. Ao descrever e analisar as teorias clássicas, Merleau-Ponty partia de certas noções caras tanto ao empirismo quanto ao intelectualismo, fazendo ver que na estrutura mesma daqueles sistemas filosóficos apresentavam-se contradições e pressupostos que evidenciavam um fundo não esclarecido; análise corroborada, em grande parte, pelas investigações das ciências humanas. Ali a crítica principal era a de ―construir a percepção com o percebido‖1, isto é, delimitar ―o sensível pelas condições objetivas 1 2 Id., ibid., p. 26. Id., ibid., p. 28. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 2 das quais depende‖2, aquilo que Merleau-Ponty chama de ―prejuízo do mundo‖. No ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 entanto, partir de noções instituídas, ordinariamente usadas na linguagem cotidiana, e daí, com o auxílio das ciências humanas, apresentar uma experiência de mundo que fora esquecida, é tratar, por assim dizer, de apenas um dos lados da questão. É preciso ainda que se faça não somente a descrição do mundo objetivo e da ambiguidade da percepção, mas também que se mostre como ambos são possíveis. Em outras palavras, trata-se de já ter o campo transcendental (temporal) em vista no momento de fazer a crítica aos clássicos e o relato da percepção, lá mesmo onde se tem a ―descrição psicológica‖ como método filosófico. A constituição do objeto e a constituição do corpo como objeto são momentos decisivos na construção do mundo objetivo, como o mostra Merleau-Ponty. Mas essa questão precisa ser abordada pelo filósofo, e ele o faz, segundo suas duas faces, aquela de sua constituição e aquela de sua possibilidade. Não basta que se diga apenas que o pensamento objetivo se constitui quando ―supomos de um só golpe em nossa consciência das coisas aquilo que sabemos estar nas coisas‖1, quando, ao analisar a percepção, transportamos seus objetos coloridos e sonoros para a consciência, é preciso dizer também como essa passagem, da percepção à ―consciência de‖, da ambiguidade ao objeto claro e acabado, é possível. Enfim, é preciso mostrar como a definição de objeto como partes exteriores umas às outras encontra seu solo de nascimento na própria experiência perceptiva. Como essa experiência possibilita dois discursos tão distintos, aquele do pensamento objetivo e aquele da fenomenologia? Seria preciso dizer aqui, é claro, como pode ser que a experiência perceptiva seja o fundamento de todo discurso, de toda expressão2. Esse problema será em parte resolvido ao analisarmos como, no interior da filosofia de Merleau-Ponty, desenvolvem-se os Id., ibid., p. 26. ―A percepção não é uma ciência do mundo, não é nem mesmo um ato, uma tomada de posição deliberada; ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles.‖ (Id., Ibid., p. 6) 2 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 3 temas da constituição do objeto e de sua possibilidade. Detenhamo-nos então no ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 problema da origem1 do objeto, passo que nos levará, mais adiante, à consideração da temporalidade. Referências: MERLEAU-PONTY, Maurice. Phénoménologie de la perception. Paris: Gallimard, 1995 [Fenomenologia da percepção. Trad.: Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1999]. _____. Le primat de la perception. Paris: Verdier,1996 [O primado da percepção e suas conseqüências filosóficas. Trad.: Constança Marcondes César. Campinas: Papiros, 1990]. MOURA, Carlos Alberto Ribeiro de. Racionalidade e crise. São Paulo: Discurso 1 Em uma passagem da PHP, Merleau-Ponty diz que ―é preciso que reencontremos a origem do objeto no próprio coração de nossa experiência (...)‖ (Id., Ibid., p. 109). Daqui nasceu a ideia diretriz destas páginas. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 4 Editorial e Editora UFPR, 2001. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 O SUMO BEM LEIBNIZIANO DE IMMANUEL KANT Rafael da Silva Cortes UFSM/ PPGF, BOLSISTA CAPES. Orientador: Prof. Dr. Hans Christian Klotz. [email protected] Palavras- chave: Sumo Bem, Moralidade, Cânon da Razão pura, Kant, Reino da graça. O conceito kantiano de Sumo Bem, apresentado originalmente no segundo capítulo da Doutrina transcendental do método da Crítica da razão pura (1781), ―O cânone da razão pura‖, tem sido um dos objetos centrais das discussões a respeito da filosofia moral de Kant. Esse conceito tem suscitado inúmeras indagações, sobretudo no que se refere a sua função, composição e importância dentro do sistema crítico. Comentadores autorizados da filosofia kantiana como Lewis W. Beck1 e Frederick C. Beiser2, por exemplo, reservam espaço – mesmo que não exclusivamente – em suas reflexões às questões envolvidas no conceito de Sumo Bem de Kant3. Entretanto, grande parte dos autores não tem dado a devida importância às considerações que Kant tece sobre o Sumo Bem e sua relação com a moralidade no ―O cânone da razão pura‖, mas dedicam-se quase que exclusivamente a segunda parte da Crítica da razão prática (1788). Aliás, poucos autores se referem às afirmações feitas por Kant no contexto desse capítulo da CRP. De modo contrário, pensamos que o conteúdo das palavras de Kant no I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página BECK, Lewis White. A commentary on Kant`s Critique of Practical Reason. Chicago: University of Chicago Press, 1963. 2 BEISER, Frederick C. ―Moral faith and the highest good‖. In: The Cambridge Companion to Kant and Modern Philosophy, edited by Paul Guyer: Cambridge University Press; 2007: pp. 588-629. 3 Allen W. Wood, John Silber, Thomas Auxter, entre outros, também têm se dedicado a analisar o conceito kantiano de Sumo Bem. 1 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Cânone, principalmente em relação ao Sumo Bem, merecem ser analisados tendo em vista seu teor em comparação com o desenvolvimento da filosofia crítica, isto é, a partir da Fundamentação da metafísica dos costumes (1785) e principalmente da CRPr. Nesse sentido, investigaremos a tese que Beiser defende sobre a origem do Sumo Bem kantiano, pois sua proposta contribui relevantemente a discussão sobre esse conceito e o contexto de sua origem, ou seja, em ―O cânone da razão pura‖. No Cânone Kant revela alguns elementos fundamentais de sua filosofia moral tal como ele a concebeu quatro anos antes da FMC. Fato que nos permite dizer que na CRP ele possuía uma espécie de concepção moral ainda em germe, tanto que ali ele formula algumas proposições que demonstram, por assim dizer, certa incerteza quanto à posição e função de cada conceito prático. Dentre suas afirmações que revelam uma, por assim dizer, concepção moral prematura do autor da CRP, algumas são facilmente vistas como opostas a sua filosofia moral defendida na FMC e na CRPr. Nessas passagens do Cânone ele sugere, por exemplo, que devemos admitir a existência de Deus e de uma vida futura como necessários para que a idéia de moralidade tenha efeito no nosso agir. Além disso, Kant afirma que as leis morais somente se impõem como mandamento à razão humana se admitirmos ―certas consequências apropriadas‖ advindas dessas leis, tais como ―promessas e ameaças‖ (B 839). Nessa passagem do Cânone Kant afirma que a existência da lei moral está condicionada a ideia de Deus e de imortalidade da alma e, ainda mais do isso, que a esperança de recompensa ou o medo de punições determinam o caráter imperativo da moralidade. Ou seja, são afirmações notoriamente contraditórias ao conteúdo de sua futura fundamentação moral, em cuja qual a lei da moralidade prova sua autoridade mediante um fato da razão. Esse fragmento do Cânone se refere a um dos componentes centrais – a moralidade – não só da filosofia prática como um todo, mas também ao que Kant conceberá na CRPr como sendo o Sumo compreende o Sumo Bem como sendo a união entre esses dois elementos, tal como I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Nesse contexto, é importante atentar para o fato de que na CRP Kant parece não 2 Bem, isto é, a união entre a moralidade e a felicidade. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ele defenderá na segunda Crítica. Mas no Cânone o autor da Crítica parece definir esse conceito como sendo algo bastante diverso e, em certo sentido, surpreendente. Kant define o Sumo Bem no Cânone da primeira Crítica como sendo ―a ideia de semelhante inteligência, na qual a vontade moralmente mais perfeita, ligada à suprema beatitude, é a causa de toda a felicidade no mundo‖ (B 838). A definição de Sumo Bem aqui parece bastante clara, isto é, significa essa ―inteligência‖ suprema que une a felicidade em proporção à virtude (moralidade) do sujeito agente. Noutras palavras, pode-se dizer que em ―O cânone da razão pura‖ na primeira Crítica Kant concebe o Sumo Bem como sendo Deus. Ante o exposto levantam-se algumas perguntas: 1) porque no Cânone Kant defende algo sobre a fundamentação da moralidade que parece tão contraditório com o que ele expõe na FMC quatro anos mais tarde? 2) porque no Cânone Kant entende o Sumo Bem como sendo Deus se na CRPr ele afirmará que essa compreensão é errônea, apresentando assim, outra caracterização desse conceito? 3) porque o fim último da razão pura (Sumo Bem) possui um elemento empírico em sua composição, qual seja, a felicidade? Dentre todas essas questões que se levantam a partir das afirmações de Kant no Cânone, neste ensaio nos restringiremos a analisar a segunda delas. Segundo Frederick Beiser o conceito de Sumo Bem que os filósofos modernos tinham em mente era o conceito de Cidade de Deus de Santo Agostinho, embora com uma nova roupagem (BEISER, 2007, p. 594). Por conseguinte, Kant, de acordo com Beiser, serviu-se desse conceito de Sumo Bem influenciado não apenas por Santo Agostinho, mas também por Leibniz, como, aliás, o próprio autor da Crítica denota numa passagem do Cânone. Nela Kant se refere com todas as letras a Leibniz afirmando que, assim como o reino da graça leibniziano, o qual está sob o governo do Sumo Bem, devemos, portanto nos considerar – enquanto submetidos I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página governado pelo Sumo Bem (B 840). 3 às leis morais – como participantes de um reino de mesma espécie, ou seja, ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Assim, Beiser parece sugerir uma resposta plausível a nossa segunda pergunta mencionada anteriormente, a qual se configurará como o objeto central deste ensaio. De toda maneira, mesmo parecendo uma resposta plausível, torna-se importante investigar o contexto de ―O cânone da razão pura‖ da CRP para saber se a tese de Beiser, de fato, responde nossa pergunta e, ainda, se sua resposta se aplica a todas as apresentações que Kant faz ao longo de sua filosofia prática propriamente dita de seu conceito de Sumo Bem. Esse último aspecto merece nossa atenção, pois pelo que denota em seu artigo, Beiser não atenta para o fato de que Kant parece compreender o conceito de Sumo Bem sob diferentes perspectivas durante o desenvolvimento de sua filosofia crítica. Isso quer dizer que, se a tese de Beiser acerca da influencia de Leibniz na construção do Sumo Bem kantiano está correta, devemos analisar se ela se aplica a todas as diferentes abordagens que Kant faz desse conceito ao longo de sua filosofia prática. Noutras palavras, é preciso investigar se a tese de Beiser não se aplica única e exclusivamente ao Sumo Bem kantiano da Crítica da razão pura. Bibliografia BECK, Lewis White. A commentary on Kant`s Critique of Practical Reason. Chicago: University Of Chicago Press, 1963. BEISER, Frederick C. ―Moral faith and the highest good‖. In: The Cambridge Companion to Kant and Modern Philosophy, edited by Paul Guyer: Cambridge University Press (Cambridge Collections Online), 2007. pp. 588-629 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. _____. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: 2002. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página _____. Crítica da razão prática. Trad. de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 4 Edições 70, 2005. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 CARÁTER, DETERMINISMO E LIBERDADE EM KANT E SCHOPENHAUER Vilmar Debona Professor da PUCPR Doutorando em Filosofia pela USP Palavras-chave: Determinismo, Liberdade, Caráter, Kant, Schopenhauer A presente comunicação pretende expor parte de um projeto de pesquisa de Doutorado que está sendo desenvolvido junto à Universidade de São Paulo. O objetivo central do trabalho consiste em analisar o contexto da gestação do conceito de ―caráter‖ em Kant, paralelamente à problemática da liberdade [transcendental], na terceira antinomia. A partir disso, estudamos as noções de caráter em Schopenhauer e pretendemos defender que a terceira forma desse conceito, o que Schopenhauer denomina caráter adquirido, pode oferecer uma resposta às discussões sobre a liberdade em ambos os pensadores. Uma das preocupações de Schopenhauer, enquanto crítico de Kant, é aquela a respeito da problemática oferecida pela terceira antinomia da razão pura, cujo objeto é a liberdade. A tese deste ―fenômeno novo da razão‖, a partir do qual a razão mesma teria de ser julgada, anuncia que ―a causalidade segundo leis da natureza não é a única de onde podem ser derivados os fenômenos do mundo no seu conjunto. Há ainda uma causalidade pela liberdade que é necessário admitir para os explicar‖ (CRPu, A 444/ B 472). Já a antítese de tal fenômeno diz que ―não há liberdade alguma, mas tudo no mundo acontece unicamente em virtude das leis da natureza‖ (CRPu, A 445/ B 473). Sabemos que Kant lida com esse impasse da razão a partir da consideração Esse conflito da razão não seria um conflito de tipo lógico, já que um interesse lógico 1 seria um interesse apenas da razão teórica, e esta não teria o aparato conceitual Página de que a sua ―solução‖ só poderia ser posta dentro do Idealismo Transcendental. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 suficiente para resolvê-lo. Seria a razão prática que teria um interesse na antinomia, e o motivo pelo qual Kant colocou tese e antítese lado a lado, sem se autoexcluírem, tinha por propósito defender que haveria uma causalidade na natureza, mas que também haveria uma outra causalidade mediante liberdade. Assim, a chamada liberdade causal das ações humanas poderia ser encontrada apenas no mundo inteligível, uma esfera desprovida de espaço e tempo. Desse modo, segundo Kant, a liberdade consistiria na aplicação de uma causa inteligível, independente de causas naturais, tendo seu fundamento apenas nos pressupostos da razão prática. Com isso, estaria salvaguardada a liberdade de ação e de escolha do ser humano em um mundo fenomênico regido por leis naturais causais. Sabemos também que o chamado caráter empírico, tanto em Kant quanto em Schopenhauer, estando submetido à lei das motivações e da necessidade, expressa o caráter inteligível, que por sua vez é livre. Ora, se a inteligibilidade do caráter, para os dois filósofos, é imutável; e se, no caso de Kant, o caráter empírico apenas segue tal natureza inteligível, podemos afirmar que apesar da decorrente determinação no âmbito da prática, é a distinção das esferas numênica e fenomênica que salva a liberdade de ação e de escolhas do homem no universo das leis naturais. Entretanto, no caso de Schopenhauer, tendo em vista sua crítica à ―solução‖ kantiana, o que se teria como resposta? Em primeira instância é possível afirmarmos que não existe liberdade empírica em Schopenhauer. A questão das motivações, somadas à natureza dos caracteres, revela o que cada indivíduo é em sua determinação natural. E nem a compaixão, embora surja espontaneamente, pode ser um ato propriamente livre, pois é também submetida à lei da motivação. A liberdade só se apresentaria no fenômeno mediante o ato de negação da vontade, único caso em que caráter empírico e caráter inteligível coincidiriam. Mas, segundo Schopenhauer, a vontade é, para cada homem, algo dado, do qual não se pode fugir. Eis aí o determinismo em próprio indivíduo é como quer e quer como é. Diante da diversidade de caracteres, I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página esse, as ações seguem sempre a essência. Conforme afirma Schopenhauer, o 2 sua mais pura forma, que tem seu mote na expressão escolástica operari sequitur ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 cada ação humana é necessariamente um produto de certo caráter e dos motivos que se lhe apresentam. Percebemos, pois, como o pensador descarta o livre-arbítrio e não vê a liberdade nas ações individuais. Ao contrário, só é possível notar a liberdade quando se admite que ela está no ser (esse) e não na ação individual (operari). Com isso, tal como fez Kant, embora por caminhos diversos, Schopenhauer não suprime a liberdade, mas desloca-a para o plano transcendental. No entanto, encontraremos algo a mais como ―resposta‖ para os impasses entre liberdade e determinismo se considerarmos, acima de tudo, o que oferecem os Parerga e Paralipomena, notadamente os Aforismos para a sabedoria de vida. Nesses escritos o pensador utiliza-se do conceito de caráter e de sabedoria de vida a fim de oferecer algo plausível a uma amenização do determinismo sem que seja a proposta da negação da vontade. Trata-se justamente daquilo que ainda é possível ser feito a partir do conhecimento do caráter de cada indivíduo ao longo da vida. Após tratar das duas formas de caráter (inteligível e empírico) tal como assimiladas do pensamento kantiano, Schopenhauer, num primeiro momento em sua obra magna, afirma haver ainda uma terceira espécie desse conceito, o que possibilitaria uma alternativa para a constatação de ―um resto de liberdade‖ no mundo empírico; um caráter (re)conhecido apenas com os anos de vida; o que consiste, em verdade, num conhecimento aprofundado do caráter empírico de cada indivíduo, a saber, o caráter adquirido.Tratar-se-ia daquilo que ainda se pode fazer para a verificação da possibilidade de algum tipo de liberdade sem ser a recorrência ao plano transcendental, como havia feito Kant, ou então sem ser a hipótese da negação da vontade, elaborada pelo próprio Schopenhauer. Ele seria o meio-termo entre liberdade e necessidade porque faria a mediação entre o caráter inteligível e o caráter empírico. Poderíamos afirmar, então, que mesmo não se podendo eliminar o determinismo e a necessidade concernentes à metafísica schopenhaueriana, ainda caráter e de liberdade da filosofia kantiana. Desse modo, sem ser a negação I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página adquirido. E as bases desse raciocínio encontram-se na formulação das noções de 3 haveria ―resquícios‖ de liberdade no mundo empírico mediante o conceito de caráter ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 metafísica da vontade que garante uma espécie de liberdade, semelhante àquela liberdade transcendental kantiana, haveria ainda, estritamente no plano empírico, uma indicação schopenhaueriana que encurtaria a distância entre liberdade e necessidade. Bibliografia SCHOPENHAUER, A. Die Welt als Wille und Vorstellung. München: bei Georg Muller, 1912. _______. O mundo como vontade e como representação. Trad. J. Barboza. São Paulo: Unesp, 2005. _______. Aforismos para a sabedoria de vida. Trad. J. Barboza. São Paulo: Martins Fontes, 2002. (Coleção Clássicos). _______. Crítica da razão pura. Trad. De Valério Rohden e Udo Moosburger. 2ª Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. _______. Crítica da razão prática. Trad. P. Quintela. Lisboa: Edições 70, 1989. _______. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. P. Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980 (Os Pensadores). BARBOZA, J. Mau radical e terapia em Schopenhauer. In: Daniel Omar Perez (Org.) Filósofos e terapeutas: em torno da questão da cura. São Paulo: Escuta, p. 77-96, 2007. Página 4 CACCIOLA, M. L. O. Schopenhauer e a questão do dogmatismo. São Paulo: Edusp, 1994. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A GLOBALIZAÇÃO COMO IDEOLOGIA Prof. Ms. Guilherme Benette Jeronymo UNICENTRO [email protected] Palavras-chave: Globalização; Neoliberalismo; Ideologia; Estado; Poder. A importância que o constitucionalismo, a partir da Revolução Francesa em 1789, trouxe para as sociedades modernas e contemporâneas, no que diz respeito ao desenvolvimento (consolidação) do Estado e do Direito, fez deste movimento um marco histórico fundamental para o estudo da questão ideológica presente nas relações de poder que influenciaram profundamente a estrutura e organização da sociedade mundial hodierna. A idéia central dos movimentos constitucionalista francês e americano, ocorridos quase que simultaneamente, era a de declarar direitos universais e inatos aos homens e consolidá-los através de um instrumento jurídico que limitasse sua violação principalmente pelo Estado e pudesse ao mesmo tempo legitimar o seu exercício. No entanto, o objetivo principal das Declarações Francesa e Americana não era beneficiar a sociedade como um todo, apesar de ser essa a idéia que se pretendia inculcar no povo, e sim, a preservação e proteção dos direitos eminentemente burgueses que no regime anterior não possuíam a garantia de pleno exercício (Vieira, 1999). cultural, jurídica e econômica dos Estados modernos e contemporâneos. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página importante na construção ideológica determinante para a estrutura social, política, 1 Desse modo, a Revolução Francesa caracteriza-se como um marco histórico ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Visando garantir a efetiva realização de certos valores, a ideologia age como uma força configurativa de condutas e ideias que se procedem para obtenção de determinados resultados. Antonio Carlos Wolkmer (2000) define ideologia como um conjunto de ideias, valores, maneiras de sentir e de pensar que atuam inclusive para justificar o exercício do poder, explicar os acontecimentos e as relações entre as ações políticas e outros tipos de ação. Luiz Fernando Coelho (2003) explica que o conceito contemporâneo de ideologia provém do marxismo e que segundo Marx consiste num sentido de pensar invertido, que coloca como origem ou causa aquilo que é efeito ou conseqüência e vice versa. Marilena Chauí (2000) explica que o senso comum que se forma na sociedade sobre as explicações e justificações da realidade é o resultado de uma elaboração intelectual feita por pensadores, filósofos, professores, jornalistas, políticos etc., que descrevem e explicam o mundo a partir do ponto de vista da classe a que pertencem, ou seja, a classe dominante. Essa elaboração torna-se o ponto de vista de todas as classes e de toda a sociedade. A razão disso é simplesmente a manutenção do status quo, pois a materialização da ideologia da classe dominante permite a preservação de uma falsa consciência, que não pode deixar de existir, sobre a realidade, sob pena de perder-se o controle sobre o poder de dominação (Idem). Diante dessa perspectiva, faz-se importante analisar o conteúdo ideológico que envolve o processo da globalização, visto que, suas consequências geraram transformações consideráveis na estrutura social, política, econômica e cultural dos Estados contemporâneos. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página objetivos, ou seja, universalizar os meios de produção, o fluxo de capitais e o 2 Através do modelo econômico neoliberal, a globalização consolidou seus principais ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 mercado de consumo. Para tanto, foi necessária uma reestruturação das políticas econômicas mundiais e dos Estados que possibilitasse a consolidação desse ideal. As principais medidas adotadas pelos Estados para a adequação ao modelo que se consolidava foram entre outras, a abertura ao mercado internacional, a redução do Estado, o incentivo à competitividade e as privatizações. Os atores mais aparentes da globalização são os grandes grupos econômicos transnacionais que com a liberalização crescente dos mercados de bens, serviços e capitais utilizam-se de tecnologias de ponta, em modelos informatizados de gestão, no acesso fácil aos mercados financeiros e de capitais, no apelo de marcas e nomes de prestígio, sustentadas por mídias igualmente globalizadas. Porém, o agente mais audaz da globalização é o capital financeiro, que anônimo se desloca pelo mundo, movido em busca incessante de maiores lucros. A instantânea fluidez e o desimpedido movimento são vitais a sua existência e multiplicação. Por isso, em seu anseio especulativo, rejeita regras, ignora fronteiras, defende com unhas e dentes a liberdade de circulação, volatiliza-se quando pressente riscos maiores e desloca-se rapidamente para onde vislumbra melhores oportunidades de lucro. Assim, a redução e o enfraquecimento do Estado fortalecem e promovem o ideário liberal, convertendo o liberalismo em poderosa ideologia, ainda difusa, mas de grande força impositiva (ECO, 1997). A ideologia globalizante manipula as decisões adotadas pelos Estados subordinando-os a um mercado invisível, ilegítimo, sem controle judicial ou político (Sader, 1999) e em detrimento da representatividade democrática e das necessidades sociais. Todo esse quadro caracteriza-se, na expressão de Plauto Faraco de Azevedo, o Página imagem mental e sua realidade efetiva, induzindo ao erro de avaliação e tratamento 3 caráter ideológico do neoliberalismo, responsável pela ―desconformidade entre sua I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 desta.‖(1999; 103). Isso também revela a dimensão totalitária da globalização, que se apresenta como uma opção contra a qual não adianta resistir. Por fim, a insistência na preservação e realização de direitos sociais constitui um significativo espaço de resistência à escalada globalizante, assinalando-se a importância de se ampliar os horizontes para as utopias (Mannheim, 1976) e acreditar que nada é definitivo ou irrealizável. Cabe ao homem portanto, o papel de construção de uma sociedade independente, baseada em uma visão crítica e fundada no ideal humanista e libertador das dominações, deixando-se de silenciar aos discursos e pensamentos ideológicos individualistas e assecuratórios das desigualdades sociais. Referências: AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, justiça social e neoliberalismo. São Paulo: RT, 1999. CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 2000. ______. O que é ideologia. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2001. COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. ECO, Umberto. A estrutura ausente. 7. ed. Trad. P. de Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 1997. MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. SADER, Emir. Estado e democracia: os dilemas do socialismo na virada do século. Página democracia? Petrópolis: Vozes, 1999. 4 In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo. Pós-Neoliberalismo II: que estado para que I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 VIEIRA, Oscar Vilhena. Realinhamento constitucional. In: SUNDFELD, Carlos Ari; VIEIRA, Oscar Vilhena. Direito global. São Paulo: Max Limonade, 1999. Página 5 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, estado e direito. São Paulo: RT, 2000. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A CARACTERIZAÇÃO DOS „SONHOS DE UM VISIONÁRIO‟ COMO UM ESCRITO DE CUNHO CRÍTICO Marcio Tadeu Girotti Universidade Estadual Paulista Orientador: Prof. Dr. Lúcio Lourenço Prado [email protected] Palavras-chave: Kant, Pré-crítico, Dogmatismo, Criticismo, Virada crítica. A pesquisa busca elucidar a caracterização da obra Sonhos de um visionário explicados por sonhas da metafísica (1766) de Immanuel Kant como um escrito que pode ser caracterizado, em alguns aspectos, como um escrito de cunho crítico dentro da caracterização do período pré-crítico da filosofia kantiana. Para apontar os Sonhos de um visionário como um escrito de cunho crítico e talvez como um escrito de virada crítica, deve-se ter como base três pontos básicos, a saber: a consciência da existência de dois mundos sensível e supra-sensível; os limites da razão e a caracterização do espaço e tempo como meios para se abarcar aquilo que é possível conhecer; esses três pontos desembocam na obra ―Acerca da forma e dos princípios do mundo sensível e inteligível‖ (Dissertação de 1770) e também na Crítica da razão pura (1781). Tendo isso em mente pode-se retomar o escrito de 1766, e perceber quais os temas ali tratados e remetê-los aos temas que serão abordados nas duas obras posteriores. Já é sabido que a distinção entre mundo sensível e mundo inteligível é a base da argumentação da Dissertação de 1770, além de espaço e tempo serem caracterizados como formas puras da intuição argumentação acerca do espaço e tempo, bem como a existência de dois mundos distintos, considerando a abordagem da obra como contendo elementos de cunho I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página se que os Sonhos de um visionário é um escrito que poderia adiantar a 1 sensível do mesmo modo como encontramos na Crítica. Nesse sentido, pressupõe- ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 crítico (limites do conhecimento, espaço e tempo como formas da sensibilidade). Para não perder o fio condutor, é possível retomar o ponto chave do escrito de 1766 em relação à caracterização espaço-temporal. Lá, os visionários abarcavam seus objetos que transcendiam o mundo sensível por meio do espaço e tempo, uma vez que toda a descrição deles era possível colocando-os dentro das características espaço-temporal. Além disso, os visionários caíam em confusão ao utilizar espaço e tempo para abarcar coisas do mundo suprassensível, uma vez que estes são instrumentos da intuição sensível. Assim, parece que é em 1766 que Kant se dá conta de que espaço e tempo são responsáveis por aquilo que se pode conhecer, além de perceber que é o sujeito que possui as formas espaço-temporal. Com efeito, a obra Sonhos de um visionário possivelmente pode ser caracterizada como um escrito que se encaixa no contexto crítico se considerarmos o tema que concerne ao espaço e tempo e a distinção dos dois mundos; além dos limites da razão que configura de vez a obra com a possibilidade de ser caracterizada como o marco da virada crítica (se ela for considerada no contexto da idealidade do espaço e tempo e os limites do conhecimento). Nesse sentido, só há uma coisa a dizer acerca dos limites do conhecimento humano com relação ao escrito de 1766 desembocando na Crítica de 1781: tudo aquilo que se quer conhecer está no campo sensível – na experiência – e isso já foi apontado, por Kant, na obra de 1763 intitulada ―Único argumento possível de uma demonstração da existência de Deus‖ (Beweisgrund) e agora nos Sonhos, pois, quimeras são fantasias que transpostas para o campo sensível não passam de ilusões. Ou seja, se não está no espaço e no tempo e muito menos visível por todos não é possível de ser conhecido, e se alguém afirmar que vê e acredita ser verdadeiro é porque, segundo o próprio Kant, está comedido por alguma doença mental. Em outras palavras, é um louco. Considerando a obra de 1766 como um escrito de caráter crítico, a primeira pergunta que deve-se fazer é: um lado, tem-se que a filosofia de Kant torna-se crítica a partir do momento em que I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página hipóteses que dizem respeito à virada crítica ou mesmo revolução copernicana. Por 2 em que sentido? Vários interpretes da filosofia kantiana apontam para diversas ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ele se dá conta de que espaço e tempo são ideais e subjetivos, e fazem parte da estrutura cognitiva do sujeito. Nesse ponto, o sujeito passa a ser o ―sujeito do conhecimento‖, aquele que conhece o mundo fenomênico, o mundo das suas representações. Aqui, a Dissertação de 1770 pode ser o marco da virada crítica, junto com a divisão do mundo em sensível e inteligível, caracterizando os limites para o conhecimento humano (pode-se incluir aqui a ―grande luz de 69‖). Por outro lado, a virada pode ser caracterizada com o contexto da ―Dedução Transcendental das categorias do entendimento‖, tal qual abordada na Crítica da razão pura; porém, essa preocupação em compreender como os objetos poderiam se conformar às representações do sujeito já está presente, em algum sentido, na Carta a Marcus Herz de 1772. Além disso, há interpretes, como Franco Lombardi (1946, p. 201), que acredita na possibilidade do Beweisgrund (1763) ser uma obra de cunho crítico, pois seria ali, segundo o autor, que Kant poderia ter começado a perceber a importância da experiência (como campo sensível) para a existência de seres reais, caracterizando a existência como ‗posição absoluta‘ e como predicado não real, mas verbal; além da experiência ser o próprio limite para conhecer aquilo que é possível de ser conhecido: aquilo que aparece. Outra obra de 1763, o ―Ensaio para introduzir a noção de grandezas negativas em filosofia‖, adiantaria, segundo Mariano Campo (1953, p. 386), o problema dos juízos sintéticos a priori, um dos problemas centrais da Crítica, uma vez que a oposição real reúne coisas que se opõem sem contradição e se desenrolam na ordem fenomenal (campo sensível). Agora, entre as mais variadas interpretações, está a possibilidade de configurar os Sonhos de um visionário como escrito de cunho crítico, ou mesmo um escrito que fecha o período pré-crítico da filosofia kantiana. Nessa linha seguem alguns interpretes: A. Philonenko (1983, p. 50), Roberto Torretti (1980, p. 40), Jaume Pons (1982, p. 44), David-Ménard (1996, p. 98), Daniel Omar Perez (1998 / 2008), entre outros. Diante filosofia, o marco do criticismo kantiano) estendendo essa aproximação à ‗Dialética I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página de 1766 do contexto da Dissertação de 1770 (que é considera, segundo a história da 3 dessa possibilidade, parece relevante uma pesquisa que busque aproximar a obra ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Transcendental‘ da Crítica. A base para a investigação está no conteúdo da década de 1760 que desemboca nos Sonhos, juntamente com o tema dos limites do conhecimento humano, o qual desemboca na quinta parte da Dissertação de 1770 e na ‗Dialética Transcendental‘ da Crítica. Outro ponto que serve como base é a própria caracterização da estrutura espaço-temporal como meio para conhecer os objetos sensíveis. Tal tema foi abordado ao longo da modernidade pré-crítica, o qual ganhou uma melhor formulação nos Sonhos, com o auxílio do papel da experiência já esboçado no Beweisgrund e no Ensaio das ―Grandezas Negativas‖. Isso tudo acaba desembocando em 1770 e 1781. Assim, os Sonhos parecem fechar o período pré-crítico, colocando a Dissertação de 1770 como uma obra de passagem entre um período e outro (esse argumento é reforçado com a posição de Torretti (1980, p. 40) a essa mesma caracterização). Do mesmo modo, tomando os Sonhos como ponto central da investigação; auxiliados com o contexto dos escritos de 1760; considerando o conteúdo da Crítica e tendo a Dissertação de 1770 marcando a passagem entre os Sonhos e a Crítica, a investigação ganha uma base sólida que permite a interpretação da obra de 1766 como um possível escrito que guarda um conteúdo crítico. Referências CAMPO, M. La genesi del criticismo kantiano. Varese: Editrice Magenta, 1953. DAVID-MÉNARD, M. A loucura na razão pura: Kant leitor de Swedenborg. Rio de Janeiro: Editora 34, 1996. KANT, I. L‟unique fondement possible d‟une démonstration de l‟existencec de dieu. Paris: Vrin, 1973. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Pensadores, Kant I). 4 ______. Crítica da razão pura. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ______. Acerca da forma e dos princípios do mundo sensível e inteligível. In: SANTOS, L. R. dos.; MARQUES, A. Dissertação de 1770 seguida de Carta a Marcus Herz. 2. ed. Lisboa: Casa da Moeda, 2004. p. 23-105 ______. Ensaio para introduzir a noção de grandezas negativas em filosofia. In: ______. Escritos pré-críticos. São Paulo: Ed. Unesp, 2005. p. 51-100. ______. Sonhos de um visionário explicados por sonhos da metafísica. In: ______. Escritos pré-críticos. São Paulo: Ed. Unesp, 2005. p. 141-218. LOMBARDI, F. La filosofia crítica: la formazione del problema kantiano. Tumminelli: Libreria dell‘Universita‘ di Roma, 1946. V. 1. PEREZ, D. O. Kant pré-crítico: a desventura filosófica da pergunta. Cascavel: Edunioeste, 1998. ______. Kant e o problema da significação. Curitiba: Champagnat, 2008. PHILONENKO, A. L‟oeuvre de Kant. 3. ed. Paris: Vrin, 1983. T. 1. PONS, J. C. Kant : assaig per introuir en filosofia el concepte de magnitud negativa i Somnis d‘un visionari explicats per somnis de la metafísica (comentari). Enrahonar, Barcelona, n. 4, p. 37-45, 1982. TORRETTI, R. Manuel Kant : estudo sobre los fundamentos de la filosofia crítica. 2. Página 5 ed. Buenos Aires: Editorial Charcas, 1980. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 DESMISTIFICANDO A TECNOLATRIA – A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE DE HANS JONAS Vitor Ogiboski Universidade Estadual do Centro-Oeste Prof. Dr. Elias Dallabrida [email protected] Palavras-chave: ciência; tecnologia; capitalismo; natureza; ética. O modo de produção hoje dominante, o capitalismo, é fruto da união tecnocientífica. Na gênese de todo esse processo, situa-se a Revolução Industrial e o Iluminismo, que começaram a impor sua lógica instrumental, prometendo organizar as funções sociais, fortalecendo as classes de modo linear. A partir daí, a ideia de que somente a união da ciência com a tecnologia poderia ser a única ferramenta capaz de promover o desenvolvimento social, começou a ser formatada. Porém, hoje podemos concluir que tal ideal não foi capaz de produzir os efeitos esperados e, em muitos casos, acabou até mesmo causando efeitos contrários. Apesar de termos avançado muito na questão tecnocientífica, retrocedemos no que diz respeito à democratização dessas descobertas. Por conta disso, estamos imersos a uma lógica irracional de mercado, que impõe como única possibilidade de sobrevivência a contínua rotina da produção/consumo. Tudo isso, aliado ao crescente contingente populacional, também tem causado intervenções preocupantes na natureza, pois esse modelo de consumo não leva em conta que nossos recursos naturais são finitos. Por isso, busquei apresentar como suporte para esses conflitos, a abordagem da Ética da Responsabilidade, de Hans Jonas, que demonstra que todo o desenvolvimento tecnológico se mostrou democraticamente nulo, já que I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página perigosas, podendo até mesmo cessar a vida na terra. Diante disso, constatamos 1 sabiamente que as ações humanas tecnologicamente potencializadas são ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 não conseguiu abarcar a totalidade populacional. Se no inicio do desenvolvimento da ciência experimental e do surgimento de aparatos tecnológicos, pensava-se que seria possível desenvolver também uma sociedade menos conflituosa, agora se conclui que talvez essa força tenha se desvirtuado para o contrário do que se esperava dela. A exclusão social torna-se também a exclusão tecnológica, os detentores do poder são os detentores da tecnologia, seja ela de produção de bens de consumo ou de informações. Nessas condições, os problemas também ganham proporções extra-humanas, já que a busca desenfreada pela produção e pelo consumo, aliada ao crescimento do contingente populacional (segundo dados divulgados pela ONU, em 2025 a terra terá entre 7,3 e 10,7 bilhões de habitantes), tem causado destruições irreversíveis na natureza. ―Evidentemente, num mundo de recursos finitos, nenhuma sociedade se sustenta a longo prazo sem enfrentar as dificuldades daí decorrentes‖ (MÉSZÁROS, 2004; 47). O estilo de vida adotado por países do primeiro mundo, e copiado por alguns do terceiro, mostra-se completamente incompatível com os recursos finitos da natureza, que através de tufões, furacões, ciclones, enchentes e terremotos, responde a todas as intervenções mal feitas pelo homem. As alterações feitas pelo homem comprometem principalmente o bem estar das futuras gerações, que muito provavelmente terão que viver com dificuldades, devido ao mal uso que fazemos dos nossos recursos naturais. Hans Jonas, filósofo alemão, dedicou-se ao estudo de uma nova abordagem ética que fosse capaz de garantir vida plena para aqueles que ainda estão por vir. Em sua obra, O Principio da Responsabilidade – Ensaio para uma Ética para a Civilização Tecnológica, o filósofo constitui uma nova abordagem sobre os problemas da modernidade. Para Jonas, é inconcebível que as ações humanas, tecnologicamente potencializadas possam cessar a existência da humanidade na terra. Para ele, a felicidade da geração os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida autêntica I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página gerações. Essas ideias estão impressas em seu imperativo: Age de tal maneira que 2 presente não justifica a infelicidade ou até mesmo a inexistência de futuras ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 na terra. (JONAS, 2006; 47). A autenticidade de uma vida futura engloba o homem, os seres naturais e, principalmente, as gerações que estão por vir. O imperativo de Jonas determina que o agir humano coletivo tem a obrigação de proteger aquilo que ainda não é, ou aquilo que está por vir. Justamente pelo fato de ainda não ser, as gerações futuras não podem sustentar defesa alguma de seus direitos de sobrevivência. Referências: JONAS, Hans. O princípio da responsabilidade. Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Trad. Marijane Lisboa, Luis Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. Página 3 MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A FORMAÇÃO POLÍTICA EM ROUSSEAU Darlan Faccin Weide [email protected] Departamento de Filosofia Universidade Estadual do Centro-Oeste No século das luzes (séc. XVIII), em meio às disputas racionalistas e empiristas, preconizava-se a difusão do saber como a forma mais eficaz para combater à ignorância e às superstições, rodeado de postulados científicos dos enciclopedistas, destaca-se a figura de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Foi no campo da política e da educação que o pensamento e Rousseau teve repercussões amplas e profundas. Para ele, a desigualdade entre os homens surgiu com a propriedade, que gerou também o Estado despótico. Contraposto a este, o Estado ideal seria resultante de um acordo entre os indivíduos, que cederiam alguns de seus direitos para se tornarem cidadãos. A base desse acordo seria a vontade geral, identificada com a coletividade e, portanto, soberana. A pesquisa, bibliográfica, teve como objetivo investigar as relações entre política e educação em Rousseau, buscando compreender a relação entre "Emílio" (1759 e 1760-1762) e "Do contrato social" (1762), para a boa vivência da democracia. ―O homem nasce livre e por toda a parte ele está agrilhado‖, ―Tudo está bem ao sair das mãos do autor das coisas; tudo degenera entre as mãos do homem‖ (ROUSSEAU,1996, p.09), nessas frases Rousseau sintetiza a idéia central do seu pensamento: a natureza, criada por Deus, é a expressão da felicidade, igualdade, bondade e verdade, já a civilização, criada pelos homens há expressão da infelicidade, desigualdades, injustiças, artifícios e fundado no reconhecimento da igualdade dos direitos naturais dos homens. Entre as principais obras de Rousseau tem-se: "Discurso sobre as ciências e as artes" I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página estabelecidas entre os homens, sustentando a necessidade de um retorno à natureza, 1 falsidades. Ele denuncia os crimes da civilização e as injustiças que foram sendo ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 (1749), "Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens" (1755), "Emílio" (1759 e 1760-1762), "Do contrato social" (1762), "As cartas escritas da montanha" (1764-1765), "As confissões" (1764-1770), etc. Morre em 2 de julho de 1778. Pouco depois de sua morte, sua obra, sobretudo o "Do contrato social", tornou-se a bíblia dos Jacobinos e serviu de inspiração para a "Declaração dos direitos do homem" [...], onde se transcreve quase que literalmente, alguns de seus argumentos e se aproveita o conceito de vontade geral. Nas obras ―Discurso sobre a origem e os fundamentos da Desigualdade entre os homens‖ e ―Do contrato Social‖ evidenciam-se que para Rousseau a desigualdade entre os homens surge na passagem do estado natural para o estado social. Ou seja, no estado natural o homem visava somente sua sobrevivência e cultivava um sentimento de solidariedade com seus semelhantes devido à necessidade de superação das intempéries do cotidiano. Já, no momento que homem passa a desenvolver suas técnicas e aprimoramentos na caça, dispondo de mais tempo e confortabilidade passa a emitir juízo comparativo sobre a capacidade aprimorada de cada um. Quer saber quem é o melhor caçador, o mais forte, o mais ágil, o mais hábil, o mais bonito, etc. Os homens agrupados sem um líder tendo como juiz sua própria consciência geraram um estado de conflito. Tal situação foi contornada através de um contrato social, nele os homens renunciavam a sua liberdade natural a favor da comunidade. O pacto social, além de ser a manifestação do poder consentida pela vontade geral, gera um corpo moral e coletivo, em que seus membros envolvem-se livremente com o consentimento dos demais. Rousseau mostra que a desigualdade entre os homens tem como fundamento a degeneração provocada pelo distanciamento que o homem civilizado está do homem natural. Como a evolução social faz parte da natureza humana pela perfectibilidade do homem, sugere um pacto entre os cidadãos para uma vivência harmoniosa baseada na liberdade. No estado de natureza, o homem é guiado e pode confiar nos instintos (os desejos não vão mais contar com os instintos: tem que apelar para o entendimento, para a razão. A moral e a lei cumprem o papel, no mundo social, que os instintos desempenham na vida natural. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página imediatamente e não há razões para não serem obedecidos. O homem civilizado não pode 2 além das necessidades físicas), porque como emanam do coração podem ser identificados ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Dessa forma, Rousseau entende o desenvolvimento histórico da humanidade como seguindo três tempos: 1) o estado de natureza; 2) a sociedade civil e; 3) a república. Natureza e sociedade civil são duas realidades opostas, sendo possível a superação dessa contradição através de duas vias trilhadas em conjunto: a política e a educação. Como diz Michel Launay, Rousseau sabe que é uma ilusão querer ensinar livremente um homem livre, numa sociedade em que prevalece a desigualdade, e que é uma ilusão esperar transformar a sociedade, se não se dispõe de homens livres, prontos a se sacrificar por esta liberdade, pela igualdade de todos perante a lei; é preciso então fazer as duas coisas ao mesmo tempo. (apud CERIZARA, 1990, p. 26.) Por isso, Rousseau teria escrito "Emílio" e "Do Contrato Social" concomitantes. No "Do Contrato Social", Rousseau define a possibilidade de resgatar a igualdade e a liberdade do homem através de um contrato social que institua a vontade geral como o poder soberano. A vontade geral é um poder moral e uma legislação derivada da igualdade entre os homens que buscam sempre o bem comum. O que somente poderá ser alcançado através da educação dos seus cidadãos para uma boa convivência coletiva, elemento essencial para que o povo, sendo sujeito-autor das leis, possa garantir sua execução, bem como, o exercício da democracia. Dessa forma, revela-se uma íntima relação entre política e educação. Principalmente quando Rousseau enfatiza que para sua pólis não é importante homens sábios, mas, sim, homens bons. O Estado só conseguirá atingir tal meta se envolver na educação a dimensão política de suas intenções. Não é suficiente dizer aos cidadãos - sede bons: é preciso ensiná-los a ser. O próprio exemplo que a esse respeito constitui a primeira lição, não representa o único meio a empregar-se; o amor à pátria constitui o meio mais eficaz, pois como já disse, todo o homem é virtuoso quando sua Rousseau busca a formulação de um processo educativo que garanta ao homem I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página (ROUSSEAU, 1995, p. 52). 3 vontade particular em tudo se encontra de acordo com a vontade geral ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 melhores condições de atuar em sociedade e para tal busca entender uma questão filosófica de fundo: O homem é bom por natureza! A bondade é a condição original; a maldade é adquirida. Desse modo, "antes de ser um tratado pedagógico, o Emílio é um estudo filosófico sobre a bondade natural do homem.‖ (CERIZARA, 1990, p. 26). Nele, têm-se os princípios de uma educação que prima pelo livre desenvolvimento do indivíduo, que busca aperfeiçoar as suas potencialidades a fim de formá-lo para o exercício da liberdade e da autonomia, elementos que proporcionarão uma atuação efetiva no que se refere à organização política da sociedade. Rousseau no Emílio mostra a seqüência, de acordo com princípios naturais, que se deve obedecer para formar a pessoa moralmente autônoma. Se esse modelo fosse seguido e se tornasse universal, surgiria um mundo novo sem corrupção. A tarefa primordial da educação é impedir que a corrupção aconteça, preservando a infância das influências do mundo adulto. Neste particular, tem-se uma "revolução copernicana da educação". Até Rousseau, a teoria e a prática educacionais sempre foram concebidas a partir da ótica do adulto (da experiência cultural, da tradição); Rousseau inverte a perspectiva. Disso deriva o legado rousseauniano à pedagogia moderna: o robustecimento dos sentidos, o ensino prático, o trabalho manual, o estímulo da intuição, a experiência direta da criança com a vida, etc. Rousseau propõe uma educação não preocupada apenas em desenvolver o aspecto individual, mas, sobretudo, o aspecto coletivo, uma vez que o homem deve ser educado para agir em meio à sociedade, aprendendo a conviver com os demais e a priorizar o interesse comum frente aos interesses particulares. O processo educativo deve equilibrar as tensões entre a natureza e a sociedade, posto que Rousseau formula uma educação que insere o homem no mundo da cultura, permitindo que o mesmo siga as orientações estabelecidas pela natureza. O paradoxo da educação de Rousseau buscou a compreensão dos fatores que se interpõem entre o indivíduo e a sua I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página interpretação que visualiza uma educação política. (BRITO, 2004, p. 07) 4 Rousseau, torna-se a pedra de toque para o entendimento de uma ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 felicidade, a partir do postulado de que o homem, degradado em sua natureza pelo processo histórico de socialização, pode, em princípio, recuperar sua integridade essencial. Rousseau, mais do que desenvolver pensamento sobre educação, formula uma teoria política do estado, onde seus membros são os autênticos depositários do poder. Aqui aparece a relevância de seu pensamento que serve de base para a compreensão da concepção de democracia e estado moderno. Os educadores tradicionais assegura, Rousseau, "procuram sempre o homem, na criança, sem pensarem no que ele é, antes de se tornar homem.". E alerta aos pedagogos: "Começai, pois, por observar melhor os vossos educandos; pois é quase certo que não os conheceis." (ROUSSEAU, 1990, p. 9-10). O impacto causado pelo pensamento de Rousseau se justifica pelas novidades que introduz.1 Com relação à educação, desafia o modelo jesuítico e combate à idéia da essência. Rousseau "[...] desloca a análise para o social; não se trata de explicar tudo a partir da essência, mas com base na observação dos fatos e na história hipotética do desenvolvimento da humanidade. O que os homens são atualmente eles devem muito mais ao desenvolvimento das relações sociais." (CERIZARA, 1990, p. 31). No Do Contrato Social e no Emílio tem-se uma integração entre política e educação onde se reforça que, diferente das leis da natureza, as leis humanas devem ser reforçadas pela sociedade, através de um processo educativo e político que desperte o apreço pela lei e o correlato crescimento pessoal e moral de cada cidadão, que é impelido pelo desejo moral de seguir a vontade geral e construir uma boa vivência democrática. Referências BRITO, Freitas, Lidiane. A educação política em Rousseau. São Cristovão: UFS, 1 "Não me agrada encher um livro com coisa que toda a gente sabe" (ROUSSEAU, 1990, p. 9). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página CERIZARA, Beatriz. Rousseau: a educação da infância. São Paulo: Scipione, 1990. 5 2004. (Dissertação) ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio. 2 vol, Portugal: Europa-América, 1990. ______. Discurso sobre a economia política e do contrato Social. [tradução de Maria Constança Peres Pissarra] 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1995. ______. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. ______. O contrato social. [tradução de Antônio de Pádua Danesi] 3.ed. São Paulo: Página 6 Martins Fontes, 1996. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 UMA DEONTOLOGIA HOBBESIANA? A TESE TAYLOR E A TEORIA DA OBRIGAÇAO EM HOBBES Clóvis Brondani Universidade Federal de Santa Cataria Programa de Pós Graduação em Filosofia – Doutorado Orientador: Dr. Marco Antônio Franciotti (UFSC) Co-orientadora: Dra. Maria Isabel Limongi (UFPR) Email: [email protected] Palavras-Chave: Hobbes, deontologia, obediência, ética, lei natural. Este artigo tem como objetivo apresentar a interpretação de Taylor e Warrender sobre a ética e a teoria da obrigação de Thomas Hobbes, especialmente no que diz respeito à tese que propõe uma ética deontológica em Hobbes e mais especialmente no caso de Taylor, de uma vinculação da ética hobbesiana com a ética kantiana. Os trabalhos destes autores originaram uma interpretação da filosofia hobbesiana radicalmente oposta às leituras mais tradicionais, as quais compreendem a sua ética como fundada no egoísmo, e sua teoria da obrigação fundada apenas no autointeresse. A inovação proposta por Taylor e Warrender é a tese de que a ética hobbesiana não é fundada no egoísmo psicológico e, consequentemente, a sua teoria da obrigação não está embasada no auto-interesse, mas na obrigatoriedade incondicional da lei natural, fato este que aproxima Hobbes tanto das tradições cristãs medievais da lei natural como da ética kantiana. teoria da obrigação. Segundo Taylor, o egoísmo psicológico em Hobbes é apenas I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página psicológico de Hobbes seja o fundamento de sua ética e consequentemente da sua 1 O ponto de partida de Taylor e Warrender é a negação de que a teoria do egoísmo ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 descritivo em relação à natureza humana, não estando vinculado com sua teoria da obrigação (TAYLOR, 1938, p. 407). Assim, haveria por um lado, uma teoria psicológica que descreve o comportamento egoísta do homem e por outro, uma teoria ética que é em essencialmente uma deontologia. A ética hobbesiana então, segundo estes autores, está fundada não no autointeresse, mas na obrigatoriedade das leis de natureza. Este caráter obrigatório pode ser encontrado em inúmeras passagens dos textos hobbesianos, especialmente no De Cive, nas quais Hobbes apresenta a lei de natureza com um comando divino incondicional. Sendo assim, diferente do que grande parte da tradição interpretativa concebera, elas são válidas também no estado de natureza. Consequentemente, o contrato social e o poder soberano do Estado, nada mais fazem do que garantir o cumprimento destas leis, as quais já possuem obrigatoriedade no estado de natureza, por derivarem da vontade divina. Deste modo, a teoria política de Hobbes estaria muito mais próxima a uma tradição cristã, do que ao mecanicismo científico moderno. Para os autores, a tradição teria negligenciado os aspectos evidentemente religiosos na filosofia de Hobbes, enfocando sua atenção apenas nos aspectos científicos e mecanicistas da obra. Além disso, grande parte da tradição debruçou-se apenas sobre um estudo profundo do Leviathan, (e mais especificamente nas duas primeiras partes) o qual, segundo Taylor (1938, p. 407) não é a obra mais clara do pensamento hobbsiano. Assim, preferem focar sua atenção no De Cive e nas últimas duas partes do Leviathan. Um outro aspecto da tese de uma ética deontológica em Hobbes é a aproximação, feita por Taylor, com a deontologia kantiana. Segundo Taylor, a distinção entre a obrigatoriedade in foro interno e in foro externo da lei natural feita por Hobbes, o aproxima da distinção kantiana entre ação pelo dever e conforme ao dever (TAYLOR, 1938, p. 409). Segundo Hobbes, no estado de natureza, as leis de interpretativa a conceber que a lei de natureza não possui uma obrigatoriedade I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página (HOBBES, 1996, p.110). Esta distinção conduziu grande parte da tradição 2 natureza obrigam apenas in foro interno, mas in foro externo nem sempre obrigam ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 efetiva, sendo a verdadeira obrigação apenas aquela in foro externo, ou seja, a obrigação jurídica implantada pelo poder soberano. Taylor interpreta a questão de modo diametralmente oposto. Segundo ele, a verdadeira obrigação é aquela in foro interno, porque opera no nível da consciência, ou seja, trata-se da intenção de agir e não meramente da ação de acordo com a lei. ―O ponto que importa é que Hobbes concorda com Kant sobre o caráter imperativo da lei moral, exatamente como ele também concorda com ele na asserção na proposição de que ela é a lei da reta razão‖ (TAYLOR, 1938 , p. 409). Ao analisar as afirmações de Hobbes sobre a não obrigatoriedade in foro externo das leis de natureza, Taylor argumenta que tal obrigatoriedade somente existe nas condições em que há garantia de reciprocidade, garantias de que os outros indivíduos também a cumpram. Como no estado de natureza esta garantia quase sempre é inexistente, a lei de natureza não obriga a praticar as ações prescritas pela lei, mas continua obrigando internamente o indivíduo a ter intenção de praticá-la. Este tipo de obrigação então, na visão de Taylor, é o mesmo tipo de obrigação incondicional exposto na teoria ética de Kant. Esta tese conduz a uma interpretação bastante particular da obrigação política. Ela não parte do soberano, como aquele que comanda a lei, mas parte da obrigatoriedade incondicional da lei natural. A obrigação moral de obedecer à lei de natureza é anterior à existência do legislador e da sociedade civil. A obrigação de obedecer ao soberano civil então, de acordo com esta interpretação, está fundamentada em uma teoria ética deontológica que, em última instancia, nos apresenta a lei natural de Hobbes como incondicionalmente obrigatória devido ao fato de ser um mandamento divino. Página HAMPTON, J. Hobbes and the Social Contract Tratidion. Cambridge: Cambridge University Press, 1995. 3 Bibliografia I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 HOBBES, T. A dialogue between a philosopher and a student of the common laws of England; edited by Joseph Cropsey. Chicago ; London : University of Chicago Press, 1997. __________. Do Cidadão. Tradução de R. J. Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Col. Clássicos. __________. Elementos da Lei Natural e Política. Tradução de F. D. Andrade. São Paulo: Editora Ícone, 2002. __________. Leviathan. Edited by Richard Tuck. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. KAVKA, G. Hobbesian Moral and Political Theory. Princeton: Princeton University Press, 1986. LIMONGI, M. I. O Homem Excêntrico. Paixões e Virtudes em Thomas Hobbes. Tese de doutoramento apresentada ao Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, 1999. MARTINICH. A. P. The Bible and Protestantism in Leviathan. In: SPRINGBORG. P. The Cambridge Companion to Hobbes‟s Leviathan. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. STRAUSS, L. The Political Philosophy of Thomas Hobbes. Oxford: The Clarendon Press, 1963. SORELL. T. Hobbes‘s Moral Philosophy. In: SPRINGBORG. P. The Cambridge Companion to Hobbes‟s Leviathan. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. TAYLOR, A. E. The Ethical Docrtine of Hobbes. In: Philosophy, vol. xiii, 1938. ____________. Thomas Hobbes. Bristol: Thoemmes Press, 1997. Página 4 WARRENDER, Howard. The Political Philosophy Of Hobbes. Oxford: the Clarendon Press, 1957. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A INTERSUBJETIVIDADE NO FUNDAMENTO DO DIREITO NATURAL DE FICHTE João Geraldo Martins da Cunha Departamento de Filosofia – FFLCH – USP Supervisor de pós-doutoramento: Ricardo Ribeiro Terra [email protected] Palavras-chave: Fichte; Tarefa da razão; Intersubjetividade; A. Honneth; Direito natural. A descoberta no século XX dos manuscritos ―Halle‖ e ―Krause‖ de um curso de Fichte sob a rubrica ―Doutrina da ciência nova methodo‖, lecionado entre 1796 e 1799, período intermediário entre a primeira exposição de 1794 e a obra madura da primeira década de 1800, reanimou o problema hermenêutico quanto à continuidade ou ruptura da obra de Fichte. Razão pela qual, um de seus grandes intérpretes, Ives Radrizzani, propôs uma análise desse problema a partir da edição crítica desses manuscritos; mostrando o quanto pode ser enganoso o título que comparece nestes cadernos, ―Doutrina da ciência nova methodo‖ (título dado pelo próprio Fichte no cátalogo – catalogus praelectionum – da Universidade de Iena), ao sugerir a mesma doutrina de 1794, apresentada por meio de um novo método1. A questão chave da discussão sobre continuidade ou ruptura na obra depende, fundamentalmente, da possibilidade de articulação dos três princípios da Grundlage (1794) e a ideia, aparentemente nova e indubitavelmente original, da intersubjetividade. Completamente ausente da exposição da Grundlage de 1794 e absolutamente central nos cursos de 1796-99, a idéia de intersubjetividade parece consistir no pomo da discórdia entre os defensores da ―continuidade‖ e os defensores da 1 I. Radrizzani, Vers la fondation de l´intersubjectivité chez Fichte, Vrin, Paris: 1993. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 ―ruptura‖ de sua obra. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Além disto, o tema da intersubjetividade também é central em outra obra dos anos 1796-7, o Fundamento do direito natural segundo os princípios da doutrina da ciência. Isso mostra que o aparecimento do tema da intersubjetividade não é episódico, mas constitui uma preocupação central de Fichte entre os anos 17961800. Afinal de contas, o livro sobre o fundamento do direito é bastante central no projeto filosófico de Fichte, pois é sua primeira tentativa de aplicação dos princípios da Doutrina-da-ciência a uma ciência em particular, no caso, o direito1. Grosso modo, podemos dizer que o fundamento do direito natural, ou melhor, a legitimidade do conceito do direito é que ele é condição da relação intersubjetiva; a qual, por sua vez, é condição da própria consciência. Como a consciência é um fato, o direito está transcendentalmente vinculado à posição deste fato e, portanto, seu conceito e objeto (a comunidade política) estão geneticamente legitimados pela posição mesma da própria consciência. Certamente, a primeira parte do Fundamento do direito natural, onde essa dedução é apresentada, está longe de ser clara e linear. Fichte, como de costume, opera um raciocínio contra-intuitivo – apesar de explicitamente dizer o contrário –, alterando inteiramente a própria noção lógica de conceito (como ―representação geral‖), deslocando o procedimento kantiano de dedução transcendental (fundar uma representação no ato subjetivo que a constitui) para o domínio que poderíamos chamar de ―genético constitutivo‖ e, finalmente, assumindo uma postura crítica diante das ―filosofias de fórmulas‖ quanto ao direito (as doutrinas do direito inspiradas em Kant). Além de tudo, essas diferentes operações envolvidas na dedução do conceito do direito são apresentadas segundo o ―modo geométrico‖, por meio de três teoremas e suas respectivas ―demonstrações‖. Mas todas estas dificuldades não devem obscurecer a importância do tema da intersubjetividade para a aplicação sistemática da Doutrina-da-ciência ao direito. 1 R. Lauth, op. cit., p.334. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página methodo e o Fundamento do direito natural, a despeito de suas dificuldades 2 Estes dois contextos da obra de Fichte, a chamada Doutrina da ciência nova ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 interpretativas internas e das dificuldades hermenêuticas quanto ao lugar sistemático de cada uma delas – e a significação disso para a interpretação geral do sistema de Fichte – mostram que o tema da intersubjetividade não é de pouca importância para o pensamento de Fichte. Marcando ou não uma ruptura em sua produção, o tema é certamente central tanto para sua Doutrina-da-ciência de um modo geral, quanto para sua filosofia política de um modo particular. Diante das dificuldades levantadas acima, os limites de uma comunicação evidentemente não comportam o tratamento completo do tema da intersubjetividade em Fichte, mas, por outro lado, também não invalidam um tratamento pelo menos parcial do mesmo. Nesse sentido, proponho fazer uma apresentação geral da primeira Seção da ―Dedução do conceito de direito‖ no Fundamento do direito natural, particularmente, seu segundo teorema – segundo o qual não há consciência de si sem consciência do outro – para, a partir daí, tecer algumas considerações sobre a consequência política fundamental que decorre desta fundação intersubjetiva do conceito do direito e de seu objeto, a comunidade política. De modo geral, parece-me que a diferença específica do jusnaturalismo político de Fichte, frente ao contratualismo do pensamento moderno inaugurado por Hobbes, está na idéia de uma fundação intersubjetiva do contrato social e político. Por conseguinte, pretendo reivindicar a paternidade fichtiana do tema da intersubjetividade, contra sua completa identificação ao famoso slogan hegeliano da ―luta pelo reconhecimento‖. Para alcançar este propósito e diante do pano do fundo apresentado acima, três problemas devem ser enfrentados: (1) em primeiro lugar, uma análise geral da dedução do conceito do direito no Fundamento direito natural; (2) em segundo lugar, uma análise mais específica da demonstração do segundo teorema da dedução sobre a intersubjetividade; e, por fim, (3) uma análise das consequências que o tema Página 3 da intersubjetividade traz para a filosofia política de Fichte – medidas por uma I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 comparação (ainda muito esquemática) com a ―reatualização‖ de Hegel feita por A. Honneth1. Minha hipótese é que esta dificuldade foi enfrentada por Fichte por meio do conceito de intersubjetividade que comparece no Fundamento do direito natural. Daí meu interesse em mostrar a ―descoberta‖ da intersubjetividade como chave para o problema político em Fichte, contra uma possível hegelianização prematura desta temática, tal como parece ser o caso, pelo menos à primeira vista, na obra de Axel 1 A. Honneth, Sofrimento de indeterminação: Uma reatualização da filosofia do direito de Hegel, trad. Rúrion S. Melo, Esfera Pública, São Paulo: 2007. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 4 Honneth supracitada. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ESTUDO COMPARATIVO ENTRE O EPICURISMO E O UTILITARISMO Karina Mikuska Universidade Estadual do Centro-Oeste- Unicentro Orientador: Ruth Rieth Leonhardth Email: [email protected] Palavras-chave: Epicurismo, Utilitarismo, Ética O presente resumo aborda as características do Epicurismo e Utilitarismo com o objetivo de fazer uma análise comparativa entre as duas correntes para detectar pontos de semelhanças no âmbito moral e ético e possíveis influências de Epicuro ao utilitarismo. Epicurismo é o sistema filosófico desenvolvido por Epicuro de Samos, filósofo do século IV a. C. Epicuro propunha uma vida de continuo prazer para a felicidade, esse é o objetivo de seus ensinamentos morais. Para Epicuro, a presença do prazer é sinônimo de ausência de dor ou de qualquer tipo de aflição. O pensamento de Epicuro afirma que dos homens só se deve temer o ódio, a inveja e o desprezo. Sábio para ele é aquele que, pela razão, se eleva acima de tudo isso. Quem possui sabedoria é incapaz de deixar-se ficar, voluntariamente sob o domínio das paixões. O prazer só é útil e desejável quando não é nocivo. Mesmo em relação à dor, o homem tem capacidade de suportar todo o mal que o aflige, sendo feliz na sua condição de sábio. Os epicuristas admitem dois tipos de felicidade: uma divina completa e que não aceita qualquer acréscimo, sendo, por isso perfeita; e outra menos elevada, com variação na quantidade do gozo oriundo do desfrute do prazer. que recorre aos efeitos mais agradáveis de um benefício, não tanto por sua I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página entanto, diminuir em nada a sua sabedoria. A alternativa mais desejável é aquela 1 A pessoa sábia conhece os limites daquilo que pode elevar como prazer sem, no ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 abundância ou duração, pois a medida da felicidade se encontra nos resultados favoráveis dos prazeres produzidos. Necessariamente, a consequência de uma escolha correta tem como único fim a saúde do corpo e a tranquilidade da alma. Destarte, procura os epicuristas evitar a dor e a inquietude, muitas vezes causadas pela busca incessante do prazer. Sob essa perspectiva, o prazer considerado em si mesmo, é um bem, embora nem todos devam ser buscados. Assim como o sofrimento é um mal, apesar de alguns não ser naturalmente evitados. Com o intuito de proceder adequadamente, um determinado cálculo deve ser efetuado. Utilitarismo é uma corrente filosófica surgida no século XVIII na Inglaterra, que afirma a utilidade como o valor máximo a qual a constituição de uma ética deve fundamentar-se. O utilitarismo baseia-se na compreensão empírica de que os homens regulam suas ações de acordo com o prazer e a dor, perpetuamente tentando alcançar o primeiro e escapar do segundo. Deste modo, uma moral que possa abarcar efetivamente a natureza humana. Nesta perspectiva, a utilidade entendida como capacidade de proporcionar prazer e evitar a dor deve constituir o primeiro princípio moral, isto é, seu valor supremo. O utilitarismo na história da Filosofia é visto como um radicalismo filosófico, uma vez que propõe uma reestruturação dos valores éticos. Os utilitaristas pregam que o fundamento da moral é o Útil ou o princípio da máxima felicidade. Longe de pregar uma moral solipsista baseada apenas na obtenção de prazer individual, o utilitarismo em sua concepção filosófica compreende a utilidade igualmente como felicidade, e esta por sua vez, com o maior prazer do maior número de pessoas possível. Considera que uma ação é correta na medida em que tende a promover a felicidade e errada quando tende a gerar o oposto da felicidade. Por felicidade entende-se o prazer e a ausência de dor; por infelicidade, dor privação de prazer. O Princípio da Máxima Felicidade, ou seja, o fim último, com referência ao qual todas as coisas são desejáveis (seja quando relação a quantidade como a qualidade. O teste de qualidade e a medida pela qual I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página livre, tanto quanto possível, de dor e a mais rica possível em prazeres, tanto em 2 considera-se o próprio bem ou de outras pessoas) traduz-se em uma existência ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 compara à quantidade consiste na preferência daqueles que em suas oportunidades de experimentar à qual deve ser acrescentado aos seus hábitos de autoconsciência e de auto-inspeção. Sendo esta a finalidade de toda ação humana, trata-se necessariamente do padrão de moralidade, que pode ser exposto da seguinte maneira: as regras e preceitos para a conduta humana, cuja observância garante uma existência para toda humanidade, deve também ser estendidos a todos os seres da criação dotados de sensibilidade, conforme suas naturezas permitam. Na carta enviada por Epicuro a Meneceu, estão resumidos os principais pontos da sabedoria moral hedonista, entre os quais, muito comum aos adotados pelo utilitarismo, sobretudo no padrão avaliador do bem e do mal, como também no cálculo efetuado através da razão a indicar o melhor procedimento no objetivo de promover a felicidade. O século XVIII foi o século das luzes e do renascimento das teses utilitaristas, influência do pensamento hedonista de Epicuro. Por mais plausível que seja a concepção de utilidade - entendendo como útil aquilo que promove a felicidade e contribui para amenizar a dor -, definir felicidade, em termos de sentimentos de prazer ou dor, suscita várias interpretações, tanto entre os antigos, quanto entre os modernos. O utilitarismo perdura como corrente filosófica ainda que comportando diferentes compreensões e desdobramentos até nossos dias. Uma comparação entre as atuais correntes morais e as antigas permite a análise dos argumentos utilizados por cada uma delas facilitando a interpretação de suas respectivas teses, ao mesmo tempo em que revela a genealogia das ideias e esclarece os motivos de tantos debates assim como o fascínio exercido por elas ao longo da história do homem. O cerne da doutrina utilitarista encontra-se em Epicuro, o princípio primordial de buscar o prazer e evitar a dor é o ponto central do hedonismo que ações procurando o máximo de prazer e evitar a dor do maior número de pessoas é o início de uma concepção que busca não apenas a felicidade individual, mas sim, I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Máxima felicidade o indivíduo livre pautado em sua racionalidade pode medir suas 3 considera o prazer como o bem maior e a base de uma vida feliz; o Princípio da ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 procura atingir o máximo de pessoas possíveis, afinal a felicidade e o prazer devem ser compartilhados em uma dimensão não restrita, mas amplamente abrangente. REFERÊNCIAS: ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. EPICURO, Carta sobre a felicidade. São Paulo: UNESP, 1997. MARCONDES, D. Textos básicos de ética. 3ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. REALE, G. História da filosofia antiga III. São Paulo: Loyola, 1994. Página 4 TOYNBEE. J. A. Helenismo: História de uma civilização. Rio de Janeiro. 1983. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 UMA LEITURA DOS PRECEITOS ÉTICOS NAS MEDITAÇÕES DE MARCO AURÉLIO Marcio Fraga de Oliveira Universidade Estadual do Centro-Oeste Orientador: Profª. Ms. Ruth Rieth Leonhardt [email protected] Palavras-chave: Marco Aurélio, Meditações, Ética O presente estudo trata da leitura da obra Meditações de Marco Aurélio focando os preceitos éticos descritos por ele. O que, aqui, se pretende fazer é um apontamento dos princípios éticos postulados pelo autor, demonstrando também a relação de seu pensamento com as teorias dos estoicos e chegando por fim a analisar a atualidade das teorias de Marco Aurélio. Na obra, encontram-se as reflexões do pensador romano, escritas quase na forma de diário, ainda no idioma grego, que não estava mais em voga, mas que era como língua particular do imperador e que ele sentia mais propícia para exprimir as inquietações intelectuais e morais. Foram escritas inclusive durante as guerras nas quais lutou o imperador, que nos períodos de folga refletia e fazia anotações. A obra é quase uma espécie de manual de conduta, como os que foram escritos durante a Idade Média na Europa, com textos pequenos e de fácil compreensão e muitas vezes em tom pessoal mostrando que Marco Aurélio escrevia mesmo para si de roteiro de como deveria se comportar um imperador que queria cultivar o próprio I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Sabe-se que a obra foi escrita sem a intenção de divulgação, e apenas para servir 1 próprio, o que justifica o nome da obra, que numa tradução direta é Para si mesmo. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 caráter e viver segundo a natureza, máxima do estoicismo, filosofia da qual ele é adepto e que descreve em seus escritos. O Estoicismo, na época de Marco Aurélio se sustenta no estudo da ética devido ao processo de transição no que tange a questões espirituais com o crescimento do cristianismo, e a queda da antiga cultura grega. Aceita-se que Marco Aurélio não foi um pensador original, pois seu pensamento é influenciado por pensadores passados, o que fica claro no primeiro livro das Meditações. Este primeiro livro, o imperador o dedica a todos que lhe ensinaram os princípios da vida correta. Mas a inovação de Marco Aurélio está em participar dessa revolução espiritual que está acontecendo durante seu reinado, as ideias do imperador se apresentam expressando a transição entre a cultura clássica grego-latina e a nova concepção cristã do mundo. Ele rompe com o materialismo estoico ao afirmar uma união espiritual com Deus, ao mesmo tempo em que mantém um monismo panteístico, afirmando uma adaptação, uma relação direta entre ele próprio e a natureza, através do espírito, do nous. O nous a que ele se refere não é material como nos antigos estoicos mais é intelectual ou mental, é superior à própria alma. Ele também afirma a imortalidade da alma, e sua distinção do corpo. O corpo é matéria, o nous é espírito, a alma é sopro, pneuma. O nous é o daimon que Deus dá a cada homem para ser seu guia, e que traz consigo os princípios da razão. Decorre daí que quem desobedece ao daimon, desobedece também à razão. A partir daí são lançados os princípios éticos do imperador, que afirmam a necessidade de viver de acordo com a razão. Marco Aurélio também retoma o conceito de piedade, como relação do homem com Deus e como ação que segue retamente a razão e a natureza, e se Deus dá a direção da razão através do daimon, quando o homem age contrário a razão, age impiamente e comete um erro. Esse sentido de piedade refere-se também a amar o próximo e perdoar os ofensores, estes princípios tão evangélicos, ser perdoada pois quem a comete não sabe o que é o bem ou o mal. Além disso, I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página racionais uns em vista dos outros, num sistema de ajuda mútua. Toda injúria deve 2 são defendidos por Marco Aurélio pois a natureza universal constitui os viventes ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 nosso nous não será atingido pois ele não pode ser tocado por uma ofensa externa. O nous só será afetado por um erro que ele próprio cometer, por exemplo, ao contrariar a razão. Assim, outro preceito que Marco Aurélio assinala é a retidão do pensar, pois sempre se deve ter em mente coisas que podem ser perguntadas e de pronto serem respondidas, sem receios e culpas. Deve-se também ter benevolência ativa, não esperando recompensas por boas ações, assim como os pés não esperam recompensas pelo caminhar. Como heranças próprias do estoicismo, notam-se as afirmações que Marco Aurélio faz sobre a brevidade da vida, a fugacidade e a caducidade das coisas. Se a razão mostra que o futuro é incerto, deve-se agir como se a vida fosse acabar a qualquer momento e então não se pode perder tempo com coisas inúteis. A fama, a honra e a riqueza são passageiras e não ajudam a viver melhor, não dão paz e às vezes até trazem perturbações. É melhor ignorar e perdoar o mal que os outros fazem pois não são atribuições corretas e não alteram o tempo de vida, pois tanto a pessoa que ofende quanto o ofendido têm apenas o mesmo tempo fugaz, instantâneo. A morte também não deve ser temida, pois é um processo natural, e a alma não morrerá com o corpo. Aqui falta uma ontologia para explicar a imortalidade da alma. Conclui-se finalmente que os preceitos éticos de Marco Aurélio têm base claramente estoica, visam uma vida segundo a natureza e a razão, e também a tranquilidade para o homem. Nota-se também que seu pensar difere dos antigos estoicos e sofre influência já dos textos evangélicos, embora não explicitamente. O que se destaca, ainda, é a atualidade, ou a atemporalidade desses preceitos éticos. O respeito, o perdão, a austeridade, a benevolência, o seguir a razão e a relação do homem com Deus e com o mundo são coisas que agradam a todos e que se mostram tão em falta no mundo corrido e agitado de hoje. Talvez um olhar para os textos antigos, principalmente os dos pensadores estoicos, possa provocar uma reflexão e Página 3 consequentemente melhorar o modo de vida das pessoas da atualidade. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Referências bibliográficas: AURÉLIO, Marco. Meditações. Seleção, tradução e introdução William Li. São Paulo: Editora Iluminuras, 1995. COPLESTON, Frederick. História de la filosofia I – Grecia y Roma – 4. ed. Barcelona: Ariel, 1994. EPICURO et al. Antologia de textos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os Pensadores). REALE, Giovanni. História da Filosofia: antiguidade e idade média – 10. ed. - São Página 4 Paulo: Paulus, 2007. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 CRÍTICA DE KARL POPPER À UTILIZAÇÃO DO MÉTODO INDUTIVO NA CONSTITUIÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO Alexandre Klock Ernzen Universidade Estadual do Oeste do Paraná [email protected] Palavras chave: conhecimento, indução, método científico, epistemologia, lógica O tema do presente trabalho é delinear a crítica de Karl Popper à utilização do método indutivo nos processos de construção do ―conhecimento científico‖ ao longo da história da constituição da ciência. Popper procura fazer uma análise das considerações sobre o problema da indução levantados pelo filósofo Hume, o qual afirma que não se pode ter conhecimento logicamente justificado baseado no método indutivo. A acusação de Popper a Hume é de que um enunciado universal, baseado apenas na ―crença‖, de que um evento passado se repetirá no futuro não pode ser justificado de forma lógica, assim como acreditar no ―hábito‖ de que aquilo que aconteceu no passado poderá se repetir de forma igual no futuro. Essas duas constatações de Hume, portanto, a ―crença‖ e ―hábito‖, levam Popper a pensar e analisar com profunda atenção o problema da indução, cuja utilização acabará por se tornar problemática, visto sua impossibilidade de justificação lógica. Popper aponta que Hume, após suas constatações acerca da indução com seus problemas insolúveis, como a justificação lógica da indução, acabou por se tornar cético e ―crente‖ em uma ―epistemologia irracionalista‖, e foi o grande culpado pelo preciso retomar este ―elemento racional‖ na constituição das teorias da ciência para I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página constituição do conhecimento, sendo a ―crença‖ o motor da vida prática. Assim, é 1 esquecimento da racionalidade na ciência, pois, a razão se torna segundo plano na ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 que tenhamos um critério racional para a escolha das teorias e para a constituição do conhecimento científico em geral. É preciso fazer uma nova leitura dos problemas levantados por Hume, visto que, segundo a ótica popperiana, houve um equívoco sobre a interpretação do problema da indução pelos filósofos posteriores, sendo necessário ―revisar‖ todas as colocações do filósofo escocês para podermos tratar de uma solução adequada a este problema clássico que atravessa toda a história da filosofia. Popper, com sua audaciosa proposta de abandono do método indutivo em favor de um método dedutivo, pretende introduzir novamente o elemento racional da constituição das teorias científicas, pensando na estrutura e constituição lógica das ―hipóteses‖ ou ―conjecturas‖, e assim poder constituir uma ciência pautada no elemento racional, de forma a retomar a razão em segundo plano, possibilitando que o conhecimento científico possa ter justificação lógica. A busca pela verdade é um dos elementos motivadores para tal empreitada proposta pelo filósofo e é o que motiva o autor a realizar suas colocações de forma a dar uma nova visão dos problemas e anseios científicos de sua época. Na teoria clássica do indutivismo, os enunciados ―universais‖ são obtidos através do método de indução. A alegoria que Popper utiliza para mostrar tal concepção tradicional é a mente como um balde, que recebe os dados sensoriais que vão se conectando uns aos outros formando, então, o conhecimento. O filósofo Bacon chega a falar que as percepções se configuram como ―uvas, maduras e da estação‖ que deverão ser juntadas para que assim se possa comprimi-las formando o ―vinho puro do conhecimento‖. Nosso autor chama tal teoria de ―balde mental‖ e é representada pelo chamado ―empirismo ingênuo‖, no qual os dados sensoriais são apenas ―coletados‖ pelo ―balde mental‖ e o produto do balde culminaria no conhecimento. Entenda-se ―empirismo ingênuo‖ a teoria de que as experiências sensoriais são iguais para todos os indivíduos e se dão de forma neutra mediante a generalização de casos particulares para uma lei universal precedido de expectativas e hipóteses, visto que o ser humano elabora hipóteses I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página observações apenas. Entretanto, para nosso autor o conhecimento é sempre 2 através da indução. A ciência, acredita Popper, não tem seu início através de ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 justamente para resolver problemas, ainda que de forma primária, no sentido de dar explicações para eventos naturais, por exemplo. Quando se observa algo, temos expectativas ou ideias prévias do que queremos observar e, assim, começa a constituição do conhecimento, a partir de hipóteses que depois serão testadas de forma lógica, assim como testadas com dados empíricos para sua corroboração ou refutação. A proposta de Popper versa justamente em pensar esses enunciados universais como ―hipóteses‖ ou ―conjecturas‖, não mais como sendo um produto da indução, mas sim, pensando simplesmente como hipóteses que surgem livremente na mente humana, as quais serão ―testadas‖ e a partir dos resultados dos testes submetidos, avaliar sobre sua viabilidade ou não como uma ―teoria científica‖. O conhecimento não surge da adição de dados sensoriais uns aos outros, mas o conhecimento surge a partir do momento em que as hipóteses são submetidas a testes. As premissas de tais enunciados ―universais‖ devem ser lidos como ―asserções de teste‖, sendo que estes últimos são premissas que vem a corroborar ou refutar teorias científicas que são submetidas constantemente a testes. Os enunciados universais não se configuram simplesmente do movimento indutivo, mas sim as hipóteses são testadas e na medida em que são corroboradas podem apresentar alguma descrição da realidade, ou são eliminadas mediante os testes. Bibliografia POPPER, K. Los dos problemas fundamentales de la Epistemología. Trad. Asunción Albisu Aparicio. Madrid, Editorial Tecnos, 2007. POPPER, K. A Lógica da Pesquisa Científica. Trad. Leônidas Hegenberg. São Paulo, Cultrix, 14° ed., 2002. POPPER, K. O conhecimento e o problema corpo-mente. Trad. Joaquim Alberto Editora Itatiaia, 1999. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página POPPER, K. Conhecimento Objetivo. Trad. de Milton Amado. Belo Horizonte, 3 Ferreira Gomes. Lisboa: Edições 70, 2002b. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 POPPER, K. Três concepções acerca do conhecimento humano. Coleção Os Página 4 Pensadores, São Paulo, Editora Abril,1980. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 O NEO-ARISTOTELISMO BRENTANIANO E O CONCEITO DE OBJETIVIDADE IMANENTE Lauro de Matos Nunes Filho Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO [email protected] Palavras-chave: Objetividade imanente; objeto intencional; consciência; ontologia. O neo-aristotelismo de Franz Brentano (1838 – 1917) representa a retomada e inserção do pensamento aristotélico na contemporaneidade, ou ainda, nas suas origens, isto é, na fenomenologia baseada no conceito de Objetividade Imanente. Brentano irá reinterpretar a metafísica aristotélica com o objetivo de justificar o reducionismo psicológico por meio de uma interpretação bastante singular da ontologia aristotélica. Com este objetivo ele parte da concepção aristotélica de ciência, isto é, ciência é conhecimento universal e necessário, ou seja, verdadeiro. Segundo esta definição, uma ciência qualquer será julgada pelo valor e pela infalibilidade de seu objeto. Aristóteles considera a ciência do ser, isto é, a ontologia como a principal ciência. Uma vez que as demais ciências têm seus objetos fundamentados no ser, isto é, que os objetos das demais ciências são explicitados pelos diversos sentidos de ser, estes diversos sentidos estão sempre submetidos à noção de é o mesmo, mas que, contudo, é expresso em vários sentidos. A sua referência, entretanto, é o ser. Somente desta perspectiva é possível compreender como Brentano defende a sua posição frente à psicologia, a partir da ontologia aristotélica. objeto. Com relação a isto, deve-se focar a atenção sobre as ciências particulares I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página necessária uma unidade da noção, que por sua vez, deve conceder a unidade do 1 Os vários sentidos do ser são os conceitos do ser. Para fundamentar a ontologia é ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 (matemática, física, astronomia, etc.) para diferenciá-las e expor a sua unidade na ontologia, para assim, e elevar a ontologia ao mais alto posto dentre as ciências. Segundo Aristóteles, a filosofia primeira (ontologia) trata de no que algo é. A distinção é a de que as ciências particulares tratam do que é, mas nos vários sentidos particulares do ser, isto é, nas suas diversas determinações. Por exemplo, a matemática trata do que é o número, a física do que é o fogo. Assim a ontologia deve ser considerada como a mais importante dentre as ciências. Aristóteles diz que a ontologia tem de ocupar-se fundamentalmente da entidade (ousía). Em primeiro lugar, o discurso real refere-se às coisas reais, as quais, por sua vez, são fundadas nas entidades do um mundo sensível. Aristóteles denomina a entidade como sujeito primeiro, ao qual atribuímos os predicados. A entidade é fundada na matéria, contudo a determinação de cada entidade não se perde no sensível, pois a entidade particular sensível é formada por matéria e forma. Desta maneira a entidade cavalo, não é confundida com a entidade homem. No fim Aristóteles remete a definição de entidade à definição de forma, pois, a matéria não é entidade particular, mas indeterminada, sem forma. A efetividade entre matéria e forma também não configura a entidade, já que é só pela forma que temos a entidade. No fim, Aristóteles reduz a definição entidade a um caráter estritamente formal. O discurso ontológico só é garantido porque os diversos sentidos de ser referem-se à entidade como forma que, portanto, existe no entendimento. A referência é feita a algo que existe dentro, mas que por ser formal não existe como uma entidade real, isto é, objetiva e independente do entendimento. A referência não é feita a algo de exterior (transcendente), mas sim à própria forma como entidade na qual existem as diversas formas de ser. Por este motivo, apesar do ser e o que é ter vários sentidos, eles referem-se sempre à forma, que é por si, mas na qual se dão as demais concluído seu caráter formal. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página algo que existe como ato, ou seja, a algo que existe efetivamente, mantendo 2 categorias. Esta posição vincula a unidade ao ser, pois a referência é sempre feita a ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Desta forma, os vários sentidos do ser são referidos apenas ao que é unívoco, e é esta mesma unidade que contém aqueles de uma maneira tal que não são diferentes deste, mas que são contidos neste pela sua determinação. Em outras palavras os vários sentidos do ser in-existem nele. A partir desta perspectiva, Brentano também irá buscar a unidade da consciência para justificar o reducionismo psicológico. Brentano divide os fenômenos em físicos e psíquicos, sendo que os últimos têm um caráter mais fundamental que os outros, pois todo objeto de conhecimento é dado como conteúdo de atos psíquicos (representações). Brentano mostra que a divisão dos fenômenos em físicos e psíquicos é uma ilusão conceitual, criada a partir da não atenção prestada a inexistência intencional dos objetos dos fenômenos psíquicos, enquanto conteúdos de atos psíquicos. A in-existência intencional é, portanto, uma característica presente em todos os fenômenos psíquicos. O termo intencional é formulado, em Brentano, como uma propriedade de certos objetos, os quais por sua vez serão chamados de objetos intencionais. Estes objetos intencionais existem apenas na medida em que são representados pelos seus respectivos atos. Brentano diz que o objeto intencional in-existe na consciência, não no sentido de que não existe, mas no sentido de que não se trata de uma existência real, isto é, como uma entidade física objetiva. Assim como em Aristóteles, a sua determinação depende do ato imanente à consciência, sendo que só temos acesso a estes objetos enquanto objetos dos fenômenos psíquicos. Em outras palavras, tudo o que se dá, se dá como fenômeno psíquico. O objeto intencional não possui existência como uma entidade em um mundo real e objetivo, pois se ele depende do ato para ser representado, então ele é em um fenômeno psíquico. Brentano não nega com isso a existência de um mundo real (psíquica) ou como diria Aristóteles, formal. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página experiência. Porém, a existência dele se dá somente de maneira intencional 3 exterior a nós, pois ele defende a idéia de que o conhecimento deriva da ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Brentano assevera que a in-existência intencional é a característica comum de todos os fenômenos psíquicos, sendo a consciência a unidade de todos os fenômenos psíquicos. A unidade da consciência consiste no fato de que todos os fenômenos psíquicos dirigem-se para o ato psíquico em que ocorrem. Este direcionamento da consciência para um objeto supõe a identidade do objeto em ambos os fenômenos psíquicos. A direcionalidade dos atos psíquicos revela o caráter fundamental da objetividade imanente, enquanto característica comum dos fenômenos psíquicos, validando assim, a unidade da consciência. Desta forma, configura-se o passo original da filosofia de Brentano que por meio da univocidade do ser em Aristóteles consegue justifica o seu ponto de vista com relação à psicologia. Referências Bibliográficas ARISTÓTELES. Metafísica. Trad.; Introd. e Notas. T. C. Martínez. Madrid: Ed. Gredos, 1998. BRENTANO, Franz. Psychology from an Empirical Standpoint. Trad. A. C. Rancurello, D. B. Terrell, L. L. McAlister ; Introd. P. Simons. London: Routledge, 1995. PORTA, M.A. ―Franz Brentano: Equivocidad del Ser y Objeto Intencional‖. In. Kriterion. Vol. XLIII, No. 105 (jun., 2002), pp.97-118. Página 4 SCHAAR, Marietje Van der. ―L'analogie et la vérité selon Brentano‖. In. Philosophiques, Vol. 26, No. 2 (automne/1999). Disponível em <http://id.erudit.org/iderudit/004994ar>. Arquivo Capturado em 05/06/2009. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 VIOLÊNCIA E DEMOCRACIA EM HANNAH ARENDT Paulo Eduardo Bodziak Junior/UFPR Orientador: Profº Dr. André de Macedo Duarte [email protected] Palavras-chave: totalitarismo; violência; democracia; bio-política; homo sacer A modernidade está marcada pela relação entre violência e política. Fato sem novidade quando lembramos que atos de violência precedem a fundação dos corpos políticos desde a antiguidade. Deste modo, tentarei defender a hipótese de que a marca da modernidade não está na relação entre ambas mas está no caráter necessariamente violento adquirido pela política em seu novo sentido. Para isso será considerada a categoria da bio-política, pensada inicialmente por Foucault e, posteriormente, relacionada ao pensamento de Arendt por Giorgio Agamben. Assim, finalmente, é possível o retorno à violência enquanto fenômeno ligado à transformação da política em bio-política, e como tal fenômeno destrói estruturas de poder entre cidadãos, fundamentais para uma experiência de democracia. A democracia é sustentada pelo poder. Mas há uma diferença entre força, monopolizada pelo estado, e poder. Poder é gerado quando um grupo de homens decide proceder em um mesmo curso de ação. A força é compreendida como força física. Isto é, não sustenta um regime democrático. O fenômeno da violência aparece quando a força é multiplicada e empregada por meio de instrumentos contra alguém. Portanto, onde há violência não pode haver poder dada a destruição das estruturas de poder geradas pela ação conjunta. A política, tal qual compreendida política e violência. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página criação e manutenção destas estruturas de poder. Logo, é clara a tensão entre 1 por Arendt, é justamente aquilo que ocorre entre os homens nesta interação para a ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Na antiguidade a presença de ambas era comum. Observamos isso na obra de Maquiavel, que propunha uma reflexão acerca dos acontecimentos políticos da antiguidade. Em sua obra é clara a apologia ao uso da força se necessário pelo príncipe, mas também está claro que ao assumir tal posição o soberano abandona as leis para entrar no campo da violência. Estas reflexões já são um ensaio do atual direito irrevogável do Estado de monopolizar o uso da força. A mudança no sentido da política proposta aqui começa com a ascensão de uma figura denominada animal laborans. Esta é a categoria utilizada por Arendt para definir o homem da modernidade. Seu ser não seria definido pela capacidade de agir em conjunto e interagir com outros homens, mas pelo fato de comportar-se sempre em um mesmo ciclo de produção e consumo de bens que sustentam uma vida em seu sentido estritamente biológico. Esta figura do homem moderno transformou a política, outrora tida como interação entre homens, em administração pública deste ciclo de produção e consumo. Daí a relevância das questões econômicas em governos atuais. Para tornar mais clara a relação de necessidade entre esta nova política e o emprego da violência pode-se dispor da categoria da bio-política proposta por Foucault. Nesta categoria as ações do estado estariam dirigidas ao novo conceito de população. Tal conceito ―achata‖ as pessoas numa massa uniforme tratada indiscriminadamente. As ações do estado visam a regulamentação dos processos biológicos referentes aos homens. Todas as necessidades biológicas são tratadas e administradas como questões públicas. Outra característica desta bio-política no processo de administração do contingente populacional é o seu caráter racista encontrado emblematicamente no anti-semitismo da Alemanha nazista ou, mesmo fugindo à compreensão biológica da palavra, enquanto os inimigos da revolução soviética. Trata-se de reconhecer na população um elemento que ameace a sua aperfeiçoamento do homem-espécie, fazendo para isso, no exercício do ―poder de I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página regulamentação dos homens enquanto população, visando a manutenção e 2 evolução, seja genética ou historicamente. Em suma, o estado bio-político trata da ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 fazer viver e deixar morrer‖ (FOUCAULT, 2000, p.287), o recorte racista que visa eliminar as impurezas que comprometem a evolução. O paradigma bio-político da modernidade seria o campo de concentração. Relação proposta por Agambem para o encontro dos pensamentos de Arendt e Foucault. Para o pensador, o ponto de flexão entre ambas as obras ocorre quando pensamos o domínio total sobre a chamada ―vida nua‖ ou ―vida sacra‖, o modo de vida do homo sacer figura do direito arcaico romano possuidor de uma vida matável e insacrificável. Sua inclusão consistia paradoxalmente na sua exclusão, tratando-se do indivíduo excluído da sua cidadania mas presente no ordenamento jurídico como alguém irrelevante para a sociedade e, portanto, matável, cuja violação por alguém não caracterizava crime. Sua insacrificabilidade deriva da entrega já realizada aos deuses quando este fora sacralizado, ou seja, ao ser retirada sua cidadania a sua vida estava ―nua‖ e entregue aos deuses. Os homens não poderiam sacrificar alguém cuja vida já era de propriedade divina. Assim, ao pesarmos o domínio total sobre a ―vida nua‖ desprovida de qualquer proteção jurídica, senão aquela que define sua própria exclusão, nos remetemos à experiência totalitária dos campos de concentração e sua gestão técnica da vida. O domínio total consistia na destruição jurídica, moral e pessoal do indivíduo. Através da tortura, da humilhação e do aniquilamento da esperança somados a uma legislação racista, o campo tinha sua pluralidade de indivíduos sistematizada e destruída. Os campos constituem o paradigma bio-político do presente, pois revelam a situação limite a qual pode chegar a gestão técnica da vida que define a política moderna. Para Agambem, há, correndo sob a modernidade, um elemento oculto comum que atravessa os regimes totalitários até as modernas democracias de massa, a biopolítica. Deriva desta condição o caráter necessariamente violento da política uma vez que se define pela intervenção na vida individual para garantir a evolução compele a sociedade a entrar em um ciclo vitalista de produção e consumo que I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página O animal laborans enquanto definição da existência humana na modernidade 3 coletiva. Esta violência destrói os espaços de poder necessários à democracia. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 precisa ser mantido. Mesmo pelo uso da força. Foi assim com o primeiro surto imperialista que motivou genocídios e saques na África e Ásia no século XIX. Neste ciclo as estruturas de poder já não podem mais se sustentar. Se o poder é agir em comum acordo, as mudanças descritas comprometem esta possibilidade, afinal, o homem moderno, além da sua incapacidade de agir por estar completamente ocupado com o ciclo vitalista, é compelido a se manter neste ciclo, caso contrário torna-se um excluído, podendo ser transformado em homo sacer e sugado para fora do ciclo de consumo violentamente. Com o poder comprometido, compromete-se também a possibilidade da democracia sustentada no poder emanado do povo. Referências bibliográficas AGAMBEN, G. Homo Sacer: O poder Soberano e a vida nua. Belo Horizonte. UFMG. 2002 ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária. 2002 ___________.Da violência. UnB. Brasília.1985. ___________.Origens do totalitarismo. Cia das Letras. São Paulo. 2000. DUARTE, A. Hannah Arendt e a biopolítica: a fixação do homem como animal laborans e o problema da violência. In CORREIA, A.(org.) Hannah Arendt e a condição humana. Salvador. Quarteto, 2006. FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo . Martins fontes. 2000 Página 4 MAQUIAVEL, N. O Príncipe. São Paulo. Nova cultural. 2004. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 SOBRE O CONCEITO DE VIRTUDE E REMINISCÊNCIA NA OBRA MÊNON DE PLATÃO Felipe Cardoso Martins Lima Mestrando PUC/PR Orientador: Jair Barboza [email protected] Palavras-chave: virtude, reminiscência, alma, imortalidade, conhecimento. Trata-se de uma investigação em torno do diálogo ―Mênon‖ de Platão. Pretende-se investigar em que medida a tese da reminiscência (anámnesis) tal como estabelecida por Platão se apresenta como um dos pontos centrais da teoria do conhecimento no horizonte da filosofia platônica. Para isso, pretendo analisar os pontos principais da obra em questão, tendo em vista, a estrutura interna da argumentação aí em jogo, sobretudo, os conceitos de reminiscência e virtude. Os dois pontos fundamentais do diálogo Mênon, consistem primeiramente na abordagem a respeito da possibilidade da virtude ser ensinada, bem como adquirida mediante exercício e ainda mais precisamente se essa virtude advém aos homens por natureza, tais questões, entretanto, que se apresentam no início do diálogo formuladas por Mênon, são direcionadas para Sócrates. Há deste modo, uma tentativa de definição por parte de Sócrates do conceito de virtude, culminando, por sua vez, na aporia. Mas por outro lado, o presente diálogo se lança em outra aporia, essa, porém, mais problemática, ou seja, sobre a própria possibilidade do conceito de reminiscência, revela-se já de antemão a possibilidade de aquisição do conhecimento. Desde já se vê que o método do conhecimento tal como apresentado I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página medida em que pressupõe a imortalidade da alma. Por isso, uma vez que se trata do 1 conhecimento, entrando em cena, por sua vez, o conceito de reminiscência, na ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 por Platão consiste na anámnesis ou lembrança, a tarefa do individuo é partir das coisas, para reconhecer nelas um ser que não se possui, mas que lhe provoque uma lembrança ou reminiscência das ideias antes contempladas pela alma. Conhecimento, portanto é lembrança. Estamos diante de um diálogo que apresenta dois aspectos importantes. Se por um lado o diálogo Mênon liga-se aos chamados diálogos socráticos, por outro lado, faz parte dos diálogos que encabeçam a transição para a fase posterior denominada fase de maturidade. A obra em questão inicia-se com a pergunta de Mênon ―a virtude é coisa que se ensina?‖1 a partir daí Sócrates reformula a questão específica, para uma tentativa de definir a virtude. Usando sua ironia como método maiêutico, Sócrates alega nada saber a respeito da virtude, detendo-se apenas nesse princípio. Um dos métodos que Sócrates utiliza para investigar um conceito, consiste primeiramente em instigar o interlocutor à apresentar a definição conceitual ora apresentada. Dessa forma, cabe a Mênon a tarefa da primeira tentativa de definir o que é virtude. O primeiro argumento utilizado por Mênon consiste na enumeração das virtudes ―ser capaz de gerir as coisas da cidade, e no exercício dessa gestão fazer bem aos amigos e mal aos inimigos (...) a virtude da mulher não é difícil explicar que é preciso a ela cuidar da casa‖2. Partindo da posição de Mênon, a crítica socrática entra em cena com intuito de contrapor tal definição, apresentando, por sua vez, seu primeiro argumento, ou seja, há uma unidade de virtudes para todos, unidade essa que deve dar conta da multiplicidade ―embora sejam muitas e assumam toda variedade de formas, tem todas um caráter único‖3.Note-se, porém, que no decorrer do diálogo ocorrem várias tentativas de definição tanto por parte de Mênon bem como de Sócrates, levando a partir daí a discussão à aporia. Tendo reconhecido a aporia sobre a qual se encontra a discussão, Sócrates detém-se no ponto que abrirá caminho à outra discussão, ou seja, a possibilidade do 1 Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.19. Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.23; 3 Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.23; 2 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 2 conhecimento mediante a reminiscência. Este movimento da argumentação nos ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 impõe em um plano estritamente metafísico na medida em que pressupõe a alma como sendo imortal e tendo como condição necessária o ciclo de nascimentos sucessivos, enfim, a alma contempla as coisas do mundo inteligível, não existindo, portanto conhecimento que ela não tenha contemplado. Ao apresentar tal argumento, Sócrates, a pedido de Mênon, pretende demonstrar a validade da tese em questão, propondo interrogar o escravo de Mênon. Tal interrogatório gira em torno de um problema matemático, ou seja, ao instigar o escravo a uma tentativa de resolução do problema, Sócrates o induz a aporia, essa é o ponto de partida para aquisição do conhecimento enquanto tal. Na medida, entretanto, em que discorre o interrogatório, Sócrates leva o escravo a solução do problema mediante a reminiscência. Isso nos permite caracterizar a validade da tese socrática, pelo fato, do escravo apresentar a solução de um problema matemático complexo mesmo apresentando um estado de completa ignorância intelectual. Por fim, retomando a discussão acerca da virtude, e depois de várias tentativas de defini-la, Sócrates a apresenta como sendo uma ―concessão divina‖1, contudo deixa um espaço aberto para uma nova definição no que concerne a virtude em si mesma o que comprova o completo estado de aporia pelo qual se encontra o presente diálogo. O conceito de reminiscência de Platão revela, já de antemão, a função que a obra Mênon adquire na transição para os diálogos de maturidade, e como motivação de discussão, assim se poderia apontar para uma pressuposição da teoria das idéias que estará estabelecida numa fase filosófica posterior. O conceito de reminiscência se faz necessário em Platão, pela necessidade de solidificar por um lado à argumentação de sua metafísica, e por outro lado, fazendo com que se coloque todo o peso da questão na imortalidade da alma. Por ser justamente a reminiscência a condição necessária para o conhecimento, dessa forma, se concebe a alma como 1 Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.109; I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 3 ponto de partida para todo o conhecimento. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Referências Página 4 PLATÃO. Mênon. Trad. Maura Iglesias. Rio de Janeiro: PUC - Rio, 2001. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO NA PESQUISA E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO Lucia Helena Barros do Valle Instituto Superior Sant`Ana [email protected] Palavras-chave: Sujeito; Objeto; Conhecimento; Lógica; Pesquisa; Realidade. No conhecimento da realidade o homem atribui conceitos às coisas do mundo exterior, interior e social. Isto corresponde ao aperfeiçoamento do pensamento da humanidade, da forma como esta, nas expressões das diferentes culturas, organizou o pensamento nas relações do homem com si mesmo, com seu semelhante e com a natureza. O objetivo deste trabalho é apresentar a construção do conhecimento a partir da posição da racionalidade na relação sujeito–objeto. Ou melhor, como a razão se expressou na Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea frente a esta relação? A elaboração de conceitos sobre a realidade acontece no pólo sujeitoobjeto, desse modo a humanidade os elabora de diferentes formas e de acordo com as distintas culturas e épocas. Alguns conceitos permanecem intactos por muito tempo, outros são reformulados num tempo menor. Esta reconstrução de conceitos está ligada a fatores concernentes à organização cultural, social e econômica das sociedades. desenvolvimento desses próprios conceitos. Diante disso, eles são tanto ponto de I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página partida para seu desenvolvimento e como processo no qual o homem conduz o 1 Os conceitos são tão atrelados à vida humana, que esta os entende como ponto de ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 partida como de chegada para o homem na busca pelo aperfeiçoamento dessas relações (homem mundo exterior, interior e social). Os conceitos são elaborados pela mente e transmitidos através da comunicação que se dá através da linguagem (corporal, artística, verbal). Quer dizer, o desenvolvimento do pensamento, da capacidade de conceituar e da linguagem é interdependente. Isto se dá frente a certo tipo de lógica, uma vez que ela expressa o modo como o raciocínio estabelece as relações entre o pensamento e o real. Ora, se existem modos diferentes para o raciocínio, esta distinção acontece sob dois aspectos: - em relação aos diferentes tipos de objeto do pensar; - em referência aos distintos modos de pensar tal objeto. Via de regra, a lógica, entendida como instrumento do pensar, chega à filosofia e às ciências sociais contemporâneas com uma discussão entre lógica formal e dialética. A primeira é entendida como a lógica da metafísica, isto é, concebe os objetos e fenômenos de maneira estática e as coisas, neste tipo de lógica, tendem a permanecer sem mudanças significativas. Porém, a lógica dialética entende os objetos e fenômenos num universo dinâmico, pois o princípio que diferencia fundamentalmente a lógica formal da dialética é a contradição. Quando um conceito sobre determinada coisa é elaborado, se está sob a ação de uma certa lógica de entendimento do real, e se esta evidencia um modo de ver as coisas, pode-se dizer que ela reflete uma visão de homem e mundo do sujeito. Contudo, a falta de orientação sobre que tipo de lógica o pensamento está atrelado, pode levar o indivíduo a ações incoerentes com seu modo de ver, sentir e estar no mundo. Numa palavra, refletir sobre esta lógica do próprio pensamento é enfrentar, muitas vezes, as contradições presentes na ação do indivíduo, se transformando I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página estar pronto ao diálogo consigo e com o mundo, através da reflexão sobre os 2 num exercício de tomada de consciência de eles próprios. Abrir a consciência é ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 conceitos das relações homem-mundo exterior, homem-mundo interior e homemmundo social. Quando se fala em pesquisa ou construção do conhecimento, seja em qual área for, a referência é a relação sujeito-objeto. Isto é, reporta-se a questão sobre qual a participação dos pólos subjetivo e objetivo na construção do conhecimento? Para respondê-la, tem-se que ter clareza do referencial teórico metodológico que vai orientar as ações sobre a realidade em estudo. Entretanto, antes disso, deve-se ter consciência de como a relação sujeito-objeto foi compreendida pelo homem na sua caminhada em direção ao desenvolvimento de seu modo de entender a realidade natural, social e subjetiva. Com base em Severino (1994), pode-se entender que esta relação sujeito-objeto, no processo de construção do conhecimento, ora teve a racionalidade centrada no sujeito, ora no objeto e finalmente na relação entre eles. Quer dizer, na Idade Antiga a razão centrava-se no objeto, uma vez que tanto seres mitológicos quanto fenômenos da natureza eram responsáveis por explicar o mundo, a realidade. O homem sujeitava-se a aceitar que a explicação do real se dava por algo externo a ele. Na Idade Média, a situação não mudou, pois a razão centrava-se ainda no objeto, em virtude de que a verdade, a explicação do mundo acontecia através das sagradas escrituras, então a realidade era explicada pelo poder divino. Finalmente, na Idade Moderna a razão desloca-se para o sujeito. O homem descobre sua capacidade de explicar e dominar os fenômenos da realidade natural e social. Os acontecimentos que permitiram este deslocamento da razão centrada no objeto para o sujeito ocorreram em virtude de fatos significativos na política, na filosofia e na ciência a partir do século XVII. Certo é que o homem descobriu seu poder de domínio e acreditou ser capaz de construir uma sociedade livre dos mitos e a vida boa almejadas, principalmente, com os avanços da ciência teve um preço I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página endeusamento do homem por ele mesmo o levou a compreender que a felicidade e 3 auto- suficiente para satisfazer as necessidades e aspirações humanas. Este ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 alto. Isto é, as desigualdades continuaram a se instalar entre os povos, o processo de globalização interferiu nas diferentes culturas trazendo à tona reações das mais diversas, como diferentes tipos de violência. Por conseguinte, no que diz respeito à leitura e interpretação filosófica desse cenário, os pensadores da contemporaneidade avançaram ao compreender que a razão tende a deslocar-se do sujeito para a relação entre sujeitos capazes de entendimento sobre a realidade. Ou seja, sujeitos se entendendo sobre algo no mundo exterior, interior ou social, sendo que aqui, a personagem central é a linguagem. É através dela que a racionalidade se expressa e se torna capaz de enfrentar questões que estão afetando a vida dos homens, tais como o aquecimento global e muitos avanços da genética, as quais precisam ser discutidas sobre seu aspecto ético diante da diversidade cultural, social, religiosa, política e econômica das nações. Enfim, esta guinada paradigmática na filosofia traz um prenúncio de maior possibilidade de diálogo entre os sujeitos, a fim de permitir a eles enfrentar um mundo que sofre transformações aceleradas tanto pelo viés da ciência quanto da ligeira velocidade da informação. Bibliografia HABERMAS, Jurgen. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004. _____. Pensamento pós- metafísico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. Página 4 SEVERINO, Antonio Joaquim. Filosofia. São Paulo: Cortez, 1994. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 O POSITIVISMO COMTIANO E O DISCURSO PROGRESSISTA DE GETÚLIO VARGAS NO ESTADO NOVO (1937-1945) João Henrique dos Santos UNICENTRO/PR. [email protected] Palavras-chave: Positivismo, Augusto Comte, Discurso, Progresso, Estado Novo. O positivismo comtiano tem apresentado grande influência na história política brasileira, não apenas no momento da formação da República (1889), mas especialmente em suas releituras, como forma de justificação de poder em regimes de cunho totálitário, como no caso do Varguismo (1930-1945), e Ditadura Militar (1964-1985). Segundo o historiador José Murilo de Carvalho, no período republicano o positivismo fundamenta-se como conceito político e ideológico do governo, tal fato teria ocorrido, especialmente, pelo forte aparato simbólico e progressita de seu discurso (CARVALHO, 1990). Desta forma, o positivismo torna-se o principal conceito ideológico dos primeiros governantes da república recém formada. Portanto, compreender a atuação do pensamento positivista comtiano, em relação a construção dos discursos e atos políticos no Brasil, durante o século XX, torna-se um ponto de partida para estudos sobre a construção dos conceitos de cidadania e civilidade nacional. Seguindo este pressuposto, pretendo analisar o discurso comtiano, em especial, a abordagem sobre a "marcha progressiva do espírito humano" exposto em sua obra Cours de Philosophie Positive (COMTE, 1978). Darei destaque ao estado metafísico e positivo, refletindo posteriorme sobre a Página seus discursos para os jovens duranto o Estado Novo (1937-1945). 1 reinterpretação destes conceitos realizado por Getúlio Vargas, que os transmite em I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Augusto Comte torna-se um grande expoente do pensamento francês, com a publicação de sua principal obra, Cours de Philosophie Positive (Curso da Filosofia Positiva). Nesta obra nos é perceptível que "a filosofia é reduzida a metodologia e sistematização das ciências" (PADOVANI, CASTAGNOLA; 1978, p. 430). Dentro deste esquema, ou melhor, deste curso de evolução da humanidade, Comte nos apresenta três estados evolutivos necessários para alcançar o progresso. O primeiro estágio, chamado estado teológico, apresenta-se como aquele em que o método para explicação dos fenômenos consiste na busca das causas primeiras e finais, ou seja, na busca de um conhecimento absoluto, cuja explicação fundava-se, em última análise, na ação direta, contínua e arbitrária de "agentes sobrenaturais" (COMTE, 1978, p. 4). O segundo estágio configura-se pelo estado metafísico, no qual os homens passam a explicar o mundo e os fenômenos naturais, por meio do recurso de conceitos abstratos e não verificáveis, transcendentais em sua essência. Esses conceitos abstratos do estado metafísico, conforme Comte, acabam substituindo os "agentes sobrenaturais" do estado teológico e, todos os fenômenos observados passam a ser explicados pela relação que possuem com cada entidade abstrata correspondente. Este processo de transformação é possível graças ao contínuo avanço das ciências, em especial das ciências naturais; que gradativamente eliminariam os mitos e deuses, trazendo o homem para o domínio de sua existência. O terceiro estágio é denominado estado positivo. Afirma Comte ser esse o último estágio da razão humana, aquele em que ela alcança a sua "virilidade". A principal característica do terceiro estado é que nele "o espírito humano reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página similitude." (COMTE, 1978, p.132.) 2 observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Para o conhecimento positivo, que representa o conhecimento científico, o estabelecimento de relações de causa e efeito constitui o seu núcleo, independentemente da área do conhecimento em questão. Aliás, Auguste Comte propôs também uma hierarquização das ciências, de forma que as ciências consideradas exatas seriam as mais simples e as ciências sociais as mais elevadas. A sociologia seria a ciência mais elevada de todas, mas assumiria a forma de uma "física social" (physique sociale) (COMTE, 1978, p. 9). Além disso, foi Auguste Comte quem fundamentou como imprescindível a determinação rigorosa de objeto e método para a configuração de um determinado campo do saber como "conhecimento científico" e portanto, integrante das ciências positivas. Assim, além de alcançar o estado maxímo do saber humano a sociedade também iria encontrar a perfeita realização social de seus integrantes. Com um discurso evolucionista e dispondo de um final préviamente definido - o estado positivo, onde além de encontrar o pleno avanço das ciências, encontraria-se a plena realização da sociedade - percebe-se o quão útil fora para a elite política nacional, utilizar-se destes conceitos para induzir o sentido de progresso no imaginário coletivo brasileiro. Cabe salientar, que segundo os intelectuais brasileiros dos anos 30, grande parcela considerava de extrema necessidade o avanço tecnológico do país. É utilizando-se desta necessidade de avanço e deste imaginário de progresso já existente na sociedade brasileira, desde a sua formação como república, que Getúlio Vargas reapropia-se do conceito positivista, tornando-se ele mesmo o porta-voz deste avanço. Tal utilização é evidente em seus discursos, sempre apresentando os seguintes termos e conceitos: "Anima-me a certeza de que tôda esta multidão [...] é capaz de erguer comigo os alicerces da construção do Brasil Novo, que jurámos empreender.[...] Educar não é, somente, instruir, mas desenvolver a moralidade e o I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página conhecimento de suas forças". 3 caráter [...] ensinado-lhe as artes necessárias para a mais alta das virtudes: o ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Vargas ao utilizar-se de valores filosóficos e sociais já incoporados na sociedade, apresenta-se como o "pai da nação", que veio levá-la ao progresso e consequentemente à paz, Assim, embora execute um governo ditatorial, cheio de sanções a liberdade de expressão, mantém-se como herói nacional e agente promotor do progresso, mesmo que para isso seja necessário perder a liberdade individual. Referências CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. COMTE, Auguste. Curso de filosofia positiva; Discurso sobre o espírito positivo; Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo; Catecismo positivista. São Paulo: Abril Cultural, 1978. [Col. Os Pensadores] PADOVANI, Umberto; CASTAGNOLA, Luís. História da filosofia. 12. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1978. FONTES HISTÓRICAS Página 4 DIP. A Juventude no Estado Novo. Imprensa Ofícial, 1940. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 RAZÃO E MORAL EM BERGSON Marcelo Prates de Souza Mestrando – UFPR [email protected] Palavras-chave: Moral aberta; Moral fechada; Obrigação; Razão. O objetivo deste trabalho é buscar compreender a origem da moral segundo Bergson mediante sua crítica à razão, tal como presente na obra As duas fontes da moral e da religião de 1932. Quando Bergson questiona o porquê se obedece constantemente às mais variadas obrigações, busca entender o que há por trás da obrigação em geral. Tal fenômeno é tão constante na vida cotidiana que o homem nem percebe o porquê de seu consentimento, e quando busca uma resposta, dirá que é a sociedade que assim se comporta; a vida social se mostra como um conjunto de hábitos. Por ser o impessoal que nela impera a consciência individual permanece quase nula, uma vez que a autoridade provém mais do lugar que o indivíduo ocupa do que dele próprio. Deste modo, para Bergson, não há diferença de natureza entre o instinto animal e o hábito, pois tanto o homem como o animal vivem sobre a forma de uma sociedade que é fechada em si mesma, isto é, crê-se que a sociedade já está realizada. Ela constitui um todo organizado, o todo da obrigação, que em seu conjunto, recai com todo seu peso mesmo para a mais ínfima obrigação particular. É por isso que cada obrigação aparece como um dever: é preciso porque é preciso. Entretanto isso não quer dizer que ela seja de todo negativa, pois é dela que o indivíduo retira sua força: é ela que liga o homem a si momentos a obrigação torna-se algo difícil e duro de realizar. É quando ela se 1 transforma em um esforço sobre si mesmo, já que nem sempre é fácil ser honesto, Página mesmo e ao outro. A questão consiste, então, em saber por que em certos bom cidadão, etc. Nisto se manifesta certa resistência ao dever, mas por se estar I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 mergulhado na sociedade de tal modo, logo se é arrastado novamente ao conjunto. Cria-se uma resistência a essa resistência, e é nela que o homem busca dar razões a si mesmo para se manter no curso da sociedade. Todavia, esses hábitos são diretos, mesmo quando se trata do amor aos pais e a pátria. O que Bergson crítica em tais hábitos é que eles dizem estar sobre a rubrica do amor à humanidade, e o fim do dever é para com ela. Todavia tais deveres encontram-se em suspenso, já que tais hábitos representam escolhas, e portanto exclusões. Há, entretanto, uma moral que é indireta e acolhe esse amor à humanidade. O humano não é o social, ultrapassa-o de tal modo que ele só se manifesta por personalidades as quais incorporam essa moral: foram os santos, os sábios. Basta apenas a sua existência e nela se arrastam multidões. Como se consegue tal força? É suficiente que haja mais na alegria do entusiasmo que no prazer do bem-estar. E o que configura essa outra forma de moral, a moral aberta, é que ela não se fecha em si mesma, mas é abertura. Isso não quer dizer que há uma ruptura com a moral antiga, pois esta envolve a moral fechada e a coloca no curso de um progresso que abrange de forma mais geral a humanidade, ou seja, rompe-se com certa natureza, mas não com a natureza, como, usando uma expressão de Espinosa, Bergson diz que é para voltarse à natureza naturante que se sai da natureza naturada. Neste sentido, há para o homem uma primeira moral, a moral fechada, que o caracteriza em um conjunto de hábitos, que para Bergson, correspondem simetricamente aos instintos nos animais, e por isso, é menos que a inteligência, própria do homem. E há uma segunda, a moral aberta, que ultrapassa sempre uma multiplicidade que é incapaz de lhe equivaler, esta é, portanto, mais que a inteligência. Entre as duas há a própria inteligência. E, segundo Bergson, é por tentarem fundamentar a moral na inteligência, que para ele equivale à razão, e, portanto, algo típico das teorias do dever, é que a filosofia quase nada conquistou no sentido de explicar como uma causa de pressão e o objeto de aspiração, portanto, neles não se apreendem nem a I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página sobre a representação por conceitos, os quais são mistos que reúnem em si o que é 2 moral pode ter tanta influência sobre os homens. Tais dificuldades se acentuam ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 pura obrigação, nem a pura aspiração. O problema do misto se torna fundamental porque é justamente por não o perceberem que os filósofos só viram diferenças de grau ali onde há diferença de natureza, sendo que é nesta natureza que se encontra a origem da moral. Entretanto, Bergson não nega que são esses conceitos que exercem ação sobre os homens. As duas forças estão presentes, mas jamais o homem se refere diretamente a elas toda vez que busca tomar uma decisão, pois na verdade nunca se apreende cada força no seu estado puro: a aspiração pura é um limite ideal, como a obrigação nua, mas na prática as duas permanecem confundidas. O racional não é incoerente, pelo contrário, é nele que o homem encontra coerência quando necessita saber o que fazer em cada caso particular. Isso significa dizer que todas as atividades morais na sociedade são racionais, pois no plano intelectual as exigências morais interpretam-se sob conceitos, onde cada um é representativo de todos. Destarte, há duas forças, instinto e inteligência que são formas da vida se manifestar, e a obrigação como hábito não tem diferença de natureza com o instinto; são nessas duas fontes que se formulam os conceitos morais, que são justamente, mistos. Duas coisas se podem concluir: primeiramente que não uma há necessidade primordial de fundamentar uma moral na razão. A ação moral é racional, mas não resulta daí que a razão seja sua origem. O que há de propriamente obrigatório na obrigação não vem da inteligência. Ela só explica da obrigação o que se encontra dela na hesitação. A obrigação real é anterior às formas de obrigação do dever, pois a obrigação é uma necessidade da vida, e o que a razão vier a estabelecer sobre ela já assumirá o caráter obrigatório, eis o porquê Bergson considera as morais intelectualistas inúteis e inoperantes quando buscam um fundamento para a obrigação moral. Em segundo lugar, por trás da razão, há homens que tornam a humanidade divina. Onde, como diz Bergson, a humanidade é convidada a colocar-se num nível determinado, mais elevado que uma sociedade I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página elevada que uma assembleia de deuses, onde tudo é impulso criador. Por haver 3 animal, em que a obrigação não seria mais que a força do instinto, porém menos ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 sempre a possibilidade de abertura é que, retomando as palavras do Ensaio, há mais encanto na esperança que na posse, no sonho que na realidade. Bibliografia BERGSON, Henri. As duas fontes da moral e da religião. Tradução: Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1978. ______________. Ensaio sobre os dados imediatos da consciência. Tradução: João Página 4 da Silva Gama. Lisboa: Edições 70. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 OS FUNDAMENTOS DO GOSTO, DA ARTE E DO GÊNIO NA ESTÉTICA DE IMMANUEL KANT Edy Klévia Fraga de Souza Profª. do Depto. Filosofia/UFMT Mestranda ECCO/UFMT Orientador: Guilherme Wyllie [email protected] Palavras-chave: gosto, estética, juízo, arte, gênio. Embora a arte e a beleza tenham sido objetos de estudo desde a antiguidade, o termo ‗Estética‟ foi criado na Alemanha em 1735 por Alexander Gottlieb Baumgarten, introduzindo essa palavra em sua acepção contemporânea em seu trabalho Meditações Filosóficas Sobre a Questão da Obra Poética. A estética foi definida por Baumgarten como ciência do conhecimento sensível, ou seja, a investigação da beleza manifesta na obra de arte. Esse autor iniciou o que mais tarde foi desenvolvido pelo filósofo Immanuel Kant em sua obra Crítica da Faculdade do Juízo publicada em 1790. Percebe-se nesta obra que o principal foco kantiano é o Belo que se relaciona ao gosto como faculdade avaliativa e à arte enquanto obra produzida pelo gênio. O que orientará essa investigação será a tentativa de responder a seguinte questão: é possível reivindicar uma universalidade de gosto acerca do Belo por bases subjetivas? Para respondê-la, Kant partirá dos princípios fundamentais dos três prazeres presentes no sujeito, relacionando-os e distinguindoos, na tentativa de pressupor o senso comum estético fundamentado em um livre jogo entre imaginação e entendimento. Posteriormente, definirá o dom genial do I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página ciências. Tal investigação resultará em um poder de julgamento por parte do sujeito 1 artista produtor das belas artes, distinguindo essas últimas dos artefatos e das ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 em relação ao objeto, onde a comunicabilidade entre ambos será de suma importância. O juízo de gosto, no qual a estética kantiana busca explicitar, é a expressão de um modo de representação distinto do teórico. Portanto, não é um juízo fundamentado em conceitos lógicos porque é subjetivo, sendo que o prazer é decorrente da reflexão que o sujeito faz em relação ao objeto, propiciando uma relação entre o intelectual e o sensível. Enquanto no juízo lógico o que importa é a existência do objeto e as qualidades nele inseridas propiciando o conhecimento, no juízo de gosto o objeto não precisa existir, mas apenas estar representado, suscitando a reflexão no sujeito para que o mesmo possa ter como consequência o prazer estético. Sendo assim, o juízo de gosto nada informa sobre o objeto, mas sobre o sentimento do sujeito em relação ao objeto, pois é meramente contemplativo e desinteressado. Na complacência do agrado o prazer está nas satisfações dos desejos e estímulos particulares, naturais e imediatos do sujeito sobre um objeto e por isso, depende da faculdade de apetição. Embora seja possível encontrar no agradável certa unanimidade entre as pessoas no que tange as regras gerais que mudam de acordo com as necessidades da sociedade, essa complacência continua se diferindo das teorias universais que são provadas teoricamente e demonstráveis empiricamente. A complacência no bom também visa um interesse, mas sua mediação é dada na razão o que o difere da complacência no agrado que é mediado pelas sensações e inclinações imediatas dos sentidos. O bom nem sempre é acompanhado de sensações agradáveis, mas visa um fim útil. É importante ressaltar que tanto o agradável como o bom são complacências que visam tal finalidade útil, o que os diferem é que enquanto no primeiro o prazer consiste na satisfação imediata e irracional, no segundo o sujeito conceitua o objeto através do raciocínio lógico e não pode ser demonstrada como qualidade do objeto porque é um sentimento fundamentado no subjetivismo e não em conceitos objetivos. Nesse caso, o que I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página acerca da beleza expressa no juízo de gosto, é preciso ter em mente que a beleza 2 somente posterior a isso emite o julgamento. Mas para pensar no senso comum ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 possibilita e fundamenta essa universalidade em relação ao gosto é o jogo livre entre imaginação e entendimento que o próprio indivíduo realiza ao se comunicar com a obra. O jogo livre, como o próprio nome já sugere, é livre porque não se fundamenta no interesse, nem na utilidade e muito menos em conceitos pré-determinados. Nesse contexto, o entendimento, como faculdade das regras, não submete a imaginação a ele, mas contribui para que a reflexão no juízo de gosto não seja desregrada. Daí a necessidade do entendimento que, ao se relacionar com os conceitos, não permite que o gosto estético seja confundido com o simples agrado das sensações. A imaginação por sua vez, desprovida de conceitos determinantes é produtiva, sendo capaz de manifestar-se e, portanto, ser comunicável. O senso comum estético nasce desse acordo entre a livre imaginação e o entendimento não determinante. Por sua subjetividade, não há possibilidade de prová-lo objetivamente, como acontece no juízo lógico, mas pode-se pressupor sua universalidade devido à universal capacidade do sujeito de realizar o jogo livre das faculdades e obter como consequência o prazer acerca da beleza. Partindo desses pressupostos, pretendo analisar a concepção de Kant no que tange a obra de arte em si, bem como sua produção como obra de um Gênio que é o verdadeiro artista. Kant começa suas distinções no §43 de sua terceira crítica, onde separa a arte da natureza. Enquanto a primeira é obra de uma razão produtiva e, portanto, de um gênio, a segunda é obra do instinto e não deve ser considerada obra de arte. Embora as pessoas considerem que os favos de cera construídos regularmente pelas abelhas sejam arte de uma natureza, isso se trata apenas de uma produção natural, sem ponderação racional. Ao relacionar arte e ciência, o autor enfatiza as principais diferenças entre a arte mecânica e arte estética, sendo essa ultima subdividida ainda em arte agradável e arte bela. Ao expor a importância da arte bela como se fosse natural, ele ressalta o poder essencial do gênio, ou seja, do verdadeiro artista, dotado de uma A problemática presente na teoria estética de Immanuel Kant se concentra na tentativa de pensar em um senso comum acerca do belo. Tendo a universalidade I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 3 genialidade que Kant denomina dom natural, fazendo dele um ser único e original. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 como princípio do juízo de gosto, a beleza deverá, portanto ter validade comum para todos os sujeitos que a julgam, retirando-a do ponto de vista da idiossincrasia. É importante ressaltar ainda que embora o juízo de gosto reivindique uma universalidade equivalente ao juízo moral e ao conhecimento teórico, a beleza não pode ser demonstrada, pois não está sob regras determinantes. A complacência aí em jogo é uma consequência de um jogo livre realizada pelo sujeito. Diante desse complexo contexto, Kant nega às obras de arte características científicas e as distingue dos artefatos, sendo que os últimos visam um interesse final. Nesse caso, somente o verdadeiro artista, o gênio, é capaz de realizar uma obra de arte pura nos moldes de um gosto estético onde o elemento primordial, o juízo, será o fator especifico no que se refere à complacência acerca da beleza. O que a estética kantiana nos mostra é que mesmo diante de um juízo onde se proponha uma universalidade acerca do gosto, o seu fundamento é subjetivo e, portanto, não há aqui uma pretensão de provar tal juízo, mas apenas de confirmar o direito de se discutir a beleza. Referências KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Trad. Valério Rohden e Antonio Página 4 Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 LINGUAGEM E MENTE ORNAMENTAL Felipe dos Santos Milani Mestrando - PUCPR Há milênios uma das questões mais centrais em filosofia é: o que é a mente humana? Como ela funciona? Desde então existem muitas metáforas em humanidades e em biologia que tentam, há muito tempo explicar o que é e como funciona a mente humana. Nossa mente já foi descrita como; lousa em branco, processador, computador de informação, módulo holográfico, máquina pragmática de sobrevivência, canivete suíço, e muitas outras. Dentro destas perspectivas sobre a mente humana a psicologia evolutiva entende nossa mente como um conjunto de adaptações biológicas que visam aumentar as chances de sobrevivência e reprodução do ser humano, mas desde que a psicologia evolutiva tem tentado explicar o que é e como funciona nossa mente, ela tem encontrado muita dificuldade em explicar aquelas características da mente que não trazem benefício para a sobrevivência do homem, características como: nossa capacidade artística, nosso instinto moral, nossa criatividade e humor e principalmente nossa linguagem complexa. Neste contexto o psicólogo Geoffrey Miller desenvolveu uma metáfora para nossa mente que tenta explicar porque surgiram e quais as funções realizadas por estas características de nossas mentes. Para explicar estas características de Miller se utilizou de algumas teorias em biologia e psicologia começando pelo princípio de seleção sexual como proposto por Charles Darwin em 1871, o princípio de descontrole como proposto por Ronald Fisher em 1930, a teoria de jogos aplicada a propõe que as características da mente que apresentam certa resistência para serem explicadas em um contexto evolutivo, por não apresentarem nenhuma I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página em 1975. Nesta metáfora da mente, chamada Mente Ornamental, Geoffrey Miller 1 psicologia evolutiva, e o princípio de desperdício como proposto por Amóz Zahavi ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 contribuição para a sobrevivência do ser humano, podem ser explicadas em uma perspectiva evolutiva desde que esta perspectiva inclua o principio de Seleção Sexual como fonte explicativa de adaptações e não apenas a seleção natural darwiniana. Para Miller se queremos entender; moralidade, capacidade artística, humor e principalmente linguagem complexa, as quais são características universais para o ser humano, precisamos estender nosso entendimento sobre o que é uma adaptação, e deixar de ver nossas adaptações como características que aumentam nossa chance de sobrevivência, para entendê-las como características que aumentam nossa chance de sobrevivência, e ou, nossas chances de reprodução, ou seja de arranjar um parceiro sexual com o qual podemos gerar descendentes. Ao incorporarmos o princípio de seleção sexual à psicologia evolutiva, lançamos nova luz à questão sobre para quais funções servem estas nossas características, para Miller o princípio de seleção sexual, aliado principalmente ao conceito de desperdício de Amóz Zahavi, elucidam para quais funções estas adaptações nos servem. Em seu livro A Mente Seletiva Miller argumenta que estas características citadas anteriormente, moralidade, arte, humor e criatividade e linguagem, apesar de não colaborarem com nossa sobrevivência, colaboram com nossa busca por parceiros sexuais e reprodução, para Miller estas atividades anunciam nossa aptidão e nossas qualidades, diretamente para possíveis parceiros sexuais os quais presenciam estes comportamentos, ou indiretamente, já que estas exibições de moralidade, capacidade artística, linguagem complexa e bom humor e criatividade podem gerar um maior status social para o indivíduo no grupo o qual ele pertence, o que por sua vez aumenta nosso valor no ―mercado‖ de parceiros sexuais. Assim um dos principais fenômenos da mente humana, a linguagem é explicada por Miller em um contexto de evolução biológica por seleção sexual. Para tratar do fenômeno da linguagem Miller se apóia no trabalho de outro psicólogo evolutivo, Steven Pinker, o caracteriza como uma adaptação biológica,um verdadeiro instinto, mas em sua obra I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página nossa linguagem falada, o modo como a desenvolvemos, como à usamos à 2 qual em sua obra O Instinto de Linguagem demonstra como as características de ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Pinker não se propõe a explicar como este instinto surgiu ou como ele evoluiu, apenas caracteriza nossa linguagem como um instinto. Para Miller a linguagem como um instinto evoluiu através do processo de seleção sexual. Para ele a forma como nossos ancestrais usavam sua linguagem era um importante fator de seleção do parceiro: humanos que apresentassem maior vocabulário, discurso mais conciso, boa memória, conteúdo interessante, e boa gramática tinham mais chances de conseguir um parceiro sexual sendo todos os outros parâmetros iguais. Assim, durante o período pleistocênico, à medida que nossos ancestrais usavam sua linguagem para seduzir seus possíveis parceiros sexuais, esta ia se transformando e adquirindo complexidade tal a qual observamos hoje. Pesquisas sobre como usamos nossa linguagem quando estamos em situações de corte, ou quando fazemos discursos públicos, realizadas por diversos psicólogos como, por exemplo, o norte americano David Buss, o qual conduziu um estudo sobre sexualidade humana em 126 países, tem confirmado as previsões da teoria de mente ornamental para a linguagem e para outras áreas do comportamento e da psique humana, relevando importância do conhecimento e divulgação desta teoria para a psicologia e para as humanidades como um todo. Referências bibliográficas MILLER, Geoffrey. F, A Mente Seletiva. Editora Campus. 2001 DARWIN, Charles, Origem do Homem e a Seleção Sexual. Editora Hemus 1983 BUSS, David, The Evolution of Desire. Editora Basic Books. 2003 ZAHAVI, Amótz, The Handicap Principle. Editora Oxford. 1997 FISHER Ronald A, The Genetical Theory of Natural Selection. Editora Oxford. 2006 BLACK Max, MODELOS Y METÁFORAS. Editora Tecnos. A. Madrid. 1966 Página 3 PINKER Steven, O INSTINTO DA LINGUAGEM. Editora Martins Fontes. 2004 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A RELAÇÃO DE FOUCAULT E KANT: AUFKLÄRUNG E ATITUDE CRÍTICA Pós-Graduando: Marcelo da Rocha Instituição: PUC – PR Email: [email protected] Palavras-Chave: Foucault, Kant, Aufklärung, Sujeito, Diagnóstico. Os estudos das aproximações entre os pensamentos de Foucault e Kant tem sido abordados por diversos pesquisadores de filosofia, a linha de pesquisa, embora, os diversos trabalhos, mantém ainda um campo amplo para desenvolver-se e para fomentar o debate filosófico. Este trabalho pauta-se sobre dois objetivos básicos: primeiro analisar os fundamentos da crítica foucaultiana a partir da Aufklärung e em segundo momento identificar a radicalização dos conceitos de Razão Pública e Privada no pensamento de Foucault. Para efetivar este estudo, partirei da análise e leitura do texto de 1984, O que são as Luzes? Foucault faz uma análise do texto kantiano de 1784 intitulado, Was ist Aufklärung? Foucault inicia o texto fazendo algumas considerações sobre o escrito kantiano, uma primeira observação feita pelo filosofo francês é o fato deste texto fazer uma análise do presente, aponta ainda que para Kant a saída do estado de minoridade (Auder Saper) está relacionada a um estado de vontade do sujeito e, portanto a busca da autonomia. Para Foucault a Aufklärung ainda é definida pela relação preexistente entre a vontade, autoridade e o uso da razão. Salienta o pensador francês que Kant apresenta essa saída de maneira bastante ambígua, em um dado momento esse processo está em desenvolvimento, em outro momento o mesmo processo se apresenta como uma Foucault já havia explorado a questão da Aufklärung em uma conferência de 1978 publicada no boletim da sociedade francesa de filosofia, chamada O que é a Crítica? I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página processo coletivo e ao mesmo tempo um processo de ação pessoal do sujeito. 1 tarefa, como uma obrigação, o que de certa forma caracteriza a Aufklärung como um ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Foucault faz uma aproximação entre a Aufklärung e a crítica, está entendida neste texto como uma atitude muito semelhante à Aufklärung pensada por Kant no século XVIII. Porém a Aufklärung kantiana faz uma crítica que conduz aos limites conhecimento e como o homem utiliza esse conhecimento para administrar sua vida e pensamento de uma maneira autônoma, dispensando seus tutores assumindo sua própria tutela, isto é, ser capaz de autogovernar-se diante de uma sociedade heterônoma. É esse aspecto que Kant denomina como razão pública. Sob o prisma da razão privada, o sujeito tem o dever de cumprir com suas obrigações perante as instituições e a sociedade, culminando assim em um agir pautado pelo dever isentando-se do ato crítico para submeter-se a um conjunto de normas sociais. A crítica pensada por Foucault é uma análise da constituição de subjetividades, seja esta moderna, sob a forma sujeito, que é pensado a partir de determinados aspectos científicos, ou contemporâneos, sob alguma outra configuração de relação do saber e de poder. Retornando ao texto de 1984, Foucault afirma que a Aufklärung é um momento oportuno para o desenvolvimento da crítica, segundo ele a crítica é, de qualquer maneira, o livro de bordo da razão tornada maior na Aufklärung, e inversamente, a Aufklärung é a era da crítica. Para Foucault esta crítica acontecerá como anunciada no texto de 1978 a partir e sobre as relações de saber e de poder, como uma atitude de não ser governado. No texto de 1984 essa investigação configura-se como uma atitude crítica que se estenderá para a relação do sujeito consigo mesmo, ou seja, uma atitude crítica de si. Pode-se afirmar que Foucault fundamenta a crítica do sujeito moderno na concepção kantiana de Aufklärung transformando-a em uma crítica não somente da razão sobre aquilo que ela é capaz de conhecer ou no dever que ela pode fundamentar no uso público e privado da razão, mas sim na investigação da ação racional do sujeito sobre o outro, sobre o saber e principalmente sobre si mesmo. Portanto, Foucault radicaliza o pensamento subjetivação que o sujeito produz sobre o próprio corpo e de certa forma na maneira I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página o saber, mas também na relação consigo mesmo, analisando os mecanismos de 2 kantiano fazendo uma análise do sujeito na sua relação não somente com o poder e ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ou nas formas de saber e poder que este sujeito é capaz de estabelecer nas suas relações com o outro e consigo mesmo. Essa atitude crítica faz uma escavação contínua das relações nas quais o sujeito é assujeitado e de certa forma como também este mesmo sujeito produz os processos de assujeitamento por meio da relação com o saber e de poder e consigo mesmo. Portanto, Foucault além de radicalizar o pensamento kantiano e o conceito de razão pública e privada propõe que essa atitude crítica permita ao sujeito realize um diagnóstico do presente sobre os saberes ou sobre os poderes que o envolvem e o constituem e que ele como sujeito também constitui, é necessário que o sujeito raciocine também sobre si próprio, que investigue as relações e as ações consigo mesmo. Para Foucault a modernidade é muito mais que um período histórico, a modernidade é o momento oportuno para uma atitude crítica, como uma atitude de escolha voluntária que é feita pelo sujeito na sua maneira de pensar, de agir com outro, de agir com o saber, com o poder e consigo mesmo. Foucault aponta que apesar de haver em Kant uma tentativa de heroificação do presente, que faz necessário, neste contexto de modernidade um diagnóstico do presente, enquanto uma atitude crítica continua, que pode possibilitar uma nova atitude ética. Referências FOUCAULT. Michel. A Arqueologia do Saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. 7ª ed. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2005. ____________. As Palavras e as Coisas. Trad. Salma Tannus Muchail. São Paulo. Martins Fontes, 1981. ____________. História da Sexualidade, a vontade de saber I. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A Guilhon Albuquerque. 17ª ed. São Paulo. Graal, 1988. ____________. ―O que são as Luzes?” In: Arqueologia das ciências e da história dos I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Vassalo. 3ª ed. Petrópolis, Vozes,1984. 3 ____________. Vigiar e Punir, nascimento das prisões. Trad. Ligia M. Pondé ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 sistemas de pensamento. Ditos e Escritos II. 2ª ed. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2005. ____________. ―O que é a Crítica [Crítica e Aufklärung].” Trad. Gabriela Lafetá Borges. Boletim da sociedade francesa de filosofia. Conferência proferida em 27 de maio de 1978. Vol. 82, nº 2, pp. 35-63 abr/jun de 1990. LALANDE. André. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo. Martins Fontes, 1993. KANT. Imannuel. A Paz Perpétua e Outros Opúsculos, Resposta à pergunta: O que é o iluminismo? Trad. Artur Morão. Editora 70ª p. 11-19. Lisboa, 2002. Disponível na Internet via WWW. URL. Http.web.educom.pthp.137/online/iluminismo.rtf. Dia: 11/11/07. MUCHAIL. Tannus Salma. Foucault, simplesmente, textos reunidos. São Paulo. Loyola, 2004. REVEL. Judite. Foucault, conceitos essenciais. Trad. Carlos Piovezani e Nilto Página 4 Milanez. São Carlos. Claraluz.2005. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 SCHILLER E O IMPULSO ESTÉTICO Filipi Silva de Oliveira Universidade Estadual do Rio de Janeiro Orientadora: Prof.Dra. Maria Helena Lisboa da Cunha Palavras-chave: Natureza; Espírito; Beleza; Jogo; Imaginação Kant deixou rastros com sua passagem. O vulto de sua obra se estendeu largamente nos círculos acadêmicos. Fora ovacionado por uma geração de pensadores e de artistas impressionados com o gigantismo de suas ideias. Seu conterrâneo Schiller, poeta, filósofo e orador se acha entre um deles. O contágio da filosofia crítica kantiana se fazia inevitável, uma vez que o seu arcabouço conceitual implementa junto com a revolução francesa uma nova aurora no humanismo do mundo moderno encarnada pelo espírito do Aufklärung. È nítida a presença da sombra de Kant por detrás da estética schilleriana, mas esse filósofo, à maneira daqueles que formaram o disperso grupo dos pós-kantianos, soube interpretar o legado crítico deixado pelo gênio de Konnigsberg, sem, no entanto, reproduzir e cultuar o seu verbo. Em Schiller, é notável o zelo por não deixar o kantismo sucumbir a possibilidade de uma nova proposta crítica; e é o que ele faz. Em sua obra tardia Cartas sobre a educação estética do homem, quando já se encontrava debilitado pela tuberculose, Schiller procura traçar um ideal de homem impensado por seu mestre. Atento à dialética elementar da filosofia kantiana formada pela tenta solucionar o problema de modo diverso do de Kant, pois enquanto este via na moral e na razão teórica um modo de libertar o homem da violência das inclinações, I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página que descarta de maneira decisiva o duelo entre a coisa em si e o fenômeno. Ele 1 paridade natureza-espírito/sensibilidade-razão, Schiller dá largada em um concurso ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Schiller prefere trazer à cena a necessidade de unir na práxis a realidade material com a verdade formal através de uma unidade aglutinadora: a beleza ideal ou Kalias. Encantado com a possibilidade de instaurar aquilo que Nietzsche depois chamaria de ―metafísica de artista‖, Schiller revela seu pendor: ―resisto a essa amável tentação deixando que a beleza preceda liberdade‖. Opondo-se ao racionalismo, ele concilia o que, desde a modernidade, passou a se manter apartado por conta dos arrivismos intelectuais das escolas. Schiller percebeu, ao comparar a cultura grega pré-platônica à moderna cartesiana, haver ocorrido uma fissura implacável em nossos costumes: desaprendemos a intuir, uma vez que a tendência separatista do entendimento tomara posse do conhecimento. Assim, o homem perdeu sua virtude lúdica, em troca da disputa vaidosa entre razão e sensibilidade. Logo, o esforço do poeta-filósofo é, insurgir-se contra o domínio da razão por parte dos filósofos e o da sensibilidade por parte do senso-comum, fornecendo uma salvação que extrapola a esfera psicológica e atravessa os componentes nocionais do kantismo (sujeito e objeto) para estender às relações de poder, isto é, à organização política das forças. Mas para isso seria necessário que algo fora da natureza e do espírito tomasse a frente e dirigisse essa nova eticidade humana, diferente daquela embasada numa moral subjetiva. É na beleza que Schiller vê a oportunidade de mergulhar novamente o homem na natureza, reeducando-o em sua convivialidade no meio de onde deriva; por meio não de imperativos categóricos, mas sim do jogo entre a vida e a forma, em que não pesa nenhum dos lados, havendo com isso um essencial acordo entre o infinitamente limitado (fenômeno) e o infinitamente ilimitado (coisa-em-si). Seja como for, ele propõe as núpcias entre aquilo que havia se perdido com o excesso científico e com a brutalidade e o prosaísmo dos tempos modernos; a beleza – o imperativo estético por ocasião do encontro entre esses domínios distintos. Ou seja, é pela estética e I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página desempenhar papel primacial, pois é ela quem apara as arestas que ficam à vista 2 que Schiller substitui em lugar da racionalidade do ―tu deves‖ kantiano - há que ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 não pela moral, como queira Kant, que necessidade e liberdade voltam a travar diálogo. Segundo Schiller, o chamamento da beleza não é um capricho do poeta, insatisfeito com a frieza discursiva dos filósofos, mas sim um imperativo da natureza, uma exigência pontual. De intuição elevada, ele obedece à necessidade erigindo uma ponte que religa os impulsos constituintes da realidade, isto é, os estados pelos quais, na experiência, a pessoa humana passa. Semelhante a Rousseau, ele os chamou de estados da necessitação, dividindo-os em dois grupos: estado natural e estado moral. No primeiro, de natureza física, estão compreendidos todos os animais sensíveis regidos sob a ordem necessária dos afetos e das pulsões vitais. Já no segundo, metafísico, o que temos diz respeito ao grupo seleto dos homens, desses animais movidos por uma força que atravessa os limites da natureza conduzindo-os para o âmbito do possível, onde reina a liberdade. Logo, podemos ver que enquanto um abrange genericamente a realidade, outro já exclui a pura materialidade para dar vazão ao campo privilegiado do espírito, delineando um animal capaz de problematizar diante das afecções da sensibilidade e da vontade. O homem que Schiller e Kant buscam é idealizado, que visa a perfeição purificando as paixões, com a diferença que, no primeiro, essa purificação ocorre de forma objetiva e atuante, enquanto que no último se passa subjetivamente, em uma ação interiorizada segundo princípios racionais. Outra diferença é que Schiller não opõe o rigor formal às pulsões vitais, considerando aquele superior a este; ele os equipara chamando-os ambos de ―força‖, pois ―impulsos são as únicas forças motoras no mundo sensível‖. Não obstante, ele chega a um terceiro estado que alinharia esses dois: o estado lúdico, o único responsável pelo desenvolvimento da animalidade na cultura, pois resulta na junção da forma com a vida; na realização da forma viva. O estado lúdico oferecido pela beleza neutraliza-se das antinomias, oscilando em igual pluralidade da matéria e objetivando a matéria por conta da forma. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página preenchendo o espírito de conteúdo sensível, multiplicando a forma por conta da 3 medida e a um só tempo entre os dois, modelando a natureza com o espírito e ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Schiller não elege a beleza como categoria, mas sim reconhece-a como sendo um impulso inevitável na ordem cósmica, através da qual o mundo físico toma sentido e se arranja nas suas disparidades. Logo, independe dos homens assumirem-na enquanto coroamento da existência; ela já se encontra encerrada na natureza, bastando um exercício apurado da intuição que consegue, poética e não psicologicamente alcançar a verdade por dentro do fenômeno e não acima dele. Esta comunicação tem por objetivo apresentar um Schiller ousado e criativo, autônomo em relação ao criticismo kantiano. Para não cair no erro de fundamentar uma filosofia onde a dureza da lei natural propele o homem ao determinismo físico ou a abertura da possibilidade lança-o numa zona abismal, Schiller notou que as relações sócio-políticas carecem de embelezamento, de ações regidas pela equipolência e pelo jogo dos contrários onde atividade livre e passividade necessária tentam encontrar um termo correlato. Entendendo beleza não só como produção artística, Schiller, tal como Nietzsche, rejeita o esteticismo excessivo dos artistas românticos, extraindo da vida aquilo que se oculta de nossa percepção contaminada pelo entendimento, isto é, as forças plasmadoras da realidade. O que faz é desvelar a secreta arte da natureza, exprimindo na forma dos jogos propostos pela imaginação criadora, dessa singular atividade humana, o contato contínuo e amistoso entre a legislação do mundo vivido e do mundo pensado que somente este animal de virtudes extraordinárias pode executar. BIBLIOGRAFIA: ABRÃO, Bernardete. História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 2004, Os Estampa, 1995. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página BAYER, Raymond. História da estética. Trad. José Saramago. 4ª edição. Lisboa: 4 pensadores. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 KANT, Immanuel. Crítica do juízo do gosto. Trad. Valério Rohden e Antônio Marques. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. _________. Crítica da razão pura. Trad. Valério Rohden. São Paulo: Nova Cultural, 2004. SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem. Trad. Roberto Schwarz e Marcio Suzuki. 4ª edição. São Paulo: Iluminuras, 2002. SZONDI, Peter. Ensaio sobre o trágico. Trad. Pedro Sussekind. Rio de Janeiro: Página 5 Jorge Zahar, 2004. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 SIMBOLOGIA DO ESPAÇO FUNERÁRIO: TRANSMISSÕES CULTURAIS E RELAÇÕES SOCIAIS Maristela Carneiro – IESSA Maurício Fernando Bozatski (orientador) [email protected] Palavras-chave: finitude, cemitério, cultura, relações sociais e memória. O presente trabalho objetiva discutir as possibilidades de leitura da simbologia presente nos espaços funerários, com destaque para os cemitérios tradicionais. A utilização dos mortos em nossa sociedade, destacando o caráter homólogo ao outro mundo, permite a conciliação da rede de relações pessoais em torno dos mesmos e de sua memória. Com a finitude, os mortos imediatamente passam a ser concebidos como exemplos e orientadores de posições e relações sociais, servindo, portanto, como foco para os sobreviventes, vivificando e dando forma concreta aos elos identitários que ligam as pessoas de um grupo. E o espaço cemiterial, por conseguinte, é privilegiado para a concretização e demonstração das conexões entre a memória, as práticas identitárias e as representações sociais, dialeticamente construtoras de relações sociais, bem como construídas pelas mesmas. Entendemos que o culto dos mortos passa por um filtro de percepção, permitindo que somente os valores considerados essenciais pelos vivos, para a recomposição do sentido da vida, sejam expressos no espaço cemiterial, no qual este trabalho encontra-se circunscrito. Assim, a individualização das sepulturas e os valores expressos nas mesmas demonstram o desejo de preservar a identidade e a memória dos mortos, servem à expressão e/ou transmissão dos valores culturais e à culturais, utilizada como uma forma de comunicação, para o estabelecimento e I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Portanto, a simbologia cemiterial objetiva a transmissão ou a expressão dos valores 1 própria reconstituição do sentido existencial para os que ficam. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 reafirmação das relações sociais, considerando que somente gestos e palavras não abarcam a multiplicidade destas transmissões. A pluralidade destes valores, expressos pelos espaços funerários, está profundamente relacionada às diferentes maneiras encontradas para se lidar com a questão da morte. 1 Os rituais funerários, os cultos religiosos e as manifestações artísticas, em diferentes culturas, são múltiplos, aos quais são inerentes diversos sentidos assumidos pela expressão simbólica da morte, ou seja, respostas dadas, historicamente, à pergunta acerca do sentido da vida. Assim, a consciência da finitude que os seres humanos possuem torna a morte problemática para os vivos, para os quais o sentido do jogo existencial é elaborado e apresentado. Notamos que, segundo Bellomo, os rituais de morte são indicativos e/ou respostas da crise perante a morte, tendo em vista a consciência da finitude. 2 DaMatta refere-se aos cemitérios como o espaço que estabelece com a casa e com a rua elos complementares e terminais. O espaço da casa, privado, moral, conservador e cíclico, só faz sentido em oposição ao espaço exterior, ou seja, em contraposição ao universo da rua, público, marcado pela ideia do progresso, pela individualidade e pela linearidade. E o espaço dos mortos, mesclando a casa e a rua, é ―englobador de situações sociais‖ e, desta forma, mescla a lógica do espaço público e, também, do privado. 3 Nesse sentido, ―os túmulos têm também a função intencional de fazer lembrar do morto, da sua importância social e de suas crenças, além de permitir observar a pluralidade de representações simbólicas, muitas das quais dotadas de conteúdo estético.‖ 4 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página BELLOMO, H. R. (Org.). Cemitérios do Rio Grande do Sul: arte, sociedade, ideologia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000, p. 122. 2 PIACESKI, T. R.; BELLOMO, H. R. Pesquisa cemiterial no Estado de Goiás. Porto Alegre: s.n., 2006, p. 16. 3 DAMATTA, R. A Casa & A Rua. Espaço, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 18. 4 BORGES, M. E. ; BIANCO, S. D. & SANTANA, M. M. Arte funerária no Brasil: possibilidades de interagir nos programas de ensino, de pesquisa e de extensão na universidade. Disponível em: http://www.corpos.org/anpap/2004/textos/chtca/MariaElizia.pdf ; acessado em 31/07/2006 ; p. 5. 2 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Portanto, os cemitérios, pensados como ―lugares de memória‖ associados à vida, passam por um processo de simbolização, pois são nutridos de lembranças particulares e, ao mesmo tempo, coletivas e plurais. Com isso objetivamos a percepção de que as construções tumulares servem à expressão e/ou à transmissão dos valores culturais, bem como ao estabelecimento das relações sociais e, como espaço englobador de situações sociais, congrega as preocupações individuais às coletivas, o privado ao público. A memória dos mortos é mediada pela memória dos vivos, sendo que a individualização de cada túmulo é indicativa do desejo de continuidade existencial, fato expressado através das placas de casal e dos nomes de família, por exemplo. Através das representações sociais, são reunidos fragmentos de memória, aos quais atribui-se unidade e sentido e, assim, são estabelecidos os filtros de percepção. As tentativas de explicação da morte estão presentes nos espaços cemiteriais e influenciam diretamente o culto aos mortos, interagindo com os mecanismos de memória dos vivos, de modo a estabelecer sentido à finitude e resolver a problemática da morte, tão cara aos sobreviventes. De forma significativa, as expressões e as transmissões culturais, através dos valores e do conteúdo simbólico contido nos túmulos, servem ao estabelecimento e à reafirmação das relações sociais. ―O poder de entender símbolos, isto é, de considerar, acerca de um dado sensorial, tudo irrelevante exceto uma certa forma que ele incorpora, é o traço mental mais característico da humanidade.‖ 1 Portanto, concluímos como válida a possibilidade de leitura deste espaço enquanto uma teia de significações e abstrações, construída a partir de processos mentais seletivos, onde são correlacionados símbolos, coisas, conceitos, tessitura real da vida 1 LANGER, Susanne K. Filosofia em nova chave. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 81. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 3 humana. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A DISTINÇÃO ENTRE CORPO E ALMA EM DESCARTES Geder Paulo Friedrich Cominetti Orientador: César Augusto Battisti UNIOESTE – Campus Toledo [email protected] Palavras-chave: idéia clara e distinta; substância; atributo; distinção real; corpo e alma. Em Descartes, a expressão ―alma‖ é sinônima de substância pensante e a expressão ―corpo‖ é sinônima de substância extensa. A distinção entre ambas é chamada distinção real, uma vez que é efetuada entre duas substâncias. Uma substância é conhecida através de seu atributo essencial, que constitui a sua natureza. Os atributos, por sua vez, são percebidos pelos seus desdobramentos chamados modos. O que caracteriza uma substância enquanto tal é a diversidade de modos conservados a uma razão comum de diferentes atos. Através do entendimento, o sujeito acaba por se conscientizar duma identidade comum a diferentes atos, e é essa identidade que justifica o uso da palavra substância. Em Descartes, o pensamento se trata duma noção primitiva, isto é, pode ser percebido isoladamente de tudo o mais e não pressupõe qualquer outra noção, embora muitas outras o pressuponham. O pensamento é percebido como noção primitiva porque, ao redigir os pensamentos numa ordem das razões que justifica a existência de todas as coisas, corpo e alma não têm sua existência reconhecida simultaneamente. procedimento da dúvida metódica cartesiana, a percepção reconhece o pensamento 1 antes de conhecer o corpo. O reconhecimento da existência do sujeito, que Página Quando se duvida exageradamente de tudo o que se acredita, como faz o arriscamos dizer ser o pólo mais importante em se tratando duma investigação I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 filosófica, se dá ao pensamento independentemente da existência dos corpos. Nenhuma das propriedades corporais, bem como nenhuma faculdade ligada ao corpo, influencia no enunciado ―penso, logo existo‖. Ao conhecer a capacidade do eu em subsistir sem o corpo, o ser pensante não revela a si próprio apenas sua existência, mas também sua natureza. Esta emerge da constatação de que o eu é um ser completo quando lhe é imputado apenas o pensamento. O eu pode ser concebido como uma substância porque concebemos, em decorrência a algumas de suas características, que ele poderia subsistir independente do corpo e é sujeito comum de diferentes atos. Ao conceber clara e distintamente que o eu pode subsistir sem o corpo, como sendo uma coisa completa, concebe-se também que a corporeidade não pertence à natureza do eu. Não se faz necessário que o conhecimento do eu seja completo, sendo suficiente conhecer aquelas características que o revelam como portador da capacidade de subsistir independentemente de outrem. O pensamento é a única condição, necessária e suficiente, para que se conheça sua própria existência, e tudo o que surgir ulteriormente a esta verdade não lhe será de caráter essencial. Estas afirmações implicam a exclusão das hipóteses de que a mente seria a forma do corpo ou de que ela faria parte dele, ou mesmo a hipótese de que a natureza do eu seja fundada na corporeidade. A teoria cartesiana esbarra de fronte à teoria aristotélica, pregada pela escolástica, onde Aristóteles concebia a alma como sendo uma forma do corpo. Descartes concebe a alma e o corpo como coisas distintas, não a mesma coisa em diferentes dimensões, e isso foi o que tornou seu argumento original e inovador para a história da filosofia. Em Descartes, a corporeidade, por sua vez, tem sua natureza constituída das essências descritas pela matemática e pela geometria: ela é extensão ou ―espacialidade‖. Para Descartes, embora o ser pensante não possa ser concebido matematicamente ou geometricamente, resguarda em si a capacidade de como tendo um atributo exclusivo, o da extensão. Concebe ainda, que o atributo da I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página interioridade, coisas corporais. Quanto à corporeidade, o eu pensante a concebe 2 conceber os entes matemáticos e geométricos e de imaginar, enquanto pura ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 substância extensa comporta faculdades que em nada se assemelham com as do pensamento. Concebendo os atributos da substância pensante e da substância corpórea como incomensuráveis, a substância pensante tem a ideia clara e distinta de que corpo e alma são entidades independentes e, portanto, realmente distintos. Deus garante que uma ideia clara e distinta é verdadeiramente real, e é por isso que a distinção entre corpo e alma se enuncia como sendo uma distinção real: porque se tem uma ideia clara e distinta de que ambas as substâncias são incompatíveis, seja sob a perspectiva de sua essência, seja sob a perspectiva de seus modos. A garantia divina assevera a correspondência de uma ideia clara e distinta com a realidade, e o sujeito concebe clara e distintamente que de uma coisa completa pode ser excluso tudo o mais. Ora, a substância pensante é concebida como completa tendo como atributo apenas o pensamento, sua essência. Concebe ainda o corpo como completo com seu atributo de extensão. Logo, o sujeito tem a ideia clara e distinta de que ambos são independentes, já que percebidos como duas coisas completas. A ideia clara e distinta de que estas duas substâncias completas são independentes e que há uma incompatibilidade absoluta entre seus atributos principais, bem como de seus modos, revela ao entendimento que corpo e alma são realmente distintos. Concebendo duas substâncias diferentes, cada uma com um atributo específico que lhe permite ser percebida, a distinção real entre ambas é também uma ideia clara e distinta, tendo, portanto, o aval divino. Assim sendo, a distinção real é efetuada pela substância pensante, que reconhece primeiramente sua natureza completa e ao fazê-lo distingue-a de tudo o mais. Como se não bastasse, constata ainda a substância corpórea e sua natureza independentemente, o que corrobora uma incomensurabilidade entre esta e a substância pensante. Corpo e alma são realmente distintos, para Descartes, pois cada um pode ser concebido como substância completa independentemente da outra, cujos atributos I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página apenas a atuação do pensamento. 3 principais são incompatíveis entre si e, para que seja constatada tal distinção, basta ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Bibliografia utilizada: DESCARTES, René. Discurso do Método. 2 ed. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. ________________. Meditações Metafísicas. 2 ed. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. ________________. Objeções e respostas. 2 ed. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. ________________. Princípios da Filosofia. Coordenador da trad.: Guido Antônio de Almeida. Edição Bilíngue. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002. COTTINGHAM, John. Dicionário Descartes. Tradução: Helena Martins. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995. LANDIM, Raul Filho. Evidência e verdade no sistema cartesiano. São Paulo: Edições Página 4 Loyola, 1992. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 UMA LEITURA DE GÓRGIAS, DE PLATÃO Patrícia dos Santos Pinto - IESSA [email protected] Maristela Carneiro - IESSA [email protected] Palavras-chave: retórica, persuasão, justiça, verdade, felicidade. Ateniense, Platão (427 a.C – 347 a.C) nos transmitiu a maior parte do seu pensamento por intermédio dos seus escritos dialógicos, onde é figura recorrente o personagem Sócrates, do qual Platão foi discípulo durante a juventude. Ao discutir temas múltiplos, tais como a imortalidade e o destino, a educação do indivíduo para a justiça em si mesmo e na cidade e, até mesmo, o desejo amoroso e o movimento imanente da alma; a filosofia platônica certamente não era um sistema fechado, mas manifestava-se por intermédio do diálogo filosófico inquisitivo, a partir de situações concretas. Na filosofia platônica a correspondência com a realidade se encontra num método para se atingir o ideal, pela superação do senso comum como resposta a uma situação histórica ilegítima e injusta, colocando-se como motor de transformação da realidade. No diálogo Górgias, podemos notar um momento de luta política em oposição à sofística, que ensinava a arte de convencimento por intermédio de manipulações de crenças e interesses. Nos diálogos, Platão propunha-se à percepção da essência das coisas, a natureza do objeto em pauta. discussão em torno da retórica, como o próprio nome indica, equaciona um 1 complexo de questões: ―princípios de actuação dos homens do Estado, natureza e Página De conteúdo que nos é contemporâneo, ―Górgias, ou da retórica‖, a partir da I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 função da propaganda política, crise dos valores tradicionais, ideal de realização humana.‖ (PULQUÉRIO, p. 9) Em uma sociedade fechada, como a ateniense de Platão, as relações entre os indivíduos eram possibilitadas através do domínio da lei, com o reconhecimento efetivo dos direitos de cada um, expressamente definidos pelo acordo geral. E é a função da lei, como definidora de limites, segundo Pulquério, que é colocada como objeto de controvérsia no diálogo. ―Sempre os limites provocaram alguns homens à aventura da transgressão.‖ (PULQUÉRIO, p. 10) Podemos dividir ―Górgias‖ em três partes essenciais, de acordo com os principais interlocutores de Sócrates: Górgias, Polo e Cálicles, respectivamente, além da introdução e do epílogo. Para Górgias, a retórica é a ciência dos discursos; toda a ação e a eficácia desta ciência se realizam por intermédio da palavra, dos discursos, sobretudo os de caráter jurídico e político. Ainda, proporciona a quem os possui liberdade para si e domínio sobre os demais. A retórica, destarte, define-se para o interlocutor como a capacidade de persuasão, ou seja, não se define por aquilo que é, mas sim pelos efeitos que provoca, considerando-se que esta arte permite persuadir o público sobre a verdade e a justiça de um dado posicionamento, independentemente da mesma ser de fato verdadeira ou falsa, justa ou injusta. Isto posto, ―a retórica é obreira da persuasão que gera a crença, não o saber, sobre o justo e o injusto.‖ (p.40) Ao prescindir do conhecimento, é uma arte da verossimilhança, posto que as palavras não manifestam a verdade das coisas, pois o seu uso na retórica não tem em vista exprimir o que as coisas são, mas antes provocar emoções e sentimentos nos ouvintes. Em suma, para Sócrates a retórica, enquanto técnica, cuja função é apenas I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página verdadeiro conhecimento. 2 persuadir as pessoas, conforme aduz Górgias, não serve para ensinar ou produzir o ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A segunda parte do diálogo, cujo interlocutor passa a ser Polo, é pautada na discussão sobre a natureza e a utilidade da retórica. Este interlocutor renova a afirmação de que a arte da retórica é a mais bela de todas. Para Sócrates, ao contrário, a retórica não é uma arte, mas uma atividade empírica que se destina a produzir adulação e prazer; não se trata de um poder que possa trazer o bem aquele que a possui, pois através da retórica a realidade é substituída pela ilusão, e o Bem pelo prazer imediato. Para Sócrates os retóricos não poderiam ser os mais poderosos, visto que não usam a razão nem tem ciência do bem, somente julgam conhecê-lo e, ato contínuo, também julgam agir em função do mesmo. O poder sem o uso da razão é um mal que prejudica a todos, pois traz a injustiça e a infelicidade. A felicidade viria da bondade e da virtuosidade na justiça, ou seja, a felicidade reside em agir de acordo com a razão e segundo a justiça. O retórico pode trabalhar contra essa proposição, quando em um tribunal defende um acusado sem procurar a verdade, pois essa liberta tanto quem sofreu a injustiça quanto quem a cometeu, porque ―a acção praticada tem a mesma qualidade da acçao sofrida.‖ (PLATÃO, p.98). Isto posto, a justiça é a mais bela das artes, a que liberta a alma do homem da injustiça e da intemperança, muito embora seja melhor não contrair o mal a ser libertado do mesmo. Faz-se pertinente observar que o raciocínio de Sócrates baseia-se na admissão de que o ser humano é constituído por um corpo e por uma alma. De forma paralela a esta dicotomia, é que o autor indica as artes que têm por objeto o bem da alma: a legislação e a justiça. No terceiro e último diálogo de ―Górgias‖, onde o interlocutor de Sócrates é Cálicles, apresenta-se uma distinção entre verdade, justiça e bem, segundo a natureza e segundo a convenção. do que se corrompe. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página imperecível, não se prende ao sensível nem ao imediato, mas permanece para além 3 Ao contrário do prazer, de características imediatas, o bem possui a natureza do ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Sócrates ressalta que a ordem e a harmonia da alma chamam-se disciplina e lei e tornam os cidadãos justos e regrados, sendo em que consistem a justiça e a sabedoria. Para sintetizar, a retórica dos politícos é eloquência vã, que não se interessa em tornar as almas melhores e, neste sentido, não excede a mera adulação; é somente um fazer empiríco que cria persuasão e aparência de conhecimento, como sofisma. A retórica somente terá sentido se aliada às virtudes do bem e da justiça, em um alma temperante. E é esse caminho que conduzirá a felicidade. Além disso, tal prática em conjunto possibilitará a abordagem política ou a deliberação de qualquer matéria. Conclui Sócrates: ―o melhor caminho a seguir é o exercício da justiça e das outras virtudes, na vida como na morte. Escutemos o seu apelo e convidemos os outros a proceder como nós, porque esses princípios em que acreditas e em nome dos quais me exortas são, realmente, sem valor, Cálicles.‖ (PLATÃO, p.213). Em suma, podemos colocar que a obra platônica aborda através da procura do conceito de retórica toda a relação construída na sociedade através da mesma, e o significado que um retórico pode dar a seu discurso, trazendo ou afastando o bem e a felicidade. Referências PLATÃO. Górgias, ou da Retórica. Lisboa: Edições 70, s/n. PULQUÉRIO, Manuel de Oliveira. Introdução. In: Górgias, ou da Retórica. Lisboa: Página 4 Edições 70, s/n. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A PÓS-HUMANIDADE NO CINEMA DE CRONENBERG Wyllian Eduardo de Souza Correa Universidade Estadual do Centro-Oeste [email protected] Palavras-chave: Cinema; Filosofia Contemporânea; Pós-humanidade O cinema do canadense David Cronenberg é visceral. Isso tomando o termo em todos os seus sentidos. Nele encontramos a projeção da simbiose entre o humano e o maquínico em suas diferentes estratificações, seja na percepção da realidade e de si ou mesmo impresso no próprio corpo de seus personagens, principal elemento em cena, em obras marcadas pelo estranhamento, sexualidade e horror. O pós-humano resultante de suas tramas se torna interessante fonte de análise diante das inúmeras questões, em especial, da subjetivação homem-máquina. Por isso neste presente trabalho estabelece-se um diálogo entre a filosofia contemporânea e a subjetividade na produção de Cronenberg. ―No texto cronenberguiano a ênfase está na figuração do corpo como local de conflito psicossexual, social e político. Estamos diante de filmes em que não mais se dramatiza a dualidade corpo-mente, e sim uma realidade tricotômica de corpo, mente e maquina‖ (VIEIRA, 2003, p. 336). Como exemplo, em Videodrome (1983) uma frequência de televisão desenvolve uma nova região do cérebro, e o próprio corpo passa a se alimentar de máquinas, dando origem a uma ―nova carne‖. Um cientista passa por uma lenta e dolorosa transformação em A mosca (1986), após experiências com um aparelho de tele alvo de implantes, que permitem aos seus usuários o acesso à realidade alternativa de um jogo, com o uso joysticks criados como animais e armas feitas de ossos. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página sexualidade perturbadora e destrutiva; eXistenZ (1998) mostra o corpo novamente 1 transporte. Em Crash (1996) a relação entre pessoas e carros ganha uma ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Em suas fábulas contemporâneas, a problemática do desenvolvimento científico e tecnológico não ocorre em disputas externas, com robôs, armas laser e toda arquitetura e parafernália comum a ficção científica dos blockbusters hollywoodianos. O confronto se faz de maneira interna aos sujeitos, presos a situações bizarras e escatológicas, geralmente provocadas por suas mentes ou iniciadas em seus próprios corpos, que, para Cronenberg, não existem de maneiras distintas. ―Só existe um único elemento carnal. Estou consertando uma falha cartesiana.‖ (KAUFMAN, 2003) Uma ―nova carne‖ é então profetizada em meio a subjetivações dilaceradas pela mídia, biotecnologia e das configurações socioeconômicas. Scott Bukatman (1994), em seu estudo sobre o pensamento teórico e a ficção científica do final do século passado, destaca a existência de uma ―identidade terminal‖, que manifesta não só as ansiedades, mas também os anseios humanos diante das possibilidades maquínicas. O homem estaria escapando de si para um abismo indefinido ou um mundo de novas perspectivas. Como aponta Deleuze (1985 e 1990), o cinema propiciaria uma lógica diferenciada, sendo essencial para entender a forma e o sentido do imaginário pós-humano. Nietzsche já discutia sobre as possibilidades do Übermensch, um homem além da existência mediana da Modernidade, resgatado equivocadamente pelo ideal ariano do nazismo. Deleuze e Guattari com a sua filosofia do desejo apontam para a construção e o desenvolvimento de um corpo sem órgãos (CsO), conceito formado através da literatura de Artaud, como sendo uma prática que levaria além das estratificações impostas ao corpo. ―O CsO é o que resta quando tudo foi retirado. E o que se retira é justamente o fantasma, o conjunto de significâncias e subjetivações‖ (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p.12). exemplo, é apontada como a chave para um futuro pós-humano. ―Poderíamos I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página humanidade seria possível, mas até mesmo destino certo. A nanotecnologia, por 2 Com as novas tecnologias, os entusiastas observam que não só uma pós- ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 desenhar corpos novos e melhores, ou simplesmente viver com padrões de informação existentes nas redes de computadores, como se fossemos fantasmas de um vasto maquinismo‖ (ELLIOTT, 2003). Atualmente, alguns teóricos atentam sobre uma transmutação ontológica, realizada no movimento duplo em que a evolução biotecnológica, realizada pelo próprio homem, insere elementos ao seu cotidiano que rompem com a tradicional fronteira entre o natural e o artificial, alterando também as formas de subjetivação, fragmentada pelo constructo pós-moderno. Em Crash (1996), acompanhamos o que Deleuze trataria como uma experiência no campo das intensidades. Corpo e máquina comungam de uma violência sexualizada, representada pela exploração dos acidentes de trânsito e de seu potencial destruidor, sem estabelecer uma moralidade, mas simplesmente a intensidade e fascínio. ―A carne e o metal se fundem não num organismo cibernético, mas numa massa indiferenciada, em vez da construção custosa e racional, o que fascina é a sua desintegração erótica, violenta e primitiva‖ (RÜDIGER, 2006, p.53). São as próprias entranhas dos personagens cronenberguianos que lhes manifestam uma potência até então ignorada, e não uma alteridade gerada por fatores externos. É no convívio com essa nova condição que se desenrola o enredo, pelo estado gerado da fusão com um ser-outro, como o homem-inseto de A mosca (1986). ―O híbrido, nesse caso, torna-se sinônimo de degeneração, lugar das aberrações orgânicas e tecnológicas, que renega a assepsia em favor de um devir excretório em que o corpo exsuda tripas e órgãos atravessados pelo artifício‖ (ALTMANN, 2007, p.44). No cinema de Cronenberg encontramos uma análise de que a alteridade de um corpo impregnado pela tecnologia se mostra desenvolvida de maneira transgressiva humano. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página uma desterritorialização que converte o corpo em espaço aberto para um devir pós- 3 e perversa, ocasionando o caos subjetivo resultado da transmutação corpórea, em ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 O cinema, assim como as demais artes, projeta ansiedades e anseios, sendo também fonte para novas formas do pensar. Enquanto fábula, ele tem a liberdade de expressar até mesmo ideias que soam delirantes. Porém, no momento em que teóricos contemporâneos apontam para uma fragmentação das subjetividades e o cotidiano se encontra cada vez mais minado por mídias portáteis, realidade virtual, engenharia genética, cirurgias plásticas e próteses para os mais diversos fins, há um indicativo de que a própria condição humana pode ser afetada por seu desenvolvimento. Bibliografia ALTMANN, Eliska. O corpo-máquina de Cronenberg sob a luz pictórica de Bacon: fábulas do devir-outro. Alceu, Rio de Janeiro, v. 7, p. 41-54, 2007. BUKATMAN, Scott. Terminal Identity: the Virtual Subject in Post-Modern Science Fiction. London: Duke University Press, 1994. DELEUZE, Gilles. Cinema: imagem-movimento. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985. ______. Cinema II: imagem-tempo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34, 1997. Vol. 3 ELLIOTT, Carl. Transhumanism: Humanity 2.0 Wilson Quarterly, 2003. KAUFMAN, Anthony. David Cronenberg on ―Spider‖: ―Reality Is What You Make Of It‖, 2003. Disponível em: <http://www.indiewire.com/article/david_cronenberg_on_spider_reality_is_what_you_ make_of_it/> Acesso em 03 jun. 2009. RÜDIGER, Francisco. A dialética entre homem e máquina contemporâneo. Logos, Rio de Janeiro, v. 24, p. 51-67, 2006 no cinema Página 4 VIEIRA, João Luiz. Anatomias do visível: cinema, corpo e a máquina da ficção científica. In: NOVAES, Adauto (org.). O homem-máquina: a ciência manipula o corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 CARÁTER EMPÍRICO E CARÁTER INTELIGÍVEL NA PRIMEIRA CRÍTICA Fabiano Queiroz da Silva Mestrando UNICAMP/ Bolsista FAPESP Orientador: Zeljko Loparic [email protected] Palavras-chave: Causalidade natural, Causalidade inteligível, Caráter empírico, Caráter inteligível, Causalidade da razão. Na Crítica da Razão Pura, segundo Zeljko Loparic, Kant apresenta uma teoria de solubilidade dos problemas necessários da razão pura, na qual a solução do problema chave da filosofia transcendental, a saber, como são possíveis juízos sintéticos a priori?, é tomada como instrumento fundamental para a resolução de uma outra questão, cuja importância faz-se notável: a investigação da capacidade da razão humana de resolver problemas, para que se delimite o campo de suas pesquisas (cf. LOPARIC, 2005b, p. 14). A partir desta tese, analisarei, neste trabalho, os conceitos de caráter empírico e caráter inteligível expostos, na primeira Crítica, por Kant. Com tal meta, recorrerei à Dialética Transcendental, pois é na Nona Secção: Do uso empírico de princípio regulador da razão relativamente a todas as ideias cosmológicas, no tópico III. Solução das ideias cosmológicas que dizem respeito à totalidade da derivação dos acontecimentos do mundo a partir das suas causas, no sub-tópico Possibilidade da causalidade pela liberdade, em acordo com a lei universal da natureza, em que o filósofo trabalha com dois conceitos de causalidade, a saber, a inteligível e a Página antinomia: 1 sensível, evidenciando o papel do idealismo transcendental na solução da terceira I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Ich nenne dasjenige an einem Gegenstande der Sinne, was selbst nicht Erscheinung ist, intelligibel. Wenn demnach dasjenige, was in der Sinnenwelt als Erscheinung angesehen warden muß, an sich selbst auch ein Vermögen hat, welches kein Gegenstand der sinnlichen Anschauung ist, wodurch es aber doch die Ursache von Erscheinungen sein kann: so kann man die Kausalität dieses Wesens auf zwei Seiten betrachten, als intelligibel nach ihrer Handlung, als eines Dinges an sich selbst, und als sensibel, nach den Wirkungen derselben, als einer Erscheinung in der Sinnenwelt (KrV, A 538/ B 566)1. Aplicando-se isto ao agente moral, pode-se dizer que ele é dotado de um caráter empírico e de um outro inteligível. O primeiro, a partir da causalidade natural, faria com que as suas ações estivessem encadeadas com os outros fenômenos da natureza. Seria, portanto, um determinismo absoluto, pois as ações de um sujeito não seriam apenas causas, mas também causadas, não havendo possibilidade alguma do agir livre: Nach seinem empirischen Charakter würde also dieses Subjekt, als Erscheinung, allen Gesetzen der Bestimmung nach, der Kausalverbindung unteworfen sein, und es wäre so fern nichts, als ein Teil der Sinnenwelt, dessen Wirkungen, so wie jede andere Erscheinung, aus der Natur unausbleiblich abflössen. So wie äußere Erscheinungen in dasselbe einflössen, wie sein empirischer Charakter, d. i. das Gesetz seiner Kausalität, durch Erfahrung erkannt wäre, müßten sich alle seine Handlungen nach Naturgesetzen erklären lassen, und alle Requisite zu I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Chamo inteligível, num objecto dos sentidos, ao que não é propriamente fenómeno. Por conseguinte, se aquilo que no mundo dos sentidos deve considerar-se fenómeno tem em si mesmo uma faculdade que não é objecto da intuição sensível, mas em virtude da qual pode ser, não obstante, a causa de fenómenos, podemos considerar então de dois pontos de vista a causalidade deste ser: como inteligível, quanto à sua acção, considerada a de uma coisa em si, e como sensível pelos seus efeitos, enquanto fenómeno no mundo sensível (Trad: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão). 2 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 einer vollkommenen und notwendigen Bestimmung derselben müßten in einer möglichen Erfahrung angetroffen werden (KrV, A 540/ B 568)1. Apesar disso, devido ao caráter inteligível, garante-se a possibilidade lógica da liberdade ao agente causal, justamente por ele poder participar de um outro domínio que não o empírico, no qual a segunda analogia da experiência é incontornável: Nach dem intelligibelen Charakter desselben aber (...) würde dasselbe Subjekt dennoch von allem Einflusse der Sinnlichkeit und Bestimmung durch Erscheinungen freigesprochen werden müssen, und, da in ihm, so fern es Noumenon ist, nichts geschieht, keine Veränderung, welche dynamische Zeitbestimmung erheischt, mithin keine Verknüpfung mit Erscheinnungen als Ursachen angetroffen wird, so würde dieses tätige Wesen so fern in seinen Handlungen von aller Naturnotwendigkeit, als Ursachen angetroffen wird, so würde dieses tätige Wesen so fern in seinen Handlungen von aller Naturnotwendigkeit, als die lediglich in der Sinnenwelt angetroffen wird, unabhängig und frei sein (KrV, A 541/ B 569)2. Por fim, como apresenta Kant no próximo sub-tópico, cujo título é Esclarecimento da idéia cosmológica de uma liberdade em união com a necessidade universal da natureza, o homem deve ser visto, por conta destas duas formas de caráter, conforme dois pontos de vista, a saber, o empírico e o inteligível. Primeiramente, o homem deve ser visto como um fenômeno qualquer da natureza. Em contrapartida, I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Pelo seu caráter empírico, este sujeito estaria submetido, enquanto fenómeno, a todas as leis da determinação segundo o encadeamento causal e, sendo assim, nada mais seria do que uma parte do mundo sensível, cujos efeitos, como qualquer outro fenómeno, decorreriam inevitavelmente da natureza. Assim como os fenómenos exteriores influem nele, assim como o seu caráter empírico, ou seja, a lei de causalidade, seria conhecida pela experiência, assim também todas as suas acções se deveriam poder explicar por leis naturais e todos os requisitos para a sua determinação completa e necessária se deveriam encontrar numa experiência possível (Trad: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão). 2 Pelo seu caráter inteligível porém (...) teria esse mesmo sujeito de estar liberto de qualquer influência da sensibilidade e de toda a determinação por fenómenos; e como nele, enquanto númeno, nenhuma mudança acontece que exija uma determinação dinâmica de tempo, não se encontrando nele, portanto, qualquer ligação com fenómenos enquanto causas, este ser activo seria, nas suas acções, independente e livre de qualquer necessidade natural como a que se encontra unicamente no mundo sensível (Trad: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão). 3 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 também deve ser visto como númeno, devido ao fato da sua razão ser detentora de uma causalidade que possibilita pensarmos um rompimento com as conexões causais da natureza1. Deste modo, a razão, caso seja tomada como efetiva, iniciaria, por si mesma, uma cadeia de acontecimentos, de um ponto de vista em que eles não estariam submetidos às leis imutáveis da natureza2. Isto se torna possível, porque: (...) die Bedingung, die in der Vernunft liegt, ist nicht sinnlich, und fängt also selbst nicht an. Demnach findet alsdenn dasjenige statt, was wir in allen empirischen Reihen vermißten: daß die Bedingung einer sukzessiven Reihe von Begebenheiten selbst empirischunbedingt sein konnte. Denn hier ist die Bedingung außser der Reihe der Erscheinungen (im Intelligibelen) und mithin keiner sinnlichen Bedingung und keiner Zeitbestimmung durch vorhergehende Ursache unterworfen (KrV, A 552/ B 580)3. Neste sentido, como já foi vislumbrado, o homem, apesar do seu caráter empírico, no qual as suas ações, por serem fenômenos, encontram-se encadeadas com outros fenômenos e sob a alçada das leis da natureza, devido ao seu caráter inteligível, tem assegurado uma insubordinação às condições da sensibilidade, independentemente de quais sejam. Em outras palavras, através do seu caráter empírico, o sujeito seria, enquanto fenômeno, mais um elemento decorrido na natureza. Não obstante, devido ao seu caráter inteligível, ―(...) teria este mesmo I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Apesar dos objetos da sensibilidade serem fenômenos, sujeitos à causalidade natural, eles também possuem uma causalidade inteligível, pertencente ao objeto transcendental. Devido a isso, assim como o agente moral, tais objetos também possuem um duplo caráter. Não obstante, por não possuírem as faculdades necessárias que garantem a apercepção, a saber, o entendimento e a razão, eles não podem ser considerados livres como o agente. Eles não são detentores de um arbitrium liberum como o último, sendo, por conseguinte, apenas sensivelmente condicionados. 2 Aqui, Kant está abordando o conceito de causalidade da razão. 3 (...) a condição que se encontra na razão não é sensível e, portanto, ela mesma não começa. Sendo assim, verifica-se então aqui o que nos faltava em todas as séries empíricas, a saber, que a condição de uma série sucessiva de acontecimentos possa ser, ela mesma, empiricamente incondicionada. Porque aqui a condição se encontra fora da série dos fenómenos (no inteligível) e, por conseguinte, não está submetida a qualquer condição sensível e a qualquer determinação de tempo mediante uma causa anterior (Trad: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão). 4 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 sujeito de estar liberto de qualquer influência da sensibilidade e de toda a determinação por fenômenos (...)‖ (KrV, A 541/ B 569), podendo, então, decidir-se a agir contra os impulsos da natureza. Assim, fica ―(...) estabelecido (...) que não há incompatibilidade entre natureza e liberdade e que um ser natural pode também comportar-se como um sujeito livre (...)‖ (LEBRUN, 1993, p. 93). Bibliografia KANT, IMMANUEL. Kritik der reinen Vernunft. In: Werke. Editadas por W. Weischedel. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgeselschaft, 2005, vol. II. _________. Crítica da Razão Pura. Trad: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001. LEBRUN, Gerard. Kant e o fim da Metafísica. Trad: Carlos Alberto Ribeiro da Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1993. LOPARIC, Zeljko. A Semântica Transcendental de Kant. Campinas: UNICAMP, Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, 2005. Página 5 _________. Os problemas da razão e a semântica transcendental. In: Daniel Omar Perez. (Org.). Kant no Brasil. São Paulo: Editora Escuta, 2005b, v. 1, p. 213-229. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 APONTAMENTOS EM TORNO DO CONCEITO DE LIBERDADE EM HANNAH ARENDT Willian Bento Barbosa Universidade Estadual do Centro Oeste - UNICENTRO [email protected] Palavras-chave: Hannah Arendt; Condição humana; Vida ativa; Ação; Liberdade. A presente comunicação tem por objetivo estabelecer algumas reflexões acerca da ideia de Liberdade em Hannah Arendt, sobretudo a ideia de liberdade explícita em sua obra ―The Human Condition‖ (1958). A noção de liberdade é investigada e problematizada à luz da concepção arendtiana de vida ativa, intrínseca à condição humana do homem corporificada nas condições do labor (labor), trabalho (work) e ação (action). A despeito da divisão tripartite da condição humana, podemos verificar que a liberdade somente se manifesta por intermédio da ação, no âmbito público da palavra; sendo descartada no âmbito privado da vida ativa correspondente às esferas do labor e do trabalho. O estudo da liberdade se justifica representar um dos mais influentes pensamentos na concepção de vida ativa e da ideia de liberdade na era moderna e contemporânea. Uma liberdade que rompe com o tradicionalismo até então valorizado. Devido às dimensões de sua erudição, e de seu pensar fundamentado a partir de suas experiências, vivenciadas em uma época histórica que refundou sóciopolítico-econômica o modo de viver e ver a política, sobretudo através das experiências do totalitarismo, o pensamento arendtiano ainda se mantém atualíssimo, podendo ser retomado para refletir e entender sobre os tempos atuais, primeiramente ao estudo acerca da condição humana do homem, evidenciado na I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Para a investigação sobre a questão da liberdade em Hannah Arendt, remetemo-nos 1 dilacerados por guerras, nacionalismos e problemas diversos da política atual. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 elaboração das três esferas da vida ativa (distinta da chamada vida contemplativa expressada pelo pensar, pelo querer e pelo julgar, expostos na obra “The live of the mind”, obra publicada postumamente que permaneceu inacabada no capítulo sobre o julgar). Para Arendt, a vida ativa compreende três atividades fundamentais corporificadas pelas condições do labor, do trabalho e da ação. O labor seria a atividade ligada ao atendimento das necessidades, circunscrito ao espaço da oikia grega. O resultado do labor não é dado a permanecer no mundo, mas sucumbir no próprio ritmo do metabolismo natural humano, é o espaço do animal laborans. Diferentemente é a atividade do trabalho, que se volta para a construção de um mundo de permanências frente ao fluxo da natureza, visando à própria construção de um mundo humano frente ao mundo natural. Rege-se pelo princípio da utilidade e tem como seu representante o homo faber. O trabalho, assim como o labor, não necessita do encontro com outras singularidades, podendo ser realizadas no isolamento. Em contraste com ambos, é a atividade da ação, que só se manifesta em conjunto, numa ―pluralidade de singularidade‖, segundo Arendt. É o espaço do agir político e condição de existência da própria política, onde as ações são iluminadas através do discurso público, que exige um espaço específico distante tanto dos critérios de mera sobrevivência do labor quanto do utilitarismo do trabalho. É neste espaço do agir político, que a liberdade se fundamenta. Hannah Arendt e sua concepção de liberdade retomam o pensamento grego antigo pela experiência da polis grega, na qual a liberdade é intrínseca ao agir político. Ação e política são inimagináveis sem serem pensadas de acordo com a liberdade; a política sem a liberdade é destituída de sentido, e por isso que ela só pode ser demonstrada no âmbito da ação, no espaço público do agir; ação esta como já dita, pelo discurso, através do domínio da palavra, do discurso, do logos, tal como que no sentido grego antigo era usada para distinguir-se dos bárbaros, e o homem livre dos I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página intermédio do discurso (grego peíthen – persuasão). É na vida ativa arendtiana, 2 escravos, pois na polis grega a condução dos assuntos públicos conduzidos é por ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 fundamentalmente através do zoon politikon (animal político), no âmbito público, que a liberdade é da melhor forma demonstrada. Aqui, faz-se uma crítica a redução moderna do domínio público e da liberdade à esfera privada do homem, do trabalho e do labor, tal como é tratado por Arendt, pois para os antigos, pode-se afirmar que a vida privada é menosprezada, sendo ela o impedimento da condição de liberdade pela ação do homem; o cerne do homem antigo grego é a polis e por essa concepção o homem é um ser político e social por essência. A liberdade, tal como presente na modernidade e contemporaneidade, é demonstrada fundamentalmente através das vertentes do liberalismo, é caracterizada pelo afastamento da atividade pública e política do homem. É a não intervenção da política na vida privada, no qual o homem é demonstrado pela preocupação com sua segurança, sobrevivência e necessidades humanas. A liberdade também assume os parâmetros de uma liberdade interior, pela concepção do livre arbítrio, sendo a liberdade humana como o domínio interno da consciência, teorias estas fundamentalmente encontradas no período medieval, consubstanciadas pelo cristianismo. Conclui-se, com base nos argumentos apresentados, que a concepção arendtiana de liberdade caracteriza-se pela ação política, circunscrito ao âmbito público, tal como era concebido na antiguidade grega. Arendt nega e critica, de fato, a concepção tradicionalizada pelo Liberalismo Moderno, que afirma que quanto mais política menos liberdade, tal como a afirmação de credo liberal de que ―quanto mais política menos liberdade‖. Através fundamentalmente desses conceitos, tais como a vida ativa, liberdade, e ação, que Arendt tentará compreender a condição humana do homem no mundo moderno e contemporâneo, principalmente a partir da crise da política que chega até o presente, bem como eles representarão a base filosófica para a elaboração arendtiana dos conceitos de ação, poder e juízo político, muitas Página 3 vezes em antagonismo com as elaborações da filosofia política tradicional. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Referencias bibliográficas ARENDT, Hannah. A Condição Humana. (Tradução Roberto Raposo). 10.ed. Rio de Página 4 Janeiro: Forense Universitária, 2001. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 EDUCAÇÃO/DISCIPLINA MODERNA NO PENSAMENTO FOUCAULTIANO Eduardo Alexandre Santos de Oliveira Graduando em Filosofia – UNICENTRO Orientador: Prof. Dr. Augusto Bach Palavras-chave: Foucault, educação, filosofia, poder. O presente trabalho busca investigar a educação na modernidade enquanto domadora do corpo e da alma dos indivíduos, por meio do pensamento do filósofo francês Michel Foucault. A inserção de práticas disciplinares faz com que os indivíduos sejam moldados e subjetivados a ponto de torná-los corpos úteis e dóceis. Assim sendo, cabe-nos pesquisar o que levou a educação/disciplina a determinado objetivo. Tomar-se-á o exemplo da escola – principal instituição responsável por fabricar o sujeito – e sua relação com outras instituições disciplinares que lha deram origem. Entretanto, deve-se primeiramente aderir uma nova maneira de conceber o poder – peça fundamental para o prosseguimento deste labor. A questão do poder é uma consideração de grande importância para compreender a educação moderna necessitando ser feita com cautela e rigor, e isso, Michel Foucault o fez com êxito. Nas análises do filósofo, o poder não pode ser restringido à formalidade dos aparelhos jurídicos, pois assim, torna-se impossível investigar a educação moderna e seus objetivos. Mas deve ele – o poder – ser estudado em uma perspectiva diferente: trata-se de visualizá-lo, agora, como forma de micropoder ou micro-política em meio a uma rede. Via de regra, isso significa dizer que Por meio desse conceito inovador, torna-se possível a observação dessa relação 1 nas instituições escolares: o professor exerce um saber sobre o aluno que, por sua Página não existe relações fora de seus domínios. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 vez, se adapta a essa noção. Em outras palavras, isso significa dizer que o pupilo ―submete‖ seu poder ao do mestre. Com base nessa premissa, é viável atribuir uma consideração importante sobre o poder e suas relações. Podemos dizer que ele não visa excluir o indivíduo, muito pelo contrário, sua postura objetiva capturá-lo e, assim, cria-se um saber que vigora como um papel de verdade: trata-se do saber científico que se torna uma prática a dominar o indivíduo e normatizá-lo, ou seja, esse saber o controla e o disciplina e é aí que Foucault denomina a sociedade moderna como sociedade disciplinar. Através desta breve consideração sobre poder, cabe-nos cumprir a primeira parte da introdução desse trabalho: analisar a educação moderna enquanto ―domadora da alma e do corpo‖ e apontar os motivos que a levaram a determinada postura. O poder disciplinar nasce devido a mudanças na sociedade europeia. O poder que era atribuído diretamente à figura do soberano, passa a ser ―contido‖ numa instituição burocrática. No século XVII até o final do XVIII, a educação dava-se pelo suplício do corpo – evento esse que era apresentado publicamente, ou seja, o castigo era fornecido como espetáculo. O condenado era mutilado em público e assim, o perdão era extraído através da dor de modo que a morte não se dava de momento imediato. Na abertura de Vigiar e Punir: história da violência nas prisões, pode se ver um relato da Gazette d‟Admsterdam, que apresentado por Foucault, mostra em detalhes o suplício de Damiens, condenado em 1757. Essa forma de castigo era um modo de educar a população, mostrando-lhes o que poderia acontecer caso viessem a ir contra a vontade do soberano. No final do século XVIII, com a estruturação do capitalismo, aos poucos, o castigo através do corpo supliciado passa a perder a importância. Com o surgimento das indústrias, torna-se necessário o corpo saudável e em plenas condições para a para quem rompe o pacto social: eis o surgimento da prisão. Essa instituição tem por I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página punição que deva considerar o novo modo econômico que vigora nesse período 2 produção em série. Dessa forma, há a necessidade de uma outra maneira de ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 finalidade, capturar todos aqueles que são considerados inúteis a tal estrutura econômica e adaptá-los à mesma. Nesse âmbito, a disciplina dar-se-ia em lugares fechados, calculados a ponto de vigiar o corpo do infrator. Para o progresso desse método disciplinar, é necessário individualizar a pessoa e agir sobre seu interior, objetivando-o a uma ética capitalista e consequentemente sujeitando-o. Foucault observa em seus estudos que as atividades das prisões influenciaram diretamente as escolares. Os espaços fechados, calculados, com separação por fileiras, idade, por horários, têm por finalidade exercer um saber (verdade) sobre o aluno, a ponto de sujeitá-lo, moldando seu interior para torná-lo viável ao meio de produção. O indivíduo torna-se ao mesmo tempo, sujeito e objeto do poder. Por meio do desenvolvimento dessa pesquisa, pode-se observar que a educação/disciplina na modernidade são objetos do poder. Eis o sucesso de Foucault em não restringir o poder no âmbito dos aparelhos jurídicos, e sim considerá-lo como micro-poderes que funcionam de modo difuso. Também se notou que o jogo do poder – transferido do soberano ao estado – atuou de modo positivo ao transformar a perspectiva educacional que, a partir do final século XVIII, versa sobre uma tendência capitalista. Por tanto, o surgimento da prisão que ao invés de punir o corpo do condenado, disciplinava-o tornando-o apto às atividades desse novo sistema. Isso justifica o surgimento da escola – denominada pelo filósofo de governo do sequestro da infância – atua como uma maquinaria social que, por meio de atividades e de sua estrutura calculada, controla o corpo e o tempo dos indivíduos tornando-os úteis e dóceis, sujeitando-os a um saber científico. Além disso, essa análise permite provar o pretexto da educação moderna em separar o ―normal‖ e o ―anormal‖ afirmando o primeiro ser o normatizado pela disciplina e o segundo como o que foge desse enquadramento tornando-se causador da desordem social posteriormente. corretivas. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Benthan, ―instituição‖ que vigia o corpo do indivíduo, regulando através de práticas 3 Essa estrutura social é comparada pelo pensador a exemplo do panopticon de ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Outra consideração acerca desse estudo é de que essa perspectiva justifica o aparecimento de outras instituições disciplinares, tais como hospitais psiquiátricos e quartéis, que assim como a escola são cortados pelas relações de poder. Referências CÉSAR, M. R. de A. Pensar a educação depois de Foucault. Dossiê Michel Foucault Revista Cult, n. 134, p. 54-56, 2009. FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Trad. Lígia M. Ponde Vassalo. 34. ed. Petrópolis: Vozes, 2007. JARDIM, A. F. C. Michel Foucault e a educação: o investimento político do corpo. Página 4 Revista UNIMONTES Científica, Montes Claros, v.8 n.2, p. 103-118, jul./dez. 2006. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ASPECTOS DA REFUTAÇÃO DO IDEALISMO MATERIAL SOB A PERSPECTIVA APRESENTADA NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA Marco Aurélio Fabretti Graduado em Filosofia - UEM Orientadora: Profª Drª Andrea L. Bucchile Faggion [email protected] Palavras-chave: refutação, idealismo, permanência, tempo, matéria Este trabalho visa expor como Kant compreende e refuta o idealismo dito material fundamentado no pensamento cartesiano, no livro segundo de sua Analítica Transcendental da Crítica da razão pura. Começaremos pela distinção entre idealismo material dogmático e idealismo material problemático, cujos fundamentos se encontram na filosofia de Berkeley e na filosofia de Descartes, respectivamente, e partiremos para uma análise deste último. Sobre o idealismo material dogmático, seguiremos os passos do autor e apresentaremos somente o cerne da refutação pretendida a partir de elementos da estética transcendental, para podermos depois disso voltar nossos olhos para o já supracitado idealismo problemático. Tal idealismo aceita nossa experiência imediata de nós mesmos como verdade e garante com isso a existência de um eu pensante; no entanto, o faz em detrimento de uma realidade exterior, que é considerada indemonstrável segundo o pressuposto da dúvida universal cartesiana na visão kantiana; diga-se visão kantiana, pois o próprio Descartes aceitara a realidade exterior; no entanto, a preeminência que o francês dá realidade exterior, tentando demonstrá-la não mais como um apêndice e sim como 1 um elemento necessário à visão idealista. Kant aceitará, portanto, em partes este Página à idéia sobre a matéria fará com que Kant assuma a discussão em defesa desta I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 idealismo: há a concepção de nós mesmos e esta é certa, segundo nosso autor; porém, diferentemente dos idealistas materiais, Kant não implicará daí a impossibilidade de demonstração da realidade exterior, pelo contrário: concedendo este pressuposto, a saber, a certeza de nossa própria experiência interna, buscará implicar a necessidade de algo exterior a nós mesmos que fundamente esta certeza. Para isso, Kant utilizará de dois pressupostos, a saber, o de que toda experiência é determinada no tempo e o de que em toda mudança dos fenômenos, ou seja, toda sucessão objetiva no tempo só pode ser determinada sob a condição de uma substância que permanece, o que nada mais é do que o princípio da permanência da substância exposto por nosso autor na primeira analogia da experiência, num momento anterior da obra a qual analisamos. O uso destes pressupostos por nosso autor implicará, como não poderia deixar de ser, em considerações acerca de suas formulações, ainda que a amplitude das possibilidades de considerações desta qualidade não permita um aprofundamento maior, sob a pena de discorrermos excessivamente sobre pontos não diretamente relacionados a nosso trabalho ou pontos que não poderiam ser alcançados no âmbito de uma comunicação. Portanto, procuramos apresentar os conceitos chave utilizados por Kant sempre pautando-nos pela estrita relação destes conceitos com a refutação do idealismo, o que nos leva a admitir a necessidade de estudos posteriores para complementar de maneira satisfatória nossa pesquisa. No que concerne ao primeiro pressuposto, a consideração da experiência como determinação do tempo, nos remeteremos à estética transcendental para compreendermos como o conceito de tempo é apresentado por Kant e porque ele condiciona a experiência. Correlato do espaço, o tempo será demonstrado como uma condição de possibilidade da experiência enquanto intuição pura, necessária para que se tenham as intuições empíricas provenientes de nossas apreensões: ―(...)uma representação necessária, a priori, Quanto ao segundo pressuposto, será necessário uma ida à primeira analogia da I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página gerará uma representação, que por sua vez será temporalmente determinada. 2 que fundamenta todas as intuições externas‖ (CRP, A 24). Toda intuição sensível ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 experiência, onde Kant estabelece a necessidade de um elemento permanente que subjaza à noção de mudança enquanto sucessão temporal objetiva. Segundo Kant, a consciência que temos de sucessão e simultaneidade pressupõe algo que seja permanente, e este algo deve ser diferente do próprio tempo, já que não o percebemos em si mesmo. Este algo permanente, que virá a ser a matéria, será o correlato do próprio tempo na experiência. É assim que chegará à noção de substância do fenômeno como permanente, tomando-o como substrato de toda mudança. Estabelecidos estes dois pressupostos, Kant implica a necessidade de um elemento espacial, a matéria, pois este será a única possibilidade aceitável de permanente para as ditas representações, inclusive para aquelas que temos de nós mesmos, ou, se preferir-se, de nossa existência. Do conhecimento de nossa existência aceita pelos idealistas materiais problemáticos, como Descartes, chegarse-á à necessidade do real no espaço. Passa-se, então, deste idealismo dito material para um idealismo transcendental, onde o sujeito não é mais a única certeza que se tem, em detrimento da realidade exterior, e sim possui nele as condições de conhecimento (garantindo-lhe um abrigo contra os realistas), que se relacionam necessariamente com um mundo externo a ele, outorgando realidade objetiva a este mundo (aqui cai por terra o idealismo cartesiano). Bibliografia Página 3 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 6ª Ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2008. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 FOUCAULT COM KANT Fernando Padrão de Figueiredo Mestrando - PPGF – UFRJ/ Bolsista do CNPq Orientador: Prof. DR. Guilherme Castelo Branco [email protected] Palavras-chave: Foucault; Kant; Aufklärung; Estética da existência; Filosofia política. Este trabalho tem a intenção de apresentar e aproximar dois autores, considerados por uma certa tradição, muito distantes um do outro. Kant e Foucault, dois pensadores que percorrem caminhos muito específicos na história do pensamento. Foucault com Kant. Esta é uma das hipóteses da comentadora Mariapaola Fimiani, na qual diz que o texto foucaultiano pode ser considerado como uma reescritura do texto kantiano. Assim, pode se dizer que aquele é um palimpsesto deste. (Cf. FIMIANI, 1998) Desta maneira, a intenção é, a partir de Foucault, estudar o jogo da tutela e da liberdade, explicitado no texto kantiano, como resposta à pergunta feita pelo pastor Zöllner, em 1783: O que é o Iluminismo? Liberdade (maioridade) e tutela (minoridade), jogo que implica a constituição do indivíduo como um sujeito autônomo e do jogo da verdade como a coragem de dizê-la. A temática do Iluminismo (Aufklärung) será o ponto central das análises, a possibilidade real de pensar Kant com Foucault, pois para este aquele é seu maior representante. Eis o que nos diz Penso que a Aufklärung, como conjunto de acontecimentos políticos, econômicos, 1 sociais, institucionais, culturais dos quais somos ainda em grande parte Página Foucault a respeito: I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 dependentes, constitui um domínio de análise privilegiado. Penso também que, como empreendimento para ligar por um laço de relação direta o progresso da verdade e a história da liberdade, ela formulou uma questão filosófica que ainda permanece colocada para nós. Penso, enfim – tentei mostrá-lo a propósito de Kant -, que ela constitui uma certa maneira de filosofar. (FOUCAULT, 2005: 1390) Entre Foucault e Kant, a questão do Iluminismo, problematizando a liberdade e o que ela envolve, ou seja, uma luta nos jogos (ou regimes) de verdade, onde o sujeito se constitui como sujeito livre, e a estratégia de poder dizê-la. Minoridade e liberdade para se pensar o problema de uma ética, a questão da transformação e retorno ao si. Ética que o último Foucault pensou como estética da existência, isto é, ―[...] o problema de uma ética, como forma a dar a sua conduta e a sua vida, é novamente posta.‖ (FOUCAULT, 2005: 1493) E estética que é transformação de si, possibilitado por um retorno ao si, a vida, a existência, como lugar de elaboração, criação e invenção. Assim, entende a estética como ―[...] uma forma de estetismo – e por isto‖, diz, ―eu entendo a transformação de si.‖ (FOUCAULT, 2005: 1354) É a partir da última fase da filosofia de Foucault (1978-1984), que este trabalho tem o propósito de apresentar. Um dos textos centrais para a aproximação de Kant e Foucault é o texto intitulado Qu‟est-ce que les Lumières? Este é especificamente um artigo, escrito para a Magazine littéraire, em dezembro de 1984. (FOUCAULT, 2005) Que também é resultado de uma aula dada no Collège de France em 1983, e reescrita para a mesma revista neste mesmo ano, com o mesmo título, Qu‟est-ce que les Lumières?.1 No artigo, de 1984, Qu‟est-ce que les Lumières?, Foucault apóia as suas reflexões no artigo de Kant, de 1784, intitulado de Beantwortung der Frange: Was ist Aufklärung?, onde problematizará o custo de dizer a verdade (ou seja, a sua coragem), como a possibilidade real para se constituir como sujeito livre, autônomo. 1 As aulas se encontram no curso, intitulado de Le Gouvernement de soi et des autres : cours au Collège de France (1982-1983). Já o artigo está presente nos Dits et Écrits II, 1976-1988. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 2 Kant, logo no início do seu texto, desafia seu momento presente: ―Sapere aude! ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento! Eis a divisa do Aufklärung.‖1 Assim, Foucault nos apresenta um Kant que tenta responder a sua época, diagnosticar aquilo que estava acontecendo, mostrando o preço a se pagar pelo uso de se pensar por si mesmo, ou pensar por pensar (embora fale especificamente do uso da faculdade do entendimento no artigo, usa a expressão räzonieren, isto é, raciocinar por raciocinar). Se para Kant o Esclarecimento (Aufklärung) era seu momento presente, uma resposta (uma solução) para um questionamento da sua época, para Foucault serve de signo daquilo que o texto anuncia, isto é, a sua originalidade, ou um novo modo de filosofar, de pensar. Kant sinaliza um momento de ruptura, um limite, ou uma máxima que serve de divisa para a sua época, ou melhor, para a vontade de sua época. Máxima que induz coragem para deixar de ser aquilo que se é. Deste modo, Kant define no começo do seu artigo: ―Aufklärung é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado.‖2 Aufklärung que não é uma época determinada, - ―A Aufklärung‖. Mas ela é um resultado, uma saída de um estado para outro. A minoridade kantiana é para Foucault fruto de um excesso de autoridade e de falta de coragem. Para sair de seu estado de minoridade, deve-se ousar, e, assim, permitir se conduzir e governar por si mesmo. O que está em jogo na mudança de um estado para o outro é o fato de poder pensar, orientar-se por si mesmo. Pensar por si mesmo é a saída da minoridade, tanto quanto um desprendimento, pois muda-se a relação com os outros (através de um público), implicando uma mudança consigo. Pensar por si mesmo não é uma consciência ou um desejo de se conduzir de outra forma. É muito mais uma crítica, é um outro modo de pensar aquilo que é o nosso presente. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página KANT, Immanuel. "Beantwortung der Frange: Was ist Aufklärung?". In: Schriften zur Anthropologie, Geschichtsphilosophie, Politik und Pädagogik (Band 9). Werke in zehn Bänden. Herausgegeben von Wilhelm Weischedel. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1983, p.53. (tradução portuguesa in: "Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?". A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70, 2004, p.11.) 2 Id. 3 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Bibliografia DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo : Brasiliense, 2005. FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits II, 1976-1988. France: Quarto Gallimard, 2005. ______. Le Gouvernement de soi et des autres : cours au Collège de France (19821983). France: Gallimard, 2008. HAUSER, Philippe. Foucault et la Critique. In : Michel Foucault : les jeux de la verité et du pouvoir. Sous la dir. De Alain Brossat. Nancy: Press Universitaire de Nancy, 1994. KANT, Immanuel. Beantwortung der Frange: Was ist Aufklärung?. In: Schriften zur Anthropologie, Geschichtsphilosophie, Politik und Pädagogik (Band 9). Werke in zehn Bänden. Herausgegeben von Wilhelm Weischedel. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1983. (tradução portuguesa in: "Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?". A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70, 2004.) _______. Qu‘est-ce que les Lumières? In : Aufklärung : Les Lumières allemandes. Textes et commentaires par Gérard Raulet. Paris: Flammarion, 1995. _______. Que significa orientar-se no pensamento?. In: A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70, 2004. FIMIANI, Mariapaola. Critique, clinique, esthétique de l‘existence. In : Michel Foucault : trajectoires ao coeur du présent. Sous la direction de Lucio D‘Alessandro et Adolfo Marino. Paris : L‘Harmattan, 1998. Página 4 TERRA, Ricardo. Foucault, leitor de Kant: da antropologia à ontologia do presente. In: Passagens: estudos sobre a filosofia de Kant. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 DA POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO DO CARÁTER MORAL EM KANT Carlos Eduardo Neres Lourenço Mestrando PUC/PR Orientador: Prof. Dr. Daniel Omar Perez lourenç[email protected] Palavras-Chave: Kant, Caráter, Moral, Antropologia, Formação Kant tem verdadeira preocupação com a formação do caráter moral do ser humano, e tal preocupação é visível em toda sua obra. Em sua obra Antropologia, ao falar em sinais distintivos do homem como ser natural, a estes dá o nome de Caráter Físico. Já como ser racional, aos sinais que distinguem o homem como ser provido de liberdade nomina-se Caráter Moral. O objetivo do presente trabalho é tão somente indagar da possibilidade de que o caráter moral do ser racional finito, no pensamento kantiano, seja formado por algum processo exógeno em contraponto à possibilidade de que este caráter seja inato. Para os objetivos do presente trabalho consideraremos tão somente a idéia de um caráter moralizado, ou um bom caráter numa abordagem coloquial. Kant, já na Critica da razão pura volta sua atenção às questões tocantes à formação deste caráter moral do caráter ou do caráter do ser racional finito. Na obra o filósofo já trata dos problemas e desordens que uma má formação ou falta de desenvolvimento ou cultivo causa à sociedade. Utilizando uma ―ação de arbítrio,..., uma mentira maldosa, mediante a qual um homem trouxe uma certa confusão à sociedade1” como exemplo, o pensador sentencia. Seja examinada em primeiro lugar, quanto às motivações a partir das quais 1 1 juntamente com suas consequências. Com o primeiro propósito, remonta-se o seu caráter empírico às suas fontes, as quais serão detectadas numa Página emergiu e, em seguida, julga-se como ela pode ser imputada ao agente (Werke. Band IV. p. 503) I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 educação defeituosa, em más companhias, em parte também na malignidade de uma índole insensível à vergonha; (KANT, I, 1983, pg. 281).1 (Grifo nosso) Verifica-se com clareza que o autor não poupa reprovação ao ato mentiroso causador de danos a sociedade. Ainda deixa claro que as fontes empíricas da atitude reprovável remetem à uma educação defeituosa, uma má formação educativa. É visível que o autor remete a um caráter moral mal formado. Ele repudia o ato como imoral, evidenciando no ato um caráter mal formado e atribui um nexo de causalidade entre este e uma educação defeituosa. Contrário senso, é possível afirmar que o autor deixa antever que uma boa educação agregada a alguns outros elementos, pode produzir um caráter moralizado, móbil de ações morais. Ele confirma a possibilidade de formação do caráter moral a partir de mecanismos externos, exógenos. Na segunda Crítica, mais uma vez ele aborda o assunto da formação do caráter moral ao levantar as orientações preparatórias fundamentais para que o homem ainda não formado possa tornar-se receptivo à moral pura. Tratando da “metodologia da razão prática” (Methodenlehre), exemplificamos, ele salienta que a mesma é “o modo como se pode proporcionar às leis da razão prática pura acesso ao ânimo humano, de modo a provocar uma influência sobre as máximas do mesmo, isto é, como se pode fazer a razão objetivamente prática também subjetivamente prática”. (Kant, 2002, p.239).2 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página [...] so nehme nam eine willkürliche Handlung, z. E. Eine boshafte Lüge, durch die ein Mensch eine gewise Verwirrung in die Gesellschaft gebracht hat, un die man zuerst ihren Bewegurschen nach, woraus sie entstanden, untersucht, und darauf beurteilt, wie sie samt ihrem Folgen ihm zugerechnet weden könne. In der ersten Absicht geht man seine empirischen Charakter bis zu dem Quellen desselben durch, die man ir der shlechten Erziehung, über Gesellschaft, zum Teil auch in der Bösartigkeit eines für Beschämung unempfindlichen Naturells, aussuchtz, zum Teil auf den Leichtasinn und Unbesonnenheit scheit; wobei man denn die veranlassenden Gelegenheitsursachen nicht aus der Acht läβt. In allen diesem verfährt man, wie überhaupt in Untersuchung der Reihe bestimmender Ursachen zu einer gegedadurch Narturwirkung. (Werke. Band IV. p. 503). 2 Viekmehr wird unter dieser Methodenlehre die Art verstanden, wie man den Gesetzen der reinen praktischen Vernunft Eingangang in das menschliche Gemüt, Einflub auf die Maximem desselbem 2 1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Com as abordagens supra, o filósofo abre portas para suas outras obras que tratam da aplicação da ética no espaço da formação do caráter do homem. No parágrafo anterior falamos sobre a aplicação da ética no espaço da formação do caráter do ser racional finito, no entanto, tal assertiva não pode passar ao largo do conteúdo das declarações do autor no prefácio de sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes, onde afirma o que se segue: Tanto a filosofia natural quanto a filosofia moral podem cada qual ter a sua parte empírica, pois aquela tem de determinar as leis da natureza como objeto da experiência, e esta, as da vontade do homem enquanto é afetada pela natureza; as primeiras, considerando-as como leis segundo as quais tudo acontece, a segunda, como leis segundo as quais tudo deve acontecer, mas ponderando também as condições pelas quais com freqüência não acontece o que devia acontecer. Pode-se chamar empírica toda a filosofia que se baseia em princípios da experiência; mas a que apresenta as suas teorias derivando-as exclusivamente de princípios a priori denomina-se filosofia pura. Essa, quando é simplesmente formal, chama-se Lógica; porém se limita a determinados objetos do entendimento, recebe então o nome de Metafísica. Dessa forma, surge a idéia de uma dupla Metafísica, uma metafísica da Natureza e uma Metafísica dos Costumes. A Física terá, pois, sua parte empírica, mas também uma parte racional; da mesma forma a Ética, se bem que nesta a parte empírica se poderia chamar especialmente antropologia prática, enquanto a parte racional seria a Moral propriamente dita. (Kant, I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página verschffen, d. i. die objekiv-praktiche Vermunft auch subjektiv praktisch machen könne. (Werke. Band VII. 287). 1 Dagegen können, sowohl die natürliche, als sittliche Welweisheit, jede ihren empirischen Teil haben, weil jene der Natur, als einen Gegenstande der erfahrung, diese aber dem Willen des Menschen, so fern er durch die Natur affiert wird, ihre Gesetze bestimmen muβ, die erstern zwar als Gesetze, nach denen alles geschieht, die zweiten als solche, nach denen alles geschehen soll, aber doch auch mit Erwägung der bendingungen, unter denen es öfters nicht geschieht. Man kann alle Philosophie, so fern sie sich auf Gründer der Erfahrung fuβt, empirische, die aber, so lediglich aus Prinzipien a priori ihre Lehren vorträgt, reine Philosophie nennen. Die letztere, 3 1984, p.103).1 ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Daí lembrar-se que para o filósofo, ao referir-se ao termo ética, tornar-se indispensável ter claro que este possui dupla acepção, sendo a primeira referente à sua parte empírica e a segunda à sua parte racional. No tocante à parte empírica o termo refere-se a uma antropologia prática, enquanto em sua parte racional faz referencia à Moral propriamente dita. Neste mesmo diapasão, Kant prossegue entendendo necessária uma antropologia prática para que o ser racional finito tenha favorecida a capacidade de receber. Capacidade de interiorizar, em sua voluntas, por educação e exercício, uma legislação moral, e afirmá-la eficaz. É assegurado pelo pensador que "o homem, afetado por inclinações, é na verdade capaz de conceber a ideia de uma razão pura prática, mas não é tão facilmente dotado da força necessária para a tornar eficaz in concreto no seu comportamento" (Kant, 1984, p.103).1 Fundamentado na afirmação supra, o pensamento kantiano afirma, para a fixação desta legislação moral, a necessidade indispensável de uma Metafísica dos Costumes. Não apenas para fins de especulação das fontes dos princípios práticos que residem a priori na razão dos seres racionais finitos, mas para fixação do princípio supremo da moralidade (Kant, 1984, pp.103-104). E este para que sirva como fio condutor ou vetor, norma suprema do julgamento do ser racional finito. Esta norma dada a priori, exigirá ―ainda uma faculdade de julgar apurada pela I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página wenn sie bloβ formal ist, heiβt Logik; ist sie aber auf bestimmte Gegenstände des Vertandes eingeschränkt, so heiβt sie Metaphysik. Auf solche Weise entspringt die idee einer zwiefchen Metaphysik, einer Metaphysik der Natur unde einer Metaphysik der Sitten. Die Physik wir also ihren emprisichen, aber auch einen rationalen Teil haben; die Ethik gleichafalls; wiewohl hier der empirische Teil besonders praktische Antropologie, der rationale aber eigentlich moral heiβen könnte. (Werke Band VI, VII p.11-12) 1 [...] des Menschen und Nachdruck zur Ausünbung zu verschaffen, da diese, als sebst mit so viel Neigungen affiziert, der Idee einer praktischen reinen Vernunft zwar fähig, aber nicht so leicht vermögend ist, sie in seinem Lebenswandel in concreto wirksam zu machem (Werke. Band VII. p.1314). 4 experiência, para por um lado, distinguir em que caso ela tem aplicação e, por outro, ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 assegurar-lhe entrada na vontade do homem e eficácia na sua prática” (Kant, 1984, pp.103-104) 1 (Grifo nosso). Do supra exposto, é conclusão deste trabalho que em contestação a qualquer possibilidade de um caráter moral inato, como uma lex aeterna scripta in omnis corde, é claro para o filósofo de Königsberg que este caráter moral é adquirido, formado, desenvolvido pelo e no ser racional finito As condições de possibilidade desta formação do caráter moralizado no ser racional finito deverão ser objeto de pesquisa outra, já que impossível nestas poucas linhas dar cabo de tal missão, no entanto claro no pensamento do autor que ao próprio homem incumbe a missão de avançar na busca da moralização. Referências KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. 2ª ed. SP: Abril Cultural, 1983. ________. Crítica da Razão Prática. Trad. de Valerio Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2002. ________. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Traduzida do Alemão por Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70 Ltda., 1984. [...] die freilech noch durch Erfahrung geschärfte Urteilskraft erfodern, um teils zu unterscheiden, in welchen Fällen sie ihre Anwendung haben, teils ihnen Eingang in den Willen des Menschen und Nachdruck zur Ausünbung zu verschaffen, da diese, als sebst mit so viel Neigungen affiziert, der idee einir praktischen reinen [...] (Werke. Band VII. p.13-14) I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página 1 5 ________. Werke in zehn Bänden. Darmstadt: Wissenchaftliche Buchgesellchaft, 1983. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A INTUIÇÃO EM KANT Christian Carlos Kuhn 2° Filosofia – UNICENTRO/PR Orientador: Marciano Adilio Spica [email protected] Seria estranho pesquisar a teoria do conhecimento em Kant isolando-a das influências da literatura em especial do Romantismo e Iluminismo. Além desses movimentos, destaca-se também a participação de duas correntes filosóficas, o Empirismo e o Racionalismo. A primeira, privilegia a sensação e a experiência como mediadores no conhecimento, e a segunda tem a Razão como guia seguro para o mesmo, esse podendo transcender a toda experiência possível, como o conhecimento de Deus, da alma, etc. É evidente que Kant não poderia deixar de se envolver nessas discussões, primeiramente aderindo ao racionalismo de Leibniz, Wollf e Espinosa por exemplo, sendo que este corresponde ao período considerado pré-critico e, posteriormente a constatação de seus fascínio pelo empirismo de Locke e Hume, preponderante no período crítico. Confesso francamente: foi a advertência de David Hume que, há muitos anos, interrompeu o meu sono dogmático e deu às minhas investigações no campo da filosofia especulativa uma orientação inteiramente diversa. (KANT, 1988, p.17) Ao analisar os discursos de ambas as partes, Kant expõe os princípios fundamentadores do conhecimento, até então suficientes para a metafísica da causalidade. O primeiro expressa que nada pode ser e não ser ao mesmo tempo 1 sob a mesma relação, o segundo indica que algo é necessário sob uma perspectiva Página época: O princípio de contradição, o princípio de necessidade, e o conceito de I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 lógico-formal quando sua negação é impossível ou implica contradição. O último fica bem exposto nas palavras de Kant: Hume partiu essencialmente de um único, mas importante, conceito de metafísica, a saber, a conexão de causa e efeito (portanto, também os seus conceitos consecutivos de força e acção, etc.) e intimou a razão, que pretende te-lo gerado no seu seio, a explicar-lhe com que direito ela pensa que uma coisa pode ser de tal modo constituída que, uma vez posta, se segue necessariamente que a outra deve ser posta. (KANT, 1988, p. 14) O autor retoma a crítica de Hume e expõe um dos aspectos limitadores da razão na Metafísica. Esta ciência que, segundo Kant, pretendia por meio da Razão Pura pensar a priori relações causais não necessárias. Ele provou de modo irrefutável que é absolutamente impossível a razão pensar a priori e a partir dos conceitos uma tal relação, porque esta encerra uma necessidade; mas, não é possível conceber como é que, porque algo existe, também uma outra coisa deva existir necessariamente, e como é que a priori se pode introduzir o conceito de uma tal conexão. (KANT, 1988, p. 14) É a partir dessas influências kantianas que buscamos o esclarecimento de um conceito utilizado e desenvolvido por Kant, a saber, o conceito de ―Die Anschauung‖ (traduzido como A Intuição). Para que possamos clarear o uso que Kant faz de tal conceito precisamos primeiramente nos ater nas discussões que tal autor faz a respeito da sensibilidade e do entendimento. Para isso tentaremos reconstruir a resposta que Kant dá a três questões fundamentais da teoria do conhecimento: Como eu tenho acesso aos objetos sensíveis? O que é o conhecimento? De que modo ele é possível? Como veremos, ao tentar responder essas questões, Kant percebe que o conhecimento não é puro conceito racional, mas também não é somente conteúdo não o inverso como foi o erro cometido até então pela metafísica, sendo necessário 2 repensá-la. Assim, antes de fazer metafísica seria necessário perguntar-se se a Página empírico, no entanto adverte que são os objetos que devem se regular ao primeiro e metafísica é realmente possível. Cito Kant: ―A minha intenção é convencer todos os I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 que creem na utilidade de se ocuparem de metafísica, de que lhes é absolutamente necessário interromper o seu trabalho, considerar como inexistente tudo o que se fez até agora e levantar antes de tudo a questão: <<de se uma coisa como a metafísica é simplesmente possível>>.‖ (KANT, 1988, p.12) Ao expor o erro da Metafísica, Kant esboça dois aspectos particulares da Razão, porém complementares. (...) ―tentamos tornar clara a grande diferença entre os dois usos da razão, a saber, o discursivo segundo conceitos e o intuitivo mediante a construção de conceitos‖ (KANT, 1996, p.433, A747). Mas antes de expormos um exemplo da utilização desse termo (A Intuição) por Kant, é necessário esclarecer ainda sobre os juízos ou proposições. Toda proposição ou juízo consiste num sujeito lógico do qual se diz algo, e um predicado, que é aquilo que se diz desse sujeito. O autor diferencia dois tipos de juízos, os analíticos e os juízos sintéticos. Os primeiros são juízos de análise em que o predicado está contido no sujeito e a ele nada acrescenta, e os últimos são juízos construtivos onde o predicado acrescenta algo ao sujeito. Ao elucidar os primeiros, utiliza-se da Matemática para expor seu conceito de intuição. Mas, se não me quiserem conceder isso, bem, então restrinjo a minha proposição à matemática pura, cujo conceito já implica que não contém um conhecimento empírico, mas um puro conhecimento a priori. Poder-se-ia, antes de mais, pensar que a proposição (7+5=12) é uma simples proposição analítica, que resulta do conceito de uma soma de sete e cinco, em virtude do princípio de contradição. Mas, olhando de mais perto, descobre-se que o conceito da soma de sete e cinco não contém mais nada senão a reunião de dois números em um só, sem que pense minimamente o que seja esse único número, que compreende os dois. O conceito de doze de modo algum está pensado pelo simples fato de eu pensar essa reunião de sete e cinco, e por mais que analise longamente o meu conceito de tal soma possível, não encontrarei no entanto, aí o número doze. É preciso ultrapassar cinco dado pela intuição ao conceito de sete. (KANT, 1988, p.27) I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página os seus cinco dedos ou cinco pontos, e assim acrescentar, uma após outra, as unidades do 3 esses conceitos, recorrer a intuição que corresponde a um dos dois números, por exemplo ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Com o que vimos até aqui, mostra-se que o objetivo deste trabalho é o de além de esboçar alguns elementos da teoria do conhecimento Kantiana, expor nosso projeto de pesquisa sobre a intuição em Kant. Busca-se entender o conceito de intuição e seu papel na teoria do conhecimento de Immanuel Kant, além de analisar minuciosamente as faculdades do conhecimento, tentando encontrar o papel da intuição na formação de juízos sintéticos a priori. Para que isso seja possível, utilizamos como método a pesquisa bibliográfica do autor, bem como a leitura de comentadores sobre o tema em questão. Referências bibliográficas CAYGILL, H. Dicionário Kant. Tradução, álvaro Cabral; revisão técnica, Valério Rohden. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. KANT, I. Prolegómenos a toda metafísica futura que queira apresentar-se como ciência. Lisboa; Vozes, 1988. KANT, I. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Nova Cultural, 1996. PASCAL, G. Compreender Kant. 4 ed. Petrópolis; Vozes, 2008. Página 4 RODRIGUES, C. Tradução e interpretação. São Paulo: UNESP, 2000. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 O CONCEITO DE ALMA DO MUNDO NO TIMEU DE PLATÃO André Wowk Nunes 3º Filosofia, UNICENTRO-PR, Pesquisador ICV/UNICENTRO-PR Orientador: Manuel Moreira da Silva [email protected] Palavras-chave: Platão, Timeu, Ontologia, Alma do Mundo, Corpo do Mundo. Trata-se de uma explicitação da concepção platônica da Alma do Mundo, tal como exposta na primeira parte do Timeu (27d-38c); mais precisamente, do lugar e da função da Alma do Mundo no âmbito da criação do Mundo enquanto vivente eterno e no que concerne à união entre a Alma do Mundo e o Corpo do Mundo (34c-38c). Em sua exposição acerca da Alma do Mundo, Platão enumera como suas características fundamentais a composição dialética, a estrutura harmônica, a significação astronômica, a função motriz e a função cognitiva; estas características são desenvolvidas de modo a dar conta do sentido em que, para o filósofo, a Alma do Mundo é anterior ao Corpo do Mundo. Com isso ele não só justifica essa anterioridade, mas antes estabelece como que uma realidade intermediária entre o inteligível e o sensível, a qual é preenchida pela Alma do Mundo. Assim, partindo do problema da criação do Mundo (30c-34b), discutiremos em que medida a Alma do Mundo se forma e por que motivo ela é anterior ao Corpo do Mundo (34b-36b), bem Segundo Platão, tendo decidido formar o mundo o máximo possível à semelhança 1 do mais belo, Deus fez dele um vivente único, visível, contendo no seu interior todos Página como do modo como ela se relaciona com este (36d-38c). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 os viventes que por sua natureza são da mesma forma que ele. Neste sentido poderia ser o caso de se perguntar se existe apenas um céu único ou há uma pluralidade de céus, ou mesmo um número infinito; contudo, essa questão, aparentemente complexa, se resolve como que facilmente pela primeira alternativa, isto é, de que há somente um céu, pois em se aceitando que este fora construído segundo a imitação de um modelo eterno, só poderá haver um céu – o que então fará com que o mundo se apresente como a imagem em movimento da própria eternidade. Contudo, esta solução aparentemente fácil exige que se leve em conta pelo menos dois problemas aí implicados: o do ser eterno e o do efêmero. Por um lado, o eterno é o não nascido, que pode ser atingido pela intelecção e pelo raciocínio, exatamente por nunca mudar; no dizer de Platão, quanto mais meditarmos sobre a sua natureza, apesar de toda e qualquer mutação de nossa constituição, mais ele será identificado conosco ou dele mais nos aproximaremos – Platão chama-o de o Mesmo, associando-o à perfeição, à imobilidade, à continuidade da alma. Por outro lado, o efêmero é o que sempre nasce, jamais tendo existência, sendo sempre do domínio do ilusório; Platão chama-o de o Outro, associando-o ao imperfeito, à mobilidade e a imperfeição da matéria (35a). Isto significa que para algo como o Mundo, ou melhor, o Corpo do Mundo possa existir, há que haver antes dele próprio alguma coisa que unifique o Mesmo e o Outro numa composição tal que permita a ambos desenvolverem sua natureza constitutiva; o que não é senão a Alma do Mundo. O fato da Alma do Mundo ser anterior ao Corpo do Mundo remete a uma idéia tanto de liberdade como de indestrutibilidade, pois seria absurdo ter sido o Corpo formado antes da Alma. Desse modo, a Alma é considerada primeira pelo fato de ter sido feita para comandar o que ainda estaria para ser criado; neste caso, ela já deveria ter sido estabelecida antes do próprio Corpo do Mundo. No dizer de Platão, isso se uma terceira espécie de substância, isto é, uma substância intermediária que, como I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página maneira invariável, e da substância divisível, que está nos corpos, da qual resultara 2 deu através da mistura da substância indivisível, que se comporta sempre de ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 tal, compreende a natureza do Mesmo e a do Outro em uma estrutura harmônica (35a). De acordo com essa estrutura, que se determina sobretudo pelo grau de resistência que no caso da Alma do Mundo se opera na mescla do Mesmo e do Outro, pode-se dizer, a título de exemplo, que enquanto a Alma humana se caracteriza pelo Outro mais Mesmo/2, mais Outro/2, a Alma do Mundo se caracteriza pelo Mesmo mais o Outro mais Mesmo/2, mais Outro/2; razão pela qual esta é capaz de suportar melhor que aquela a resistência do Outro, o ordenando segundo o Mesmo, do qual falta uma parcela na primeira, fazendo-a mais suscetível à variação e à mudança (35b). Em vista disso, a Alma do Mundo possui uma significação astronômica que, como tal, funda a própria coexistência do movimento do círculo exterior do céu, que não é senão o movimento do Mesmo e se orienta no sentido de um paralelogramo, da esquerda para a direita, e o círculo interior, que não é senão o movimento do Outro e se orienta segundo a diagonal, ou da direita para a esquerda (36c), demonstrando assim a união de ambos segundo a aceitação de um modelo eterno. Ainda de acordo com Platão, ao termo da criação da Alma do Mundo, através de uma precipitação divina, lhe foi dada vida racional e inextinguível, fazendo assim com que, mediante sua função motriz, nascesse de um lado o corpo visível do céu e de outro, como partícipe do cálculo e da harmonia, o invisível ou a própria Alma, ―a mais bela das realidades engendradas pelo melhor dos seres inteligíveis que são eternamente‖ (37a). Por isso, no que concerne a sua função cognitiva, a Alma do Mundo se move por si mesma em círculo, retornando sempre sobre si mesma; bem como, ao entrar em contato com um objeto, seja a substância deste divisível ou indivisível, ela proclama, movendo-se, através de todo o seu próprio ser, a que substância tal objeto é idêntico e de que substância ele se diferencia; o que ocorre pela intelecção e a ciência (ibid.). Enfim, pode-se dizer que a Alma do Mundo se apresenta como um objeto princípio cognitivo não só em si mesma, mas também daquilo que ela envolve, vale I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página harmônica e da astronômica; apresentando-se ainda como princípio motor e 3 multifacetado, sendo ao mesmo tempo considerada no âmbito da dialética, da ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 dizer, do próprio Mundo. Isso significa que a Alma do Mundo deve ser considerada pelo menos sob dois pontos de vista básicos, sendo o primeiro, o seu próprio desdobramento dialético a partir de sua composição até a sua caracterização propriamente astronômica; bem como o segundo, o modo como ela própria se apresenta como cumprindo uma função ao mesmo tempo motriz e cognitiva. De um lado a Alma do Mundo deve ser considerada em um âmbito propriamente inteligível, como que perfazendo o limite do inteligível; de outro, ela também tem que ser considerada em um âmbito sensível, pois envolve o Corpo do Mundo e com ele se relaciona de certa maneira. No primeiro caso está em exposição a constituição da Alma do Mundo enquanto tal em sua dimensão inteligível, já no segundo o seu caráter de principio ou a sua função motriz e cognitiva enquanto aquilo que informa o Corpo do Mundo. Referências PLATÃO. Timeu. Trad. Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. _____. Filebo; Timeo; Critias. Traducciones, Introducciones y Notas por Maria Ángeles Durán y Francisco Lisi. Madrid: Editorial Gredos, 1992. _____. Timeo o de la naturaleza. Traducción del griego, preámbulo e notas por Francisco de P. Samaranch. In: ___. Obras completas. Madrid: Aguilar, 1969, p. Página 4 1103-1179. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 TRANS-MODERNIDADE E GEOPOLÍTICA DA HISTÓRIA EM DUSSEL Elias Dallabrida DEFIL – UNICENTRO/PR [email protected] Palavras-chave: Trans-modernidade, inclusão, geopolítica, culturas mundiais. Discute-se nestas últimas décadas, o projeto e o discurso da modernidade, seus modelos de explicação, sua suposta crise e solução. Um clima de perplexidade permeia o ambiente intelectual nas universidades, círculos de debate, congressos e encontros. Há uma dificuldade em teorizar e explicar o que vem acontecendo nas diversas instâncias da produção do conhecimento histórico: ―Qualquer ‗metadiscurso‘ ou tentativa de teorizar o mundo completo ou a sociedade global tornou-se impossível devido ao colapso irremediável das crenças nos valores de qualquer tipo e numa hierarquização deles que seja válida universalmente‖. (CARDOSO,1996, p.6). Tem-se apontado como uma crise de valores intra-modernos e da práxis de seus estatutos. Alguns intelectuais têm justificado tal crise como um desvio dos acontecimentos históricos e falta de credibilidade nas ideologias modernas, como por exemplo, o Marxismo e Positivismo. Outros alimentam a tese da ilusão das correntes ideológicas, das utopias e até mesmo do ―fim‖ da própria história. Esta última ―boa nova‖ tem sido uma vertente no discurso da Pós-modernidade, que proclama o fim da história com a aparente vitória do capitalismo globalizante, apontado como o estágio ideal para a humanidade no Terceiro Milênio: ―Muita gente do capitalismo é inecessário ou mesmo impossível. Assim, querem nos obrigar a 1 pensar dentro do capitalismo e limitar nossa ação a, no máximo tratar de melhorá-lo, Página hoje quer nos convencer de que com o capitalismo acabou a história e que um além polindo as suas arestas mais duras para a vida social e individual.‖ (VELASCO I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 ,1991, p. 161). Curiosamente, quando a noção de sentido na história sofre os mais duros ataques, uma corrente de pensamento alimentada na esteira dos acontecimentos que culminaram com a queda do muro de Berlim, em 1989, projetase sobre o princípio teleológico da filosofia da história moderna. ―Fala-se hoje em dia de estarmos ingressando numa época pós-moderna (...) em que não mais se creria numa história que faça sentido e tenha duração, tratar-se-ia, antes de um período em que as teorias globais de qualquer tipo seriam impossíveis ou perderiam credibilidade mobilizadora‖. (CARDOSO, 1996, p. 7). No século XX produziu-se na França o movimento dos ―Annales‖, com a proposta de uma ―nova história‖, despreocupada com causas finais e essencialmente fascinada pelo brilho dos temas, métodos e objetos de análise. Este grupo de historiadores tem se caracterizado com raras exceções, pela heterogeneidade presente desde os primórdios e por pragmatismo metodológico que os une. Por outro lado, o quadro de uma sociedade ―pós-moderna‖ os diferencia, instalando-se uma profunda crise da razão: ―No momento em que o vento da história soprava para construir uma sociedade nova os pensadores buscavam o sentido do futuro humano e inscreviam o presente na lógica racional. De Kant a Marx, sem esquecer Hegel, temos a compreensão dos fundamentos das batalhas em curso pela liberdade. Ao contrário, quando as resistências às mudanças triunfam, no momento em que as esperanças são frustradas, em que a desilusão se enraíza, assiste-se a recusa da racionalização global do real (...) a história perde, então, todo o sentido, fragmenta-se em múltiplos segmentos‖. (DOSSE, 1994, p. 8). Diante do impasse a respeito das discussões sobre uma eventual crise de modelos explicativos, de uma possível fragmentação do conhecimento histórico, já denunciada por Dosse, o pensamento latino-americano encontra-se talvez, neste início de milênio, em uma situação de menor tensão para encontrar sua racionalidade, esta será a hipótese central dessa investigação filosofias da história apresentam em seus fundamentos teóricos e metodológicos, portanto sua natureza particular, regional que exclui a história as I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página tais 2 científica. A questão que se coloca é de outra natureza. A visão eurocêntrica que ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 maiorias da população do planeta. O retorno à consciência das maiorias de seu inconsciente histórico excluído se coloca como uma exigência ética e um dos maiores desafios proposto aos profissionais da história após a queda do muro de Berlim em plena ‖Era da Globalização‖. Entre tantos intelectuais que se opõem ao Eurocentrismo situados na periferia do Sistema-Mundo destaca-se a figura de Enrique Dussel. Este pensador critica a visão eurocêntrica da história mundial. Dussel defende a tese que o fenômeno da modernidade tem sido um discurso europeu, portanto, possui uma conotação geopolítica de centro da história universal. Em sua obra ‖Ética da Libertação‖, na idade da globalização e da exclusão (2002, p. 77) critica a periodização ideológica da história em antiga, medieval e moderna que segundo ele é ingenuamente de origem helenocêntrica e eurocêntrica. Tomando como exemplo a historia das ideias filosóficas, Dussel afirma categoricamente a necessidade desta disciplina e das academias que se ocupam dela, se libertarem da função meramente interpretativa de textos filosóficos provenientes do centro do Sistema-Mundo: ―Até o presente, a comunidade hegemônica filosófica (européia, norte-americana) não outorgou nenhum reconhecimento aos discursos filosóficos dos mundos que hoje se situam na periferia do Sistema-Mundo‖ (DUSSEL, 2002, p. 77). Dentro desta ótica, um dos maiores desafios da historiografia contemporânea é o de incluir o maior número possível das populações mundiais dos países que compõem a periferia do Sistema-Mundo e dar-lhes por questão ética, prioridade na comunidade real de comunicação. O que implica, afinal de contas a comunicação de histórias que não sejam transcrições do passado eurocêntrico? Dussel, em seus escritos aponta e sugere classificações, categorias, conceitos e método de análise que poderão ser aplicados à investigação do passado sobre as distintas culturas mundiais. Portanto, o autor propõe o paradigma da Trans-Modernidade, isto é, um projeto que consiste em estudar as culturas mundiais em sua alteridade, além da I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página investigação da história com ênfase na questão da geopolítica em âmbito planetário. 3 visão européia. Portanto, a presente pesquisa visa contribuir no avanço da ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Referências CARDOSO, C.F. No limiar do Século XXI. In: Revista Tempo. Rio de Janeiro: Vol.1 N. 2, 1996. DOSSE, F. A história em migalhas. Dos Annales à nova história. Campinas: Ensaio, 1994 DUSSEL, E. Ética da libertação. Na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis, Vozes, 2002. VELASCO, S. L. Reflexões sobre a Filosofia da Libertação. Campo Grande: CEFIL, Página 4 1991. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 NARRATIVA E IDENTIDADE EM PAUL RICOEUR Ruth Rieth Leonhardt DEFIL – UNICENTRO/PR Palavras-chave: Ricoeur, Narrativa, identidade Investiga-se a identidade narrativa inclusa entre as habilidades do homem capaz com o objetivo de determinar a relação que, em Paul Ricoeur, existe entre a identidade pessoal e a narrativa de uma vida. O homem é um ser condicionado pelo espaço-tempo em que se situa e pelas influências dos relacionamentos que firma. A valoração de um ato pressupõe a ascrição, ou seja, a atribuição do ato a alguém determinado pois, sem agente, a ação é destituída de significado. Releva, assim, a necessidade de conhecer o autor do ato. O processo de identificação e reconhecimento, entretanto, não é ponto pacífico porque sobre ele convergem fatores intervenientes que provocam impedimentos na identidade pessoal. A simples enunciação do nome não é suficiente. Há que se encontrar um traço estrutural distintivo de permanência que suporte mudanças e transformações. Em Temps et récit encontra-se a questão narrativa relacionada ao problema do tempo. A investigação da identidade pessoal, metodicamente desenvolvida em O si mesmo como um outro, parte dos diversos significados da palavra mesmo. Este é um conceito de relações entre realidades objetivas. absoluta, igualdade plena e irrestrita; simultaneidade, concomitância temporal; 1 similitude, parecença, analogia; igualdade quantitativa dessa forma sugerindo Página Perquirindo o termo mesmo, Paul Ricoeur encontra nele os sentidos de: identidade ambigüidades. Para saná-las, busca nas expressões latinas idem e ipse os I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 referenciais que servem para esclarecer o problema da identidade da pessoa que por um lado é sempre a mesma do nascimento até a morte e por outro, mostra-se diferente com o passar do tempo, seja no aspecto físico seja nos modos de ser. Transposta a questão para a identidade pessoal, entende que no sujeito convergem a mesmidade idem em que há o entendimento de ser alguém sempre o mesmo, idêntico e a ipseidade, que emprega a dialética do si mesmo que se descobre outro no movimento do tempo e nas agregações configurantes. A mesmidade é a identidade objetivamente considerada e a ipseidade a compreensão subjetiva de permanência, da existência de disposições estáveis que servem de apoio às mudanças tal como é o caráter. Assim é possível afirmar que alguém pode ser reconhecido a mesma pessoa ao longo de toda sua vida. A narração é uma das formas primeiras de comunicação entre os homens transmitindo saberes, tradições e normas e tem implícitos a existência de um narrador, um destinatário e uma ação. Aristóteles, na Poética, quando trata da tragédia diz que o enredo introduz concordância entre fatos, eventos díspares, dando-lhes forma, configuração única e delimitando-os entre começo e fim. Toda a narração tem como função mimetizar a ação relatada. Entende-se por ação fatos, acontecimentos passíveis de serem narrados. Personagem é quem faz a ação. Para Ricoeur, na narração os fatos acontecidos, os personagens da história adquirem distinção própria e são sempre, outra vez, reconhecidos porque no enredo, ou seja, nos fatos que compõem as ações, são entretecidos em unidade temporal a história do personagem e os elementos aleatórios, imprevisíveis, fortuitos que a ela aderem. Tem-se, então, conjugados no personagem a concordância da unicidade de uma vida singular que dá unidade à história narrada e a discordância dos eventos. A vida da pessoa, reunida e guardada na memória pode ser contada pelo personagem tem a iniciativa e o poder de determinar o começo e o fim dos 2 acontecimentos relatados refigurando-os, diferentemente da pessoa, cuja vida é Página personagem que constrói então sua identidade narrativa. Importante ressaltar que o I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 objeto do relato, que não conhece os fatos sobre sua concepção e nascimento que dizem respeito a outras vidas que não a própria e aos referentes à sua morte que só os que sobreviverem a ela poderão descrever. A narração de vida pode misturar experiências vividas e fabulização da história constituindo-se assim em história fictícia ou ficção histórica de acordo com o que é escolhido para ser traduzido no enredo. Na narração são ressaltados os conteúdos éticos das ações por meio de julgamentos e avaliações. Em Ricoeur a narrativa assume, então, o papel mediador entre o momento descritivo e o prescritivo em que a identificação da pessoa se torna fator fundamental. A narratividade é, pois, uma introdução, uma propedêutica à ética. Portanto, pode-se afirmar que mesmo se uma narrativa de vida não guarda fidelidade histórica aos fatos narrados, é fiel à identidade pessoal na identidade narrativa do personagem. Na unidade de uma vida, totalidade temporal e singular mostrada na identidade do personagem emerge a identidade pessoal dialeticamente estruturada entre a permanência no tempo e a mudança, entre a mesmidade e a ipseidade, entre o si mesmo como outro. Bibliografia HAHN, E. L. A filosofia de Paul Ricoeur. Lisboa: Piaget, [1997]. RICOEUR, Paul. O si mesmo com um outro. Campinas: Papirus, 1991. _____ . A metáfora viva. São Paulo: Loyola, 2000. _____ . Da metafísica à moral. Lisboa: Piaget [1997]. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página _____. Tempo e narrativa II. Campinas: Papirus, 1995. 3 _____ . Temps et récit vol. I L‘ intrigue et Ie récit historique. Paris: Du Seuil, [2006]. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 _____. Anthologie. Textes choisis et presentes par Michael Foessel et Fabian Página 4 Lamouche. Paris: Seuil, 2007. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 A REFUTAÇÃO KANTIANA DO IDEALISMO Adriel José Machado 3º Filosofia, UNICENTRO/PR, Pesquisador: ICV/UNICENTRO Orientador: Manuel Moreira da Silva [email protected] Palavras-chave: Kant, Descartes, eu, consciência, idealismo. Trata-se de um estudo em torno da Refutação kantiana do Idealismo ―material‖ ou empírico de René Descartes, o qual, na Crítica da Razão Pura de 1787, é definido como ―a teoria que considera a existência dos objetos fora de nós‖ enquanto ―simplesmente duvidosa e indemonstrável‖ (KrV, B 274). Segundo tal idealismo, tenho de considerar como falso tudo que é incerto, o que é justamente o caso da existência dos objetos no espaço fora de mim; contudo, mesmo que eu considere que não há mundo algum e nada corpóreo, não posso duvidar de minha própria existência – pois, ao duvidar, é necessário que eu seja alguma coisa (Meditações, I, §§3-12). Assim, o enunciado ―eu penso, logo sou‖ (ego cogito, ergo sum) aparece como prova da minha própria existência e definição da substância do eu como coisa pensante (res cogitans); pois, toda vez que eu penso, tenho consciência da minha existência, e, se o ato do pensamento é a única condição para a existência, então ele é a substância deste ser que pensa. Todos os pensamentos envolvem ideias, que são manifestações, atos do pensamento e representações de objetos externos; tais representações pressupõem a existência dos objetos externos, mas não provam causas das representações podem ser outras representações ou o próprio sujeito. 1 Logo, a existência das coisas externas é duvidosa e indemonstrável ao nível das Página por si sós a necessidade da existência desses objetos fora do pensamento, pois as I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 representações, ao passo que a existência do eu é indubitável e demonstrada pelo cogito (Med., II, §§7-9). Para refutar essa teoria é necessário provar indiscutivelmente a existência real e objetiva (a realidade atual para usar um temo cartesiano) das coisas externas. Este será o intento de Kant: demonstrar que ―temos também experiência e não apenas imaginação das coisas exteriores‖, a partir da tese de que ―a nossa experiência interna, indubitável para Descartes, só é possível mediante o pressuposto da experiência externa‖ (KrV, B 275). O ponto de partida da prova é o argumento da consciência de minha existência temporal. Quer dizer, sou consciente de que existo no tempo. As minhas próprias representações me dizem isto ao passo que são instáveis, isto é, são sucessivas mudanças de estados da minha consciência. Logo as representações são mutáveis e temporais. Mas só posso determinar o que é temporal com base numa sucessão de mudanças com referência a algo permanente. Ou como Kant diz na Observação 2: ―só podemos perceber toda a determinação de tempo pela mudança nas relações externas (o movimento) com referência ao que é permanente no espaço‖ (KrV, B 277). Isto significa que só podemos determinar que algo muda (que é temporal) relacionando-o com uma sucessão de diferentes estados deste algo com referência a algo permanente. Qual é então este permanente necessário para a determinação da minha existência no tempo? Temos três possibilidades: (1) o permanente é representação; (2) o permanente é um objeto externo; (3) eu sou este permanente. Quanto à primeira opção é evidente que o permanente não pode ser mais uma representação, pois seria também mutável e a posteriori, mas é necessário que seja algo distinto da representação como algo anterior que a sustente. Porém, se o permanente é um objeto externo, posso eu representá-lo sob a condição de algo permanente, externo e independente de mim, o que faz com que o permanente distinto delas, aquele que representa o que é representado. Além disso, permaneço o mesmo apesar das mudanças que ocorrem em mim. Não obstante, se percebo tal I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página próprio sou este permanente. Afinal, enquanto sujeito das representações sou algo 2 nunca saia do nível da representação. Estas objeções nos permitem inferir que eu ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 movimento é necessário que eu seja algo permanente, que resiste durante a sucessão das representações. Mas Kant não aceita que o permanente seja eu nem representação, até porque não refutaria Descartes, mas concordaria com ele e apenas reformularia seu idealismo. Para Kant, ―este permanente não pode ser algo em mim‖ e ―a percepção deste permanente só é possível através de uma coisa exterior a mim e não pela mera representação de uma coisa exterior a mim‖ (KrV, B 275). Isto porque uma vez que existo no tempo não posso ser a minha própria causa enquanto ser finito. Também não pode ser algo em mim (representação), ao passo que deve ser a priori. Até aqui Kant não dá conta de refutar o idealismo, pois o problema do permanente permanece irresolvido. Mas Kant apresenta um segundo argumento que é o da distinção entre experiência e imaginação. Na nota da Observação 1 Kant declara que a questão do idealismo é a de considerar que há apenas um sentido interno e nenhum externo; isto significa dizer que todas as coisas externas não passam de imaginação. Mas o ponto é que ―mesmo para imaginarmos algo como externo é necessário que já tenhamos um sentido externo‖, isto porque a imaginação é apenas ―reprodução de antigas percepções externas‖ (KrV, B 278). Ou seja, só podemos imaginar algo com base em objetos externos já percebidos anteriormente pelos sentidos externos. E de certa forma concorda Descartes quando diz que ―as coisas que nos são representadas no sono são como quadros e pinturas, que só podem ser formados à semelhança de algo real e verdadeiro‖ e que os pintores mesmo quando pintam seres fictícios, ―não lhes podem, todavia, atribuir formas e naturezas inteiramente novas‖ (Med., I, §6). Depois deste argumento Kant acredita ter provado que ―a experiência interna em geral só é possível mediante a experiência externa em geral‖ (KrV, B 278 - B 279). Isto é, todas as representações têm como causas primeiras necessariamente Ao analisar a refutação kantiana do idealismo, pode-se dizer que a mesma não 3 alcança seu objetivo e não oferece uma ruptura definitiva com Descartes, no máximo Página objetos externos permanentes, dos quais derivam direta ou indiretamente. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 o faz objeção. O primeiro argumento de que a consciência de uma relação entre nossa consciência empírica e coisas que persistem fora de nós não é suficiente para provar a real existência das coisas externas. Mesmo que eu perceba a minha existência com referência à existência de objetos externos, estes podem apenas ser representados nessa condição, então o permanente não sai do nível da representação. Quanto ao segundo argumento, a impossibilidade de representar algo totalmente novo demonstra que a faculdade da imaginação (a capacidade de produzir idéias fictícias) depende de representações de objetos da experiência, o que também não prova a existência de objetos externos, mas continua apenas os pressupondo, e apenas formula o problema das causas das ‗primeiras‘ representações, que não poderia ser o sujeito, mas também não requer a necessidade de que sejam os objetos das representações em sua realidade externa ao pensamento. Referências DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. Tradução de Maria Galvão e Homero Santiago. São Paulo : Martins Fontes, 2000. _______. Oeuvres Philosophiques. Tome II (1638-1642). Édition de Ferdinand Alquié. Garnier, Paris, 1992. KANT, Immanuel. Critica da razão pura. 5 ed. Tradução de Manuela P. dos Santos e Página 4 Alexandre F. Morujão. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 O HOMEM EM ROUSSEAU: EDUCAÇÃO POLÍTICA Roberto Valim de Almeida 4° Filosofia – UNICENTRO/PR Orientador: Darlan Faccin Weide [email protected] Trata-se de uma pesquisa bibliografia de cunho pedagógico educacional baseandose no filósofo iluminista Jean Jaques Rousseau. Com esse assunto, quer-se entender até que ponto o projeto educacional proposto pelo filósofo contribui para o bom convívio do cidadão dentro da sociedade, para que os membros sejam felizes e não se maltratem prejudicando-se mutuamente e nem o meio no qual vivem. Então Rousseau, filósofo suíço propõe um modo de educar, a saber: o modo natural. Em que consiste tal teoria? Para ele, a natureza é a melhor forma de educar, ela forma tudo em seu devido tempo e momento e como tal existe perfeição natural no objeto formado, no entanto, surge o homem que a modifica totalmente, aliás, esse modifica totalmente esse meio natural, pois quando o homem age na sociedade ele a transforma, interrompe o processo natural e de certo modo tal mudança nem sempre é para o bem da espécie. Então, com esse acontecimento o filósofo denomina de segundo nascimento, ou seja, nasce para o convívio social, para o relacionamento entre os demais, com isso o autor percebe a necessidade da evolução, do crescimento, visto que viver no estado ideal é bom, é o melhor, no entanto tal modo deixa o homem um tanto quanto alienado, abandonado as leis da própria natureza, e essa necessariamente elimina os mais fracos. o mais desfigurado de todos os seres, pois há a necessidade do cuidado dos recém 1 nascidos, por exemplo, devido o homem nascer desprovido de tudo, faltando o Página Portanto, há que cuidar da espécie, pois um homem abandonado se colocaria como I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 básico para a manutenção da vida. Com isso, precisa ensinar o homem sabe usar corretamente o que herdou naturalmente, e consequentemente educá-lo em virtude da corrupção humana manchar a pureza natural, do desenvolvimento causar um cidadão descomprometido com os outros membros e assim viverem praticando o mal, prejudicando-se mutuamente. Por isso, o filósofo propõe um modelo educacional baseado no estado natural é o famoso ―bom selvagem‖, pois para ele o homem nasce livre, é livre e o meio no qual vive é que o corrompe, o deixa corrupto, ignorante e arrogante. Seu projeto pedagógico educacional propõe que a natureza é a melhor estratégia para educá-lo, daí a pergunta do próprio autor, para formar esse homem ideal, raro, que deve ser feito? Com certeza muita coisa, é a sua resposta, porém a principal é impedir que a ação humana nada faça, essa somente faria um cidadão corrupto com sua moral voltada para satisfazer as necessidades supérfluas do homem, sendo essas motivadas pelas artes e pelas letras. Para que isso aconteça não precisa fazer muita coisa, basta deixar que a natureza siga seu curso normal, isto é, a formação do homem político deve impedir que a vida em sociedade contamine o homem puro, bom, livre e feliz. Tal educação é política em Rousseau porque está conectada com a vida, e a política por analisar o comportamento e as relações do modo de vida dos homens, a convivência, a plena liberdade humana para fazer aquilo que bem quiser deve ser instruída para que esse homem atue sem prejudicar os demais. Isso justifica a educação pedagógica política no pensamento de Rousseau. Porém, o homem carrega um paradoxo em suas ações, o da mudança do estado natural para o estado social, por isso há que haver um equilíbrio ou deve haver, entre o estado natural e o social e essa acontece com a política, com a pedagogia educacional em que o homem ético se preocupa em não agredir, a violar as leis vasto e âmbito material de cunho político, porem é possível entendê-lo por um víeis I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página As pesquisas realizadas por diversos estudiosos que vê na obra de Rousseau um 2 naturais e as artificiais que deve favorecer a comunidade como um todo. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 educacional cuja preocupação é melhor formar o cidadão, tentando superar os paradoxos e as contradições existentes no pensamento nas interpretações que se tem atualmente acerca desse intelectual iluminista. Seu raciocínio é importante por que o modelo educacional rousseauniano oferecido sem grande pretensão a uma mãe para educar seu filho, cuja proposta é clara acerca da formação do homem: impedir que o meio na qual ele vive seja afetado por más inclinações. Com a falta de uma educação adequada o homem fica desorientado e aceita que qualquer um o domine e impõe suas, leis, normas, assim subjuga-o. Por isso a necessidade de educá-lo para exercer sua liberdade e cidadania, sendo essas perdidas pelo homem quando aceitou a superioridade do outro, quando se convenceu de que o outro era mais forte, portanto um tinha o poder de mandar, de dominar estabelecendo uma relação desigual e o outro por aceitar que seu adversário era mais forte deixou-se ser dominado e manipulado ao ponto da corrupção instruir um ser cujas desgraças estão lhe afetando e a infelicidade é grande. Portanto, quando o homem perde a liberdade a desigualdade passa do estado natural em que visa somente à sobrevivência e passa para o estado social cujo mais importante agora e se destacar em relação aos demais. E os homens vivendo nesse estado livremente, se expondo, querendo ser uns melhores que os outros geram conflitos e uma desordem, daí eles precisam abdicar alguns de seus direitos para não atingir à vontade, a vontade geral que é reguladora, tal conceito é elaboração da proposta educacional em Rousseau, cuja vontade geral garantiria o bem social, a ordem social sem que haja prejuízo ou perca para nenhuma parte da sociedade. Então a saída é aderir a um contrato ideado pelo próprio homem de respeito a todas as coisas em comum, isso seria um acordo de respeito mutuo, é o que se dá com o pacto social, abdicar de sua vontade individual para que uma vontade geral garanta seja livre não pode ser denominado de homem, quando se diz que um ser é homem I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página essa é uma condição primordial no pensamento do autor, pois um homem que não 3 a liberdade humana bem como o bom relacionamento entre os envolvidos, alias ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 a liberdade é o fator determinante nessa caracterização, isso só é possível quando seu projeto educacional se coloca a serviço da comunidade e o resultado disso seria uma comunidade cuja felicidade estaria em todos e esses sentiriam prazer em fazer o bem, em respeitar a lei. Referências ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social.. __________Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. __________Discurso sobre as ciências e as artes. Tradução de Lourdes Santos Machado: São Paulo. Abril Cultural (Os Pensadores), 1973. Página 4 _______Emílio ou da Educação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 LIBERDADE EM PLATÃO Leandro A. Xitiuk Wesan 3º Filosofia, UNICENTRO/PR, Pesquisador: PAIC/UNICENTRO Orientador: Manuel Moreira da Silva [email protected] Palavras-chave: Platão; Liberdade; Cuidado de Si; Conhecimento de Si. Trata-se de um estudo sobre a questão da liberdade em Platão, enquanto esta se mostra emergente da problemática fundamental do conhecimento e cuidado de si. A questão da liberdade está presente em vários diálogos de Platão, todavia, a análise limita-se ao diálogo O Primeiro Alcibíades. A Filosofia tem por princípio o problema do si e é com o momento socrático-platônico, e em particular no texto Alcibíades, que verificamos a emergência do problema do autoconhecimento na reflexão filosófica. Em Platão a problemática fundamenta-se no preceito do templo de Apolo, a inscrição délfica conhece-te a ti mesmo (gnôthi seautón). A tentativa de desvendar o significado da proposição Délfica implica na especulação do que é o Homem, na medida em que este especula sobre o conteúdo de tal imperativo, indagando-se sobre o Si que deve conhecer e ocupar-se. Os resultados de tal especulação culminam, segundo o desenvolvimento do diálogo, à emergência da questão da liberdade, que surge como mandamento necessário àquele que busca governar-se a si mesmo e participar do governo da cidade. elucidadas. O diálogo inicia com Sócrates fazendo Alcibíades notar que dentre seus 1 amantes ele é o único que nunca o abordou, resolvendo-se por isso apenas naquele Página Examinar-se-á o texto para, concomitantemente, ver surgirem as questões acima I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 momento. Tal abordagem ocorre devido a pretensão de Alcibíades de participar do governo da cidade, que leva Sócrates a lhe propor a seguinte questão: se Alcibíades tivesse que escolher, por determinação divina, continuar vivo com o que presentemente possui, ou morrer caso não pudesse aumentar seu cabedal? Por certo que Alcibíades escolheria a morte (OPA, 105a). Ora, se Alcibíades possui tal ambição e pretende dedicar-se ao governo da cidade, por certo que terá que enfrentar os inimigos que suas ambições lhe irão opor, ou seja, terá de enfrentar os inimigos da cidade para que possa conquistar o vasto cabedal a qual ambiciona. Assim passa-se ao exame das capacidades de Alcibíades e de seus inimigos, a fim de verificar se Alcibíades tem condições de sobrepujar seus inimigos e levar à termo suas ambições. Alcibíades possui riqueza, descendência, no sentido de possuir os deuses como guardiões, e educação inferior à de seus inimigos (OPA, 120e124b).Esta é a introdução à reflexão do conhecimento de Si no diálogo. Após determinado que Alcibíades não possui capacidade suficiente para cumprir com sua ambição e bem governar a cidade, Sócrates o adverte usando a inscrição Délfica ―conhece-te a ti mesmo‖, buscando fazer com que Alcibíades conheça sua limitação e incapacidade, e que reconheça que só será possível alcançar seus objetivos se ele se dedicar ao conhecimento, pois apenas pela indústria e pelo saber lhe será possível sobrepujar seus inimigos (OPA, 124b). Então o primeiro sentido atribuído à reflexão do conhecimento de Si é o do retorno a si mesmo a fim de realizar uma análise crítica para conseguir conhecer a situação real a que se encontra, ou seja, quais são suas limitações e capacidades. Verificou-se que a reflexão do conhecimento de Si emerge da necessidade de conhecer a Si mesmo para ficar ciente de suas limitações e capacidades para superá-las. Ora, é necessário que Alcibíades ocupe-se consigo mesmo para deixar a condição serviu e consiga levar à termo sua ambição. Todavia, desta reflexão surge buscar o conhecimento de Si, todavia, ela não determina o que seja este Si. Ora, se I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página qual devemos conhecer e ocupar-nos? A inscrição Délfica manda que se deve 2 o segundo momento da questão do Si, que é, justamente, a pergunta qual é o Si ao ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 não sabemos qual é o Si que devemos conhecer e nos ocupar, podemos correr o risco de nos dedicarmos a algo adverso à própria essência deste Si. Nesta perspectiva, surge a questão do que é o homem? Identificando o homem com o Si da questão. Na investigação sobre a natureza do homem, levantam-se três hipóteses: o homem pode ser, corpo, alma ou a união ente eles (OPA, 130 a). É refutada a primeira e a terceira hipótese, sendo admitida a segunda como a hipótese correta, de modo que o homem, o Si da questão, é alma (OPA, 130c). Dos momentos da problemática do Si, surge a questão da Liberdade como sendo um mandamento necessário ao governante, que para libertar-se é necessário dedicar-se ao conhecimento e ao cuidado de Si. A questão da Liberdade, tal como no primeiro momento da problemática do Si, se mostra como sendo a superação das suas limitações, para que a alma, tal como o segundo momento da problemática do Si, possa passar ao nível do governo, resultado alcançado somente no final do diálogo, e libertar-se das condições servis (OPA, 135b - 135e). Referências PLATÃO. Fedro, Cartas; O Primeiro Alcibíades. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: UFPA, 1975. PLATON. Oeuvres complètes. Traduction nouvelle et notes par Léon Robin. Paris: Pléiade, 1950. (2 vols). PLATON. Alcibiade. Texte établi et traduit par Léon Robin. 4. Ed. Paris: Belles Página 3 Letres, 1949. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 SOCIEDADE E O PROBLEMA DA REFLEXÃO MORAL EM HUME Ricardo Zolinger Zanin 4° Filosofia – UNICENTRO/PR Orientador: Marciano Adílio Spica [email protected] Palavras-chave: Hume; Sociedade; Moral. Hume propõe uma ciência do homem e sua perspectiva metodológica pretende descrever a capacidade do ser humano de desenvolver crenças empíricas sobre o comportamento dos objetos exteriores e julgamentos morais do caráter de outros homens. Nessa ciência ele defende a primazia dos fatos experimentalmente constatados sobre o pensamento e as emoções, isto é, a dimensão social do homem. Sua abordagem é uma recusa da natureza humana dita como ―racionalidade‖ puramente conjectural – impressões e idéias não são propriedades de um ―eu‖ que serve de substrato para essas idéias, mas seu arranjo constitui esse ―eu‖ -, assim, ao tratar do problema moral, Hume procede de forma imanente: a aquisição de julgamentos e avaliações morais pelo homem não se refere a um padrão transcendente do que é bom ou mau, mas deriva integralmente dos sentimentos de aprovação ou desaprovação diante de certas ações, ―virtudes‖ e ―vícios‖, e das conseqüências práticas dessas avaliações para a sociedade. Nesse sentido Hume é um sociólogo e sua obra mostrará que as duas formas sob entendimento vai se encarregar apenas de tornar sociável as ―paixões‖; tornar social 1 um interesse egoísta. A base da moral está na própria sociedade que reclama de Página as quais a mente é afetada são, totalmente, o emocional e o social. Mesmo o I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 seus membros o exercício de reações constantes diante desses interesses que levam à ação individual. Por outro lado, concebe a sociedade como meio indireto para satisfação dos mesmos. Seu questionamento vai atacar padrões metafísicos para a moral e até mesmo os limites da razão científica. Mas, é claro, não ter padrões absolutos não quer dizer não ter padrão algum. Ele pensava que agir moralmente sem modelos metafísicos é uma demanda da própria vida em sociedade: o que é bom para as pessoas individualmente é, por definição, pessoal e nenhuma generalização moral pode ser baseada nisso. Mas quando se fala em ―virtudes‖ e ―vícios‖, quando há deliberação moral, então fala-se nos valores em comum de uma sociedade; ―virtudes‖ e ―vícios‖ podem ser generalizados. Certos comportamentos (coragem, honestidade, etc.) são úteis ou agradáveis e uma regra social deriva assim do sentimento do que é bom para o todo e não da razão; sem inferência a ser feita, sem aplicação necessária, sem regra absoluta. Na prática da moral o difícil é desviar a parcialidade egoísta. Ninguém tem as mesmas simpatias que outra pessoa, há pluralidade de interesses e assim violência. É essa a parte da natureza e a simpatia é como o egoísmo, então, que importância tem a observação segundo a qual o homem não é egoísta mas solidário? O que muda é a perspectiva e o sentido de uma sociedade considerada a partir do egoísmo ou da simpatia. Com efeito, o egoísmo teria que se limitar, ser negado; com a simpatia há uma integração positiva. O que Hume critica nas teorias do contrato é que elas apresentam uma imagem abstrata e falsa da sociedade, definida de maneira negativa: limitação de egoísmo e interesses, em vez de um empreendimento coletivo e inventado pela deliberação moral. O que se encontra na natureza são famílias, assim o estado de natureza é distinto de egoísmo. Isso quer dizer que o mundo social não se reduz a um instinto moral originário; o mundo moral afirma sua realidade quando o egoísmo se dissipa e o contato é possível e substitui naturalmente, mas, por si mesmos, são impotentes para constituir um mundo social. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página não natural, mas artificial. Todos os elementos da moralidade (simpatias) são dados 2 a violência pela estima às instituições e há a instauração de um sistema invariável, ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Por ser artificial, as relações morais se distinguem do interesse natural e particular, no caso da propriedade tem-se o interesse de deixar o outro na posse de seus bens, por exemplo, para que ele aja da mesma maneira. Nesse caso, a convenção de propriedade é o artifício pelo qual a ação de cada um se relaciona com a dos outros. A sociedade é um conjunto de convenções fundadas na utilidade e não em obrigações de um contrato. Socialmente, então, a lei não vem primeiro mas supõe uma instituição que ela limita e caracteriza. Por exemplo, o estudo da história revela relações, motivo-ação no máximo de circunstâncias historicamente dadas e mostra a uniformidade das paixões humanas; são os nexos entre necessidades (paixões) e instituições (sociedade com um meio de realizá-las). Por isso Hume pode afirmar que o direito é estabelecido por interesse coletivo. Concluindo, o essencial para Hume é estabelecer um todo da moralidade e ter a justiça como instituição e a instituição como princípio da sociedade e sistema geral de realização de interesses. A obra do pensador escocês é um elogio à capacidade do homem de ser solidário, de sentir compaixão. Referências bibliográficas HUME, David. Tratado da natureza humana. São Paulo: Unesp, 2009. HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. São Paulo: Unesp, 2004. DELEUZE, Gilles. Empirismo e subjetividade. São Paulo: Editora 34, 2001. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página de Janeiro: Relume Dumará, 1999. 3 RORTY, Richard. Ensaios sobre Heidegger e outros: Escritos Filosóficos II. Rio ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 DISCUSSÃO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES A PARTIR DA OBRA ÉDIPO REI DE SÓFOCLES Julio Cezar de Lima UNICENTRO/PR Orientador: Ernesto Maria Giusti [email protected] Palavras-chave: Poética, Tragédia, Peripécia, Reconhecimento, Catarse. Este resumo tem como objetivo analisar a obra Édipo Rei, escrita por Sófocles, a partir dos conceitos que delineiam uma peça trágica no Livro Poética de Aristóteles. Segundo a poética de Aristóteles, que é toda produção artística, a tragédia, gênero literário de que se trata a peça de Sófocles, consiste na imitação de ações de caráter elevado com linguagem nobre, cuja finalidade é despertar o sentimento de piedade e terror. Outros elementos importantes que serão analisados no contexto da peça são: a peripécia, ―alteração das ações‖ (ARISTÓTELES, 1999, p. 49), isto é, uma ação inesperada que muda o rumo da ação futura; o reconhecimento, passagem do desconhecido ao conhecido; a catarse, que significa neste caso, purificação: ocorre quando é despertado o sentimento de horror e piedade; a fábula, por sua vez é o conjunto de ações organizadas. Para começar é fundamental entender que a peça é divida em duas partes: a primeira é o enredo, que trata do início da desfecho, que se dá no término do reconhecimento e no início da catástrofe. Logo no início da história percebemos as nobres qualidades do caráter de Édipo pelas maldição cairia sobre ele, caso ele fosse o criminoso. A tragédia se dá na imitação I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página como aquela na qual Édipo, após ter amaldiçoado o assassino, declara que a 1 suas atitudes, estas qualidades se expressam através de ações também nobres; ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 das ações de homens superiores que caem no infortúnio, não por depravação ou vildade, mas por um erro, que no caso de nosso personagem, acontece pelo incesto e pelo assassinato do pai, realizado de forma involuntária. A partir do conselho de Creonte, o rei manda chamar o adivinho Tirésias que, inicialmente, se nega a dizer quem é o assassino, no entanto, termina a discussão revelando que Édipo não é somente o autor do homicídio, mas também culpado por profanar o leito de seu pai, pois casara-se com a própria mãe. Neste momento da peça observamos claramente a realização do que Aristóteles chama de peripécia, o inesperado acontece de uma forma surpreendente, porém, ainda não é o momento do reconhecimento. A rainha Jocasta, tomando conhecimento do infortúnio entre Tirésias e Édipo, e que este acusava a Creonte de traição, pede para se acalmarem e conta que o filho que traria a futura desgraça a Laio, já estaria morto e que Laio teria sido assassinado por salteadores. Édipo, determinado a solucionar o problema manda chamar o único que havia escapado com vida dentre aqueles que acompanharam o rei. Todas as decisões tomadas por Édipo se desenvolvem de tal forma que tudo acabaria por desembocar no reconhecimento de quem ele realmente era. Neste momento chega um mensageiro de Corinto, declarando a morte de Pólibo e a escolha de Édipo como rei. Segundo o pensamento aristotélico, aqui ocorre mais uma peripécia, pois se Édipo é declarado rei em Corinto, naturalmente ele é filho de Pólibo e não de Laio, sendo assim ele não é o assassino. Entretanto, o mensageiro com a intenção de acalmar o rei conta a verdadeira história, e Édipo descobre não ser filho de Pólibo. Jocasta, agindo como se soubesse de algo, sai de cena. O servo finalmente chega e acaba declarando que ele teria, por compadecimento, salvo a vida de Édipo quando este era ainda bebê, entregando-o para um pastor de ovelhas que era justamente o mensageiro que ali estava. Neste instante tudo parece vir a tona, está acontecendo o ponto culminante da tragédia. A inesperada (peripécia) história contada pelo inexpugnável e por isso trágico destino. Os sentimentos de terror e pena são I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Aristóteles o reconhecimento se dá quando a personagem toma consciência do seu 2 mensageiro e pelo servo levam Édipo ao reconhecimento. De acordo com ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 inevitáveis, surgindo através da união desses dois sentimentos, o que, cabe reafirmar, neste caso Aristóteles chama de catarse, ou seja, a purificação da tragédia. Depois destas revelações vem a notícia de que Jocasta suicidou-se. Édipo num ato desesperado fere os próprios olhos e suplica a Creonte que permita-lhe tocar suas filhas pela última vez. Deste modo, conforme o pensamento de Aristóteles, a peça trágica de Sófocles é vista em três momentos principais, os dois primeiros constam das peripécias e do reconhecimento, e o terceiro, da catástrofe. A peripécia e o reconhecimento acontecem de forma simultânea na obra quando o servo revela a verdadeira identidade do herói. Após o reconhecimento vem a catástrofe da peça onde Jocasta comete homicídio e Édipo fere os próprios olhos. Nisso podemos perceber claramente o término do enredo e o começo do desfecho da peça, o enredo se dá do inicio até o reconhecimento e o desfecho do término do reconhecimento até o final da peça. A peça segundo o modelo aristotélico deve ter uma extensão apropriada, nem muito longa nem muito curta, possibilitando uma compreensão integrada da obra. O sentimento de terror e compaixão se tornam presentes através das peripécias e do reconhecimento, concebidos durante a apresentação, como também da compreensão total que se tem da peça, e é a partir da relação do caráter do herói com o infortúnio em que desembocou a peça que acontece a catarse. A peça se inicia com o heroísmo de Édipo e termina com a sua desgraça, caminho que uma peça trágica deveria percorrer, segundo os conceitos usados nesta análise. A peça de Sófocles é considera por Aristóteles como complexa, pois ela se desenvolve de uma forma que as mudanças ocorridas acontecem através de peripécias e reconhecimentos. Em Édipo o reconhecimento se inicia a partir dos acontecimentos que o antecedem, tornando assim a peça surpreendente. Conclui-se que não é em vão que a peça Édipo Rei escrita por Sófocles é tida como um clássico da tragédia grega, sendo ela impecável na extrema importância, não modifica o mito, que é a matéria-prima da tragédia. O I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página inesperadas até chegar ao reconhecimento, com personagens nobres e o que é de 3 organização de suas ações, escrita de uma forma adornada, repleta de ações ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 trabalho de Aristóteles em elaborar uma teoria sobre os elementos que uma peça trágica deveria ter, é inédito na filosofia, pois anteriormente não havia uma prescrição rigorosa em que uma peça desta natureza pudesse basear-se, nisto reside então a importância do esforço filosófico que culminou no livro que hoje conhecemos como a Poética de Aristóteles. Referencias ARISTÓTELES. Poética. (Os Pensadores) Trad. Baby Abrão; Editora Nova Cultura. São Paulo - 1999 SÓFOCLES. Édipo Rei Trad. J. B. Mello e Souza; Editora Ediouro. Rio de Janeiro 2002 BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro Grego:Tragédia e Comédia 7º edição Editora Página 4 Vozes. Rio de Janeiro - 1985 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CIÊNCIAS HUMANAS E A ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA EM HENRIQUE CLÁUDIO DE LIMA VAZ Hugo José Rhoden Ms. Filosofia – UNIOESTE Palavras-chave: Lima Vaz, Ciências humanas, Antropologia filosófica O problema epistemológico entre a filosofia e as outras ciências é uma discussão atual e pertinente. Lima Vaz, na propedêutica de sua antropologia filosófica coloca a questão: qual a relação da antropologia filosófica com as ciências do homem? Trata-se da questão dos pressupostos epistemológicos da antropologia filosófica. Esta relação se estabelece no plano dos problemas filosóficos que se apresentam nas diversas ciências empírico-formais e hermenêuticas. Isto exige um exercício de interdisciplinaridade, pois os objetos de muitas ciências não estão ainda definidos, e a complexidade e a pluralidade desses discursos sobre o homem devem, de alguma maneira, estar presentes no campo de visão da antropologia filosófica, enquanto esta se entrega à tarefa de elaboração, no nível da conceptualização filosófica, da ideia do homem. Sendo assim, o presente estudo tem como objeto dois aspectos relevantes: a relação da antropologia filosófica e as ciências humanas e os problemas filosóficos das ciências do homem. Com o advento das novas ciências, já nos fins do século XVIII, o estudo sobre o homem passou a exigir novos métodos e critérios dentro do ambiente científico que campo da antropologia filosófica. Segundo Lima Vaz, foi M. Scheler (1874-1928), I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Inicialmente esta nova situação e exigência de mudança provocam uma crise no 1 despontava. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 considerado iniciador da Antropologia Filosófica no sentido dado na filosofia contemporânea, que, entre outros, aprofundou o sentido desta questão (LIMA VAZ, 1991, p.10). São duas as vertentes desta crise: a histórica e a metodológica. Do ponto de vista histórico a dificuldade se encontra na sobreposição das diferentes imagens do homem que se constituíram na cultura ocidental: o homem clássico, o homem cristão e o homem moderno (LIMA VAZ, 1991, p.10). A crise na vertente metodológica resulta de uma fragmentação nas diversas ciências do homem do próprio objeto da antropologia filosófica. Os dois pólos da natureza e da cultura influenciaram fortemente os conceitos com os quais a antropologia filosófica procura explicar o que é o homem. E da antropologia como discurso filosófico, sobre o homem, segundo Lima Vaz, exige-se três tarefas fundamentais: a elaboração de uma ideia do homem que leve em conta, de um lado, os problemas e temas presentes ao longo da tradição filosófica e, de outro, as contribuições e perspectiva abertas pelas recentes ciências do homem; uma justificação crítica dessa ideia, de sorte a que possa apresentar-se como fundamento da unidade dos múltiplos aspectos do fenômeno humano implicados na variedade das experiências com que o homem se exprime a si mesmo, e investigados pelas ciências do homem; uma sistematização filosófica dessa idéia do homem tendo em vista a constituição de uma ontologia do ser humano capaz de responder ao problema clássico da essência: O que é o homem? (LIMA VAZ, 1991, p.10-11). E aqui se coloca a questão: qual a relação da antropologia filosófica com as ciências do homem? Esta relação se estabelece no plano dos problemas filosóficos que se desdobram em múltiplas direções, esta se propõe encontrar o centro conceptual que unifique as múltiplas linhas de explicação do fenômeno humano e no qual se I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Nesta relação da Antropologia Filosófica com as ciências sobre o homem que se 2 apresentam nas diversas ciências empírico-formais e ciências hermenêuticas. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 inscrevem as categorias fundamentais que venham a constituir o discurso filosófico sobre o ser do homem ou constituam a antropologia como ontologia (LIMA VAZ, 1991, p.11). Três são os pólos epistemológicos fundamentais: a) pólo das formas simbólicas – situado no horizonte das ciências da cultura; b) pólo do sujeito – situado no horizonte das ciências do indivíduo e do agir individual, social e histórico; c) pólo da natureza situado no horizonte das ciências naturais do homem (LIMA VAZ, 1991, p.12). A Antropologia filosófica, no seu esforço teórico de elaborar uma visão unitária, tendo diante de si um quadro complexo e fragmentado de ciências, cujo saber e conhecimentos sobre o objeto-homem exercem grande influxo, deve ser – segundo Lima Vaz – uma antropologia integral, isto é, uma articulação entre esses três pólos que não ceda ao reducionismo e não se contente com simples justaposição, mas proceda dialeticamente, integrando os três pólos da natureza, do sujeito e da forma na unidade das categorias fundamentais do discurso filosófico sobre o homem (LIMA VAZ, 1991, p.13). Constata-se um vasto campo das ciências que concorrem no debate atual na discussão sobre o homem; tem grande importância as ciências naturais e as ciências hermenêuticas. Mas a relação da antropologia filosófica com estas ciências acontece nos problemas reconhecidos propriamente como filosóficos que cada uma dessas ciências levanta. A Filosofia, segundo Lima Vaz, recebe de duas fontes principais seus dados e problemas: chama de pré-compreensão os dados e problemas que vem da experiência natural; e chama compreensão explicativa, os dados que vem propriamente da ciência. Ambas as fontes, no caso da antropologia filosófica, Página filosófica (LIMA VAZ,1991, p.13). 3 voltam-se ao próprio homem, que é a um tempo, sujeito e objeto da interrogação I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Daí a importância da distinção entre a antropologia puramente como objeto nos seus campos particulares; a antropologia filosófica estuda o homem como ―sujeito-objeto‖ e na sua dimensão de globalidade. Os problemas filosóficos das ciências do homem podem ser organizados em torno do pólo da natureza, formando as ciências empírico-formais ou ciências naturais do homem; e em torno dos pólos do sujeito e da cultura, constituindo-se desta forma as ciências hermenêuticas. No campo das ciências da natureza, dois são os problemas sobre o homem com grande implicação na filosofia: a questão da gênese do homem e a da sua estrutura. Os principais problemas filosóficos no horizonte atual das ciências hermenêuticas são: da cultura, da sociedade, do psiquismo, da história, da religião, e do ethos, a condição teleológica e axiológica do agir do homem. Desta forma, o vasto campo das ciências humanas oferece um panorama de problemas que juntamente com os dados permanentes da experiência natural irá constituir o domínio objetivo dos saberes do homem sobre si mesmo que a reflexão filosófica deverá tematizar e organizar em torno do centro último de inteligibilidade do homem, que é a sua auto-posição como sujeito (LIMA VAZ, 1991, p.14-17). Referências LIMA VAZ, H.C. Antropologia Filosófica I, S. Paulo: Loyola, 1991 LIMA VAZ, H.C. Antropologia Filosófica II, S. Paulo: Loyola, 1992 LOBATO, A. Antropologia y metantropologia: los caminos actuales de accesso al Página PALÁCIO, Carlos (Org.) Cristianismo e História. S. Paulo: Loyola, 1982 4 hombre. In: Seminarium, n.1 (1980). I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 VVAA. Semana filosófica em homenagem ao Pe. Vaz, in: Síntese Nova Fase, vol. Página 5 18, n. 55, 1991. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 O ESTADO DE DIREITO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Ítalo Biancardi Neto Graduado em Direito. 1º Filosofia - UNICENTRO/PR. [email protected]. Palavras-chave: Estado de Direito, Dignidade da Pessoa Humana, Iluminismo, Kant. Muitas discussões têm sido realizadas ao longo do tempo a respeito da complexidade da vida humana, as relações entre as pessoas, a tolerância, as guerras e toda gama de dificuldades pela qual o homem atravessa os séculos. Apesar disso, nunca se chega a um desiderato comum capaz de mitigar os malefícios das mazelas que norteiam o mundo, que caminham com o ser onde quer que ele esteja, provocadas, na maioria das vezes, pela sua própria conduta ou atividade. Todavia, a saída do estado de beligerância, de lutas acirradas, de contendas, de brigas intermináveis, estão longe de se acabarem. A fraqueza humana o torna incapaz de reagir aos diversos obstáculos que encontra em seu caminho na busca da felicidade. Desde uma certa perspectiva, podemos entender que a vida do homem, muitas vezes, é determinada por um conjunto de sofrimentos e de vícios, mas, a ideia do Iluminismo, originada nos pensamentos dos grandes escritores e filósofos dos séculos XVI e XVII, jungidos aos pensamentos dos présocráticos, até os dias atuais, ganham força na medida em que, diante daquela interpretação acima mencionada, a incapacidade dos homens de saírem de seu vazio, continua lhe afligindo, angustiando, preocupando e tornando-o escravo de si entendimento e sua condição humana, indicando em geral a necessidade de I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página Resumidamente, será tratado no discorrer do texto o homem dentro de um certo 1 mesmo e de outros que a ele se subsumiram desde seu nascimento. ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 reafirmar o contratualismo diante da visão egocêntrica da pessoa humana, passando pela religião e seu papel na diminuição dessa condição de tendência, para somente após demonstrar o significado do Estado de Direito e sua contraposição ao Estado de Natureza, com ênfase para o significado do Iluminismo em Kant, de seu propósito Universal com as várias proposições por ele apresentadas, terminando por concluir por uma necessidade de orientarmos no pensamento alheio; percorrer também as irradiações do que seja dignidade da pessoa humana, através dos princípios de liberdade, de igualdade e seus significados e importância atuais para o avanço da humanidade, mediante a aplicação do princípio da razoabilidade para a busca da felicidade, dentro do contexto de um Estado Democrático de Direito, para concluir, ao final, de que sem o respeito a tais questões de extrema relevância e aplicações gerais, não se é possível, no atual modelo, ter dignidade humana na ausência do Estado de Direito idealizado por Kant. O projeto apresentado irá percorrer alguns institutos jurídicos oriundos da razão humana daqueles grandes idealistas que estiveram vivos dentro do Iluminismo, em específico Immanuel Kant, criador do ―Estado de Direito‖, inobstante ser aclamado como anti-iluminista na concepção alemã de idealismo, tudo como forma de se caminhar para um mundo cada vez melhor, porque todos desejam, mas precisam da orientação alheia, bem como conhecer para saber orientar-se por si mesmo. Percorrer, pois, os conceitos do ―Estado de Direito‖, idealizado por Kant ―in Doutrina do Direito‖, de 1797, em contraposição ao ―Estado de Natureza‖ de Hobbes, ―in Leviatã‖, com breves dissertações sobre os princípios da liberdade, igualdade, da dignidade da pessoa humana, conforme comentários de José Afonso da Silva, ―in Curso de Direito Constitucional Positivo‖, 1990, cujos Direitos se acham insculpidos na Carta Magna do Constituinte originário de 1988, os quais devem ser garantidos pelo ente jurídico Estado, a fim de evitar os abusos individuais ou coletivos, no sentido de que todos I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página por Kant. 2 possam almejar a paz e felicidade desejada, podendo ser àquela mesma esposada ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Neste trabalho realizado, mais que as discussões sociais e humanas, está em questão nosso Estado de Direito, porque todos os problemas existentes em nossa sociedade, principalmente àqueles mais graves, como do crime organizado ou daquelas situações de penúria em que vivem a maioria dos indivíduos, ordens invertidas que se contrapõe as exigências legais e do bem comum, as quais ocorrem em todos os pontos do território nacional e, portanto, são locais em que as pessoas não estão ao abrigo do artigo 1º., da Constituição Federal, eis que ali estão vigorando leis feitas sob o nume do tráfico de drogas, do roubo, da morte, da desonra; em muitos lugares, não existe nem mesmo a Lei de Talião que pressupõe uma vítima forte, capaz de enfrentar o ofensor. Nessas áreas, sob domínio do mais forte, vige regras imorais e desumanas, escravizando pessoas a viverem em condições altamente indignas, sem poder de reação, nem mesmo possuem condições de manifestar o pensamento e de serem ouvidas, atendidas merecidamente, estão vivendo no silêncio, com medo e angústias, condutas estas incompatíveis à dignidade da pessoa humana, pois tais indivíduos afetados pelas mazelas alheias e pela força do mais forte, estão coagidas a suportar em silêncio tudo, inclusive o medo. Mais importante que debelar tudo isso, vitória que será passageira, está em manter neste país a luz do Estado Democrático de Direito. Todo trabalho neste sentido pode ser falho, decorrente do ato humano, contudo, o significado do respeito às boas Leis e aos indivíduos, uns pelos outros, e entre estes pelo Estado, reciprocamente, é afirmar que o Estado de Direito, idealizado por Kant, uma conquista do Iluminismo, momento em que a humanidade saiu da sua incapacidade, orientando-se pelo pensamento alheio, existe e, pela força da consciência dos indivíduos e do próprio Estado na consecução do bem comum, impõe-se o respeito à lei e aos Direitos Humanos, buscando tirar as pessoas de consequência, possibilita a busca da felicidade humana. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página pública, bens supremos de uma sociedade bem ordenada ou equilibrada, que por 3 suas condições de indignidade, portanto, melhorando a paz social e a tranqüilidade ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Referências bibliográficas KANT, Immanuel. A Paz Perpétua e outros Opúsculos. Lisboa: Portugal: Edições 70, 1995. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. 6ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1992. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda., 1990. HOBBES, Thomas. Leviatã. 1ª ed. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002. KIERKEGAARD, Sören. O Desespero Humano. 1ª ed. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002. RUSSEL, Bertrand. A Conquista da Felicidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. Página 4 INGENHEIROS, José. O Homem Medíocre. 1ª ed. Curitiba: Editora Livraria do Chain, 2003. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 FOUCAULT E A VERDADE Jussara Tossin Martins Bezeruska Mestre em Filosofia – UNIOESTE/Toledo [email protected] Palavras-chave: Verdade, Ciência, História, Arqueologia. Três obras principais marcam o período inicial das pesquisas de Michel Foucault designadas pelo filósofo de arqueologia. Nestas obras o filósofo coloca questões que deflagram uma nova relação com a verdade, estabelecendo rupturas no pensamento contemporâneo que deram nova forma aos saberes médicos e psiquiátricos e às relações com o poder. O trabalho ora apresentado pretende analisar o estatuto desta noção de verdade surgida a partir das pesquisas foucaultianas. Busca-se entender de que forma os direcionamentos metodológicos e conceituais das pesquisas de Foucault propiciaram a elaboração de um novo regime de verdade. História da loucura, a primeira obra do período, critica as histórias da psiquiatria e das ciências que projetam sobre o passado suas verdades terminais e que nele procuram indícios dos primeiros passos de uma ciência, cuja evolução propiciou que fossem desvendadas as verdades cientificas aceitas tão prontamente na atualidade. importante colocada pelo filósofo, indaga pelos limites e objetos próprios de uma disciplina científica em todo o seu rigor. O conceito para esta é a expressão da I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página passa de uma ilusão retrospectiva da história da psiquiatria. Uma questão 1 História da loucura visa, sobretudo, demonstrar que esta evolução científica não ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 verdade, ou seja, somente ele define a racionalidade científica. Segundo Machado (2006, p. 74), para Foucault, do ponto de vista da ciência, em sentido rigoroso, a psiquiatria não é ciência, mas uma teoria com pretensão de cientificidade, uma vez que se utiliza dos discursos da medicina para abordar seu objeto. Assim, ao tomar por objeto os conceitos da psiquiatria, Foucault prescinde dos discursos científicos como objeto exclusivo e não toma a ciência como critério de suas pesquisas históricas. Desta forma, História da loucura desloca as fronteiras com relação às histórias das ciências, pois, analisa também os discursos não-científicos, como os filosóficos e literários. Sendo assim, toda pesquisa empreendida por Foucault, tanto em História da loucura, quanto em obras posteriores, não aborda com exclusividade o discurso científico, mas, pretende dar conta do conceito levando em consideração um conjunto heterogêneo de discursos, sejam eles científicos ou não. As palavras e as coisas, em relação à História da loucura, é um livro que apresenta modificações tanto na questão da amplitude dos saberes aos quais estende sua análise, quanto no que diz respeito à forma como Foucault empreende a pesquisa arqueológica. Nesta obra o filósofo formula pela primeira vez a noção de epistémê que se constitui no objeto principal da análise realizada em As palavras e as coisas e que, devido a especificidade com que se caracteriza, possibilita que a arqueologia, frente às histórias das ciências e das idéias, seja não só diferente destas histórias, mas, sobretudo, configure-se como uma nova forma de análise. Nela, o saber configura-se como o nível específico no qual se dá a análise arqueológica. Isto faz com que a arqueologia se diferencie das outras histórias, pois, não se trata de priorizar o discurso científico. O simples fato de que Foucault utiliza para sua análise os discursos da economia, da biologia e da filologia demonstra a flexibilidade da análise com relação às fronteiras das disciplinas científicas. uma única disciplina, Foucault não faz história das ciências ou tenta descrever o 2 processo de evolução de um conceito. Discute com elas, na medida em que coloca Página Ao expandir os domínios de As palavras e as coisas para além das fronteiras de I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 em questão seus métodos e seus problemas. O ponto que separa a arqueologia da epistemologia é a forma como os dados da ciência são tratados e abordados pela história arqueológica. Não é relevante para a arqueologia determinar quais saberes de uma época pertencem ao conhecimento legitimado pela tradição e quais saberes pertencem ao domínio obscuro da ignorância. Da mesma forma, Foucault não faz arqueologia tomando em conta um sujeito originário ou uma consciência autoconstituída, tal como a filosofia, de Descartes a Sartre, assim o compreende. Tratase de uma análise pela qual o sujeito é compreendido como objeto historicamente constituído por processos exteriores a ele. Em Arqueologia do saber, Foucault tem como objetivo fazer uma reflexão profunda e rigorosa sobre os usos metodológicos e conceituais executados nos escritos anteriores, sem a intenção de construir, a partir daí, um método de pesquisa histórica. As polêmicas e críticas surgidas após a publicação de História da loucura e As palavras e as coisas são alguns dos motivos que levaram o filósofo a escrever sobre estas obras procurando caracterizar melhor sua análise com o objetivo de superar dificuldades originárias da pesquisa e outras apontadas por críticos e estudiosos. Constitui-se em uma revisão crítica e reflexiva que busca homogeneizar e retificar as opções teóricas e as práticas de pesquisa que deram origem à História da loucura e As palavras e as coisas. A arqueologia do saber responde em eco às obras que a precederam. Sua tarefa é questionar os métodos, os limites e os temas da história em sua forma tradicional, sobretudo em suas referências a um suposto sujeito fundador. Busca desfazer as últimas sujeições antropológicas sacralizadas pela velha história, ao mesmo tempo em que quer demonstrar como foram formadas. A arqueologia do saber pretende ser a forma mais acabada e mais coerente das pesquisas realizadas anteriormente que foram, – de certa forma e geral. Foucault, com suas pesquisas, pergunta pelos mecanismos e instâncias que fazem com que um discurso científico, por exemplo, funcione como verdade. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR Página que fosse estabelecida uma articulação que desse à arqueologia uma forma mais 3 segundo Foucault –, esboçadas em desordem, um pouco imperfeitamente, exigindo ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Fundamentalmente a questão é saber quais os caminhos que levam à produção de um certo regime de verdade e quais são os seus efeitos. A análise empreendida por Foucault nas três obras citadas faz-nos concluir que a pesquisa arqueológica é uma tentativa de construção de uma forma de estudo que evita as formalizações e que, por este motivo, pretende possibilitar a abordagem de domínios do saber em campos diversos prescindindo da necessidade de limitar-se ao uso de conceitos epistemológicos clássicos nas abordagens destes domínios. Assim, a arqueologia apresenta-se como um instrumento que possibilita refletir sobre as ciências e sobre os saberes, sobre o formal e sobre o não científico, sobre o legítimo e sobre o periférico. Referências FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 8 ed. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 1999. _____. História da loucura: na Idade clássica. 8 ed. Tradução de José Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 2007. _____. Arqueologia do saber. 7 ed. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. MACHADO, Roberto. Foucault, a ciência e o saber. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge Página 4 Zahar, 2006. I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059 Uma publicação do Departamento de Filosofia E-mail: [email protected] Fone: (42) 3621-1097 I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR