Dogmatismo e Criticismo na encruzilhada da doutrina do Idealismo

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I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR
II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO
I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE
UNICENTRO
Reitor
Vitor Hugo Zanette
Vice-Reitor
Aldo Nelson Bona
Diretora do SEHLA
Maria Aparecida Crissi Knüppel
Chefe do DEFIL
Manuel Moreira da Silva
COORTI / Midia
Felipe Collares Rodrigues
Mauricio Adriano Teixeira
Revisora de Língua portuguesa
Ana Lúcia Trevisan Bittencourt
Coordenação
Manuel Moreira da Silva
Comissão Organizadora
Manuel Moreira da Silva
Marciano Adilio Spica
Evandro Bilibio
Ernesto Maria Giusti
Jussara T. M. Bezeruska
Gilberto Luiz de Araújo Malheiros
Comissão Científica
Prof. Dra. Andréa Faggion (UEM)
Prof. Dr. Augusto Bach (UNICENTRO)
Prof. Dr. Daniel Omar Perez (PUCPR)
Prof. Dt. Ernesto Maria Giusti
(UNICENTRO)
Prof. Dt. Evandro Bilibio
(UNICENTRO)
Prof. Dr. Horacio Luján Martínez
(UNIOESTE/Toledo)
Prof. Jussara T. M. Bezeruska
(UNICENTRO)
Prof. Ms. Luiz Yanzer Portela
(UNIOESTE/Toledo)
Prof. Dt. Manuel Moreira da Silva
(UNICENTRO)
Prof. Dt. Marciano Adilio Spica
(UNICENTRO)
Prof. Dr. Paulo Vieira Neto (UFPR)
Prof. Dr. Ubirajara Rancan
(UNESP/Marília)
Prof. Dr. Valério Rohden
(PUCPR/UFSC)
Apoio
Governo do Estado do Paraná
Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, SETI
Fundação Araucária
Caixa Econômica Federal
Banco do Brasil
Faculdades Campo Real
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PROGRAMAÇÃO GERAL
22/06/2009 - Segunda-feira
19h às 20h
Abertura Oficial
20h às 23h
Conferência de abertura: "As observações de Kant sobre as raças atingem o universalismo de
sua filosofia?"
Prof. Dr. Ricardo Terra (USP)
23/06/2009 - Terça-feira
13h 30min às 15h
Apresentação de trabalhos científicos selecionados para o Evento, em forma de comunicação.
15h 30min às 18h
Mesa Redonda - "Filosofia Prática e Antropologia" com as seguintes palestras:
A Relação entre poder e subjetividade na obra de Michel Foucault
Prof. Dr. Augusto Bach (UNICENTRO).
Kant e Foucault: Uma aproximação
Prof. Dr. Vinicius Berlendis de Figueiredo (UFPR).
O significado prático da natureza humana em Kant
Prof. Dr. Daniel Omar Perez (PUCPR),
19h às 19h 30min
Intervenções Artísticas
Espetáculo: "Declaração dos Direitos Humanos" com Rossana Campello Manfredini e equipe.
19h 30min às 21h 30 min.
Conferência seguida de debate: "A faculdade prática de apetição nas reflexões antropológicas
de Kant". Prof. Dr. Valério Rohden (PUCPR/UFSC).
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21h 30min às 23h
Reunião oficial da SKB-PR.
24.06.2009 – Quarta-Feira
13h 30min às 15h:
Apresentação de trabalhos científicos selecionados para o evento, em forma de comunicação.
15h 30min às 18h:
Mesa redonda – “O Empírico e o Transcendental no Idealismo kantiano” com as seguintes
palestras:
Caráter inteligível e caráter empírico na Crítica da Razão Pura
Prof. Dr. Aguinaldo Pavão (UEL).
Dogmatismo e Criticismo na encruzilhada da Doutrina do idealismo transcendental kantiano
Prof. Dr. Luciano Carlos Utteich (UNIOESTE/Toledo).
Sobre o Especulativo em Kant: Ou do reconhecimento de uma região intermediária entre o
empírico e o transcendental
Prof. Dt. Manuel Moreira da Silva (UNICENTRO).
19h às 19h 45min
Intervenções Artísticas
Espetáculo: Mousike, com Daiane Stoerbel.
19h 45min às 23 h
Conferência seguida de debate:“Kant e um certo vocabulário musical” Prof. Dr. Ubirajara
Rancan (UNESP/Marília)
25.06.2009 – Quinta-feira
13h 30min às 15h
Apresentação de trabalhos científicos selecionados para o evento, em forma de comunicação.
15h 30min às 18h
Mesa redonda – “Filosofia Transcendental e Metafísica” com as seguintes palestras:
Filosofia transcendental e Metafísica
Prof. Ms. Luis Yanzer Portela (UNIOESTE/Toledo)
A Concepção kantiana de existência: posição da coisa ou categoria do entendimento?
Prof. Dr. Marco Antônio Valentim (UFPR).
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Cognição e Predicação em Kant
Prof. Dr. Tiago Fonseca Falkenbach (UFPR),
Metaphysica sunt, non leguntur: Matemática e Filosofia de Kant a Gauss
Prof. Dt. Ernesto Maria Giusti (UNICENTRO)
19h às 19h 30min
Lançamento do livro: Percursos de Leitura da Relação entre Homem e Cultura - autora: Ruth
Rieth Leonhardt.
Local: Espaço de Convivência da Faculdade Campo Real (Contíguo ao Salão Nobre).
19h 30min às 23 h
Conferência seguida de debate: "A motivação moral em Kant", Profa. Dra. Maria de Lourdes
Borges (UFSC)
26.06.2009 - Sexta-Feira
13h 30min às 15h
Apresentação de trabalhos científicos selecionados para o evento, em forma de comunicação.
15h 30min às 18h
Mesa redonda – “Perspectivas wittgensteinianas na Filosofia contemporânea” com as
seguintes palestras:
A possibilidade de um pressuposto ético em Heidegger e Wittgenstein
Prof. Dt. Evandro Bilibio (UNICENTRO)
Wittgenstein e a variedade de saberes
Dt. Marciano Adilio Spica (UNICENTRO),
Uma leitura wittgensteiniana da vontade política
Prof. Dr. Horacio Luján Martínez (UNIOESTE/Toledo)
19h às 19h 30min
Intervenções Artísticas
Espetáculo: Mulheres de Klint, com Marisa Ults
19h 30min às 23 h
Conferência seguida de debate: "O sublime matemático de Kant e o expressionismo abstrato
na pintura norte-americana" Prof. Dr. Jair Barboza (PUCPR)
Encerramento Oficial do I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/II Colóquio da
SKB-PR
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
KANT, HERANÇA E INTERPRETAÇÃO: APRESENTAÇÃO
Manuel Moreira da Silva...................................................................12
TEXTOS COMPLETOS
AS OBSERVAÇÕES DE KANT SOBRE AS RAÇAS ATINGEM O UNIVERSALISMO
DE SUA FILOSOFIA?
Ricardo Terra.................................................................................16
REPRESENTAÇÕES NÃO-CONSCIENTES EM KANT
Valério Rohden...............................................................................32
A RELAÇÃO ENTRE PODER E SUBJETIVIDADE NA OBRA DE FOUCAULT
Augusto Bach.................................................................................44
CRÍTICA E ANTROPOLOGIA EM KANT
Vinicius Berlendis de Figueiredo........................................................62
CARÁTER INTELIGÍVEL E CARÁTER EMPÍRICO NA CRÍTICA DA RAZÃO
PURA
Aguinaldo Pavão.............................................................................78
SOBRE O ESPECULATIVO EM KANT, OU DO RECONHECIMENTO DE UMA
REGIÃO INTERMEDIÁRIA ENTRE O EMPÍRICO E O TRANSCENDENTAL
Manuel Moreira da Silva...................................................................95
UMA LEITURA WITTGENSTEINIANA DA VONTADE POLÍTICA
Horacio Luján Martìnez..................................................................112
A DIVERSIDADE DE SABERES A PARTIR DE WITTGENSTEIN
Marciano Adilio Spica.....................................................................122
RESUMO DE PALESTRA
DOGMATISMO E CRITICISMO NA ENCRUZILHADA DA DOUTRINA DO
IDEALISMO TRANSCENDENTAL EM KANT
Luciano Carlos Utteich...................................................................138
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RESUMOS DE COMINUCAÇÕES
O CONCEITO DE INTUIÇÃO: DISTINÇÕES ENTRE DESCARTES, KANT E
BERGSON
Luiz Ricardo Rech..........................................................................144
O CONCEITO DE DIREITO NATURAL EM HOBBES: LIBERDADE E
OBRIGAÇÃO
Gerson Vasconcelos Luz..................................................................148
A LIBERDADE GENIAL
Luiz Carlos de Souza Filho...............................................................152
A TEORIA NEURONAL DO PROJETO DE UMA PSICOLOGIA (1895) E SUAS
IMPLICAÇÕES: UMA INTRODUÇÃO AO MATERIALISMO FREUDIANO
Gleisson Roberto Schmidt...............................................................156
O TEMPO COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE NA CONSTITUIÇÃO DO
OBJETO EM MERLEAU-PONTY
Jeovane Camargo..........................................................................160
O SUMO BEM LEIBNIZIANO DE IMMANUEL KANT
Rafael da Silva Cortes....................................................................164
CARÁTER, DETERMINISMO E LIBERDADE EM KANT E SCHOPENHAUER
Vilmar Debona..............................................................................168
A GLOBALIZAÇÃO COMO IDEOLOGIA
Guilherme Benette Jeronymo..........................................................172
A CARACTERIZAÇÃO DOS ‘SONHOS DE UM VISIONÁRIO’ COMO UM
ESCRITO DE CUNHO CRÍTICO
Marcio Tadeu Girotti.......................................................................177
DESMISTIFICANDO A TECNOLATRIA – UMA ANÁLISE CRÍTICA DA
SOCIEDADE TECNOLOGICAMENTE CENTRALIZADA
Vitor Ogiboski...............................................................................182
A FORMAÇÃO POLÍTICA EM ROUSSEAU
Darlan Faccin Weide.......................................................................185
UMA DEONTOLOGIA HOBBESIANA? A TESE TAYLOR E A TEORIA DA
OBRIGAÇÃO EM HOBBES
Clóvis Brondani.............................................................................19’
A INTERSUBJETIVIDADE NO FUNDAMENTO DO DIREITO NATURAL DE
FICHTE
João Geraldo Martins da Cunha........................................................195
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ESTUDO COMPARATIVO ENTRE O EPICURISMO E O UTILITARISMO
Karina Mikuska..............................................................................199
UMA LEITURA DOS PRECEITOS ÉTICOS NAS MEDITAÇÕES DE MARCO
AURÉLIO
Marcio Fraga de Oliveira.................................................................203
CRÍTICA DE KARL POPPER À UTILIZAÇÃO DO MÉTODO INDUTIVO NA
CONSTITUIÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO
Alexandre Klock Ernzen..................................................................207
O NEO-ARISTOTELISMO BRENTANIANO E O CONCEITO DE OBJETIVIDADE
IMANENTE
Lauro de Matos Nunes Filho............................................................211
VIOLÊNCIA E DEMOCRACIA EM HANNAH ARENDT
Paulo Eduardo Bodziak Junior..........................................................215
SOBRE O CONCEITO DE VIRTUDE E REMINISCÊNCIA NA OBRA MÊNON DE
PLATÃO
Felipe Cardoso Martins Lima............................................................219
A RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO NA PESQUISA E CONSTRUÇÃO DO
CONHECIMENTO
Lucia Helena Barros do Valle...........................................................223
O POSITIVISMO COMTIANO E O DISCURSO PROGRESSISTA DE GETÚLIO
VARGAS NO ESTADO NOVO (1937-1945)
João Henrique dos Santos...............................................................227
RAZÃO E MORAL EM BERGSON
Marcelo Prates de Souza.................................................................231
OS FUNDAMENTOS DO GOSTO, DA ARTE E DO GÊNIO NA ESTÉTICA DE
IMMANUEL KANT
Edy Klévia Fraga de Souza..............................................................235
LINGUAGEM E MENTE ORNAMENTAL
Felipe dos Santos Millani.................................................................239
RELAÇÃODE FOUCAULT E KANT: A AUFKLÄRUNG E A ATITUDE CRÍTICA
Marcelo da Rocha..........................................................................242
SCHILLER E O IMPULSO ESTÉTICO
Filipi Silva de Oliveira.....................................................................246
SIMBOLOGIA NO ESPAÇO FUNERÁRIO: TRANSMISSÕES CULTURAIS E
RELAÇÕES SOCIAIS
Maristela Carneiro..........................................................................251
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A DISTINÇÃO ENTRE O CORPO E ALMA EM DESCARTES
Geder Paulo Friedrich Cominetti.......................................................254
UMA LEITURA DE GÓRGIAS
Patrícia dos Santos Pinto, Maristela Carneiro.....................................258
A PÓS-HUMANIDADE NO CINEMA DE CRONENBERG
Wyllian Eduardo de Souza Correa....................................................262
CARÁTER EMPÍRICO E CARÁTER INTELIGÍVEL NA PRIMEIRA CRÍTICA
Fabiano Queiroz da Silva................................................................266
APONTAMENTOS EM TORNO DO CONCEITO DE LIBERDADE EM HANNAH
ARENDT
Willian Bento Barbosa....................................................................271
EDUCAÇÃO/DISCIPLINA MODERNA NO PENSAMENTO FOUCAULTIANO
Eduardo Alexandre Santos de Oliveira..............................................275
ASPECTOS DA REFUTAÇÃO DO IDEALISMO MATERIAL SOB A PERSPECTIVA
APRESENTADA NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA
Marco Aurélio Fabretti....................................................................279
FOUCAULT COM KANT
Fernando Padrão de Figueiredo........................................................282
DA POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO DO CARÁTER MORAL EM KANT
Carlos Eduardo Neres Lourenço.......................................................286
O PROBLEMA DA INTUIÇÃO EM KANT
Christian Carlos Kuhn.....................................................................291
O CONCEITO DE ALMA DO MUNDO NO TIMEU DE PLATÃO
André Wowk Nunes........................................................................295
TRANS-MODERNIDADE E GEOPOLÍTICA DA HISTÓRIA EM DUSSEL
Elias Dallabrida.............................................................................299
NARRATIVA E IDENTIDADE EM PAUL RICOEUR
Ruth Rieth Leonhardt.....................................................................303
A REFUTAÇÃO KANTIANA DO IDEALISMO
Adriel José Machado.......................................................................307
HOMEM EM ROUSSEAU: EDUCAÇÃO POLÍTICA
Roberto Valim De Almeida..............................................................311
LIBERDADE EM PLATÃO
Leandro A. Xitiuk Wesan.................................................................315
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SOCIEDADE E O PROBLEMA DA MORAL EM HUME
Ricardo Zolinger Zanin...................................................................318
DISCUSSÃO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES A PARTIR DA OBRA ÉDIPO REI
DE SÓFOCLES
Julio Cezar de Lima........................................................................321
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CIÊNCIAS HUMANAS E A ANTROPOLOGIA
FILOSÓFICA EM HENRIQUE CLÁUDIO DE LIMA VAZ
Hugo José Rhoden.........................................................................325
O ESTADO DE DIREITO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Italo Biancardi Neto.......................................................................330
FOUCAULT E A VERDADE
Jussara Tossin Martins Bezeruska....................................................334
ADVERTÊNCIA
Os números de página acima indicados referem-se apenas à
paginação contínua do documento presente, em formato PDF,
elaborado conforme exigência formal de prestação de contas
junto à Fundação Araucária, vinculada à Secretaria de Estado
de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, SETI, do Estado do
Paraná, sem cujo apoio o evento em questão dificilmente teria
se realizado. Os textos a seguir mantem a paginação original
(descontínua) resultante de sua publicação oficial nos Anais do
I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO – I CONAFIL –
em meio digital, sob a forma de CD-ROM. Devido a essa nova
formatação (em um único documento), alguns textos podem
apresentar pequenas variações quanto ao lugar físico (no editor
de texto) de uma ou mais linhas em relação à formatação
indivudual de cada um dos textos presentes no CD-ROM.
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APRESENTAÇÃO
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KANT, HERANÇA E INTERPRETAÇÃO: APRESENTAÇÃO
Manuel Moreira da Silva
DEFIL – UNICENTRO/PR
[email protected]
Estes ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO e do
II COLÓQUIO KANT DA SOCIEDADE KANT BRASILEIRA, SEÇÃO PARANÁ –
SKB/PR – marcam uma virada no modo de se fazer congressos científicos no
Paraná e, talvez, no Brasil. Pela primeira vez na História das instituições envolvidas,
um evento de filosofia, cujo cerne constituiu-se na discussão e no debate de temas e
problemas os mais elevados e com alto grau de especificidade, foi transmitido online – na completude de suas palestras, conferências e intervenções artísticas – para
diversos pólos de outro curso que não filosofia, a saber, o Curso de História a
Distância da UNICENTRO. Isso com a devida participação e a efetiva intervenção
dos espectadores do Curso de História a partir de seus respectivos pólos; o que, de
um modo ou de outro, direta ou indiretamente, deixa sua marca também nestes
ANAIS.
O Congresso discutiu o tema Kant: Herança e Interpretação, constituindo-se a partir
de um arco que pôs em questão desde o problema das raças na filosofia de Kant até
heranças e interpretações quase sempre ou ainda em contestação, por exemplo, a
de Hegel e a de Wittgenstein. Isso, não obstante, jamais seria possível se, desde a
primeira hora, os organizadores do evento não tivéssemos o apoio sincero e
decidido da Sociedade Kant Brasileira e, sobretudo, de sua Seção Paraná; assim
e da UFPR, mas também de outros estados, como São Paulo (UNESP/Marília e
USP) e Santa Catarina (UFSC), que ou nos prestigiaram, na medida do possível,
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universidades do estado do Paraná, em especial da UNIOESTE/Toledo, da PUC/PR
1
como o apoio de colegas dos departamentos de filosofia de praticamente todas as
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praticamente durante todo o evento, ou se esforçaram para a liberação de colegas e
alunos para que os mesmos pudessem permanecer em Guarapuava durante todos
os dias do Congresso. Da mesma forma, nosso evento não teria sido possível em
sua plenitude caso também não tivéssemos o apoio da Reitoria e dos cursos de
Filosofia, Arte-Educação e História à Distância da UNICENTRO; os quais, cada um
ao modo e segundo suas possibilidades e capacidades – o mesmo valendo para a
Academia Romany, de Guarapuava –, nos brindaram institucional, logística e
politicamente (a Reitoria, bem como o SEHLA – Setor de Ciências Humanas, Letras
e Artes), tecnológica, institucional e didático-pedagogicamente (O Curso de História
a Distância) e, enfim, artisticamente (o Curso de Arte-Educação e a Academia
Romany, suas professoras, alunas e alunos, que nos prestigiaram com belíssimos
espetáculos), em prol de uma Universidade aberta, laica, gratuita e de qualidade.
Capítulo à parte deve ser concedido à Fundação Araucária, pelo apoio financeiro e
pela compreensão em relação às contingências que ocorrem em todo grande
evento; mas, principalmente, por ter acreditado na proposta de evento, para muitos
audaciosa, então submetida à apreciação da mesma no início de maio de 2009.
Outro capítulo à parte deve ser concedido aos alunos e alunas do Curso de Filosofia
da UNICENTRO, que, à primeira hora, abraçaram a causa pela realização de um
Congresso de Filosofia propriamente científico e, como bons anfitriões, estiveram
presentes em todas as ocasiões importantes, bem como do primeiro ao último
minuto deste I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO; o que
deve ser estendido às estagiárias e aos professores do DEFIL, especialmente aos
que compuseram a Comissão Organizadora e as equipes de apoio. Por fim, mas
não menos importante, este Congresso não teria a projeção e o alcance que teve
não fosse o grande número de submissões de trabalhos e de inscrições de ouvintes;
os quais percorreram distâncias consideráveis, vindos de vários estados brasileiros,
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todo o Paraná – entre outros lugares.
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em especial do Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro – além, é claro, de
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO
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Nossos ANAIS estão assim organizados: 1. Apresentação; 2. Trabalhos completos;
3. Resumos de Palestras e 4. Resumos de Comunicações. Ainda que esses textos
não constituam a totalidade do material apresentado e discutido durante o evento,
esperamos que todos apreciem o que aí está escrito e, na medida do possível,
possa ter uma imagem mais ou menos aproximada disso que no mesmo foi o caso.
Mais uma vez agradecemos a todos que, de um modo ou de outro, colaboraram
conosco nesse empreendimento e renovamos o convite para que também se façam
presentes nos próximos eventos que poderemos então organizar.
Coordenador do I Congresso Nacional de
Filosofia da UNICENTRO/II Colóquio Kant
da SKB/PR;
Chefe do Departamento de Filosofia da
Página
3
UNICENTRO
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TEXTOS COMPLETOS
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AS OBSERVAÇÕES DE KANT SOBRE AS RAÇAS ATINGEM O
UNIVERSALISMO DE SUA FILOSOFIA?1
Ricardo Terra
USP/CEBRAP
I
Antes de tudo, eu gostaria de agradecer aos organizadores do I Congresso Nacional
de Filosofia da Universidade Estadual do Centro-Oeste e do II Colóquio da seção
Paraná da Sociedade Kant Brasileira pelo convite para proferir a conferência de
abertura destes eventos.
Em nome da diretoria da Sociedade Kant Brasileira gostaria de cumprimentar os
organizadores pela programação do encontro. Graças aos temas e aos nomes dos
participantes está garantida a grande densidade filosófica das conferências e dos
debates, articulados sob o tema geral: ―Kant, Herança e Interpretação‖.
É bom lembrar que há pouco mais de vinte anos Zeliko Lopáric, Valério Rohden,
Guido de Almeida, Balthazar Barbosa e eu nos reunimos para elaborar a minuta de
uma nova associação, que foi finalmente fundada por ocasião do I Congresso Kant
Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro em 1988: a Sociedade Kant Brasileira. Na
ocasião foi eleito como primeiro presidente o Prof. Zeliko Loparic. No regimento
estava prevista a criação de regionais da Sociedade e foram fundadas as regionais
do Rio de Janeiro, Campinas e Porto Alegre.
A Seção Regional Rio de Janeiro organizou em Itatiaia, em 1997, o II Congresso
Kant, ocasião em que decidimos fundar a revista Studia Kantiana, cujo primeiro
1
O texto que se segue é o resultado inicial de um trabalho em andamento.
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entidade.
1
número foi publicado em 1998. Na época o Prof. Valério Rohden era presidente da
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO
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Desde então tivemos um extraordinário crescimento dos estudos kantianos no
Brasil. Na saudação que pronunciei por ocasião da abertura do X Congresso Kant
Internacional, em 1995, afirmei: ―A realização do X Congresso Kant no Brasil é o
reconhecimento de nossos esforços e ao mesmo tempo um grande estímulo para
prosseguir nosso projeto nas próximas décadas‖.1 E é justamente o que podemos
constatar aqui hoje: a consolidação de mais uma seção da SKB, a seção Paraná,
que já surgiu com um conjunto de pesquisadores da melhor qualidade. Meus votos
de congratulação a todos os membros da regional e à sua diretoria, os Professores
Daniel Peres, Vinícius Figueiredo e Ernesto Giusti.
Esperamos que também a regional Nordeste se consolide, e temos a boa notícia da
fundação da regional ―Gérard Lebrun‖ – Marília, São Carlos, São Paulo –, graças
aos esforços do Prof. Ubirajara Rancan, que também é responsável por uma
significativa ampliação da relação com nossos colegas italianos e portugueses. É da
maior importância a troca de experiências com pesquisadores da filosofia kantiana
que se expressam em outras línguas latinas, já que procuramos não só traduzir Kant
para o português, mas também dotar nossa língua dos instrumentos necessário ao
pensamento filosófico.
II
É notável o modo como os movimentos feminista e anti-racista provocaram revisões
na história do pensamento, levando à releitura dos textos clássicos tendo em vista a
posição que a mulher e as diferentes raças ocupam nessas filosofias. O silêncio
sobre esses temas em grande parte de estudos históricos da filosofia, mesmo os
referentes à filosofia política, não deixa de ser bastante significativo. Questões como
1
TERRA, Ricardo ―Begrüssungsansprach anlässlich der Eröffnung des X. Internationalen KantKongresses―, in Rohden, Terra, Almeida, Ruffing (editores) Recht und Frieden in der Philosophie
Kants. Berlin, de Gruyter, 2008.
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feminino no pensamento aristotélico dificilmente é tematizada.
2
a da escravidão no pensamento de Aristóteles são lembradas, mas a situação do
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Em épocas distintas, asserções sobre essas questões certamente têm significados
muito diferentes. A situação é bastante diversa se certa filosofia apenas repercute as
concepções presentes em uma sociedade (como no caso de Aristóteles), ou se está
reagindo a mudanças que começam a ser perceptíveis na sociedade (como no caso
de Nietzsche, que reage a movimentos por direitos iguais). A reconstrução ou crítica
das filosofias deveria levar essas diferenças em conta.
Quando se pensa na história dos efeitos ou na atualização das filosofias, certos
temas passam a ter uma importância muito maior ou menor do que tinham na época
em que as obras foram escritas. Ora, a vitalidade do pensamento está justamente na
possibilidade de ser atualizado, ou seja, de nos ajudar a pensar criticamente as
questões do presente.
Ao lado das tentativas de atualização, há outro movimento, em certo sentido a elas
oposto, que é a perspectiva de culpabilização dos clássicos e de certas posições
filosóficas. Culpa-se Marx pelo Gulag, culpa-se a razão por Auschwitz. Há uma
espécie de estratégia da suspeita generalizada, que pretende ser radical mas acaba
se autodestruindo em contradições performativas. Usa-se a razão para criticar
radicalmente a razão, a democracia contra a democracia, a tolerância contra a
tolerância.
III
Levando em conta esta reflexão esquemática sobre a atualização das filosofias, eu
gostaria de formular a seguinte questão: ―As observações de Kant sobre as raças
atingem o universalismo de sua filosofia?‖. Trata-se de um tema em que venho
seguintes:
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Os principais textos kantianos em que a questão das raças aparece são os
3
trabalhando ultimamente, e cujos resultados, ainda parciais, exponho a seguir.
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1. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime. (1764)
2. Notas sobre as Observações sobre o sentimento do belo e do sublime.
(Ak, XX)
3. ―Das diferentes raças humanas.‖ (Texto publicado para o anúncio das
aulas de geografia física do semestre de verão de 1775. Outra versão
foi publicada em 1777, na obra de J. J. Engel Philosoph für die Welt.
Cf. Ak, II, 518.)
4. ―Definição do conceito de raça humana.‖ (Berlinische Monatschriften,
novembro de 1785. Texto aparentemente suscitado por juízos sobre o
artigo anterior de Kant sobre as raças. Cf. Ak, VIII, 479.)
5. ―Sobre o emprego dos princípios teleológicos na filosofia.‖ (Der
teutsche Merkur, janeiro-fevereiro de 1788. Duplo propósito: 1.
Responder às objeções de Georg Forster dirigidas à ―Definição do
conceito de raça humana‖ e também ao ―Começo conjectural da
historia humana‖; 2. Afirmar a concordância com as Cartas sobre a
filosofia kantiana, de Reinhold. Cf. Ak, VIII, 487.)
6. Antropologia de um ponto de vista pragmático. (1798)
7. Geografia Física. (1802)
8. Lições de antropologia.
Como dito, o que apresentarei aqui é um trabalho em andamento e que será
1. Na primeira, retomarei algumas análises críticas a respeito da questão
das raças no pensamento kantiano.
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articulado em três partes:
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2. Na segunda, abordarei rapidamente as Observações sobre o
sentimento do belo e do sublime, juntamente com as Notas sobre as
Observações.
3. Finalmente, abordarei o texto de 1775 acerca ―das diferentes raças
humanas‖.
Como se vê, minha análise se restringirá a textos pré-críticos. Mas acredito que os
argumentos valem, com força ainda maior, para os textos críticos.
Não se trata de minimizar a importância daquelas afirmações de Kant que saltam
aos nossos olhos como etnocêntricas e racistas. Trata-se apenas de distinguir com
clareza o estatuto teórico da antropologia, de um lado, e aquele da filosofia política e
da doutrina do direito, de outro. A desconsideração dessa distinção pode levar a
grandes equívocos, relativos aos preconceitos eurocêntricos presentes em algumas
passagens e que, segundo certos autores, deveriam levar–nos a questionar o
universalismo da moral kantiana.
Como exemplo desses equívocos, vale mencionar os artigos de Robert Bernasconi
―Who Invented the Concept of Race? Kant´s Role in the Enlightenment Construction
of Race‖1 e ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖,2 e também o artigo de
Emmanuel Chukwudi Eze, ―The Color of Reason: The Idea of ´Race´ in Kant´s
Anthropology‖.3
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BERNASCONI, Robert, ―Who Invented the Concept of Race? Kant´s Role in the Enlightenment
Construction of Race‖, in: BERNASCONI, R (ed) Race. Blackwell, 2001.
2
BERNASCONI, Robert, ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖, in: Ward, J. e Lott, T. ed.
Philosophers on Race. Critical Essays. Blackwell, 2002.
3
EZE, Emmanuel Chukwudi, ―The Color of Reason: The Idea of ´Race´ in Kant´s Anthropology‖, in:
EZE, E.C. (ed) Postcolonial African Philosophy. Cambridge, Blackwell, 1997. Devido à limitação de
espaço, não será possível comentar esse artigo, mas pode-se dizer que violenta o texto kantiano, por
exemplo, em relação ao conceito de transcendental, e também que se utiliza da mesma retórica da
suspeição presente em Bernasconi.
5
1
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No primeiro artigo em questão, Bernasconi examina os candidatos ―à honra
duvidosa de ser o inventor do conceito de raça‖.1 Nesse contexto, a referência ao
texto de 1775, ―Das diferentes raças humanas‖, torna-se central. A questão da
diferença na aparência e nos costumes dos homens ganhou vulto na época de Kant,
principalmente devido aos relatos de viagens. E é nesse quadro que o conceito de
raça se torna uma questão importante para o conhecimento. O que Kant busca são
critérios para a classificação de raças. Em vez de reconstruir esse debate de época,
no entanto, Bernasconi exercita apenas uma retórica da suspeição, o que já se
mostra no próprio título do artigo. Ele sugere que na gênese do conceito já estão
presentes, em grande medida, as suas utilizações posteriores.
Esse estado de coisas se agrava ainda mais no caso do segundo artigo.
Parafraseando o título de um artigo de Isaiah Berlin, ―Kant as an Unfamiliar Source
of Nationalism‖, mas diferentemente dele, cuja intenção é estudar como certas idéias
são transformadas em seu contrário, Bernasconi toma o título literalmente. Sua tese
é a de que, ―apesar do cosmopolitismo confesso, que é evidente em certos ensaios
como a ‗Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita‘,
encontram-se também em sua filosofia expressões de um racismo virulento e
fundado teoricamente em um tempo em que o racismo científico estava ainda em
sua infância‖.2
Para Bernasconi, o humanismo, o igualitarismo e o cosmopolitismo seriam limitados
e eurocêntricos. A acomodação histórica desses movimentos com o racismo
perpassaria toda a modernidade e Kant não escaparia desse quadro, já que
―caracteriza os negros, os americanos nativos e em certa medida também outras
raças de tal maneira que sugere que lhes falta a autonomia para contarem como
agentes morais plenos. Em outras palavras, não é apenas uma questão de como
1
BERNASCONI, Robert, ―Who Invented the Concept of Race?‖, p. 15
BERNASCONI, Robert, ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖, in: Ward, J. e Lott, T. ed.,
Philosophers on Race. Critical Essays. Blackwell, 2002, p. 145.
2
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negros e americanos nativos são vistos na teoria moral de Kant, mas também uma
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questão de saber se Kant pensou sobre eles de tal maneira que comprometeu a
universalidade de sua teoria moral universal‖.1
Bernasconi não para por aí. Refere-se ao livro de Horkheimer e Adorno, Dialética do
esclarecimento, no sentido de indicar a vinculação do seu humanismo, igualitarismo
e cosmopolitismo com o racismo. Cito: ―Se alguém aceita a sugestão de Horkheimer
e Adorno na Dialética do Esclarecimento, segundo a qual o humanismo, o
igualitarismo e o cosmopolitismo não contradizem tanto o racismo, mas prestam-se
a ele, afirmando-o enquanto tentam negá-lo, mais questões do que respostas são
criadas e, então, [tal sugestão] pode ser tomada apenas como ponto de partida. Por
que tantos pensadores esclarecidos foram aparentemente incapazes de articular o
novo sentido de humanidade sem ao mesmo tempo desenhar-lhe os limites mais
rígida e explicitamente que antes? O registro histórico não mostra que o
cosmopolitismo não apenas não foi introduzido para combater o racismo, mas
também que prontamente o acomodou?‖.2
Convém dizer, de saída, que concordo com Thomas McCarthy (―Die politische
Philosophie und das Problem der Rasse‖3) quando ele diz que Bernasconi exagera
ao pretender que as afirmações de Kant sobre as raças comprometam suas
pretensões universalistas. Nesse sentido, é necessário distinguir uma perspectiva,
digamos, antropológica, baseada em relatos de viagens, da perspectiva de uma
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Idem p. 161. Thomas McCarthy depois de reconhecer a relevância dos artigos de Bernasconi e Eze
para sua própria análise da relação da filosofia política com o problema da raça no que diz respeito
ao pensamento kantiano, escreve: ―não obstante, penso que Bernasconi e Eze exageram a medida
em que o pensamento de Kant relativo às raças aniquila seu projeto filosófico como um todo‖, ―Die
politische Philosophie und das Problem der Rasse‖, in: WINGERT, L. e GÜNTHER, K. eds., Die
Öffentlichkeit der Vernunft und die Vernunft der Öffentlichkeit. Frankfurt, Suhrkamp, 2001, p. 631
2
BERNASCONI, Robert. ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖, in: WARD, J. e LOTT, T. ed.
Philosophers on Race. Critical Essays. Blackwell, 2002, p 146. Ver também a passagem: ―Kant
caracteriza negros e americanos nativos e em certa medida outras raças de maneira que sugere que
lhes falta a autonomia para contar como plenos agentes morais. Em outras palavras, não é somente
uma questão de como negros e americanos nativos são vistos dentro da teoria moral de Kant, mas
também uma questão de saber se ele pensou sobre aqueles de tal modo que comprometeu a
universalidade da sua teoria moral universal‖, idem pag. 161
3
MCCARTHY, Thomas. ―Die politische Philosophie und das Problem der Rasse‖, in: WINGERT, L. e
GÜNTHER, K. eds. Die Öffentlichkeit der Vernunft und die Vernunft der Öffentlichkeit. Frankfurt,
Suhrkamp, 2001, p. 631.
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filosofia da história e, por fim, da perspectiva político-jurídica. Ao contrário de Ritter,1
acredito que haja uma distinção entre uma doutrina do direito pré-crítica e outra
crítica, mas no plano da antropologia, pelo menos na maneira de tratar os dados
empíricos, há certa continuidade no pensamento kantiano sobre os diversos povos.
Mas tratemos agora dessa questão na década de 1760 e 1770, Nas Observações e
Notas e, depois, no texto sobre as raças.
IV
Para a defesa de sua tese, Bernasconi se utiliza de algumas passagens desses
textos que são ―racistas‖ em relação aos índios americanos e aos negros. Como já
disse, pretendo chamar a atenção para o estatuto específico do discurso
antropológico relativamente à filosofia da história e à perspectiva político-jurídica,
que estão em formação nesse período, de modo a desfazer as suspeitas contra o
universalismo nascente.2
Podemos ler, nas Observações, que ―entre todos os selvagens, nenhum outro povo
demonstra um caráter espiritual tão sublime como o da América do Norte. Possuem
um forte sentimento de honra e, para alcançá-la, buscam selvagens aventuras por
centenas de milhas e são extremamente atentos em preservá-las do menor prejuízo,
mesmo quando um inimigo feroz, depois de tê-los feito prisioneiros, procura forçá-lo
a um gemido covarde por meio de terríveis torturas. O selvagem canadense é, aliás,
sincero e honesto‖.3 Um pouco adiante, lemos o seguinte: ―Licurgo provavelmente
1
RITTER, C. Der Rechtsgedanke Kants nach den frühen Quellen. Frankfurt, V. Klostermann, 1961.
Para uma ampla análise da concepção de raça no pensamento kantiano, que leva em conta os
diferentes estatutos epistemológicos e práticos dos textos de Kant, ver de LAGIER, Raphaël, Les
races humaines selon Kant. Paris, PUF, 2004.
3
KANT, I. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime, Ak. II, 253 ; Trad. Vinicius de
Figueiredo. Campinas, Papirus, 1993, p. 76.
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deu leis semelhantes a selvagens e, se um legislador surgisse entre as seis nações,
veríamos elevar-se uma republica espartana no Novo Mundo‖.1
Os selvagens da América do Sul, por outro lado, seriam diferentes daqueles da
América do Norte: ―Os Sul-Americanos são indiferentes e fleumáticos, os negros são
muito levianos e vaidosos, os europeus são vivazes e impetuosos‖.2 (Bem. Ak, XX,
166).
Em relação aos negros, as afirmações racistas são mais pronunciadas ainda. Kant
escreve: ―Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que
se eleve acima do ridículo. O senhor Hume desafia qualquer um a citar um único
exemplo em que um negro tenha demonstrado talentos, e afirma: dentre os milhões
de pretos que foram deportados de seus países, não obstante muitos deles terem
sido postos em liberdade, não se encontrou um único sequer que apresentasse algo
grandioso na arte ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre os brancos,
constantemente arrojam-se aqueles que, saídos da plebe mais baixa, adquirem no
mundo certo prestígio, por força e dons excelentes‖. (Beob. Ak, II, 253)3 Argumentos
semelhantes às vezes são usados em relação às mulheres, por exemplo quando se
pergunta por que tão poucas mulheres se tornaram grandes filósofas ou cientistas.
1
Idem, Ak.II, 253; 76.
Bemerkungen zu den Beobachtungen über das Gefühl des Schönen und Erhabenen, Ak. XX, 166.
3
Vejamos o texto do próprio Hume: ―Eu me inclino a suspeitar que os negros são naturalmente
inferiores aos brancos. Praticamente nunca existiu uma nação civilizada com aquela compleição, nem
sequer um individuo eminente seja na ação seja na especulação. Não existem manufaturas
engenhosas entre eles, nem artes nem ciências. Em contrapartida, mesmo os mais rudes e bárbaros
dos brancos, como as antigos Alemães ou os Tártaros no presente, apresentam algo de eminente
entre eles (...) Semelhante diferença uniforme e constante, não poderia acontecer em tantos países e
épocas se a natureza não tivesse feito uma distinção original entre essas raças de homens. Sem
mencionar nossas colônias, existem escravos negros dispersos por toda a Europa, e nunca se
descobriu em qualquer um deles algum sinal de engenhosidade, enquanto membros brancos da
classe baixa, sem educação, são capazes de progredir e se destacar em qualquer profissão‖. HUME,
David. ―Do caráter nacional‖. In: Ensaios Políticos & Literários. Rio de Janeiro, Topbooks Editora,
2004, p. 344. Outras passagens de Kant: ―nas terras dos negros o que esperar de melhor do que
ordinariamente lá se encontra, ou seja, o sexo feminino na mais profunda escravidão? (Beob. II, 254;
77); ―esse sujeito era preto da cabeça aos pés, argumento suficiente para considerar irrelevante o
que disse‖. (Beob. II, 255; 78).
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O próprio Kant, no entanto, esclarece sua perspectiva. Depois de constatar que
alguns homens podem gostar de algo que outros detestam, que o que é repugnante
para uma pessoa pode ser indiferente para outra, diz ele: ―O campo de observações
dessas particularidades da natureza humana estende-se a perder de vista, e oculta
ainda descobertas tão agradáveis quanto instrutivas. Aqui lanço meu olhar, mais de
observador do que de filósofo, apenas sobre alguns pontos que parecem
apresentar-se como relevantes nessa área.‖ (Beob. Ak, II, 207; 19).
E, mais adiante, prossegue: ―Minha intenção não é descrever minuciosamente os
caracteres das nações, mas apenas esboçar traços que neles exprimem os
sentimentos do sublime e do belo. É fácil supor que tal esboço apenas seja capaz de
limitada exatidão, que os modelos não possam surgir senão do grande acervo
daqueles que almejam a um sentimento refinado, e que nenhuma nação encontre-se
privada das disposições de espírito que reúnem as qualidades eminentes desse tipo.
A censura que eventualmente possa recair sobre um povo não pode, por isso,
ofender a ninguém, pois é de tal ordem que cada um pode lançá-la ao vizinho como
lança uma bola. Se essas diferenças nacionais devem-se ao acaso, se dependem
de época e forma de governo ou se são necessariamente ligadas ao clima, isso não
investigo aqui‖. (Beob. Ak, II, 243; 65).
Essas últimas passagens devem ser lidas com cuidado, de modo que possamos
diferenciar os estatutos dos textos: o que é observação empírica e o que é reflexão
filosófica. Kant depende para a sua observação de relatos de viagens, já que só
conhecia pessoalmente os arredores de Königsberg. Além disso, a perspectiva
empírica tem de ser considerada no quadro de suas limitações. A censura que um
povo faz a outro pode ser feita de volta ao primeiro. E devemos levar em conta a
disposições de espírito que reúnem as qualidades eminentes desse tipo‖. Kant
Página
incluiria entre as nações os selvagens e os negros da África?
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afirmação de que se pode supor que ―nenhuma nação encontre-se privada das
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Mesmo assim, é certo, as afirmações racistas são brutais. Em que medida, porém,
interferem elas na elaboração da filosofia kantiana? Haveria alguma influência das
observações antropológicas racistas na elaboração conceitual? Segundo Vinícius
Figueiredo, tradutor para o português das Observações sobre o sentimento do belo
e do sublime, ―na descrição dos comportamentos humanos, o ideal de elegância,
formulado conforme os parâmetros do refinamento, prefigura com nitidez a figura do
homem esclarecido que, mais tarde como aqui, caracteriza-se por uma conduta
norteada pela crítica. Guardadas as diferenças, as Observações, como aponta seu
desfecho, já delineiam a antropologia do Esclarecimento, apropriando-se de duas
idéias centrais do século XVIII, a educação e o cosmopolitismo: ambas se
encontram aí articuladas pela aposta de Kant na consolidação, tanto nas artes como
nas ciências, do gosto do jovem cidadão do mundo, o Weltbürger.‖1
Podemos perfeitamente considerar, assim, que as observações antropológicas
empíricas não condicionam necessariamente a elaboração da visão kantiana em
relação à educação, à Aufklärung e ao universalismo de sua perspectiva.
Como contraprova, procuremos observar a formação do pensamento político jurídico
kantiano nas Notas sobre as Observações e Reflexões, dos anos 1760 e 1770. O
estado de natureza é visto por Kant em pelo menos três perspectivas: uma
―antropológica‖, baseada em observações sobre os selvagens; outra político-jurídica,
em que o estado de natureza aparece como idéia; e, finalmente, uma terceira - que
não será aqui analisada -, vinculada à filosofia da historia, em que a passagem de
uma situação primitiva para o estado civil será pensada de maneira diferente,
desempenhando o antagonismo um papel fundamental.
Em relação à perspectiva antropológica, pode-se ler em Les Sources françaises de
FIGUEIREDO, Vinícius. « Introdução » a Kant Observação sobre o sentimento do belo e do sublime.
Campinas, Papirus, 1993, p. 12, ver também Figueiredo, V. 1762-1772 Estudo sobre a relação entre
método, teoria e pratica na gênese da critica kantiana. Tese de Doutorado, Universidade de São
Paulo, 1998.
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la philosophie de Kant, de Jean Ferrari, que, ―quando Kant procura um equivalente
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do homem da natureza no selvagem ou no primitivo, não pode esconder sua
decepção. (...) Em geral, Kant não partilha o entusiasmo de seu século pelo bom
selvagem e descreve o homem primitivo como um ser próximo da animalidade‖.1
Bem diversa, como vimos insistindo, é a perspectiva ―político-jurídica‖, em que o
estado de natureza é considerado uma ideia. Veja-se, por exemplo, a Reflexão 6593
(1764-1768): ―O estado de natureza: um ideal de Hobbes. Considera-se aqui o
direito no estado de natureza e não o factum. Prova-se que seria arbitrário deixar o
estado de natureza, mas necessário segundo as regras do direito‖. Assim, o contrato
social também será considerado uma idéia, e não um fato histórico: ―O contractus
originarius não é o principio de explicação da origem do status civilis, mas de como
deveria ser‖ (Refl. 7740 (1773-5 ?, 1778-9 ?, 1776-8 ?)).
O estado civil é um estado jurídico e o contrato é um principio regulador, uma norma
para o direito político (Refl. 7416 e 7738). Como contrato, é apenas um direito ideal
(Refl. 7737). Ora, ―o contrato social não é o principium do estabelecimento do
Estado, mas aquele de sua administração, e compreende o ideal da legislação, do
governo e da justiça pública‖ (Refl. 7434). A Reflexão 7416 (1766/8, 1790??), por
seu turno, é bastante clara: ―Non est pacto reali sed ideali, weil der Zwang voran
geht‖.2
Há uma separação completa entre a perspectiva antropológica e a político-jurídico, o
conceito de estado de natureza e contrato social são ideias que participarão do
sistema jurídico universalista. O estado de natureza, portanto, é caracterizado como
um estado de ausência do direito, vindo daí a obrigação de realizar o contrato.
Na concepção dos anos 1790, o estado de natureza é uma ideia: ―prescindimos da
experiência e não descrevemos um fato, como não é algum fato que torna
FERRARI, Jean, Les sources françaises de la philosophie de Kant. Paris, Librairie Klincksieck, 1979,
p.186.
2
Cf. TERRA, R. A Política tensa. Ideia e Realidade na Filosofia da História de Kant. São Paulo,
Iluminuras, 1995, 26 e seguintes.
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necessária a saída do estado de natureza, o qual não é apresentado como
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composto por fases; a mudança não seria forçada pelo agravamento da situação de
guerra. A exigência de sair do estado de natureza será caracterizada como a priori,
como uma exigência puramente racional, e não como um misto de razão e paixão.‖1
Dessa maneira, pode-se dizer, contra a leitura de Bernasconi, que as observações
racistas de Kant não têm nenhuma influência no universalismo da doutrina políticojurídica então em construção. As descrições dos diferentes povos, baseadas em
relatos de viagem, e mesmo as tentativas de classificar as raças, têm um estatuto
teórico diferente tanto da ciência propriamente dita como da filosofia prática.
V - “Das diferentes raças humanas”
Antes de entrar na análise do texto sobre as raças de 1775, convém lembrar que
Kant ministrou cursos de Geografia Física de 1756 a 1796. Segundo Michele CohenHalimi, ―o curso de Geografia Física acompanhou, por assim dizer clandestinamente,
todo o percurso filosófico de Kant, já que só foi editado tardiamente, em 1802: nos
268 ciclos de cursos que o filósofo de Königsberg assegurou durante toda sua
atividade acadêmica, iniciada em 1755 e terminada em 1796, 54 foram consagrados
à lógica e à metafísica, 49 à geografia física, 46 à ética, 28 à antropologia, 24 à
física teórica, 20 às matemáticas, 16 ao direito, 12 à enciclopédia das ciências
filosóficas, 11 à pedagogia, 4 à mecânica, 2 à mineralogia e apenas 1 à teologia‖.2
Kant era um leitor assíduo de relatos de viagens e dependia de tais textos como
fonte de informações. ―Kant diz, em mais de uma ocasião, que esperava os
resultados de tal ou qual viagem de exploração em curso, e esperava notadamente
as informações de Humboldt‖.3 É importante lembrar que a qualidade e a veracidade
desse tipo de informação variavam muito, pois, além de Humboldt, havia muitos
1
TERRA, R. op. cit. P. 34
COHEN-HALIMI, M. ―Introduction‖ à tradução de Kant Géographie. Paris, Aubier, 1999, p. 10.
3
Idem, ibidem.
2
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aventureiros, comerciantes e padres cujos relatos eram lidos na época.
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Diferentemente do que vimos nas Observações e das Notas sobre as observações,
no entanto, a preocupação maior de Kant nas ―Diferentes raças‖ está na
caracterização do que é uma raça e nos critérios de classificação.
Ainda assim, encontramos afirmações racistas semelhantes às daqueles textos. Por
exemplo: ―aos indígenas desse continente faltam em geral as faculdades e a
resistência‖ (Racem. Ak, II, 438). E também: ―o negro é bem adaptado a seu clima, a
saber é forte, carnudo, ágil; mas, pelo fato da abundância material de que se
beneficia seu pais natal, é ainda preguiçoso, mole e frívolo‖ (Racem. Ak, II, 438).
No
sentido
de
verificar
como
podemos
lidar
com
isso,
detenhamo-nos
esquematicamente em alguns aspectos do texto: (1) a distinção entre classificação
escolástica e historia natural; (2) a definição de raça; (3) a polêmica relativa às
várias criações do homem (ou uma só); e a questão da posição kantiana contra
Maupertuis, que propunha um melhoramento da humanidade, Tais são, segundo
entendo, os elementos necessários para discutir a tese de Bernasconi.
Com vistas a isso, demos a palavra a Gérard Lebrun em Kant sans kantisme, uma
recém publicada coletânea de artigos em que ele procura mostrar como Kant
distingue a descrição da natureza e a história natural. A descrição preocupa-se
apenas com a classificação, quando, por exemplo, alinhamos o cachorro e o gato
como animais quadrúpedes. já o historiador da natureza vai mais longe, buscando
nas espécies filiações ou formações derivadas, como as raças.1 ―Entendemos por
raças grupos caracterizados por traços ‗infalivelmente hereditários‘ sem formar,
entretanto, espécies, pois a fecundidade dos cruzamentos entre esses grupos torna
mais verossimilhante sua derivação de um mesmo tronco comum. Essa noção de
raça, à qual as descrições da natureza permanecem indiferentes, é ao contrário
1
Cf. LEBRUN, G. Kant sans kantisme. Paris, fayard, 2009, p. 264. ―A divisão escolástica se faz por
classes, reparte os animais segundo a semelhança; a divisão da natureza se faz pelo tronco
(Stamm), ela reparte segundo o parentesco, do ponto de vista da geração‖ (Ak. II, 429).
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regra enunciada por Buffon: ‗todos os animais suscetíveis de procriar filhos também
14
indispensável ao historiador da natureza, que, ele, tem em vista prioritariamente a
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fecundos, qualquer que seja sua diversidade de forma, pertencem, entretanto, a um
único e mesmo gênero físico‖.1
Essa caracterização de Bufon é, de fato, fundamental para Kant, já que aponta para
o caráter único da humanidade. O tronco original teria tido uma série de germes, que
se desenvolveram em certas circunstâncias de clima, como temperatura e umidade.
Depois que os germes se desenvolveram, eles passaram para as gerações
seguintes sem retorno. Os descendentes de negros que nasceram na Europa,
mesmo depois de muitas gerações, continuam a ser negros.
Contra vários pensadores da época, inclusive Voltaire, Kant afirma a descendência
familiar única, e não a pluralidade de criações. Certos autores, ―estimando
impossível unificar esta multiplicidade no seio do gênero humano, admitem para
explicá-la uma multidão de criações locais. Dizer com Voltaire: ‗Deus criou a rena na
Lapônia para comer o musgo dessas regiões glaciais, e também criou nesses
lugares o lapão para comer essa rena‘ não é uma má invenção para o poeta; mas é
um mau expediente para o filósofo, que não tem o direito de abandonar a cadeia das
causas naturais senão quando a vê manifesta e imediatamente ligada ao acaso‖.
(Racem. Ak, II, 440).
Se os homens fossem semelhantes sem ser aparentados (tendo a mesma
ascendência), ―seria preciso admitir um bom número de criações locais, teoria que
multiplica sem necessidade o número das causas.‖ (Racem. Ak, II, 430) Kant
não
apenas afirma a origem comum de todos os homens, como também recusa toda
forma de eugenia: ―É sobre essa possibilidade de estabelecer, por uma triagem
cuidadosa entre os recém nascidos degenerados e os recém nascidos bem
constituídos, uma linhagem familiar durável, que repousava a idéia de M. de
em minha opinião, seria nele mesmo realizável, mas é evitado completamente pela
1
Idem, p. 264.
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em que a inteligência, a habilidade e a retidão seriam hereditárias. Projeto este que,
15
Maupertuis projetando o desenvolvimento, em algum lugar, de certa linha humana
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sábia natureza; pois precisamente nessa mistura de bem e do mal residem os
grandes impulsos que colocam em movimento as forças adormecidas da
humanidade, obrigando-a a desenvolver todos os seus talentos e a tender em
direção à perfeição de seu destino‖ (Racem. Ak, II, 431).
À guisa de conclusão, eu gostaria de voltar ao texto de Gerard Lebrun para dele
extrair a seguinte afirmação:―é a um duplo título, parece, que a ‗teoria das raças‘
está em conexão com a Ideia de uma história universal. Em primeiro lugar, ela dá
sua maior consistência à ideia de um gênero humano unitário: a ‘humanidade‘ não é
certamente um agregado de espécies que viriam de criações locais dispersas.
‗Provenientes de um mesmo tronco, os homens pertencem não apenas ao mesmo
gênero, mas a uma mesma família‘ (Racem. Ak II, 430). Daí a expressão ‗historia
universal‘ toma todo o seu sentido. Em segundo lugar, esse reconhecimento da
unidade humana é inseparável da investigação histórica, em um sentido desta
palavra cuja novidade é revelada por Kant‖.1
É inegável que encontramos nos textos de Kant muitas passagens de caráter racista
e eurocêntrico. Segundo procurei mostrar, no entanto, tais considerações não
atingem o universalismo dos conceitos filosóficos, mesmo no período pré-critico. A
elaboração do conceito de raça não contém, nela mesma, as conotações que lhe
seriam atribuídas nos séculos XIX e XX. Com Lebrun e Monique Castillo, podemos
relacionar a teoria das raças a uma perspectiva universalista, à história universal de
um ponto de vista cosmopolita, e, assim, afastarmo-nos da leitura empobrecedora
1
Idem, p. 265. Ver também : CASTILLO, Monique Kant et l´avenir de la culture. Pars, PUF, 1990, p.
79 e seguintes.
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16
de Bernasconi.
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REPRESENTAÇÕES NÃO-CONSCIENTES EM KANT1
Versão introdutória
Valerio Rohden
PUCPR/UFSC
[email protected]
Procurarei abordar o tema da presença de atividades não-conscientes na
elaboração do conhecimento em Kant a partir da afirmação em sua Reflexão 177:
―Todos os atos do entendimento e da razão podem ocorrer na obscuridade.‖2 Para
uma filosofia fundada na autoconsciência a frase surpreende.
O título das Reflexões sobre Antropologia que despertou minha atenção chama-se:
―Das representações que temos sem ser conscientes delas‖. Na verdade, se trata do
mesmo título do § 5 da Antropologia de um ponto de vista pragmático3, segundo
cujos critérios, também em relação com os demais parágrafos desta obra, aquelas
Reflexões foram agrupadas. Essa classificação de reflexões avulsas de Kant,
direcionadas aos seus cursos de antropologia ainda que não usadas em classe, foi
procedida por Erich Adickes, segundo seu Prefácio de 1913 ao volume XV, tomos 1
e 2, da Edição da Academia de Berlim.4
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Página
O presente texto foi também publicado em AdVerbum, revista digital de filosofia da psicanálise, v. 4,
nº 1, jan/jul 2009, pp. 3-9.
2
KANT, I. Reflexionen zur Anthropologie. Kant´s gesammelte Schriften. Akademie-Ausgabe = AA.
Band XV/1. Berlin und Leipzig: Walter de Gruyter, 1923, p. 65. Tradução em andamento na PUCPR,
com apoio da Fundação Araucária.
3
KANT, I. Anthropologie in pragmatischer Hinsicht. Akademie Textausgabe. Bd. VII. Berlin: Walter de
Gruyter, 1968. (abrev.: Anth). Antropologia de um ponto de vista pragmático. Trad. Clélia Aparecida
Martins. S. Paulo: Iluminuras, 2006; Antropologia em sentido pragmático. Traducción de Mario Caimi
(no prelo).
4
A tradução dessas Reflexões sobre Antropologia encontra-se em andamento na PUCPR, com a
participação dos professores Valerio Rohden e Daniel Omar Pérez e com o apoio da Fundação
Araucária.
1
1
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O título sugere uma distinção entre dois grupos de representações: de
representações das quais somos conscientes, e de representações das quais não
somos conscientes. Quando Kant, na Crítica da razão pura, ao final da primeira
seção do livro I da Dialética transcendental, para situar a representação ―ideia‖,
estabeleceu uma escala de denominação de diferentes espécies de representações,
ele escreveu que o gênero, no caso, é a ―representação em geral‖, acrescentando:
―Sob ele está a representação com consciência (perceptio).1 Todas as demais
representações que se seguem são especificações dessa representação com
consciência. Isso faz supor que sob as representações em geral poderia supor-se
um segundo grupo, o das representações sem consciência, acerca das quais Kant
não se ocupa senão fugidiamente, como quando escreve na sua teoria do
esquematismo: ―Este esquematismo de nosso entendimento é uma arte oculta nas
profundidades da alma humana, cujo verdadeiro manejo dificilmente arrebataremos
algum dia à natureza de modo a poder apresentá-lo sem véu.‖2 Aqui já se vê que o
entendimento na produção de esquemas para fenômenos enreda-se em
representações que, embora essenciais para a produção do conhecimento, fogem
de seu controle.
Outra forma de agrupar as representações é a apresentada no quadro geral das
faculdades do ânimo3. Nele constam três grupos de faculdades de representação:
primeiro, das faculdades de conhecimento, segundo, do sentimento de prazer e
desprazer e, terceiro, da faculdade de apetição. Kant curiosamente diz que o
parentesco ou a afinidade entre as faculdades de representação é maior que o que
se encontra entre as faculdades de conhecimento superiores (entendimento, juízo e
razão), e que aquelas têm como princípio comum – além do qual não se deve ir – a
faculdade do juízo. É, pois, provável que no juízo de gosto, que propicia a passagem
entre as faculdades teóricas e práticas, oculte-se um grande número de
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KANT, I. Crítica da razão pura. Trad. Valerio Rohden e Udo B. Moosburger. São Paulo: Abril
Cultural, 1980, B 376 (abrev.: KrV).
2
KrV B 180
3
KANT, I. Crítica da faculdade do juízo. Trad. Valerio Rohden e António Marques. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1993, B LVIII (abrev.: KU).
2
1
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representações não-conscientes. Esse em verdade é um âmbito que, por chamarse de âmbito da faculdade de juízo reflexiva, nos surpreende que possa abrigar
também representações não-conscientes.
Kant
determinou
as
representações
não-conscientes
como
representações
obscuras. Na Reflexão 176, escrita em latim, consta: Obscurarum perceptionum
campus est amplissimus (o campo das percepções obscuras é amplíssimo). E
elenca entre elas todos os conhecimentos, todas as representações que
conseguimos recordar e outras que não conseguimos perceber microscópica ou
telescopicamente, as representações parciais do entendimento, as representações
filosóficas que contribuem formalmente para o conhecimento, mais especificamente
as representações morais e as do gosto. No mapa do conhecimento a maior parte
das percepções carece de cor ou é fracamente iluminada em suas diferenças.
Mas mais enfaticamente Kant se pronuncia a respeito das representações nãoconscientes na Reflexão 177, da qual destaco:
1. ―A maior parte do entendimento ocorre na obscuridade.‖
2. ―Muito do que um juízo a partir de representações obscuras é vem a ser
atribuído à sensação.‖
3. As representações obscuras encobrem qualidades ocultas, p. ex., a raiva
no olhar de um homem.
4. ―Representações obscuras são significantes de claras.‖ Clarear essas
representações é uma atividade de parteira dos pensamentos.
5. ―Todos os atos do entendimento e da razão podem ocorrer na
obscuridade.‖
6. ―Representações obscuras frequentemente resistem às claras (medo da
morte, abismo da reflexão).‖
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que pensamos nem sempre podemos expressar.‖
3
7. ―Deleita-nos ceder algo às reflexões obscuras... A beleza é indizível‖. E ―o
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Esta última frase sugere-nos que o pensamento comporta uma significação maior do
que a sua expressão, e que há uma obscuridade no pensamento que pode ser
fecunda, mas não é clara ou distinta. Ela parece, à primeira vista, contrariar a
posição de Wittgenstein do Tractatus, de que sobre o que não se consegue falar ou
que não se consegue dizer claramente se deve calar. Em tese, Kant concordaria em
que só o pensamento claro pode ser formulado, mas ele não limita o pensamento à
sua expressão linguística. Sobre o que se deve calar, diria Kant, nem por isso se
deixaria de pensá-lo obscuramente.
O que então podemos fazer é recorrer agora ao texto da própria Antropologia de um
ponto de vista pragmático e a seus comentários por Reinhard Brandt, no que
concerne aos conceitos de representações claras e distintas, para ver se
encontramos aí mais luz para melhor compreensão da posição de Kant. Em
oposição às representações obscuras, entendidas como não-conscientes, as
representações claras dependem de nossa ação, de nossa força de alma, do
arbítrio, da atenção (cf. Reflexão 172). A clareza é voltada para a consciência dos
objetos, e não para a consciência de si mesmo. Representações claras são todas as
representações
não-obscuras,
que
por
sua
vez
são
representações
não
imediatamente conscientes, que contudo podem vir a tornar-se mediatamente
conscientes, por inferência. Nas representações claras diferenciamos um objeto de
outro, mas ainda sem a diferenciação e ligação de suas partes, mediante cuja
operação passam a chamar-se representações distintas. As representações distintas
são representações claras que se estendem às partes e suas ligações, Por exemplo,
nós distinguimos faculdades do ânimo: entendimento e razão, o lógico e o real, o
material e o formal. A distinção é fruto da ordenação, da divisão em classes e
especialidades e da própria sistematização. A consciência da composição
pressupõe unidade, regra e ordem do múltiplo. A distinção é a clareza na
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uma soma de representações em conhecimento.
4
composição das representações. Com o que só a representação distinta transforma
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Segundo o § 5 do livro da Antropologia, parece contraditório ter representações e
não ser consciente delas. Por isso Locke rejeitou esse tipo de representações. Kant,
ao invés, contemplou no gênero das representações apenas a espécie consciente,
porque só ela parecia interessar à fundamentação do conhecimento. Embora a
leitura do § 16 da Crítica da razão pura possa apresentar a propósito alguma
dificuldade a esse respeito, talvez ela permita sua reinterpretação à luz de uma
reflexão sobre as representações não conscientes. Senão de que modo as veríamos
como compatíveis com a frase: ―O eu penso tem de poder acompanhar todas as
minhas representações, pois do contrário seria representado em mim algo que não
pudesse ser pensado, o que equivale a que a representação seria impossível, ou
pelo menos para mim não seria nada‖ (KrV § 16, B 131-2)? Depois que tivermos
mais adiante apreciado a interpretação que Claudio La Rocca oferece dessa
passagem, entenderemos que o acompanhamento da autoconsciência constituir-seá como uma possibilidade estrutural, e que por isso Kant grifou a palavra pode. Ou
seja, veremos ao nível da reflexão que a autoconsciência poderá acompanhar todas
as reflexões, dando-lhes uma unidade judicativa, sem exclusão prévia de
representações não-conscientes. Por isso também Kant contesta a negação de
Locke, dizendo que ―podemos ser mediatamente conscientes de ter uma
representação, ainda que não sejamos imediatamente conscientes dela‖ (Anth AA
135). Porque não podemos ser imediatamente conscientes de representações, elas
chamam-se obscuras.
Mas isso não exclui uma ambiguidade adicional no exemplo que Kant dá, de que se
sou consciente de ver lá longe no campo um homem, mesmo sem ter a intuição de
suas partes – cabeça, olhos, orelhas, nariz, boca etc. – com o posso ter certeza de
ver lá um homem, se a representação total está composta de representações
parciais? A proposta de Kant é de que não se trata de uma visão imediata, mas só
que as representações do campo das intuições sensíveis e das sensações sejam
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modo essa inferência pode processar-se fica omitido no texto. Segundo ele, mesmo
5
de uma inferência de que aquele objeto visto indistintamente é um homem? De que
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obscuras, podemos inferir com certeza que as temos (cf. Anth AA 135). Do contrário
nos moveríamos muito pouco, uma vez que o campo das representações obscuras
no ser humano e nos animais é imenso, em contraste com os poucos pontos
acessíveis das representações claras: ―No mapa der nossa mente... só poucos
lugares estão iluminados‖ (ib.). Se fôssemos capazes de ver em ato o que se oculta
em nossa memória, um mundo se abriria ao nosso olhar.
Outro exemplo curioso é de que o nosso olho nu recebe a mesma quantidade de luz
que um telescópio. O que nos leva a admitir que todos os objetos iluminados em
nosso campo de visão de algum modo atingem nossa retina – mesmo que não
sejamos conscientes disso – e que o telescópio não faz senão ampliar as imagens
recebidas por nosso olho nu e assim transformar a presença de imagens não
conscientes em imagens conscientes.
Felizmente Kant recorre ainda a um exemplo que foge ao olhar e reclama a
complementação do ouvido pela reflexão, pelo juízo e pelo entendimento. O
exemplo é o da improvisação do músico executando uma fantasia ao órgão. Nessa
fantasia não há nenhuma desafinação por qualquer golpe de dedo, de modo que a
improvisação livre sai talvez mais primorosa que um trabalho diligentemente
produzido. Isso me faz recordar o que Daniel Barenboim escreveu num livro, cujo
título já é a propósito significativo: La musica sveglia il tempo (a música desperta o
tempo)1, – ou seja, a música é capaz de elevar à consciência um tempo que afora
isso se encontraria adormecido. O que Barenboim, administrador da Ópera de
Berlin, nessas páginas do curso em Harvard sustenta é que a inteligência penetra
profundamente o ouvido: La sensibilità musicale tuttavia è insuficente, a meno che
non sia già unità di pensiero (p. 21). Talvez as explicações de Kant e Barenboim
bebam da própria fonte da vida, que de um lado inspira o improvisador de uma
fantasia e de outro produz a própria unidade de ouvido e entendimento nela. Nas
1
BARENBOIM, D. La musica sveglia Il tempo. Milano: Feltrinelli, 3ª. ed. jan. 2008 (1ª. ed. nov, 2007).
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palavras de Barenboim: Quindi tenterò l‟impossibile e cercherò diretto individuare
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alcuni collegamenti fra l‟inesprimibile contenuto della musica e l‟inesprimibile
contenuto della vita (p. 11).
De análogas ilustrações ulteriores Kant conclui que ―o campo das representações
obscuras é o maior no ser humano‖: nós jogamos com representações obscuras,
ante as quais o entendimento, mesmo percebendo que se trate de representações
enganosas, não consegue defender-se, e as quais não desaparecem mesmo que o
entendimento as ilumine. O amor sexual é um desses casos em que a imaginação
prefere mover-se na obscuridade. De outro lado, a mística apela à obscuridade
artificial para atrair os que buscam a sabedoria através dela.
Para fazer contrastar com essas representações obscuras as representações com
consciência, Kant no § 6 da Antropologia trata da diferença entre ideias claras e
distintas. Como vimos, a consciência das representações claras permite diferenciar
um objeto de outro (cf. Anth AA 137). Ao invés disso, a consciência da clareza sobre
a composição das representações chama-se distinção. Só a distinção produz
conhecimento, porque nela é propiciada uma síntese de diferentes representações
sob o pressuposto de uma unidade e de que ―só a distinção faz com que uma soma
de representações se torne um conhecimento; no qual, visto que toda síntese com
consciência pressupõe a unidade da consciência e uma representação para a
síntese, pensa-se uma ordem na multiplicidade‖ (Anth AA 138). Desde esse ponto
de vista, é o entendimento que, como faculdade de conhecer em sentido amplo,
reúne a faculdade de apreensão das representações dadas, convertendo-as em
intuições; a faculdade de abstração para produzir o comum a diversas
representações, o conceito; e a faculdade de reflexão, para produzir o conhecimento
do objeto.
A distinção estende-se à diferenciação entre duas faculdades cognoscitivas:
primeiro, a do sensus communis, que conhece as regras nos casos de aplicação; e,
prática; a segunda chama-se também de engenho inteligente ou perspicaz. Mas é o
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primeira chama-se também de são-entendimento, e é uma faculdade cognoscitiva
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segundo, a da ciência, que conhece as regras em si mesmas, antes da aplicação. A
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primeiro que é elogiado por Kant como uma mina de tesouros ocultos escondidos na
profundidade do ânimo. Há casos em que, para a resolução de uma questão, é mais
seguro seguir as regras universais inatas do entendimento, do que buscar princípios
encontrados num estudo forçado e artificial do engenho escolástico – fazendo-se
assim o resultado depender de fundamentos determinantes do juízo que residem na
obscuridade do ânimo (tato lógico). Neste caso, ―a reflexão se representa o objeto
de vários lados, e produz um resultado correto sem tornar-se consciente dos atos
que o precedem no interior do ânimo‖ (Anth AA 140). Essa cooperação inconsciente
entre ciência e senso comum mereceria um estudo específico.
Nosso passo seguinte será apreciar brevemente os comentários de Reinhard Brandt
a esses §§ 5 e 6, em seu Comentário crítico à Antropologia de Kant 1. De início, ele
confessa com Beno Erdmann sua estranheza, de que as representações da razão
prática, que detinham uma importância tão grande (―todo mundo sabe, só não está
consciente‖), não tenham sido aí consideradas. Sabemo-lo nós mesmos, da
Doutrina da virtude: ―Princípio da moral é uma metafísica obscuramente pensada‖.2
Interessante é a remissão de Brandt ao capítulo I da Física de Aristóteles, segundo a
qual precisamos partir do geral, do todo, mais conhecido aos sentidos. Depois o
entendimento com seus conceitos opera sobre esse universal simples, desmembrao, torna-o objetivo e distinto. Para Kant, o objeto sensível é só um múltiplo, embora
dê exemplos de percepção de uma casa, um homem, um navio, sem que vejamos
algumas de suas partes.
Brandt admite que a reflexão, embora reservada para atividades conscientes,
comporta obscuridade. O entendimento é maximamente atuante nela, pois as
reflexões claras em geral resultam de reflexões obscuras. Mas Kant não levanta a
questão de que papel o Eu joga nas representações, atividades e reflexões
1
BRANDT, R. Kritisches Kommentar zu Kants Anthropologie in pragmatischer Hinsicht (1798).
Hamburg: Felix Meiner, 1999, pp. 142-174.
2
KANT, I. Metaphysik der Sitten / Tugendlehre. Kants Werke, VI, AA 376.
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obscuras.
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Mais controversa é a afirmação de Brandt de que Kant não usa o termo unbewusst
(inconsciente), embora Rudolf Eisler o tenha incluído em seu Kant-Lexikon (1930).1
Enfim, para o comentador, Kant não investiga o inconsciente (cf. Kommentar 157).
Para Brandt tampouco a Antropologia oferece alguma ponte das representações
obscuras da consciência para o sentimento de prazer e a faculdade de apetição.
Contudo entendo que outros autores referidos – Leibniz/Locke, para os quais a alma
está repleta de representações diminutas, e Herder: a nossa alma é uma força
representativa do universo, cujo fundo total é constituído de ideias obscuras (cf.
Brandt 149) – oferecem suporte à concepção de Kant, de que o olho humano vê,
ainda que obscuramente, o que o telescópio mostra. Mas, pensa Kant, se o homem
pudesse ser consciente de todas as representações que ocupam a alma, seria uma
espécie de divindade.
Uma investigação acabada do significado das representações não-conscientes na
teoria do conhecimento de Kant ainda está por ser feita. Claudio La Rocca, com seu
texto Der dunkle Verstand. Unbewusste Vorstellungen und Selbstbewusstsein bei
Kant (O entendimento obscuro. Representações inconscientes e autoconsciência em
Kant), ofereceu uma relevante contribuição para o desenvolvimento da reflexão
nessa direção, a partir da pergunta pelas ―condições de possibilidade de uma
investigação do inconsciente como uma esfera independente e múltipla de eventos e
processos mentais‖. 2 Sua resposta é de que Kant, para além das contribuições de
Leibniz e Wolff a uma lógica do inconsciente, opera uma transformação radical da
concepção das chamadas representações obscuras: ele, fundamentalmente, faz
implodir essa concepção, dando-lhe uma direção nova. Segundo ele, Kant deixa de
ver as representações obscuras como um defeito da falta de reflexividade no fundo
EISLER, R. Kant-Lexikon. Hildesheim: Georg Olms, 1964, p.549-550.
In: ROHDEN, V.; TERRA, R.; ALMEIDA, G.; RUFFING, M. (Hrsg.). Recht und Frieden in der
Philosophie Kants. Akten des X. Internationalen Kanat Kongresses, v. II. Berlin / New York: Walter de
Gruyter, 2008, p. 457.
2
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da alma, que, ao invés, por meio delas realiza plenamente a sua função. Ou seja,
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Kant tem uma concepção positiva do inconsciente, que envolve uma variedade de
operações:
- percepções obscuras sensíveis de pequenas partes de um objeto só
compreensível em sua totalidade (Via Láctea);
- sentimentos obscuros, pressentimentos etc., que envolvem atos de reflexão
realizados inconscientemente;
- atividade reflexiva inconsciente de diferentes formas;
- representações mais complexas metafísicas ou morais, a serem esclarecidas;
- cursos de representações imaginativas: muitas vezes somos ―um jogo de
representações obscuras‖;
- o entendimento
como um lugar de atividades espirituais parcialmente
inconscientes. E é nessa atividade inconsciente que se operam as suas produções
mais criativas: ―Talvez no mais profundo sono se exerça a máxima perfeição da alma
no pensamento racional‖ (Refl 1764). Inferências secretas e obscuras geram
conceitos ao ensejo da experiência, contribuindo corretamente para o conhecimento.
―Todos os conhecimentos racionais (descobertas) são preparados na obscuridade‖
(Refl 1482, XV/2, p. 665). Isso permite o desenvolvimento de uma teoria segundo a
qual a operação inconsciente do entendimento constitui basicamente uma
preparação do conhecimento consciente.
Porem o ponto central da contribuição de La Rocca reside na fundamentação de sua
tese, de que a teoria das representações inconscientes está presente já na posição
transcendental da Crítica da razão pura. Aí a imaginação é uma cega operação da
alma, sem a qual não há conhecimento. A ligação é uma ação do entendimento,
―quer sejamos conscientes ou não dela‖ (KrV B 130). E, ao fundar a ação de julgar
na apercepção transcendental, Kant não diz que todo ato de representação seja ao
fato psicológico, e sim uma possibilidade estrutural. O que principalmente importa
não é que uma consciência acompanhe toda representação, mas da consciência de
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representacional tem de ser um conteúdo pensável. O que importa aqui não é um
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mesmo tempo um ato de pensamento autoconsciente, mas que todo conteúdo
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que eu acrescento uma representação a outra e sou autoconsciente de sua síntese.
Ser consciente de uma síntese é diferente do ato de acompanhar com consciência
as representações; é, antes que uma consciência psicológica, uma consciência
lógica voltada para objetos, uma consciência objetiva. O componente reflexivo
concerne à consciência de uma síntese, ou seja, de como ligo representações, uma
consciência de condições e regras fundada em um poder ligar. O pensamento de
que as representações me pertencem enquanto as unifico em uma autoconsciência
pressupõe a consciência da síntese das representações. Que as representações me
pertencem significa que tenho a capacidade de realizar sua síntese ou de
compreender o múltiplo numa consciência mediante aquelas regras chamadas
categorias. Assim a apercepção transcendental torna-se a estrutura universal de
uma peculiar consciência que possibilita ao mesmo tempo a unidade de si mesmo e
da formação da experiência.
Sobre a equiparação da consciência empírica a um estado de clareza, que leva a
supor que a simples representação Eu ocorra obscuramente, La Rocca apresenta
quatro posições, entre as quais destaco apenas a de Tuschling, segundo a qual a
subjetividade transcendental constitui a unidade de consciente e inconsciente (cf. La
Rocca 453), e explicito a do próprio La Rocca, ou seja, de que a apercepção
transcendental é uma possibilidade indispensável: o campo do entendimento é o
da possibilidade de algo tornar-se consciente. Se admitirmos a consciência
transcendental como uma possibilidade estrutural, então a ideia de um entendimento
obscuro não é nem contraditória nem prejudicial. Mas ela deve pelo menos permitir
captar as regras e princípios do exercício de sua faculdade de conhecer:
―Autoconsciente em um sentido cognitivo é aquilo que pode prestar contas sobre as
razões do seu próprio juízo‖ (cf. 467). É isto que significa um bewusstes Erleben –
filosofia e ciência, a priori e empírica, porque consiste na estrutura universal de atos
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razões. Com isso a autoconsciência transcendental pode ser ao mesmo tempo
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um vivenciar consciente, aquele que em princípio e quando necessitar pode dar
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concretos. Esta interpretação torna o Eu uma presença leve ―que tem de
acompanhar toda a nossa vida espiritual‖.
Para concluir provisoriamente1: a teoria de La Rocca, que demonstra a
compatibilidade entre representações inconscientes e autoconscientes, faz ressaltar
a
presença
positiva
das
representações
inconscientes
contribuindo
substancialmente para a produção do conhecimento e para a criação de soluções de
problemas da razão em todos os seus níveis. Consequentemente, falta reelaborar
com mais ousadia a teoria do conhecimento de Kant desde a perspectiva da
complementação mútua de representações obscuras e conscientes.
Em recente reunião de físicos declarou-se que apenas o percentual de 4% da
matéria era conhecido até agora. Isto faz supor que os físicos, independentemente
das proezas que propiciaram (viagens interplanetárias), têm uma idéia obscura da
quase totalidade da matéria, sem plena certeza do que nessas viagens os espera.
Se a ciência da natureza, depois de tantos investimentos e sucessos, encontra-se
apenas no seu início, vendo seu objeto como um pálido ponto luminoso dentro da
noite do conhecimento, que dizer então da filosofia, bem mais antiga e mais difícil
que a própria investigação física? Significa dizer, muito mais justificadamente, que a
consciência do predomínio de representações inconscientes no exercício da razão a
faz despertar para a consciência de que ela se encontrará para sempre em um
eterno início; de que o enigma do ser humano no universo não vai ser decifrado por
ela; que teremos de conviver obscuramente com ele, mas certamente com a
autoconsciência de uma admiração crescente pelo nosso destino.
Curitiba, 30 de junho de 2009
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Na apresentação deste texto na UFPR, foi-me perguntado em que a concepção das representações
claras e distintas de Kant se relacionaria ou diferenciava da equivalente concepção de Descartes.
Relendo então as Meditações metafísicas, verifiquei que pelo menos nessa obra as diferenças seriam
maiores que as semelhanças: Descartes não parece aí preocupado em diferenciar clareza e
distinção; funda ambos os conceitos teologicamente; não atribui clareza aos sentidos, que se
enganam como se fossem sentimentos de pensamentos confusos.
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1
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A RELAÇÃO ENTRE PODER E SUBJETIVIDADE NA OBRA DE FOUCAULT
Augusto Bach
DEFIL – UNICENTRO/PR
[email protected]
1. Introdução
Raros são os autores no rol da intelectualidade contemporânea que tenham
atravessado uma multiplicidade de questões, à primeira vista díspares, como Michel
Foucault. Por se tratar de um personagem oriundo do panorama filosófico francês,
egrégio pela assídua e frequente recepção das novidades trazidas do pensamento
alemão, surpreende sua capacidade de transitar sem maior embaraço por tantas
áreas do saber. Da epistemologia das ciências humanas à ética de si, passando
pela literatura, loucura, psicanálise e outras tantas disciplinas, o estudo do poder
parece ter sido o causador da maior publicidade. Na esteira de tanta repercussão,
assistimos hoje ao seu mais ―novo‖ conceito sair dos bastidores e figurar como
protagonista principal no cenário das ideias: a bio-política.
Antes, porém, de se projetar na cultura ocidental ganhando status de paradigma de
inteligibilidade para pesquisas sociais em diversos campos do saber, o vocábulo
―bio-política‖ aparecia em primeira mão numa palestra de Michel Foucault no ano de
1974, intitulada ―O nascimento da medicina social‖. Entre outros assuntos, nela se
discutia o fenômeno de medicalização nas sociedades modernas, o desvio de seu
objeto que teria deixado de ser a doença para se deslocar ao tema da saúde e dos
procedimentos em torno dos sistemas de saneamento público contemporâneos.
todo um novo aparato de discursos, cálculo do seu crescimento no interior de uma
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apareceria ao mesmo tempo como manifestação individual e coletiva. Implicando
1
Em tais políticas sociais, conforme suas análises, o reconhecimento da doença
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população, previsão dos seus riscos de contágio, era toda uma parafernália técnica
de inoculação e vacinação que vinha a ser administrada em defesa da sociedade.
Contra seus próprios perigos internos, um conjunto de mecanismos de proteção e
controle social esboçava desde já aquilo que viria a ser nossa preocupação maior: o
alerta em nome da segurança e vida da população. Proferida curiosamente na
cidade do Rio de Janeiro – palco setenta anos antes de um trágico conflito social de
amotinados contra as primeiras práticas bio-políticas na história do Estado brasileiro,
cuja medicina encontrava-se, aliás, sob os auspícios do Dr. Oswaldo Cruz – essa
conferência dava sequencia a um longo ciclo de inquietações em seu itinerário
intelectual.1
E apenas dois anos depois, podemos reencontrar a mesma expressão já inserida
num contexto filosófico mais amplo. Tanto no último capítulo de A vontade de saber,
intitulado ―Direito de morte e poder sobre a vida‖, publicado em 76, como na última
aula deste mesmo ano ministrada no Collège de France, publicada mais tarde como
Em defesa da sociedade, Foucault começava a situar a bio-política no interior de
uma estratégia que foge ao simples escopo de suas pesquisas sobre medicina
social.
2
Se em Vigiar e Punir (1975) e na conferência sobre medicina pública suas
indagações se debruçavam sobre o corpo – objeto de investimento político da
sociedade sobre o indivíduo em seu pequeno dia a dia – doravante será o aspecto
do corpo como coletividade que passará a ser ressaltado. Em resumo, o tema da
―população‖ como unidade portadora de sentido em função de processos biológicos
começa lentamente a ganhar forma em seus estudos. Novas técnicas como a
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―Minha hipótese é que com o capitalismo não se deu a passagem de uma medicina coletiva para
uma medicina privada, mas justamente o contrário; que o capitalismo, desenvolvendo-se em fins do
século XVIII e início do século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de
produção, força de trabalho. O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente
pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no
somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade
bio-política. A medicina é uma estratégia bio-política.‖ (FOUCAULT, M. O nascimento da medicina
social em Microfísica do poder, p.80).
2
Sabe-se, por exemplo, que desde História da Loucura (1961) Foucault esteve às voltas com os
procedimentos de domesticação que a sociedade inventara a fim de se equilibrar diante de figuras
inassimiláveis como a do louco e do leproso, que já nos indicavam o amplo espectro de seu olhar
para além do questionamento específico da medicina social.
2
1
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vacinação e o controle de epidemias passam a ser estudadas associadamente à
questão da urbanização e circulação do capital nas grandes cidades. Todas elas,
consoante Foucault, esboçam uma unidade de mecanismos de segurança que
desde fins do século XVIII obedecem prioritariamente à preocupação com o governo
dos vivos.
As palavras de Foucault teriam de esperar sem embargo a publicação de suas
futuras obras para começarem a revelar sua real fecundidade. Para que não sejam
apressadamente identificadas com suas análises arqueológicas do saber e até
mesmo com seus estudos genealógicos sobre as disciplinas operados em Vigiar e
Punir, faz-se mister recordarmos o viés ―ensaístico‖ de seu proceder, bem como o
forte componente de aventura presente em sua escrita. Tal comportamento, ao
valorizar o ensaio e o saber haurido na experiência, como que aceitando a máxima
latina da ars longa, vita brevis, abre mão da busca de sentidos e regularidades
objetivas no movimento histórico ao admitir o acaso e a indeterminação como
qualidades intrínsecas de um ―real‖ sempre reconstruído pela razão. Avesso a
intuições intelectuais que o intérprete pudesse comprovar através de exemplos
oriundos de sua prévia leitura da história, Foucault escolhia operar um work in
progress ao singrar, nas palavras de Camões em Os Lusíadas, por ―mares nunca
dantes navegados‖ (I,1). Preferia partir da positividade imposta pelo próprio dado
empírico, demandante de uma posterior conceitualização de sentido que
acompanhasse post festum os avanços da pesquisa. Tanto foi que assim nascia,
fortuitamente em meio às suas análises, a expressão bio-política. Tentemos agora
compreender o caráter descontínuo de seu pensamento partindo de alguns de seus
antecedentes.
produtivo ao poder na formação de nossas almas. Às expensas de História da
Loucura onde quiçá poderíamos encontrar operando uma função repressiva do
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É notório como Foucault jamais se cansou de atribuir um aspecto fundamental e
3
2. Poder, Estado e ideologia
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poder, em todos os seus demais escritos somos convidados a burlar nossos
preconceitos e formas familiares de pensamento. ―Já repeti cem vezes que a história
dos últimos séculos da sociedade não mostrava a atuação de um poder
essencialmente repressivo‖.
1
Somada a esta declaração, encontramos uma outra
não menos intrigante num ensaio intitulado Pourquoi étudier le pouvoir: La question
du sujet, onde ele dizia que não era o poder, mas sim o sujeito que constituíra o
tema geral de suas pesquisas. Ora, se de acordo com essas palavras o poder nunca
foi o mais velho desafio proposto por suas análises, e sim o sujeito, é porque de
alguma forma suas inquietações jamais deixaram de estar associadas com o ubíquo
problema da subjetivação do homem e a constituição do indivíduo moderno. De uma
escrita literária contrarrepresentativa que dissolvia o sujeito das ciências nos anos
60 ao estudo das práticas estoicas e epicuristas do cuidado de si nos anos 80
(contrapostas aos modernos mecanismos de sua captura em nossa sociedade),
pode-se constatar um interregno em sua obra onde a questão do poder e do
governo dos vivos é tematizada conjuntamente. Presumimos que seja possível,
destarte, determinar o lugar em que se encontra o estudo do poder na obra de
Foucault em função de sua inserção na perspectiva da preocupação com a
subjetividade. Muito embora essa vinculação não seja de toda explícita,
principalmente nos anos 70 quando a genealogia do poder parece se sobressair em
relação à questão do sujeito, será preciso não ceder à tentação de determinarmos
qual problemática se sobrepõe a outra, em se tratando de dois lados da mesma
moeda.
Sempre às voltas com a problematização do presente como acontecimento filosófico
maior, Foucault elegeu na década de 70 o homem moderno com o fito de decifrar o
atual modo de subjetivação de nossa cultura. Marcado objetivamente pela docilidade
e utilidade que justificam seu processo de constituição dentro das novas formas de
1
FOUCAULT, M. A vontade de saber, p.79.
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uma série inúmera de discursos que procuram atribuí-lo de uma identificação
4
acumulação do capital, cada vez mais flexíveis, o indivíduo também é submetido a
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subjetiva. Distinguindo nas grandes mudanças de regime político a intervenção
material de um poder imanente que perpassa o corpo social por inteiro, Foucault
descobria as grandes transformações que o Ocidente atravessava desde a formação
dos Estados Nacionais com no encerramento da Idade Média.1 Tomando corpo em
técnicas de dominação refinadas e criando novas instituições sociais, nossa cultura
passa a formular saberes que estudam o indivíduo fazendo dele um sujeito passível
de atribuições científicas.
Temos antes que admitir que o poder produz saber, que poder e saber estão
diretamente implicados; que não há relação de poder sem constituição correlata
de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo
tempo relações de poder. Essas relações de ‗poder-saber‘ não devem então ser
analisadas a partir de um sujeito de conhecimento que seria ou não livre em
relação ao sistema do poder; mas é preciso considerar ao contrário que o sujeito
que conhece, os objetos a conhecer e as modalidades de conhecimentos são
outros tantos efeitos dessas implicações fundamentais do poder-saber e de suas
transformações históricas.2
Seja por erro, ignorância ou pura estupidez, temos sempre a tendência em acreditar
que o saber seja resultado de operações lógicas isentas de qualquer relação de
força. Para Foucault, no entanto, nunca houve modelo de verdade que pairasse
sobre os ares do convívio político humano nem ciência positiva que já não
implicasse uma prática de poder se exercendo concomitantemente. Pois é
precisamente no contato físico do eu com o outro, no intermédio de uma relação
afetiva e resistente a abstrações, que ele localizou o funcionamento concreto de
técnicas disciplinares, domesticadoras do comportamento humano. Na contramão
da concepção moderna de Estado jurídico, o caráter prospectivo de uma rede difusa
1
2
Formação dos Estados Nacionais; entenda-se, sob a forma das monarquias absolutistas.
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. p.30.
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dos governos mediante o consentimento tácito dos governados. As ciências do
5
de poderes em nossa sociedade torna possível assegurar a coesão e a legitimidade
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homem, dessa feita, encontrarão nesse mesmo mal-entendido o solo fértil para sua
multiplicação. Assim, em sua apreensão no interior de uma vasta teia discursiva,
costumamos falar de um sujeito de sexualidade, de um sujeito de nacionalidade, um
sujeito que fala, deseja, vive e trabalha; enfim, de um sujeito alienado na doença
mental, no crime... Domínios específicos que remetem cada qual a experiências
fundamentais que possibilitam uma assunção subjetiva, uma tomada de consciência
qualquer do indivíduo sobre si mesmo e o proveniente ganho de uma identidade
cultural. Seu estudo do poder, sua incursão nas zonas cinzentas mais do que nas
zonas iluminadas da teoria e da ciência, veio a calhar na tarefa de conhecer seus
procedimentos e estratégias, a fim de esclarecer o lado sombrio do tratamento
conferido ao ser humano pelas hodiernas democracias ocidentais.
*
*
*
Com o fito de passarmos à descrição de seus estudos, cabe destacarmos em linhas
gerais alguns traços específicos de sua concepção de poder. Sobremaneira o desvio
estabelecido com a análise tradicional em ciência política. No trabalho de muitos
teóricos modernos da política, o domínio e a conservação de uma ordem social
sempre foi questão jurídica, passível de ser resolvida por intermédio de uma
elaboração contratual entre indivíduos ou classes sociais. Assim, boa parte da teoria
contratualista moderna consistiu na tentativa de racionalização desses conflitos e na
formulação de esquemas que terminavam por atribuir ao Estado importância
fundamental. Para eles, o aparelho do Estado sempre se apresentou como o órgão
central e único do poder. Tendo como instrumento clássico de legitimação de
da relação entre os poderes e os saberes nas sociedades capitalistas.
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poder, a figura do Estado serviu como ponto de partida necessário para a explicação
6
regimes políticos uma ideologia, isto é, a justificação racional da organização do
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No entanto o arranjo dessas concepções parece sofrer na pena do genealogista
uma transposição bem como uma ligeira alteração de seus postulados. Estudando a
formação histórica da sociedade capitalista em todas as suas ramificações, o que
Foucault primeiramente vê se conformando é uma não identidade entre Estado e
poder. Conquanto a teoria clássica postule que o poder proceda por ideologia,
estabelecendo uma versão dos fatos que conferisse sentido e legitimidade à
conservação do status quo, a novidade da concepção genealógica consiste em dizer
que o poder produza a verdade antes de disfarçá-la no discurso oficial da
historiografia.
Se, por conseguinte, Foucault ceticamente desconfia do poder enquanto mera
artimanha ideológica, procedimento que nos impede de atribuir a um ente subjetivo a
propriedade constituinte no uso de um poder verdadeiro, não estamos mais
autorizados a dizer que por trás das ações de uma determinada classe social se
esconda uma ideologia subjetiva que se disseminaria pelo corpo social. Lançando
seu olhar para além do elemento teórico de justificação moral e racional, Foucault
investiga (sképis) a utilização de táticas e estratégias que modificam as relações de
poder bem como a colocação em jogo dos discursos ideológicos que permitem
fundir de maneira racional essas táticas. Da suposição que o Estado moderno seria
o responsável pela difusão de uma Weltanschauung oficial, transmitida de um ponto
transcendente para toda a imanência do corpo social, passa-se à análise de
pequenas batalhas que, curiosamente, teriam como corolário um resultado mais
abrangente e eficaz que as próprias ideologias. Longe de denegar a sua função,
pois, o que está a se afirmar é o papel secundário delas na formação de nossas
almas.
Nesse sentido, a noção de liberdade a que ocidentalmente somos tão afeitos,
herança cara das principais revoluções republicanas que abem o período
ela contribuiu não apenas como ideologia, mas também como técnica disciplinar
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desenvolvimento das formas modernas, leia-se capitalistas, da economia. Ipso facto,
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contemporâneo da história, não deixou de ser sem dúvida uma das condições do
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correlata à introdução dos novos dispositivos de segurança da sociedade. Pois
aquilo que se investigará, segundo Foucault, como objeto de governo a partir do
século XVII em diante não será apenas a propriedade soberana de um território ou
uma estrutura política, e sim coisas e pessoas que passam a viver, falar e trabalhar
sob a nova égide de uma nação.
Pode-se dizer [...] que esta ideologia da liberdade, essa reivindicação de liberdade
foi sem dúvida uma das condições do desenvolvimento das formas modernas ou,
se preferem, capitalistas da economia. É inegável. [...] Segundo: em algum lugar
eu disse que não se podia compreender a introdução das ideologias e de uma
política liberal no século XVIII sem se ter em conta que esse mesmo século, que
havia reivindicado em tão altos clamores as liberdades, as tinham conduzido
todavia com uma técnica disciplinar que, ao afetar as crianças, os soldados e
trabalhadores onde se encontravam, limitava de forma considerável a liberdade e
dava de certo modo garantias ao seu exercício. [...] Essa liberdade, ao mesmo
tempo ideologia e técnica de governo, deve ser compreendida no interior das
mutações e das técnicas de poder. E de um modo mais preciso e particular, a
liberdade não é outra coisa que o correlato da introdução dos dispositivos de
segurança.1
À guisa de exemplo, leia-se a gaia alusão de Deleuze, ―como Nietzsche já havia
visto, elas não constituem o combate das forças, são apenas a poeira levantada pelo
combate.‖
2
Outramente dito, debaixo do tapete discursivo e científico em que hoje
gostaríamos de esconder tamanha poeira ideológica, podemos encontrar a miríade
de combates de poder que nos configuram. Procedimentos que não poderiam ser
descritos por meio do discurso das ideias, mas que podem ser pensados por sua
ações físicas no interior de uma população; como sua regulação afetiva capaz de se
1
2
FOUCAULT, M. Segurança, território, população, p.70.
DELEUZE, G. Foucault, p. 38-39.
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produzir apenas através da liberdade de cada indivíduo e com o apoio dela. Daí a
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insuficiência de qualquer abordagem tão somente voluntarista ou jurídica da
questão.
Com efeito, não deixam de ter razão os sociólogos ao dizerem que o poder se
expressa modernamente por ideologias. Ocorre no entanto que ele se manifeste
também por intermédio de símbolos e instituições, disciplinas no dizer de Foucault,
mitos e ritos que garantam sua eficácia. Na medida em que tenham êxito na
elaboração de uma Paidea geral para nossas almas, podem assim plasmar visões
de mundo e modelar condutas de comportamento social. Para muitas revoluções de
nossos tempos, a governamentalidade pública significava acima de tudo formas as
nossas almas. Para Foucault, ao seu turno, isso tudo significava tão somente a
prática de uma bio-política incipiente. Não à toa, ele permaneceu praticamente uma
década de estudos no Collège de France investigando novas técnicas de poder;
debruçando-se sobre o esforço de educação, vigilância e punição que a sociedade
moderna dispensa ao governo dos vivos em seu etéreo e incessante trabalho de
esconjurar seus males de origem. Esta questão perpassa seus estudos de 72 a 80
do século passado.
De conceito universal que reúne sob sua égide a multiplicidade de eventos sociais, o
Estado passa a conotar apenas a ―superestrutura em relação a toda uma série de
redes de poder que investem o corpo, sexualidade, família, parentesco,
conhecimento...‖. 1 Ou seja, todas as formas de relações que a ele se refiram e que,
embora colocadas sob seu controle, não devem ser percebidas como meras
projeções de seu poder constitutivo e soberano. Pois quando a população começa a
aparecer como objeto técnico-político de uma gestão governamental, o que se
deverá gerir é justamente a sua naturalidade. O que há nela de espontâneo, físico e
quase incontrolável passa a ser identificado como a fonte de poderio do próprio
Estado. E serão inúmeras as variáveis e contingências a servirem de estudo para as
1
FOUCAULT, M. L´ impossible prison, p. 122.
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Estado não se esgote mais na simplória esfera de obediência de um vassalo ao
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ciências humanas, fazendo com que a relação entre a população e a soberania do
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suserano. Diante da imprevisibilidade do comportamento de uma população, o
problema do governo como gestão das condutas humanas passará a ser objeto de
diferentes formas de governamentalidade desde o fim do século XVI até os nossos
dias.
Isto posto, por afastado que esteja de afirmar a primazia substancial do aparelho do
Estado na absorção dos poderes, o que se aponta como evidência é a existência de
formas de exercício do poder diferentes e periféricas em relação a um órgão central;
mas que a ele continuam articuladas organizando um sistema, uma nova regulação
cumprindo inclusive papel indispensável à sua legítima sustentação e à atuação
eficaz de seu código legal.
*
*
*
Ao enfatizar o aspecto produtor e positivo do poder, percebemos a insurgência de
Foucault contra toda uma tradição da filosofia política e sua ênfase na questão da
representação. Seria mesmo possível caracterizarmos a genealogia como uma
tática engajada de intervenção de Foucault em favor da insurreição de saberes
assujeitados.
1
Pois até o ano de 1976, em seu curso Em defesa da sociedade que
encerra um ciclo de estudos que vai da publicação de Vigiar e Punir ao primeiro
volume de sua História da Sexualidade (a vontade de saber), é justamente a adoção
do modelo da guerra à inteligibilidade das relações de poder que vem justificar seu
abandono do Direito como modelo histórico das relações sociais; em suma, sua
crítica às teorias contratualistas modernas. Assim, se a uma descrição microfísica
1
Essa é uma interpretação bastante corrente na literatura de comentadores. Conferir, por exemplo,
as análises de François Ewald em Foucault, a norma e o direito.
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dos poderes correspondia o simples abandono do modelo legal, seria ―preciso
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construir uma analítica do poder que não tome o Direito como modelo.‖
1
Evidentemente que dessa perspectiva o Estado Nacional parece sair perdendo
completamente de vista o privilégio que a análise política clássica desde outrora lhe
vinha garantindo.
2
Já sabemos que conforme a teoria clássica da soberania ele
sempre fora visto como a representação formal e estruturada da consolidação
histórica dos Estados Nacionais na Europa. E apesar das notórias diferenças de
época e objetivos que nos separam dos séculos anteriores, a representação do
poder, dirá Foucault, permaneceu marcada deveras pela monarquia.
No fundo, apesar das diferenças de época e objetivos, a representação do poder
permaneceu marcada pela monarquia. No pensamento e na análise política, ainda
não cortaram a cabeça do rei. Daí a importância que se dá, na teoria do poder, ao
problema do direito e da violência, da lei e da ilegalidade, da vontade e da
liberdade e, sobretudo, do Estado e da soberania (mesmo se esta é refletida, não
mais na pessoa do soberano, mas num ser coletivo). Pensar o poder a partir
destes problemas é pensá-los a partir de uma formação histórica bem particular às
nossas sociedades: a monarquia jurídica.3
Digamos então, parafraseando a fórmula de um defensor do equilíbrio de poder
europeu (Adolphe Thiers) – adotada até hoje por várias monarquias constitucionais –
que se no teatro das idéias da filosofia política o rei de direito ainda reina (quid júris),
no espaço das práticas de poder analisadas por Foucault não é mais ele quem de
fato governa (quid fatis).
4
Na constatação de que o poder produza antes rituais de
verdade e realidades fictícias em que jogamos nossas vidas, e nos quais somos
1
FOUCAULT, M. História da sexualidade I ( vontade de saber), p.87.
Análise política, diga-se de passagem, em sua maior parte de cunho ora weberiano ora marxista.
3
FOUCAULT, M. História da sexualidade I (a vontade de saber) p.86.
4
―Quanto mais eu falava de população, mais deixava de dizer ‗soberano‘. Encontrava-me na
necessidade de designar ou apontar algo que, parece, também é relativamente novo, não como
denominação nem em certo nível de realidade, mas como técnica. Ou, melhor dito, o privilégio que o
governo começa a exercer com respeito às regras – ao ponto de um dia poder-se dizer, para limitar o
poder do rei: ‗o rei reina, mas não governa‘ – essa inversão do governo em relação com o reino e o
fato de que aquele seja no fundo mais que a soberania, muito mais que o reinado, muito mais que o
imperium, o problema político moderno, creio que esteja ligado absolutamente à população.‖
(FOUCAULT, M. Segurança, território, população p.102).
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objetos de campos políticos que nos ultrapassam, é o sujeito (soberano real) que
deixa de ser filosoficamente o articulador de seu destino para vir a ser assujeitado às
técnicas que o determinam (população). Do poder visto como substância da qual se
poderia extrair uma gênese e realizar sua dedução, Foucault herda até 1976 apenas
a tarefa ―kantiana‖ de fazer uma analítica; o que quer dizer, a descrição minuciosa e
paciente de seu caráter ramificado e microscópico. Desse modo, tudo nos levaria a
crer que suas análises do poder direcionar-se-iam progressivamente ao estudo da
matriz representada pela idéia de enfrentamento de forças e de combates
perpétuos. À primeira vista afastado de querer formar uma teoria geral e
globalizante, ele preferiu se ater a uma análise onde o enfrentamento e a batalha
fazem dele mais uma ação física que se exerça entre outros do que uma substância
ou predicado que se atribua a um nome real. Inusitada maneira, é verdade dizê-lo,
de explicar a relativa tranquilidade do poder burguês ao nosso tempo de manter a
ordem e a legitimidade do status quo, numa sociedade injusta e desigual na
distribuição de suas riquezas.
3. À Guisa de Conclusão
Por essas e outras lições históricas, em contraste com a Antiguidade e a maior parte
de Idade Média, a cultura ocidental passa a impor desde o classicismo limitações
morais sobre a conduta de seu soberano em assuntos tanto externos quanto
internos, porquanto novas práticas de poder atuem sobre o comportamento dos
indivíduos e dos soberanos. De qualquer sorte, com o intuito de concluir nossa
interrogação, a morte que até o século XVI era considerada o ponto de maior
manifestação do poder soberano passa a ser justamente o ponto de fuga por onde
as disciplinas e os mecanismos de segurança poderão capturar o corpo do indivíduo
da imoralidade, as aspirações individuais de poder acabam sendo deslocadas para
12
canais onde os referidos impulsos não coloquem mais em perigo a sociedade. São
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e da população como um novo eixo de articulação do poder. Marcada pelo estigma
muitos até hoje em dia os instrumentos disciplinares empregados com tal finalidade,
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todos eles de ordem econômica e jurídica: leis, costumes, desenvolvimento industrial
e tecnológico, várias instituições estatais e formas de organização social tais como
vestibulares, concursos para preenchimento de cargos públicos com o fito de
amealhar a tão brasileira política de clientelismo, corridas eleitorais, associações
empresariais, incentivo à prática de esportes, clubes recreativos, organizações não
governamentais (ONGs), etc.
Com essas transformações, o princípio de fazer viver vai se tornando princípio de
Estado devido à intromissão de um novo direito na antiga legitimidade dinástica da
soberania. A cultura ocidental demorará no mínimo dois séculos tentando ocultar de
seu horizonte o velho direito de espada. Decerto que, com isso, o princípio
aristocrático da honra do príncipe tende gradativamente a se apagar diante de
valores ―democráticos‖ como a prosperidade, a segurança, a democracia, a intenção
subjetiva, o cálculo do recato ou da intimidade e sua exposição em público, a
decência nos costumes e a proteção da vida que aparecem em substituição aos
antigos e ―memoráveis‖ valores da conduta guerreira. Percebe-se também que, com
a modificação nas formas de organização do convívio humano, o bio-poder não se
constituirá numa forma totalmente nova e independente do poder soberano, mas vai
integrando este último com a introdução de novas técnicas disciplinares que agem
sobre os corpos individuais. Por essa razão, Foucault poderá deslocar em A vontade
de saber a noção de uma sexualidade reprimida em prol do agenciamento político
da vida realizado em torno de seu próprio corpo. Ao contrário de uma vitoriana
renúncia aos prazeres ou desqualificação da carne, deveríamos antes enxergar em
nosso próprio sexo, nossa força e nossa saúde, o ponto de articulação entre o biopoder e a elevação de uma nova classe social empenhada em afirmar sua diferença
e sua hegemonia.1 Em princípio separadas historicamente, a disciplinarização dos
―É, sem dúvida, preciso admitir que uma das formas primordiais da consciência de classe, é a
afirmação do corpo; pelo menos, foi esse o caso da burguesia no decorrer do século XVIII; ela
converteu o sangue azul dos nobres em um organismo são e uma sexualidade sadia.‖ (FOUCAULT,
M. História da Sexualidade I (a vontade de saber), p.119).
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corpos e a regulação da população acabam confluindo numa só unidade. Duas
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lógicas, duas concepções de poder que vigoraram diferentemente cada qual à sua
época. E sobre as quais Foucault deverá estabelecer um continuum não sem antes
demarcar suas profundas transformações. Na medida mesma em que no museu de
nosso arcabouço jurídico ainda não terminamos de cortar a cabeça do rei, ele
deverá ipso facto cuidar para não confundir o poder constitutivo do soberano na
Idade Média com a função regulativa ocupada pela razão de Estado desde a época
clássica.
H.: Pode-se perguntar, tanto para fazer efeito quanto para lançar uma hipótese, se
o saber geográfico não traz consigo o círculo da fronteira, seja nacional, provincial
ou municipal. E portanto se às figuras de enclausuramento, que você assinalou –
louco, delinquente, doente, proletário – não se deve acrescentar a do cidadão
soldado. O espaço do enclausuramento não seria então infinitamente mais vasto e
menos estanque? M.F.: É uma ideia bastante sedutora. E este seria o homem das
nacionalidades? Pois este discurso geográfico que justifica as fronteiras é o
discurso do nacionalismo...1
Destarte, se em 1976, no seu famoso Em defesa da sociedade, Foucault partia da
inversão do aforisma do teórico da guerra Von Clausewitz com o fito de acentuar o
aspecto belicoso e contingente da guerra como matriz da formação político-histórica
da nacionalidade francesa (da guerra como continuação da política por outros meios
para a política como continuação da guerra por outros meios), ele irá curiosamente.
em 1978. inserir este mesmo aforisma como exemplo de uma nova razão de Estado
que aparece, consoante suas análises, em meados do século XVI tendo como
preocupação maior a questão da governamentalidade política.2 Do modelo
1
FOUCAULT, M. Microfísica do poder, p.161.
Em 1976, com o intuito de mostrar o viés diferenciador de suas análises históricas em relação ao
discurso tradicional da filosofia política, Foucault ainda se valia do discurso histórico e reacionário de
um nobre francês como Boulainvilliers sobre as instituições políticas. Destinado a uma crítica à razão
de Estado de Luis XIV, este estudo se constituiria para Foucault como uma espécie de saber do
Estado sobre o Estado mesmo. Boulainvilliers se posicionaria contrário então a esse ―saber do rei‘
que procurava recuperar mitologicamente a memória de sua nobreza e a façanha de seus atos. A tal
mitologia de reconstituição das origens do Estado, dever-se-ia opor justamente o saber da história
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estratégico de poder pensado em termos de batalha, luta e guerra continuada,
contraposta à astúcia pacificadora da dialética estatal (juridicamente codificadora e
neutralizadora dessa lutas), Foucault subitamente passará ao estudo de um poder
de Estado que consiste em ―conduzir condutas‖. O poder, enfim, deixaria de ser
interpretado em sua obra como sendo da ordem do enfrentamento múltiplo de
adversários para se tornar problema de governo. Questão, diga-se de passagem, só
formulada por aqueles que estão ou ao menos pretendem estar sob ―posse‖1 do
governo de si e dos outros, e não por aqueles que meramente se opõem ou fazem
resistência a ele. Pois bem, essa espécie de salto que abandona um referente de
legitimidade crítico à ratio ocidental, e que desde o início de seu pensamento até
então vinha sendo protagonizado pela sofística, conduziu Foucault a um tipo de
questionamento que à primeira vista parece perder muito de seu caráter crítico. 2
Nada obstante, a colocação da hipótese do bio-poder em detrimento de uma
sexualidade reprimida exigiu a reacomodação de suas indagações em um marco
mais amplo que o sugerido pelo esboço de uma ―história das tecnologias da
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representado por personagens que participaram das batalhas e enfrentamentos do poder; em suma,
aqui ainda a inversão de Clausewitz e a matriz guerreira antes da política.
1
Bem que poderíamos substituir a expressão não muito feliz e em aspas ―posse‖ pelo termo grego
paraskeuê, que designará para Foucault em A hermenêutica do sujeito, curso de 82, todo um aparato
técnico de saber que um indivíduo formula acerca de si mesmo. Mas o que desejamos ressaltar é a
incipiente tentativa de Foucault em construir uma nova ética na relação do eu com o outro, ou seja,
um governo de si que escape à regulação bio-política de seu tempo. Nada obstante, por mais que o
conceito de governo marque uma ruptura com o discurso da batalha, assinalando um primeiro
deslizamento da analítica do poder em direção à ética do sujeito, é bem verdade dizer também que
tudo isso não passou de um enorme e grande equívoco para Foucault.
2
À primeira vista soa no mínimo estranho a dedicação de Foucault ao estudo da
governamentalização das res publica aparecer sob as mãos de aristocratas do poder tais como o
marquês de Mirabeu ou o duque de Richelieu. Mas como historiadores da filosofia, devemos alertar
academicamente ao leitor que o estudo anunciado em 1976, dos mecanismos pelos quais a espécie
humana adentrou no século XVIII numa estratégia geral de poder, cede espaço nas análises de
Foucault a uma ―história da governamentalidade‖ aparentemente sem nenhuma contrapartida crítica.
Embora não deixe de figurar como horizonte dos cursos de 78 e 79, a noção de bio-política (ou de
―história das tecnologias de segurança‖) será sucedida de outra acepção em benefício das análises
em 1979 sobre a governamentalidade liberal em O nascimento da bio-política. Nestes dois cursos, já
se poderia entrever também a bio-política não apenas como ponto de articulação das disciplinas com
os dispositivos de regulação estatais, mas como o fio condutor de sua futura reflexão ética acerca do
cuidado de si. Imbróglio a ser objeto de nossas reflexões ulteriores.
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segurança‖, anunciadas desde sua conferência sobre medicina social no Rio de
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Janeiro. No intervalo de 77, ano de sua licença sabática no Collège de France, as
análises das condições de formação da bio-política moderna se apagam em
benefício do exame da governamentalidade clássica durante os séculos XVII e XVIII.
―Talvez a filosofia possa cumprir ainda um papel pelo lado do contra-poder, com a
condição de que esse papel já não consista em fazer valer, frente ao poder, a lei
mesma da filosofia. De que este deixe de ser pensado enquanto profecia, deixe de
ser pensado como pedagogia ou legislação e se dedique à tarefa de analisar,
elucidar, fazer visíveis e portanto intensificar as lutas que se dão em torno do poder,
as estratégias em torno dos adversários no seio das relações de poder, as táticas
utilizadas, os focos de resistência; com a condição, em suma, de que a filosofia
deixe de colocar a questão do poder em termos de bem ou mal e o faça em temos
de existência.‖1
Explicita, dessa mesma maneira e nesse mesmo ano, sua reinterpretação da
questão kantiana acerca do presente – ―O que são as Luzes?” – sob termos
bastante novos quando comparados com seus escritos anteriores. Em não existindo
mais um sublime ideal que faça as vezes de função transgressiva, judicativa ou de
tribunal à razão europeia, é o primeiro termo que deixa de prevalecer sobre o
segundo. A razão, não mais se entendendo como repressora, portanto carente de
crítica, passaria a exercer o papel de investigar aquilo que tem legitimidade em
nosso tempo; sem mais contestação em qualquer contravenção ou resistência ao
poder. Mutação da pena do próprio intérprete de nossa civilização a ser objeto de
estudos ulteriores. 2
1
FOUCAULT, M. A filosofia analítica do poder (27 de abril de 1978), p. 540.
Em seu artigo já clássico Um novo cartógrafo (Vigiar e Punir), Deleuze, logo de início, frisava que o
novo questionamento do problema do poder introduzido por Foucault não deixava de caracterizar ―o
novo esquerdismo [...] voltado tanto contra o marxismo quanto contra as concepções burguesas‖ (Cf.
DELEUZE, G. Um novo cartógrafo, p. 34). Na esteira dessa interpretação e de outras entrevistas
concedidas por Foucault, Michel Senellart, em seu comentário Situação dos Cursos, atribuirá a razão
de ser dessa mutação de pensamento de nosso autor a uma vinculação àquilo que na França então
se chamava de ―novo pensamento de esquerda‖. Ora, ainda que Foucault tenha dado asas a esse
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4. Bibliografia
AGAMBEM, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. São Paulo: Companhia das
Letras
--------------------, Os Bestializados. São Paulo: Companhia das Letras
DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo, Brasiliense, 1988.
EWALD, François. Foucault, A norma e o direito. Lisboa: Vega Comunicação &
Linguagens, 1993.
FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits. Paris: Gallimard, 1994
--------------------. Vigiar e Punir. Petrópolis: Editora Vozes, 1977.
-------------------. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1979.
-------------------. História da sexualidade I (a vontade de saber). Rio de Janeiro, Ed.
Graal, 1979.
-------------------. La philosophie analytique du pouvoir (27 de abril de 1978), DE, vol III,
num. 232, pp. 548-550.
------------------. L´ impossible prison, recherche sur lê systeme pénitentiaire au XIX
siècle. Paris: Éd. du Seuil, 1980.
------------------. Naissance de la biopolitique
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tipo de imaginação declarando que seria para tanto preciso inventar uma governamentalidade
adequada ao socialismo (cf. classe de 31 de janeiro de 79), preferimos não esquematizar nossa
imaginação em regras previamente fornecidas. Já que todo o seu questionamento futuro residirá na
questão em como saber se conduzir sem dispor de uma lei previamente dada que forneça o conceito
esquematizador para a conduta pública do indivíduo. Pena a morte ter ceifado tão cedo o seu caráter
quase inesgotável de invenção de novas formas de governo de si. Em outras palavras, é preciso que
inventemos cotidianamente a regra que não nos é dada pela cultura a fim de que harmonizemos a
relação entre, mais do que o entendimento, nossa razão com os outros. A coragem de dizer a
verdade, acreditamos nela, virá cumprir aqui sua função na legítima defesa dos governados e no
direito da dissidência.
17
------------------. Securité, territoire, population
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HARDT, Michael e Antonio Negri; Império. Rio de Janeiro: Record, 2005.
Kissinger, Henry; Diplomacia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2001.
LEBRUN, G. O microscópio de Michel Foucault in Passeios ao Léu. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
MAGNOLI, Demétrio. O Corpo da Pátria: imaginação geográfica e política externa no
Brasil. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista: Moderna, 1997.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006.
MORAES, Antonio Carlos Robert, Ratzel. São Paulo: Ática, 1990.
--------------------, Território e História no Brasil. São Paulo: Annablume, 2005.
RIBEIRO, Renato Janine. A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública
no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar em Ao vencedor as batatas. São Paulo:
Duas Cidades, 1981.
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SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina. São Paulo: Brasiliense, 1984.
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CRÍTICA E ANTROPOLOGIA EM KANT
Vinicius Berlendis de Figueiredo
Depto de Filosofia - UFPR/CNPq
1. Introdução: Projeto crítico e antropologia – uma hipótese de leitura
Como Kant faz questão de destacar em vários textos, a Crítica da razão pura, ao
limitar o conhecimento especulativo ao âmbito dos fenômenos, possibilitou pôr fim
ao dogmatismo. É sabido que essa operação limitativa já foi interpretada como tendo
sido pautada por uma orientação de cunho positivista, a pergunta pela validade
objetiva enunciada na ―Dedução transcendental‖ aparecendo como crivo da
significação de nossos conceitos e ideias a serviço da formulação filosófica de uma
ciência rigorosa da natureza, conforme aos princípios da ciência newtoniana e, por
isso, desembaraçada das pretensões descabidas do racionalismo clássico. Segundo
essa interpretação, Kant seria – com a licença da simplificação – o correspondente
filosófico de Newton.
Como também é sabido, essa interpretação da Crítica se sujeitou há tempos à
objeção de unilateralidade. Dificilmente se compreenderia por que a Crítica, se
realmente estivesse comprometida com a assimilação entre significação e
objetividade, não tenha se resumido a uma Analítica do entendimento, a qual, como
diz Kant, deve tomar doravante o lugar da ontologia (KrV B 303)1. Se é preciso
transpôr o âmbito da Analítica do entendimento, é porque há questões que a ―razão
humana‖ <menschliche Vernunft> não pode evitar, impostas que são pela ―natureza
As referências a Kant seguem a 1a (A) ou 2a (B) edição das obras, abreviadas como de costume:
KrV = Crítica da razão pura; KpV = Crítica da razão prática; Gdlg. = Fundamentação da metafísica
dos costumes; Antropologie = Antropologia de um ponto de vista pragmático; EE = 1a Introdução à
Crítica do Juízo; Log. = Lógica. As traduções utilizadas constam na bibliografia.
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da razão‖ <Natur der Vernunft>, mas às quais também ―não pode dar resposta por
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ultrapassarem completamente as suas possibilidades‖ (KrV A VII)1. Tais questões,
como anuncia Kant no Prefácio de 1781 e revela na Dialética transcendental, têm
origem na progressão da razão de partir do condicionado ―para condições <cada
vez> mais remotas‖ (ibid.). em um movimento de totalização que produz uma ilusão
―que de modo algum pode ser evitada‖ (KrV A 297 - B 353), restando-nos, quando
muito, a alternativa de não sermos mais enganados por ela. Por isso, a ―lógica da
verdade‖ trazida pela Analítica do entendimento é seguida da ―crítica da ilusão‖,
efetuada na Dialética: somente aí, as significações para as quais não se pode
oferecer qualquer correspondente na experiência – significações que, portanto, não
são ―objetivas‖ nem capazes de determinação – são justificadas como exigências da
razão concernindo ao conhecimento empírico2. Poder-se-ia legitimamente retorquir
que isso apenas significa que a teoria da experiência kantiana incorpora remissões
àquela totalidade sistemática trazida pela razão ao refletir sobre as determinações
que o entendimento estabelece na sensibilidade, e daí concluir que, feitas as contas,
Kant permanece preso à epistemologia. Mas a melhor prova contra a interpretação
de que o idealismo transcendental promove sua ruptura com a metafísica clássica
tendo por intuito principal justificar a ciência newtoniana está no fato de que a
própria epistemologia, aqui, abriga a metafísica especial, cujos temas (alma, mundo,
Deus), adquirindo o estatuto de princípios regulativos sem os quais a razão não
poderia conhecer a natureza, recobram a validade que haviam perdido em outras
filosofias que, ao longo do século 18, também sofreram o influxo de Newton. A
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Como se verá adiante, o presente texto resume-se, grosso modo, a comentar a redação de Kant
nessas primeiras linhas da Crítica, através das quais introduz em 1781 o leitor no idealismo
transcendental. O passo pode ser parafraseado assim: a natureza da razão impõe à razão humana...
Conceitualmente, porém, como explicar que a razão figure ao mesmo tempo como sujeito e objeto
indireto de um mesmo período, senão conjecturando que ela é tomada em acepções distintas
conforme seja qualificada pelo adjetivo ―menschlich‖ ?
2
―Ora, o conceito transcendental da razão sempre se refere apenas à totalidade absoluta na síntese
das condições e jamais termina senão no absolutamente incondicionado – isto é, o incondicionado
em toda relação. Com efeito, a razão pura deixa tudo ao encargo do entendimento, que se refere
imediatamente aos objetos da intuição, ou antes, à sua síntese na capacidade da imaginação. A
razão reserva para si somente a totalidade absoluta no uso dos conceitos do entendimento e procura
conduzir a unidade sintética, que é pensada na categoria, até o absolutamente incondicionado. Por
isso se pode denominar essa unidade da razão com respeito aos fenômenos, assim como aquela que
é expressa pela categoria, unidade do entendimento‖ (KrV A 326 - B 382/3).
2
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comparação com Hume (a quem Kant conhecia bem) é elucidativa: enquanto, para
o autor da Investigação sobre o entendimento humano, ―todas as nossas conclusões
experimentais decorrem da suposição que o futuro estará em conformidade com o
passado‖ (HUME, 1972, 39), sendo isso o que basta para, sem deixar de mostrar
que tal suposição não procede da razão, acolher leis como instanciação de
regularidades contingentes que apoiam alguma espécie de necessidade nas
conexões figuradas por elas (ROSENBERG, 1993, p. 78), para Kant, em
contrapartida, o conhecimento empírico requer a referência ao plano da razão, cuja
normatividade, exatamente por conta de ter passado pelo crivo da crítica, ganha
estatuto transcendental1.
Mas se, para afastar a ideia de que o objetivo fundamental da Crítica tenha sido
justificar a ciência newtoniana, já não bastasse atentar para a complementaridade
que lógica da verdade e crítica da ilusão exibem no interior da ―Lógica
transcendental‖ da razão pura, conviria então retomar as palavras do ―2o Prefácio‖
(1787), no qual Kant, provavelmente tendo em vista a polêmica do panteísmo que
eclodiu em 1784 (cf. FIGUEIREDO, 2004), é taxativo em relação à utilidade do
exame a que submete a razão dogmática. Só através da limitação do saber
especulativo ao âmbito da experiência, diz-nos aí Kant, o interesse prático da razão
pode ser assegurado. A ―utilidade positiva‖ da Crítica, portanto, reside em preparar o
terreno para a recuperação prática das idéias especulativas, consideradas na
―Dialética transcendental‖.
Com efeito, a Crítica da razão prática (1788) retira o princípio de sua estrutura da
reabilitação transcendental da metafísica especial, operada por Kant na 1a Crítica.
Na passagem de uma a outra obra, Kant procede a um realinhamento dos
elementos da doutrina transcendental possível apenas com base na afirmação de
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Na acepção inicial da Crítica: ―Denomino transcendental todo conhecimento que se ocupa não tanto
com objetos em geral, mas com nosso modo de conhecer objetos na medida em que este deve ser
possível a priori. Um sistema de tais conceitos denominar-se-ia filosofia transcendental‖ (KrV A 11 - B
25; trad. modificada). Poder-se-ia dizer, com base nisso, que Kant deslocou os temas da metaphysica
specialis para o âmbito da filosofia transcendental promovida pela revolução copernicana em filosofia
(ver Progressos da metafísica, A 11).
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que se trata, sempre, de uma mesma e única razão. Sem levar isso em conta, com
efeito, não se pode explicar que a liberdade – conceito cuja significação originária,
vale lembrar, é cosmológica – não só passe a figurar, na Crítica da razão prática,
como elemento da Analítica, como também que constitua, a partir do momento em
que tem sua realidade provada pela lei moral,
o fecho da abóbada de todo o edifício de um sistema da razão pura, mesmo da
razão especulativa, e todos os demais conceitos (os de Deus e de imortalidade),
que permanecem sem sustentação nesta <última> como simples idéias, seguemse agora a ele e obtêm com ele e através dele consistência e realidade objetiva,
isto é, a possibilidade dos mesmos é provada pelo fato de que a liberdade
efetivamente existe (KpV, A 4/5).
Apenas através desse realinhamento dos elementos da doutrina transcendental,
verificado na transição da primeira para a segunda Crítica, a unidade da razão na
diversidade de seus usos, já subjacente à crítica da razão teórica e graças à qual
são diferenciadas no seu âmbito determinação e reflexão, adquire o estatuto de um
princípio demonstrado. Pois a rigor, à anunciada divisão da filosofia em ―Teoria da
natureza‖ e ―Teoria dos costumes‖, de que já nos falava Kant no Prefácio da
Fundamentação da metafísica dos costumes (1785), faltava ainda a demonstração
da unidade da razão prática ―com a razão especulativa num princípio comum‖ (Gdlg.
trad. 106) – o que se dá apenas em 1788, quando o incondicionado posto pela razão
a título de princípio de inteligibilidade do conhecimento empírico se revela
fundamento de determinação da ação moral e postulado sem o qual a moralidade
seria incompatível com a felicidade1. Essa reorganização temática vai de par com o
princípio de exposição dos textos: somente tendo em conta a unidade da razão,
1
Com a prova de que a razão pura é prática, ―fica doravante estabelecida também a liberdade
transcendental‖ e, por meio disso, adquirem ―realidade objetiva os conceitos de Deus e imortalidade‖
(KpV A 5).
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compreende-se que a doutrina dos elementos da 2a Crítica seja a perfeita
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acomodação dos temas da metafísica especial (liberdade, alma e Deus), cuja
pretensão teórica, contestada por Kant na Crítica da razão pura, dá lugar à vocação
última da razão para a moral e a religião.
Observe-se, a propósito, que esta transição da primeira para a segunda Crítica traz
implicações significativas para a ordem elementar comum a ambas. Com efeito, com
o uso prático da razão, o problema cosmológico adquire prerrogativas inéditas frente
à psicologia e a cosmologia racionais. Enquanto, na 1a Crítica, em comparação com
elas a cosmologia somente dispunha de uma prerrogativa fenomenológica – as
antinomias, afinal, constituíam o terreno privilegiado de manifestação da aparência
transcendental –, agora, é a partir da liberdade que as ideias psicológica e teológica
―obtêm consistência... e realidade objetiva‖ (KpV A 5). Digamos que, na passagem
da teoria à prática, um princípio regulador, através do qual a razão exigia a
ampliação do uso do entendimento no conhecimento empírico, se torna constitutivo
– ou, por outra: o princípio de reflexão sobre a natureza inflete em fundamento de
determinação da ação moral.
E aqui começamos a nos aproximar de nosso ponto: não faltam indícios de que a
reformulação dos elementos, operada na transição da 1a para a 2a Crítica e possível
graças à unidade da razão na diversidade de seus usos, é balizada por uma dupla
referência à finitude do homem. De um lado, a limitação do conhecimento
especulativo ao âmbito dos fenômenos, a partir da qual o incondicionado ganha o
estatuto transcendental de ―simples ideia‖ na Dialética transcendental, mobiliza
como fator decisivo a natureza sensível de nossa intuição (Estética transcendental).
É tendo em vista os resultados desta última em sua articulação com a Lógica
transcendental que Kant irá decretar que o incondicionado é incognoscível, embora
permaneça sendo pensável para nós. De outro lado, a moralidade é definida na
Crítica da razão prática como adoção de uma máxima baseada no mandamento da
1
―A virtude é a força da máxima do homem no cumprimento de seu dever. – Toda força se reconhece
apernas pelos obstáculos que é capaz de superar; no caso da virtude, os obstáculos são as
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razão em oposição direta aos móbiles patológicos1, o que configura um conflito que
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(além de ensejar a doutrina do livre arbítrio) só faz sentido tendo em vista o estatuto
singular da vontade de um ser racional e sensível. Em suma, não bastasse o fato de
que, num e noutro caso, a experiência seja concebida sob exigências normativas da
razão cujos resultados são mediados por considerações sobre a ―nossa natureza‖,
parece que a própria transição da teoria à prática – a qual, como vimos, traz consigo
o reordenamento elementar da crítica e que articula as duas partes do inteiro
sistema dos conhecimentos racionais – exibe um compromisso de fundo, mas talvez
não menos essencial, com premissas de cunho antropológico. Dito de outro modo,
tudo indica que a referência à ―nossa natureza‖ aparece não apenas a título de
elemento decisivo operante quer na teoria, quer na prática, mas também, e mais
essencialmente, como ponto de fuga sob o qual Kant articula a passagem de uma a
outra parte da filosofia.
Porém, de que estatuto goza, no interior do kantismo, essa natureza humana, que é
referência constitutiva da epistemologia transcendental, da doutrina moralidade e da
articulação entre elas? Responder a essa questão nos impõe examinar mais de
perto os objetivos perseguidos na Crítica do Juízo (1790), obra com a qual Kant diz
pôr termo ao ―kritisches Geschäft‖. Com efeito, a tarefa crítica só cessa com a
localização do princípio transcendental da faculdade de julgar, que, embora não
forneça qualquer novidade doutrinal, dispõe, contudo, de um princípio a priori
―puramente subjetivo‖ – o da finalidade. Para nossos propósitos, importa destacar
que, como revelam dois textos decisivos para a compreensão global do projeto
kantiano – a ―1a Introdução‖ e a ―Introdução‖ definitiva da Crítica do Juízo (cf.
ANCESCHI, 1966, p. 60) –, o acolhimento do princípio da finalidade no idealismo
transcendental conduz Kant a explicitar a distinção entre dois planos de
sistematização distintos, o primeiro relativo ao já mencionado sistema dos
conhecimentos racionais por conceitos e ordenado conforme a divisão entre teoria e
inclinações naturais que podem entrar em conflito com o propósito moral‖ (MC Ak 394). Sem as
inclinações naturais próprias à vontade do homem, portanto, não há sequer como definir a virtude.
Daí Kant ter afirmado desde muito cedo que uma vontade santa é incapaz de moralidade.
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prática, e o segundo, concernindo ao sistema da crítica, unicamente no interior do
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qual transcorre a investigação suplementar atinente ao Juízo. ―Aquilo que não pode
aparecer na divisão da filosofia, pode todavia aparecer na crítica da faculdade de
conhecimento pura em geral, a saber no caso de conter princípios que por si não
são úteis, nem para o uso teórico, nem para o uso prático‖ (KU B XXI, trad. p.
20/21)‖1. Nem por isso tal princípio é secundário; ao contrário, em 1790, Kant deixa
claro que somente graças à faculdade de julgar podemos conceber uma passagem
―do domínio do conceito de natureza para o de liberdade‖ (KU, B LVI, trad. 40). Ora,
tendo em vista que, com a faculdade de julgar, ―a crítica toma o lugar da teoria‖ (KU
B X, trad. p. 14), nela a distinção operante entre natureza e liberdade se mantém
recuada em relação a todo tipo de objetividade e revela que o ponto em torno do
qual gravitam epistemologia, crítica da ilusão e moralidade, originando-se da
referência da filosofia à ―menschliche Vernunft‖, não corresponde a positividade
alguma. Tudo parece indicar, portanto, que, por decisiva que seja para o projeto
crítico e sua substituição ao dogmatismo, a referência ao homem não acolhe nem
suscita qualquer teoria do homem. A subjetividade kantiana, parece-nos possível
mostrar, situa-se entre a tematização do cogito no quadro de uma ontologia da
substância (Descartes, Leibniz) e o enquadramento do homem no âmbito das
ciências do espírito (neokantismos), constituindo-se, por isso, em uma ocasião
privilegiada para investigarmos as relações existentes entre crítica e antropologia no
limiar da filosofia contemporânea.
2. O problema antropológico na literatura: duas referências
O compromisso da filosofia crítica com a antropologia foi objeto da atenção de
muitos intérpretes. Sem qualquer intuito exaustivo, relacionamos aqui somente duas
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No mesmo sentido, lê-se, na Primeira Introdução: ―Se se trata não da divisão de uma filosofia, mas
de nossa faculdade-de-conhecimento a priori por conceitos (da superior), isto é, de uma crítica da
razão pura <...>, a representação sistemática da faculdade-de-conhecimento resulta tripartida, ou
seja, primeiramente a faculdade de conhecimento do universal (das regras), o entendimento, em
segundo lugar a faculdade da subsunção do particular sob o universal, o Juízo, e em terceiro lugar a
faculdade da determinação do particular pelo universal (da derivação a partir de princípios), isto é, a
razão‖ (EE, trad. p. 170/1).
7
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interpretações, com o intuito único de esclarecer melhor nossa própria hipótese de
trabalho.
1) Comecemos por A. Philonenko, cuja análise da obra kantiana se filia
expressamente a Hermann Cohen, mencionado anteriormente. A sinuosa trajetória
de Kant rumo à filosofia crítica, afirma Philonenko, tem seu momento decisivo
quando o autor da Dissertação de 70 se dá conta de que nesta obra ele
permanecera assimilando, erroneamente, o conceito do a priori com o conceito do
inato (PHILONENKO, 1983, I, p. 76) . ―Percebe-se que unindo psicologia e filosofia
transcendental, Kant <na Dissertação de 70> confunde o fato com o direito e se
encontra, em 1770, incapaz de enunciar a questão que define o criticismo: quid
juris?‖ (PHILONENKO, 1983, I, p. 77). Sem recusar essa assimilação, prossegue
Philonenko, ―o problema da unidade do conhecimento científico, como fonte do real
que se exprime nas leis, princípios de determinação dos fenômenos <se transforma>
na investigação da possibilidade de o homem aceder ao existente e ao mesmo
tempo desanda na antropologia e na psicologia‖ (PHILONENKO, 1983, I, p. 93). –
Como é fácil notar, em sua reconstrução da trajetória de Kant rumo a Crítica da
razão pura Philonenko assimila entre si psicologia, antropologia e subjetividade,
todas tidas como resíduos de uma perspectiva não crítica – ou melhor, pré-crítica –,
que só fez adiar o idealismo transcendental e a revolução que viria romper a clássica
dependência do conhecimento em relação ao ser.
Sem entrar no mérito dos marcos gerais da interpretação de Philonenko, vale servirse dela para precisar que, quando sinalizamos a referência que a filosofia crítica
contém a premissas de fundo antropológico, de modo algum pretendemos relativizar
o corte que a separa das formas de dogmatismo em polêmica com as quais teve sua
origem. Pensamos, ao contrário, ser possível mostrar que o projeto crítico, no que
passo da Lógica de Jäsche em que Kant reduz a filosofia em sentido cosmopolita a
quatro perguntas fundamentais, quais sejam: ―1) o que posso saber? 2) o que devo
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textos são bastante esclarecedores a esse respeito. O primeiro deles é o conhecido
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possui de mais característico, possui uma orientação antropológica decisiva. Dois
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fazer? O que me é lícito esperar? 4) o que é o homem?‖ – e, em seguida, esclarece:
―À primeira questão responde a Metafísica; à segunda, a Moral; à terceira, a
Religião; e a quarta, a Antropologia. Mas, no fundo, poderíamos atribuir todas essas
à Antropologia, porque as três primeiras questões remetem à última‖ (Log. A 25;
trad. p. 42). Como deixa clara essa passagem, Kant admite um sentido para
―antropologia‖ muito diverso daquele circunscrito no Prefácio da Fundamentação da
metafísica dos costumes (1785), quando o termo em pauta é introduzido através da
oposição entre a normatividade da razão e a positividade empírica, isto é, entre a
análise conceitual das significações racionais – dentre as quais figura o dever, a cuja
análise o leitor é primeiramente apresentado neste texto – e a simples descrição das
condutas humanas1. No sentido convocado pela acepção cosmopolita da filosofia,
evocado na Lógica, a questão antropológica abarca sob si a questão pelo que devo
fazer, atinente à moral, o que basta como argumento para recusarmos toda
assimilação imediata e definitiva entre antropologia e empiricidade2.
O outro texto que temos em mente ajuda a esclarecer em que medida admitir a
validade da antropologia lato sensu, ao invés de mitigar o caráter normativo da
moralidade kantiana, ajuda a esclarecê-lo. Como adverte Kant no Prefácio da
Antropologia de um ponto de vista pragmático, de 1798, há duas pespectivas
alternativas no que concerne ao conhecimento sistemático do homem <Kenntnis des
Menschen>, a fisiológica e a pragmática:
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―As leis morais com seus princípios, em todo conhecimento prático, distinguem-se portanto de tudo
o mais em que exista qualquer coisa de empírico, e não só se distinguem essencialmente, como
também toda Filosofia moral assenta inteiramente na sua parte pura, e, aplicada ao homem, não
recebe um mínimo que seja do conhecimento do homem (Antropologia), mas fornece-lhe como ser
racional leis a priori‖ (Gdlg., A trad. p. 104/105). Registre-se, de passagem, ser nesta oposição,
retomada na 2a Crítica, que encontram sua origem as prerrogativas que a ―Analítica da razão prática‖
assumiu diante da "parte impura da ética" (LOUDEN, 2000) na literatura secundária mais recente – a
ponto de a inteira filosofia prática kantiana ter sido resumida por alguns comentadores à explicitação
dos procedimentos e formulações requeridos por uma ética prescritiva.
2
Evidentemente, isso não desabona a vasta literatura dedicada a investigar as relações, no interior
da razão prática kantiana, entre moral propriamente dita e antropologia. Um autor cuja discussão a
respeito mobiliza a literatura corrente é LOUDEN, 2000.
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O conhecimento fisiológico do homem reporta-se à investigação daquilo que a
natureza faz do homem; o pragmático, àquilo que ele, enquanto ser que age
livremente <als freihaldelndes Wesen>, faz ou pode e deve fazer de si mesmo.
(Anthropologie, A IV).
Neste sentido, a antropologia corresponde a uma consideração na qual os aspectos
efetivo e normativo – em cuja separação reside a novidade inicial da crítica kantiana
– subjacentes ao ―Menschenkenntnis‖, sem que se confundam um com o outro,
exibem novamente, e talvez de modo privilegiado, sua complementaridade. Diante
das
reticências
expressas
por
Philonenko,
diríamos
que
a
investigação
antropológica, nesse sentido preciso, nada tem que ver com as fisiologias que, de
Locke até Kant, animaram várias análises do entendimento no curso do século 18.
Com efeito, o texto de 1798 não está comprometido com qualquer metafísica das
faculdades da mente humana, nem, tampouco, com qualquer forma de inatismo ou
psicologismo. Antes, ele decorre da crítica da razão, cujos resultados, como
sugerimos, retirando seu alcance transcendental da referência que possuem ao que
podemos conhecer, ao que devemos fazer e ao que podemos esperar1, são agora
mobilizados pela atividade que reúne, sem qualquer prerrogativa doutrinal, a sua
condição de possibilidade – essa atividade que designaremos, na falta de nome
melhor, pela reflexão ou subjetividade em nome da qual se promoveu a revolução
copernicana em filosofia.
2. Mas em que exatamente consiste o teor desse novo discurso, que, não
renunciando às prerrogativas da filosofia transcendental, evoca o Menschenkenntis
sem pretender fazer doutrina? E quais, afinal de contas, seriam suas implicações? É
1
Mesmo Philonenko parece admitir tacitamente esse sentido amplo de antropologia, ao declarar de
partida que a filosofia kantiana ―é uma investigação, tão ordenada quanto possível, que se aplica a
todos os momentos fundamentais da condição humana‖ (PHILONENKO, 1983, I, p. 14).
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comum a ideia de que a antropologia progressivamente se tornou foco privilegiado
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disso que se chamou ―a filosofia do Iluminismo‖1, interpretação essa que se pode
perfeitamente subscrever, desde que se estabeleça no seu âmbito diferenças por
referência às quais se possa avançar uma hipótese sobre a singularidade do
discurso sobre o homem no interior da filosofia kantiana. Com esse intuito, sigamos
um momento as conclusões de Kant e o fim da metafísica, livro no qual G. Lebrun,
inspirado na arqueologia das ciências humanas empreendida por M. Foucault,
comenta o significado que a filosofia crítica, por conta de sua referência ao homem,
possui na constituição de nossa modernidade.
A crer em Lebrun, a antropologia é nada menos do que o desdobramento necessário
da interdição da metafísica dogmática levada a cabo na Crítica da razão pura. Isso
seria especialmente o caso da teologia racional, cujo princípio finalístico, uma vez
privado de qualquer alcance especulativo na ―Dialética transcendental‖, é
apresentado na 3a Crítica como elemento apriorístico da faculdade de julgar:
―(...) ao mesmo tempo em que é definitivamente compreendida a possibilidade da
última disciplina da metafísica especial, a finidade encontra, enfim, um rosto e o
‗homem transcendental‘ substitui o sujeito anônimo e puramente funcional da
crítica teórica. No nível desta investigação a-teórica, a autocrítica da metafísica
assume necessariamente a forma de uma antropologia; a demonstração da
finidade coincide com a descrição de regiões da existência e de experiência.
Dessa forma, Kant inicia o movimento que conduzirá a abandonar a análise
categorial pela descrição do vivido, e a transferir a metafísica especial para o
campo da antropologia, investido de uma dignidade transcendental inesperada‖
(LEBRUN, 1993, p. 687/688).
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Para ficarmos com um exemplo célebre, veja-se o apelo de Cassirer à ideia de disposição de época
e que o faz reaver, nos diversos setores do pensamento esclarecido, uma mesma orientação
antropológica: ―Assim se elucida, através da estética de Baumgarten, nos vínculos estreitos com a
filosofia acadêmica alemã, essa mesma ideia que já encontramos por toda a parte agindo na
constituição da ética, da filosofia da religião, da filosofia do direito e da filosofia política do Iluminismo.
Cada vez mais, a época iluminista aprende a renunciar ao ‗absoluto‘, no sentido estritamente
metafísico, ao ideal de um conhecimento ‗à imagem do conhecimento divino‘, para substituí-lo por um
ideal puramente humano, que ela procura constantemente definir com maior exatidão e preencher
com maior perfeição‖ (CASSIRER, 1992, p.459).
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Portanto, se Kant ―inicia o movimento‖ rumo à descrição do vivido, ele, contudo,
ainda não toma parte nele. Ao metamorfosear a finalidade teológica ―em sentimentos
e em atitudes‖ e converter o belo, o sublime e o organismo vivo em pretextos para a
descrição de uma experiência puramente subjetiva (LEBRUN, 1993, 688)1, a Crítica
teria aberto o espaço no qual a condição de determinação do sensível pelo inteligível
poderá passar a ser ―vivenciada‖ – o passo seguinte consistindo em fazer dessa
vivência a experiência de um sujeito que, a um só tempo, é fundamento e objeto do
conhecer. Kant situar-se-ia, assim, no limiar daquela modernidade, cuja episteme
Foucault descreveu como refém do paradoxo constituído pelo fato de que agora é o
ser finito, compreendido como ser determinado, quem ―dá a toda determinação a
possibilidade de aparecer na sua verdade positiva‖ (FOUCAULT, 1987, p. 354).
Entenda-se: ao contrário do que, com o abono de Lebrun, acreditamos valer para a
Crítica, nesta vertente da modernidade que se segue a ela e da qual a
fenomenologia será o aprofundamento, a determinação já não será mais efetuada
através da sua referência à totalidade posta pela razão, uma vez que, agora, o limite
procede da finitude na qual o homem passou a reconhecer sua essência. E eis-nos
assim frente à dificuldade incontornável para a qual a fenomenologia, conforme os
partidários da reconstrução arqueológica, não teria atinado: como, feitas as contas, o
finito pode operar como fundamento de qualquer limitação?2 Feita tamanha violação
à ―ciência dos limites‖ (expressão pela qual Kant define a investigação crítica), a
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Valemo-nos outra vez de Cassirer – cuja simpatia pela fenomenologia é sabida, e que, como
atestará Merleau-Ponty na Fenomenologia da percepção, nada tem de casual – para ilustrar, por
contraste, o ponto em sobre o qual insiste Foucault e, na trilha aberta por ele, Lebrun. Cassirer
comenta nestes termos a passagem do espírito cartesiano vigente na estética do século 17 para a
nova disposição do Iluminismo: ―Trata-se de libertar-se do despotismo absoluto da dedução, trata-se
de dar lugar, ao lado dela e não contra ela (...) aos fatos simples, aos fenômenos, à observação
direta. (...) Assim, o método de explicação e de dedução tende cada vez mais, também nesse
domínio. a ceder o lugar à pura descrição. E essa descrição não parte mais das obras de arte mas da
consciência estética cuja natureza ela quer, em primeiro lugar, reconhecer e definir‖ (CASSIRER1992, p. 394).
2
Ou ainda, pelas palavras do autor: ―a análise da finitude explica como o ser do homem se acha
determinado por positividades que lhe são exteriores e que o ligam à espessura das coisas, e como,
em troca, é o ser finito que dá a toda determinação a possibilidade de aparecer na sua verdade
positiva‖ (FOUCAULT, 1987, p. 352).
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fenomenologia, embora herdeira da interdição da metafísica especulativa, estaria
desde o início imersa no ―sono antropológico‖, cuja noite se anunciava no instante
em que saberes supostamente concretos se alojaram no lugar da velha metafísica
racional, como se eles dispusessem do mesmo grau de evidência de que gozavam
os objetos supra-sensíveis aos olhos do dogmático, antes da instituição do tribunal
da razão.
Embora muito sumárias, essas observações bastam para, à guisa de conclusão,
retomarmos o fio investigativo aqui apresentado. Argumentamos acima que, no
kantismo, a antropologia não requer investir de positividade o seu objeto. É
significativo, a esse respeito, que a ―Analítica do juízo estético‖, paradigma da
reflexão, não forneça acréscimo algum à filosofia como sistema de conhecimentos
racionais (ver supra p. 6). E é isso o que, gostaríamos de mostrar através da análise
pormenorizada dos textos, impede que o homem figurado no sistema kantiano não
seja nem possa ser fundamento de determinação de qualquer experiência. O que,
no homem, é puramente determinado, corresponde à natureza. Mas, conforme a
clivagem de perspectivas trazida pela solução da terceira antinomia da Crítica da
razão pura, Kant poderá argumentar que o elemento característico do homem não
reside na pura determinação, através da qual ele não se distingue de todos os
fenômenos (e de que irá tratar a antropologia em sentido fisiológico). No que possui
de próprio, o homem só admite um discurso reflexionante, cujo princípio, examinado
na Crítica do Juízo, torna possível os enunciados dos opúsculos sobre a história e
da antropologia pragmática. Em suma: para Kant, ao que tudo indica, a diferença
entre natureza da razão e razão humana não conduz à investigação da essência do
homem, mas ao recenseamento das condições de possibilidade do conhecimento da
experiência e do juízo moral e, por fim, ao exame da passagem da liberdade à
Se tal orientação corrobora a avaliação de Lebrun e de Foucault acerca da
singularidade do Menschenkenntnis kantiano em relação àqueles herdeiros da
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heurísticos.
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natureza nos termos de uma filosofia da história capaz unicamente de juízos
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revolução copernicana que, por própria conta e sem a licença de Kant (LEBRUN,
1993, p. 691) irão assimilar o empírico e o transcendental, convém, todavia,
assinalar que nem por isso visamos, nesse texto, os mesmos fins da análise
arqueológica. Simplesmente nosso objetivo de fundo foi diverso. Ao invés de
promover o acerto de contas com a fenomenologia, gostaríamos apenas de terminar
sugerindo a seguinte hipótese de trabalho. Caso seja correto retroceder da Crítica
do Juízo, dos textos sobre a história e da antropologia à interdição da metafísica
especial na 1a Crítica, comentando, com base nisso, os deslocamentos internos da
trajetória de Kant, a questão a examinar reside em determinar até que ponto o
Menschenkenntnis não representa a secularização da ideia teológica de finalidade.
Apenas através da resposta a essa suspeita estaremos aptos a avaliar se,
exatamente por ser não comportar qualquer correspondência positiva, o homem
evocado pelo kantismo não enseja um discurso crítico por definição aporético,
parasitário de um movimento no qual toda determinação é objeto de uma reflexão
ulterior que a cogita em um plano cujo sentido é a um só tempo essencial e
irrealizável ao sujeito.
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CARÁTER INTELIGÍVEL E CARÁTER EMPÍRICO NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA
Aguinaldo Pavão
Depto de Filosofia – UEL
Minha intenção nesse texto é discutir como Kant concebe ou conceberia na Primeira
Crítica a imputabilidade moral, levando em consideração a distinção entre caráter
inteligível e caráter empírico. Para tanto, dividirei minha exposição em três partes.
Primeiro, procuro reconstruir a distinção entre caráter inteligível e caráter empírico e
entender o papel que tal distinção desempenha na argumentação de Kant. Em
seguida, busco esclarecer como é possível, tendo como base tal distinção,
entendermos a responsabilidade moral das ações. Nesta altura, discuto e critico a
interpretação oferecida por Schopenhauer à noção kantiana de caráter inteligível.
Tentarei mostrar que Schopenhauer erra ao pensar que o caráter inteligível é o ―ser‖
do homem, ou seja, algo que teríamos assumido por uma espécie de escolha única,
a qual determinaria para sempre o agir humano. Depois, discutirei o famoso exemplo
da mentira maldosa. Este exemplo impõe a necessidade de se pensar sobre a
existência de uma linha demarcatória entre ações livres e não livres. Não obstante a
falta de clareza do texto kantiano, defenderei a possibilidade de traçarmos as
fronteiras do imputável e do inimputável. Com efeito, não agride o espírito do texto
de Kant pensarmos que determinadas condições empíricas, como a primeira
infância e a loucura, não reclamam uma compreensão a partir da noção de caráter
inteligível.
Na III parte do capítulo II do livro segundo da Dialética Transcendental, denominado
―Solução das ideias cosmológicas da totalidade da divisão dos eventos a partir das
atribui ambos ao mesmo sujeito agente. Kant argumenta que, para um sujeito
1
dotado de uma causalidade livre, tem de se atribuir um ―caráter inteligível‖, que é o
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suas causas‖, Kant expõe a distinção entre caráter empírico e caráter inteligível e
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caráter de uma causalidade por liberdade1, visto que os efeitos (ações) deste sujeito,
conquanto repercutam no mundo dos sentidos, possuem causas que independem
de qualquer condição empírica. Contudo, este mesmo sujeito, como membro do
mundo dos sentidos, possui um caráter empírico e suas ações têm de ser
consideradas na interconexão necessária dos fenômenos conforme a causalidade
natural.
Esse argumento parece ser um tanto obscuro e realça as dificuldades da resolução
da terceira antinomia. Como é possível a atribuição ao mesmo sujeito de um duplo
caráter? Como compreender que uma mesma ação, como fenômeno, seja tanto o
resultado de determinações causais naturais como o efeito de uma causalidade
inteligível, independente de qualquer condição temporal?
Com relação a estas questões, a resposta kantiana parece se dirigir para uma
necessária dupla consideração do sujeito agente, à medida que o ser humano é
compreendido como algo radicalmente distinto do resto da natureza. Diz Kant:
Exclusivamente o homem que de outra maneira conhece toda a
natureza somente através dos sentidos, se conhece a si mesmo
mediante uma pura apercepção ... para si mesmo, ele certamente é, de
uma parte fenômeno, mas de outra, ou seja no que se refere a certas
faculdades um objeto puramente inteligível porque a sua ação de modo
algum pode ser computada na receptividade da sensibilidade.
Denominamos estas faculdades de entendimento e razão (CRP, B 574575)2.
2
Ver também em: Fundamentação da Metafísica dos Costumes BA 108 e
Tugendlehre, § 3 Ak 418.
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A liberdade, como causa eficiente, tem um caráter. E caráter, conforme Kant define, é uma lei da
causalidade da causa eficiente. (Cf. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo
Baldur Moosburguer. São Paulo, Abril Cultural, 1980. p. 274, B 567 / Kritik der reinen Vernunft.
Werkausgabe III/IV. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991 - Doravante CRP). Sobre a
variação do significado de ―caráter‖ (Charakter) em Kant, veja nota 11).
2
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Ora, o idealismo transcendental, conforme assinala corretamente Henry E. Allison1,
considera o espaço, tempo e as categorias do entendimento como condições
epistêmicas e não ontológicas, abrindo-se , assim, um ―conceptual space‖ para o
pensamento de objetos não empíricos, dentre os quais estão os agentes humanos
como agentes racionais, que podem ser considerados como coisas em si mesmas.
Dessa forma, os seres humanos podem atribuir-se a si mesmos um caráter
inteligível, já que as condições epistêmicas mencionadas não representam a
propriedade de todas as coisas em geral.
Pode-se dizer que Kant pretende, com a dupla maneira de consideração do sujeito
agente, destacar que o determinismo causal natural é o ponto de vista legítimo e
necessário para a explicação das ações humanas, dada a condição destas de
eventos empíricos e de produtos de seres sensíveis como são os seres humanos.
Todos os eventos empíricos caem dentro das condições espaço-temporais e
categoriais, unicamente mediante as quais nós podemos conhecê-los. Ora, sendo as
ações humanas eventos empíricos, é forçoso que as consideremos dentro dos
quadros epistêmicos apresentados por Kant na Estética e na Analítica.
Se o determinismo causal natural é o ponto de vista legítimo e necessário para a
explicação de todos os eventos empíricos, nos quais se incluem as ações humanas,
parece não haver razões para que tal ponto de vista impeça compreensões
alternativas caso estas não levantem as mesmas pretensões que aquela assegura
para si com exclusividade. Ora, as ações humanas, dada a singularidade dos seres
humanos, seres dotados de razão e entendimento (sobretudo de razão), requerem
um outro ponto de vista possível, um ponto de vista que seja capaz de justificar
Cf. Kant‟s Theory of Freedom, p. 44.
I. KANT. CRP B 577-578: ―Todas as ações do homem no fenômeno estão determinadas segundo a
ordem da natureza, por seu caráter empírico... Mas se ponderarmos justamente estas mesmas ações
com relação à razão, e não à especulativa a fim de explicar aquelas segundo a sua origem, mas
2
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praticamente as ações2. Assim, se faz necessário considerar o caráter empírico do
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sujeito agente como uma sinalização sensível, por meio das ações, de seu caráter
inteligível como causas destes enquanto fenômenos (CRP, B 567 e B 574).
II
Todavia, uma questão aqui parece se impor. Dada a ―natureza‖ numênica da
liberdade e supondo, como é razoável supor, que nem todas as ações são livres,
como podemos nos certificar que determinadas ações, isto é, certos eventos
empíricos, expressem a presença ou a ausência da liberdade? Trata-se de saber
como podemos imputar moralmente - ato que pressupõe a atribuição de liberdade
ao agente - se o caráter inteligível do ser humano, unicamente mediante o qual nós
podemos considerá-lo livre, nos é inacessível? Diz Kant:
... a moralidade própria das ações (mérito e culpa), mesmo a de nosso próprio
comportamento, permanece-nos totalmente oculta. As nossas responsabilidades só
podem ser referidas ao caráter empírico. Mas quanto disto se deve imputar ao efeito
puro da liberdade, quanto à simples natureza e quanto ao defeito de temperamento
do qual não se é culpado, ou à natureza feliz (merito fortunae) do mesmo, eis algo
que ninguém pode perscrutar e consequentemente, também não julgar (richten) com
toda a justiça (CRP, B 579, nota).
Dessa citação interessa-me reter dois pontos. Um conduz novamente à questão
sobre a responsabilidade de nossas ações, pois, uma vez que não sabemos se as
ações são efeito da liberdade ou da natureza, convém entender como é possível
ainda falar em imputabilidade moral. O segundo ponto consiste na necessidade de
compreender o que Kant quer significar com a frase ―As nossas responsabilidades
exclusivamente na medida em que a razão é a causa de sua produção, numa palavra, se
compararmos estas ações com a razão tendo em vista um propósito prático, então encontraremos
uma regra ou uma ordem que são totalmente diversas da ordem da natureza‖ (grifos de Kant).
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só podem ser referidas ao caráter empírico‖. Tomo inicialmente a segunda questão.
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Parece-me que o que Kant quer dizer com a frase acima é que as
responsabilizações que fazemos partem do caráter empírico do agente - pois nesta
esfera é que nos deparamos com ações, ―sinais sensíveis‖, que julgamos dignas de
louvor ou de censura -, mas são referidas (atribuídas) ao caráter inteligível, uma vez
que é em referência a esta ―lei da causalidade‖ que estamos autorizados a imputar.
Na discussão do exemplo da mentira maldosa (que veremos na sequencia), a
atribuição de responsabilidade será dirigida ao caráter inteligível do homem. Diz
Kant: ―A ação é atribuída ao caráter inteligível do homem e agora, no momento em
que mente, ele é totalmente culpado‖ (CRP, B 583). Pode-se, pois, dizer que a
afirmação:
As nossas responsabilidades, ainda que só possam ser referidas ao caráter empírico,
têm de ser, contudo, atribuídas/imputadas ao caráter inteligível
expressaria corretamente a relação que caráter empírico e inteligível mantém com
os juízos de imputabilidade. Assim, embora aparentemente possa ser considerada
ambígua a frase ―As nossas responsabilidades só podem ser referidas ao caráter
empírico‖ - seria ambígua porque a frase ―as nossas responsabilidades só podem
ser atribuídas ao caráter empírico‖, devido à proximidade semântica de ―referir‖ e
―atribuir‖, pode ser considerada sinônimo daquela, ou ainda a frase ―as nossas
responsabilidades só podem ser referidas ao caráter inteligível‖ pode ser válida
desde que ponderado o sentido de ―referir‖ - ela se mantém coerentemente ao lado
da atribuição das ações ao caráter inteligível.
Na linha dessas reflexões, alguém poderia interpretar Kant como o fez
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Schopenhauer, dizendo que ―a responsabilidade moral do homem refere-se, em
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II.1
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primeiro lugar e ostensivamente, àquilo que ele faz, mas no fundamento, àquilo que
ele é‖1. Ora, aquilo que o homem faz, sendo para nós acessível pela experiência, é
expressão do seu caráter empírico. Assim, o operari humano, sujeito à lei da
natureza, é o alvo inicialmente visado por nossos juízos de imputabilidade - poderse-ia dizer que é nesse sentido que ―as nossas responsabilidades só podem ser
referidas ao caráter empírico‖. Porém, de acordo com a leitura de Schopenhauer, a
incidência precisa de um juízo de imputabilidade deve recair sobre o que o homem
é, ou seja, sobre o que o homem pode ser de acordo com a sua essência. Ora, se o
caráter inteligível, ―presente (...) em todos os atos do indivíduo e impresso em todos
eles, como o carimbo em mil selos (...) determina o caráter empírico deste fenômeno
[as ações exteriorizadas pela lei da causalidade - AP] que se manifesta no tempo e
na sucessão dos atos‖2, então deve ser a ele propriamente imputada a ação
humana. Assim, Schopenhauer poderia compatibilizar facilmente as duas frases de
Kant acima consideradas, afirmando: ―as nossas responsabilidades só podem ser
referidas ao operari mas têm de ser atribuídas ao esse‖.
A questão está em que, para Schopenhauer, a conclusão que se segue a partir
disso é que a liberdade não pode mais ser entendida como um poder que o agente
possui de agir de outro modo. O meu agir é determinado necessariamente, seja do
ponto de vista exterior por motivos (isto é, uma espécie de causalidade empírica),
seja do ponto de vista interno pelo caráter inteligível. Como a liberdade só pertence
ao caráter inteligível, e o caráter inteligível apenas diz respeito ao “esse” e não ao
“operari”, ela só pode ser entendida como um poder de ser de outro modo, ou
melhor, um poder que homem possui de ter sido outro.3
A. SCHOPENHAUER. Sobre o fundamento da moral, p. 92.
Cf. Sobre o fundamento da moral, p. 91. Sobre a ―interpretação‖ de Schopenhauer acerca da
distinção kantiana entre caráter inteligível e caráter empírico, veja também O Mundo como Vontade e
Representação II, § 20, p. 142, § 28, p. 203-207, IV, § 55, p. 379-385 e Essai sur le libre arbitre, p.
117ss., e p. 191-195.
3
Sobre o fundamento da moral, p. 91: ―... tudo o que [o homem] faz acontece necessariamente. Mas
no seu ‗esse‘, aí está a liberdade. Ele poderia ter sido outro: e naquilo que ele é estão culpa e mérito‖.
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Ora, essa limitação da liberdade a uma escolha, mediante um ato inteligível, do
nosso ser parece chocar-se com o pensamento de Kant. De fato, Kant afirma que a
―ação (Handlung) é atribuída ao caráter inteligível do homem‖ e, na sequencia,
parece tornar-se mais difícil o acordo com Schopenhauer quando lemos: ―e agora,
no momento em que mente, ele é totalmente culpado; portanto, desconsiderando
todas as condições empíricas do ato, a razão era integralmente livre, e a mentira é
de todo imputável à sua omissão‖ (CRP B 583). Para o meu interesse nessa
discussão importa sublinhar, nessa passagem, as partes ―no momento em que ele
mente‖ e ―a razão era inteiramente livre‖. Parece ser clara a sugestão de Kant de
que a ação particular (no exemplo, a mentira maldosa) resultou de uma razão que
era livre para mentir ou não mentir.1
No parágrafo seguinte ao da citação acima, Kant argumenta que a razão, embora
estando presente e sendo ―sempre a mesma em todas as ações do homem em
todas as circunstâncias temporais‖, não é, contudo, ―no tempo nem atinge um novo
estado no qual não estava‖2, uma vez que, em relação a este novo estado, ―ela é
determinante, mas não determinável‖. Assim sendo, não cabe perguntar por que a
razão não se determinou de outro modo. Poder-se-ia indagar por que a razão
―mediante a sua causalidade (...) não determinou diversamente os fenômenos‖.
Porém, em relação a isto, ―qualquer resposta é impossível. Com efeito, um outro
caráter inteligível teria dado um outro caráter empírico‖ (CRP B 584). Se esta última
frase de Kant é isolada, pode-se tomá-la como significando que se um homem que
mente maldosamente tivesse um outro caráter moral, isto é, tivesse um outro ―sinal
distintivo ... enquanto ser racional dotado de liberdade"3 que comportasse princípios
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Na Crítica da Razão Prática Kant afirma que ―satisfazer ao mandamento categórico da moralidade
está em poder de cada um em todo tempo‖ (A 64).
2
Veja nota anterior.
3
I. KANT. Anthropologie du point de vue pragmatique, p. 135. É digna de registro a mudança de
sentido que o termo ―caráter‖ (Charakter) sofre no pensamento de Kant. Se na Crítica da Razão Pura,
como vemos, caráter é a ―lei da causalidade‖, na Fundamentação da Metafísica dos Costumes,
embora sem definição clara, o termo já é tomado em outro sentido (por exemplo; seção I, §§ 1 e 11,
onde Kant o contrasta com o temperamento, sugerindo, no § 1, que caráter seria o modo como a
vontade usa os talentos do espírito, as qualidades do temperamento e os dons da fortuna). Na
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práticos proibitivos do mentir, teria então um caráter empírico, isto é, um
comportamento diverso, sempre dizendo a verdade. Embora isso até possa ser
considerado verdadeiro, o que Kant quer dizer é que um outro caráter inteligível
daria um outro caráter empírico porque de uma outra lei da causalidade nãoempírica resultaria, como efeito, um outro fenômeno. Schopenhauer interpreta a
frase em pauta no primeiro sentido com a agravante de compreender o caráter
inteligível como caráter moral imutável (no sentido antropológico)1.
No entanto, Schopenhauer poderia resistir a essa leitura. A base textual mais forte
contra a sua tese parece estar em outro lugar, a saber, na seguinte advertência de
Kant:
Mas porque o caráter inteligível resulta nas circunstâncias existentes, exatamente
nestes fenômenos e neste caráter empírico é uma questão que ultrapassa tão de
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Antropologia de um ponto de vista pragmático, o caráter é a ―propriedade da vontade pela qual o
próprio sujeito se liga a princípios práticos determinados que são indefectivamente prescritos por si
mesmo através de sua própria razão‖ (p. 139-140 da edição francesa citada). Segundo H. Allison, a
ênfase no sentido antropológico de caráter, que ao seu ver surge implicitamente a partir da segunda
Crítica, marca uma mudança que deve ser entendida como ―concomitantes às mudanças na teoria
moral de Kant produzidas pela introdução do princípio da autonomia‖ (Kant‟s Theory of Freedom, p.
140).
1
Cf. A. SCHOPENHAUER. Sobre o Fundamento da Moral, p. 89. Segundo o ponto de vista de V.
Delbos (Op. Cit., 365-367), Schopenhauer retém o substancialismo ―plus ou moins explicite‖ da teoria
kantiana do caráter inteligível. Este substancialismo se verificaria na consideração de que a ação
resultaria de uma ―determination essencialle de la chose en soi comme chose‖ (p.367). Para Delbos,
Kant se inclinaria, na Crítica da Razão Prática a eliminar este pendor substancialista , tomando como
origem do caráter uma ação intemporal em sua relação direta com a lei moral‖ (Ibid.). De acordo com
Henry E Allison, o contraste entre caráter inteligível e empírico na Crítica da Razão Pura não tem
sentido psicológico ou antropológico, mas sim a função de distinguir os modos de operar da
causalidade, na medida em que esta pode ser duplamente considerada como causalidade empírica e
inteligível (Cf. HENRY ALLISON. ―Entre la cosmología y la autonomía: La teoría kantiana de la
libertad en la Crítica de la razón pura‖. p.484-485). H. Allison assinala que Kant também aplica a
distinção entre caráter empírico e inteligível ao agente causal, isto é, o sujeito da causalidade, porém,
segundo ele, ―não há indicação, ao menos na exposição inicial, de que este sujeito se deva conceber
em termos psicológicos, i.é, como pessoa‖ (p.485). Não obstante, Kant, ao afirmar que é pelo caráter
empírico ―que podemos considerar o homem quando simplesmente o observamos e quando, tal qual
ocorre na Antropologia, pretendemos investigar fisiologicamente as causas de suas ações‖ (CRP B
578) parece sugerir uma aproximação de sentido entre a lei da causalidade empírica e caráter
antropologicamente considerado.
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longe a faculdade de nossa razão para responder, e até todo o direito de ela sequer
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perguntar, como se se indagasse porque o objeto transcendental de nossa intuição
sensível externa só dá uma intuição no espaço e não em qualquer outro tipo de
intuição (CRP B 585).
Assim, quando se quer defender a tese de que o caráter inteligível, entendido como
o “esse” do homem, se está tentando sustentar, senão exatamente o porquê de o
caráter inteligível resultar num determinado caráter empírico (teria de se responder
porque o homem é o que é), algo que ultrapassa os limites legítimos do poder de
nossa razão para responder. Afirmar que Kant, com a distinção entre caráter
empírico e inteligível, nos retirou ―do erro fundamental que deslocava a necessidade
para o ‗esse‘ e a liberdade para o ‗operari‘1 e nos fez perceber que a relação é
inversa, isto é, “operari sequitur esse”, é supor-se autorizado a perscrutar o
imperscrutável. Na verdade, Kant, ao distinguir caráter empírico do caráter inteligível,
nos retirou do seguinte erro fundamental: considerar o operari como o faz
Schopenhauer, ou seja, como suscetível de uma única leitura, não sendo possível
de ser considerado senão sob o ponto de vista da causalidade natural.
Deve-se notar, ainda, que o não ter direito de indagar sobre por que o caráter
inteligível resulta num determinado caráter empírico está vinculado à não
autorização de perguntar sobre de onde surge a ação livre e quando ela é iniciada.
De fato, visto que condições espaço-temporais só podem ser referidas ao caráter
empírico, a causalidade livre da razão ―em seu caráter inteligível não surge, nem
começa por volta de um certo tempo a fim de produzir um efeito. Pois, do contrário
ela mesma ficaria submetida a lei natural dos fenômenos‖ (CRP B 579-580)2.
1
A. SCHOPENHAUER. Sobre o fundamento da moral, p. 92.
Na Religião, Kant apresenta uma distinção que tem uma incidência esclarecedora neste ponto.
Trata-se da distinção do conceito de ―Origem primeira‖ - Ursprung (der erste) , que significa ―a
derivação de um efeito da sua primeira causa, i.é, daquela que, por seu turno, não é efeito de outra
causa da mesma espécie (p.45) . Esta pode se distinguir em ―origem racional‖ e ―origem temporal‖. A
―origem racional‖ toma ―em conta apenas a existência do efeito‖, ja a ―origem temporal‖ ―o acontecer
do mesmo, por conseguinte, o efeito como ocorrência é referido a uma a uma causa no tempo. Se o
efeito é referido a uma causa que a ele está ligada segundo leis da liberdade ... então a determinação
do arbítrio à sua produção é pensada ... como ligada ... somente na representação da razão, e não
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Voltemos a questão sobre a responsabilidade de nossas ações. Somente pode
haver imputabilidade (Zurechnungskeit) onde há liberdade. Ora, se não há
condições de saber (kennen) da existência ou não da liberdade, temos de enfrentar
a seguinte dificuldade: ou nós abdicamos qualquer juízo de imputabilidade ou
expomo-nos ao risco da injustiça nos julgamentos que fazemos. Pareceria que o não
poder ―julgar com toda a justiça‖ neste caso significaria não poder julgar com
nenhuma justiça, visto que sugeriria um julgamento cego. Nesta perspectiva, diz
Jonathan Bennett, comentando a citação de Kant em pauta:
Dizer que não se pode ‗julgar com plena justiça‘ é pouco. De fato, não temos a menor
base para crer que qualquer juízo de imputabilidade tenha a mínima justiça (...).
Visando apoiar a noção ordinária de responsabilidade moral, a teoria de Kant a
aniquila1.
Convém, tendo presente tais questionamentos e leituras, retornar à Crítica da Razão
Pura na busca de uma possível resposta de Kant, seja explícita ou não, ao problema
levantado. Examinando bem a nota da CRP B 579, talvez se consiga dissipar um
pouco as dificuldades apresentadas. Na verdade, Kant não diz que nós não
sabemos se as ações são efeitos da liberdade ou da natureza. Kant afirma que nós
não sabemos o quanto deve ser imputado à liberdade ou à natureza2. Desse modo,
seria possível uma interpretação favorável a Kant. De fato, a afirmação de Kant não
impede totalmente o juízo moral, ela apenas restringe a sua acribia. Neste sentido,
pode-se admitir que ninguém julga com toda a justiça, o que não significa eliminar
todo o julgamento. A tese simplesmente introduziria cláusulas de reservas quanto ao
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pode ser derivada de qualquer estado precedente‖ (A Religião nos limites da simples razão, p. 45.
Portanto, a pergunta pela ―origem temporal das ações livres como tais (como se fossem efeitos da
natureza) é, pois, uma contradição‖ (p.45-46).
1
J. BENNETT. La „Crítica de la razón pura‟, 2, La Dialética. p. 223.
2
No original: ―Wie viel aber davon reine Wirkung der Freiheit, wie viel der blossen Natur ...‖ (grifei).
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seu caráter peremptório.
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III
Todavia, para se conceder validade à compreensão de Kant sobre a imputabilidade
moral na CRP deve-se cuidar ainda de um outro ponto. Tenho em mente o exemplo,
apresentado por Kant, da mentira maldosa, causadora de uma certa confusão para a
sociedade. Em primeiro lugar, segundo Kant, esta ação deve ser examinada ―quanto
às motivações a partir das quais emergiu‖ para em seguida a julgarmos ―como ela
pode ser imputada ao agente juntamente com as suas consequências‖ (CRP B 582).
A primeira questão diz respeito ao caráter empírico da ação, exigindo que
compreendamos a mentira maldosa dentro de uma série de causas que a
determinam naturalmente. Assim, encontramos como fatores determinantes uma
―educação defeituosa, [...] más companhias, [...] índole insensível à vergonha, [...]
leviandade, [...] irreflexão‖, bem como ―causas ocasionais que a tal ato deram azo‖
(CRP B 582). Tais fatores, que expressam tanto traços de caráter (sentido
antropológico) quanto determinações do ambiente, apenas explicam como a ação
ocorreu, não permitindo, portanto, julgá-la moralmente. Ora, a imputação é garantida
pelo segundo procedimento de exame. Neste procedimento, ―apesar de se crer que
a ação esteja determinada mediante tal [série de causas que determinam um efeito
natural dado - AP], nem por isso admoesta-se menos o agente‖ (CRP B 582-583).
Mas como podemos justificar uma censura a um agente se consideramos que sua
ação resulta de uma causalidade natural? Conforme Kant, esta censura está
baseada numa ―lei da razão por meio da qual se encara esta última como uma
causa que, sem levar em conta todas as condições empíricas mencionadas, poderia
e deveria determinar diversamente o comportamento do homem‖ (CRP B 583). Para
é atribuída ao caráter inteligível do homem, e agora, no momento em que mente, ele
é totalmente culpado‖ (CRP B 583).
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completa. Nesse sentido, entende-se a afirmação já referida segundo a qual ―a ação
11
Kant, ainda que adversidades empíricas se coloquem, a causalidade da razão é
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Assim sendo, a responsabilidade moral de um homem que mente maldosamente
requer um desprezo pelas condições empíricas, sejam estas internas ou externas.
Kant diz ainda, no mesmo parágrafo, que nós temos de considerar tal ato, na
perspectiva de censura do agente, de um lado, como se a série decorrida das
condições não tivesse ocorrido1 e, de outro lado, como se se tratasse de início
espontâneo, por parte do agente, de uma série de consequências. Parece um tanto
difícil aceitar que, quando se propõe a avaliar moralmente a responsabilidade ou não
de um ser humano, seja necessário desconsiderar condições empíricas passadas.
Se uma pessoa teve uma educação defeituosa, más companhias e cometeu uma
ação censurável por leviandade, parece que, nestes casos, seria plausível a
possibilidade de que esta pessoa agisse, mediante a causalidade de sua razão, de
um modo diverso. Sendo assim, nos veríamos obrigados a sustentar que tais
condições não são relevantes, visto que não determinam necessariamente a ação.
Mas tal irrelevância das condições empíricas deve resultar da avaliação que
fizermos, não de uma desconsideração prévia delas. Considere-se o caso,
mencionado por Kant, de que se verifique no agente, conjugadamente a outros
fatores, a ―malignidade de uma índole insensível à vergonha‖. Neste caso, se estaria
diante de algo que poderíamos chamar de um grave distúrbio de personalidade, fato
que tornaria insustentável qualquer expectativa de comportamento moral do agente.
A ideia de uma pessoa ―insensível à vergonha‖ parece nos conduzir à compreensão
da existência de uma falha estrutural na formação de sua consciência moral, o que
nos permitiria considerá-la moralmente incivilizada. Nesse contexto, parece intervir
uma condição empírica relevante. Assim, o agente não estaria sujeito à
imputabilidade, uma vez que a causalidade determinante não foi a causalidade da
razão (livre e de modo algum afetada pela sensibilidade), mas a causalidade natural
Para Allison, a pretensão de Kant seria a de que ―a disponibilidade de uma explicação empíricocausal de uma ação por si mesma não excluí a possibilidade de supor que o agente poderia ter agido
de outro modo e, portanto, de sustentar que o agente é responsável‖ (Kant‟s Theory of Freedom, p.
42).
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que subtrai todo juízo de responsabilização moral. Dessa forma, a argumentação de
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Kant em torno do exemplo da mentira maldosa se revela também problemática,
sobretudo em função de ele sugerir, pelo desprezo das condições empíricas, que
todas as ações humanas seriam livres1.
De qualquer forma é importante enfatizar que a pretensão de Kant é mostrar que
liberdade
e
necessidade
natural
podem,
numa
mesma
ação,
―ocorrer
independentemente uma da outra e sem interferências recíprocas‖ (CRP B 585).
Logo, o argumento principal em favor desta tese é, de fato, a distinção entre
fenômeno e númeno com a consequente abertura do já referido espaço conceitual
que nos permite pensar a possibilidade das ações humanas fora das condições
epistêmicas (espaço-temporais e categoriais). Todavia, o recurso a este espaço
conceitual, em que se justifica a compreensão das ações humanas como resultado
de uma causalidade por liberdade, isto é, numênica, deve ser validado apenas ―onde
há alguma razão para ir além da causalidade fenomênica, e estas são encontradas
apenas na volição humana‖2. Com efeito, na natureza inanimada ou meramente
animal não existem razões para o recurso a uma compreensão diferente da que nos
é oferecida pelo determinismo natural (Cf. CRP B 574). Ora, se o recurso a uma
causalidade numênica somente se justifica quando existe alguma razão para irmos
além da causalidade fenomênica, e mesmo que este apelo à causalidade numênica
só seja justificado quando se tratar de volições humanas, poder-se-ia considerar
que, nas ações humanas, tendo em vista a avaliação de responsabilidade das
mesmas, o apelo à causalidade numênica pode ser impugnado à medida que
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Esta questão é assinalada por Jonathan Bennett (Op. Cit , p. 233) e Lewis White Beck que, embora
numa perspectiva de argumentação diferente da de Bennett, afirma: ―Todos os fenômenos têm duas
dimensões de relações, uma para o fenômeno anterior, uma para o númeno. A segunda dimensão ou
relação não é o que se quer significar por liberdade num sentido interessante, porque ela é
indiscriminadamente universal. Liberdade como um predicado universal é destituída de interesse‖ (A
Commentary on Kant‟s Critique of pratical reason, p.188). Embora Beck não esteja se referindo a
universalidade indiscriminada quanto às ações humanas (o que faz Bennett), a sua ponderação ao
meu ver pode valer também nesse sentido, uma vez que o conceito de liberdade como predicado de
toda e qualquer ação humana, ao desconsiderar a possibilidade do arbítrio humano ser necessitado
patologicamente, apresenta-se com interesse reduzido, dada a sua miopia quanto às ocorrências
patológicas suscetíveis ao agir humano.
2
L. W. BECK. Commentary, p. 189.
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inexistam razões para se ir além da causalidade fenomênica. Tome-se novamente o
exemplo da mentira maldosa. É razoável supor que um tal ato resulte de certas
condições empíricas que afetam completamente (necessitariamente) a volição
humana (consideremos, mais uma vez, o fator da ―malignidade de uma índole
insensível à vergonha‖ no sentido mais forte). Assim, em casos semelhantes a este,
não existiria razão para irmos além da causalidade fenomênica. Convém que se
atente que o que está em questão aqui não é em primeiro lugar a precisão dos
exemplos, mas sim a de perceber que a liberdade não está sempre presente nas
ações humanas, não se justificando, portanto, por princípio um desprezo das
condições empíricas do agente quando visamos juízos de imputabilidade. O que se
questiona em Kant é a tese de que, independentemente de qualquer afeto, a razão é
moralmente soberana (e não que ela deva ser moralmente soberana). Ora, um
sujeito destituído do sentimento de vergonha seria um caso empírico de uma
patologia1 diante da qual a razão não teria soberania.
IV
Nesse sentido, pode-se buscar um apoio nos textos kantianos. Com efeito, Kant
considera que a primeira infância e a loucura, incluindo nesta última estados
psicológicos como uma melancolia extrema ou depressão, representam condições
empíricas que nos levam a considerar um agente como não livre2. A discriminação
de atos livres de atos não livres se deixa perceber também no texto Resposta à
pergunta: que é o Iluminismo? em que Kant fala da ―menoridade‖ de que o próprio
homem é culpado, a qual se distingue da menoridade que reside na falta de
entendimento ou que se baseia no fato da natureza não nos ter ainda ―libertado do
Bem entendido, patologia no sentido moderno (e não kantiano) do termo.
Cf. I. KANT. Metaphisik L., edição da Academia, vol, XXVIII, p. 254-257, citado por H. Allison, Kant‟s
Theory of Freedom, p. 59 e 74.
3
I. KANT. ―Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?‖, p. 11.
2
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controle alheio‖3. A menoridade imputável é a menoridade a qual o Iluminismo
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(Aufklärung) empenha-se na crítica, responsabilizando o homem que não saiu deste
estado precisamente em função de que o mesmo poderia não mais continuar menor,
ou
seja,
responsabiliza-se
uma
menoridade
que
resulta
da
liberdade.
Contrastivamente a esse caso de menoridade imputável, temos uma menoridade
não imputável, isto é, atos de menoridade não livres, empiricamente destacados, e,
assim, insuscetíveis de responsabilização (menoridade no sentido comum, relativo à
infância, e uma menoridade por alguma deficiência do entendimento). Ainda, na
Crítica da Faculdade do Juízo, vemos Kant, ao distinguir afetos (Affekten) de
paixões (Leidenschaften)1,, sinalizar a possibilidade de um impedimento empírico da
liberdade2, ao afirmar que as paixões ―são inclinações que dificultam ou tornam
impossível toda determinabilidade do arbítrio por princípios‖3. Logo, as paixões
podem limitar e inclusive suprimir a liberdade4.
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Diz Kant: ―Afetos são especificamente distintos de paixões. Aqueles referem-se meramente ao
sentimento; estas pertencem à faculdade de apetição e são inclinações que dificultam ou tornam
impossível toda determinabilidade do arbítrio (Willkür) por princípios. Aqueles são impetuosos e
impremeditados; estas, duradoras e refletidas‖ (Crítica da Faculdade do Juízo. B 121, nota 128). O
exemplo fornecido por Kant nesta nota é o da indignação (Unwille) que, sendo um afeto, é cólera
(Zorn) e, sendo paixão, é ódio (Hass), sede de vingança. Na Tugendlehre Kant também apresenta
esta distinção. O exemplo é o mesmo. A cólera ou ira, como sentimento repentino e brusco, é uma
propensão a um afeto. O ódio - inclinação permanente - é uma paixão. A diferença está nas
definições. Os afectos ―pertencem ao sentimento, na medida em que este, precedendo à reflexão
(Überlegung), a impossibilita ou a dificulta‖ (Ak 407). A paixão ―é o apetite sensível convertido em
inclinação permanente‖ (Ak 408). Assim, temos ao lado da já conhecida vítima da paixão ( o arbítrio),
a vítima do afeto (a reflexão, ou raciocínio). A questão que se coloca, num caso extremo, é até que
ponto pode arbítrio se determinar livremente considerando-se a impossibilidade da reflexão? Por
certo, isso dificulta somente o que é uma tese mais moderada de Kant.
2
Referência no mesmo sentido à Crítica da Faculdade do Juízo é feita por Henry Allison, Kant‟s
Theory of Freedom, 260, n.12.
3
Cf. nota 35.
4
Também nas Lecciones de Ética (De Imputatione): "Podemos atribuir algo a uma pessoa sem
chegar a imputar-lhe; por exemplo, podemos atribuir suas ações a um louco ou a um ébrio, mas não
imputar-lhes. Na imputação, a ação tem de ter sua origem na liberdade. Certamente, não se podem
imputar suas ações ao ébrio, senão à própria embriaguez" (p.97; veja também p. 101). A referência
ao ébrio lembra Aristóteles: "O homem embriagado ou enfurecido age na ignorância, mas não por
ignorância, sendo portanto responsável" (Ética a Nicômaco, III, 1, 1110 b25ss.). Aristóteles também
afirma que "sucede até que um homem seja punido pela sua própria ignorância quando o julgam
responsável por ela, como no caso das penas dobradas para os ébrios; pois o princípio motor está no
próprio indivíduo, visto que ele tinha o poder de não se embriagar, e o fato de se haver embriagado
foi causa de sua ignorância" (EN, III, 5, 1113 b30ss).
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Assim sendo, pode-se retornar com outros olhos à afirmação de Kant segundo a
qual a ação do homem "de modo algum pode ser computada na receptividade da
sensibilidade" (CRP B 575). Ao que parece, certas ações podem ser computadas na
receptividade da sensibilidade, demarcando-se assim alguma fronteira entre o
imputável e o não imputável, entre as ações livres e as não livres.
Bibliografia
1. ALLISON, Henry E. ―Entre la cosmología y la autonomía: La teoría kantiana de la
libertad en la Crítica de la razón pura‖. In: El idealismo transcendental de Kant:
una interpretación y defensa. Tradução de Dulce Granja Castro. Barcelona,
Anthropos; México, Universidad Autónoma Metropolitana. Iztapalpa, 1992.
2. ALLISON, Henry E. Kant‟s theory of freedom. New York, Cambridge University
Press, 1990.
3. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd
Bornheim. São Paulo, Nova Cultural, 1987.
4. BECK, Lewis White. A Commentary on Kant‟s Critique of pratical reason. Chicago:
The University of Chicago Press, 1966
5. BENNETT.Jonathan. La „Crítica de la razón pura‟, 2, La Dialética. Madrid, Alianza
Editorial, 1981.
6. DELBOS, Victor. La philosophie pratique de Kant. Paris, PUF, 1969.
7. 13. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuela Pinto dos
Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1994.
8. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo
Baldur Moosburguer. São Paulo, Abril Cultural, 1980.
9. KANT, Immanuel. Kritik der reinen Vernunft. Werkausgabe III/IV. Ed. W.
Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991.
10. KANT, Immanuel. ―Resposta à pergunta: que é o iluminismo?‖. In: A Paz
perpétua e outros opúsculos. Tradução de Artur Morão. Lisboa, Ed. 70.
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Página
12. KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de
Paulo Quintela. São Paulo, Abril Cultural, 1980.
16
11. KANT, Immanuel. Lecciones de Ética. Tradução de Roberto Rodriguez Aramayo
e Concha Roldan Panadero. Barcelona. Crítica, 1988.
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13. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Tradução de Artur Morão. Lisboa,
Ed. 70, 1986.
14. KANT, Immanuel. Kritik der praktischen Vernunft. Werkausgabe VII. Ed. W.
Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991.
15. KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Tradução de Valério Rohden e
Antonio Marques. Rio de Janeiro, Forense, 1993.
16. KANT, Immanuel. Kritik der Urteilskraft. Werkausgabe X. Ed. W. Weischedel.
Frankfurt, Surkamp, 1991.
17. KANT, Immanuel. A Religião nos limites da simples razão. Tradução de Artur
Morão. Lisboa, Ed. 70, 1992.
18. KANT, Immanuel. Die Religion innerhalb der Grenzen der blossen Vernunft.
Werkausgabe VIII. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991.
19. KANT, Immanuel. La Metafísica de las Costumbres. Tradução de Adela Cortina
Orts e Jesus Conill Sancho. Madrid, Tecnos, 1994.
20. KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten. Werkausgabe VIII. Ed. W.
Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991.
21. KANT, Immanuel. Anthropologie du point de vue pragmatique. Tradução de
Michel Foucault, Paris, J. Vrin, 1964.
22. SCHOPENHAUER, Artur. O mundo como vontade e representação. Tradução de
M. Filosofia Sá Correia. Porto: Rés, s/d.
23. SCHOPENHAUER, Artur. Sobre o fundamento da moral. Tradução de Maria
Lúcia Cacciola. São Paulo, Marins Fontes, 1995.
Página
17
24. SCHOPENHAUER, Artur. Essai sur le libre arbitre. 13a. ed. Tradução de
Salomon Reinhach. Paris: Fálix Alcan, 1925.
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SOBRE O ESPECULATIVO EM KANT, OU DO RECONHECIMENTO DE UMA
REGIÃO INTERMEDIÁRIA ENTRE O EMPÍRICO E O TRANSCENDENTAL
Manuel Moreira da Silva
DEFIL – UNICENTRO/PR
1. Considerações preliminares
O presente trabalho visa explicitar em que sentido Hegel retoma e desenvolve o que
para ele consiste no ponto o mais interessante do Sistema kantiano1 e em que
medida o fundador do Idealismo especulativo se apresenta como um legítimo
intérprete deste; vale dizer, como o herdeiro que leva a termo o projeto de seu
antecessor, não só pacificando províncias reciprocamente hostis, mas também
assumindo e mantendo de cada uma e para cada uma seus limites e seu alcance,
i.é, sua jurisdição, no contexto de uma nova ordem do Saber. Essa cuja
consolidação, em 1812, quando o tempo de sua fermentação parecia haver se
dissipado, ainda não se mostrava aos olhos de Hegel plenamente consumada;
sendo esta, portanto, a pretensão do filósofo: transformar em ciência o princípio
desta nova ordem do Saber, o qual embora já adquirido e afirmado desde
aproximadamente
1787,
permanecia
até
então
em
sua
intensidade
não-
2
desenvolvida – e isso justamente pelo fato da completa mudança que o modo de
pensar filosófico sofrera neste período de tempo não ter tido ainda influxo sobre a
configuração da Lógica.3 Neste caso, de modo mais rigoroso, da Lógica entendida
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Ver, G. W. F. HEGEL, Glauben und Wissen (1802), in: G. W. F. HEGEL, Jenaer Schriften (18011807). Auf der Grundlage der Werke von 1832-1845 neu edierte Ausgabe. Redaktion Eva
Moldenhauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970 [TWA 2], p. 322 (= GW,
TWA 2, p. 322).
2
Ver, G. W. F. HEGEL, Wissenschaft der Logik, I. Auf der Grundlage der Werke von 1832-1845 neu
edierte Ausgabe. Redaktion Eva Moldenhauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp,
1970 [TWA 5], p. 16 (= WdL I, TWA 5, p. 16). Quando for o caso, seguiremos este mesmo
procedimento também para a Wissenschaft der Logik, II [TWA 6].
3
WdL I, TWA 5, p. 13.
1
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como a verdadeira Metafísica ou a Filosofia especulativa pura;1 para o que se
deveria levar em conta a sistematização expandida do princípio anterior, tarefa essa
em relação à qual, nas palavras de Hegel, o princípio presente – quando ainda em
fermentação – costuma comportar-se com fanática hostilidade.2
Trata-se, pois, em certo sentido, de um balanço histórico-crítico e de uma
reconsideração sistemático-especulativa das linhas de força que, ao mesmo tempo,
entre a segunda edição da Kritik der reinen Vernunft (1787) e a primeira edição da
Wissenschaft der Logik (1812), mas que já se apresentam de modo programático
em 1802, mais precisamente em Glauben und Wissen, unem e separam o Idealismo
crítico e o Idealismo absoluto. Linhas de força essas que, nos limites da filosofia
kantiana interpretada de modo não meramente exotérico, emergem de pontos
nodais perfeitamente determinados, os quais se mostram passíveis de constatação
e verificação segundo o espírito e a letra do Idealismo crítico ele mesmo em seu
desenvolvimento imanente – portanto, sem fazer-lhe violência, mas nele discernindo
as linhas de força que, rigorosamente determinadas, o conduzem para a
suprassunção daquilo que nele se opõe. Neste sentido, por ‗interpretação não
meramente exotérica‘ entende-se aqui aquela que não se fixa no aspecto popular da
doutrina kantiana, este segundo o qual o Entendimento não pode pura e
simplesmente ir além da experiência sensível,3 mas busca compreender em que
sentido, por exemplo, a exigência de uma mediação entre Natureza e Liberdade no
Idealismo crítico, não pode dispensar o Entendimento, tendo antes que já nele
pressupor um caráter ativo e, por isso, apreender a espontaneidade do mesmo nos
quadros de um Entendimento intuitivo que, independente do fato de nós mesmos
(enquanto simples representação) não possuí-lo, se impõe como princípio de nossas
representações, juízos e de nós mesmos (ou do Eu como simples representação),
1
WdL I, TWA 5, p. 16.
WdL I, TWA 5, p. 15.
3
Esse o de boa parte dos kantianos, anti-kantianos e pós-kantianos imediatos, uma lista
razoavelmente longa de filósofos mais ou menos influentes cujos nomes mais proeminentes neste
período seriam Reinhold, Jacobi, Bardili, Fries, Herbart, etc., aos quais Hegel alude em WdL, I, TWA
5, p. 13ss, p. 45ss.
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assim como produz o múltiplo da sensibilidade, na medida em que se produz a si
mesmo sob a forma de Autoconsciência.1 O que, enfim, se deixa pelo menos
entrever em algumas das mais importantes obras de Kant, das quais, de modo mais
privilegiado, em Glauben und Wissen, Hegel irá tomar em questão apenas a Kritik
der reinen Vernunft e a Kritik der Urteilskraft; razão pela qual, no presente trabalho,
discutir-se apenas o que se impõe a partir da consideração hegeliana delineada na
obra juvenil de 1802, acima referida.
Assim, nossa discussão versará sobre o problema a um tempo ontológico e
epistemológico da relação do Transcendental e do Empírico em Kant e sua
resolução hegeliana mediante a instauração do Especulativo, este reconhecido
como aquela região intermediária entre o Empírico e o Transcendental de certo
modo antevista por Kant.2 Desse modo, procuraremos mostrar o que há de
especifico na exposição kantiana e na exposição hegeliana dessa região – a
primeira constituindo-se como transcendental e a segunda como especulativa, essas
cujas diferenças tornar-se-ão cada vez mais claras em função do desenvolvimento
de seus respectivos pontos de vista acerca de tal região ou do Especulativo
propriamente dito. Em vista disso, ao contrário da interpretação tradicional, tanto das
instâncias kantianas, quanto das hegelianas, a tematização aqui levada a cabo parte
da constatação que o Transcendental e o Especulativo: (1) embora inicialmente se
identifiquem, não constituem uma e a mesma coisa, não podendo, pois, o
Especulativo constituir-se como uma espécie de radicalização ou de dialetização do
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Sobre este ponto já então desenvolvido na obra madura de Hegel, veja-se: G. W. F. HEGEL,
Encyklopädie der philosophischen Wissenschaften im Grundrisse. Erster Teil. Die Wissenschaft der
Logik. Mit den mündlichen Zusätzen. Auf der Grundlage der Werke von 1832-1845 neu edierte
Ausgabe. Redaktion Eva Moldenhauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970
[TWA 8], p. 71ss. Versão brasileira: Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio (1830). I. A
Ciência da Lógica. Trad. Paulo Meneses e Pe. José Machado, São Paulo: Loyola, 1995, p. 69ss.
Texto citado, de ora avante e sempre que possível, pela inicial ‗E‘, seguida de ‗1830‘, para o ano de
sua publicação, ‗I‘ para a indicação do presente volume, ‗§‘ para os parágrafos correspondentes e,
quando for o caso, de ‗A.‘, para as Anotações de Hegel, e de ‗Ad.‘, para os Adendos orais recolhidos
por seus discípulos; no caso: E., 1830, I, § 20ss. Veja-se também: WdL, I, TWA 5, p. 43ss; WdL, II,
TWA 6, p. 253.
2
GW, TWA 2, p. 322.
3
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Transcendental;1 (2) da mesma forma, ainda que possam ao fim e ao cabo
distinguir-se profunda e radicalmente, isso não implica uma oposição intransponível
entre ambos, sem que haja passagem de um ao outro.2 O ponto aqui em jogo
decide-se em três momentos chave, delineados justamente em Glauben und
Wissen, os quais demonstram não só a consistência de uma interpretação não
tradicional de Kant e de Hegel, mas também a da que Hegel assume enquanto
ponto de partida de sua retomada e desenvolvimento da região entre o
Transcendental e o Empírico, a qual, em Kant, se apresenta de modo pura e
simplesmente inconsciente. Em suma: (a) aquilo que tornam possíveis os juízos
sintéticos a priori, (b) o termo-médio entre o conceito de natureza e o de liberdade e
(c) a conformação deste termo-médio como o Especulativo propriamente dito.
A seguir, discutiremos cada um desses momentos em seu aspecto histórico-crítico e
em seu caráter sistemático-especulativo. Primeiro, o tratamento hegeliano da
pergunta ―como são possíveis os juízos sintéticos a priori?‖, buscando explicitar o
que Hegel entende como o lado do Eu absoluto enquanto Identidade sintética
originária e o lado do juízo como sua separação e seu aparecer.3 Logo após,
algumas observações de Hegel relativas à concepção kantiana do termo-médio
entre o conceito de natureza e o de liberdade e à determinação do mesmo enquanto
Entendimento intuitivo, esse que conformaria em seu automovimento o próprio
momento especulativo tal como Hegel o compreende.4 A título de conclusão, em que
medida os resultados então alcançados por Hegel representariam um mero desvio
ou uma simples rejeição da perspectiva kantiana ou, antes, a sua consumação.
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Sobre este ponto, veja-se, por exemplo, J.-M. LARDIC, Hegel classique, ou spéculation et
dialectique du transcendantal. In: J.-Ch. GODDARD (Ed.). Le transcendantal et le spéculatif dans
l‟idéalisme allemand. Paris: Vrin, 1999, p. 115-116ss, p. 135.
2
Veja-se, igualmente, J.-M. LARDIC, Hegel classique..., in: op. cit., p. 123ss, p. 135.
3
GW, TWA 2, p. 304-309.
4
GW, TWA 2, p. 322-330.
4
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2. Do Eu absoluto enquanto Identidade sintética originária e do juízo
como sua separação e seu aparecer
Em sua Introdução a Glauben und Wissen,1 Hegel apresenta o problema imposto
pelo fato de a essência da filosofia kantiana consistir em um idealismo crítico, i.é,
permanecer pura e simplesmente na oposição e, a um tempo, fazer da identidade
dos opostos (nela presentes) o fim absoluto da filosofia.2 Assim, de um lado, a
filosofia kantiana teria o mérito de ser idealismo, na medida em que demonstra que
nem o conceito apenas por si, nem a intuição somente por si são algo,
reconhecendo pois que a intuição por si é cega e o conceito por si é vazio; de outro,
contudo, ela teria o demérito de não sê-lo, pois, para ela, o conhecimento finito se
apresenta como o único possível.3 Já em sua Conclusão,4 o autor de Glauben und
Wissen atém-se às conseqüências de tal procedimento, apresentando por um lado o
aspecto especulativo da fé prática afirmada pelo Criticismo, i.é, a Ideia de que,
simultaneamente, a Razão teria realidade absoluta e, nesta Ideia, os contrários da
liberdade e da necessidade seriam suprassumidos, assim como, da mesma forma,
que o pensar infinito é ao mesmo tempo realidade absoluta ou a identidade absoluta
do pensar e do ser; algo que, por outro lado, ao ser vertido na forma humana, exige
por seu turno que a Razão não possa atingir nada de mais elevado que esta fé
prática, a qual, ao fim e ao cabo, implica em nosso ser-submergido absoluto na
empiria, abandonando a esta tanto a finitude de seu pensamento e de sua ação
quanto a de seu deleite.5 Enfim, na parte principal de Glauben und Wissen, Hegel
deixa de lado, ao que parece de modo proposital, a Kritik der praktischen Vernunft,
concentrando-se na Kritik der reinen Vernunft e na Kritik der Urteilskraft, essa na
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GW, TWA 2, p. 301-304.
GW, TWA 2, p. 302.
3
GW, TWA 2, p. 303.
4
GW, TWA 2, p. 330-333.
5
GW, TWA 2, p. 330-331.
2
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qual se encontraria o ponto o mais interessante do Sistema kantiano, a saber, o
termo-médio entre o conceito de natureza e o de liberdade.1
No que tange à Kritik der reinen Vernunft, Hegel inicia seu comentário passando em
revista o estabelecimento kantiano da possibilidade dos juízos sintéticos a priori,
quando então assume e mantém a tese segundo a qual ―pelo Eu vazio, enquanto
simples representação, [não] é dado nada de múltiplo‖2, bem como a de que ―a
verdadeira unidade sintética ou identidade racional é apenas aquela que é a
referência do múltiplo à identidade vazia, o Eu a partir do qual, como síntese
originária, primeiramente se separam o Eu enquanto sujeito pensante e o múltiplo
enquanto corpo e mundo‖.3 Na primeira tese, com a diferença do acréscimo do
termo ‗vazio‘ para qualificar ―o Eu enquanto simples representação‖, Hegel cita
expressamente a Kritik der reinen Vernunft, B 135; passagem em que, nos quadros
do § 16 da segunda edição (1787),4 Kant pretende dar conta não só da possibilidade
dos juízos sintéticos a priori, mas também justificar o ato da espontaneidade do
Entendimento ou antes do próprio sujeito, a qual, como representação que tem de
ser dada antes de qualquer pensamento determinado, tem de ser uma intuição –
essa, porém, de um lado não pode ser considerada como pertencente à
sensibilidade mas sim ao próprio Entendimento e, de outro, não pode ser tomada
como uma operação ou uma capacidade do Entendimento humano enquanto tal,
pois este só pode pensar e, por isso, necessita procurar a intuição nos sentidos, nos
quais esta ocorre sem aquela espontaneidade.5 Na segunda tese, que se apresenta
mais como uma interpretação do que como uma citação de Kant por Hegel, estaria
em jogo o modo como a ―referência do múltiplo à identidade vazia‖ ou a síntese
originária da qual ―primeiramente se separam o Eu enquanto sujeito pensante e o
1
GW, TWA 2, p. 322ss.
GW, TWA 2, p. 306. Confronte-se: I. KANT, Kritik der reinen Vernunft (1787). Stuttgart: Reclam,
1980, p. 178 (= KrV, B 135). Quando das citações desta obra utilizaremos a edição portuguesa da
mesma: I. KANT, Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuel Pinto dos Santos e Alexandre Fradique
Morujão, introdução e notas de Alexandre Fradique Morujão. – 5. Ed. –, Lisboa: FCG, 2001.
3
GW, TWA 2, p. 306-307.
4
KrV, B 131-136.
5
KrV, B 135, B 68.
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múltiplo enquanto corpo e mundo‖;1 o que, nas palavras do filósofo de Königsberg,
não significa senão ―que tenho consciência de uma síntese necessária a priori
dessas representações, a que se chama unidade sintética originária da apercepção,
à qual se encontram submetidas todas as representações que me são dadas, mas à
qual também deverão ser reduzidas mediante uma síntese‖.2 Essas teses exprimem
a emergência do Transcendental e do Especulativo em relação ao Empírico, assim
como a das respectivas regiões destes então designadas pela separação (1) da
―verdadeira unidade sintética‖ ou do Eu como síntese originária, (2) dessa mesma
unidade sintética enquanto ―referência do múltiplo à identidade vazia‖ ou das
determinações categoriais e do juízo como aparência3 do princípio supremo e (3) do
―Eu enquanto sujeito pensante e o múltiplo enquanto corpo e mundo‖.4 Emergência
essa na qual as regiões do Transcendental e do Especulativo se distinguem,
precisamente, pela opção do primeiro em ocupar-se das determinações categoriais
e do juízo como aparência do princípio supremo e pela opção do segundo em tomar
por objeto a própria Identidade absoluta, como o princípio supremo, em seu
desenvolvimento imanente.
Neste sentido, para o filósofo de Iena, tem-se já aqui a distinção entre a abstração
do Eu ou a Identidade intelectiva e o Eu verdadeiro, enquanto princípio, como
Identidade sintética originária, absoluta; distinção essa com a qual, segundo Hegel,
Kant resolve o problema de como são possíveis os juízos sintéticos a priori; vale
dizer, nos quadros da interpretação hegeliana, ―eles são possíveis pela Identidade
absoluta originária do heterogêneo, da qual, como do Incondicionado, primeiramente
[esta identidade] ela mesma se separa, quando sujeito e predicado, particular e
1
GW, TWA 2, p. 306-307.
KrV, B 136-137.
3
O termo ‗aparência‘ traduz aqui ‗Erscheinung‘. Porém, a Erscheinung em questão, para Hegel (GW,
TWA 2, p. 307-314), não é a mera aparência ou o chamado aparecer sensível (o fenômeno em
sentido vulgar) da Essência, mas o próprio conhecer enquanto o mostrar-se em si mesmo do
Absoluto ou do Incondicionado (GW, TWA 2, p. 311-312); vale dizer: o conhecer concebido como o
aparecer daquilo que não aparece. Esse um dos temas os mais caros à tradição neoplatônica, então
em franca retomada nos fins do século XVIII e inícios do século XIX na Alemanha. Confronte-se com:
KrV B 349-351, A 293-294.
4
GW, TWA 2, p. 306-307ss.
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universal, aparecem separados na forma de um juízo‖.1 Assim, não obstante o valor
especulativo desta solução, o racional ou o que há de a priori no juízo sintético a
priori, a Identidade absoluta como conceito médio [Mittelbegriff], não se apresenta no
juízo propriamente dito, mas apenas na conclusão [im Schluss];2 situação que talvez
se explique pelo fato de, segundo Kant, embora em todo silogismo [Schlusse], haja
uma proposição que serve de princípio (a premissa maior) e outra que dela é
extraída, a saber: a conclusão [Folgerung], e, por fim, a dedução [Schlussfolge]
(consequência), pela qual a verdade da última está indissoluvelmente ligada à
verdade da primeira:3 quando ―o juízo inferido encontra-se já no primeiro de modo a
poder ser deduzido dele sem mediação de uma terceira representação‖, o silogismo
é designado imediato ou do Entendimento; quando, entretanto, além do primeiro é
necessário outro juízo para produzir a conclusão [die Folge], o silogismo é o da
Razão [Vernunftschlusse]. Esse o silogismo no qual, nos termos de Kant: ―penso em
primeiro lugar uma regra (maior) pelo Entendimento; em segundo lugar, subsumo
um conhecimento sob a condição da regra (minor) mediante a Faculdade do juízo
[Urteilskraft]; finalmente, determino o meu conhecimento pelo predicado da regra
(conclusio), por conseguinte a priori pela Razão‖ – o que implica, ao fim e ao cabo,
em ser pela conclusão que a Razão procura alcançar a unidade suprema dos
conhecimentos do Entendimento.4 Por isso, de acordo com Hegel, no juízo (segundo
a concepção kantiana), a identidade absoluta (ou a unidade suprema) consiste
apenas na cópula ‗é‘, restringindo-se, pois, a algo inconsciente, sendo o juízo tão só
1
GW, TWA 2, p. 307.
Sigo aqui as versões de Glauben und Wissen de Alexis Philonenko e Claude Lecouteux (Foi et
Savoir, Paris: Vrin, 1988) e de Oliver Tolle (Fé e Saber, São Paulo: Hedra, 2007), as quais vertem
‗Schluss‘ por ‗conclusão‘; o que parece justificar-se em parte pelo contexto da discussão hegeliana,
bem como, em parte, pela concepção kantiana do Schluss e pela própria tese de Hegel do Silogismo
como princípio do idealismo, essa apresentada em 1801 como a segunda de suas Teses de
Habilitação (G W, TWA 2, p. 533), em vista da qual se exigirá cada vez mais que o princípio absoluto
se apresente no Juízo ele mesmo (ver, por exemplo, E., 1830, I, § 165ss). Para o caso presente,
veja-se: GW, TWA 2, p. 307, p. 313; KrV B 359-361, A 303-305.
3
KrV B 359-360, A 303.
4
KrV B 360-361; A 304-305.
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―o fenômeno predominante da diferença‖1 – este o motivo pelo qual, ao que tudo
indica, Kant afirmar que o ―princípio da unidade necessária da apercepção é, na
verdade, em si mesmo, idêntico, portanto uma proposição analítica, mas declara
como necessária uma síntese do diverso dado na intuição, síntese sem a qual essa
identidade completa da Autoconsciência não pode ser pensada‖.2 Disso resulta que
tal síntese seja necessária apenas a título de hipótese; pois, já que o diverso não
pode ser dado pelo ―Eu enquanto simples representação‖, mas tem de ser dado pela
Autoconsciência, essa, ao dá-lo ao Entendimento, faz deste um Entendimento
intuitivo, algo que o ―Eu enquanto simples representação‖ não possuí, este necessita
então procurar a intuição (na qual o diverso é dado) tão só nos sentidos, para enfim
subsumi-las aos conceitos na Imaginação transcendental.3
No dizer de Hegel, aquele algo inconsciente que na cópula então se exprime não é
senão o não-ser-conhecido do racional, vindo, portanto, à luz e sendo na
consciência apenas o seu produto enquanto membro da oposição de sujeito e
predicado, os únicos que, como tais, para Kant, se apresentariam na forma do juízo,
mas não seu ser-um enquanto objeto do Pensar; por isso, a identidade racional da
identidade enquanto identidade do universal e do particular é o inconsciente no juízo
e o juízo mesmo apenas a sua aparência.4 Desse modo, o juízo, ou a aparência
daquela identidade racional, não apresenta unicamente um lado subjetivo – que se
impõe como o do Eu subjetivo ou particular e que, como tal, se mostra na exposição
levada a cabo na Kritik der reinen Vernunft,5 resultando, em última instância, nas
chamadas antinomias da Razão, sobretudo a dos conceitos da natureza e da
liberdade, e na concepção das Ideias, em especial as cosmológicas, enquanto
meramente regulativas6 –, mas apresenta, especialmente, um lado objetivo, este o
1
GW, TWA 2, p. 307.
KrV B 135.
3
KrV B 33ss, 176-187; A 137-147. Confronte-se: GW, TWA 2, p. 309-314.
4
GW, TWA 2, p. 307.
5
KrV B 169ss, A 130ss; B 187ss, A 148ss.
6
Devido às dimensões e aos propósitos deste trabalho e embora a exposição hegeliana das
antinomias e das Ideias da Razão (GW, TWA 2, p. 316-322) seja fundamental para uma
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lado do Eu objetivo ou universal, mais precisamente, o da experiência propriamente
dita e não apenas o de sua possibilidade; lado esse que, por seu turno, constitui o
Sistema dos princípios da Faculdade do Juízo e que, neste sentido, se mostra
exposto na Kritik der Urteilskraft.1 É justamente aqui, enfim, que o conceito médio
delineado, i.é, a Identidade absoluta originária do heterogêneo, se apresenta de
modo mais explícito; ainda que, no dizer de Hegel, como sempre é o caso em Kant,
reconhecido não como uma região para o conhecimento, mas apenas como o lado
de sua aparência, não o de seu fundamento, a Razão.2
3. A concepção kantiana do termo-médio entre o conceito de natureza e o
de liberdade, a determinação do mesmo enquanto Entendimento intuitivo e
sua configuração propriamente especulativa
Enquanto em sua exposição da pergunta ―como são possíveis os juízos sintéticos a
priori?‖ Hegel faz apenas uma citação expressa da Kritik der reinen Vernunft, na
exposição do que, segundo ele, para Kant, constituiria o termo-médio entre a
multiplicidade empírica e a unidade abstrata absoluta, nosso filósofo se utiliza de
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compreensão adequada do problema do termo-médio entre os conceitos da natureza e da liberdade,
não a discutiremos aqui. Além disso, como essa parte do comentário de Hegel a Kant guarda certa
dificuldade adicional, passada despercebida por muitos de seus críticos, a qual, por um lado, se
configura como a não consideração da Kritik der praktischen Vernunft, à qual a discussão das
antinomias e das Ideias da Razão deveriam necessariamente levar, e, por outro lado, se apresenta
sob a forma como se articulam os diversos temas e problemas concernentes à filosofia kantiana nos
quadros da exposição de Hegel, a tematização de tal comentário, aqui, ultrapassaria em muito os
limites da questão principal da qual ora nos ocupamos. Em todo caso, sobre este ponto, confronte-se:
KrV B 368ss, A 312; B 472ss, A 444; B 536ss, A 508ss; B 560ss, A 532; B 670, A 642; GW, TWA 2,
p. 316ss, p. 320ss.
1
GW, TWA 2, p. 311ss. Confronte-se: I. KANT, Kritik der Urteilskraft. In: I. KANT, Werke in sechs
Bänders, V. Kritik der Urteilskraft und Schriften zur Naturphilosophie. Herausgegeben von Wilhelm
Weischedel. Wissenschaftliche Buchgesellschaft Darmstadt, 1975, p. 248ss; versão luso-brasileira: I.
KANT. Crítica da Faculdade do Juízo. Tradução de Valerio Rohden e António Marques. – 2. Ed. – Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 20ss. (= KU B XXIss, A XXIss). Para uma discussão mais
recente do conceito de experiência (propriamente dita) na Kritik der Urteilskraft, segundo o espírito e
a letra de Kant ele mesmo, veja-se: A. MARQUES, Organismo e sistema em Kant, Lisboa: Presença,
1987, p. 143-200.
2
GW, TWA 2, p. 322ss.
10
pelo menos 6 (seis) passagens chave da Kritik der Urteilskraft; mais precisamente,
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de sua segunda edição (1793).1 As três primeiras referem-se ao juízo reflexionante,
Hegel as discute negativamente, mostrando que nelas, malgrado Kant, exprimem-se
justamente o domínio da Razão, a determinação da Ideia do supra-sensível como
identidade da natureza e da liberdade e, por conseguinte, a exposição da Ideia da
Razão, i.é, sua demonstração; a quarta passagem, relativamente longa, refere-se ao
chamado Entendimento intuitivo, o qual, por um caminho distinto do de Fichte e do
de Schelling, Hegel irá explicitar como não sendo outra coisa que a Ideia da
Imaginação transcendental, já discutida por ele anteriormente.2 Enfim, nas últimas
duas passagens, sendo a quinta de razoável extensão, Hegel discute o que se
poderia denominar o momento especulativo em Kant, no qual estará em questão a
unidade do conceito e da intuição, da possibilidade e da realidade.
As três primeiras passagens, por sua brevidade, devem ser tratadas em conjunto.
Ainda que nelas Kant não tenha em vista os mesmos objetivos de Hegel, este
mostra justamente o ponto em que, malgrado Kant, o que por ele é enunciado
negativamente não só ultrapassa os limites do que então é dito, mas põe
precisamente aquilo que no enunciado fora negado. É o que ocorre, por exemplo, na
discussão sobre a forma ideal da beleza, quando, citando Kant, a ―Ideia de uma
‗imaginação que se dá suas próprias leis, de uma legalidade sem lei e de uma livre
harmonia da imaginação e do entendimento‘‖,3 bem como quando se refere à
explicação kantiana em torno da Ideia estética, ―querendo que ‗ela seja a
representação da imaginação que dá muito a pensar sem que nenhum conceito
possa lhe ser adequado e que ela não possa, portanto, tornar-se inteligível nem
totalmente atingida pela linguagem‘‖,4 Hegel irá dizer que, por sua ressonância
soberanamente empírica, nada deixaria pressentir que já nos encontraríamos aí no
A saber: KU B 69, B 192-193, B 240, B 339-354, B 324-327, B 367.
GW, TWA 2, p. 309-312.
3
GW, TWA 2, p. 322; KU B 69.
4
GW, TWA 2, p. 322-323; KU B 192-193.
5
GW, TWA 2, p. 323.
2
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domínio da Razão.5 De um lado, isso se explica pelo fato de ambas as passagens
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ocuparem-se, respectivamente, da Ideia do Belo como aquilo que é conhecido sem
conceito, fundando-se, pois, na forma da livre conformidade a fins,1 e da Ideia
mesma do espírito, em sentido estético, como ―o princípio vivificante no ânimo‖ e a
faculdade da apresentação das Ideias estéticas, sendo justamente essas Ideias
estéticas o que ―põe em movimento as forças do ânimo, i.é, em um jogo tal que se
mantém por si mesmo e ainda fortalece as forças para ele‖,2 fazendo com que, ao
fim e ao cabo, as Ideias estéticas (às quais, como representações da imaginação,
nenhum conceito é adequado) se distingam das Ideias da Razão, i.é, dos conceitos
aos quais ―nenhuma intuição (representação da faculdade da imaginação) pode ser
adequada‖.3 O que, de outro lado, pressupõe e mesmo implica que, para Kant, a
Razão não seja senão ―a Ideia indeterminada do supra-sensível em nós que não
pode ser tornada mais compreensível‖.4
Neste caso, com o qual entramos na terceira passagem citada e discutida por Hegel,
a saber: que a Ideia estética seja ―uma intuição da imaginação, para a qual não
podemos jamais encontrar um conceito que lhe seja adequado‖, pois ―uma Ideia
racional não pode tornar-se um conhecimento porque ela contém um conceito do
supra-sensível ao qual não podemos jamais dar uma intuição que lhe seja conforme
– aquela a representação inexponible da imaginação, este o indemonstrable
conceito da Razão‖.5 Quanto a este ponto, ainda que a expensas de Kant, Hegel
parece tirar as consequências as mais interessantes e, não obstante, as que Kant,
pelos limites aos quais havia se imposto, de modo algum poderia tirar; a saber: que
a Ideia estética já tem sua exposição na Ideia mesma da Razão e esta sua intuição
na Ideia da beleza, o que, no dizer de Hegel, não seria mais que aquilo que o próprio
Kant chama demonstração, a exposição do conceito na intuição – com o que, ao fim
KU B 68-69.
KU B 192.
3
KU B 192-193.
4
GW, TWA 2, p. 323.
5
GW, TWA 2, p. 323; KU B 240,
2
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e ao cabo, na beleza como Ideia experimentada ou intuída, a forma da oposição
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entre a intuição e o conceito se esvanece.1 Não obstante extrapolarem os limites
aceitos pelo kantismo, essas consequências são pelo menos em parte reconhecidas
pelo próprio Kant; o qual, no dizer de Hegel, reconhece a desaparição da oposição
enquanto momento negativo no conceito de um supra-sensível em geral – este que
não se apresenta senão enquanto a beleza é intuída positivamente ou, segundo as
palavras de Kant, seja dada pela experiência (aqui, mais precisamente, a
experiência estética), sendo esta justamente a exposição do princípio da beleza
como identidade dos conceitos da natureza e da liberdade, isto é, o supra-sensível
enquanto substrato inteligível da natureza fora de nós e em nós, a coisa em si, como
a define o próprio Kant.2 O que se constitui precisamente como o termo-médio entre
o conceito da natureza e o da liberdade, entre a multiplicidade objetiva determinada
pelos conceitos e a pura abstração do Entendimento, ou a região da identidade do
que é sujeito e predicado no juízo absoluto acima do qual a filosofia teórica não é
mais elevada que a filosofia prática.3
Esta identidade, que segundo Hegel é a verdadeira e única Razão, apresenta-se a
Kant não como uma identidade para a própria Razão, mas tão somente para a
Faculdade do Juízo reflexionante; por isso, na medida em que Kant reflete sobre a
Razão em sua realidade, de um lado, como intuição consciente (sobre a beleza, que
se mostra como o lado subjetivo da mesma) e, de outro, como intuição inconsciente
(sobre a organização, o lado objetivo), a Ideia da Razão é aí expressa de um modo
mais ou menos formal. Não obstante, em se reconhecendo que o supra-sensível em
geral seja o princípio da beleza como identidade dos conceitos da natureza e da
liberdade e que sua exposição (no sentido acima aludido) ocorra na Ideia da Razão
e, desse modo, constitua-se como uma intuição da Razão mesma; há que se
reconhecer também que, precisamente aqui, adentramos à esfera de um
1
GW, TWA 2, p. 323.
GW, TWA 2, p. 323-324.
3
GW, TWA 2, p. 323.
2
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Entendimento intuitivo – que embora não seja o nosso, dado que não o possuímos,
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pode ser tematizado e alcançado (como reconheceria o próprio Kant)1 na medida em
que sejamos capazes de ir além do nosso mero entendimento, dissolvendo a
oposição entre intuição e conceito ou entre realidade e possibilidade. Na esfera do
Entendimento intuitivo, que é tematizada por Hegel a partir de sua apresentação
como o lado objetivo da Razão em sua realidade, esse que porta sobre a intuição
inconsciente da realidade da Razão, possibilidade e realidade são um; aí, nas
palavras de Hegel, citando Kant, ―os conceitos (que indicam simplesmente a
possibilidade de um objeto) e as intuições sensíveis (pelas quais alguma coisa nos é
dada, sem por isto permitir que a conheçamos como objeto) desaparecem
igualmente‖2 – com isso, para o filósofo de Iena, Kant não só reconhece a Ideia de
um Entendimento intuitivo, mas reconhece também que somos necessariamente
possuídos por ela – sendo esta Ideia, em última instância, nada mais que a Ideia da
imaginação transcendental.3 Assim, deve-se ainda necessariamente reconhecer que
a imaginação transcendental não é senão ela mesma um Entendimento intuitivo,
ainda que um entendimento intuitivo captado tão só ao nível de sua aparência (ou
melhor, para nós), permanecendo para si mesmo inconsciente.
Esse o cerne da quarta passagem chave então citada por Hegel, a qual, na verdade,
não é senão um resumo dos parágrafos 76-77 da Kritik der Urteilskraft, os quais, por
seu turno, se constituem como o phulchrum dos parágrafos 72-80, que serão
considerados pelo autor de Glauben und Wissen nas duas últimas das seis citações
acima elencadas. Quer dizer, não obstante Hegel citar de modo mais explícito, mas
resumidamente, apenas as passagens de B 324 a B 327, sua discussão do que aí
está em jogo abarca necessariamente a totalidade dos parágrafos aqui aludidos;4
conformando, pois, a partir de uma consideração do problema do idealismo das
causas finais na natureza segundo a concepção de Espinosa e sua crítica por Kant,
KU B 340ss; 345ss.
Confronte-se: GW, TWA 2, p. 324; KU B 340.
3
Confronte-se: GW, TWA 2, p. 325; KU B 350-351.
4
GW, TWA 2, p. 327.
2
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o material indispensável da concepção hegeliana de uma Filosofia especulativa
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pura, na qual, em se assumindo a Ideia de um Entendimento intuitivo se fazendo
presente ao espírito, bem como, ao mesmo tempo, as exigências que Kant dirige ao
espinosismo, a unidade do mecanismo da natureza, a relação de causalidade, e
tecnicismo teleológico não só seria possível, como o reconhece Kant, mas se
apresentaria como o próprio Organismo, enquanto Razão efetiva, o princípio
supremo da natureza e a identidade do universal e do particular, de modo
perfeitamente imanente.1 Eis aí, pois, o lugar exato em que Hegel pode então
afirmar a noção de um momento especulativo em Kant; o qual, embora reconhecido
apenas como possível pelo filósofo de Königsberg, tem que ser denominado como
em si e para si justamente pelo fato de nele: (1) a natureza não ser determinada por
uma Ideia que lhe seja oposta e (2) o que aparece, segundo o mecanismo como
absolutamente separado (de um lado como causa, de outro como efeito) em uma
conexão empírica da necessidade, ser absolutamente ligado em uma identidade
originária enquanto coisa primeira.2
Ao fim e ao cabo, pelo fato de Kant afirmar tal identidade apenas como possível, isto
é, em si, já que para nós ela permanece impossível,3 em sua última citação, Hegel
dirá que isso se mostra precisamente assim devido à decisão de Kant em favor da
fenomenalidade.4 Por conseguinte, mesmo em reconhecendo uma outra intuição
que a sensível e em definindo o substrato da natureza como inteligível, Kant irá
optar pela limitação à esfera da separação entre conceito e intuição e, por isso, aterse de modo absoluto a este conhecimento finito.5 Neste sentido, de um lado, a
Razão ela mesma será também considerada tão só enquanto é para nós, portanto,
como pura e simplesmente regulativa, e, de outro, ainda que o poder de conhecer
seja capaz de elevar-se à Ideia e ao racional, objetar-se-á que não se deve pura e
GW, TWA 2, p. 326-327.
GW, TWA 2, p. 326.
3
Confronte-se: Confronte-se: GW, TWA 2, p. 328; KU B 367.
4
GW, TWA 2, p. 326.
5
GW, TWA 2, p. 328.
2
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simplesmente conhecer segundo os mesmos, mas conhecer o Orgânico apenas
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segundo o fenômeno e a si mesmo de modo finito.1 Não obstante, isso ocorre em
função da própria natureza da filosofia de Kant; o que o leva a deixar de lado a
necessidade de pensar a necessidade ela mesma, o racional ou a espontaneidade
intuinte – tarefa essa que, de certo modo, Hegel fará a sua.
4.
Considerações finais
Embora a exposição levada a cabo em Glauben und Wissen, em torno da filosofia
de Kant, possa se apresentar suscetível das mais diversas objeções – seja no
tangente à consideração dos problemas aí em jogo, seja no que diz respeito ao
desenvolvimento ulterior da própria filosofia hegeliana –, o que importa nessa
exposição é justamente a constatação pioneira de Hegel em relação ao lugar e à
função do Entendimento intuitivo na filosofia transcendental. O reconhecimento disso
por parte de um crítico explícito da filosofia hegeliana, como é o caso de A.
Philonenko, que reconhece não só o acerto, a originalidade e a originariedade de
Hegel quanto a este ponto, mas também, e principalmente, a falta ou o despercebido
mesmo de Kant no concernente ao afloramento sem cessar do Especulativo ou do
Racional nos quadros da Imaginação transcendental,2 esse reconhecimento, por si
só, demonstra a não-violência e, portanto, justeza da interpretação hegeliana da
filosofia de Kant em 1802. Algo que, ao fim e ao cabo, permite a abertura de um
novo campo de investigação no interior do Idealismo crítico; por conseguinte,
também de um desenvolvimento de uma interpretação não exotérica da filosofia
kantiana.
Isso porque, como ainda nos lembra Philonenko ele mesmo,3 sobretudo no que
tange à natureza orgânica e à teoria do nexus finalis em Kant ou em seu
1
GW, TWA 2, p. 328.
A. PHILONENKO, Introduction [a la Foi et Savoir]. In: G. W. HEGEL, Foi et Savoir, op. cit., p. 42ss.
3
A. PHILONENKO, Introduction [a la Foi et Savoir]. In: G. W. HEGEL, Foi et Savoir, op. cit., p. 45.
2
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também não parecem ter recebido uma atenção mais exclusiva por parte dos
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desenvolvimento imanente, Hegel não aprofunda suas investigações; essas que
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kantianos de estrita observância. Da mesma forma, a tese do afloramento sem
cessar do Especulativo ou do Racional, seja nos limites do Juízo estético, seja nos
limites do Juízo teleológico, e o seu tratamento enquanto tal – no caso de Kant,
como o aparecer ou o fenômeno do Incondicionado – ainda permanece uma tarefa
em aberto nos quadros do pensamento kantiano, em especial no tangente à rigorosa
delimitação do Empírico, do Transcendental e do Especulativo (ainda que tão só em
sua aparência) no âmbito do Sistema crítico em geral e do chamado Sistema dos
princípios da Faculdade do Juízo em particular. Na medida em que tais estudos
puderem efetivamente realizar-se, seus resultados mostrarão que também aqueles
alcançados por Hegel não constituem um mero desvio nem uma simples rejeição da
perspectiva kantiana, mas antes, se mostra ou pode mostrar-se como a sua
consumação.
O que, enfim, não significa uma sorte qualquer de retorno às interpretações
tradicionais de Kant e o Idealismo alemão. Antes disso, poderá significar a exata
apreciação, não exotérica, dos temas e problemas concernentes ao Incondicionado
e que então se apresentam no limite entre o Moisés e, de certo modo, o Josué do
Idealismo alemão. De fato, entre aquele que aponta o caminho para a Terra
prometida e aquele que, em adentrando-a tanto quanto lhe é possível, torna efetiva
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a partilha da herança divina.
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I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059
UMA LEITURA WITTGENSTEINIANA DA VONTADE POLÍTICA
Horacio Luján Martinez
Depto de Filosofia, UNIOESTE/Toledo
Lista de abreviações:
DC Da Certeza
GF Gramática Filosófica
IF Investigações Filosóficas
Z
Zettel
(As abreviações serão acompanhadas do número do parágrafo segundo ordenação
do próprio Wittgenstein ou de seus herdeiros literários)
(....) Não se poderia pensar até que várias pessoas tenham tido um
propósito (Absicht) e o tenham realizado, sem que nenhuma delas o
tivesse? Deste modo, um governo pode ter um propósito que nenhum
homem tenha. (Z 48).
Esta epígrafe é um fragmento de uma série de anotações nas que Wittgenstein
revisa a noção de intencionalidade entendida classicamente (isto é, de modo
agostiniano) como uma exteriorização da vontade interior. A intenção, pensada
deste modo como pensamento que fica ontologicamente ligada ao efeito, ao
acontecimento resultante, é criticada por Wittgenstein quando é considerada como
um pensamento incompleto à espera da sua realidade. O filósofo da o seguinte
exemplo: um mecanismo que faz funcionar o freio de uma máquina às vezes
acionar o freio, às vezes a raiva do operário.‖ (GF VII, 95) Responder que um
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máquina fique bravo: qual julgaríamos ser a intenção do mecanismo? ―Às vezes
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funciona, às vezes não. Imaginemos que, quando não funciona, o operário da
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mecanismo não pode pensar e, portanto, não pode ter intenção é já um início.
Precisamente, a questão é que ―(...) a intenção está inserida na situação, nos
hábitos humanos e nas instituições. Se não existisse a técnica de jogar xadrez, eu
não poderia ter a intenção de jogar uma partida de xadrez.‖ (IF 337). Encontrar não
mostra o que estávamos procurando, nem a realização do desejo o que estávamos
desejando: ―(...) Os sintomas da expectativa não são a expressão dela.‖ (GF VII, 92)
A expectativa, a intenção e o desejo não são estados mentais persistentes e
incompletos que esperam sua concretização para ter realidade.
Se o jovem Wittgenstein seguiu Schopenhauer na ideia de eliminar o ―desejo‖, já que
este nos conduzia a contra-sensos lógicos e infelicidade na vida, isto se reverterá
nos escritos posteriores. O querer será também uma experiência, a vontade também
somente representação. O ―querer‖ perderá a sua aura ―mágica‖, aquela que havia
ganho pelo fato de ser involuntário: ―(...) Não posso produzi-lo? –Como o quê? O
que é que posso produzir? Com o que estou comparando o querer quando digo
isto?‖ (IF 611)
Quando eu disse: ―isso significaria não considerar a intenção como um fenômeno‖,
a intenção recordaria aqui a concepção schopenhaueriana da vontade. Todo
fenômeno nos parece inerte em contraste com o pensamento vivo. (GF VII, 97).
O querer é um fenômeno, e não somente um meio para a produção de um
acontecimento, uma ponte para o fenômeno. O querer é um agir, como o falar, o
caminhar ou o comer. Se levantarmos um braço é porque queremos (falamos de
casos normais, sem coerção externa ou embriaguez por uso de alguma droga). Isto
é, na gramática das ações voluntárias, querer e agir são sinônimos. O curioso é que
numa leitura menos racionalista da política.
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Neste sentido, da intenção constituída por práticas externas, é que podemos entrar
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no caso da ação bem sucedida não pensamos na intenção.
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Vamos por partes. Sabemos que, na ―segunda‖ filosofia de Wittgenstein, o
significado de uma palavra é dado pelo uso no contexto dos ―jogos de linguagem‖
(Sprachspielen). Ora, o uso é evidente para nós, nos é prescrito, de certo modo,
pela ―normalidade‖ do acontecimento.
Ao falar de ―jogos de linguagem‖, talvez Wittgenstein pensasse em seu exemplo
predileto: o de crianças começando a utilizar palavras. Tem-se apontado o parágrafo
26 da Gramática filosófica como o local da primeira aparição da expressão. A
situação apresentada nesse fragmento é a de uma criança à qual se mostram
objetos ao mesmo tempo em que se pronunciam palavras. A partir destas
explicações ostensivas (hinweisende Erklärungen), a criança compreenderia as
palavras, mas o critério de aferição de tal compreensão será sua habilidade em
aplicar, depois, corretamente as palavras. Se ele usa as palavras do modo certo,
que seria ―o modo esperado‖, é porque compreendeu as regras?
Wittgenstein nos adverte que compreender o jogo é saber jogá-lo, sem que se tenha
necessariamente a capacidade de descrever e definir suas regras. Este tipo de ―jogo
de linguagem‖, de natureza extremamente primitiva, põe em relevo o fato de que as
regras podem ser aprendidas somente pela observação de como ele é praticado,
sem que haja necessidade de uma instrução especial. Aprendemos o jogo sem ter
reconhecido regras explícitas. Isto situa na base da compreensão a concordância
entre ―formas de vida‖ de que se necessita para levar-se adiante um ―jogo de
linguagem‖: ―De modo similar a como a gramática de uma linguagem é registrada e
começa a existir quando os homens já têm falado essa linguagem por muito tempo,
os jogos primitivos são jogados sem que as suas regras tenham sido codificadas e,
mais ainda, sem que uma só dessas regras tenha sido formulada.‖ (GF II, 26). O
modo comum de comportamento dos participantes do jogo é o que mostra como
esse jogo de linguagem primitivo se desenvolve.
poderia ter uma explicação biográfica coerente: a de que Wittgenstein foi professor
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forma de práticas de ensino com crianças, eram dos preferidos de Wittgenstein. Isto
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Dissemos que os exemplos de jogos de linguagem primitivos, especialmente na
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de escola no interior da Áustria (no período pós-Tractatus, período de afastamento
do trabalho filosófico). Ocorre que esses exemplos primitivos têm um uso
metodológico: eles nos fazem vislumbrar os fenômenos lingüísticos em estado, por
assim dizer, ―embrionário‖, e, por isso, ajudam a dissolver os erros provindos de
preconceitos acerca do aprendizado da linguagem. Estes casos ilustram uma
afirmação da segunda filosofia wittgensteiniana: ―O ensino da linguagem não é aqui
nenhuma explicação (Erklären), mas sim um treinamento (Abrichten).‖ (IF 5).
Atente-se, porém, para o fato de que, juntamente com essa noção de ―jogo de
linguagem‖ como definição ostensiva – ―jogo de linguagem primitivo‖ –, Wittgenstein
chama também de ―jogo de linguagem‖: ― (...) o conjunto da linguagem e das
atividades com as quais está interligada.‖ (IF 7). Isto significa que a expectativa, a
compreensão, o desejo (fenômenos psicológicos abrangidos pelo que denominamos
―interior‖), como também os gestos corporais e expressões faciais, e ainda o entorno
cultural (o ―externo‖), fazem parte de um determinado ―jogo de linguagem‖. Esses
elementos, tirados de seus contextos determinados, poderiam ser mal interpretados
ou não ser entendidos de modo algum.
Os ―jogos de linguagem‖ também podem ser entendidos como sistemas linguísticos
parciais, como entidades funcionais ou como contextos que formam um todo
orgânico. Dentro desta última acepção estariam:
Comandar e agir segundo comandos. Descrever um objeto conforme a aparência
ou conforme medidas. Produzir um objeto segundo uma descrição (desenho).
Relatar um acontecimento. Conjeturar sobre o acontecimento. Expor uma hipótese
e prová-la. Apresentar os resultados de um experimento por meio de tabelas e
diagramas. Inventar uma história; ler. Representar teatro. Cantar uma cantiga de
roda. Resolver enigmas. Fazer uma anedota; contar. Resolver um exemplo de
cálculo aplicado. Traduzir de uma língua para outra. Pedir, agradecer, maldizer,
Depois de ter estabelecido essa variada lista de jogos de linguagem, Wittgenstein
admite que essa lista é parcial e arbitrária: é impossível estabelecer limites à
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saudar, orar. (IF 23).
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quantidade e à variedade de jogos de linguagem que podem existir. Alguns novos
jogos aparecem, outros se modificam, ainda outros são esquecidos. Eles vão
surgindo segundo as necessidades humanas. A linguagem não tem sua arquitetura
definida para sempre: ela é como uma velha cidade na que novas ruas surgem
enquanto casas novas e antigas convivem assistindo à criação de novos subúrbios
(IF 18). Tais ações linguísticas pertencem a nossa história natural, como andar,
comer, beber e jogar (IF 25), sendo isso o que lhes confere sua pluralidade e
consistência. Esta última – a consistência do uso de certos jogos de linguagem – se
deve, em parte, à regularidade biológica, tanto da natureza como das ações
humanas.
Existem fatos naturais extraordinariamente gerais que garantem tal ―normalidade‖:
―Tais fatos não são nunca mencionados devido à sua grande generalidade‖ (IF 143).
Como nos adverte Wittgenstein na segunda parte das Investigações filosóficas, a
formação de conceitos não é explicável pelos fatos (IF II, XII). Embora os conceitos
devam corresponder a esses fatos naturais extremamente gerais, sua importância
se deve – quase paradoxalmente – a serem eles tão gerais que não chamam nossa
atenção. O autor das Investigações não tem intenção de fazer história natural
estabelecendo cadeias causais entre fatos e conceitos.
Wittgenstein afirma que o aprendizado da linguagem constitui também seu uso.
Esse aprendizado da linguagem é feito através do ensino ostensivo e também na
repetição de palavras e de proposições que constituem tal ensino. Quando uma
criança aprende uma palavra, não está aprendendo apenas uma palavra, mas,
também deve saber o que está em volta dessa referência. Isto é, para que alguém
possa saber que uma palavra qualquer se refere a um objeto determinado ou a uma
ação determinada, muita coisa deve já estar preparada na linguagem.
Adentramos aqui frontalmente na questão da confiança (Vertrauen) (DC 170) ou da
que nunca poderíamos pôr em dúvida, porque elas constituem a base a partir da
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certeza. Nossas expressões lingüísticas descansam sobre uma rede de proposições
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segurança tranquila (beruhigte Sicherheit) (DC 357), tal como é exposta em Da
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qual podemos fazer novas afirmações e descobertas, criar novas proposições em
geral.
Existem relações internas entre a gramática e o mundo, mas já não se trata de uma
forma lógica compartilhada. A segurança está na base da linguagem (DC 457), e
essa segurança não significa nada mais que o comportamento regular da natureza
incorporado ao fundamento da linguagem (DC 558): ―Todo jogo de linguagem
descansa no fato de que possam reconhecer-se de novo palavras e objetos.‖ (DC
455). ―O saber se fundamenta no reconhecimento.‖ (DC 378). O reconhecimento não
é um processo, mas um ―descansar no que vejo‖. É a familiaridade com os objetos e
com meus modos de considerá-los (GF IX, 116). Tais formas de consideração não
são criadas individualmente, mas, por assim dizê-lo, ―herdadas‖.
Isto sublinha o caráter de aprendizado social da linguagem: uma criança aprende
porque acredita nos adultos que a educam e convivem com ela (DC 160). De outro
lado, se é em virtude da autoridade de certos seres humanos que essa criança
aprende e aceita coisas, tem, posteriormente, a possibilidade de comprová-las ou
refutá-las (DC 161). A conhecida afirmação de que o significado de uma palavra é
seu uso num jogo de linguagem (IF 43) é somada àquela que diz: ―Nosso falar
obtém seu sentido do resto de nosso agir.‖ (DC 229).
Wittgenstein coloca ―fatos naturais extremamente gerais‖ e o ―comportamento
comum da humanidade‖ na origem daquele substrato necessário a partir do qual
afirmo, nego ou duvido de alguma coisa, a Weltbild. Falar de tais elementos sugeriria
interpretações
homogeneizantes
da
vida
social,
cultural
e
lingüística.
Afortunadamente não é isto o que ocorre nem o que Wittgenstein quer propor.
A regularidade e a normatividade que a noção de ―seguir uma regra‖ sugere não
impede mudanças críticas de nossas convicções e do modo de enunciá-las. Isso é o
que veremos a seguir. Isto é, vamos nos perguntar se a pluralidade das ―formas de
de vida‖.
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entendido como convivência com o outro, com o diferente, com diferentes ―formas
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vida‖ e os ―jogos de linguagem‖ a partir delas constituídos, asseguram o pluralismo,
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Com essa noção wittgensteiniana: a de uma vontade que se expressa no mundo
como um elemento a mais nele e não como continuador de um exercício racional,
não como uma ―boa vontade‖ à procura de consenso é que revisaremos as ―petições
de princípio‖ da democracia liberal. Por ―democracia liberal‖, ou seu arquétipo,
entendemos um tipo de democracia que aspira a eliminar os antagonismos a partir
da discussão que procura o acordo entre as partes.
Nossa posição, inspirada no livro de Chantal Mouffe, The Democratic Paradox
(London: Verso. 2009) é que a obra tardia de Wittgenstein sustenta um ponto de
vista em que a política pode ser pensada como campo de luta e a discussão e o
consenso racional não serem seus objetivos fundamentais. A obra wittgensteiniana
alimenta e precisa do pluralismo das diferentes ―formas de vida‖. Neste sentido
Mouffe pensa em Wittgenstein como alternativa ao enfoque racionalista.
Podemos apresentar os conceitos do chamado ―segundo‖ Wittgenstein como base
para o que Chantal Mouffe define como ―pluralismo agonista‖, isto é, a divergência
de opiniões e a racionalidade baseada nas diferentes práticas como elementos
constitutivos da política. Uma racionalidade política derivada das práticas realmente
existentes e não como sua condição a priori, nos ajudará a evidenciar a fragilidade
da suposta neutralidade do ―bom senso‖ em política.
Abordar a ação democrática desde um ponto de vista wittgensteiniano pode nos
ajudar, portanto, a formular a questão sobre a fidelidade à democracia de uma
forma diferente. De fato, nos faz reconhecer que a democracia não precisa uma
teoria da verdade ou noções como incondicionalidade e validade universal, mas
antes, uma multiplicidade de práticas e mudanças pragmáticas dirigidas a
persuadir as pessoas a ampliar o campo de seus compromissos para com os
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demais, a construir uma comunidade mais inclusiva. (MOUFFE: 2009, p. 65-66).
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Mouffe chama a olhar as práticas reais, de modo panorâmico, perspícuo. Exercício
wittgensteiniano por excelência: atingir o limite da razão para reconhecer a
importância do outro lado. Recurso evidente no Tractatus através do silêncio
conquistado. A persuasão, então, seria a dobra invertida da argumentação (lembrar
DC 612). Ela chega como auto-persuasão quando as perguntas chegam a um final e
atinjo a rocha dura onde a pá entorta (IF 217). Mas o limite da razão não nos
abandona a mais pura e dura contingência. Ele, esse limite, é a base da qual
emergem os ―jogos de linguagem‖, constituídos por ―formas de vida‖ e atravessados
por ―regras‖ para serem seguidas. Uma vez que uma regra não pode ser seguida
uma vez só, elas constituem uma tradição. A noção de tradição pode ajudar a
caracterizar culturalmente essa ―imagem de mundo‖ da qual falamos antes. A
tradição é o conjunto de práticas linguísticas e não linguísticas que nos constituem
enquanto sujeitos.
O projeto de Chantal Mouffe, então, é o de pensar na radicalização da democracia o
que ela denomina: democracia radical. Esta deve ser entendida como a expansão
de práticas democráticas com o ―objetivo de criar um outro tipo de articulação entre
os elementos da tradição democrática liberal, já não enquadrando os direitos numa
perspectiva individualista, mas concebendo-os como ―direitos democráticos.‖1
(MOUFFE: 1996, p. 33)
Aquilo de que necessitamos é de uma hegemonia de valores democráticos, o que
exige uma multiplicação de práticas democráticas, institucionalizando-as num
número cada vez mais diverso de relações sociais, de forma que possa ser
constituída uma multiplicidade de posições de sujeito a partir de uma matriz
democrática. É por este meio – e não tentando proporcionar-lhe um fundamento
racional – que poderemos, não apenas defender a democracia, mas também
1
Por “direitos democráticos” entendem-se aqueles direitos que não podem ser alienados sem comprometer a
existência mesma da democracia, ou seja: distinção entre o público e o privado, a separação entre Igreja e o
Estado, entre lei civil e lei religiosa. (MOUFFE: 1996, p. 176).
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aprofundá-la. Uma tal hegemonia nunca será completa e, de qualquer forma, não
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é desejável que uma sociedade seja governada por uma única lógica democrática.
(MOUFFE: 1996, p. 33)
Então, para finalizar, se retomamos a epígrafe de Wittgenstein e lembramos que ―um
governo pode querer o que ninguém particularmente quis‖ isto significa que a
vontade política não deve ser entendida como unanimidade deliberativa ou vontade
geral institucionalizada. Nossa leitura aponta mais para as práticas, para a
exterioridade que constitui nosso interior e nossos desejos e pretensões como
cidadãos democráticos. É essa exterioridade e não um fundamento íntimo que deva
ser tornado comum a que favorece e constitui a multiplicidade de práticas e opções
que devem ser levadas em conta na hora da procura não somente da
fundamentação, quanto do aprofundamento da democracia.
Referências bibliográficas
MOUFFE, Ch.
O regresso do político. Tradução Ana Cecília Simões. Lisboa:
Gradiva. 1996.
. The democratic paradox.
London-New York: Verso. 2009
WITTGENSTEIN, L. Da certeza. Tradução de Maria Elisa Costa. Edição bilíngüe
(alemão-português). Lisboa: Edições 70, 2000.
. Gramática Filosófica. Tradução de Luis Felipe Segura. Edição bilíngüe
(alemão-espanhol). México:UNAM, 1992
. Investigaciones filosóficas. Philosophische Untersuchungen. Edição bilingüe
(alemão-espanhol). Trad. Alfonso García Suárez e Ulises Moulines. Barcelona:
Crítica, 1988a.
Página
1999.
9
. Investigações filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Nova Cultural,
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_____. Tractatus lógico-philosophicus. Edição bilíngue (alemão-português). Trad.
Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo: EDUSP, 1993.
. Zettel. Edição preparada por G. E. M. Anscombe e G. H. von Wright.
Tradução de Octavio Castro e Carlos Ulises Moulines. Edição bilíngue (alemão-
Página
10
espanhol). Mexico: UNAM, 1985.
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A DIVERSIDADE DE SABERES A PARTIR DE WITTGENSTEIN
Marciano Adilio Spica
DEDIL – UNICENTRO/PR
Doutorando UFSC
Lista de abreviações
DC: Da Certeza
IF: Investigações Filosóficas
ORDF: Observaciones a La Rama Dorada de Frazer
P. M. S. Hacker em seu artigo Wittgenstein and the autonomy of Humanistic
Undestanding, ao comparar as ideias de Wittgenstein com as de Kant, faz uma
observação sobre o fato de que a obra do primeiro seria kantiana em dois sentidos.
Num primeiro por mostrar os limites da linguagem, mostrando que devemos
entender cada saber com suas regras. E, num segundo sentido, sua filosofia foi
crítica por ter, analogamente a Kant, criticado a ilusão filosófica que resulta do fato
de transgredirmos os limites da linguagem inadvertidamente.
Ele criticou o behaviorismo e o dualismo em filosofia da psicologia, atacou o
platonismo
e
o
intuicionismo
na
filosofia
da
matemática,
e
minou
o
fundacionalismo em epistemologia e filosofia da linguagem. Ele rejeitou as
pretensões dos metafísicos [...] e repudiou a venerável crença de que a lógica é
um campo de conhecimento das relações entre objetos abstratos. Ele condenou
como ilusão a ideia de que o subjetivo e o mental estão essencialmente no
conhecimento objetivo, e negou que o sujeito tem acesso privilegiado a sua
1
HACKER, P. Wittgenstein and the autonomy of humanistic understanding. In.: HACKER, P. M. S.
Wittgenstein: Conections and Controversies. Oxford: Clarendon Press, 2001, p. 37.
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própria consciência1.
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Concordamos com o que Hacker coloca em sua observação e entendemos que
nesse espírito crítico, de ênfase na destruição de conceitos estabelecidos na filosofia
é que se radica a maior contribuição de Wittgenstein. Mais especificamente, a
filosofia tardia se caracteriza por ―uma acentuada tentativa de proteger e conservar
domínios e formas de conhecimentos da erosão e distorção feitos pelo espírito
científico da época.‖ Ou seja, o grande objetivo deste filósofo é manter uma certa
independência entre as diferentes áreas de conhecimento e mostrar que nem tudo
pode ser reduzido aos métodos e explanações da ciência natural do século XX. Um
bom exemplo disso se faz presente Anotações sobre La Rama Dorada. A obra La
Rama Dorada é de autoria de Frazer, um antropólogo que neste trabalho faz uma
leitura das religiões primitivas, tentando mostrar os equívocos que esta comete. O
problema é que o antropólogo o faz comparando os costumes de religiões primitivas
à religião e à ciência europeia de sua época e essa é a principal crítica do filósofo
em questão. Tal crítica nos mostra a importância de se entender a variedade de
jogos de linguagem e a necessidade de se pensar também na variedade de saberes.
Wittgenstein percebe que o problema de Frazer é ter entendido as religiões
primitivas como um erro. E tal problema surge justamente deste não ter observado a
religião e os ritos de acordo com a visão que as próprias crenças tinham, mas as ter
estudado sob o olhar de um cristão inglês. Por um lado, Wittgenstein acusa Frazer
de entender as religiões primitivas em comparação ao cristianismo de sua época,
por outro, ele estaria simplificando o significado dos ritos religiosos ao estudá-los
sob a ótica das leis da ciência natural. O filosofo austríaco se pergunta até que ponto
poderíamos entender que santo Agostinho ou Buda ou outro qualquer estavam
errados ao expressar uma determinada religiosidade e conclui: ―Nenhum deles
estava em erro a não ser quando criaram uma teoria.‖1
1
ORDF, p. 50.
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como uma teoria e nem deve ser entendida dessa forma. Mas é justamente isso o
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Essa frase é ilustrativa para mostrar que a religião não é entendida por Wittgenstein
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que faz Frazer. Ele busca entender os ritos religiosos, buscando encontrar neles
sempre uma teoria que legitime tal mito. O pressuposto parece errado e fica mais
errado ainda quando o antropólogo em questão coloca teorias iguais ou muito
próximas a teorias das ciências naturais. Por exemplo, será que realmente podemos
dizer que a dança da chuva é dançada para que chova ou é um rito de
agradecimento? Frazer parece entender tais ritos através de uma lei natural de
causa e efeito e por isso simplifica tal rito, dizendo que ele é ingênuo por não ter
resultados e que as pessoas que a praticam não percebem que sempre dançam em
épocas que antecedem a chuva e não em outras. A pergunta que se colocaria aqui é
até que ponto no desenvolvimento de tal rito se pensou que realmente haveria uma
relação de causa e efeito entre a chuva e a dança ou não é simplesmente um rito de
agradecimento ou espera pela chuva que está chegando. Uma tal constatação de
Frazer talvez seja mais ingênua do que a própria dança da chuva, pois é como se
um homem que nunca tivesse visto uma casa com janelas e ao ver que logo depois
que as pessoas fecham as janelas começa a chover, concluísse que acreditamos
que fechamos as janelas para que chova. O erro de Frazer é reduzir tudo a algo
plausível a homens que têm a mesma visão que ele.1 Ao fazer isso, simplifica a
religiosidade antiga. E esse é um dos principais problemas de não entendermos a
linguagem e a variedade de saberes.
Quando estamos presos a uma única ideia de linguagem, procuramos a todo custo
recusar outros tipos de linguagens e atividades ou reduzi-las às nossas concepções
de mundo. É isso que faz Wittgenstein exclamar uma espécie de desabafo diante da
leitura que Frazer faz das religiões primitivas: ―Que estreita é a vida do espírito para
Frazer! E consequentemente: Que incapacidade para compreender uma vida que
não seja a de um inglês de seu tempo! Frazer não pode imaginar um sacerdote que
1
2
ORDF, p. 51.
ORDF, p. 57.
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imbecilidade e mediocridade.‖2 Tal desabafo de Wittgenstein se explica por Frazer
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não seja, no fundo, como um pároco inglês de nossos dias com toda a sua
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estar totalmente envolvido numa forma de ver o mundo que é a forma de sua época.
O antropólogo em questão está dogmaticamente envolvido na linguagem científica
ocidental do século XX e não consegue sair dela e, ao não conseguir ir para além
dela, generaliza-a a todas as linguagens possíveis. Como bem expressa Moreno:
Frazer não estaria cometendo apenas um erro teórico; seu erro foi principalmente
incorrer na generalização de determinada visão de mundo, ou melhor, estaria
atribuindo, de maneira dogmática, ainda que inadvertidamente, o modelo de
explicação científica do século XX, explicação através de hipóteses e causas, aos
indivíduos das comunidades cujos rituais descreve e pretende explicar. O erro
teórico consiste apenas em supor que explicações causais possam esclarecer o
sentido de comportamentos ritualístico, quando, na verdade, esse tipo de
explicação fornece somente ligações empíricas.
Erro mais grave e profundo
consiste em atribuir uma falsa ciência a comunidades em que hábitos ritualísticos
não visam, segundo Wittgenstein, explicar processos naturais através de causas,
mas exprimir valores de sua cultura. Erro profundo, porque atribui valores e
hábitos de uma sociedade aos indivíduos de outra sociedade, cujos valores e
hábitos pretende compreender. Confusão gramatical que tem consequências
teóricas e éticas no trabalho do antropólogo.1
O que Frazer precisa e nós também é fazermos uma terapia gramatical que nos cure
desta busca por generalidade que nos torna dogmáticos e atrapalha nossa visão
correta dos fenômenos humanos e naturais. Não podemos sobrepor a nossa
linguagem a todas as linguagens possíveis. Isso é um erro grave que tem como
resultado principal um entendimento totalmente errôneo daquilo que buscamos
compreender. O erro do filósofo que faz isso é o erro de superficialidade, ou seja, ele
não vai ao fundo das questões linguísticas, mas fica na superfície onde se reflete a
imagem dele mesmo. Frazer fica na superficialidade, ele projeta sua cultura na
cultura alheia e assim chega a conclusões que podem ser totalmente equivocadas.
1
MORENO, A. R. Introdução a uma pragmática filosófica: de uma concepção de filosofia como
atividade terapêutica a uma filosofia da linguagem. Campinas: Editora da Unicamp, 2005. p. 275-276.
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XX ou que todos eles têm a mesma natureza é, na visão de Wittgenstein,
4
Ora, entender que ritos têm a mesma natureza linguística que a ciência do século
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ingenuidade. É diante disso que ele dirá que ―Frazer é muito mais selvagem que a
maioria dos selvagens, posto que estes não estariam tão afastados da compreensão
de algo espiritual como está um inglês do século XX. Suas explicações dos
costumes primitivos são muito mais superficiais que o sentido de tais costumes.‖1
Frazer se mantém preso a uma única forma de explicar os fenômenos e não
consegue ir além dessa percepção. O que Wittgenstein propõe é que ultrapassemos
nossos dogmatismos e vejamos a variedade de formas de vida e de jogos de
linguagem e de saberes.
O que precisa ficar claro e Wittgenstein tem bem presente é que para além dos
fenômenos naturais, existem, na vida humana ‗fenômenos‘ que ultrapassam a esfera
natural e que são de suma importância para os seres humanos. Estes fenômenos
estão ligados às nossas paixões, desejos e formas de compreender o mundo e a
vida. Eles não são desligados da totalidade de nossa vida e, muitas vezes, até são
parte integrante nas nossas compreensões dos fenômenos naturais. Como destaca
Clack a vida humana é mais do que simples fenômeno natural ou racionalidade
lógica: ―ela é regrada pela paixão, pelo instinto, por motivações que nós podemos
descobrir e agarrar. Como resultado, nossa vida aqui é estranha e desconcertante.
Daqui
que
as
reflexões
de
Wittgenstein
sobre
prática
mágica
atingem
fundamentalmente a base dos pensamentos sobre ‗homem e seu passado ... o
estrangeiro que eu vejo em mim e em outros, que eu tenho visto e tenho ouvido‘‖2
Ora, se temos mais do que simplesmente pensamentos racionais, se nossa
linguagem é capaz de falar sobre religião, arte, ética, conceitos absolutos e
abstratos, seria absurdo recusar tudo isso ao ostracismo e dizer que não possui
sentido algum. Somos muito mais do que meramente seres naturais ou animais, que
podem ser compreendidos meramente pelas ciências naturais. ―Nossa natureza
1
ODRF, p. 58.
CLACK, B. Wittgenstein and Magic. In.: Arrington, R. L & ADDIS, M. (org).
Philosophy of Religion. London New York: Routledge, p. 26.
2
Wittgenstein an
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animal é transformada pela nossa aquisição de, e participação na instituição cultural
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de uma linguagem. Os fenômenos que são objetos de estudos das humanidades
estão entornados com linguagem, inteligíveis somente como propriedades e
relações, ações e paixões, práticas e produtos, instituições e histórias de criaturas
que usam linguagem.‖ E é disso que Wittgenstein se dá conta em sua filosofia tardia.
O que Wittgenstein enfatiza é que se somos seres que possuem uma linguagem
muito mais complexa do que somente uma linguagem empírica ou científica,
devemos nos ater também nesses outros campos da vida humana em que conceitos
e sentenças surgem de práticas que não se enquadram nas explicações das
ciências naturais. É nesse sentido que Hacker diz que:
Há formas de investigação racional que não são científicas, formas de
entendimentos que não são modeladas sobre o conhecimento científico dos
fenômenos naturais. Entender o homem como um ser cultural e social envolve
categorias e formas de entendimento
e explanações para além das ciências
naturais. Há outros domínios de investigação que também são verdadeiros – por
exemplo, compreensão estética, compreensão do mito e do ritual, bem como
compreensão filosófica.1
Esses outros campos de compreensão precisam ser pensados dentro de seus
limites, pensados a partir de suas gramáticas e não sob a égide de um único saber.
É daí que ―A compreensão de tais fenômenos, contudo, demanda formas de
entendimentos e explanações apropriadas a e dependentes da compreensão da
linguagem e seus usos no curso da vida humana‖2. Mas a pergunta que se coloca é
justamente qual seria essa tal forma de explanação e entendimento.
Em nossa perspectiva, talvez o primeiro e mais importante passo a ser dado é
elucidar o fato de que Wittgenstein tinha uma visão ampla de conhecimento, ou
HACKER, P. Wittgenstein and the autonomy of humanistic understanding. In.: HACKER, P. M. S.
Wittgenstein: Conections and Controversies. Oxford: Clarendon Press, 2001, p. 40.
2
HACKER, P. Wittgenstein and the autonomy of humanistic understanding. In.: HACKER, P. M. S.
Wittgenstein: Conections and Controversies. Oxford: Clarendon Press, 2001, p. 57.
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melhor, de saber. Ele não concordava com uma única idéia de saber e mostra em
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vários momentos que a gramática do saber é bem mais ampla do que podemos
perceber num primeiro momento.
A discussão sobre uma possível diferenciação de saberes começa a ser
apresentada por Wittgenstein nas Investigações Filosóficas e tem uma certa
continuidade no Da Certeza. Para este, os saberes devem ser entendidos dentro de
um sistema global de sentenças e práticas, ou seja, eles estão intimamente ligados
com os jogos de linguagem1. Estando ligados diretamente com a linguagem, ou
melhor, com jogos de linguagem, o saber não pode ser entendido sem entendermos
os jogos de linguagem que o constituem. Todo saber está fincado nos emaranhados
de práticas e signos de um jogo.
Nesse sentido, suas discussões sobre a possibilidade de existirem diferentes
saberes não podem ser distanciadas de suas discussões sobre a linguagem e sua
busca por mostrar diferenças gramaticais.2 Assim, ao falar dos diversos saberes, ele
está se referindo à gramática do saber, ou seja, às várias maneiras nas quais
utilizamos essa palavra em nosso dia-a-dia linguístico. Para ele, ―É evidente que a
gramática da palavra ‗saber‘ goza de estreito parentesco com a gramática das
palavras ‗poder‘, ‗ser capaz‘. Mas também com a gramática da palavra
‗compreender‘. (‗Dominar uma técnica‘). Mas há também este emprego da palavra
‗saber‘: dizemos ‗Agora sei!‘ – e igualmente, ‗Agora sou capaz!‘ e ‗Agora
compreendo!‖.
Neste trecho contido nos parágrafos 150-151, Wittgenstein elabora um breve e
profundo estudo sobre as utilizações que fazemos da palavra saber. Em nosso diaa-dia, não dizemos somente que sabemos algo se estamos a par de uma crença
verdadeira e justificada, mas também se somos capazes de fazer determinada
1
2
Cf. DC, p. 159.
Cf. IF, p. 245
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atividade ou se compreendemos como desempenhar alguma tarefa.
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Wittgenstein mostra claramente que em nosso dia-a-dia utilizamos a palavra saber
também em circunstâncias em que dizemos que somos capazes de fazer
determinada coisa, ou que dominamos uma técnica ou que seguimos uma regra
corretamente. Por exemplo, uso a palavra conhecer ou saber para dizer que sei
dirigir, significando que sou capaz de conduzir um carro; ainda, no sentido de que
posso fazer um churrasco, ou seja, de dominar a técnica de assar carne. Essas
idéias, mostram claramente que em nosso dia-a-dia não estamos presos a somente
um uso da palavra saber, não estamos presos em dizer que só sabemos algo no
sentido proposicional. Saber é algo mais amplo do que simplesmente ter boas
razões para determinada coisa, ou asserir algo. Nesse sentido é que, no Da
Certeza, Wittgenstein dirá que para entender a linguagem e, mais do que isso, o
saber, é necessário tomar o homem como um ser primitivo a quem se reconhece
instinto e não raciocínio. Se o tomarmos nesse sentido, entenderemos o
aprendizado das coisas e, consequentemente, os vários usos da palavra saber.
Como seres linguísticos, aprendemos a usar a linguagem sem nos preocuparmos
com os fundamentos das sentenças, aprendemos a escrever sem saber por que o
‗A‘ é realmente ‗A‘ e assim por diante. ―As crianças não aprendem que existem
livros, que existem poltronas, aprendem a ir buscar livros, a sentarem-se em
poltronas, etc.‖1 Ou seja, as crianças aprendem a desempenhar determinadas
atividades, a seguir determinadas regras, somente depois é que aprendem a
fundamentar e justificar suas ações e crenças. Neste sentido, não podemos nos
furtar de darmos um estatuto de saber também a atividades que não
necessariamente se constituem em crenças verdadeiras e justificadas, ou a
atividades que não podem ser descritas de forma assertiva.
Além destes saberes mais primitivos, alguns outros saberes também prescindem de
1
DC.
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caso da moralidade, da arte e da religião. Na moralidade, uma pessoa pode saber
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um conhecimento no sentido clássico, mas podem ser entendidos como saber. É o
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seguir uma regra, sem saber necessariamente justificá-la. Na arte é possível
dominar uma técnica e esse dominar uma técnica não necessariamente se coloque
como um saber científico e nem pode ser expresso em proposições. Na religião é
possível compreender um ritual, sem que necessariamente precisemos entendê-lo
no sentido da ciência; podemos rezar sem que essa oração seja um conjunto de
proposições ou que estejamos preocupados com a verdade do que estamos
proferindo. Nesse sentido, não se pode deixar de dizer que Wittgenstein entendia
que havia uma variedade de saberes e que a tentativa de reduzir todos eles a uma
única forma de conhecimento é um erro gramatical, fruto do mau entendimento da
linguagem e das práticas que constituem esses saberes.
Na verdade, o principal erro no que tange à redução do conhecimento é considerar
como único saber válido, o saber constituído por proposições, ou seja, por
sentenças passíveis de verdade ou falsidade. Para Wittgenstein, há saberes
práticos, compreensões que extrapolam o conhecimento proposicional, e há coisas
que somos capazes de fazer sem que possamos traduzi-las em proposições, como
no exemplo de uma poesia ou oração. O conhecimento então não se reduz somente
ao conhecimento proposicional, mas a conhecimentos que podem ser entendidos
como saberes que são frutos de nossas práticas cotidianas, desenvolvidas dentro de
um determinado jogo. Esse conhecimento prático é fruto geralmente da repetição ou
treinamento ou de práticas cotidianas e pode ser traduzido como uma certa
capacidade de fazer determinadas atividades. Assim, ele pode ser entendido como
um saber fazer1, ou ser capaz de fazer ou poder fazer
Apesar de Wittgenstein ter mostrado a possibilidade de variedade de saberes, é
interessante perceber que ele não chegou a sistematizar tais idéias, ou conceituar
estes saberes. é necessário olharmos de forma mais sistemática essa possibilidade
1
Aqui o ‗fazer‘ não deve ser entendido somente no sentido de fazer algo com material, mas também
atividades que requerem pensamento abstrato como no caso de seguir uma série de números na
matemática, como bem o coloca Wittgenstein no parágrafo 151 das Investigações.
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de divisão de saberes. Para isso, não podemos nos furtar da apresentação das
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ideias desenvolvidas por Gilbert Ryle que tentou mostrar que além do conhecimento
como crença verdadeira e justificada, existiria um outro saber que é fruto do
treinamento. Essas ideias estão bem desenvolvidas em sua obra The concept of
mind, mais precisamente no capítulo 2 de tal obra intitulado: Knowing how and
knowing that.
Para Ryle,
Quando nós falamos de intelecto, ou melhor, dos poderes intelectuais e
performances das pessoas, estamos nos referindo primariamente aquela classe
especial de operações que constituem teorias. O objetivo destas operações é o
conhecimento de proposições verdadeiras ou fatos. [...] Outros poderes humanos
seriam classificados como mentais somente se eles mostrassem ser de algum
modo guiados pela compreensão intelectual de proposições verdadeiras. Ser
racional seria ser capaz de reconhecer verdades e as conexões entre elas. Agir
racionalmente seria, consequentemente, ter alguma propensão não-teórica
controlada por alguma apreensão de verdades sobre a conduta da vida.1
Aqui, neste trecho, Ryle nos apresenta como a filosofia caracteriza o saber. Na
contemporaneidade, conhecer é ser guiado pela razão ou ter um aparato de
conhecimentos racionais. Tal ideia é tão difundida que até mesmo coisas simples do
dia-a-dia deveriam ser entendidas dentro de teorias sobre como funcionam as
coisas. Aquilo que não se encaixa dentro da ideia de verdade deveria ser deixada de
lado por não se constituir em conhecimento. Tais ideias são típicas, por exemplo, do
positivismo lógico ou círculo de Viena, no qual só era considerado conhecimento
aquilo que poderia ser transformado em proposição.
O problema nessa descrição do conhecimento é que em nosso dia-a-dia não
estamos preocupados somente com teorias ou proposições. Nossa linguagem é
que revelam diretamente qualidades de mente, ainda que não sejam nenhuma
1
RYLE, G. The Concept of Mind. London: The Penguin Group, 1990, p. 27.
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caso da poesia e até mesmo de sentenças morais. Para Ryle há ―muitas atividades
10
capaz de criar jogos onde os fatos ou proposições são deixados de lado, como no
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operação intelectual em si, nem efeitos de operações intelectuais. Prática inteligente
não é um estepe de teoria. Pelo contrário, teorizar é uma prática entre outras e é em
si inteligível ou estupidamente conduzida.‖1
O que Ryle pretende mostrar é que existem inúmeras atividades humanas que não
estão baseadas em teorias ou verdades da razão, mas que nem por isso podem ser
consideradas como de nível inferior ou serem deixadas de lado. Pelo contrário, ele
mostra que em nosso dia-a-dia, dizemos que uma pessoa é inteligente ou não muito
mais por sua capacidade ou habilidade para fazer determinadas coisas do que por
seu conhecimento acumulado de teorias. Tais habilidades são capacidades ou
competências para fazer ou desempenhar determinada atividade, por isso elas se
constituem em uma espécie de saber como (Know how). Esta espécie de saber se
diferencia de um saber teórico que apresenta um repertório de conhecimentos a
respeito das mais diversas teorias, o que é caracterizado por Ryle como saber que
(Know that) no sentido de ter conhecimento a respeito de se alguma proposição ou
fato é ou não o caso, é ou não é verdadeira. O saber que se caracteriza como a
idéia clássica de conhecimento que perpassa a história da filosofia.
O que Ryle nos apresenta e que para nós é interessante é o fato de que existem
conhecimentos que não se enquadram dentro desta definição clássica do
conhecimento ou do que ele chama intelectualismo. Assim, ao apresentar o saber
como, Ryle nos abre para uma visão mais ampla de conhecimento, assim como
Wittgenstein fizera nas Investigações. Por isso, antes de voltarmos as teorias deste
último, entendemos ser necessário olharmos atentamente para as idéias sobre o
saber como.
Para Ryle o que está em jogo quando dizemos que uma pessoa sabe falar
1
Ibidem
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atividades é que quando elas fazem estas atividades,
11
corretamente, usar corretamente uma gramática, jogar xadrez ou tantas outras
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Elas tendem a fazê-las bem, i.e., corretamente ou de modo eficiente ou com
sucesso. Suas performances atingem certos padrões, ou satisfazem certos
critérios. Mas isso não é tudo. [...] Ser inteligente não é meramente satisfazer
critérios, mas aplicá-los. Regular ações e não meramente ser bem-regulada. A
performance de uma pessoa é descrita como exata ou equivocada, se em suas
operações ele é prontamente detectada e corretamente decorrida, repetida e
improvisada sobre sucessos, aproveitando-se dos exemplos dos outros e assim
por diante.1
Se o observarmos com atenção veremos que Ryle entende que o saber como
possui critérios próprios de correção, internos à própria ação, ou seja, quando
dizemos que alguém sabe como fazer determinada coisa, nós temos como perceber
que ele está fazendo a atividade de forma correta ou não e isso é o que importa. No
saber como, a linguagem está intimamente ligada ao fato de saber ou não seguir
uma determinada regra.
Ryle foca muito suas ideias no fato de que o saber como é fruto de treinamento, ou
seja, uma pessoa que sabe como fazer determinada coisa não o sabe por acaso,
mas aprendeu a fazê-lo desta forma, foi treinada para fazer isso. Tal treinamento é
fruto da prática, ou seja, da repetição dentro de certos parâmetros. Assim, o saber
como torna-se como que uma segunda natureza, ou seja, disposições adquiridas e
que se tornam parte do sujeito que as possui2.
Dall‘Agnol em seu artigo Pratical cognitivism mostra de forma clara essas ideias de
Ryle ao afirmar que uma determinada pessoa que é treinada a fazer determinada
atividade não o faz de forma mecânica, mas de forma critica. Ele usa o exemplo de
uma pessoa que aprende a andar de bicicleta e depois de ter aprendido é capaz de
reformular algumas regras na própria atividade de andar de bicicleta. Assim, ele
hábitos por constante treinamento, que não são somente repetições mecânicas, mas
1
2
RYLE, G. The Concept of Mind. London: The Penguin Group. 1990, p. 29..
RYLE, G. The Concept of Mind. London: The Penguin Group. 1990, p. 41-44.
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através da educação esta habilidade torna-se parte de seu ser. Ele desenvolve
12
afirma que ―O conhecer como torna-se parte de sua segunda natureza, isto é,
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podem envolver (auto)criticismo e refazer(redoing).‖1 O que Dall‘Agnol reforça, se
bem o entendemos, é que o saber como é puramente prático, no sentido de que
mesmo que o detentor de determinado saber tenha em mente as regras que deve
seguir para andar de bicicleta, com sua prática cotidiana, essas regras podem ser
modificadas. Tal modificação não acontece por reflexão racional, mas no próprio
andar de bicicleta, na própria prática dele. Isso acontece de forma clara com um
motorista, que ao aprender na auto-escola as regras de como dirigir um carro, com o
passar do tempo, modifica sua maneira de dirigir, aperfeiçoa ou não sua maneira de
dirigir.
O que temos que ter em mente, ao falarmos do saber como, e que Wittgenstein
tinha ao falar da variedade de saberes, é que a prática humana é totalmente
dinâmica e mesmo que seja regrada, ela mesma modifica as regras. Ou seja, na
prática do próprio jogo as regras podem ser postas à prova e modificadas. Daqui,
pode-se entrar na discussão sobre a possibilidade ou não do saber como ser
reduzido ou entendido como uma esfera do saber que. Alguns defensores2 dessa
idéia dizem que a inteligência prática, envolvendo a observação de regras, ou
aplicações
de
critérios,
requer
necessariamente
uma
reflexão
anterior,
caracterizando-se como um saber que. Aqui novamente temos que voltar ao texto
de Dall‘Agnol. Para ele, sendo o conhecer como uma habilidade de aplicar regras
adquiridas por treinamento,3 ele até pode envolver em seu interior aspectos do
conhecer que, mas não pode ser reduzido a ele porque o primeiro não é adquirido
pelo conhecimento de conexões causais4. Concordamos com Dall‘Agnol que pode
haver aspectos por assim dizer teóricos no saber como, mas disso, não se pode
1
DALL‘AGNOL, D. Pratical Cognitivism. In.: ethic@. Florianópolis. v. 7, n. 2 , 2008. p. 326.
Entre tais defensores, podemos citar Jason Stanley e Timothy Willianson que no artigo Knowing how
(Journal of Philosophy, 98.8. 2001) defendem tal redução. Aqui é importante dizer que não nos
ateremos de forma muita intensa a tal debate. Tomaremos como base o fato de que o saber como
não pode ser reduzido ao saber que, apesar de, as vezes, possuir alguns aspectos de saber que.
3
Dall‘Agnol, ao fazer essa definição afirma também que se tomarmos conhecer como neste sentido,
não teremos o problema de alguém nos dizer que o conhecer como é instintivo e que faz parte de
animais e seres recém-nascidos, por exemplo. Entendemos que essa definição é de suma
importância para nossos objetivos posteriores, além de mostrar claramente as visões de Ryle.
4
Cf. DALL‘AGNOL, D. Pratical Cognitivism. In.: ethic@, Florianopolis, v. 7, n. 2 , 2008, p. 331.
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induzir que o saber como, necessariamente precise de conexões causais ou
reflexões lógico-racionais. O saber como independe de relações causais.
Este trabalho buscou, de forma breve, mostrar a contribuição de Wittgenstein para
compreender a variedade de saberes. Tal discussão se faz presente porque na
época de Wittgenstein e ainda hoje um dos principais problemas da filosofia e da
ciência é tentar encontrar um único saber e fazer dele o saber hegemônico. Nosso
trabalho mostrou que talvez seja muito mais frutífero nos voltarmos para a
compreensão da variedade de saberes que a prática e a linguagem humana é capaz
de criar, do que cometer erros de entrecruzamento de jogos ou de generalização de
métodos e entendimentos de uma área de atuação humana a todas as áreas. Isso
pode parecer desnecessário, mas Wittgenstein vive em uma época em que não
faltam tentativas de tentar justificar, por exemplo, ética, estética e religião de um
ponto de vista das ciências naturais e, ainda hoje, não faltam obras que tentam fazer
isso. Mas será que essa é realmente a saída para entendermos os fenômenos
humanos? Será que tudo o que temos são fatos que podem ser explicados pelas
ciências? Podemos reduzir à ética, por exemplo, a uma ciência? Se sim, como
poderíamos dizer que somos livres e que podemos decidir sobre o certo e o errado?
Talvez com o que apresentamos aqui surjam muito mais questões do que respostas.
Mas, talvez, num mundo em que nos apresentam tudo como certo, a melhor coisa a
fazer é aprender a questionar.
Referências bibliográficas
CLACK, B. Wittgenstein and Magic. In.: Arrington, R. L & ADDIS, M. (org).
Wittgenstein an Philosophy of Religion. London New York: Routledge, 2005.
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14
DALL‘AGNOL, D. Pratical Cognitivism. In.: ethic@. Florianópolis.v 7 n2 , 2008.
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DOGMATISMO E CRITICISMO NA ENCRUZILHADA DA DOUTRINA DO
IDEALISMO TRANSCENDENTAL EM KANT
Luciano Carlos Utteich
Depto de Filosofia – UNIOESTE/Toledo
[email protected]
Palavras-chave: Kant, Schelling, Dogmatismo, Criticismo. Idealismo transcendental
Apresentamos aqui a polêmica do jovem Schelling com o modelo da razão
transcendental kantiana, cuja Crítica da razão pura instituiu a partir do método da
doutrina do Idealismo transcendental a possibilidade de dois paradigmas
contrapostos: o dogmatismo e o criticismo. Reformular a questão do fundamento
incondicionado da razão, como alternativa à disputa sem fim entre os criticistas e os
dogmatistas, é a meta schellinguina para estabelecer a autonomia da razão. O
estabelecimento dessa autonomia passava pela crítica à prova moral da existência
de Deus em Kant. O pano de fundo do debate está na relação entre o texto
schellinguiano Cartas Filosóficas sobre o Dogmatismo e o Criticismo (1795), no qual
é apresentada a sua elaboração contra a chamada prova moral da existência de
Deus, e essa prova, que resultara como desfecho de investigação à filosofia críticotranscendental kantiana. O texto schellingiano está inteiramente embasado na
proposta transcendental do sistema kantiano; mas isso não o impediu de se servir
disso tanto para refutar a prova moral da existência de Deus como para edificar um
novo estágio da razão sistemática, o da tematização do incondicionado. Na ligação
dos temas Deus e natureza, comparamos as duas representações vinculadas à
refutação do criticismo e do dogmatismo, já que elas aparecem como posturas
filosóficas não fundadas de modo verdadeiramente incondicional. Schelling,
comparando o tratamento concedido aos pressupostos destes dois modelos, levado
a efeito por Kant, redargüiu à solução kantiana pela avaliação dessas duas escolas
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filosóficas que dividem no texto a atenção às análises e que encontramos conforme
a caracterização das posições que mantiveram historicamente o debate: a posição
dos ―intérpretes‖ e seguidores da filosofia transcendental, herdeiros do kantismo,
como aqueles que se julgavam aptos a manter em voga o núcleo de problemas
discutidos pela filosofia transcendental, sob o título de criticismo; e a abordagem
constituída pela postura dogmática, na designação das vertentes filosóficas que
julgavam poder valer-se, de algum modo, no encalço dos motivos encontrados na
Crítica da razão pura de Kant, do endosso dessa última. É através da crítica ao
modo como a recepção da prova moral da existência de Deus interveio no
estabelecimento da autonomia da razão kantiana que Schelling chega ao princípio
absoluto. Na sua argumentação destaca-se a distinção entre os filósofos críticos e
os dogmáticos: os primeiros lançavam mão exclusivamente do uso de postulados
práticos da razão, visto que acreditavam ―pelo mero nome de postulados práticos, já
terem distinguido suficientemente esse sistema [criticista] de todos os outros‖(Quinta
Carta, Ak 301; 1972 Abril Cult., p. 188). A eles Schelling lança a objeção: ―Àquilo que
não podeis provar, imprimis a chancela da razão prática, assegurando que vossa
moeda será negociável por toda parte, onde reinar a razão humana‖(Segunda Carta,
Ak 292; 1972 Abril Cult., p.183). Já para os filósofos dogmáticos se servir dos
postulados práticos e de fundamentos morais da crença para justificar o fundamento
transcendental da razão levaria a rebaixar a dignidade da razão especulativa. Nesse
sentido, o dogmatismo e o criticismo têm o mesmo problema, que é: como é possível
determinar ainda algo para além da lei de identidade? Para ambos isso é insolúvel.
Assim, pela reformulação do problema se encontrará o fundamento autêntico que
leva a conciliar essas duas tradições históricas. Tal fundamento é o ―ser original‖,
como representando o elemento incondicionado subjacente a ambos e que só
aparece a partir da crítica ao argumento moral da prova da existência de Deus, a
partir do silogismo schellingiano que reza: porque a razão teórica é demasiado fraca
para conceber um Deus, e porque a ideia de um Deus só é ―realizável‖ por
exigências morais, então tenho de pensar Deus ―sob leis morais‖. Ou seja, se
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preciso – para salvar minha moralidade – da ideia de um Deus moral, e assim
admito um Deus apenas para salvá-la, esse Deus tem de ser (caracterizado como)
um Deus ―moral‖. Preservando o de melhor da filosofia crítica o dogmatismo perfeito
schellinguiano concebe os fundamentos de um novo sistema, já que numa instância
meramente ―teórica‖ a ideia de um Deus moral estaria sujeita a sofrer as intempéries
da história, pois com ela se visou conceber um Deus que alinhava ―o desalento
moral e a autonomia moral‖, ―a fraqueza e a força‖. Portanto, essa ideia permanece
não apenas arbitrária, senão que leva a desconsiderar que a própria natureza está
encarregada de promover o desenvolvimento do gênero humano pela ideia de uma
astúcia oculta (no sentido em que Kant a desenvolveu em Ideia de uma História
Universal do ponto de vista cosmopolita) e que, em se admitindo atribuir essa ideia a
um Deus considerado ―moral‖, a função de Deus aqui seria apenas a de corroborar,
por sua vez, as intempéries da natureza (Deus ex machina). Daí porque, diz
Schelling, o ―forte atrativo peculiar ao dogmatismo‖ perfeito, reside no fato de que
―ele não parte de abstrações ou de princípios mortos, mas (pelo menos em sua
forma perfeita) de uma existência, que zomba de todas as nossas palavras e
princípios mortos‖(Segunda Carta, Ak 290; 1972 Abril Cult., p. 182). Sem admitir
subterfúgios como os que fizeram o criticismo buscar num mundo absolutamente
objetivo e num Deus moral a justificação para causas naturais, em face da fraqueza
e cegueira da razão teórica, o dogmatismo perfeito exigirá do próprio ser originário
que admita uma objetividade absoluta: este deve explicar a necessidade de uma
existência que é independente da lei (ab-solutos), não cabendo conceder tal tarefa à
mera índole da faculdade de conhecer. Assim, da própria Crítica da razão pura, na
medida em que ela tem apenas o status de um ―cânon‖ da razão, e não de um
sistema desenvolvido, obteve-se a condição para os sistemas – dois deles: o
criticismo e o dogmatismo (Quinta Carta, Ak 301; 1972 Abril Cult., p. 188). E uma
decorrência necessária do conceito de filosofia é que ―não poderia haver, em geral,
sistemas diferentes, se ao mesmo tempo não houvesse um domínio comum a todos
eles‖(Terceira Carta, Ak 293; 1972 Abril Cult., p. 184). Se por um lado a Crítica
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estabeleceu o método dos postulados práticos para dois sistemas inteiramente
opostos, por outro lado era impossível a ela justamente por isso ―ir além do mero
método, e como ela devia atender a todos os sistemas, era-lhe impossível
determinar o espírito próprio de cada sistema em sua singularidade‖(Quinta Carta,
Ak 304; 1972 Abril Cult., p. 189). Por isso, a fim de que o método fosse mantido em
sua universalidade, a Crítica teve ―de mantê-lo, ao mesmo tempo, naquela
indeterminação que não excluía nenhum dos dois sistemas‖(Quinta Carta, Ak 304;
1972 Abril Cult., p. 189). Por isso torna-se claro que toda a tentativa de ir além da
mera crítica só pode pertencer a um dos dois sistemas, visto que todos os demais
sistemas são somente cópias mais ou menos fiéis dos dois sistemas expostos. E,
neste sentido, Schelling salienta que enquanto ―cânon‖ de todos os sistemas
possíveis a Crítica da razão pura devia então deduzir ―a necessidade de postulados
práticos‖ da idéia de um sistema em geral, e não da idéia de um sistema
determinado. Só com vistas a esse sistema deverá ser encontrado um princípio
incondicionado, visto que aqui não está mais em atividade a razão teórica
(Verstand), mas antes a razão em geral (Vernunft).
Bibliografia
GIL, F. Recepção da Crítica da razão pura. Antologia de escritos sobre Kant (17861844). Lisboa: Calouste-Gulbenkian, 1992.
HEGEL, G. W. F. Escritos de Juventud. México: Fundo de Cultura Económica, 1978.
HENRICH, D. Hegel en su contexto. Venezuela: Monte Ávila Editores, 1987.
HÖLDERLIN, F. Urteil und Sein. Trad. Joãosinho Beckenkamp. In: Dissertatio, (1314), UFPel, 2001, p. 27-53.
KANT, I. Crítica da razão pura. Trad. Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger.
Coleção Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1980.
____. Crítica da razão prática. Lisboa: Edições Setenta, 1997.
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____. Crítica da faculdade do juízo. Trad. Valério Rohden. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1995.
____. Primeira introdução à Crítica da faculdade do juízo. Trad. Rubens R. T. Filho.
In: Duas Introduções à Crítica do juízo. São Paulo: Edusp, 1995.
LÖWY, M. Romantismo e Messianismo: ensaios sobre Lukács e Walter Benjamin.
São Paulo: Perspectiva/Editora da Universidade de São Paulo, 1990.
SCHELLING, F. W. Cartas Filosóficas sobre o Dogmatismo e o Criticismo. Trad.
Rubens R. T. Filho. Coleção Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1973.
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RESUMOS DE COMUNICAÇÕES
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O CONCEITO DE INTUIÇÃO: DISTINÇÕES ENTRE DESCARTES, KANT E
BERGSON
Luiz Ricardo Rech,
Mestrando – UNIOESTE/Toledo
[email protected]
Palavras-chave: Intuição, Bergson, Descartes, Kant, História da Filosofia
É fato relativamente comum que filósofos nas mais diferentes épocas lancem mão
de termos já amplamente utilizados pela tradição filosóficas para expressar suas
idéias e estabelecer seus próprios conceitos. Ao fazê-lo, os autores travam um
diálogo muito particular com a tradição, chegando por vezes à reformulação
completa dos termos a fim de buscar maior clareza e precisão em suas
argumentações. Em meio a esta diversidade de usos de termos filosóficos podem
surgir dificuldades de compreensão na leitura dos textos e até mesmo erros de
interpretação. O presente trabalho busca esclarecer como o conceito de intuição
sofreu distinções na modernidade e na passagem para a contemporaneidade, em
três autores em particular: Descartes, Kant e Bergson. Isto será feito mediante uma
breve abordagem do termo para Descartes e Kant, e posteriormente com a
exposição da interpretação bergsoniana do mesmo. Visto que para Bergson o termo
tem profunda ligação com a própria atividade filosófica, serão discutidas também as
dificuldades encontradas na metafísica tradicional, sob a ótica do autor e a proposta
do filósofo francês para a filosofia, partindo da intuição como forma de se apreender
uma realidade movente, buscando restituir ao movimento o que este tem de
filósofos fundamentais do período moderno –, para, a partir disso, prosseguir com a
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partir de uma linha histórica, o conceito de intuição em Descartes e Kant – dois
1
essencial, ou seja, a própria mudança e sua indivisibilidade. Busca-se abordar, a
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discussão a respeito do método intuitivo bergsoniano, no princípio do período
contemporâneo. Para Descartes a intuição é parte constituinte do próprio
entendimento, junto com a dedução. O entendimento é, por sua vez, uma das
faculdades do espírito, que devem ser exercitadas para dar ao homem a capacidade
de estabelecer juízos sobre aquilo com o que toma contato. A intuição para
Descartes é intelectual e proporciona uma distinção clara e nítida no estudo de uma
realidade. Intuição e dedução ligam-se ao método no sentido em que por ele são
direcionadas para alcançar um conhecimento verdadeiro. É importante frisar
também seu caráter de simplicidade: toda intuição se dá sobre uma realidade
simples e por isso mesmo evidente. Se para Descartes a intuição é componente
ativo do entendimento, para Kant deve-se efetuar uma divisão entre as formas da
intuição sensível e o entendimento. Ao entendimento ficam designadas as categorias
ou conceitos puros. A intuição, por sua vez, diz respeito à recepção dos fenômenos
sensíveis, sendo empírica quando associada à sensação (aesthèsis) e pura quando
associada às formas (espaço e tempo) que são a própria condição de possibilidade
de uma intuição sensível (empírica). Espaço e tempo caracterizam-se como as duas
formas puras da intuição sensível e são dadas a priori, de tal forma que condicionam
a experiência do fenômeno. Assim, a matéria para Kant, é a própria sensação que
se encontra condicionada pelas formas de intuição. Constituinte do entendimento
(como em Descartes) ou condição para toda experiência sensível (como em Kant), a
intuição liga-se ao intelecto de maneira inextricável. A direção do pensamento é a
mesma: a busca por uma ciência que dê conta de compreender a realidade de
maneira segura e determinística. Em relação a Bergson é importante destacar
inicialmente que há duas vias para se conhecer a realidade. Dois movimentos
opostos do pensamento. A primeira dessas vias é a que segue o próprio intelecto,
generalizando, classificando e agindo sobre a matéria. Há uma caracterização
e onde, primitivamente, se desenvolveu a vida, na sua relação com a matéria (por
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conhecimento é o ambiente no qual se desenvolvem as ciências positivas modernas
2
profundamente pragmática nesta forma de pensar (e agir). Esta forma de
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vezes como obstáculo, outras como sustentação). Nesta via não há traço algum do
que Bergson denomina intuição. A intuição, para Bergson, surge na segunda via de
conhecimento da realidade: a metafísica. O esforço de reflexão necessário à
metafísica apresenta-se como uma inversão da reflexão intelectual. Se o intelecto
busca a imobilização de uma realidade para estudá-la em seus detalhes, para a
metafísica bergsoniana o que importa é a percepção do movimento, das tendências
que um e outro estado estabelecem entre si. Para perceber este movimento é que
surge o recurso à intuição na filosofia bergsoniana. Bergson ergue sobre os
conceitos de duração (não abordado diretamente neste texto) e intuição o método
pelo qual pretende investigar a realidade em sua característica mais profunda e
reveladora: o movimento. A intuição é, pois, consciência imediata que adere ao
movimento e às mudanças e tendências do objeto. Esta, portanto, é a raiz do
pensamento bergsoniano. A segunda via de compreensão da realidade é o ponto
central do pensamento do filósofo francês, tornando-se o recurso fundamental para
a compreensão do movimento. É a aderência total da percepção à realidade e ao
fluxo da vida. O primeiro sentido que se destaca da intuição é o do acesso direto ao
espírito. Não obstante, Bergson adverte desde sempre em suas obras a respeito da
dificuldade de conceituação do próprio termo intuição. Assim, não há o que se possa
identificar como uma definição objetiva e pontual. Diversas gradações compõem a
construção do termo, bem como diferentes aproximações, em situações diversas.
Porém o fundamento da intuição volta sempre sobre si mesmo, ou seja, a duração
pura, a percepção do movimento como tal, não considerado como instantâneos que
fixam o espaço e deixam de lado a duração. A intuição é a própria percepção do
movimento. Deve, antes de qualquer coisa, devolver à realidade seus atributos
qualitativos, aceitando cada desenvolvimento da duração como único e resultante de
um movimento que é o fundamento da própria realidade. Neste sentido, Bergson
das
filosofias
de
Descartes
e
Kant.
Tal
distanciamento é abordado aqui pela análise do uso do conceito de intuição nos três
filósofos, porém, tem raízes mais profundas, envolvendo pressupostos e
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3
propositadamente
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distancia-se
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conseqüências bastante distintos em cada um dos autores. Ainda que Bergson,
como ele mesmo aponta, busque para a filosofia um caráter de precisão e
indubitabilidade, tal busca acaba por levar a uma inversão na marcha tradicional do
pensamento. A intuição da duração pura para o autor não é uma faculdade
intelectual, ainda que necessite articular elementos intelectuais para que possa ser
expressada.
Referências bibliográficas
BERGSON, Henri. Ensaio sobre os dados imediatos da consciência.
Tradução: João da Silva Gama. Lisboa: Edições 70, 1988.
. O pensamento e o movente. Tradução: Bento Prado Neto. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução: Manuela Pinto dos Santos
e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.
SILVA, Franklin Leopoldo e. Bergson: Intuição e discurso filosófico. São Paulo:
Loyola, 1994.
PRADO, Bento. Presença e campo transcendental: consciência e negatividade na
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4
filosofia de Bergson. São Paulo: Edusp, 1988.
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O CONCEITO DE DIREITO NATURAL EM HOBBES: LIBERDADE E
OBRIGAÇÃO
Gerson Vasconcelos Luz
Mestrando em Filosofia – UNIOESTE
Orientador: Prof. Dr. Arlei de Espíndola
[email protected]
Palavras-chave: Hobbes, homem, movimento, lei de natureza, direito natural
Para Hobbes (2002, p.20) a natureza humana consiste na soma de suas faculdades
e poderes naturais. O homem na qualidade de corpo vivo e finito está determinado a
manter no seu estado cinético. Sendo assim, a conservação do movimento é um
dever para o indivíduo. É um dever e também um direito. Porém, Hobbes (2003,
p.112) afirma que estes dois conceitos quando aplicados a uma mesma situação
torna-se contraditórios. Ou se pratica uma ação por dever ou por liberdade. Diante
disso, o objetivo do trabalho é procurar demonstrar que em se tratando dos
elementos de defesa do maior bem do ser humano o direito natural é tanto dever
quanto liberdade.
Observemos inicialmente o conceito de lei de natureza e, posteriormente, o de
direito natural. Quanto ao primeiro, escreve o nosso autor,
uma lei de natureza [...] é um preceito ou regra geral, estabelecida
pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que
possa destruir a sua vida ou privá-lo dos meios necessários para a
preservar, ou omitir aquilo que pense melhor contribuir para a
preservar (HOBBES, 2003, p.112).
da maneira que quiser, para a preservação da sua própria natureza,
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[...] a liberdade que cada homem possui de usar o seu próprio poder,
1
Quanto ao segundo,
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ou seja, da sua vida; e conseqüentemente de fazer tudo aquilo que o
seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios mais
adequados a esse fim (HOBBES, 2003, p.112).
Observemos ainda a passagem na qual o filósofo esclarece a distinção entre os
conceitos:
[...] o direito consiste na liberdade de fazer ou omitir, ao passo que a
lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas. De modo que a lei
e o direito se distinguem tanto como a obrigação e a liberdade, as
quais são incompatíveis quando se referem à mesma questão
(HOBBES, 2003, p.112).
MacAdam (1980, p.143), comenta que na filosofia hobbesiana ―ter um direito é não
ter um dever e, de modo correspondente, ter um dever é não ter um direito.
Contudo, o direito natural à vida parece constituir exceção à regra geral de Hobbes.
Já que é tanto direito como dever‖. A lei de natureza é um preceito internalizado em
cada corpo humano a fim de obrigar que cada indivíduo possa conserva o seu
próprio movimento vital. Se por um lado, a lei determina a autoconservação, por
outro assegura o direito natural como mecanismo de obtenção de resultados
necessários à autoconservação. Sendo o direito natural liberdade e dever, cada qual
se configura como juiz de si. E na qualidade de juiz de si todos estão autorizados a
desobedecerem às leis naturais (ou positivas, se for o caso) sempre que estas
desfavorecerem ao direito primordial.
O conceito de liberdade natural é compatível com o de lei de natureza. Trata-se de
uma liberdade condicionada à necessidade de manter o propósito essencial do
corpo em relação ao seu estado cinético. Todo indivíduo está livre para escolher
sem propósitos. Nesse sentido, o direito é também um dever natural. O estar livre
2
para fazer não importa o que tendo em vista a autoconservação é justificado pela
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aquilo que favorece aos seus interesses fundamentais. A escolha não é procedida
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necessidade de conservação. O que move os indivíduos na liberdade da deliberação
é o dever conservar-se vivo. Trata-se de um dever para consigo mesmo.
As leis naturais funcionam como regras de prudência e não como um imperativo
categórico. É verdadeiro que o filósofo inglês muitas vezes nos permite entender que
tais leis é também moral (HOBBES, 1992, p.80). Não obstante, quando se apoia no
conjunto de seus escritos, nota-se que as leis naturais são princípios que constam
na reta razão de cada indivíduo. Um homem está autorizado a fazer tudo o que bem
entender tendo em vista a preservação de si (HOBBES, 2003, p.112) sem que
quaisquer coisas que faça ou deixe de fazer em relação aos objetivos em questão
seja considerado como bem ou mal. A moralidade da ação praticada se configura
em acordo com a necessidade do sujeito que a pratica a ação. Se a ocasião exige
que um homem mate o outro, então matá-lo é uma boa ação; se a melhor solução é
deixar-se escravizar, eis a boa ação. A boa atitude é aquela que melhor contempla o
interesse do agente. O homem prudente é aquele que na liberdade de suas ações
sabe manejar de modo bem a sua liberdade natural.
Hobbes descreve aproximadamente vinte leis de natureza. No seu conjunto as
regras têm como objetivo lógico orientar as ações do homem. Todo indivíduo está
naturalmente orientado a cumpri-las quando isto interessa a conservação de si ou a
não observá-las quando lhe for desfavorável. Portanto, a ação praticada está
centrada em um só ponto: o próprio sujeito da ação. A vontade, o último apetite ou
repulsa na deliberação, escolhe sempre o melhor a ser feito por e para si. Não se
trata de um egoísmo gratuito, mas sim de uma disposição que atende a necessidade
natural de autoconservação.
Dentre as leis formuladas no sistema hobbesiano a primeira ou lei fundamental de
natureza é esta, ―que todo homem deve se esforçar pela paz, na medida em que
tenha esperança de consegui-la, e caso não a consiga pode procurar e usar todas
que se use, ela necessariamente deve se dar em função de si mesmo.
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quanto ao modo de agir, buscar a paz ou fazer a guerra. Seja qual for a alternativa
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as ajudas e vantagens da guerra‖ (HOBBES, 2003, p.113). Há duas alternativas
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Ao perguntarmos a Hobbes o que é direito natural, a resposta é sempre esta:
liberdade para fazer aquilo que representa a melhor alternativa em vista a
autoconservação. E ao indagarmos qual a funcionalidade das leis de natureza, o
filósofo deixa claro que é condicionar as ações humanas de modo a contemplar toda
a extensão de necessidades de conservação; ou seja, direito natural e leis de
natureza são princípios diferente, com funções e objetivos diferentes, mas inerentes
ao mesmo interesse do corpo em questão, manter-se em movimento e incrementar o
poder próprio. Entretanto, a ausência de um poder irresistível capaz de governar os
homens, permite o entrecruzamento de interesses gerando o que em Hobbes se
denomina de estado de guerra. E a guerra representa uma ameaça ao direito natural
a vida, gerando um perpétuo medo da morte violenta. Portanto, na inexistência de
um direito positivo todo homem tende naturalmente a seguir a segunda alternativa
da lei fundamental de natureza. Independente da condição – seja esta natural ou
política –, o referido direito deve ser utilizado em favor de si sempre que a ocasião
exigir do indivíduo.
Referências
HOBBES, Thomas. Do Cidadão. Tradução de Renato Janine Ribeiro. São Paulo:
Martins Fontes, 1992
______. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
______. Os Elementos da Lei Natural e Política. Tradução de Fernando Dias
Andrade. São Paulo: Ícone, 2002.
MACADAM, James. Rousseau e Hobbes. In: Pensadores Políticos Comparados.
FITZGERALD, Ross (Org.). Tradução de Antonio Patriota. Brasília: Editora UnB,
Página
4
1983, p. 131-151.
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A LIBERDADE GENIAL
Luiz Carlos De Souza Filho
Mestrando – UFPR
Orientador: Dr. Vinicius Berlendis de Figueiredo
[email protected]
Palavras chave: Liberdade – Regularidade – Sistema – Gênio – Arte.
Falar de liberdade em Kant é sempre um desafio, pois para quem ao menos deu
uma passada de olhos sobre sua teoria do conhecimento, ou ainda, sobre os
escritos onde o autor trata a respeito da moralidade, percebe a dificuldade que cerca
o tema da liberdade em Kant, seja ela a liberdade transcendental, ou seja a
liberdade prática, se é que podemos dizer que se trata de coisas distintas, pois bem,
é este um dos problemas que trataremos no momento, e não satisfeito com tamanha
questão o objetivo principal que tenho em vista é investigar se essa liberdade se
mostra de algum modo também na terceira crítica de Kant, A Crítica do Juízo (KU),
sobretudo na experiência do sentimento estético, e em decorrência disto na figura do
Gênio artístico. Desde já podemos afirmar que de modo algum o Gênio é um
indivíduo empiricamente livre, pois isso seria uma contradição não só ao espírito
mas também a letra da filosofia kantiana, o objetivo então é tentar entender qual a
distinção entre um sujeito ―comum‖ determinado por suas faculdades de
conhecimento e limitado pela crítica, e o sujeito ―genial‖, o qual possui um ―uso livre
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disposição de ânimo (ingenium) pela qual a natureza dá regra a arte.‖ (KU 181).
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de suas faculdades de conhecimento‖ (KU 200) ou ainda, ―Gênio é a inata
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Como entender esse inatismo do Gênio? Segundo Kant o Gênio é um privilegiado
pela natureza, um escolhido por ela para dar regra a arte. Sendo assim, como
conciliar um filósofo iluminista como Kant, o qual nitidamente nas duas primeiras
críticas valoriza a sistematização da razão, mostrando num importante texto
chamado: Resposta a pergunta: O que é Esclarecimento? que basta um indivíduo
querer sair de sua menoridade, ou seja, tomar uma atitude de deixar de ser guiado
por outros, e fazer uso de sua própria razão que após um longo percurso, difícil e
penoso, seria capaz de atingir o Esclarecimento, o qual então permitiria ao indivíduo
agir moralmente. Sendo a moralidade o fim último não só de um homem individual
mas também de um sujeito cosmopolita.
Tal questão nos leva a questionar o motivo que leva Kant permitir que através da
razão um homem atinja seu fim supremo e não permita que um homem através de
sua razão torne-se um gênio, pois como podemos observar nos escritos de Kant o
Gênio é um escolhido pela natureza , recebe, é dotado de um espírito genial. Fato
que nos leva a uma possível interpretação de que um homem por mais que estude,
pesquise, treine, sinta, contemple etc., nunca se tornará um Gênio se a natureza
assim não o queira. ―(...) O gênio consiste na feliz disposição, que nenhuma ciência
pode ensinar e nenhum estudo pode exercitar, (....) (KU 199).
Neste contexto pretendemos analisar ponto a ponto essa figura tão invejada e
curiosa que é o gênio artístico, tentar buscar qual a diferença entre ele e o público
pois de algum modo ele é diferente dos outros homens, tentaremos então buscar
qual seria essa diferença, e neste panorama o problema da liberdade retorna com
toda força, pois arriscamos dizer que o tal ―uso livre de suas faculdades de
conhecimento‖é o que faz com que o gênio produza sua arte, mesmo este não
sendo realmente livre, ou seja, o Gênio pensa-se livre mas empiricamente não o é.
Para entender melhor essa questão podemos colocá-las em outras palavras, se
como fenômeno está preso ao mundo. (...)o gênio se compraz em seu arrebatado
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norteia boa parte de sua filosofia, o Gênio como coisa-em-si pensa-se livre mas
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pensarmos na distinção entre coisa-em-si e fenômeno no sistema de Kant a qual
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ímpeto, porquanto abandonou o fio pelo qual antes a razão o dirigia(...)1. Podemos
até admitir através da Crítica da Razão Prática ou até pela solução da Terceira
Antinomia que todos os homens devem pensar-se livre, porém a diferença entre
estes e o Gênio é que o Gênio realmente sente-se livre ele não pensa-se somente
livre, porém a cada momento que ele volta os olhos para o mundo, e volta a
sistematizar pela sua razão para se comunicar com os demais homens, a razão
torna-se um fardo para ele, fato este que será visto um pouco mais adiante.
Ainda tratando-se da figura do gênio é intrigante o fato que ―nós‖ geralmente o
invejamos, quem nunca quis ser como Goethe, Sócrates, Shakespeare, Homero,
Mozart, Bach ou Beethoven entre outros?Segundo Kant, esta suposta ―inveja‖ que
possuímos em relação ao Gênio deve-se ao fato que: ―Ser auto-suficiente, por
conseguinte isto é fugir dela (da sociedade), é algo que se aproxima do sublime,
assim como toda liberação de necessidades” (KU 127) é por esta libertação ou por
esta auto-suficiência que invejamos o gênio, pois produz em nós um sentimento
próximo
ao
sublime.
Quando
observamos
o
Gênio,
sobre-tudo
quando
reconhecemos seu espírito Genial o qual segundo Kant ele é dotado, sentimos que
de algum modo existe uma certa liberdade a qual se evidência em sua produção.
Podemos primeiramente investigar quais as características principais que constituem
o Gênio buscando sua relação com o mundo, e investigar essa liberdade de
pensamento que só gênio tem posse, ou melhor, faz uso. Descobrir até que ponto tal
liberdade pode ser vista ou entendida em termos da liberdade transcendental ou da
liberdade moral, sem que com isso o sistema kantiano do conhecimento não se
abale. Ainda tentar encontrar vestígios nos escritos de Kant algo relativo a um
abandono da razão da parte do Gênio (...) o gênio se compraz em seu arrebatado
ímpeto, porquanto abandonou o fio pelo qual antes a razão o dirigia (...)2, se caso
confirmada a hipótese da recusa da razão por parte do gênio, automaticamente
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Que significa orientar-se no pensamento? P. 60
Que significa orientar-se no pensamento? P. 60
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recusa também toda a idéia de regularidade e de totalidade as quais a razão é
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responsável, ―O uso hipotético da razão tem, pois, por objetivo a unidade sistemática
dos conhecimentos do entendimento e esta unidade é a pedra de toque da verdade
das regras‖ (A 648, B 676) (Totalidade e regularidade da natureza Dialética
Transcendental).
Na medida em que avançamos percebemos que a questão do Gênio em Kant nos
oferece uma grande e variada fonte de pesquisa de um ponto de vista um tanto
quanto instigante, pois partimos em busca de uma figura que apesar de ainda não
sabermos bem do que se trata, podemos dizer que possui uma relação com o
mundo de algum modo diferente do ―sensus communis‖, é em busca desse algo,
desse modo diferente, que pretendemos partir.
Referências bibliográficas
KANT, I. Antropologia de um Ponto de Vista Pragmático. Trad.: Clélia Aparecida
Martins. São Paulo: Iluminuras, Biblioteca Pólen, 2006.
_______. Crítica da Faculdade do Juízo. Trad.: Valério Rohden e António Marques.
Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1995.
_______. Crítica da razão pura. Trad.: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre
Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. Segunda Edição.
_______.Que significa orientar-se no pensamento? In.: Textos seletos, Petrópolis,
RJ: Vozes, 2008
LEBRUN, Gérard. Kant e o Fim da Metafísica. Trad.: Carlos Alberto ribeiro de Moura
São Paulo: Martins Fontes, 2002.
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SUZUKI, Márcio. O Gênio Romântico. São Paulo: Iluminuras, 1998.
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A TEORIA NEURONAL DO PROJETO DE UMA PSICOLOGIA (1895) E SUAS
IMPLICAÇÕES: UMA INTRODUÇÃO AO MATERIALISMO FREUDIANO
Gleisson Roberto Schmidt
Instituições: Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Programa de PósGraduação em Filosofia – Mestrado); Universidade Federal do Paraná
(Departamento de Filosofia)
Orientadores: Dr. Francisco Verardi Bocca (PUCPR); Dr. Luiz Damon Santos
Moutinho (UFPR)
E-mail: [email protected]
Bolsista CNPq de Iniciação Científica, Edital 2008-2009
Palavras-chave: epistemologia da Psicanálise; materialismo; psicologia científica;
teoria neuronal; filosofia da natureza.
Em linhas gerais, o termo materialismo designa uma atitude filosófica caracterizada
pelo recurso exclusivo à noção de matéria para explicar a totalidade dos fenômenos
do mundo físico e do mundo moral. Em todos os matizes que esta atitude assumiu
ao longo da história do materialismo – desde o atomismo grego até a física
corpuscular e suas aplicações à química e à biologia - tal redução não aconteceu
sem questões paradoxais. Uma delas, referente à filosofia da mente, pode ser
expressa nos seguintes termos: se cada materialismo se propõe a tarefa de definir o
primado da matéria tanto no domínio da física quanto no da moral, estaria por isso
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afirmativo, como o faria?
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sempre confrontado a delimitá-la – a matéria - ao interior do pensamento? Em caso
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Sigmund Freud, a seu modo, parece ter respondido estas questões, e descrever a
maneira como este autor o fez constitui o objetivo do presente trabalho. Na última
década do século 19, momento em que se assistia, no domínio da epistemologia,
uma espécie de ―disputa‖ por legitimidade científica (FERREIRA, 2006, p. 17) entre o
conjunto constituído pelo saber tradicional clássico galileano (que incluía a física, a
química e as demais ciências naturais) e o conjunto das nascentes ciências
humanas - que à época careciam de solidez metodológica -, Freud realiza uma
empresa singular: propõe-se ―fornecer uma psicologia científica e naturalista, ou
seja, expor os processos psíquicos como estados quantitativamente determinados
de partes materiais capazes de serem especificadas e, com isso, torná-los intuitivos
e livres de contradição‖ (FREUD, 1895/2003, p. 175). Trata-se do Projeto de uma
Psicologia de 1895. Por ter a intenção de apresentar os processos psíquicos como
partículas materiais em movimento – o que caracteriza uma psicologia quantitativa -,
Freud adota, no Projeto, uma concepção materialista de princípio, ou seja, nega a
dualidade entre substâncias psíquicas ou mentais e substâncias físicas. O que dizer
então do estatuto que Freud confere à matéria, esta que, resguardada a filiação
materialista do projeto freudiano, constituiria o ―estofo‖ dos processos psíquicos, o
componente ao qual toda a realidade mental deveria ser reduzida? E o que há de
propriamente original em suas elaborações acerca da materialidade do psíquico?
No Projeto Freud introduz a descrição do funcionamento do aparelho psíquico e o
modus operandi das psicopatologias a partir da conjugação entre uma abordagem
quantitativa, a teoria neuronal e o paradigma biológico-adaptativo. A primeira se
justifica pelo fato de que a física corpuscular galileano-newtoniana constituía o
referencial epistêmico de todo o qualquer discurso científico que aspirasse a esse
status. Da física, então, Freud assume a tese segundo a qual no mundo externo ao
sistema nervoso ―há apenas massas em movimento e nada mais‖ (FREUD,
ocasionando propagação de movimento. Se uma psicologia naturalista também
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nervoso só podem ser de natureza quantitativa, isto é, massas em choque
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1895/2003, p. 187), do que decorre que os estímulos que invadem o sistema
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precisa submeter-se a esse princípio, qual seria a instância pronta a receber e
associar os estímulos oriundos dos diferentes órgãos sensoriais, possibilitando a
ocorrência de processos conscientes? No Projeto, bem como nos textos
metapsicológicos a ele relacionados, Freud apresenta o neurônio como esta
partícula material cujos estados quantitativamente determinados produzem, no
psiquismo, os processos relacionados à percepção, à memória e à consciência. É a
partir desse dado primitivo que este autor responde ao problema da delimitação da
matéria ao interior do pensamento. Pode-se então afirmar que o Projeto descreve a
gênese materialista da interioridade sobre a atividade perceptiva deste – o neurônio
- que é a ―substância perceptiva do ser vivo‖ (FREUD, 1915/1992, p. 115). No que
concerne à epistemologia, então, todo conhecimento possível é empiricamente
condicionado pela estrutura básica do neurônio, excluído qualquer conhecimento a
priori.
O neurônio apresenta-se, na peculiaridade de seu funcionamento, como a estrutura
ordenadora das representações possíveis; é ele quem recebe os estímulos
provindos das massas em movimento no mundo externo ―numa fórmula de redução
desconhecida‖ (Freud, in GABBI JR., 2003, p. 190); é ele que transfere, regido pelo
princípio da inércia, a quantidade em curso em seu interior às barreiras de contato
pelo caminho conveniente; é ele o portador da memória e das possibilidades de
relacionar idéias; é de uma organização neuronal que resulta o eu e sua capacidade
de modificar cursos excitativos que, de outra forma, ocorreriam sem inibição, pondo
em risco a preservação do organismo inteiro; é ele, por fim mas não por último, que
possibilita a percepção de qualidades.
Imaginamos com isso ter esboçado a forma como Freud descreve a gênese do
psiquismo a partir da materialidade do neurônio. No campo da teoria do
conhecimento, esta é sua especificidade: o psicanalista sustenta que um elemento
os mais elevados. Em meio a uma multiplicidade de influências passíveis de serem
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ser responsável por todos os processos psíquicos, desde os mais elementares até
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material primário, em sua própria arquitetura, organização e funcionamento, possa
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esquadrinhadas, situando-se ela mesma numa posição de reformulação de
pressupostos do naturalismo precedente (SIMANKE, 2009), a psicanálise freudiana
assume o monismo de certa filosofia da natureza em curso no espírito científico de
sua época para com ele recusar a duplicidade de substâncias e responder às
perguntas acerca da extensão do conhecimento humano e da natureza das leis que
regem os processos psíquicos. A psicanálise evidencia assim, desde a teoria
neuronal do Projeto, sua fundamentação nesta escola de pensamento, pelo menos
no que diz respeito à teoria do conhecimento.
Referências bibliográficas
FERREIRA, A. P. B. Contextualização epistemológica da psicanálise de Freud.
Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Filosofia
da PUCPR. Curitiba, 2006.
FREUD, S. Projeto de uma Psicologia (1895). In GABBI JUNIOR, O. F. Notas a
Projeto de uma Psicologia. As origens utilitaristas da psicanálise. Rio de Janeiro:
Imago, 2003.
_____. Pulsiones y destinos de pulsión (1915). In Sigmund Freud – Obras
completas. Buenos Aires: Amorrortu, vol. XIV, 1992, pp. 105-134.
SIMANKE, R. T. Freudian Psychoanalysis as a model for overcoming the duality
between natural and human sciences. Paper apresentado na Disciplina História da
Psicologia I. Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Filosofia e
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Metodologia das Ciências, 2009 (no prelo).
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O TEMPO COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE NA CONSTITUIÇÃO DO
OBJETO EM MERLEAU-PONTY
Jeovane Camargo
Universidade Federal do Paraná
Orientador: Luiz Damon Santos Moutinho
[email protected]
Palavras-chave:
método,
objeto,
percepção,
temporalidade,
condição
de
possibilidade
Ao iniciar o estudo da percepção, Merleau-Ponty comenta que nós ―encontramos na
linguagem a noção de sensação, que parece imediata e clara‖. Em seguida, ele
anuncia que é preciso ver como essa noção é ―a mais confusa que existe‖1. O
procedimento merleau-pontiano que se inicia aqui, por um lado, é o de descrever o
pensamento objetivo e de lhe colocar questões que ele próprio se coloca2, de modo
que estas revelem as contradições e os pressupostos não esclarecidos pelos quais
o pensamento objetivo se constrói; de outro lado, é um procedimento que se serve
das ciências humanas como de uma forma de investigação que trás à tona certo
modo de ser não tematizado pelas filosofias clássicas. É assim, por exemplo, que a
noção de sensação como puro quale, em voga no empirismo, dissolve-se ante a
pesquisa psicológica que mostra que não temos a experiência sensorial de dados
puros, mas de qualidades ambíguas, sinestésicas. No entanto, embora elas lhe
sirvam de instrumento, Merleau-Ponty não pára nas ciências humanas, as quais
mostrariam por si sós um ultrapassamento do pensamento objetivo. O que ele
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MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Trad.: Carlos Alberto Ribeiro de Moura.
São Paulo: Martins Fontes, 3ª ed., 2006, p. 23.
2
O intuito de não endereçar ao pensamento objetivo questões que ele mesmo não se coloca é
revelador do método merleau-pontiano. O recuo à experiência perceptiva deve surgir como uma
necessidade ao se fazer o inventário do pensamento clássico. Pressuposta por eles a todo momento,
ela acaba esquecida em razão de um ―golpe‖ natural: a passagem da experiência efetiva, vivida por
todos, ao pensamento objetivo, construtor de um objeto único, verdadeiro. Id., ibid., p. 110.
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procura é uma nova concepção do ser que leve ao mesmo tempo para além da
filosofia clássica e aponte para certa ―compreensão‖ do ―real‖ que permita às
ciências humanas um novo tipo de investigação — embora elas se alcem para
adiante das teorias clássicas (naquilo que elas desvelam), elas ainda são devedoras
do pensamento objetivo (pelo modo como compreendem). O procedimento merleaupontiano aqui é aquele mesmo apresentado na descrição da fala falante, o de
reorganizar as significações já constituídas, habitualmente repetidas na linguagem
ordinária, em vista de um sentido novo. Não se trata de desvelar a Verdade, mas de
instituir certa verdade, histórica. E o saldo, logo anunciado, desse procedimento, é o
reencontro com o fenômeno da percepção. Ora, se já encontramos na linguagem
certa noção de sensação, assim como certa noção de objeto, é preciso perguntar
então como essas noções se constituíram? Qual é o solo que fundamentou seu
nascimento? Pois é certo que a definição de objeto como partes extra partes,
definição que está por trás daquela de sensação, não pode ser apenas um delírio ou
sonho dos filósofos, mas de alguma forma se encontrar, ou ao menos se anunciar,
no mundo. Assim como a fala falante ou o movimento temporal, é sempre por uma
retomada que pode aparecer algo novo, não há projeção se não houver retenção. A
experiência perceptiva, assim, se se quer primordial, precisa se apresentar como o
solo de toda criação. Portanto, como a condição mesma tanto do pensamento
objetivo quanto do movimento paradoxal do ser no mundo. Ao descrever e analisar
as teorias clássicas, Merleau-Ponty partia de certas noções caras tanto ao
empirismo quanto ao intelectualismo, fazendo ver que na estrutura mesma daqueles
sistemas
filosóficos
apresentavam-se
contradições
e
pressupostos
que
evidenciavam um fundo não esclarecido; análise corroborada, em grande parte,
pelas investigações das ciências humanas. Ali a crítica principal era a de ―construir a
percepção com o percebido‖1, isto é, delimitar ―o sensível pelas condições objetivas
1
2
Id., ibid., p. 26.
Id., ibid., p. 28.
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das quais depende‖2, aquilo que Merleau-Ponty chama de ―prejuízo do mundo‖. No
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entanto, partir de noções instituídas, ordinariamente usadas na linguagem cotidiana,
e daí, com o auxílio das ciências humanas, apresentar uma experiência de mundo
que fora esquecida, é tratar, por assim dizer, de apenas um dos lados da questão. É
preciso ainda que se faça não somente a descrição do mundo objetivo e da
ambiguidade da percepção, mas também que se mostre como ambos são possíveis.
Em outras palavras, trata-se de já ter o campo transcendental (temporal) em vista no
momento de fazer a crítica aos clássicos e o relato da percepção, lá mesmo onde se
tem a ―descrição psicológica‖ como método filosófico. A constituição do objeto e a
constituição do corpo como objeto são momentos decisivos na construção do mundo
objetivo, como o mostra Merleau-Ponty. Mas essa questão precisa ser abordada
pelo filósofo, e ele o faz, segundo suas duas faces, aquela de sua constituição e
aquela de sua possibilidade. Não basta que se diga apenas que o pensamento
objetivo se constitui quando ―supomos de um só golpe em nossa consciência das
coisas aquilo que sabemos estar nas coisas‖1, quando, ao analisar a percepção,
transportamos seus objetos coloridos e sonoros para a consciência, é preciso dizer
também como essa passagem, da percepção à ―consciência de‖, da ambiguidade ao
objeto claro e acabado, é possível. Enfim, é preciso mostrar como a definição de
objeto como partes exteriores umas às outras encontra seu solo de nascimento na
própria experiência perceptiva. Como essa experiência possibilita dois discursos tão
distintos, aquele do pensamento objetivo e aquele da fenomenologia? Seria preciso
dizer aqui, é claro, como pode ser que a experiência perceptiva seja o fundamento
de todo discurso, de toda expressão2. Esse problema será em parte resolvido ao
analisarmos como, no interior da filosofia de Merleau-Ponty, desenvolvem-se os
Id., ibid., p. 26.
―A percepção não é uma ciência do mundo, não é nem mesmo um ato, uma tomada de posição
deliberada; ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles.‖ (Id.,
Ibid., p. 6)
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temas da constituição do objeto e de sua possibilidade. Detenhamo-nos então no
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problema da origem1 do objeto, passo que nos levará, mais adiante, à consideração
da temporalidade.
Referências:
MERLEAU-PONTY, Maurice. Phénoménologie de la perception. Paris: Gallimard,
1995 [Fenomenologia da percepção. Trad.: Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São
Paulo: Martins Fontes, 1999].
_____. Le primat de la perception. Paris: Verdier,1996 [O primado da percepção e
suas conseqüências filosóficas. Trad.: Constança Marcondes César. Campinas:
Papiros, 1990].
MOURA, Carlos Alberto Ribeiro de. Racionalidade e crise. São Paulo: Discurso
1
Em uma passagem da PHP, Merleau-Ponty diz que ―é preciso que reencontremos a origem do
objeto no próprio coração de nossa experiência (...)‖ (Id., Ibid., p. 109). Daqui nasceu a ideia diretriz
destas páginas.
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Editorial e Editora UFPR, 2001.
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O SUMO BEM LEIBNIZIANO DE IMMANUEL KANT
Rafael da Silva Cortes
UFSM/ PPGF, BOLSISTA CAPES.
Orientador: Prof. Dr. Hans Christian Klotz.
[email protected]
Palavras- chave: Sumo Bem, Moralidade, Cânon da Razão pura, Kant, Reino da
graça.
O conceito kantiano de Sumo Bem, apresentado originalmente no segundo capítulo
da Doutrina transcendental do método da Crítica da razão pura (1781), ―O cânone
da razão pura‖, tem sido um dos objetos centrais das discussões a respeito da
filosofia moral de Kant. Esse conceito tem suscitado inúmeras indagações,
sobretudo no que se refere a sua função, composição e importância dentro do
sistema crítico. Comentadores autorizados da filosofia kantiana como Lewis W.
Beck1 e Frederick C. Beiser2, por exemplo, reservam espaço – mesmo que não
exclusivamente – em suas reflexões às questões envolvidas no conceito de Sumo
Bem de Kant3. Entretanto, grande parte dos autores não tem dado a devida
importância às considerações que Kant tece sobre o Sumo Bem e sua relação com
a moralidade no ―O cânone da razão pura‖, mas dedicam-se quase que
exclusivamente a segunda parte da Crítica da razão prática (1788). Aliás, poucos
autores se referem às afirmações feitas por Kant no contexto desse capítulo da
CRP. De modo contrário, pensamos que o conteúdo das palavras de Kant no
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BECK, Lewis White. A commentary on Kant`s Critique of Practical Reason. Chicago: University
of Chicago Press, 1963.
2
BEISER, Frederick C. ―Moral faith and the highest good‖. In: The Cambridge Companion to Kant
and Modern Philosophy, edited by Paul Guyer: Cambridge University Press; 2007: pp. 588-629.
3
Allen W. Wood, John Silber, Thomas Auxter, entre outros, também têm se dedicado a analisar o
conceito kantiano de Sumo Bem.
1
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Cânone, principalmente em relação ao Sumo Bem, merecem ser analisados tendo
em vista seu teor em comparação com o desenvolvimento da filosofia crítica, isto é,
a partir da Fundamentação da metafísica dos costumes (1785) e principalmente da
CRPr. Nesse sentido, investigaremos a tese que Beiser defende sobre a origem do
Sumo Bem kantiano, pois sua proposta contribui relevantemente a discussão sobre
esse conceito e o contexto de sua origem, ou seja, em ―O cânone da razão pura‖.
No Cânone Kant revela alguns elementos fundamentais de sua filosofia moral tal
como ele a concebeu quatro anos antes da FMC. Fato que nos permite dizer que na
CRP ele possuía uma espécie de concepção moral ainda em germe, tanto que ali
ele formula algumas proposições que demonstram, por assim dizer, certa incerteza
quanto à posição e função de cada conceito prático. Dentre suas afirmações que
revelam uma, por assim dizer, concepção moral prematura do autor da CRP,
algumas são facilmente vistas como opostas a sua filosofia moral defendida na FMC
e na CRPr. Nessas passagens do Cânone ele sugere, por exemplo, que devemos
admitir a existência de Deus e de uma vida futura como necessários para que a idéia
de moralidade tenha efeito no nosso agir. Além disso, Kant afirma que as leis morais
somente se impõem como mandamento à razão humana se admitirmos ―certas
consequências apropriadas‖ advindas dessas leis, tais como ―promessas e
ameaças‖ (B 839). Nessa passagem do Cânone Kant afirma que a existência da lei
moral está condicionada a ideia de Deus e de imortalidade da alma e, ainda mais do
isso, que a esperança de recompensa ou o medo de punições determinam o caráter
imperativo da moralidade. Ou seja, são afirmações notoriamente contraditórias ao
conteúdo de sua futura fundamentação moral, em cuja qual a lei da moralidade
prova sua autoridade mediante um fato da razão. Esse fragmento do Cânone se
refere a um dos componentes centrais – a moralidade – não só da filosofia prática
como um todo, mas também ao que Kant conceberá na CRPr como sendo o Sumo
compreende o Sumo Bem como sendo a união entre esses dois elementos, tal como
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Nesse contexto, é importante atentar para o fato de que na CRP Kant parece não
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Bem, isto é, a união entre a moralidade e a felicidade.
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ele defenderá na segunda Crítica. Mas no Cânone o autor da Crítica parece definir
esse conceito como sendo algo bastante diverso e, em certo sentido, surpreendente.
Kant define o Sumo Bem no Cânone da primeira Crítica como sendo ―a ideia de
semelhante inteligência, na qual a vontade moralmente mais perfeita, ligada à
suprema beatitude, é a causa de toda a felicidade no mundo‖ (B 838). A definição de
Sumo Bem aqui parece bastante clara, isto é, significa essa ―inteligência‖ suprema
que une a felicidade em proporção à virtude (moralidade) do sujeito agente. Noutras
palavras, pode-se dizer que em ―O cânone da razão pura‖ na primeira Crítica Kant
concebe o Sumo Bem como sendo Deus.
Ante o exposto levantam-se algumas perguntas: 1) porque no Cânone Kant defende
algo sobre a fundamentação da moralidade que parece tão contraditório com o que
ele expõe na FMC quatro anos mais tarde? 2) porque no Cânone Kant entende o
Sumo Bem como sendo Deus se na CRPr ele afirmará que essa compreensão é
errônea, apresentando assim, outra caracterização desse conceito? 3) porque o fim
último da razão pura (Sumo Bem) possui um elemento empírico em sua composição,
qual seja, a felicidade? Dentre todas essas questões que se levantam a partir das
afirmações de Kant no Cânone, neste ensaio nos restringiremos a analisar a
segunda delas.
Segundo Frederick Beiser o conceito de Sumo Bem que os filósofos modernos
tinham em mente era o conceito de Cidade de Deus de Santo Agostinho, embora
com uma nova roupagem (BEISER, 2007, p. 594). Por conseguinte, Kant, de acordo
com Beiser, serviu-se desse conceito de Sumo Bem influenciado não apenas por
Santo Agostinho, mas também por Leibniz, como, aliás, o próprio autor da Crítica
denota numa passagem do Cânone. Nela Kant se refere com todas as letras a
Leibniz afirmando que, assim como o reino da graça leibniziano, o qual está sob o
governo do Sumo Bem, devemos, portanto nos considerar – enquanto submetidos
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governado pelo Sumo Bem (B 840).
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às leis morais – como participantes de um reino de mesma espécie, ou seja,
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Assim, Beiser parece sugerir uma resposta plausível a nossa segunda pergunta
mencionada anteriormente, a qual se configurará como o objeto central deste
ensaio. De toda maneira, mesmo parecendo uma resposta plausível, torna-se
importante investigar o contexto de ―O cânone da razão pura‖ da CRP para saber se
a tese de Beiser, de fato, responde nossa pergunta e, ainda, se sua resposta se
aplica a todas as apresentações que Kant faz ao longo de sua filosofia prática
propriamente dita de seu conceito de Sumo Bem. Esse último aspecto merece nossa
atenção, pois pelo que denota em seu artigo, Beiser não atenta para o fato de que
Kant parece compreender o conceito de Sumo Bem sob diferentes perspectivas
durante o desenvolvimento de sua filosofia crítica. Isso quer dizer que, se a tese de
Beiser acerca da influencia de Leibniz na construção do Sumo Bem kantiano está
correta, devemos analisar se ela se aplica a todas as diferentes abordagens que
Kant faz desse conceito ao longo de sua filosofia prática. Noutras palavras, é preciso
investigar se a tese de Beiser não se aplica única e exclusivamente ao Sumo Bem
kantiano da Crítica da razão pura.
Bibliografia
BECK, Lewis White. A commentary on Kant`s Critique of Practical Reason. Chicago:
University Of Chicago Press, 1963.
BEISER, Frederick C. ―Moral faith and the highest good‖. In: The Cambridge
Companion to Kant and Modern Philosophy, edited by Paul Guyer: Cambridge
University Press (Cambridge Collections Online), 2007. pp. 588-629
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Trad. Manuela Pinto dos Santos e
Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
_____. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa:
2002.
I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR
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Página
_____. Crítica da razão prática. Trad. de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes,
4
Edições 70, 2005.
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CARÁTER, DETERMINISMO E LIBERDADE EM KANT E SCHOPENHAUER
Vilmar Debona
Professor da PUCPR
Doutorando em Filosofia pela USP
Palavras-chave: Determinismo, Liberdade, Caráter, Kant, Schopenhauer
A presente comunicação pretende expor parte de um projeto de pesquisa de
Doutorado que está sendo desenvolvido junto à Universidade de São Paulo. O
objetivo central do trabalho consiste em analisar o contexto da gestação do conceito
de ―caráter‖ em Kant, paralelamente à problemática da liberdade [transcendental], na
terceira antinomia. A partir disso, estudamos as noções de caráter em
Schopenhauer e pretendemos defender que a terceira forma desse conceito, o que
Schopenhauer denomina caráter adquirido, pode oferecer uma resposta às
discussões sobre a liberdade em ambos os pensadores. Uma das preocupações de
Schopenhauer, enquanto crítico de Kant, é aquela a respeito da problemática
oferecida pela terceira antinomia da razão pura, cujo objeto é a liberdade. A tese
deste ―fenômeno novo da razão‖, a partir do qual a razão mesma teria de ser
julgada, anuncia que ―a causalidade segundo leis da natureza não é a única de onde
podem ser derivados os fenômenos do mundo no seu conjunto. Há ainda uma
causalidade pela liberdade que é necessário admitir para os explicar‖ (CRPu, A 444/
B 472). Já a antítese de tal fenômeno diz que ―não há liberdade alguma, mas tudo
no mundo acontece unicamente em virtude das leis da natureza‖ (CRPu, A 445/ B
473). Sabemos que Kant lida com esse impasse da razão a partir da consideração
Esse conflito da razão não seria um conflito de tipo lógico, já que um interesse lógico
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seria um interesse apenas da razão teórica, e esta não teria o aparato conceitual
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de que a sua ―solução‖ só poderia ser posta dentro do Idealismo Transcendental.
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suficiente para resolvê-lo. Seria a razão prática que teria um interesse na antinomia,
e o motivo pelo qual Kant colocou tese e antítese lado a lado, sem se autoexcluírem, tinha por propósito defender que haveria uma causalidade na natureza,
mas que também haveria uma outra causalidade mediante liberdade. Assim, a
chamada liberdade causal das ações humanas poderia ser encontrada apenas no
mundo inteligível, uma esfera desprovida de espaço e tempo. Desse modo, segundo
Kant, a liberdade consistiria na aplicação de uma causa inteligível, independente de
causas naturais, tendo seu fundamento apenas nos pressupostos da razão prática.
Com isso, estaria salvaguardada a liberdade de ação e de escolha do ser humano
em um mundo fenomênico regido por leis naturais causais. Sabemos também que o
chamado caráter empírico, tanto em Kant quanto em Schopenhauer, estando
submetido à lei das motivações e da necessidade, expressa o caráter inteligível, que
por sua vez é livre. Ora, se a inteligibilidade do caráter, para os dois filósofos, é
imutável; e se, no caso de Kant, o caráter empírico apenas segue tal natureza
inteligível, podemos afirmar que apesar da decorrente determinação no âmbito da
prática, é a distinção das esferas numênica e fenomênica que salva a liberdade de
ação e de escolhas do homem no universo das leis naturais. Entretanto, no caso de
Schopenhauer, tendo em vista sua crítica à ―solução‖ kantiana, o que se teria como
resposta? Em primeira instância é possível afirmarmos que não existe liberdade
empírica em Schopenhauer. A questão das motivações, somadas à natureza dos
caracteres, revela o que cada indivíduo é em sua determinação natural. E nem a
compaixão, embora surja espontaneamente, pode ser um ato propriamente livre,
pois é também submetida à lei da motivação. A liberdade só se apresentaria no
fenômeno mediante o ato de negação da vontade, único caso em que caráter
empírico e caráter inteligível coincidiriam. Mas, segundo Schopenhauer, a vontade é,
para cada homem, algo dado, do qual não se pode fugir. Eis aí o determinismo em
próprio indivíduo é como quer e quer como é. Diante da diversidade de caracteres,
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esse, as ações seguem sempre a essência. Conforme afirma Schopenhauer, o
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sua mais pura forma, que tem seu mote na expressão escolástica operari sequitur
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cada ação humana é necessariamente um produto de certo caráter e dos motivos
que se lhe apresentam. Percebemos, pois, como o pensador descarta o livre-arbítrio
e não vê a liberdade nas ações individuais. Ao contrário, só é possível notar a
liberdade quando se admite que ela está no ser (esse) e não na ação individual
(operari). Com isso, tal como fez Kant, embora por caminhos diversos,
Schopenhauer não suprime a liberdade, mas desloca-a para o plano transcendental.
No entanto, encontraremos algo a mais como ―resposta‖ para os impasses entre
liberdade e determinismo se considerarmos, acima de tudo, o que oferecem os
Parerga e Paralipomena, notadamente os Aforismos para a sabedoria de vida.
Nesses escritos o pensador utiliza-se do conceito de caráter e de sabedoria de vida
a fim de oferecer algo plausível a uma amenização do determinismo sem que seja a
proposta da negação da vontade. Trata-se justamente daquilo que ainda é possível
ser feito a partir do conhecimento do caráter de cada indivíduo ao longo da vida.
Após tratar das duas formas de caráter (inteligível e empírico) tal como assimiladas
do pensamento kantiano, Schopenhauer, num primeiro momento em sua obra
magna, afirma haver ainda uma terceira espécie desse conceito, o que possibilitaria
uma alternativa para a constatação de ―um resto de liberdade‖ no mundo empírico;
um caráter (re)conhecido apenas com os anos de vida; o que consiste, em verdade,
num conhecimento aprofundado do caráter empírico de cada indivíduo, a saber, o
caráter adquirido.Tratar-se-ia daquilo que ainda se pode fazer para a verificação da
possibilidade de algum tipo de liberdade sem ser a recorrência ao plano
transcendental, como havia feito Kant, ou então sem ser a hipótese da negação da
vontade, elaborada pelo próprio Schopenhauer. Ele seria o meio-termo entre
liberdade e necessidade porque faria a mediação entre o caráter inteligível e o
caráter empírico. Poderíamos afirmar, então, que mesmo não se podendo eliminar o
determinismo e a necessidade concernentes à metafísica schopenhaueriana, ainda
caráter e de liberdade da filosofia kantiana. Desse modo, sem ser a negação
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adquirido. E as bases desse raciocínio encontram-se na formulação das noções de
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haveria ―resquícios‖ de liberdade no mundo empírico mediante o conceito de caráter
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metafísica da vontade que garante uma espécie de liberdade, semelhante àquela
liberdade transcendental kantiana, haveria ainda, estritamente no plano empírico,
uma indicação schopenhaueriana que encurtaria a distância entre liberdade e
necessidade.
Bibliografia
SCHOPENHAUER, A. Die Welt als Wille und Vorstellung. München: bei Georg Muller,
1912.
_______. O mundo como vontade e como representação. Trad. J. Barboza. São Paulo: Unesp,
2005.
_______. Aforismos para a sabedoria de vida. Trad. J. Barboza. São Paulo: Martins Fontes,
2002. (Coleção Clássicos).
_______. Crítica da razão pura. Trad. De Valério Rohden e Udo Moosburger. 2ª Ed.
São Paulo: Abril Cultural, 1980.
_______. Crítica da razão prática. Trad. P. Quintela. Lisboa: Edições 70, 1989.
_______. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. P. Quintela. São
Paulo: Abril Cultural, 1980 (Os Pensadores).
BARBOZA, J. Mau radical e terapia em Schopenhauer. In: Daniel Omar Perez (Org.)
Filósofos e terapeutas: em torno da questão da cura. São Paulo: Escuta, p. 77-96,
2007.
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CACCIOLA, M. L. O. Schopenhauer e a questão do dogmatismo. São Paulo: Edusp, 1994.
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A GLOBALIZAÇÃO COMO IDEOLOGIA
Prof. Ms. Guilherme Benette Jeronymo
UNICENTRO
[email protected]
Palavras-chave: Globalização; Neoliberalismo; Ideologia; Estado; Poder.
A importância que o constitucionalismo, a partir da Revolução Francesa em 1789,
trouxe para as sociedades modernas e contemporâneas, no que diz respeito ao
desenvolvimento (consolidação) do Estado e do Direito, fez deste movimento um
marco histórico fundamental para o estudo da questão ideológica presente nas
relações de poder que influenciaram profundamente a estrutura e organização da
sociedade mundial hodierna.
A idéia central dos movimentos constitucionalista francês e americano, ocorridos
quase que simultaneamente, era a de declarar direitos universais e inatos aos
homens e consolidá-los através de um instrumento jurídico que limitasse sua
violação principalmente pelo Estado e pudesse ao mesmo tempo legitimar o seu
exercício.
No entanto, o objetivo principal das Declarações Francesa e Americana não era
beneficiar a sociedade como um todo, apesar de ser essa a idéia que se pretendia
inculcar no povo, e sim, a preservação e proteção dos direitos eminentemente
burgueses que no regime anterior não possuíam a garantia de pleno exercício
(Vieira, 1999).
cultural, jurídica e econômica dos Estados modernos e contemporâneos.
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importante na construção ideológica determinante para a estrutura social, política,
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Desse modo, a Revolução Francesa caracteriza-se como um marco histórico
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Visando garantir a efetiva realização de certos valores, a ideologia age como uma
força configurativa de condutas e ideias que se procedem para obtenção de
determinados resultados.
Antonio Carlos Wolkmer (2000) define ideologia como um conjunto de ideias,
valores, maneiras de sentir e de pensar que atuam inclusive para justificar o
exercício do poder, explicar os acontecimentos e as relações entre as ações
políticas e outros tipos de ação.
Luiz Fernando Coelho (2003) explica que o conceito contemporâneo de ideologia
provém do marxismo e que segundo Marx consiste num sentido de pensar invertido,
que coloca como origem ou causa aquilo que é efeito ou conseqüência e vice versa.
Marilena Chauí (2000) explica que o senso comum que se forma na sociedade sobre
as explicações e justificações da realidade é o resultado de uma elaboração
intelectual feita por pensadores, filósofos, professores, jornalistas, políticos etc., que
descrevem e explicam o mundo a partir do ponto de vista da classe a que
pertencem, ou seja, a classe dominante. Essa elaboração torna-se o ponto de vista
de todas as classes e de toda a sociedade.
A razão disso é simplesmente a manutenção do status quo, pois a materialização da
ideologia da classe dominante permite a preservação de uma falsa consciência, que
não pode deixar de existir, sobre a realidade, sob pena de perder-se o controle
sobre o poder de dominação (Idem).
Diante dessa perspectiva, faz-se importante analisar o conteúdo ideológico que
envolve o processo da globalização, visto que, suas consequências geraram
transformações consideráveis na estrutura social, política, econômica e cultural dos
Estados contemporâneos.
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objetivos, ou seja, universalizar os meios de produção, o fluxo de capitais e o
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Através do modelo econômico neoliberal, a globalização consolidou seus principais
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mercado de consumo. Para tanto, foi necessária uma reestruturação das políticas
econômicas mundiais e dos Estados que possibilitasse a consolidação desse ideal.
As principais medidas adotadas pelos Estados para a adequação ao modelo que se
consolidava foram entre outras, a abertura ao mercado internacional, a redução do
Estado, o incentivo à competitividade e as privatizações.
Os atores mais aparentes da globalização são os grandes grupos econômicos
transnacionais que com a liberalização crescente dos mercados de bens, serviços e
capitais utilizam-se de tecnologias de ponta, em modelos informatizados de gestão,
no acesso fácil aos mercados financeiros e de capitais, no apelo de marcas e nomes
de prestígio, sustentadas por mídias igualmente globalizadas.
Porém, o agente mais audaz da globalização é o capital financeiro, que anônimo se
desloca pelo mundo, movido em busca incessante de maiores lucros. A instantânea
fluidez e o desimpedido movimento são vitais a sua existência e multiplicação. Por
isso, em seu anseio especulativo, rejeita regras, ignora fronteiras, defende com
unhas e dentes a liberdade de circulação, volatiliza-se quando pressente riscos
maiores e desloca-se rapidamente para onde vislumbra melhores oportunidades de
lucro.
Assim, a redução e o enfraquecimento do Estado fortalecem e promovem o ideário
liberal, convertendo o liberalismo em poderosa ideologia, ainda difusa, mas de
grande força impositiva (ECO, 1997).
A
ideologia
globalizante
manipula
as
decisões
adotadas
pelos
Estados
subordinando-os a um mercado invisível, ilegítimo, sem controle judicial ou político
(Sader, 1999) e em detrimento da representatividade democrática e das
necessidades sociais.
Todo esse quadro caracteriza-se, na expressão de Plauto Faraco de Azevedo, o
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imagem mental e sua realidade efetiva, induzindo ao erro de avaliação e tratamento
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caráter ideológico do neoliberalismo, responsável pela ―desconformidade entre sua
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desta.‖(1999; 103). Isso também revela a dimensão totalitária da globalização, que
se apresenta como uma opção contra a qual não adianta resistir.
Por fim, a insistência na preservação e realização de direitos sociais constitui um
significativo espaço de resistência à escalada globalizante, assinalando-se a
importância de se ampliar os horizontes para as utopias (Mannheim, 1976) e
acreditar que nada é definitivo ou irrealizável. Cabe ao homem portanto, o papel de
construção de uma sociedade independente, baseada em uma visão crítica e
fundada no ideal humanista e libertador das dominações, deixando-se de silenciar
aos discursos e pensamentos ideológicos individualistas e assecuratórios das
desigualdades sociais.
Referências:
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, justiça social e neoliberalismo. São Paulo: RT,
1999.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 2000.
______. O que é ideologia. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2001.
COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2003.
ECO, Umberto. A estrutura ausente. 7. ed. Trad. P. de Carvalho. São Paulo:
Perspectiva, 1997.
MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
SADER, Emir. Estado e democracia: os dilemas do socialismo na virada do século.
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democracia? Petrópolis: Vozes, 1999.
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In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo. Pós-Neoliberalismo II: que estado para que
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VIEIRA, Oscar Vilhena. Realinhamento constitucional. In: SUNDFELD, Carlos Ari;
VIEIRA, Oscar Vilhena. Direito global. São Paulo: Max Limonade, 1999.
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WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, estado e direito. São Paulo: RT, 2000.
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A CARACTERIZAÇÃO DOS „SONHOS DE UM VISIONÁRIO‟ COMO UM ESCRITO
DE CUNHO CRÍTICO
Marcio Tadeu Girotti
Universidade Estadual Paulista
Orientador: Prof. Dr. Lúcio Lourenço Prado
[email protected]
Palavras-chave: Kant, Pré-crítico, Dogmatismo, Criticismo, Virada crítica.
A pesquisa busca elucidar a caracterização da obra Sonhos de um visionário
explicados por sonhas da metafísica (1766) de Immanuel Kant como um escrito que
pode ser caracterizado, em alguns aspectos, como um escrito de cunho crítico
dentro da caracterização do período pré-crítico da filosofia kantiana. Para apontar os
Sonhos de um visionário como um escrito de cunho crítico e talvez como um escrito
de virada crítica, deve-se ter como base três pontos básicos, a saber: a consciência
da existência de dois mundos sensível e supra-sensível; os limites da razão e a
caracterização do espaço e tempo como meios para se abarcar aquilo que é
possível conhecer; esses três pontos desembocam na obra ―Acerca da forma e dos
princípios do mundo sensível e inteligível‖ (Dissertação de 1770) e também na
Crítica da razão pura (1781). Tendo isso em mente pode-se retomar o escrito de
1766, e perceber quais os temas ali tratados e remetê-los aos temas que serão
abordados nas duas obras posteriores. Já é sabido que a distinção entre mundo
sensível e mundo inteligível é a base da argumentação da Dissertação de 1770,
além de espaço e tempo serem caracterizados como formas puras da intuição
argumentação acerca do espaço e tempo, bem como a existência de dois mundos
distintos, considerando a abordagem da obra como contendo elementos de cunho
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se que os Sonhos de um visionário é um escrito que poderia adiantar a
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sensível do mesmo modo como encontramos na Crítica. Nesse sentido, pressupõe-
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crítico (limites do conhecimento, espaço e tempo como formas da sensibilidade).
Para não perder o fio condutor, é possível retomar o ponto chave do escrito de 1766
em relação à caracterização espaço-temporal. Lá, os visionários abarcavam seus
objetos que transcendiam o mundo sensível por meio do espaço e tempo, uma vez
que toda a descrição deles era possível colocando-os dentro das características
espaço-temporal. Além disso, os visionários caíam em confusão ao utilizar espaço e
tempo para abarcar coisas do mundo suprassensível, uma vez que estes são
instrumentos da intuição sensível. Assim, parece que é em 1766 que Kant se dá
conta de que espaço e tempo são responsáveis por aquilo que se pode conhecer,
além de perceber que é o sujeito que possui as formas espaço-temporal. Com efeito,
a obra Sonhos de um visionário possivelmente pode ser caracterizada como um
escrito que se encaixa no contexto crítico se considerarmos o tema que concerne ao
espaço e tempo e a distinção dos dois mundos; além dos limites da razão que
configura de vez a obra com a possibilidade de ser caracterizada como o marco da
virada crítica (se ela for considerada no contexto da idealidade do espaço e tempo e
os limites do conhecimento). Nesse sentido, só há uma coisa a dizer acerca dos
limites do conhecimento humano com relação ao escrito de 1766 desembocando na
Crítica de 1781: tudo aquilo que se quer conhecer está no campo sensível – na
experiência – e isso já foi apontado, por Kant, na obra de 1763 intitulada ―Único
argumento possível de uma demonstração da existência de Deus‖ (Beweisgrund) e
agora nos Sonhos, pois, quimeras são fantasias que transpostas para o campo
sensível não passam de ilusões. Ou seja, se não está no espaço e no tempo e muito
menos visível por todos não é possível de ser conhecido, e se alguém afirmar que
vê e acredita ser verdadeiro é porque, segundo o próprio Kant, está comedido por
alguma doença mental. Em outras palavras, é um louco. Considerando a obra de
1766 como um escrito de caráter crítico, a primeira pergunta que deve-se fazer é:
um lado, tem-se que a filosofia de Kant torna-se crítica a partir do momento em que
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hipóteses que dizem respeito à virada crítica ou mesmo revolução copernicana. Por
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em que sentido? Vários interpretes da filosofia kantiana apontam para diversas
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ele se dá conta de que espaço e tempo são ideais e subjetivos, e fazem parte da
estrutura cognitiva do sujeito. Nesse ponto, o sujeito passa a ser o ―sujeito do
conhecimento‖, aquele que conhece o mundo fenomênico, o mundo das suas
representações. Aqui, a Dissertação de 1770 pode ser o marco da virada crítica,
junto com a divisão do mundo em sensível e inteligível, caracterizando os limites
para o conhecimento humano (pode-se incluir aqui a ―grande luz de 69‖). Por outro
lado, a virada pode ser caracterizada com o contexto da ―Dedução Transcendental
das categorias do entendimento‖, tal qual abordada na Crítica da razão pura; porém,
essa preocupação em compreender como os objetos poderiam se conformar às
representações do sujeito já está presente, em algum sentido, na Carta a Marcus
Herz de 1772. Além disso, há interpretes, como Franco Lombardi (1946, p. 201), que
acredita na possibilidade do Beweisgrund (1763) ser uma obra de cunho crítico, pois
seria ali, segundo o autor, que Kant poderia ter começado a perceber a importância
da experiência (como campo sensível) para a existência de seres reais,
caracterizando a existência como ‗posição absoluta‘ e como predicado não real, mas
verbal; além da experiência ser o próprio limite para conhecer aquilo que é possível
de ser conhecido: aquilo que aparece. Outra obra de 1763, o ―Ensaio para introduzir
a noção de grandezas negativas em filosofia‖, adiantaria, segundo Mariano Campo
(1953, p. 386), o problema dos juízos sintéticos a priori, um dos problemas centrais
da Crítica, uma vez que a oposição real reúne coisas que se opõem sem
contradição e se desenrolam na ordem fenomenal (campo sensível). Agora, entre as
mais variadas interpretações, está a possibilidade de configurar os Sonhos de um
visionário como escrito de cunho crítico, ou mesmo um escrito que fecha o período
pré-crítico da filosofia kantiana. Nessa linha seguem alguns interpretes: A.
Philonenko (1983, p. 50), Roberto Torretti (1980, p. 40), Jaume Pons (1982, p. 44),
David-Ménard (1996, p. 98), Daniel Omar Perez (1998 / 2008), entre outros. Diante
filosofia, o marco do criticismo kantiano) estendendo essa aproximação à ‗Dialética
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de 1766 do contexto da Dissertação de 1770 (que é considera, segundo a história da
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dessa possibilidade, parece relevante uma pesquisa que busque aproximar a obra
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Transcendental‘ da Crítica. A base para a investigação está no conteúdo da década
de 1760 que desemboca nos Sonhos, juntamente com o tema dos limites do
conhecimento humano, o qual desemboca na quinta parte da Dissertação de 1770 e
na ‗Dialética Transcendental‘ da Crítica. Outro ponto que serve como base é a
própria caracterização da estrutura espaço-temporal como meio para conhecer os
objetos sensíveis. Tal tema foi abordado ao longo da modernidade pré-crítica, o qual
ganhou uma melhor formulação nos Sonhos, com o auxílio do papel da experiência
já esboçado no Beweisgrund e no Ensaio das ―Grandezas Negativas‖. Isso tudo
acaba desembocando em 1770 e 1781. Assim, os Sonhos parecem fechar o período
pré-crítico, colocando a Dissertação de 1770 como uma obra de passagem entre um
período e outro (esse argumento é reforçado com a posição de Torretti (1980, p. 40)
a essa mesma caracterização). Do mesmo modo, tomando os Sonhos como ponto
central da investigação; auxiliados com o contexto dos escritos de 1760;
considerando o conteúdo da Crítica e tendo a Dissertação de 1770 marcando a
passagem entre os Sonhos e a Crítica, a investigação ganha uma base sólida que
permite a interpretação da obra de 1766 como um possível escrito que guarda um
conteúdo crítico.
Referências
CAMPO, M. La genesi del criticismo kantiano. Varese: Editrice Magenta, 1953.
DAVID-MÉNARD, M. A loucura na razão pura: Kant leitor de Swedenborg. Rio de
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Pensadores, Kant I).
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______. Crítica da razão pura. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os
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______. Acerca da forma e dos princípios do mundo sensível e inteligível. In:
SANTOS, L. R. dos.; MARQUES, A. Dissertação de 1770 seguida de Carta a Marcus
Herz. 2. ed. Lisboa: Casa da Moeda, 2004. p. 23-105
______. Ensaio para introduzir a noção de grandezas negativas em filosofia. In:
______. Escritos pré-críticos. São Paulo: Ed. Unesp, 2005. p. 51-100.
______. Sonhos de um visionário explicados por sonhos da metafísica. In: ______.
Escritos pré-críticos. São Paulo: Ed. Unesp, 2005. p. 141-218.
LOMBARDI, F. La filosofia crítica: la formazione del problema kantiano. Tumminelli:
Libreria dell‘Universita‘ di Roma, 1946. V. 1.
PEREZ, D. O. Kant pré-crítico: a desventura filosófica da pergunta. Cascavel:
Edunioeste, 1998.
______. Kant e o problema da significação. Curitiba: Champagnat, 2008.
PHILONENKO, A. L‟oeuvre de Kant. 3. ed. Paris: Vrin, 1983. T. 1.
PONS, J. C. Kant : assaig per introuir en filosofia el concepte de magnitud negativa i
Somnis d‘un visionari explicats per somnis de la metafísica (comentari). Enrahonar,
Barcelona, n. 4, p. 37-45, 1982.
TORRETTI, R. Manuel Kant : estudo sobre los fundamentos de la filosofia crítica. 2.
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ed. Buenos Aires: Editorial Charcas, 1980.
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DESMISTIFICANDO A TECNOLATRIA – A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE DE
HANS JONAS
Vitor Ogiboski
Universidade Estadual do Centro-Oeste
Prof. Dr. Elias Dallabrida
[email protected]
Palavras-chave: ciência; tecnologia; capitalismo; natureza; ética.
O modo de produção hoje dominante, o capitalismo, é fruto da união tecnocientífica.
Na gênese de todo esse processo, situa-se a Revolução Industrial e o Iluminismo,
que começaram a impor sua lógica instrumental, prometendo organizar as funções
sociais, fortalecendo as classes de modo linear. A partir daí, a ideia de que somente
a união da ciência com a tecnologia poderia ser a única ferramenta capaz de
promover o desenvolvimento social, começou a ser formatada. Porém, hoje
podemos concluir que tal ideal não foi capaz de produzir os efeitos esperados e, em
muitos casos, acabou até mesmo causando efeitos contrários. Apesar de termos
avançado muito na questão tecnocientífica, retrocedemos no que diz respeito à
democratização dessas descobertas. Por conta disso, estamos imersos a uma lógica
irracional de mercado, que impõe como única possibilidade de sobrevivência a
contínua rotina da produção/consumo. Tudo isso, aliado ao crescente contingente
populacional, também tem causado intervenções preocupantes na natureza, pois
esse modelo de consumo não leva em conta que nossos recursos naturais são
finitos. Por isso, busquei apresentar como suporte para esses conflitos, a
abordagem da Ética da Responsabilidade, de Hans Jonas, que demonstra
que todo o desenvolvimento tecnológico se mostrou democraticamente nulo, já que
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perigosas, podendo até mesmo cessar a vida na terra. Diante disso, constatamos
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sabiamente que as ações humanas tecnologicamente potencializadas são
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não conseguiu abarcar a totalidade populacional. Se no inicio do desenvolvimento
da ciência experimental e do surgimento de aparatos tecnológicos, pensava-se que
seria possível desenvolver também uma sociedade menos conflituosa, agora se
conclui que talvez essa força tenha se desvirtuado para o contrário do que se
esperava dela. A exclusão social torna-se também a exclusão tecnológica, os
detentores do poder são os detentores da tecnologia, seja ela de produção de bens
de consumo ou de informações.
Nessas condições, os problemas também ganham proporções extra-humanas, já
que a busca desenfreada pela produção e pelo consumo, aliada ao crescimento do
contingente populacional (segundo dados divulgados pela ONU, em 2025 a terra
terá entre 7,3 e 10,7 bilhões de habitantes), tem causado destruições irreversíveis
na natureza. ―Evidentemente, num mundo de recursos finitos, nenhuma sociedade
se sustenta a longo prazo sem enfrentar as dificuldades daí decorrentes‖
(MÉSZÁROS, 2004; 47). O estilo de vida adotado por países do primeiro mundo, e
copiado por alguns do terceiro, mostra-se completamente incompatível com os
recursos finitos da natureza, que através de tufões, furacões, ciclones, enchentes e
terremotos, responde a todas as intervenções mal feitas pelo homem.
As alterações feitas pelo homem comprometem principalmente o bem estar das
futuras gerações, que muito provavelmente terão que viver com dificuldades, devido
ao mal uso que fazemos dos nossos recursos naturais. Hans Jonas, filósofo alemão,
dedicou-se ao estudo de uma nova abordagem ética que fosse capaz de garantir
vida plena para aqueles que ainda estão por vir. Em sua obra, O Principio da
Responsabilidade – Ensaio para uma Ética para a Civilização Tecnológica, o filósofo
constitui uma nova abordagem sobre os problemas da modernidade. Para Jonas, é
inconcebível que as ações humanas, tecnologicamente potencializadas possam
cessar a existência da humanidade na terra. Para ele, a felicidade da geração
os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida autêntica
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gerações. Essas ideias estão impressas em seu imperativo: Age de tal maneira que
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presente não justifica a infelicidade ou até mesmo a inexistência de futuras
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na terra. (JONAS, 2006; 47). A autenticidade de uma vida futura engloba o homem,
os seres naturais e, principalmente, as gerações que estão por vir. O imperativo de
Jonas determina que o agir humano coletivo tem a obrigação de proteger aquilo que
ainda não é, ou aquilo que está por vir. Justamente pelo fato de ainda não ser, as
gerações futuras não podem sustentar defesa alguma de seus direitos de
sobrevivência.
Referências:
JONAS, Hans. O princípio da responsabilidade. Ensaio de uma ética para a
civilização tecnológica. Trad. Marijane Lisboa, Luis Barros Montez. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2006.
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MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004.
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A FORMAÇÃO POLÍTICA EM ROUSSEAU
Darlan Faccin Weide
[email protected]
Departamento de Filosofia
Universidade Estadual do Centro-Oeste
No século das luzes (séc. XVIII), em meio às disputas racionalistas e empiristas,
preconizava-se a difusão do saber como a forma mais eficaz para combater à ignorância e
às superstições, rodeado de postulados científicos dos enciclopedistas, destaca-se a figura
de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).
Foi no campo da política e da educação que o pensamento e Rousseau teve repercussões
amplas e profundas. Para ele, a desigualdade entre os homens surgiu com a propriedade,
que gerou também o Estado despótico. Contraposto a este, o Estado ideal seria resultante
de um acordo entre os indivíduos, que cederiam alguns de seus direitos para se tornarem
cidadãos. A base desse acordo seria a vontade geral, identificada com a coletividade e,
portanto, soberana.
A pesquisa, bibliográfica, teve como objetivo investigar as relações entre política e educação
em Rousseau, buscando compreender a relação entre "Emílio" (1759 e 1760-1762) e "Do
contrato social" (1762), para a boa vivência da democracia.
―O homem nasce livre e por toda a parte ele está agrilhado‖, ―Tudo está bem ao sair das
mãos do autor das coisas; tudo degenera entre as mãos do homem‖ (ROUSSEAU,1996,
p.09), nessas frases Rousseau sintetiza a idéia central do seu pensamento: a natureza,
criada por Deus, é a expressão da felicidade, igualdade, bondade e verdade, já a civilização,
criada pelos homens há expressão da infelicidade, desigualdades, injustiças, artifícios e
fundado no reconhecimento da igualdade dos direitos naturais dos homens.
Entre as principais obras de Rousseau tem-se: "Discurso sobre as ciências e as artes"
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estabelecidas entre os homens, sustentando a necessidade de um retorno à natureza,
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falsidades. Ele denuncia os crimes da civilização e as injustiças que foram sendo
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(1749), "Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens"
(1755), "Emílio" (1759 e 1760-1762), "Do contrato social" (1762), "As cartas escritas da
montanha" (1764-1765), "As confissões" (1764-1770), etc. Morre em 2 de julho de 1778.
Pouco depois de sua morte, sua obra, sobretudo o "Do contrato social", tornou-se a bíblia
dos Jacobinos e serviu de inspiração para a "Declaração dos direitos do homem" [...], onde
se transcreve quase que literalmente, alguns de seus argumentos e se aproveita o conceito
de vontade geral.
Nas obras ―Discurso sobre a origem e os fundamentos da Desigualdade entre os homens‖ e
―Do contrato Social‖ evidenciam-se que para Rousseau a desigualdade entre os homens
surge na passagem do estado natural para o estado social. Ou seja, no estado natural o
homem visava somente sua sobrevivência e cultivava um sentimento de solidariedade com
seus semelhantes devido à necessidade de superação das intempéries do cotidiano. Já, no
momento que homem passa a desenvolver suas técnicas e aprimoramentos na caça,
dispondo de mais tempo e confortabilidade passa a emitir juízo comparativo sobre a
capacidade aprimorada de cada um. Quer saber quem é o melhor caçador, o mais forte, o
mais ágil, o mais hábil, o mais bonito, etc. Os homens agrupados sem um líder tendo como
juiz sua própria consciência geraram um estado de conflito. Tal situação foi contornada
através de um contrato social, nele os homens renunciavam a sua liberdade natural a favor
da comunidade.
O pacto social, além de ser a manifestação do poder consentida pela vontade geral,
gera um corpo moral e coletivo, em que seus membros envolvem-se livremente com
o consentimento dos demais. Rousseau mostra que a desigualdade entre os
homens tem como fundamento a degeneração provocada pelo distanciamento que
o homem civilizado está do homem natural. Como a evolução social faz parte da
natureza humana pela perfectibilidade do homem, sugere um pacto entre os
cidadãos para uma vivência harmoniosa baseada na liberdade.
No estado de natureza, o homem é guiado e pode confiar nos instintos (os desejos não vão
mais contar com os instintos: tem que apelar para o entendimento, para a razão. A moral e a
lei cumprem o papel, no mundo social, que os instintos desempenham na vida natural.
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imediatamente e não há razões para não serem obedecidos. O homem civilizado não pode
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além das necessidades físicas), porque como emanam do coração podem ser identificados
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Dessa forma, Rousseau entende o desenvolvimento histórico da humanidade como
seguindo três tempos: 1) o estado de natureza; 2) a sociedade civil e; 3) a república.
Natureza e sociedade civil são duas realidades opostas, sendo possível a superação dessa
contradição através de duas vias trilhadas em conjunto: a política e a educação. Como diz
Michel Launay,
Rousseau sabe que é uma ilusão querer ensinar livremente um homem
livre, numa sociedade em que prevalece a desigualdade, e que é uma
ilusão esperar transformar a sociedade, se não se dispõe de homens livres,
prontos a se sacrificar por esta liberdade, pela igualdade de todos perante a
lei; é preciso então fazer as duas coisas ao mesmo tempo. (apud
CERIZARA, 1990, p. 26.)
Por isso, Rousseau teria escrito "Emílio" e "Do Contrato Social" concomitantes. No
"Do Contrato Social", Rousseau define a possibilidade de resgatar a igualdade e a
liberdade do homem através de um contrato social que institua a vontade geral como
o poder soberano. A vontade geral é um poder moral e uma legislação derivada da
igualdade entre os homens que buscam sempre o bem comum. O que somente
poderá ser alcançado através da educação dos seus cidadãos para uma boa
convivência coletiva, elemento essencial para que o povo, sendo sujeito-autor das
leis, possa garantir sua execução, bem como, o exercício da democracia.
Dessa forma, revela-se uma íntima relação entre política e educação. Principalmente
quando Rousseau enfatiza que para sua pólis não é importante homens sábios, mas, sim,
homens bons. O Estado só conseguirá atingir tal meta se envolver na educação a dimensão
política de suas intenções.
Não é suficiente dizer aos cidadãos - sede bons: é preciso ensiná-los a ser.
O próprio exemplo que a esse respeito constitui a primeira lição, não
representa o único meio a empregar-se; o amor à pátria constitui o meio
mais eficaz, pois como já disse, todo o homem é virtuoso quando sua
Rousseau busca a formulação de um processo educativo que garanta ao homem
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(ROUSSEAU, 1995, p. 52).
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vontade particular em tudo se encontra de acordo com a vontade geral
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melhores condições de atuar em sociedade e para tal busca entender uma questão
filosófica de fundo: O homem é bom por natureza! A bondade é a condição original;
a maldade é adquirida. Desse modo, "antes de ser um tratado pedagógico, o Emílio
é um estudo filosófico sobre a bondade natural do homem.‖ (CERIZARA, 1990, p.
26). Nele, têm-se os princípios de uma educação que prima pelo livre
desenvolvimento do indivíduo, que busca aperfeiçoar as suas potencialidades a fim
de formá-lo para o exercício da liberdade e da autonomia, elementos que
proporcionarão uma atuação efetiva no que se refere à organização política da
sociedade.
Rousseau no Emílio mostra a seqüência, de acordo com princípios naturais, que se
deve obedecer para formar a pessoa moralmente autônoma. Se esse modelo fosse
seguido e se tornasse universal, surgiria um mundo novo sem corrupção.
A tarefa primordial da educação é impedir que a corrupção aconteça, preservando a
infância das influências do mundo adulto. Neste particular, tem-se uma "revolução
copernicana da educação". Até Rousseau, a teoria e a prática educacionais sempre
foram concebidas a partir da ótica do adulto (da experiência cultural, da tradição);
Rousseau inverte a perspectiva. Disso deriva o legado rousseauniano à pedagogia
moderna: o robustecimento dos sentidos, o ensino prático, o trabalho manual, o
estímulo da intuição, a experiência direta da criança com a vida, etc.
Rousseau propõe uma educação não preocupada apenas em desenvolver o
aspecto individual, mas, sobretudo, o aspecto coletivo, uma vez que o
homem deve ser educado para agir em meio à sociedade, aprendendo a
conviver com os demais e a priorizar o interesse comum frente aos
interesses particulares. O processo educativo deve equilibrar as tensões
entre a natureza e a sociedade, posto que Rousseau formula uma educação
que insere o homem no mundo da cultura, permitindo que o mesmo siga as
orientações estabelecidas pela natureza. O paradoxo da educação de
Rousseau buscou a compreensão dos fatores que se interpõem entre o indivíduo e a sua
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interpretação que visualiza uma educação política. (BRITO, 2004, p. 07)
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Rousseau, torna-se a pedra de toque para o entendimento de uma
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felicidade, a partir do postulado de que o homem, degradado em sua natureza pelo
processo histórico de socialização, pode, em princípio, recuperar sua integridade essencial.
Rousseau, mais do que desenvolver pensamento sobre educação, formula uma teoria
política do estado, onde seus membros são os autênticos depositários do poder. Aqui
aparece a relevância de seu pensamento que serve de base para a compreensão da
concepção de democracia e estado moderno.
Os educadores tradicionais assegura, Rousseau, "procuram sempre o homem, na
criança, sem pensarem no que ele é, antes de se tornar homem.". E alerta aos
pedagogos: "Começai, pois, por observar melhor os vossos educandos; pois é
quase certo que não os conheceis." (ROUSSEAU, 1990, p. 9-10).
O impacto causado pelo pensamento de Rousseau se justifica pelas novidades que
introduz.1 Com relação à educação, desafia o modelo jesuítico e combate à idéia da
essência. Rousseau "[...] desloca a análise para o social; não se trata de explicar
tudo a partir da essência, mas com base na observação dos fatos e na história
hipotética do desenvolvimento da humanidade. O que os homens são atualmente
eles devem muito mais ao desenvolvimento das relações sociais." (CERIZARA,
1990, p. 31).
No Do Contrato Social e no Emílio tem-se uma integração entre política e educação
onde se reforça que, diferente das leis da natureza, as leis humanas devem ser
reforçadas pela sociedade, através de um processo educativo e político que
desperte o apreço pela lei e o correlato crescimento pessoal e moral de cada
cidadão, que é impelido pelo desejo moral de seguir a vontade geral e construir uma
boa vivência democrática.
Referências
BRITO, Freitas, Lidiane. A educação política em Rousseau. São Cristovão: UFS,
1
"Não me agrada encher um livro com coisa que toda a gente sabe" (ROUSSEAU, 1990, p. 9).
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CERIZARA, Beatriz. Rousseau: a educação da infância. São Paulo: Scipione, 1990.
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2004. (Dissertação)
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ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio. 2 vol, Portugal: Europa-América, 1990.
______. Discurso sobre a economia política e do contrato Social. [tradução de Maria
Constança Peres Pissarra] 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1995.
______. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os
homens. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
______. O contrato social. [tradução de Antônio de Pádua Danesi] 3.ed. São Paulo:
Página
6
Martins Fontes, 1996.
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UMA DEONTOLOGIA HOBBESIANA?
A TESE TAYLOR E A TEORIA DA OBRIGAÇAO EM HOBBES
Clóvis Brondani
Universidade Federal de Santa Cataria
Programa de Pós Graduação em Filosofia – Doutorado
Orientador: Dr. Marco Antônio Franciotti (UFSC)
Co-orientadora: Dra. Maria Isabel Limongi (UFPR)
Email: [email protected]
Palavras-Chave: Hobbes, deontologia, obediência, ética, lei natural.
Este artigo tem como objetivo apresentar a interpretação de Taylor e Warrender
sobre a ética e a teoria da obrigação de Thomas Hobbes, especialmente no que diz
respeito à tese que propõe uma ética deontológica em Hobbes e mais
especialmente no caso de Taylor, de uma vinculação da ética hobbesiana com a
ética kantiana.
Os trabalhos destes autores originaram uma interpretação da filosofia hobbesiana
radicalmente oposta às leituras mais tradicionais, as quais compreendem a sua ética
como fundada no egoísmo, e sua teoria da obrigação fundada apenas no autointeresse. A inovação proposta por Taylor e Warrender é a tese de que a ética
hobbesiana não é fundada no egoísmo psicológico e, consequentemente, a sua
teoria da obrigação não está embasada no auto-interesse, mas na obrigatoriedade
incondicional da lei natural, fato este que aproxima Hobbes tanto das tradições
cristãs medievais da lei natural como da ética kantiana.
teoria da obrigação. Segundo Taylor, o egoísmo psicológico em Hobbes é apenas
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psicológico de Hobbes seja o fundamento de sua ética e consequentemente da sua
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O ponto de partida de Taylor e Warrender é a negação de que a teoria do egoísmo
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descritivo em relação à natureza humana, não estando vinculado com sua teoria da
obrigação (TAYLOR, 1938, p. 407). Assim, haveria por um lado, uma teoria
psicológica que descreve o comportamento egoísta do homem e por outro, uma
teoria ética que é em essencialmente uma deontologia.
A ética hobbesiana então, segundo estes autores, está fundada não no autointeresse, mas na obrigatoriedade das leis de natureza. Este caráter obrigatório
pode
ser
encontrado
em
inúmeras
passagens
dos
textos
hobbesianos,
especialmente no De Cive, nas quais Hobbes apresenta a lei de natureza com um
comando divino incondicional. Sendo assim, diferente do que grande parte da
tradição interpretativa concebera, elas são válidas também no estado de natureza.
Consequentemente, o contrato social e o poder soberano do Estado, nada mais
fazem do que garantir o cumprimento destas leis, as quais já possuem
obrigatoriedade no estado de natureza, por derivarem da vontade divina. Deste
modo, a teoria política de Hobbes estaria muito mais próxima a uma tradição cristã,
do que ao mecanicismo científico moderno. Para os autores, a tradição teria
negligenciado os aspectos evidentemente religiosos na filosofia de Hobbes,
enfocando sua atenção apenas nos aspectos científicos e mecanicistas da obra.
Além disso, grande parte da tradição debruçou-se apenas sobre um estudo profundo
do Leviathan, (e mais especificamente nas duas primeiras partes) o qual, segundo
Taylor (1938, p. 407) não é a obra mais clara do pensamento hobbsiano. Assim,
preferem focar sua atenção no De Cive e nas últimas duas partes do Leviathan.
Um outro aspecto da tese de uma ética deontológica em Hobbes é a aproximação,
feita por Taylor, com a deontologia kantiana. Segundo Taylor, a distinção entre a
obrigatoriedade in foro interno e in foro externo da lei natural feita por Hobbes, o
aproxima da distinção kantiana entre ação pelo dever e conforme ao dever
(TAYLOR, 1938, p. 409). Segundo Hobbes, no estado de natureza, as leis de
interpretativa a conceber que a lei de natureza não possui uma obrigatoriedade
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(HOBBES, 1996, p.110). Esta distinção conduziu grande parte da tradição
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natureza obrigam apenas in foro interno, mas in foro externo nem sempre obrigam
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efetiva, sendo a verdadeira obrigação apenas aquela in foro externo, ou seja, a
obrigação jurídica implantada pelo poder soberano. Taylor interpreta a questão de
modo diametralmente oposto. Segundo ele, a verdadeira obrigação é aquela in foro
interno, porque opera no nível da consciência, ou seja, trata-se da intenção de agir e
não meramente da ação de acordo com a lei. ―O ponto que importa é que Hobbes
concorda com Kant sobre o caráter imperativo da lei moral, exatamente como ele
também concorda com ele na asserção na proposição de que ela é a lei da reta
razão‖ (TAYLOR, 1938 , p. 409).
Ao analisar as afirmações de Hobbes sobre a não obrigatoriedade in foro externo
das leis de natureza, Taylor argumenta que tal obrigatoriedade somente existe nas
condições em que há garantia de reciprocidade, garantias de que os outros
indivíduos também a cumpram. Como no estado de natureza esta garantia quase
sempre é inexistente, a lei de natureza não obriga a praticar as ações prescritas pela
lei, mas continua obrigando internamente o indivíduo a ter intenção de praticá-la.
Este tipo de obrigação então, na visão de Taylor, é o mesmo tipo de obrigação
incondicional exposto na teoria ética de Kant. Esta tese conduz a uma interpretação
bastante particular da obrigação política. Ela não parte do soberano, como aquele
que comanda a lei, mas parte da obrigatoriedade incondicional da lei natural. A
obrigação moral de obedecer à lei de natureza é anterior à existência do legislador e
da sociedade civil. A obrigação de obedecer ao soberano civil então, de acordo com
esta interpretação, está fundamentada em uma teoria ética deontológica que, em
última instancia, nos apresenta a lei natural de Hobbes como incondicionalmente
obrigatória devido ao fato de ser um mandamento divino.
Página
HAMPTON, J. Hobbes and the Social Contract Tratidion. Cambridge: Cambridge
University Press, 1995.
3
Bibliografia
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WARRENDER, Howard. The Political Philosophy Of Hobbes. Oxford: the Clarendon
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A INTERSUBJETIVIDADE NO FUNDAMENTO DO DIREITO NATURAL
DE FICHTE
João Geraldo Martins da Cunha
Departamento de Filosofia – FFLCH – USP
Supervisor de pós-doutoramento: Ricardo Ribeiro Terra
[email protected]
Palavras-chave: Fichte; Tarefa da razão; Intersubjetividade; A. Honneth; Direito
natural.
A descoberta no século XX dos manuscritos ―Halle‖ e ―Krause‖ de um curso de
Fichte sob a rubrica ―Doutrina da ciência nova methodo‖, lecionado entre 1796 e
1799, período intermediário entre a primeira exposição de 1794 e a obra madura da
primeira década de 1800, reanimou o problema hermenêutico quanto à continuidade
ou ruptura da obra de Fichte. Razão pela qual, um de seus grandes intérpretes, Ives
Radrizzani, propôs uma análise desse problema a partir da edição crítica desses
manuscritos; mostrando o quanto pode ser enganoso o título que comparece nestes
cadernos, ―Doutrina da ciência nova methodo‖ (título dado pelo próprio Fichte no
cátalogo – catalogus praelectionum – da Universidade de Iena), ao sugerir a mesma
doutrina de 1794, apresentada por meio de um novo método1. A questão chave da
discussão sobre continuidade ou ruptura na obra depende, fundamentalmente, da
possibilidade de articulação dos três princípios da Grundlage (1794) e a ideia,
aparentemente
nova
e
indubitavelmente
original,
da
intersubjetividade.
Completamente ausente da exposição da Grundlage de 1794 e absolutamente
central nos cursos de 1796-99, a idéia de intersubjetividade parece consistir no
pomo da discórdia entre os defensores da ―continuidade‖ e os defensores da
1
I. Radrizzani, Vers la fondation de l´intersubjectivité chez Fichte, Vrin, Paris: 1993.
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―ruptura‖ de sua obra.
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Além disto, o tema da intersubjetividade também é central em outra obra dos anos
1796-7, o Fundamento do direito natural segundo os princípios da doutrina da
ciência. Isso mostra que o aparecimento do tema da intersubjetividade não é
episódico, mas constitui uma preocupação central de Fichte entre os anos 17961800. Afinal de contas, o livro sobre o fundamento do direito é bastante central no
projeto filosófico de Fichte, pois é sua primeira tentativa de aplicação dos princípios
da Doutrina-da-ciência a uma ciência em particular, no caso, o direito1.
Grosso modo, podemos dizer que o fundamento do direito natural, ou melhor, a
legitimidade do conceito do direito é que ele é condição da relação intersubjetiva; a
qual, por sua vez, é condição da própria consciência. Como a consciência é um fato,
o direito está transcendentalmente vinculado à posição deste fato e, portanto, seu
conceito e objeto (a comunidade política) estão geneticamente legitimados pela
posição mesma da própria consciência. Certamente, a primeira parte do
Fundamento do direito natural, onde essa dedução é apresentada, está longe de ser
clara e linear. Fichte, como de costume, opera um raciocínio contra-intuitivo – apesar
de explicitamente dizer o contrário –, alterando inteiramente a própria noção lógica
de conceito (como ―representação geral‖), deslocando o procedimento kantiano de
dedução transcendental (fundar uma representação no ato subjetivo que a constitui)
para o domínio que poderíamos chamar de ―genético constitutivo‖ e, finalmente,
assumindo uma postura crítica diante das ―filosofias de fórmulas‖ quanto ao direito
(as doutrinas do direito inspiradas em Kant). Além de tudo, essas diferentes
operações envolvidas na dedução do conceito do direito são apresentadas segundo
o
―modo
geométrico‖,
por
meio
de
três
teoremas
e
suas
respectivas
―demonstrações‖.
Mas todas estas dificuldades não devem obscurecer a importância do tema da
intersubjetividade para a aplicação sistemática da Doutrina-da-ciência ao direito.
1
R. Lauth, op. cit., p.334.
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methodo e o Fundamento do direito natural, a despeito de suas dificuldades
2
Estes dois contextos da obra de Fichte, a chamada Doutrina da ciência nova
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interpretativas internas e das dificuldades hermenêuticas quanto ao lugar sistemático
de cada uma delas – e a significação disso para a interpretação geral do sistema de
Fichte – mostram que o tema da intersubjetividade não é de pouca importância para
o pensamento de Fichte. Marcando ou não uma ruptura em sua produção, o tema é
certamente central tanto para sua Doutrina-da-ciência de um modo geral, quanto
para sua filosofia política de um modo particular.
Diante das dificuldades levantadas acima, os limites de uma comunicação
evidentemente não comportam o tratamento completo do tema da intersubjetividade
em Fichte, mas, por outro lado, também não invalidam um tratamento pelo menos
parcial do mesmo. Nesse sentido, proponho fazer uma apresentação geral da
primeira Seção da ―Dedução do conceito de direito‖ no Fundamento do direito
natural, particularmente, seu segundo teorema – segundo o qual não há consciência
de si sem consciência do outro – para, a partir daí, tecer algumas considerações
sobre
a
consequência
política
fundamental
que
decorre
desta
fundação
intersubjetiva do conceito do direito e de seu objeto, a comunidade política. De modo
geral, parece-me que a diferença específica do jusnaturalismo político de Fichte,
frente ao contratualismo do pensamento moderno inaugurado por Hobbes, está na
idéia de uma fundação intersubjetiva do contrato social e político. Por conseguinte,
pretendo reivindicar a paternidade fichtiana do tema da intersubjetividade, contra sua
completa identificação ao famoso slogan hegeliano da ―luta pelo reconhecimento‖.
Para alcançar este propósito e diante do pano do fundo apresentado acima, três
problemas devem ser enfrentados: (1) em primeiro lugar, uma análise geral da
dedução do conceito do direito no Fundamento direito natural; (2) em segundo lugar,
uma análise mais específica da demonstração do segundo teorema da dedução
sobre a intersubjetividade; e, por fim, (3) uma análise das consequências que o tema
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da intersubjetividade traz para a filosofia política de Fichte – medidas por uma
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comparação (ainda muito esquemática) com a ―reatualização‖ de Hegel feita por A.
Honneth1.
Minha hipótese é que esta dificuldade foi enfrentada por Fichte por meio do conceito
de intersubjetividade que comparece no Fundamento do direito natural. Daí meu
interesse em mostrar a ―descoberta‖ da intersubjetividade como chave para o
problema político em Fichte, contra uma possível hegelianização prematura desta
temática, tal como parece ser o caso, pelo menos à primeira vista, na obra de Axel
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A. Honneth, Sofrimento de indeterminação: Uma reatualização da filosofia do direito de Hegel, trad.
Rúrion S. Melo, Esfera Pública, São Paulo: 2007.
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Honneth supracitada.
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ESTUDO COMPARATIVO ENTRE O EPICURISMO E O UTILITARISMO
Karina Mikuska
Universidade Estadual do Centro-Oeste- Unicentro
Orientador: Ruth Rieth Leonhardth
Email: [email protected]
Palavras-chave: Epicurismo, Utilitarismo, Ética
O presente resumo aborda as características do Epicurismo e Utilitarismo com o
objetivo de fazer uma análise comparativa entre as duas correntes para detectar
pontos de semelhanças no âmbito moral e ético e possíveis influências de Epicuro
ao utilitarismo.
Epicurismo é o sistema filosófico desenvolvido por Epicuro de Samos, filósofo do
século IV a. C. Epicuro propunha uma vida de continuo prazer para a felicidade,
esse é o objetivo de seus ensinamentos morais. Para Epicuro, a presença do prazer
é sinônimo de ausência de dor ou de qualquer tipo de aflição. O pensamento de
Epicuro afirma que dos homens só se deve temer o ódio, a inveja e o desprezo.
Sábio para ele é aquele que, pela razão, se eleva acima de tudo isso. Quem possui
sabedoria é incapaz de deixar-se ficar, voluntariamente sob o domínio das paixões.
O prazer só é útil e desejável quando não é nocivo. Mesmo em relação à dor, o
homem tem capacidade de suportar todo o mal que o aflige, sendo feliz na sua
condição de sábio. Os epicuristas admitem dois tipos de felicidade: uma divina
completa e que não aceita qualquer acréscimo, sendo, por isso perfeita; e outra
menos elevada, com variação na quantidade do gozo oriundo do desfrute do prazer.
que recorre aos efeitos mais agradáveis de um benefício, não tanto por sua
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entanto, diminuir em nada a sua sabedoria. A alternativa mais desejável é aquela
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A pessoa sábia conhece os limites daquilo que pode elevar como prazer sem, no
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abundância ou duração, pois a medida da felicidade se encontra nos resultados
favoráveis dos prazeres produzidos. Necessariamente, a consequência de uma
escolha correta tem como único fim a saúde do corpo e a tranquilidade da alma.
Destarte, procura os epicuristas evitar a dor e a inquietude, muitas vezes causadas
pela busca incessante do prazer. Sob essa perspectiva, o prazer considerado em si
mesmo, é um bem, embora nem todos devam ser buscados. Assim como o
sofrimento é um mal, apesar de alguns não ser naturalmente evitados. Com o intuito
de proceder adequadamente, um determinado cálculo deve ser efetuado.
Utilitarismo é uma corrente filosófica surgida no século XVIII na Inglaterra, que
afirma a utilidade como o valor máximo a qual a constituição de uma ética deve
fundamentar-se. O utilitarismo baseia-se na compreensão empírica de que os
homens regulam suas ações de acordo com o prazer e a dor, perpetuamente
tentando alcançar o primeiro e escapar do segundo. Deste modo, uma moral que
possa abarcar efetivamente a natureza humana. Nesta perspectiva, a utilidade
entendida como capacidade de proporcionar prazer e evitar a dor deve constituir o
primeiro princípio moral, isto é, seu valor supremo. O utilitarismo na história da
Filosofia é visto como um radicalismo filosófico, uma vez que propõe uma
reestruturação dos valores éticos. Os utilitaristas pregam que o fundamento da moral
é o Útil ou o princípio da máxima felicidade. Longe de pregar uma moral solipsista
baseada apenas na obtenção de prazer individual, o utilitarismo em sua concepção
filosófica compreende a utilidade igualmente como felicidade, e esta por sua vez,
com o maior prazer do maior número de pessoas possível. Considera que uma ação
é correta na medida em que tende a promover a felicidade e errada quando tende a
gerar o oposto da felicidade. Por felicidade entende-se o prazer e a ausência de dor;
por infelicidade, dor privação de prazer. O Princípio da Máxima Felicidade, ou seja, o
fim último, com referência ao qual todas as coisas são desejáveis (seja quando
relação a quantidade como a qualidade. O teste de qualidade e a medida pela qual
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livre, tanto quanto possível, de dor e a mais rica possível em prazeres, tanto em
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considera-se o próprio bem ou de outras pessoas) traduz-se em uma existência
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compara à quantidade consiste na preferência daqueles que em suas oportunidades
de experimentar à qual deve ser acrescentado aos seus hábitos de autoconsciência
e de auto-inspeção. Sendo esta a finalidade de toda ação humana, trata-se
necessariamente do padrão de moralidade, que pode ser exposto da seguinte
maneira: as regras e preceitos para a conduta humana, cuja observância garante
uma existência para toda humanidade, deve também ser estendidos a todos os
seres da criação dotados de sensibilidade, conforme suas naturezas permitam. Na
carta enviada por Epicuro a Meneceu, estão resumidos os principais pontos da
sabedoria moral hedonista, entre os quais, muito comum aos adotados pelo
utilitarismo, sobretudo no padrão avaliador do bem e do mal, como também no
cálculo efetuado através da razão a indicar o melhor procedimento no objetivo de
promover a felicidade.
O século XVIII foi o século das luzes e do renascimento das teses utilitaristas,
influência do pensamento hedonista de Epicuro. Por mais plausível que seja a
concepção de utilidade - entendendo como útil aquilo que promove a felicidade e
contribui para amenizar a dor -, definir felicidade, em termos de sentimentos de
prazer ou dor, suscita várias interpretações, tanto entre os antigos, quanto entre os
modernos. O utilitarismo perdura como corrente filosófica ainda que comportando
diferentes compreensões e desdobramentos até nossos dias. Uma comparação
entre as atuais correntes morais e as antigas permite a análise dos argumentos
utilizados por cada uma delas facilitando a interpretação de suas respectivas teses,
ao mesmo tempo em que revela a genealogia das ideias e esclarece os motivos de
tantos debates assim como o fascínio exercido por elas ao longo da história do
homem. O cerne da doutrina utilitarista encontra-se em Epicuro, o princípio
primordial de buscar o prazer e evitar a dor é o ponto central do hedonismo que
ações procurando o máximo de prazer e evitar a dor do maior número de pessoas é
o início de uma concepção que busca não apenas a felicidade individual, mas sim,
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Máxima felicidade o indivíduo livre pautado em sua racionalidade pode medir suas
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considera o prazer como o bem maior e a base de uma vida feliz; o Princípio da
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procura atingir o máximo de pessoas possíveis, afinal a felicidade e o prazer devem
ser compartilhados em uma dimensão não restrita, mas amplamente abrangente.
REFERÊNCIAS:
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
EPICURO, Carta sobre a felicidade. São Paulo: UNESP, 1997.
MARCONDES, D. Textos básicos de ética. 3ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
REALE, G. História da filosofia antiga III. São Paulo: Loyola, 1994.
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TOYNBEE. J. A. Helenismo: História de uma civilização. Rio de Janeiro. 1983.
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UMA LEITURA DOS PRECEITOS ÉTICOS NAS MEDITAÇÕES DE MARCO
AURÉLIO
Marcio Fraga de Oliveira
Universidade Estadual do Centro-Oeste
Orientador: Profª. Ms. Ruth Rieth Leonhardt
[email protected]
Palavras-chave: Marco Aurélio, Meditações, Ética
O presente estudo trata da leitura da obra Meditações de Marco Aurélio focando os
preceitos éticos descritos por ele. O que, aqui, se pretende fazer é um apontamento
dos princípios éticos postulados pelo autor, demonstrando também a relação de seu
pensamento com as teorias dos estoicos e chegando por fim a analisar a atualidade
das teorias de Marco Aurélio.
Na obra, encontram-se as reflexões do pensador romano, escritas quase na forma
de diário, ainda no idioma grego, que não estava mais em voga, mas que era como
língua particular do imperador e que ele sentia mais propícia para exprimir as
inquietações intelectuais e morais. Foram escritas inclusive durante as guerras nas
quais lutou o imperador, que nos períodos de folga refletia e fazia anotações. A obra
é quase uma espécie de manual de conduta, como os que foram escritos durante a
Idade Média na Europa, com textos pequenos e de fácil compreensão e muitas
vezes em tom pessoal mostrando que Marco Aurélio escrevia mesmo para si
de roteiro de como deveria se comportar um imperador que queria cultivar o próprio
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Sabe-se que a obra foi escrita sem a intenção de divulgação, e apenas para servir
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próprio, o que justifica o nome da obra, que numa tradução direta é Para si mesmo.
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caráter e viver segundo a natureza, máxima do estoicismo, filosofia da qual ele é
adepto e que descreve em seus escritos.
O Estoicismo, na época de Marco Aurélio se sustenta no estudo da ética devido ao
processo de transição no que tange a questões espirituais com o crescimento do
cristianismo, e a queda da antiga cultura grega. Aceita-se que Marco Aurélio não foi
um pensador original, pois seu pensamento é influenciado por pensadores
passados, o que fica claro no primeiro livro das Meditações. Este primeiro livro, o
imperador o dedica a todos que lhe ensinaram os princípios da vida correta. Mas a
inovação de Marco Aurélio está em participar dessa revolução espiritual que está
acontecendo durante seu reinado, as ideias do imperador se apresentam
expressando a transição entre a cultura clássica grego-latina e a nova concepção
cristã do mundo. Ele rompe com o materialismo estoico ao afirmar uma união
espiritual com Deus, ao mesmo tempo em que mantém um monismo panteístico,
afirmando uma adaptação, uma relação direta entre ele próprio e a natureza, através
do espírito, do nous. O nous a que ele se refere não é material como nos antigos
estoicos mais é intelectual ou mental, é superior à própria alma. Ele também afirma a
imortalidade da alma, e sua distinção do corpo. O corpo é matéria, o nous é espírito,
a alma é sopro, pneuma. O nous é o daimon que Deus dá a cada homem para ser
seu guia, e que traz consigo os princípios da razão. Decorre daí que quem
desobedece ao daimon, desobedece também à razão. A partir daí são lançados os
princípios éticos do imperador, que afirmam a necessidade de viver de acordo com a
razão. Marco Aurélio também retoma o conceito de piedade, como relação do
homem com Deus e como ação que segue retamente a razão e a natureza, e se
Deus dá a direção da razão através do daimon, quando o homem age contrário a
razão, age impiamente e comete um erro. Esse sentido de piedade refere-se
também a amar o próximo e perdoar os ofensores, estes princípios tão evangélicos,
ser perdoada pois quem a comete não sabe o que é o bem ou o mal. Além disso,
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racionais uns em vista dos outros, num sistema de ajuda mútua. Toda injúria deve
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são defendidos por Marco Aurélio pois a natureza universal constitui os viventes
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nosso nous não será atingido pois ele não pode ser tocado por uma ofensa externa.
O nous só será afetado por um erro que ele próprio cometer, por exemplo, ao
contrariar a razão. Assim, outro preceito que Marco Aurélio assinala é a retidão do
pensar, pois sempre se deve ter em mente coisas que podem ser perguntadas e de
pronto serem respondidas, sem receios e culpas. Deve-se também ter benevolência
ativa, não esperando recompensas por boas ações, assim como os pés não
esperam recompensas pelo caminhar.
Como heranças próprias do estoicismo, notam-se as afirmações que Marco Aurélio
faz sobre a brevidade da vida, a fugacidade e a caducidade das coisas. Se a razão
mostra que o futuro é incerto, deve-se agir como se a vida fosse acabar a qualquer
momento e então não se pode perder tempo com coisas inúteis. A fama, a honra e a
riqueza são passageiras e não ajudam a viver melhor, não dão paz e às vezes até
trazem perturbações. É melhor ignorar e perdoar o mal que os outros fazem pois
não são atribuições corretas e não alteram o tempo de vida, pois tanto a pessoa que
ofende quanto o ofendido têm apenas o mesmo tempo fugaz, instantâneo. A morte
também não deve ser temida, pois é um processo natural, e a alma não morrerá
com o corpo. Aqui falta uma ontologia para explicar a imortalidade da alma.
Conclui-se finalmente que os preceitos éticos de Marco Aurélio têm base claramente
estoica, visam uma vida segundo a natureza e a razão, e também a tranquilidade
para o homem. Nota-se também que seu pensar difere dos antigos estoicos e sofre
influência já dos textos evangélicos, embora não explicitamente. O que se destaca,
ainda, é a atualidade, ou a atemporalidade desses preceitos éticos. O respeito, o
perdão, a austeridade, a benevolência, o seguir a razão e a relação do homem com
Deus e com o mundo são coisas que agradam a todos e que se mostram tão em
falta no mundo corrido e agitado de hoje. Talvez um olhar para os textos antigos,
principalmente os dos pensadores estoicos, possa provocar uma reflexão e
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consequentemente melhorar o modo de vida das pessoas da atualidade.
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Referências bibliográficas:
AURÉLIO, Marco. Meditações. Seleção, tradução e introdução William Li. São
Paulo: Editora Iluminuras, 1995.
COPLESTON, Frederick. História de la filosofia I – Grecia y Roma – 4. ed.
Barcelona: Ariel, 1994.
EPICURO et al. Antologia de textos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os
Pensadores).
REALE, Giovanni. História da Filosofia: antiguidade e idade média – 10. ed. - São
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Paulo: Paulus, 2007.
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CRÍTICA DE KARL POPPER À UTILIZAÇÃO DO MÉTODO INDUTIVO NA
CONSTITUIÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO
Alexandre Klock Ernzen
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
[email protected]
Palavras chave: conhecimento, indução, método científico, epistemologia, lógica
O tema do presente trabalho é delinear a crítica de Karl Popper à utilização do
método indutivo nos processos de construção do ―conhecimento científico‖ ao longo
da história da constituição da ciência. Popper procura fazer uma análise das
considerações sobre o problema da indução levantados pelo filósofo Hume, o qual
afirma que não se pode ter conhecimento logicamente justificado baseado no
método indutivo. A acusação de Popper a Hume é de que um enunciado universal,
baseado apenas na ―crença‖, de que um evento passado se repetirá no futuro não
pode ser justificado de forma lógica, assim como acreditar no ―hábito‖ de que aquilo
que aconteceu no passado poderá se repetir de forma igual no futuro. Essas duas
constatações de Hume, portanto, a ―crença‖ e ―hábito‖, levam Popper a pensar e
analisar com profunda atenção o problema da indução, cuja utilização acabará por
se tornar problemática, visto sua impossibilidade de justificação lógica. Popper
aponta que Hume, após suas constatações acerca da indução com seus problemas
insolúveis, como a justificação lógica da indução, acabou por se tornar cético e
―crente‖ em uma ―epistemologia irracionalista‖, e foi o grande culpado pelo
preciso retomar este ―elemento racional‖ na constituição das teorias da ciência para
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constituição do conhecimento, sendo a ―crença‖ o motor da vida prática. Assim, é
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esquecimento da racionalidade na ciência, pois, a razão se torna segundo plano na
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que tenhamos um critério racional para a escolha das teorias e para a constituição
do conhecimento científico em geral. É preciso fazer uma nova leitura dos problemas
levantados por Hume, visto que, segundo a ótica popperiana, houve um equívoco
sobre a interpretação do problema da indução pelos filósofos posteriores, sendo
necessário ―revisar‖ todas as colocações do filósofo escocês para podermos tratar
de uma solução adequada a este problema clássico que atravessa toda a história da
filosofia. Popper, com sua audaciosa proposta de abandono do método indutivo em
favor de um método dedutivo, pretende introduzir novamente o elemento racional da
constituição das teorias científicas, pensando na estrutura e constituição lógica das
―hipóteses‖ ou ―conjecturas‖, e assim poder constituir uma ciência pautada no
elemento racional, de forma a retomar a razão em segundo plano, possibilitando que
o conhecimento científico possa ter justificação lógica. A busca pela verdade é um
dos elementos motivadores para tal empreitada proposta pelo filósofo e é o que
motiva o autor a realizar suas colocações de forma a dar uma nova visão dos
problemas e anseios científicos de sua época. Na teoria clássica do indutivismo, os
enunciados ―universais‖ são obtidos através do método de indução. A alegoria que
Popper utiliza para mostrar tal concepção tradicional é a mente como um balde, que
recebe os dados sensoriais que vão se conectando uns aos outros formando, então,
o conhecimento. O filósofo Bacon chega a falar que as percepções se configuram
como ―uvas, maduras e da estação‖ que deverão ser juntadas para que assim se
possa comprimi-las formando o ―vinho puro do conhecimento‖. Nosso autor chama
tal teoria de ―balde mental‖ e é representada pelo chamado ―empirismo ingênuo‖, no
qual os dados sensoriais são apenas ―coletados‖ pelo ―balde mental‖ e o produto do
balde culminaria no conhecimento. Entenda-se ―empirismo ingênuo‖ a teoria de que
as experiências sensoriais são iguais para todos os indivíduos e se dão de forma
neutra mediante a generalização de casos particulares para uma lei universal
precedido de expectativas e hipóteses, visto que o ser humano elabora hipóteses
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observações apenas. Entretanto, para nosso autor o conhecimento é sempre
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através da indução. A ciência, acredita Popper, não tem seu início através de
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justamente para resolver problemas, ainda que de forma primária, no sentido de dar
explicações para eventos naturais, por exemplo. Quando se observa algo, temos
expectativas ou ideias prévias do que queremos observar e, assim, começa a
constituição do conhecimento, a partir de hipóteses que depois serão testadas de
forma lógica, assim como testadas com dados empíricos para sua corroboração ou
refutação. A proposta de Popper versa justamente em pensar esses enunciados
universais como ―hipóteses‖ ou ―conjecturas‖, não mais como sendo um produto da
indução, mas sim, pensando simplesmente como hipóteses que surgem livremente
na mente humana, as quais serão ―testadas‖ e a partir dos resultados dos testes
submetidos, avaliar sobre sua viabilidade ou não como uma ―teoria científica‖. O
conhecimento não surge da adição de dados sensoriais uns aos outros, mas o
conhecimento surge a partir do momento em que as hipóteses são submetidas a
testes. As premissas de tais enunciados ―universais‖ devem ser lidos como
―asserções de teste‖, sendo que estes últimos são premissas que vem a corroborar
ou refutar teorias científicas que são submetidas constantemente a testes. Os
enunciados universais não se configuram simplesmente do movimento indutivo, mas
sim as hipóteses são testadas e na medida em que são corroboradas podem
apresentar alguma descrição da realidade, ou são eliminadas mediante os testes.
Bibliografia
POPPER, K. Los dos problemas fundamentales de la Epistemología. Trad. Asunción
Albisu Aparicio. Madrid, Editorial Tecnos, 2007.
POPPER, K.
A Lógica da Pesquisa Científica. Trad. Leônidas Hegenberg. São
Paulo, Cultrix, 14° ed., 2002.
POPPER, K. O conhecimento e o problema corpo-mente. Trad. Joaquim Alberto
Editora Itatiaia, 1999.
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POPPER, K. Conhecimento Objetivo. Trad. de Milton Amado. Belo Horizonte,
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Ferreira Gomes. Lisboa: Edições 70, 2002b.
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POPPER, K. Três concepções acerca do conhecimento humano. Coleção Os
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Pensadores, São Paulo, Editora Abril,1980.
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O NEO-ARISTOTELISMO BRENTANIANO E O CONCEITO DE OBJETIVIDADE
IMANENTE
Lauro de Matos Nunes Filho
Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO
[email protected]
Palavras-chave: Objetividade imanente; objeto intencional; consciência; ontologia.
O neo-aristotelismo de Franz Brentano (1838 – 1917) representa a retomada e
inserção do pensamento aristotélico na contemporaneidade, ou ainda, nas suas
origens, isto é, na fenomenologia baseada no conceito de Objetividade Imanente.
Brentano irá reinterpretar a metafísica aristotélica com o objetivo de justificar o
reducionismo psicológico por meio de uma interpretação bastante singular da
ontologia aristotélica.
Com este objetivo ele parte da concepção aristotélica de ciência, isto é, ciência é
conhecimento universal e necessário, ou seja, verdadeiro. Segundo esta definição,
uma ciência qualquer será julgada pelo valor e pela infalibilidade de seu objeto.
Aristóteles considera a ciência do ser, isto é, a ontologia como a principal ciência.
Uma vez que as demais ciências têm seus objetos fundamentados no ser, isto é,
que os objetos das demais ciências são explicitados pelos diversos sentidos de ser,
estes diversos sentidos estão sempre submetidos à noção de é o mesmo, mas que,
contudo, é expresso em vários sentidos. A sua referência, entretanto, é o ser.
Somente desta perspectiva é possível compreender como Brentano defende a sua
posição frente à psicologia, a partir da ontologia aristotélica.
objeto. Com relação a isto, deve-se focar a atenção sobre as ciências particulares
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necessária uma unidade da noção, que por sua vez, deve conceder a unidade do
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Os vários sentidos do ser são os conceitos do ser. Para fundamentar a ontologia é
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(matemática, física, astronomia, etc.) para diferenciá-las e expor a sua unidade na
ontologia, para assim, e elevar a ontologia ao mais alto posto dentre as ciências.
Segundo Aristóteles, a filosofia primeira (ontologia) trata de no que algo é. A
distinção é a de que as ciências particulares tratam do que é, mas nos vários
sentidos particulares do ser, isto é, nas suas diversas determinações. Por exemplo,
a matemática trata do que é o número, a física do que é o fogo. Assim a ontologia
deve ser considerada como a mais importante dentre as ciências.
Aristóteles diz que a ontologia tem de ocupar-se fundamentalmente da entidade
(ousía). Em primeiro lugar, o discurso real refere-se às coisas reais, as quais, por
sua vez, são fundadas nas entidades do um mundo sensível. Aristóteles denomina a
entidade como sujeito primeiro, ao qual atribuímos os predicados. A entidade é
fundada na matéria, contudo a determinação de cada entidade não se perde no
sensível, pois a entidade particular sensível é formada por matéria e forma. Desta
maneira a entidade cavalo, não é confundida com a entidade homem. No fim
Aristóteles remete a definição de entidade à definição de forma, pois, a matéria não
é entidade particular, mas indeterminada, sem forma. A efetividade entre matéria e
forma também não configura a entidade, já que é só pela forma que temos a
entidade. No fim, Aristóteles reduz a definição entidade a um caráter estritamente
formal.
O discurso ontológico só é garantido porque os diversos sentidos de ser referem-se
à entidade como forma que, portanto, existe no entendimento. A referência é feita a
algo que existe dentro, mas que por ser formal não existe como uma entidade real,
isto é, objetiva e independente do entendimento. A referência não é feita a algo de
exterior (transcendente), mas sim à própria forma como entidade na qual existem as
diversas formas de ser. Por este motivo, apesar do ser e o que é ter vários sentidos,
eles referem-se sempre à forma, que é por si, mas na qual se dão as demais
concluído seu caráter formal.
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algo que existe como ato, ou seja, a algo que existe efetivamente, mantendo
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categorias. Esta posição vincula a unidade ao ser, pois a referência é sempre feita a
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Desta forma, os vários sentidos do ser são referidos apenas ao que é unívoco, e é
esta mesma unidade que contém aqueles de uma maneira tal que não são
diferentes deste, mas que são contidos neste pela sua determinação. Em outras
palavras os vários sentidos do ser in-existem nele.
A partir desta perspectiva, Brentano também irá buscar a unidade da consciência
para justificar o reducionismo psicológico. Brentano divide os fenômenos em físicos
e psíquicos, sendo que os últimos têm um caráter mais fundamental que os outros,
pois todo objeto de conhecimento é dado como conteúdo de atos psíquicos
(representações). Brentano mostra que a divisão dos fenômenos em físicos e
psíquicos é uma ilusão conceitual, criada a partir da não atenção prestada a inexistência intencional dos objetos dos fenômenos psíquicos, enquanto conteúdos de
atos psíquicos. A in-existência intencional é, portanto, uma característica presente
em todos os fenômenos psíquicos.
O termo intencional é formulado, em Brentano, como uma propriedade de certos
objetos, os quais por sua vez serão chamados de objetos intencionais. Estes objetos
intencionais existem apenas na medida em que são representados pelos seus
respectivos atos.
Brentano diz que o objeto intencional in-existe na consciência, não no sentido de
que não existe, mas no sentido de que não se trata de uma existência real, isto é,
como uma entidade física objetiva. Assim como em Aristóteles, a sua determinação
depende do ato imanente à consciência, sendo que só temos acesso a estes objetos
enquanto objetos dos fenômenos psíquicos. Em outras palavras, tudo o que se dá,
se dá como fenômeno psíquico.
O objeto intencional não possui existência como uma entidade em um mundo real e
objetivo, pois se ele depende do ato para ser representado, então ele é em um
fenômeno psíquico. Brentano não nega com isso a existência de um mundo real
(psíquica) ou como diria Aristóteles, formal.
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experiência. Porém, a existência dele se dá somente de maneira intencional
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exterior a nós, pois ele defende a idéia de que o conhecimento deriva da
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Brentano assevera que a in-existência intencional é a característica comum de todos
os fenômenos psíquicos, sendo a consciência a unidade de todos os fenômenos
psíquicos. A unidade da consciência consiste no fato de que todos os fenômenos
psíquicos dirigem-se para o ato psíquico em que ocorrem. Este direcionamento da
consciência para um objeto supõe a identidade do objeto em ambos os fenômenos
psíquicos. A direcionalidade dos atos psíquicos revela o caráter fundamental da
objetividade imanente, enquanto característica comum dos fenômenos psíquicos,
validando assim, a unidade da consciência. Desta forma, configura-se o passo
original da filosofia de Brentano que por meio da univocidade do ser em Aristóteles
consegue justifica o seu ponto de vista com relação à psicologia.
Referências Bibliográficas
ARISTÓTELES. Metafísica. Trad.; Introd. e Notas. T. C. Martínez. Madrid: Ed.
Gredos, 1998.
BRENTANO, Franz. Psychology from an Empirical Standpoint. Trad. A. C.
Rancurello, D. B. Terrell, L. L. McAlister ; Introd. P. Simons. London: Routledge,
1995.
PORTA, M.A. ―Franz Brentano: Equivocidad del Ser y Objeto Intencional‖. In.
Kriterion. Vol. XLIII, No. 105 (jun., 2002), pp.97-118.
Página
4
SCHAAR, Marietje Van der. ―L'analogie et la vérité selon Brentano‖. In.
Philosophiques,
Vol.
26,
No.
2
(automne/1999).
Disponível
em
<http://id.erudit.org/iderudit/004994ar>. Arquivo Capturado em 05/06/2009.
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VIOLÊNCIA E DEMOCRACIA EM HANNAH ARENDT
Paulo Eduardo Bodziak Junior/UFPR
Orientador: Profº Dr. André de Macedo Duarte
[email protected]
Palavras-chave: totalitarismo; violência; democracia; bio-política; homo sacer
A modernidade está marcada pela relação entre violência e política. Fato sem
novidade quando lembramos que atos de violência precedem a fundação dos corpos
políticos desde a antiguidade. Deste modo, tentarei defender a hipótese de que a
marca da modernidade não está na relação entre ambas mas está no caráter
necessariamente violento adquirido pela política em seu novo sentido. Para isso
será considerada a categoria da bio-política, pensada inicialmente por Foucault e,
posteriormente, relacionada ao pensamento de Arendt por Giorgio Agamben. Assim,
finalmente, é possível o retorno à violência enquanto fenômeno ligado à
transformação da política em bio-política, e como tal fenômeno destrói estruturas de
poder entre cidadãos, fundamentais para uma experiência de democracia.
A democracia é sustentada pelo poder. Mas há uma diferença entre força,
monopolizada pelo estado, e poder. Poder é gerado quando um grupo de homens
decide proceder em um mesmo curso de ação. A força é compreendida como força
física. Isto é, não sustenta um regime democrático. O fenômeno da violência
aparece quando a força é multiplicada e empregada por meio de instrumentos contra
alguém. Portanto, onde há violência não pode haver poder dada a destruição das
estruturas de poder geradas pela ação conjunta. A política, tal qual compreendida
política e violência.
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criação e manutenção destas estruturas de poder. Logo, é clara a tensão entre
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por Arendt, é justamente aquilo que ocorre entre os homens nesta interação para a
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Na antiguidade a presença de ambas era comum. Observamos isso na obra de
Maquiavel, que propunha uma reflexão acerca dos acontecimentos políticos da
antiguidade. Em sua obra é clara a apologia ao uso da força se necessário pelo
príncipe, mas também está claro que ao assumir tal posição o soberano abandona
as leis para entrar no campo da violência. Estas reflexões já são um ensaio do atual
direito irrevogável do Estado de monopolizar o uso da força. A mudança no sentido
da política proposta aqui começa com a ascensão de uma figura denominada animal
laborans. Esta é a categoria utilizada por Arendt para definir o homem da
modernidade. Seu ser não seria definido pela capacidade de agir em conjunto e
interagir com outros homens, mas pelo fato de comportar-se sempre em um mesmo
ciclo de produção e consumo de bens que sustentam uma vida em seu sentido
estritamente biológico. Esta figura do homem moderno transformou a política,
outrora tida como interação entre homens, em administração pública deste ciclo de
produção e consumo. Daí a relevância das questões econômicas
em governos
atuais.
Para tornar mais clara a relação de necessidade entre esta nova política e o
emprego da violência pode-se dispor da categoria da bio-política proposta por
Foucault. Nesta categoria as ações do estado estariam dirigidas ao novo conceito de
população. Tal conceito ―achata‖ as pessoas numa massa uniforme tratada
indiscriminadamente. As ações do estado visam a regulamentação dos processos
biológicos referentes aos homens. Todas as necessidades biológicas são tratadas e
administradas como questões públicas. Outra característica desta bio-política no
processo de administração do contingente populacional é o seu caráter racista
encontrado emblematicamente no anti-semitismo da Alemanha nazista ou, mesmo
fugindo à compreensão biológica da palavra, enquanto os inimigos da revolução
soviética. Trata-se de reconhecer na população um elemento que ameace a sua
aperfeiçoamento do homem-espécie, fazendo para isso, no exercício do ―poder de
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regulamentação dos homens enquanto população, visando a manutenção e
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evolução, seja genética ou historicamente. Em suma, o estado bio-político trata da
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fazer viver e deixar morrer‖ (FOUCAULT, 2000, p.287), o recorte racista que visa
eliminar as impurezas que comprometem a evolução.
O paradigma bio-político da modernidade seria o campo de concentração. Relação
proposta por Agambem para o encontro dos pensamentos de Arendt e Foucault.
Para o pensador, o ponto de flexão entre ambas as obras ocorre quando pensamos
o domínio total sobre a chamada ―vida nua‖ ou ―vida sacra‖, o modo de vida do homo
sacer figura do direito arcaico romano possuidor de uma vida matável e
insacrificável. Sua inclusão consistia paradoxalmente na sua exclusão, tratando-se
do indivíduo excluído da sua cidadania mas presente no ordenamento jurídico como
alguém irrelevante para a sociedade e, portanto, matável, cuja violação por alguém
não caracterizava crime. Sua insacrificabilidade deriva da entrega já realizada aos
deuses quando este fora sacralizado, ou seja, ao ser retirada sua cidadania a sua
vida estava ―nua‖ e entregue aos deuses. Os homens não poderiam sacrificar
alguém cuja vida já era de propriedade divina. Assim, ao pesarmos o domínio total
sobre a ―vida nua‖ desprovida de qualquer proteção jurídica, senão aquela que
define sua própria exclusão, nos remetemos à experiência totalitária dos campos de
concentração e sua gestão técnica da vida. O domínio total consistia na destruição
jurídica, moral e pessoal do indivíduo. Através da tortura, da humilhação e do
aniquilamento da esperança somados a uma legislação racista, o campo tinha sua
pluralidade de indivíduos sistematizada e destruída.
Os campos constituem o paradigma bio-político do presente, pois revelam a situação
limite a qual pode chegar a gestão técnica da vida que define a política moderna.
Para Agambem, há, correndo sob a modernidade, um elemento oculto comum que
atravessa os regimes totalitários até as modernas democracias de massa, a biopolítica. Deriva desta condição o caráter necessariamente violento da política uma
vez que se define pela intervenção na vida individual para garantir a evolução
compele a sociedade a entrar em um ciclo vitalista de produção e consumo que
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O animal laborans enquanto definição da existência humana na modernidade
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coletiva. Esta violência destrói os espaços de poder necessários à democracia.
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precisa ser mantido. Mesmo pelo uso da força. Foi assim com o primeiro surto
imperialista que motivou genocídios e saques na África e Ásia no século XIX. Neste
ciclo as estruturas de poder já não podem mais se sustentar. Se o poder é agir em
comum acordo, as mudanças descritas comprometem esta possibilidade, afinal, o
homem moderno, além da sua incapacidade de agir por estar completamente
ocupado com o ciclo vitalista, é compelido a se manter neste ciclo, caso contrário
torna-se um excluído, podendo ser transformado em homo sacer e sugado para fora
do ciclo de consumo violentamente. Com o poder comprometido, compromete-se
também a possibilidade da democracia sustentada no poder emanado do povo.
Referências bibliográficas
AGAMBEN, G. Homo Sacer: O poder Soberano e a vida nua. Belo Horizonte.
UFMG. 2002
ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária. 2002
___________.Da violência. UnB. Brasília.1985.
___________.Origens do totalitarismo. Cia das Letras. São Paulo. 2000.
DUARTE, A. Hannah Arendt e a biopolítica: a fixação do homem como animal
laborans e o problema da violência. In CORREIA, A.(org.) Hannah Arendt e a
condição humana. Salvador. Quarteto, 2006.
FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo . Martins fontes. 2000
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MAQUIAVEL, N. O Príncipe. São Paulo. Nova cultural. 2004.
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SOBRE O CONCEITO DE VIRTUDE E REMINISCÊNCIA NA OBRA MÊNON DE
PLATÃO
Felipe Cardoso Martins Lima
Mestrando PUC/PR
Orientador: Jair Barboza
[email protected]
Palavras-chave: virtude, reminiscência, alma, imortalidade, conhecimento.
Trata-se de uma investigação em torno do diálogo ―Mênon‖ de Platão. Pretende-se
investigar em que medida a tese da reminiscência (anámnesis) tal como
estabelecida por Platão se apresenta como um dos pontos centrais da teoria do
conhecimento no horizonte da filosofia platônica. Para isso, pretendo analisar os
pontos principais da obra em questão, tendo em vista, a estrutura interna da
argumentação aí em jogo, sobretudo, os conceitos de reminiscência e virtude. Os
dois pontos fundamentais do diálogo Mênon, consistem primeiramente na
abordagem a respeito da possibilidade da virtude ser ensinada, bem como adquirida
mediante exercício e ainda mais precisamente se essa virtude advém aos homens
por natureza, tais questões, entretanto, que se apresentam no início do diálogo
formuladas por Mênon, são direcionadas para Sócrates. Há deste modo, uma
tentativa de definição por parte de Sócrates do conceito de virtude, culminando, por
sua vez, na aporia. Mas por outro lado, o presente diálogo se lança em outra aporia,
essa, porém, mais problemática, ou seja, sobre a própria possibilidade do
conceito de reminiscência, revela-se já de antemão a possibilidade de aquisição do
conhecimento. Desde já se vê que o método do conhecimento tal como apresentado
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medida em que pressupõe a imortalidade da alma. Por isso, uma vez que se trata do
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conhecimento, entrando em cena, por sua vez, o conceito de reminiscência, na
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por Platão consiste na anámnesis ou lembrança, a tarefa do individuo é partir das
coisas, para reconhecer nelas um ser que não se possui, mas que lhe provoque uma
lembrança
ou
reminiscência
das
ideias
antes
contempladas
pela
alma.
Conhecimento, portanto é lembrança.
Estamos diante de um diálogo que apresenta dois aspectos importantes. Se por um
lado o diálogo Mênon liga-se aos chamados diálogos socráticos, por outro lado, faz
parte dos diálogos que encabeçam a transição para a fase posterior denominada
fase de maturidade. A obra em questão inicia-se com a pergunta de Mênon ―a
virtude é coisa que se ensina?‖1 a partir daí Sócrates reformula a questão específica,
para uma tentativa de definir a virtude. Usando sua ironia como método maiêutico,
Sócrates alega nada saber a respeito da virtude, detendo-se apenas nesse princípio.
Um dos métodos que Sócrates utiliza para investigar um conceito, consiste
primeiramente em instigar o interlocutor à apresentar a definição conceitual ora
apresentada. Dessa forma, cabe a Mênon a tarefa da primeira tentativa de definir o
que é virtude. O primeiro argumento utilizado por Mênon consiste na enumeração
das virtudes ―ser capaz de gerir as coisas da cidade, e no exercício dessa gestão
fazer bem aos amigos e mal aos inimigos (...) a virtude da mulher não é difícil
explicar que é preciso a ela cuidar da casa‖2. Partindo da posição de Mênon, a
crítica socrática entra em cena com intuito de contrapor tal definição, apresentando,
por sua vez, seu primeiro argumento, ou seja, há uma unidade de virtudes para
todos, unidade essa que deve dar conta da multiplicidade ―embora sejam muitas e
assumam toda variedade de formas, tem todas um caráter único‖3.Note-se, porém,
que no decorrer do diálogo ocorrem várias tentativas de definição tanto por parte de
Mênon bem como de Sócrates, levando a partir daí a discussão à aporia. Tendo
reconhecido a aporia sobre a qual se encontra a discussão, Sócrates detém-se no
ponto que abrirá caminho à outra discussão, ou seja, a possibilidade do
1
Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.19.
Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.23;
3
Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.23;
2
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conhecimento mediante a reminiscência. Este movimento da argumentação nos
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impõe em um plano estritamente metafísico na medida em que pressupõe a alma
como sendo imortal e tendo como condição necessária o ciclo de nascimentos
sucessivos, enfim, a alma contempla as coisas do mundo inteligível, não existindo,
portanto conhecimento que ela não tenha contemplado. Ao apresentar tal
argumento, Sócrates, a pedido de Mênon, pretende demonstrar a validade da tese
em questão, propondo interrogar o escravo de Mênon. Tal interrogatório gira em
torno de um problema matemático, ou seja, ao instigar o escravo a uma tentativa de
resolução do problema, Sócrates o induz a aporia, essa é o ponto de partida para
aquisição do conhecimento enquanto tal. Na medida, entretanto, em que discorre o
interrogatório, Sócrates leva o escravo a solução do problema mediante a
reminiscência. Isso nos permite caracterizar a validade da tese socrática, pelo fato,
do escravo apresentar a solução de um problema matemático complexo mesmo
apresentando um estado de completa ignorância intelectual. Por fim, retomando a
discussão acerca da virtude, e depois de várias tentativas de defini-la, Sócrates a
apresenta como sendo uma ―concessão divina‖1, contudo deixa um espaço aberto
para uma nova definição no que concerne a virtude em si mesma o que comprova o
completo estado de aporia pelo qual se encontra o presente diálogo.
O conceito de reminiscência de Platão revela, já de antemão, a função que a obra
Mênon adquire na transição para os diálogos de maturidade, e como motivação de
discussão, assim se poderia apontar para uma pressuposição da teoria das idéias
que estará estabelecida numa fase filosófica posterior. O conceito de reminiscência
se faz necessário em Platão, pela necessidade de solidificar por um lado à
argumentação de sua metafísica, e por outro lado, fazendo com que se coloque todo
o peso da questão na imortalidade da alma. Por ser justamente a reminiscência a
condição necessária para o conhecimento, dessa forma, se concebe a alma como
1
Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.109;
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ponto de partida para todo o conhecimento.
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Referências
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PLATÃO. Mênon. Trad. Maura Iglesias. Rio de Janeiro: PUC - Rio, 2001.
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A RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO NA PESQUISA E CONSTRUÇÃO DO
CONHECIMENTO
Lucia Helena Barros do Valle
Instituto Superior Sant`Ana
[email protected]
Palavras-chave: Sujeito; Objeto; Conhecimento; Lógica; Pesquisa; Realidade.
No conhecimento da realidade o homem atribui conceitos às coisas do mundo
exterior, interior e social. Isto corresponde ao aperfeiçoamento do pensamento da
humanidade, da forma como esta, nas expressões das diferentes culturas, organizou
o pensamento nas relações do homem com si mesmo, com seu semelhante e com a
natureza.
O objetivo deste trabalho é apresentar a construção do conhecimento a partir da
posição da racionalidade na relação sujeito–objeto. Ou melhor, como a razão se
expressou na Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea frente a esta
relação? A elaboração de conceitos sobre a realidade acontece no pólo sujeitoobjeto, desse modo a humanidade os elabora de diferentes formas e de acordo com
as distintas culturas e épocas. Alguns conceitos permanecem intactos por muito
tempo, outros são reformulados num tempo menor. Esta reconstrução de conceitos
está ligada a fatores concernentes à organização cultural, social e econômica das
sociedades.
desenvolvimento desses próprios conceitos. Diante disso, eles são tanto ponto de
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partida para seu desenvolvimento e como processo no qual o homem conduz o
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Os conceitos são tão atrelados à vida humana, que esta os entende como ponto de
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partida como de chegada para o homem na busca pelo aperfeiçoamento dessas
relações (homem mundo exterior, interior e social). Os conceitos são elaborados
pela mente e transmitidos através da comunicação que se dá através da linguagem
(corporal, artística, verbal). Quer dizer, o desenvolvimento do pensamento, da
capacidade de conceituar e da linguagem é interdependente. Isto se dá frente a
certo tipo de lógica, uma vez que ela expressa o modo como o raciocínio estabelece
as relações entre o pensamento e o real. Ora, se existem modos diferentes para o
raciocínio, esta distinção acontece sob dois aspectos:
- em relação aos diferentes tipos de objeto do pensar;
- em referência aos distintos modos de pensar tal objeto.
Via de regra, a lógica, entendida como instrumento do pensar, chega à filosofia e às
ciências sociais contemporâneas com uma discussão entre lógica formal e dialética.
A primeira é entendida como a lógica da metafísica, isto é, concebe os objetos e
fenômenos de maneira estática e as coisas, neste tipo de lógica, tendem a
permanecer sem mudanças significativas. Porém, a lógica dialética entende os
objetos e fenômenos num universo dinâmico, pois o princípio que diferencia
fundamentalmente a lógica formal da dialética é a contradição.
Quando um conceito sobre determinada coisa é elaborado, se está sob a ação de
uma certa lógica de entendimento do real, e se esta evidencia um modo de ver as
coisas, pode-se dizer que ela reflete uma visão de homem e mundo do sujeito.
Contudo, a falta de orientação sobre que tipo de lógica o pensamento está atrelado,
pode levar o indivíduo a ações incoerentes com seu modo de ver, sentir e estar no
mundo. Numa palavra, refletir sobre esta lógica do próprio pensamento é enfrentar,
muitas vezes, as contradições presentes na ação do indivíduo, se transformando
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estar pronto ao diálogo consigo e com o mundo, através da reflexão sobre os
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num exercício de tomada de consciência de eles próprios. Abrir a consciência é
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conceitos das relações homem-mundo exterior, homem-mundo interior e homemmundo social.
Quando se fala em pesquisa ou construção do conhecimento, seja em qual área for,
a referência é a relação sujeito-objeto. Isto é, reporta-se a questão sobre qual a
participação dos pólos subjetivo e objetivo na construção do conhecimento? Para
respondê-la, tem-se que ter clareza do referencial teórico metodológico que vai
orientar as ações sobre a realidade em estudo. Entretanto, antes disso, deve-se ter
consciência de como a relação sujeito-objeto foi compreendida pelo homem na sua
caminhada em direção ao desenvolvimento de seu modo de entender a realidade
natural, social e subjetiva.
Com base em Severino (1994), pode-se entender que esta relação sujeito-objeto, no
processo de construção do conhecimento, ora teve a racionalidade centrada no
sujeito, ora no objeto e finalmente na relação entre eles. Quer dizer, na Idade Antiga
a razão centrava-se no objeto, uma vez que tanto seres mitológicos quanto
fenômenos da natureza eram responsáveis por explicar o mundo, a realidade. O
homem sujeitava-se a aceitar que a explicação do real se dava por algo externo a
ele.
Na Idade Média, a situação não mudou, pois a razão centrava-se ainda no objeto,
em virtude de que a verdade, a explicação do mundo acontecia através das
sagradas escrituras, então a realidade era explicada pelo poder divino.
Finalmente, na Idade Moderna a razão desloca-se para o sujeito. O homem
descobre sua capacidade de explicar e dominar os fenômenos da realidade natural e
social. Os acontecimentos que permitiram este deslocamento da razão centrada no
objeto para o sujeito ocorreram em virtude de fatos significativos na política, na
filosofia e na ciência a partir do século XVII. Certo é que o homem descobriu seu
poder de domínio e acreditou ser capaz de construir uma sociedade livre dos mitos e
a vida boa almejadas, principalmente, com os avanços da ciência teve um preço
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endeusamento do homem por ele mesmo o levou a compreender que a felicidade e
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auto- suficiente para satisfazer as necessidades e aspirações humanas. Este
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alto. Isto é, as desigualdades continuaram a se instalar entre os povos, o processo
de globalização interferiu nas diferentes culturas trazendo à tona reações das mais
diversas, como diferentes tipos de violência.
Por conseguinte, no que diz respeito à leitura e interpretação filosófica desse
cenário, os pensadores da contemporaneidade avançaram ao compreender que a
razão tende a deslocar-se do sujeito para a relação entre sujeitos capazes de
entendimento sobre a realidade. Ou seja, sujeitos se entendendo sobre algo no
mundo exterior, interior ou social, sendo que aqui, a personagem central é a
linguagem. É através dela que a racionalidade se expressa e se torna capaz de
enfrentar questões que estão afetando a vida dos homens, tais como o aquecimento
global e muitos avanços da genética, as quais precisam ser discutidas sobre seu
aspecto ético diante da diversidade cultural, social, religiosa, política e econômica
das nações.
Enfim, esta guinada paradigmática na filosofia traz um prenúncio de maior
possibilidade de diálogo entre os sujeitos, a fim de permitir a eles enfrentar um
mundo que sofre transformações aceleradas tanto pelo viés da ciência quanto da
ligeira velocidade da informação.
Bibliografia
HABERMAS, Jurgen. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes,
2004.
_____. Pensamento pós- metafísico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.
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4
SEVERINO, Antonio Joaquim. Filosofia. São Paulo: Cortez, 1994.
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O POSITIVISMO COMTIANO E O DISCURSO PROGRESSISTA DE GETÚLIO
VARGAS NO ESTADO NOVO (1937-1945)
João Henrique dos Santos
UNICENTRO/PR.
[email protected]
Palavras-chave: Positivismo, Augusto Comte, Discurso, Progresso, Estado Novo.
O positivismo comtiano tem apresentado grande influência na história política
brasileira, não apenas no momento da formação da República (1889), mas
especialmente em suas releituras, como forma de justificação de poder em regimes
de cunho totálitário, como no caso do Varguismo (1930-1945), e Ditadura Militar
(1964-1985).
Segundo o historiador José Murilo de Carvalho, no período republicano o positivismo
fundamenta-se como conceito político e ideológico do governo, tal fato teria ocorrido,
especialmente, pelo forte aparato simbólico e progressita de seu discurso
(CARVALHO, 1990). Desta forma, o positivismo torna-se o principal conceito
ideológico dos primeiros governantes da república recém formada.
Portanto, compreender a atuação do pensamento positivista comtiano, em relação a
construção dos discursos e atos políticos no Brasil, durante o século XX, torna-se
um ponto de partida para estudos sobre a construção dos conceitos de cidadania e
civilidade nacional. Seguindo este pressuposto, pretendo analisar o discurso
comtiano, em especial, a abordagem sobre a "marcha progressiva do espírito
humano" exposto em sua obra Cours de Philosophie Positive (COMTE, 1978). Darei
destaque ao estado metafísico e positivo, refletindo posteriorme sobre a
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seus discursos para os jovens duranto o Estado Novo (1937-1945).
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reinterpretação destes conceitos realizado por Getúlio Vargas, que os transmite em
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Augusto Comte torna-se um grande expoente do pensamento francês, com a
publicação de sua principal obra, Cours de Philosophie Positive (Curso da Filosofia
Positiva). Nesta obra nos é perceptível que "a filosofia é reduzida a metodologia e
sistematização das ciências" (PADOVANI, CASTAGNOLA; 1978, p. 430). Dentro
deste esquema, ou melhor, deste curso de evolução da humanidade, Comte nos
apresenta três estados evolutivos necessários para alcançar o progresso.
O primeiro estágio, chamado estado teológico, apresenta-se como aquele em que o
método para explicação dos fenômenos consiste na busca das causas primeiras e
finais, ou seja, na busca de um conhecimento absoluto, cuja explicação fundava-se,
em última análise, na ação direta, contínua e arbitrária de "agentes sobrenaturais"
(COMTE, 1978, p. 4).
O segundo estágio configura-se pelo estado metafísico, no qual os homens passam
a explicar o mundo e os fenômenos naturais, por meio do recurso de conceitos
abstratos e não verificáveis, transcendentais em sua essência. Esses conceitos
abstratos do estado metafísico, conforme Comte, acabam substituindo os "agentes
sobrenaturais" do estado teológico e, todos os fenômenos observados passam a ser
explicados pela relação que possuem com cada entidade abstrata correspondente.
Este processo de transformação é possível graças ao contínuo avanço das
ciências, em especial das ciências naturais; que gradativamente eliminariam os
mitos e deuses, trazendo o homem para o domínio de sua existência.
O terceiro estágio é denominado estado positivo. Afirma Comte ser esse o último
estágio da razão humana, aquele em que ela alcança a sua "virilidade". A principal
característica do terceiro estado é que nele "o espírito humano reconhecendo a
impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino
do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se
unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da
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similitude." (COMTE, 1978, p.132.)
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observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de
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Para o conhecimento positivo, que representa o conhecimento científico, o
estabelecimento de relações de causa e efeito constitui o seu núcleo,
independentemente da área do conhecimento em questão. Aliás, Auguste Comte
propôs também uma hierarquização das ciências, de forma que as ciências
consideradas exatas seriam as mais simples e as ciências sociais as mais elevadas.
A sociologia seria a ciência mais elevada de todas, mas assumiria a forma de uma
"física social" (physique sociale) (COMTE, 1978, p. 9). Além disso, foi Auguste
Comte quem fundamentou como imprescindível a determinação rigorosa de objeto e
método para a configuração de um determinado campo do saber como
"conhecimento científico" e portanto, integrante das ciências positivas. Assim, além
de alcançar o estado maxímo do saber humano a sociedade também iria encontrar a
perfeita realização social de seus integrantes.
Com um discurso evolucionista e dispondo de um final préviamente definido - o
estado positivo, onde além de encontrar o pleno avanço das ciências, encontraria-se
a plena realização da sociedade - percebe-se o quão útil fora para a elite política
nacional, utilizar-se destes conceitos para induzir o sentido de progresso no
imaginário coletivo brasileiro. Cabe salientar, que segundo os intelectuais brasileiros
dos anos 30, grande parcela considerava de extrema necessidade o avanço
tecnológico do país. É utilizando-se desta necessidade de avanço e deste imaginário
de progresso já existente na sociedade brasileira, desde a sua formação como
república, que Getúlio Vargas reapropia-se do conceito positivista, tornando-se ele
mesmo o porta-voz deste avanço.
Tal utilização é evidente em seus discursos, sempre apresentando os seguintes
termos e conceitos: "Anima-me a certeza de que tôda esta multidão [...] é capaz de
erguer comigo os alicerces da construção do Brasil Novo, que jurámos
empreender.[...] Educar não é, somente, instruir, mas desenvolver a moralidade e o
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conhecimento de suas forças".
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caráter [...] ensinado-lhe as artes necessárias para a mais alta das virtudes: o
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Vargas ao utilizar-se de valores filosóficos e sociais já incoporados na sociedade,
apresenta-se como o "pai da nação", que veio levá-la ao progresso e
consequentemente à paz, Assim, embora execute um governo ditatorial, cheio de
sanções a liberdade de expressão, mantém-se como herói nacional e agente
promotor do progresso, mesmo que para isso seja necessário perder a liberdade
individual.
Referências
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da república
no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
COMTE, Auguste. Curso de filosofia positiva; Discurso sobre o espírito positivo;
Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo; Catecismo positivista. São
Paulo: Abril Cultural, 1978. [Col. Os Pensadores]
PADOVANI, Umberto; CASTAGNOLA, Luís. História da filosofia. 12. ed. São
Paulo: Melhoramentos, 1978.
FONTES HISTÓRICAS
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DIP. A Juventude no Estado Novo. Imprensa Ofícial, 1940.
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RAZÃO E MORAL EM BERGSON
Marcelo Prates de Souza
Mestrando – UFPR
[email protected]
Palavras-chave: Moral aberta; Moral fechada; Obrigação; Razão.
O objetivo deste trabalho é buscar compreender a origem da moral segundo
Bergson mediante sua crítica à razão, tal como presente na obra As duas fontes da
moral e da religião de 1932. Quando Bergson questiona o porquê se obedece
constantemente às mais variadas obrigações, busca entender o que há por trás da
obrigação em geral. Tal fenômeno é tão constante na vida cotidiana que o homem
nem percebe o porquê de seu consentimento, e quando busca uma resposta, dirá
que é a sociedade que assim se comporta; a vida social se mostra como um
conjunto de hábitos. Por ser o impessoal que nela impera a consciência individual
permanece quase nula, uma vez que a autoridade provém mais do lugar que o
indivíduo ocupa do que dele próprio. Deste modo, para Bergson, não há diferença
de natureza entre o instinto animal e o hábito, pois tanto o homem como o animal
vivem sobre a forma de uma sociedade que é fechada em si mesma, isto é, crê-se
que a sociedade já está realizada. Ela constitui um todo organizado, o todo da
obrigação, que em seu conjunto, recai com todo seu peso mesmo para a mais ínfima
obrigação particular. É por isso que cada obrigação aparece como um dever: é
preciso porque é preciso. Entretanto isso não quer dizer que ela seja de todo
negativa, pois é dela que o indivíduo retira sua força: é ela que liga o homem a si
momentos a obrigação torna-se algo difícil e duro de realizar. É quando ela se
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transforma em um esforço sobre si mesmo, já que nem sempre é fácil ser honesto,
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mesmo e ao outro. A questão consiste, então, em saber por que em certos
bom cidadão, etc. Nisto se manifesta certa resistência ao dever, mas por se estar
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mergulhado na sociedade de tal modo, logo se é arrastado novamente ao conjunto.
Cria-se uma resistência a essa resistência, e é nela que o homem busca dar razões
a si mesmo para se manter no curso da sociedade. Todavia, esses hábitos são
diretos, mesmo quando se trata do amor aos pais e a pátria. O que Bergson crítica
em tais hábitos é que eles dizem estar sobre a rubrica do amor à humanidade, e o
fim do dever é para com ela. Todavia tais deveres encontram-se em suspenso, já
que tais hábitos representam escolhas, e portanto exclusões. Há, entretanto, uma
moral que é indireta e acolhe esse amor à humanidade. O humano não é o social,
ultrapassa-o de tal modo que ele só se manifesta por personalidades as quais
incorporam essa moral: foram os santos, os sábios. Basta apenas a sua existência e
nela se arrastam multidões. Como se consegue tal força? É suficiente que haja mais
na alegria do entusiasmo que no prazer do bem-estar. E o que configura essa outra
forma de moral, a moral aberta, é que ela não se fecha em si mesma, mas é
abertura. Isso não quer dizer que há uma ruptura com a moral antiga, pois esta
envolve a moral fechada e a coloca no curso de um progresso que abrange de forma
mais geral a humanidade, ou seja, rompe-se com certa natureza, mas não com a
natureza, como, usando uma expressão de Espinosa, Bergson diz que é para voltarse à natureza naturante que se sai da natureza naturada. Neste sentido, há para o
homem uma primeira moral, a moral fechada, que o caracteriza em um conjunto de
hábitos, que para Bergson, correspondem simetricamente aos instintos nos animais,
e por isso, é menos que a inteligência, própria do homem. E há uma segunda, a
moral aberta, que ultrapassa sempre uma multiplicidade que é incapaz de lhe
equivaler, esta é, portanto, mais que a inteligência. Entre as duas há a própria
inteligência. E, segundo Bergson, é por tentarem fundamentar a moral na
inteligência, que para ele equivale à razão, e, portanto, algo típico das teorias do
dever, é que a filosofia quase nada conquistou no sentido de explicar como uma
causa de pressão e o objeto de aspiração, portanto, neles não se apreendem nem a
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sobre a representação por conceitos, os quais são mistos que reúnem em si o que é
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moral pode ter tanta influência sobre os homens. Tais dificuldades se acentuam
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pura obrigação, nem a pura aspiração. O problema do misto se torna fundamental
porque é justamente por não o perceberem que os filósofos só viram diferenças de
grau ali onde há diferença de natureza, sendo que é nesta natureza que se encontra
a origem da moral. Entretanto, Bergson não nega que são esses conceitos que
exercem ação sobre os homens. As duas forças estão presentes, mas jamais o
homem se refere diretamente a elas toda vez que busca tomar uma decisão, pois na
verdade nunca se apreende cada força no seu estado puro: a aspiração pura é um
limite ideal, como a obrigação nua, mas na prática as duas permanecem
confundidas. O racional não é incoerente, pelo contrário, é nele que o homem
encontra coerência quando necessita saber o que fazer em cada caso particular.
Isso significa dizer que todas as atividades morais na sociedade são racionais, pois
no plano intelectual as exigências morais interpretam-se sob conceitos, onde cada
um é representativo de todos. Destarte, há duas forças, instinto e inteligência que
são formas da vida se manifestar, e a obrigação como hábito não tem diferença de
natureza com o instinto; são nessas duas fontes que se formulam os conceitos
morais, que são justamente, mistos. Duas coisas se podem concluir: primeiramente
que não uma há necessidade primordial de fundamentar uma moral na razão. A
ação moral é racional, mas não resulta daí que a razão seja sua origem. O que há
de propriamente obrigatório na obrigação não vem da inteligência. Ela só explica da
obrigação o que se encontra dela na hesitação. A obrigação real é anterior às
formas de obrigação do dever, pois a obrigação é uma necessidade da vida, e o que
a razão vier a estabelecer sobre ela já assumirá o caráter obrigatório, eis o porquê
Bergson considera as morais intelectualistas inúteis e inoperantes quando buscam
um fundamento para a obrigação moral. Em segundo lugar, por trás da razão, há
homens que tornam a humanidade divina. Onde, como diz Bergson, a humanidade é
convidada a colocar-se num nível determinado, mais elevado que uma sociedade
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elevada que uma assembleia de deuses, onde tudo é impulso criador. Por haver
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animal, em que a obrigação não seria mais que a força do instinto, porém menos
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sempre a possibilidade de abertura é que, retomando as palavras do Ensaio, há
mais encanto na esperança que na posse, no sonho que na realidade.
Bibliografia
BERGSON, Henri. As duas fontes da moral e da religião. Tradução: Nathanael C.
Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1978.
______________. Ensaio sobre os dados imediatos da consciência. Tradução: João
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da Silva Gama. Lisboa: Edições 70.
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OS FUNDAMENTOS DO GOSTO, DA ARTE E DO GÊNIO NA ESTÉTICA DE
IMMANUEL KANT
Edy Klévia Fraga de Souza
Profª. do Depto. Filosofia/UFMT
Mestranda ECCO/UFMT
Orientador: Guilherme Wyllie
[email protected]
Palavras-chave: gosto, estética, juízo, arte, gênio.
Embora a arte e a beleza tenham sido objetos de estudo desde a antiguidade, o
termo ‗Estética‟ foi criado na Alemanha em 1735 por Alexander Gottlieb Baumgarten,
introduzindo essa palavra em sua acepção contemporânea em seu trabalho
Meditações Filosóficas Sobre a Questão da Obra Poética. A estética foi definida por
Baumgarten como ciência do conhecimento sensível, ou seja, a investigação da
beleza manifesta na obra de arte. Esse autor iniciou o que mais tarde foi
desenvolvido pelo filósofo Immanuel Kant em sua obra Crítica da Faculdade do
Juízo publicada em 1790. Percebe-se nesta obra que o principal foco kantiano é o
Belo que se relaciona ao gosto como faculdade avaliativa e à arte enquanto obra
produzida pelo gênio. O que orientará essa investigação será a tentativa de
responder a seguinte questão: é possível reivindicar uma universalidade de gosto
acerca do Belo por bases subjetivas? Para respondê-la, Kant partirá dos princípios
fundamentais dos três prazeres presentes no sujeito, relacionando-os e distinguindoos, na tentativa de pressupor o senso comum estético fundamentado em um livre
jogo entre imaginação e entendimento. Posteriormente, definirá o dom genial do
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ciências. Tal investigação resultará em um poder de julgamento por parte do sujeito
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artista produtor das belas artes, distinguindo essas últimas dos artefatos e das
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em relação ao objeto, onde a comunicabilidade entre ambos será de suma
importância.
O juízo de gosto, no qual a estética kantiana busca explicitar, é a expressão de um
modo de representação distinto do teórico. Portanto, não é um juízo fundamentado
em conceitos lógicos porque é subjetivo, sendo que o prazer é decorrente da
reflexão que o sujeito faz em relação ao objeto, propiciando uma relação entre o
intelectual e o sensível. Enquanto no juízo lógico o que importa é a existência do
objeto e as qualidades nele inseridas propiciando o conhecimento, no juízo de gosto
o objeto não precisa existir, mas apenas estar representado, suscitando a reflexão
no sujeito para que o mesmo possa ter como consequência o prazer estético. Sendo
assim, o juízo de gosto nada informa sobre o objeto, mas sobre o sentimento do
sujeito em relação ao objeto, pois é meramente contemplativo e desinteressado. Na
complacência do agrado o prazer está nas satisfações dos desejos e estímulos
particulares, naturais e imediatos do sujeito sobre um objeto e por isso, depende da
faculdade de apetição. Embora seja possível encontrar no agradável certa
unanimidade entre as pessoas no que tange as regras gerais que mudam de acordo
com as necessidades da sociedade, essa complacência continua se diferindo das
teorias universais que são provadas teoricamente e demonstráveis empiricamente. A
complacência no bom também visa um interesse, mas sua mediação é dada na
razão o que o difere da complacência no agrado que é mediado pelas sensações e
inclinações imediatas dos sentidos. O bom nem sempre é acompanhado de
sensações agradáveis, mas visa um fim útil. É importante ressaltar que tanto o
agradável como o bom são complacências que visam tal finalidade útil, o que os
diferem é que enquanto no primeiro o prazer consiste na satisfação imediata e
irracional, no segundo o sujeito conceitua o objeto através do raciocínio lógico e
não pode ser demonstrada como qualidade do objeto porque é um sentimento
fundamentado no subjetivismo e não em conceitos objetivos. Nesse caso, o que
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acerca da beleza expressa no juízo de gosto, é preciso ter em mente que a beleza
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somente posterior a isso emite o julgamento. Mas para pensar no senso comum
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possibilita e fundamenta essa universalidade em relação ao gosto é o jogo livre entre
imaginação e entendimento que o próprio indivíduo realiza ao se comunicar com a
obra. O jogo livre, como o próprio nome já sugere, é livre porque não se fundamenta
no interesse, nem na utilidade e muito menos em conceitos pré-determinados.
Nesse contexto, o entendimento, como faculdade das regras, não submete a
imaginação a ele, mas contribui para que a reflexão no juízo de gosto não seja
desregrada. Daí a necessidade do entendimento que, ao se relacionar com os
conceitos, não permite que o gosto estético seja confundido com o simples agrado
das sensações. A imaginação por sua vez, desprovida de conceitos determinantes é
produtiva, sendo capaz de manifestar-se e, portanto, ser comunicável. O senso
comum estético nasce desse acordo entre a livre imaginação e o entendimento não
determinante. Por sua subjetividade, não há possibilidade de prová-lo objetivamente,
como acontece no juízo lógico, mas pode-se pressupor sua universalidade devido à
universal capacidade do sujeito de realizar o jogo livre das faculdades e obter como
consequência o prazer acerca da beleza. Partindo desses pressupostos, pretendo
analisar a concepção de Kant no que tange a obra de arte em si, bem como sua
produção como obra de um Gênio que é o verdadeiro artista. Kant começa suas
distinções no §43 de sua terceira crítica, onde separa a arte da natureza. Enquanto
a primeira é obra de uma razão produtiva e, portanto, de um gênio, a segunda é
obra do instinto e não deve ser considerada obra de arte. Embora as pessoas
considerem que os favos de cera construídos regularmente pelas abelhas sejam arte
de uma natureza, isso se trata apenas de uma produção natural, sem ponderação
racional. Ao relacionar arte e ciência, o autor enfatiza as principais diferenças entre a
arte mecânica e arte estética, sendo essa ultima subdividida ainda em arte
agradável e arte bela. Ao expor a importância da arte bela como se fosse natural, ele
ressalta o poder essencial do gênio, ou seja, do verdadeiro artista, dotado de uma
A problemática presente na teoria estética de Immanuel Kant se concentra na
tentativa de pensar em um senso comum acerca do belo. Tendo a universalidade
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genialidade que Kant denomina dom natural, fazendo dele um ser único e original.
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como princípio do juízo de gosto, a beleza deverá, portanto ter validade comum para
todos os sujeitos que a julgam, retirando-a do ponto de vista da idiossincrasia. É
importante ressaltar ainda que embora o juízo de gosto reivindique uma
universalidade equivalente ao juízo moral e ao conhecimento teórico, a beleza não
pode ser demonstrada, pois não está sob regras determinantes. A complacência aí
em jogo é uma consequência de um jogo livre realizada pelo sujeito. Diante desse
complexo contexto, Kant nega às obras de arte características científicas e as
distingue dos artefatos, sendo que os últimos visam um interesse final. Nesse caso,
somente o verdadeiro artista, o gênio, é capaz de realizar uma obra de arte pura nos
moldes de um gosto estético onde o elemento primordial, o juízo, será o fator
especifico no que se refere à complacência acerca da beleza. O que a estética
kantiana nos mostra é que mesmo diante de um juízo onde se proponha uma
universalidade acerca do gosto, o seu fundamento é subjetivo e, portanto, não há
aqui uma pretensão de provar tal juízo, mas apenas de confirmar o direito de se
discutir a beleza.
Referências
KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Trad. Valério Rohden e Antonio
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Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
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LINGUAGEM E MENTE ORNAMENTAL
Felipe dos Santos Milani
Mestrando - PUCPR
Há milênios uma das questões mais centrais em filosofia é: o que é a mente
humana? Como ela funciona? Desde então existem muitas metáforas em
humanidades e em biologia que tentam, há muito tempo explicar o que é e como
funciona a mente humana. Nossa mente já foi descrita como; lousa em branco,
processador, computador de informação, módulo holográfico, máquina pragmática
de sobrevivência, canivete suíço, e muitas outras. Dentro destas perspectivas sobre
a mente humana a psicologia evolutiva entende nossa mente como um conjunto de
adaptações biológicas que visam aumentar as chances de sobrevivência e
reprodução do ser humano, mas desde que a psicologia evolutiva tem tentado
explicar o que é e como funciona nossa mente, ela tem encontrado muita dificuldade
em explicar aquelas características da mente que não trazem benefício para a
sobrevivência do homem, características como: nossa capacidade artística, nosso
instinto moral, nossa criatividade e humor e principalmente nossa linguagem
complexa.
Neste contexto o psicólogo Geoffrey Miller desenvolveu uma metáfora para nossa
mente que tenta explicar porque surgiram e quais as funções realizadas por estas
características de nossas mentes. Para explicar estas características de Miller se
utilizou de algumas teorias em biologia e psicologia começando pelo princípio de
seleção sexual como proposto por Charles Darwin em 1871, o princípio de
descontrole como proposto por Ronald Fisher em 1930, a teoria de jogos aplicada a
propõe que as características da mente que apresentam certa resistência para
serem explicadas em um contexto evolutivo, por não apresentarem nenhuma
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em 1975. Nesta metáfora da mente, chamada Mente Ornamental, Geoffrey Miller
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psicologia evolutiva, e o princípio de desperdício como proposto por Amóz Zahavi
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contribuição para a sobrevivência do ser humano, podem ser explicadas em uma
perspectiva evolutiva desde que esta perspectiva inclua o principio de Seleção
Sexual como fonte explicativa de adaptações e não apenas a seleção natural
darwiniana. Para Miller se queremos entender; moralidade, capacidade artística,
humor e principalmente linguagem complexa, as quais são características universais
para o ser humano, precisamos estender nosso entendimento sobre o que é uma
adaptação, e deixar de ver nossas adaptações como características que aumentam
nossa chance de sobrevivência, para entendê-las como características que
aumentam nossa chance de sobrevivência, e ou, nossas chances de reprodução, ou
seja de arranjar um parceiro sexual com o qual podemos gerar descendentes. Ao
incorporarmos o princípio de seleção sexual à psicologia evolutiva, lançamos nova
luz à questão sobre para quais funções servem estas nossas características, para
Miller o princípio de seleção sexual, aliado principalmente ao conceito de
desperdício de Amóz Zahavi, elucidam para quais funções estas adaptações nos
servem. Em seu livro A Mente Seletiva Miller argumenta que estas características
citadas anteriormente, moralidade, arte, humor e criatividade e linguagem, apesar de
não colaborarem com nossa sobrevivência, colaboram com nossa busca por
parceiros sexuais e reprodução, para Miller estas atividades anunciam nossa aptidão
e nossas qualidades, diretamente para possíveis parceiros sexuais os quais
presenciam estes comportamentos, ou indiretamente, já que estas exibições de
moralidade, capacidade artística, linguagem complexa e bom humor e criatividade
podem gerar um maior status social para o indivíduo no grupo o qual ele pertence, o
que por sua vez aumenta nosso valor no ―mercado‖ de parceiros sexuais. Assim um
dos principais fenômenos da mente humana, a linguagem é explicada por Miller em
um contexto de evolução biológica por seleção sexual. Para tratar do fenômeno da
linguagem Miller se apóia no trabalho de outro psicólogo evolutivo, Steven Pinker, o
caracteriza como uma adaptação biológica,um verdadeiro instinto, mas em sua obra
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nossa linguagem falada, o modo como a desenvolvemos, como à usamos à
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qual em sua obra O Instinto de Linguagem demonstra como as características de
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Pinker não se propõe a explicar como este instinto surgiu ou como ele evoluiu,
apenas caracteriza nossa linguagem como um instinto.
Para Miller a linguagem como um instinto evoluiu através do processo de seleção
sexual. Para ele a forma como nossos ancestrais usavam sua linguagem era um
importante fator de seleção do parceiro: humanos que apresentassem maior
vocabulário, discurso mais conciso, boa memória, conteúdo interessante, e boa
gramática tinham mais chances de conseguir um parceiro sexual sendo todos os
outros parâmetros iguais. Assim, durante o período pleistocênico, à medida que
nossos ancestrais usavam sua linguagem para seduzir seus possíveis parceiros
sexuais, esta ia se transformando e adquirindo complexidade tal a qual observamos
hoje. Pesquisas sobre como usamos nossa linguagem quando estamos em
situações de corte, ou quando fazemos discursos públicos, realizadas por diversos
psicólogos como, por exemplo, o norte americano David Buss, o qual conduziu um
estudo sobre sexualidade humana em 126 países, tem confirmado as previsões da
teoria de mente ornamental para a linguagem e para outras áreas do
comportamento e da psique humana, relevando importância do conhecimento e
divulgação desta teoria para a psicologia e para as humanidades como um todo.
Referências bibliográficas
MILLER, Geoffrey. F, A Mente Seletiva. Editora Campus. 2001
DARWIN, Charles, Origem do Homem e a Seleção Sexual. Editora Hemus 1983
BUSS, David, The Evolution of Desire. Editora Basic Books. 2003
ZAHAVI, Amótz, The Handicap Principle. Editora Oxford. 1997
FISHER Ronald A, The Genetical Theory of Natural Selection. Editora Oxford. 2006
BLACK Max, MODELOS Y METÁFORAS. Editora Tecnos. A. Madrid. 1966
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PINKER Steven, O INSTINTO DA LINGUAGEM. Editora Martins Fontes. 2004
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A RELAÇÃO DE FOUCAULT E KANT: AUFKLÄRUNG E ATITUDE CRÍTICA
Pós-Graduando: Marcelo da Rocha
Instituição: PUC – PR
Email: [email protected]
Palavras-Chave: Foucault, Kant, Aufklärung, Sujeito, Diagnóstico.
Os estudos das aproximações entre os pensamentos de Foucault e Kant tem sido
abordados por diversos pesquisadores de filosofia, a linha de pesquisa, embora, os
diversos trabalhos, mantém ainda um campo amplo para desenvolver-se e para
fomentar o debate filosófico. Este trabalho pauta-se sobre dois objetivos básicos:
primeiro analisar os fundamentos da crítica foucaultiana a partir da Aufklärung e em
segundo momento identificar a radicalização dos conceitos de Razão Pública e
Privada no pensamento de Foucault. Para efetivar este estudo, partirei da análise e
leitura do texto de 1984, O que são as Luzes? Foucault faz uma análise do texto
kantiano de 1784 intitulado, Was ist Aufklärung? Foucault inicia o texto fazendo
algumas considerações sobre o escrito kantiano, uma primeira observação feita pelo
filosofo francês é o fato deste texto fazer uma análise do presente, aponta ainda que
para Kant a saída do estado de minoridade (Auder Saper) está relacionada a um
estado de vontade do sujeito e, portanto a busca da autonomia. Para Foucault a
Aufklärung ainda é definida pela relação preexistente entre a vontade, autoridade e o
uso da razão. Salienta o pensador francês que Kant apresenta essa saída de
maneira bastante ambígua, em um dado momento esse processo está em
desenvolvimento, em outro momento o mesmo processo se apresenta como uma
Foucault já havia explorado a questão da Aufklärung em uma conferência de 1978
publicada no boletim da sociedade francesa de filosofia, chamada O que é a Crítica?
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processo coletivo e ao mesmo tempo um processo de ação pessoal do sujeito.
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tarefa, como uma obrigação, o que de certa forma caracteriza a Aufklärung como um
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Foucault faz uma aproximação entre a Aufklärung e a crítica, está entendida neste
texto como uma atitude muito semelhante à Aufklärung pensada por Kant no século
XVIII. Porém a Aufklärung kantiana faz uma crítica que conduz aos limites
conhecimento e como o homem utiliza esse conhecimento para administrar sua vida
e pensamento de uma maneira autônoma, dispensando seus tutores assumindo sua
própria tutela, isto é, ser capaz de autogovernar-se diante de uma sociedade
heterônoma. É esse aspecto que Kant denomina como razão pública. Sob o prisma
da razão privada, o sujeito tem o dever de cumprir com suas obrigações perante as
instituições e a sociedade, culminando assim em um agir pautado pelo dever
isentando-se do ato crítico para submeter-se a um conjunto de normas sociais. A
crítica pensada por Foucault é uma análise da constituição de subjetividades, seja
esta moderna, sob a forma sujeito, que é pensado a partir de determinados aspectos
científicos, ou contemporâneos, sob alguma outra configuração de relação do saber
e de poder. Retornando ao texto de 1984, Foucault afirma que a Aufklärung é um
momento oportuno para o desenvolvimento da crítica, segundo ele a crítica é, de
qualquer maneira, o livro de bordo da razão tornada maior na Aufklärung, e
inversamente, a Aufklärung é a era da crítica. Para Foucault esta crítica acontecerá
como anunciada no texto de 1978 a partir e sobre as relações de saber e de poder,
como uma atitude de não ser governado. No texto de 1984 essa investigação
configura-se como uma atitude crítica que se estenderá para a relação do sujeito
consigo mesmo, ou seja, uma atitude crítica de si. Pode-se afirmar que Foucault
fundamenta a crítica do sujeito moderno na concepção kantiana de Aufklärung
transformando-a em uma crítica não somente da razão sobre aquilo que ela é capaz
de conhecer ou no dever que ela pode fundamentar no uso público e privado da
razão, mas sim na investigação da ação racional do sujeito sobre o outro, sobre o
saber e principalmente sobre si mesmo. Portanto, Foucault radicaliza o pensamento
subjetivação que o sujeito produz sobre o próprio corpo e de certa forma na maneira
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o saber, mas também na relação consigo mesmo, analisando os mecanismos de
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kantiano fazendo uma análise do sujeito na sua relação não somente com o poder e
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ou nas formas de saber e poder que este sujeito é capaz de estabelecer nas suas
relações com o outro e consigo mesmo. Essa atitude crítica faz uma escavação
contínua das relações nas quais o sujeito é assujeitado e de certa forma como
também este mesmo sujeito produz os processos de assujeitamento por meio da
relação com o saber e de poder e consigo mesmo. Portanto, Foucault além de
radicalizar o pensamento kantiano e o conceito de razão pública e privada propõe
que essa atitude crítica permita ao sujeito realize um diagnóstico do presente sobre
os saberes ou sobre os poderes que o envolvem e o constituem e que ele como
sujeito também constitui, é necessário que o sujeito raciocine também sobre si
próprio, que investigue as relações e as ações consigo mesmo. Para Foucault a
modernidade é muito mais que um período histórico, a modernidade é o momento
oportuno para uma atitude crítica, como uma atitude de escolha voluntária que é
feita pelo sujeito na sua maneira de pensar, de agir com outro, de agir com o saber,
com o poder e consigo mesmo. Foucault aponta que apesar de haver em Kant uma
tentativa de heroificação do presente, que faz necessário, neste contexto de
modernidade um diagnóstico do presente, enquanto uma atitude crítica continua,
que pode possibilitar uma nova atitude ética.
Referências
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Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2005.
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Martins Fontes, 1981.
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da Costa Albuquerque e J. A Guilhon Albuquerque. 17ª ed. São Paulo. Graal, 1988.
____________. ―O que são as Luzes?” In: Arqueologia das ciências e da história dos
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sistemas de pensamento. Ditos e Escritos II. 2ª ed. Rio de Janeiro. Forense
Universitária, 2005.
____________. ―O que é a Crítica [Crítica e Aufklärung].” Trad. Gabriela Lafetá
Borges. Boletim da sociedade francesa de filosofia. Conferência proferida em 27 de
maio de 1978. Vol. 82, nº 2, pp. 35-63 abr/jun de 1990.
LALANDE. André. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo. Martins
Fontes, 1993.
KANT. Imannuel. A Paz Perpétua e Outros Opúsculos, Resposta à pergunta: O que
é o iluminismo? Trad. Artur Morão. Editora 70ª p. 11-19. Lisboa, 2002. Disponível na
Internet via WWW. URL. Http.web.educom.pthp.137/online/iluminismo.rtf. Dia:
11/11/07.
MUCHAIL. Tannus Salma. Foucault, simplesmente, textos reunidos. São Paulo.
Loyola, 2004.
REVEL. Judite. Foucault, conceitos essenciais. Trad. Carlos Piovezani e Nilto
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Milanez. São Carlos. Claraluz.2005.
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SCHILLER E O IMPULSO ESTÉTICO
Filipi Silva de Oliveira
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Orientadora: Prof.Dra. Maria Helena Lisboa da Cunha
Palavras-chave: Natureza; Espírito; Beleza; Jogo; Imaginação
Kant deixou rastros com sua passagem. O vulto de sua obra se estendeu
largamente nos círculos acadêmicos. Fora ovacionado por uma geração de
pensadores e de artistas impressionados com o gigantismo de suas ideias. Seu
conterrâneo Schiller, poeta, filósofo e orador se acha entre um deles. O contágio da
filosofia crítica kantiana se fazia inevitável, uma vez que o seu arcabouço conceitual
implementa junto com a revolução francesa uma nova aurora no humanismo do
mundo moderno encarnada pelo espírito do Aufklärung. È nítida a presença da
sombra de Kant por detrás da estética schilleriana, mas esse filósofo, à maneira
daqueles que formaram o disperso grupo dos pós-kantianos, soube interpretar o
legado crítico deixado pelo gênio de Konnigsberg, sem, no entanto, reproduzir e
cultuar o seu verbo. Em Schiller, é notável o zelo por não deixar o kantismo
sucumbir a possibilidade de uma nova proposta crítica; e é o que ele faz. Em sua
obra tardia Cartas sobre a educação estética do homem, quando já se encontrava
debilitado pela tuberculose, Schiller procura traçar um ideal de homem impensado
por seu mestre. Atento à dialética elementar da filosofia kantiana formada pela
tenta solucionar o problema de modo diverso do de Kant, pois enquanto este via na
moral e na razão teórica um modo de libertar o homem da violência das inclinações,
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que descarta de maneira decisiva o duelo entre a coisa em si e o fenômeno. Ele
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paridade natureza-espírito/sensibilidade-razão, Schiller dá largada em um concurso
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Schiller prefere trazer à cena a necessidade de unir na práxis a realidade material
com a verdade formal através de uma unidade aglutinadora: a beleza ideal ou
Kalias.
Encantado com a possibilidade de instaurar aquilo que Nietzsche depois chamaria
de ―metafísica de artista‖, Schiller revela seu pendor: ―resisto a essa amável
tentação deixando que a beleza preceda liberdade‖. Opondo-se ao racionalismo, ele
concilia o que, desde a modernidade, passou a se manter apartado por conta dos
arrivismos intelectuais das escolas. Schiller percebeu, ao comparar a cultura grega
pré-platônica à moderna cartesiana, haver ocorrido uma fissura implacável em
nossos costumes: desaprendemos a intuir, uma vez que a tendência separatista do
entendimento tomara posse do conhecimento.
Assim, o homem perdeu sua virtude lúdica, em troca da disputa vaidosa entre razão
e sensibilidade. Logo, o esforço do poeta-filósofo é, insurgir-se contra o domínio da
razão por parte dos filósofos e o da sensibilidade por parte do senso-comum,
fornecendo uma salvação que extrapola a esfera psicológica e atravessa os
componentes nocionais do kantismo (sujeito e objeto) para estender às relações de
poder, isto é, à organização política das forças. Mas para isso seria necessário que
algo fora da natureza e do espírito tomasse a frente e dirigisse essa nova eticidade
humana, diferente daquela embasada numa moral subjetiva. É na beleza que
Schiller vê a oportunidade de mergulhar novamente o homem na natureza,
reeducando-o em sua convivialidade no meio de onde deriva; por meio não de
imperativos categóricos, mas sim do jogo entre a vida e a forma, em que não pesa
nenhum dos lados, havendo com isso um essencial acordo entre o infinitamente
limitado (fenômeno) e o infinitamente ilimitado (coisa-em-si). Seja como for, ele
propõe as núpcias entre aquilo que havia se perdido com o excesso científico e com
a brutalidade e o prosaísmo dos tempos modernos; a beleza – o imperativo estético
por ocasião do encontro entre esses domínios distintos. Ou seja, é pela estética e
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desempenhar papel primacial, pois é ela quem apara as arestas que ficam à vista
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que Schiller substitui em lugar da racionalidade do ―tu deves‖ kantiano - há que
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não pela moral, como queira Kant, que necessidade e liberdade voltam a travar
diálogo.
Segundo Schiller, o chamamento da beleza não é um capricho do poeta, insatisfeito
com a frieza discursiva dos filósofos, mas sim um imperativo da natureza, uma
exigência pontual. De intuição elevada, ele obedece à necessidade erigindo uma
ponte que religa os impulsos constituintes da realidade, isto é, os estados pelos
quais, na experiência, a pessoa humana passa. Semelhante a Rousseau, ele os
chamou de estados da necessitação, dividindo-os em dois grupos: estado natural e
estado moral. No primeiro, de natureza física, estão compreendidos todos os
animais sensíveis regidos sob a ordem necessária dos afetos e das pulsões vitais.
Já no segundo, metafísico, o que temos diz respeito ao grupo seleto dos homens,
desses animais movidos por uma força que atravessa os limites da natureza
conduzindo-os para o âmbito do possível, onde reina a liberdade. Logo, podemos
ver que enquanto um abrange genericamente a realidade, outro já exclui a pura
materialidade para dar vazão ao campo privilegiado do espírito, delineando um
animal capaz de problematizar diante das afecções da sensibilidade e da vontade.
O homem que Schiller e Kant buscam é idealizado, que visa a perfeição purificando
as paixões, com a diferença que, no primeiro, essa purificação ocorre de forma
objetiva e atuante, enquanto que no último se passa subjetivamente, em uma ação
interiorizada segundo princípios racionais. Outra diferença é que Schiller não opõe o
rigor formal às pulsões vitais, considerando aquele superior a este; ele os equipara
chamando-os ambos de ―força‖, pois ―impulsos são as únicas forças motoras no
mundo sensível‖. Não obstante, ele chega a um terceiro estado que alinharia esses
dois: o estado lúdico, o único responsável pelo desenvolvimento da animalidade na
cultura, pois resulta na junção da forma com a vida; na realização da forma viva. O
estado lúdico oferecido pela beleza neutraliza-se das antinomias, oscilando em igual
pluralidade da matéria e objetivando a matéria por conta da forma.
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preenchendo o espírito de conteúdo sensível, multiplicando a forma por conta da
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medida e a um só tempo entre os dois, modelando a natureza com o espírito e
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Schiller não elege a beleza como categoria, mas sim reconhece-a como sendo um
impulso inevitável na ordem cósmica, através da qual o mundo físico toma sentido e
se arranja nas suas disparidades. Logo, independe dos homens assumirem-na
enquanto coroamento da existência; ela já se encontra encerrada na natureza,
bastando um exercício apurado da intuição que consegue, poética e não
psicologicamente alcançar a verdade por dentro do fenômeno e não acima dele.
Esta comunicação tem por objetivo apresentar um Schiller ousado e criativo,
autônomo em relação ao criticismo kantiano. Para não cair no erro de fundamentar
uma filosofia onde a dureza da lei natural propele o homem ao determinismo físico
ou a abertura da possibilidade lança-o numa zona abismal, Schiller notou que as
relações sócio-políticas carecem de embelezamento, de ações regidas pela
equipolência e pelo jogo dos contrários onde atividade livre e passividade necessária
tentam encontrar um termo correlato. Entendendo beleza não só como produção
artística, Schiller, tal como Nietzsche, rejeita o esteticismo excessivo dos artistas
românticos, extraindo da vida aquilo que se oculta de nossa percepção contaminada
pelo entendimento, isto é, as forças plasmadoras da realidade. O que faz é desvelar
a secreta arte da natureza, exprimindo na forma dos jogos propostos pela
imaginação criadora, dessa singular atividade humana, o contato contínuo e
amistoso entre a legislação do mundo vivido e do mundo pensado que somente este
animal de virtudes extraordinárias pode executar.
BIBLIOGRAFIA:
ABRÃO, Bernardete. História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 2004, Os
Estampa, 1995.
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BAYER, Raymond. História da estética. Trad. José Saramago. 4ª edição. Lisboa:
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pensadores.
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KANT, Immanuel. Crítica do juízo do gosto. Trad. Valério Rohden e Antônio
Marques. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
_________. Crítica da razão pura. Trad. Valério Rohden. São Paulo: Nova Cultural,
2004.
SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem. Trad. Roberto Schwarz e
Marcio Suzuki. 4ª edição. São Paulo: Iluminuras, 2002.
SZONDI, Peter. Ensaio sobre o trágico. Trad. Pedro Sussekind. Rio de Janeiro:
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SIMBOLOGIA DO ESPAÇO FUNERÁRIO: TRANSMISSÕES CULTURAIS E
RELAÇÕES SOCIAIS
Maristela Carneiro – IESSA
Maurício Fernando Bozatski (orientador)
[email protected]
Palavras-chave: finitude, cemitério, cultura, relações sociais e memória.
O presente trabalho objetiva discutir as possibilidades de leitura da simbologia
presente nos espaços funerários, com destaque para os cemitérios tradicionais. A
utilização dos mortos em nossa sociedade, destacando o caráter homólogo ao outro
mundo, permite a conciliação da rede de relações pessoais em torno dos mesmos e
de sua memória. Com a finitude, os mortos imediatamente passam a ser concebidos
como exemplos e orientadores de posições e relações sociais, servindo, portanto,
como foco para os sobreviventes, vivificando e dando forma concreta aos elos
identitários que ligam as pessoas de um grupo. E o espaço cemiterial, por
conseguinte, é privilegiado para a concretização e demonstração das conexões
entre a memória, as práticas identitárias e as representações sociais, dialeticamente
construtoras de relações sociais, bem como construídas pelas mesmas.
Entendemos que o culto dos mortos passa por um filtro de percepção, permitindo
que somente os valores considerados essenciais pelos vivos, para a recomposição
do sentido da vida, sejam expressos no espaço cemiterial, no qual este trabalho
encontra-se circunscrito. Assim, a individualização das sepulturas e os valores
expressos nas mesmas demonstram o desejo de preservar a identidade e a
memória dos mortos, servem à expressão e/ou transmissão dos valores culturais e à
culturais, utilizada como uma forma de comunicação, para o estabelecimento e
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Portanto, a simbologia cemiterial objetiva a transmissão ou a expressão dos valores
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própria reconstituição do sentido existencial para os que ficam.
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reafirmação das relações sociais, considerando que somente gestos e palavras não
abarcam a multiplicidade destas transmissões. A pluralidade destes valores,
expressos pelos espaços funerários, está profundamente relacionada às diferentes
maneiras encontradas para se lidar com a questão da morte. 1
Os rituais funerários, os cultos religiosos e as manifestações artísticas, em diferentes
culturas, são múltiplos, aos quais são inerentes diversos sentidos assumidos pela
expressão simbólica da morte, ou seja, respostas dadas, historicamente, à pergunta
acerca do sentido da vida. Assim, a consciência da finitude que os seres humanos
possuem torna a morte problemática para os vivos, para os quais o sentido do jogo
existencial é elaborado e apresentado. Notamos que, segundo Bellomo, os rituais de
morte são indicativos e/ou respostas da crise perante a morte, tendo em vista a
consciência da finitude. 2
DaMatta refere-se aos cemitérios como o espaço que estabelece com a casa e com
a rua elos complementares e terminais. O espaço da casa, privado, moral,
conservador e cíclico, só faz sentido em oposição ao espaço exterior, ou seja, em
contraposição ao universo da rua, público, marcado pela ideia do progresso, pela
individualidade e pela linearidade. E o espaço dos mortos, mesclando a casa e a
rua, é ―englobador de situações sociais‖ e, desta forma, mescla a lógica do espaço
público e, também, do privado.
3
Nesse sentido, ―os túmulos têm também a função
intencional de fazer lembrar do morto, da sua importância social e de suas crenças,
além de permitir observar a pluralidade de representações simbólicas, muitas das
quais dotadas de conteúdo estético.‖ 4
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Página
BELLOMO, H. R. (Org.). Cemitérios do Rio Grande do Sul: arte, sociedade, ideologia. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2000, p. 122.
2
PIACESKI, T. R.; BELLOMO, H. R. Pesquisa cemiterial no Estado de Goiás. Porto Alegre: s.n.,
2006, p. 16.
3
DAMATTA, R. A Casa & A Rua. Espaço, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil. Rio de Janeiro:
Rocco, 1997, p. 18.
4
BORGES, M. E. ; BIANCO, S. D. & SANTANA, M. M. Arte funerária no Brasil: possibilidades de
interagir nos programas de ensino, de pesquisa e de extensão na universidade. Disponível em:
http://www.corpos.org/anpap/2004/textos/chtca/MariaElizia.pdf ; acessado em 31/07/2006 ; p. 5.
2
1
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Portanto, os cemitérios, pensados como ―lugares de memória‖ associados à vida,
passam por um processo de simbolização, pois são nutridos de lembranças
particulares e, ao mesmo tempo, coletivas e plurais. Com isso objetivamos a
percepção de que as construções tumulares servem à expressão e/ou à transmissão
dos valores culturais, bem como ao estabelecimento das relações sociais e, como
espaço englobador de situações sociais, congrega as preocupações individuais às
coletivas, o privado ao público. A memória dos mortos é mediada pela memória dos
vivos, sendo que a individualização de cada túmulo é indicativa do desejo de
continuidade existencial, fato expressado através das placas de casal e dos nomes
de família, por exemplo.
Através das representações sociais, são reunidos fragmentos de memória, aos quais
atribui-se unidade e sentido e, assim, são estabelecidos os filtros de percepção. As
tentativas de explicação da morte estão presentes nos espaços cemiteriais e
influenciam diretamente o culto aos mortos, interagindo com os mecanismos de
memória dos vivos, de modo a estabelecer sentido à finitude e resolver a
problemática da morte, tão cara aos sobreviventes.
De forma significativa, as expressões e as transmissões culturais, através dos
valores e do conteúdo simbólico contido nos túmulos, servem ao estabelecimento e
à reafirmação das relações sociais. ―O poder de entender símbolos, isto é, de
considerar, acerca de um dado sensorial, tudo irrelevante exceto uma certa forma
que ele incorpora, é o traço mental mais característico da humanidade.‖
1
Portanto,
concluímos como válida a possibilidade de leitura deste espaço enquanto uma teia
de significações e abstrações, construída a partir de processos mentais seletivos,
onde são correlacionados símbolos, coisas, conceitos, tessitura real da vida
1
LANGER, Susanne K. Filosofia em nova chave. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 81.
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3
humana.
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A DISTINÇÃO ENTRE CORPO E ALMA EM DESCARTES
Geder Paulo Friedrich Cominetti
Orientador: César Augusto Battisti
UNIOESTE – Campus Toledo
[email protected]
Palavras-chave: idéia clara e distinta; substância; atributo; distinção real; corpo e
alma.
Em Descartes, a expressão ―alma‖ é sinônima de substância pensante e a
expressão ―corpo‖ é sinônima de substância extensa. A distinção entre ambas é
chamada distinção real, uma vez que é efetuada entre duas substâncias. Uma
substância é conhecida através de seu atributo essencial, que constitui a sua
natureza. Os atributos, por sua vez, são percebidos pelos seus desdobramentos
chamados modos. O que caracteriza uma substância enquanto tal é a diversidade
de modos conservados a uma razão comum de diferentes atos. Através do
entendimento, o sujeito acaba por se conscientizar duma identidade comum a
diferentes atos, e é essa identidade que justifica o uso da palavra substância. Em
Descartes, o pensamento se trata duma noção primitiva, isto é, pode ser percebido
isoladamente de tudo o mais e não pressupõe qualquer outra noção, embora muitas
outras o pressuponham. O pensamento é percebido como noção primitiva porque,
ao redigir os pensamentos numa ordem das razões que justifica a existência de
todas as coisas, corpo e alma não têm sua existência reconhecida simultaneamente.
procedimento da dúvida metódica cartesiana, a percepção reconhece o pensamento
1
antes de conhecer o corpo. O reconhecimento da existência do sujeito, que
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Quando se duvida exageradamente de tudo o que se acredita, como faz o
arriscamos dizer ser o pólo mais importante em se tratando duma investigação
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filosófica, se dá ao pensamento independentemente da existência dos corpos.
Nenhuma das propriedades corporais, bem como nenhuma faculdade ligada ao
corpo, influencia no enunciado ―penso, logo existo‖. Ao conhecer a capacidade do eu
em subsistir sem o corpo, o ser pensante não revela a si próprio apenas sua
existência, mas também sua natureza. Esta emerge da constatação de que o eu é
um ser completo quando lhe é imputado apenas o pensamento. O eu pode ser
concebido como uma substância porque concebemos, em decorrência a algumas de
suas características, que ele poderia subsistir independente do corpo e é sujeito
comum de diferentes atos. Ao conceber clara e distintamente que o eu pode
subsistir sem o corpo, como sendo uma coisa completa, concebe-se também que a
corporeidade não pertence à natureza do eu. Não se faz necessário que o
conhecimento
do
eu
seja
completo,
sendo
suficiente
conhecer
aquelas
características que o revelam como portador da capacidade de subsistir
independentemente de outrem. O pensamento é a única condição, necessária e
suficiente, para que se conheça sua própria existência, e tudo o que surgir
ulteriormente a esta verdade não lhe será de caráter essencial. Estas afirmações
implicam a exclusão das hipóteses de que a mente seria a forma do corpo ou de que
ela faria parte dele, ou mesmo a hipótese de que a natureza do eu seja fundada na
corporeidade. A teoria cartesiana esbarra de fronte à teoria aristotélica, pregada pela
escolástica, onde Aristóteles concebia a alma como sendo uma forma do corpo.
Descartes concebe a alma e o corpo como coisas distintas, não a mesma coisa em
diferentes dimensões, e isso foi o que tornou seu argumento original e inovador para
a história da filosofia. Em Descartes, a corporeidade, por sua vez, tem sua natureza
constituída das essências descritas pela matemática e pela geometria: ela é
extensão ou ―espacialidade‖. Para Descartes, embora o ser pensante não possa ser
concebido matematicamente ou geometricamente, resguarda em si a capacidade de
como tendo um atributo exclusivo, o da extensão. Concebe ainda, que o atributo da
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interioridade, coisas corporais. Quanto à corporeidade, o eu pensante a concebe
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conceber os entes matemáticos e geométricos e de imaginar, enquanto pura
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substância extensa comporta faculdades que em nada se assemelham com as do
pensamento. Concebendo os atributos da substância pensante e da substância
corpórea como incomensuráveis, a substância pensante tem a ideia clara e distinta
de que corpo e alma são entidades independentes e, portanto, realmente distintos.
Deus garante que uma ideia clara e distinta é verdadeiramente real, e é por isso que
a distinção entre corpo e alma se enuncia como sendo uma distinção real: porque se
tem uma ideia clara e distinta de que ambas as substâncias são incompatíveis, seja
sob a perspectiva de sua essência, seja sob a perspectiva de seus modos. A
garantia divina assevera a correspondência de uma ideia clara e distinta com a
realidade, e o sujeito concebe clara e distintamente que de uma coisa completa
pode ser excluso tudo o mais. Ora, a substância pensante é concebida como
completa tendo como atributo apenas o pensamento, sua essência. Concebe ainda
o corpo como completo com seu atributo de extensão. Logo, o sujeito tem a ideia
clara e distinta de que ambos são independentes, já que percebidos como duas
coisas completas. A ideia clara e distinta de que estas duas substâncias completas
são independentes e que há uma incompatibilidade absoluta entre seus atributos
principais, bem como de seus modos, revela ao entendimento que corpo e alma são
realmente distintos. Concebendo duas substâncias diferentes, cada uma com um
atributo específico que lhe permite ser percebida, a distinção real entre ambas é
também uma ideia clara e distinta, tendo, portanto, o aval divino. Assim sendo, a
distinção real é efetuada pela substância pensante, que reconhece primeiramente
sua natureza completa e ao fazê-lo distingue-a de tudo o mais. Como se não
bastasse, constata ainda a substância corpórea e sua natureza independentemente,
o que corrobora uma incomensurabilidade entre esta e a substância pensante.
Corpo e alma são realmente distintos, para Descartes, pois cada um pode ser
concebido como substância completa independentemente da outra, cujos atributos
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apenas a atuação do pensamento.
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principais são incompatíveis entre si e, para que seja constatada tal distinção, basta
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Bibliografia utilizada:
DESCARTES, René. Discurso do Método. 2 ed. In: Os pensadores. São Paulo: Abril
Cultural, 1979.
________________. Meditações Metafísicas. 2 ed. In: Os pensadores. São Paulo:
Abril Cultural, 1979.
________________. Objeções e respostas. 2 ed. In: Os pensadores. São Paulo:
Abril Cultural, 1979.
________________. Princípios da Filosofia. Coordenador da trad.: Guido Antônio de
Almeida. Edição Bilíngue. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
COTTINGHAM, John. Dicionário Descartes. Tradução: Helena Martins. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.
LANDIM, Raul Filho. Evidência e verdade no sistema cartesiano. São Paulo: Edições
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Loyola, 1992.
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UMA LEITURA DE GÓRGIAS, DE PLATÃO
Patrícia dos Santos Pinto - IESSA
[email protected]
Maristela Carneiro - IESSA
[email protected]
Palavras-chave: retórica, persuasão, justiça, verdade, felicidade.
Ateniense, Platão (427 a.C – 347 a.C) nos transmitiu a maior parte do seu
pensamento por intermédio dos seus escritos dialógicos, onde é figura recorrente o
personagem Sócrates, do qual Platão foi discípulo durante a juventude.
Ao discutir temas múltiplos, tais como a imortalidade e o destino, a educação do
indivíduo para a justiça em si mesmo e na cidade e, até mesmo, o desejo amoroso e
o movimento imanente da alma; a filosofia platônica certamente não era um sistema
fechado, mas manifestava-se por intermédio do diálogo filosófico inquisitivo, a partir
de situações concretas.
Na filosofia platônica a correspondência com a realidade se encontra num método
para se atingir o ideal, pela superação do senso comum como resposta a uma
situação histórica ilegítima e injusta, colocando-se como motor de transformação da
realidade.
No diálogo Górgias, podemos notar um momento de luta política em oposição à
sofística, que ensinava a arte de convencimento por intermédio de manipulações de
crenças e interesses. Nos diálogos, Platão propunha-se à percepção da essência
das coisas, a natureza do objeto em pauta.
discussão em torno da retórica, como o próprio nome indica, equaciona um
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complexo de questões: ―princípios de actuação dos homens do Estado, natureza e
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De conteúdo que nos é contemporâneo, ―Górgias, ou da retórica‖, a partir da
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função da propaganda política, crise dos valores tradicionais, ideal de realização
humana.‖ (PULQUÉRIO, p. 9)
Em uma sociedade fechada, como a ateniense de Platão, as relações entre os
indivíduos eram possibilitadas através do domínio da lei, com o reconhecimento
efetivo dos direitos de cada um, expressamente definidos pelo acordo geral. E é a
função da lei, como definidora de limites, segundo Pulquério, que é colocada como
objeto de controvérsia no diálogo. ―Sempre os limites provocaram alguns homens à
aventura da transgressão.‖ (PULQUÉRIO, p. 10)
Podemos dividir ―Górgias‖ em três partes essenciais, de acordo com os principais
interlocutores de Sócrates: Górgias, Polo e Cálicles, respectivamente, além da
introdução e do epílogo.
Para Górgias, a retórica é a ciência dos discursos; toda a ação e a eficácia desta
ciência se realizam por intermédio da palavra, dos discursos, sobretudo os de
caráter jurídico e político. Ainda, proporciona a quem os possui liberdade para si e
domínio sobre os demais.
A retórica, destarte, define-se para o interlocutor como a capacidade de persuasão,
ou seja, não se define por aquilo que é, mas sim pelos efeitos que provoca,
considerando-se que esta arte permite persuadir o público sobre a verdade e a
justiça de um dado posicionamento, independentemente da mesma ser de fato
verdadeira ou falsa, justa ou injusta. Isto posto, ―a retórica é obreira da persuasão
que gera a crença, não o saber, sobre o justo e o injusto.‖ (p.40) Ao prescindir do
conhecimento, é uma arte da verossimilhança, posto que as palavras não
manifestam a verdade das coisas, pois o seu uso na retórica não tem em vista
exprimir o que as coisas são, mas antes provocar emoções e sentimentos nos
ouvintes.
Em suma, para Sócrates a retórica, enquanto técnica, cuja função é apenas
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verdadeiro conhecimento.
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persuadir as pessoas, conforme aduz Górgias, não serve para ensinar ou produzir o
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A segunda parte do diálogo, cujo interlocutor passa a ser Polo, é pautada na
discussão sobre a natureza e a utilidade da retórica. Este interlocutor renova a
afirmação de que a arte da retórica é a mais bela de todas. Para Sócrates, ao
contrário, a retórica não é uma arte, mas uma atividade empírica que se destina a
produzir adulação e prazer; não se trata de um poder que possa trazer o bem aquele
que a possui, pois através da retórica a realidade é substituída pela ilusão, e o Bem
pelo prazer imediato.
Para Sócrates os retóricos não poderiam ser os mais poderosos, visto que não usam
a razão nem tem ciência do bem, somente julgam conhecê-lo e, ato contínuo,
também julgam agir em função do mesmo. O poder sem o uso da razão é um mal
que prejudica a todos, pois traz a injustiça e a infelicidade. A felicidade viria da
bondade e da virtuosidade na justiça, ou seja, a felicidade reside em agir de acordo
com a razão e segundo a justiça. O retórico pode trabalhar contra essa proposição,
quando em um tribunal defende um acusado sem procurar a verdade, pois essa
liberta tanto quem sofreu a injustiça quanto quem a cometeu, porque ―a acção
praticada tem a mesma qualidade da acçao sofrida.‖ (PLATÃO, p.98).
Isto posto, a justiça é a mais bela das artes, a que liberta a alma do homem da
injustiça e da intemperança, muito embora seja melhor não contrair o mal a ser
libertado do mesmo.
Faz-se pertinente observar que o raciocínio de Sócrates baseia-se na admissão de
que o ser humano é constituído por um corpo e por uma alma. De forma paralela a
esta dicotomia, é que o autor indica as artes que têm por objeto o bem da alma: a
legislação e a justiça.
No terceiro e último diálogo de ―Górgias‖, onde o interlocutor de Sócrates é Cálicles,
apresenta-se uma distinção entre verdade, justiça e bem, segundo a natureza e
segundo a convenção.
do que se corrompe.
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imperecível, não se prende ao sensível nem ao imediato, mas permanece para além
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Ao contrário do prazer, de características imediatas, o bem possui a natureza do
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Sócrates ressalta que a ordem e a harmonia da alma chamam-se disciplina e lei e
tornam os cidadãos justos e regrados, sendo em que consistem a justiça e a
sabedoria.
Para sintetizar, a retórica dos politícos é eloquência vã, que não se interessa em
tornar as almas melhores e, neste sentido, não excede a mera adulação; é somente
um fazer empiríco que cria persuasão e aparência de conhecimento, como sofisma.
A retórica somente terá sentido se aliada às virtudes do bem e da justiça, em um
alma temperante.
E é esse caminho que conduzirá a felicidade. Além disso, tal prática em conjunto
possibilitará a abordagem política ou a deliberação de qualquer matéria. Conclui
Sócrates: ―o melhor caminho a seguir é o exercício da justiça e das outras virtudes,
na vida como na morte. Escutemos o seu apelo e convidemos os outros a proceder
como nós, porque esses princípios em que acreditas e em nome dos quais me
exortas são, realmente, sem valor, Cálicles.‖ (PLATÃO, p.213).
Em suma, podemos colocar que a obra platônica aborda através da procura do
conceito de retórica toda a relação construída na sociedade através da mesma, e o
significado que um retórico pode dar a seu discurso, trazendo ou afastando o bem e
a felicidade.
Referências
PLATÃO. Górgias, ou da Retórica. Lisboa: Edições 70, s/n.
PULQUÉRIO, Manuel de Oliveira. Introdução. In: Górgias, ou da Retórica. Lisboa:
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Edições 70, s/n.
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A PÓS-HUMANIDADE NO CINEMA DE CRONENBERG
Wyllian Eduardo de Souza Correa
Universidade Estadual do Centro-Oeste
[email protected]
Palavras-chave: Cinema; Filosofia Contemporânea; Pós-humanidade
O cinema do canadense David Cronenberg é visceral. Isso tomando o termo em
todos os seus sentidos. Nele encontramos a projeção da simbiose entre o humano e
o maquínico em suas diferentes estratificações, seja na percepção da realidade e de
si ou mesmo impresso no próprio corpo de seus personagens, principal elemento em
cena, em obras marcadas pelo estranhamento, sexualidade e horror.
O pós-humano resultante de suas tramas se torna interessante fonte de análise
diante das inúmeras questões, em especial, da subjetivação homem-máquina. Por
isso neste presente trabalho
estabelece-se um
diálogo
entre
a filosofia
contemporânea e a subjetividade na produção de Cronenberg. ―No texto
cronenberguiano a ênfase está na figuração do corpo como local de conflito
psicossexual, social e político. Estamos diante de filmes em que não mais se
dramatiza a dualidade corpo-mente, e sim uma realidade tricotômica de corpo,
mente e maquina‖ (VIEIRA, 2003, p. 336).
Como exemplo, em Videodrome (1983) uma frequência de televisão desenvolve
uma nova região do cérebro, e o próprio corpo passa a se alimentar de máquinas,
dando origem a uma ―nova carne‖. Um cientista passa por uma lenta e dolorosa
transformação em A mosca (1986), após experiências com um aparelho de tele
alvo de implantes, que permitem aos seus usuários o acesso à realidade alternativa
de um jogo, com o uso joysticks criados como animais e armas feitas de ossos.
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sexualidade perturbadora e destrutiva; eXistenZ (1998) mostra o corpo novamente
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transporte. Em Crash (1996) a relação entre pessoas e carros ganha uma
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Em suas fábulas contemporâneas, a problemática do desenvolvimento científico e
tecnológico não ocorre em disputas externas, com robôs, armas laser e toda
arquitetura
e
parafernália
comum
a
ficção
científica
dos
blockbusters
hollywoodianos. O confronto se faz de maneira interna aos sujeitos, presos a
situações bizarras e escatológicas, geralmente provocadas por suas mentes ou
iniciadas em seus próprios corpos, que, para Cronenberg, não existem de maneiras
distintas. ―Só existe um único elemento carnal. Estou consertando uma falha
cartesiana.‖ (KAUFMAN, 2003)
Uma ―nova carne‖ é então profetizada em meio a subjetivações dilaceradas pela
mídia, biotecnologia e das configurações socioeconômicas. Scott Bukatman (1994),
em seu estudo sobre o pensamento teórico e a ficção científica do final do século
passado, destaca a existência de uma ―identidade terminal‖, que manifesta não só
as ansiedades, mas também os anseios humanos diante das possibilidades
maquínicas. O homem estaria escapando de si para um abismo indefinido ou um
mundo de novas perspectivas.
Como aponta Deleuze (1985 e 1990), o cinema propiciaria uma lógica diferenciada,
sendo essencial para entender a forma e o sentido do imaginário pós-humano.
Nietzsche já discutia sobre as possibilidades do Übermensch, um homem além da
existência mediana da Modernidade, resgatado equivocadamente pelo ideal ariano
do nazismo.
Deleuze e Guattari com a sua filosofia do desejo apontam para a construção e o
desenvolvimento de um corpo sem órgãos (CsO), conceito formado através da
literatura de Artaud, como sendo uma prática que levaria além das estratificações
impostas ao corpo. ―O CsO é o que resta quando tudo foi retirado. E o que se retira
é justamente o fantasma, o conjunto de significâncias e subjetivações‖ (DELEUZE;
GUATTARI, 1997, p.12).
exemplo, é apontada como a chave para um futuro pós-humano. ―Poderíamos
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humanidade seria possível, mas até mesmo destino certo. A nanotecnologia, por
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Com as novas tecnologias, os entusiastas observam que não só uma pós-
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desenhar corpos novos e melhores, ou simplesmente viver com padrões de
informação existentes nas redes de computadores, como se fossemos fantasmas de
um vasto maquinismo‖ (ELLIOTT, 2003).
Atualmente, alguns teóricos atentam sobre uma transmutação ontológica, realizada
no movimento duplo em que a evolução biotecnológica, realizada pelo próprio
homem, insere elementos ao seu cotidiano que rompem com a tradicional fronteira
entre o natural e o artificial, alterando também as formas de subjetivação,
fragmentada pelo constructo pós-moderno.
Em Crash (1996), acompanhamos o que Deleuze trataria como uma experiência no
campo das intensidades. Corpo e máquina comungam de uma violência
sexualizada, representada pela exploração dos acidentes de trânsito e de seu
potencial destruidor, sem estabelecer uma moralidade, mas simplesmente a
intensidade e fascínio. ―A carne e o metal se fundem não num organismo
cibernético, mas numa massa indiferenciada, em vez da construção custosa e
racional, o que fascina é a sua desintegração erótica, violenta e primitiva‖
(RÜDIGER, 2006, p.53).
São as próprias entranhas dos personagens cronenberguianos que lhes manifestam
uma potência até então ignorada, e não uma alteridade gerada por fatores externos.
É no convívio com essa nova condição que se desenrola o enredo, pelo estado
gerado da fusão com um ser-outro, como o homem-inseto de A mosca (1986). ―O
híbrido, nesse caso, torna-se sinônimo de degeneração, lugar das aberrações
orgânicas e tecnológicas, que renega a assepsia em favor de um devir excretório em
que o corpo exsuda tripas e órgãos atravessados pelo artifício‖ (ALTMANN, 2007,
p.44).
No cinema de Cronenberg encontramos uma análise de que a alteridade de um
corpo impregnado pela tecnologia se mostra desenvolvida de maneira transgressiva
humano.
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uma desterritorialização que converte o corpo em espaço aberto para um devir pós-
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e perversa, ocasionando o caos subjetivo resultado da transmutação corpórea, em
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O cinema, assim como as demais artes, projeta ansiedades e anseios, sendo
também fonte para novas formas do pensar. Enquanto fábula, ele tem a liberdade de
expressar até mesmo ideias que soam delirantes. Porém, no momento em que
teóricos contemporâneos apontam para uma fragmentação das subjetividades e o
cotidiano se encontra cada vez mais minado por mídias portáteis, realidade virtual,
engenharia genética, cirurgias plásticas e próteses para os mais diversos fins, há um
indicativo de que a própria condição humana pode ser afetada por seu
desenvolvimento.
Bibliografia
ALTMANN, Eliska. O corpo-máquina de Cronenberg sob a luz pictórica de Bacon:
fábulas do devir-outro. Alceu, Rio de Janeiro, v. 7, p. 41-54, 2007.
BUKATMAN, Scott. Terminal Identity: the Virtual Subject in Post-Modern Science
Fiction. London: Duke University Press, 1994.
DELEUZE, Gilles. Cinema: imagem-movimento. São Paulo: Editora Brasiliense,
1985.
______. Cinema II: imagem-tempo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São
Paulo: Ed. 34, 1997. Vol. 3
ELLIOTT, Carl. Transhumanism: Humanity 2.0 Wilson Quarterly, 2003.
KAUFMAN, Anthony. David Cronenberg on ―Spider‖: ―Reality Is What You Make Of
It‖, 2003. Disponível em:
<http://www.indiewire.com/article/david_cronenberg_on_spider_reality_is_what_you_
make_of_it/> Acesso em 03 jun. 2009.
RÜDIGER, Francisco. A dialética entre homem e máquina
contemporâneo. Logos, Rio de Janeiro, v. 24, p. 51-67, 2006
no
cinema
Página
4
VIEIRA, João Luiz. Anatomias do visível: cinema, corpo e a máquina da ficção
científica. In: NOVAES, Adauto (org.). O homem-máquina: a ciência manipula o
corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
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CARÁTER EMPÍRICO E CARÁTER INTELIGÍVEL NA PRIMEIRA CRÍTICA
Fabiano Queiroz da Silva
Mestrando UNICAMP/ Bolsista FAPESP
Orientador: Zeljko Loparic
[email protected]
Palavras-chave: Causalidade natural, Causalidade inteligível, Caráter empírico,
Caráter inteligível, Causalidade da razão.
Na Crítica da Razão Pura, segundo Zeljko Loparic, Kant apresenta uma teoria de
solubilidade dos problemas necessários da razão pura, na qual a solução do
problema chave da filosofia transcendental, a saber, como são possíveis juízos
sintéticos a priori?, é tomada como instrumento fundamental para a resolução de
uma outra questão, cuja importância faz-se notável: a investigação da capacidade
da razão humana de resolver problemas, para que se delimite o campo de suas
pesquisas (cf. LOPARIC, 2005b, p. 14).
A partir desta tese, analisarei, neste trabalho, os conceitos de caráter empírico e
caráter inteligível expostos, na primeira Crítica, por Kant. Com tal meta, recorrerei à
Dialética Transcendental, pois é na Nona Secção: Do uso empírico de princípio
regulador da razão relativamente a todas as ideias cosmológicas, no tópico III.
Solução das ideias cosmológicas que dizem respeito à totalidade da derivação dos
acontecimentos do mundo a partir das suas causas, no sub-tópico Possibilidade da
causalidade pela liberdade, em acordo com a lei universal da natureza, em que o
filósofo trabalha com dois conceitos de causalidade, a saber, a inteligível e a
Página
antinomia:
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sensível, evidenciando o papel do idealismo transcendental na solução da terceira
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Ich nenne dasjenige an einem Gegenstande der Sinne, was selbst nicht
Erscheinung ist, intelligibel. Wenn demnach dasjenige, was in der
Sinnenwelt als Erscheinung angesehen warden muß, an sich selbst auch
ein Vermögen hat, welches kein Gegenstand der sinnlichen Anschauung
ist, wodurch es aber doch die Ursache von Erscheinungen sein kann: so
kann man die Kausalität dieses Wesens auf zwei Seiten betrachten, als
intelligibel nach ihrer Handlung, als eines Dinges an sich selbst, und als
sensibel, nach den Wirkungen derselben, als einer Erscheinung in der
Sinnenwelt (KrV, A 538/ B 566)1.
Aplicando-se isto ao agente moral, pode-se dizer que ele é dotado de um caráter
empírico e de um outro inteligível. O primeiro, a partir da causalidade natural, faria
com que as suas ações estivessem encadeadas com os outros fenômenos da
natureza. Seria, portanto, um determinismo absoluto, pois as ações de um sujeito
não seriam apenas causas, mas também causadas, não havendo possibilidade
alguma do agir livre:
Nach seinem empirischen Charakter würde also dieses Subjekt, als
Erscheinung, allen Gesetzen der Bestimmung nach, der Kausalverbindung
unteworfen sein, und es wäre so fern nichts, als ein Teil der Sinnenwelt,
dessen Wirkungen, so wie jede andere Erscheinung, aus der Natur
unausbleiblich abflössen. So wie äußere Erscheinungen in dasselbe
einflössen, wie sein empirischer Charakter, d. i. das Gesetz seiner
Kausalität, durch Erfahrung erkannt wäre, müßten sich alle seine
Handlungen nach Naturgesetzen erklären lassen, und alle Requisite zu
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Chamo inteligível, num objecto dos sentidos, ao que não é propriamente fenómeno. Por
conseguinte, se aquilo que no mundo dos sentidos deve considerar-se fenómeno tem em si mesmo
uma faculdade que não é objecto da intuição sensível, mas em virtude da qual pode ser, não
obstante, a causa de fenómenos, podemos considerar então de dois pontos de vista a causalidade
deste ser: como inteligível, quanto à sua acção, considerada a de uma coisa em si, e como sensível
pelos seus efeitos, enquanto fenómeno no mundo sensível (Trad: Manuela Pinto dos Santos e
Alexandre Fradique Morujão).
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einer vollkommenen und notwendigen Bestimmung derselben müßten in
einer möglichen Erfahrung angetroffen werden (KrV, A 540/ B 568)1.
Apesar disso, devido ao caráter inteligível, garante-se a possibilidade lógica da
liberdade ao agente causal, justamente por ele poder participar de um outro domínio
que não o empírico, no qual a segunda analogia da experiência é incontornável:
Nach dem intelligibelen Charakter desselben aber (...) würde dasselbe
Subjekt dennoch von allem Einflusse der Sinnlichkeit und Bestimmung
durch Erscheinungen freigesprochen werden müssen, und, da in ihm, so
fern es Noumenon ist, nichts geschieht, keine Veränderung, welche
dynamische Zeitbestimmung erheischt, mithin keine Verknüpfung mit
Erscheinnungen als Ursachen angetroffen wird, so würde dieses tätige
Wesen so fern in seinen Handlungen von aller Naturnotwendigkeit, als
Ursachen angetroffen wird, so würde dieses tätige Wesen so fern in seinen
Handlungen von aller Naturnotwendigkeit, als die lediglich in der Sinnenwelt
angetroffen wird, unabhängig und frei sein (KrV, A 541/ B 569)2.
Por fim, como apresenta Kant no próximo sub-tópico, cujo título é Esclarecimento da
idéia cosmológica de uma liberdade em união com a necessidade universal da
natureza, o homem deve ser visto, por conta destas duas formas de caráter,
conforme dois pontos de vista, a saber, o empírico e o inteligível. Primeiramente, o
homem deve ser visto como um fenômeno qualquer da natureza. Em contrapartida,
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Pelo seu caráter empírico, este sujeito estaria submetido, enquanto fenómeno, a todas as leis da
determinação segundo o encadeamento causal e, sendo assim, nada mais seria do que uma parte do
mundo sensível, cujos efeitos, como qualquer outro fenómeno, decorreriam inevitavelmente da
natureza. Assim como os fenómenos exteriores influem nele, assim como o seu caráter empírico, ou
seja, a lei de causalidade, seria conhecida pela experiência, assim também todas as suas acções se
deveriam poder explicar por leis naturais e todos os requisitos para a sua determinação completa e
necessária se deveriam encontrar numa experiência possível (Trad: Manuela Pinto dos Santos e
Alexandre Fradique Morujão).
2
Pelo seu caráter inteligível porém (...) teria esse mesmo sujeito de estar liberto de qualquer
influência da sensibilidade e de toda a determinação por fenómenos; e como nele, enquanto númeno,
nenhuma mudança acontece que exija uma determinação dinâmica de tempo, não se encontrando
nele, portanto, qualquer ligação com fenómenos enquanto causas, este ser activo seria, nas suas
acções, independente e livre de qualquer necessidade natural como a que se encontra unicamente
no mundo sensível (Trad: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão).
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também deve ser visto como númeno, devido ao fato da sua razão ser detentora de
uma causalidade que possibilita pensarmos um rompimento com as conexões
causais da natureza1. Deste modo, a razão, caso seja tomada como efetiva, iniciaria,
por si mesma, uma cadeia de acontecimentos, de um ponto de vista em que eles
não estariam submetidos às leis imutáveis da natureza2. Isto se torna possível,
porque:
(...) die Bedingung, die in der Vernunft liegt, ist nicht sinnlich, und fängt also
selbst nicht an. Demnach findet alsdenn dasjenige statt, was wir in allen
empirischen Reihen vermißten: daß die Bedingung einer sukzessiven Reihe
von Begebenheiten selbst empirischunbedingt sein konnte. Denn hier ist die
Bedingung außser der Reihe der Erscheinungen (im Intelligibelen) und
mithin keiner sinnlichen Bedingung und keiner Zeitbestimmung durch
vorhergehende Ursache unterworfen (KrV, A 552/ B 580)3.
Neste sentido, como já foi vislumbrado, o homem, apesar do seu caráter empírico,
no qual as suas ações, por serem fenômenos, encontram-se encadeadas com
outros fenômenos e sob a alçada das leis da natureza, devido ao seu caráter
inteligível, tem assegurado uma insubordinação às condições da sensibilidade,
independentemente de quais sejam. Em outras palavras, através do seu caráter
empírico, o sujeito seria, enquanto fenômeno, mais um elemento decorrido na
natureza. Não obstante, devido ao seu caráter inteligível, ―(...) teria este mesmo
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Apesar dos objetos da sensibilidade serem fenômenos, sujeitos à causalidade natural, eles também
possuem uma causalidade inteligível, pertencente ao objeto transcendental. Devido a isso, assim
como o agente moral, tais objetos também possuem um duplo caráter. Não obstante, por não
possuírem as faculdades necessárias que garantem a apercepção, a saber, o entendimento e a
razão, eles não podem ser considerados livres como o agente. Eles não são detentores de um
arbitrium liberum como o último, sendo, por conseguinte, apenas sensivelmente condicionados.
2
Aqui, Kant está abordando o conceito de causalidade da razão.
3
(...) a condição que se encontra na razão não é sensível e, portanto, ela mesma não começa. Sendo
assim, verifica-se então aqui o que nos faltava em todas as séries empíricas, a saber, que a condição
de uma série sucessiva de acontecimentos possa ser, ela mesma, empiricamente incondicionada.
Porque aqui a condição se encontra fora da série dos fenómenos (no inteligível) e, por conseguinte,
não está submetida a qualquer condição sensível e a qualquer determinação de tempo mediante uma
causa anterior (Trad: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão).
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sujeito de estar liberto de qualquer influência da sensibilidade e de toda a
determinação por fenômenos (...)‖ (KrV, A 541/ B 569), podendo, então, decidir-se a
agir contra os impulsos da natureza. Assim, fica ―(...) estabelecido (...) que não há
incompatibilidade entre natureza e liberdade e que um ser natural pode também
comportar-se como um sujeito livre (...)‖ (LEBRUN, 1993, p. 93).
Bibliografia
KANT, IMMANUEL. Kritik der reinen Vernunft. In: Werke. Editadas por W.
Weischedel. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgeselschaft, 2005, vol. II.
_________. Crítica da Razão Pura. Trad: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre
Fradique Morujão. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.
LEBRUN, Gerard. Kant e o fim da Metafísica. Trad: Carlos Alberto Ribeiro da Moura.
São Paulo: Martins Fontes, 1993.
LOPARIC, Zeljko. A Semântica Transcendental de Kant. Campinas: UNICAMP,
Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, 2005.
Página
5
_________. Os problemas da razão e a semântica transcendental. In: Daniel Omar Perez.
(Org.). Kant no Brasil. São Paulo: Editora Escuta, 2005b, v. 1, p. 213-229.
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APONTAMENTOS EM TORNO DO CONCEITO DE LIBERDADE EM HANNAH
ARENDT
Willian Bento Barbosa
Universidade Estadual do Centro Oeste - UNICENTRO
[email protected]
Palavras-chave: Hannah Arendt; Condição humana; Vida ativa; Ação; Liberdade.
A presente comunicação tem por objetivo estabelecer algumas reflexões acerca da
ideia de Liberdade em Hannah Arendt, sobretudo a ideia de liberdade explícita em
sua obra ―The Human Condition‖ (1958). A noção de liberdade é investigada e
problematizada à luz da concepção arendtiana de vida ativa, intrínseca à condição
humana do homem corporificada nas condições do labor (labor), trabalho (work) e
ação (action). A despeito da divisão tripartite da condição humana, podemos verificar
que a liberdade somente se manifesta por intermédio da ação, no âmbito público da
palavra; sendo descartada no âmbito privado da vida ativa correspondente às
esferas do labor e do trabalho.
O estudo da liberdade se justifica representar um dos mais influentes pensamentos
na concepção de vida ativa e da ideia de liberdade na era moderna e
contemporânea. Uma liberdade que rompe com o tradicionalismo até então
valorizado. Devido às dimensões de sua erudição, e de seu pensar fundamentado a
partir de suas experiências, vivenciadas em uma época histórica que refundou sóciopolítico-econômica o modo de viver e ver a política, sobretudo através das
experiências do totalitarismo, o pensamento arendtiano ainda se mantém
atualíssimo, podendo ser retomado para refletir e entender sobre os tempos atuais,
primeiramente ao estudo acerca da condição humana do homem, evidenciado na
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Para a investigação sobre a questão da liberdade em Hannah Arendt, remetemo-nos
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dilacerados por guerras, nacionalismos e problemas diversos da política atual.
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elaboração das três esferas da vida ativa (distinta da chamada vida contemplativa
expressada pelo pensar, pelo querer e pelo julgar, expostos na obra “The live of the
mind”, obra publicada postumamente que permaneceu inacabada no capítulo sobre
o julgar). Para Arendt, a vida ativa compreende três atividades fundamentais
corporificadas pelas condições do labor, do trabalho e da ação. O labor seria a
atividade ligada ao atendimento das necessidades, circunscrito ao espaço da oikia
grega. O resultado do labor não é dado a permanecer no mundo, mas sucumbir no
próprio ritmo do metabolismo natural humano, é o espaço do animal laborans.
Diferentemente é a atividade do trabalho, que se volta para a construção de um
mundo de permanências frente ao fluxo da natureza, visando à própria construção
de um mundo humano frente ao mundo natural. Rege-se pelo princípio da utilidade e
tem como seu representante o homo faber. O trabalho, assim como o labor, não
necessita do encontro com outras singularidades, podendo ser realizadas no
isolamento. Em contraste com ambos, é a atividade da ação, que só se manifesta
em conjunto, numa ―pluralidade de singularidade‖, segundo Arendt. É o espaço do
agir político e condição de existência da própria política, onde as ações são
iluminadas através do discurso público, que exige um espaço específico distante
tanto dos critérios de mera sobrevivência do labor quanto do utilitarismo do trabalho.
É neste espaço do agir político, que a liberdade se fundamenta.
Hannah Arendt e sua concepção de liberdade retomam o pensamento grego antigo
pela experiência da polis grega, na qual a liberdade é intrínseca ao agir político.
Ação e política são inimagináveis sem serem pensadas de acordo com a liberdade;
a política sem a liberdade é destituída de sentido, e por isso que ela só pode ser
demonstrada no âmbito da ação, no espaço público do agir; ação esta como já dita,
pelo discurso, através do domínio da palavra, do discurso, do logos, tal como que no
sentido grego antigo era usada para distinguir-se dos bárbaros, e o homem livre dos
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intermédio do discurso (grego peíthen – persuasão). É na vida ativa arendtiana,
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escravos, pois na polis grega a condução dos assuntos públicos conduzidos é por
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fundamentalmente através do zoon politikon (animal político), no âmbito público, que
a liberdade é da melhor forma demonstrada.
Aqui, faz-se uma crítica a redução moderna do domínio público e da liberdade à
esfera privada do homem, do trabalho e do labor, tal como é tratado por Arendt, pois
para os antigos, pode-se afirmar que a vida privada é menosprezada, sendo ela o
impedimento da condição de liberdade pela ação do homem; o cerne do homem
antigo grego é a polis e por essa concepção o homem é um ser político e social por
essência. A liberdade, tal como presente na modernidade e contemporaneidade, é
demonstrada
fundamentalmente
através
das
vertentes
do
liberalismo,
é
caracterizada pelo afastamento da atividade pública e política do homem. É a não
intervenção da política na vida privada, no qual o homem é demonstrado pela
preocupação com sua segurança, sobrevivência e necessidades humanas. A
liberdade também assume os parâmetros de uma liberdade interior, pela concepção
do livre arbítrio, sendo a liberdade humana como o domínio interno da consciência,
teorias
estas
fundamentalmente
encontradas
no
período
medieval,
consubstanciadas pelo cristianismo.
Conclui-se, com base nos argumentos apresentados, que a concepção arendtiana
de liberdade caracteriza-se pela ação política, circunscrito ao âmbito público, tal
como era concebido na antiguidade grega. Arendt nega e critica, de fato, a
concepção tradicionalizada pelo Liberalismo Moderno, que afirma que quanto mais
política menos liberdade, tal como a afirmação de credo liberal de que ―quanto mais
política menos liberdade‖. Através fundamentalmente desses conceitos, tais como a
vida ativa, liberdade, e ação, que Arendt tentará compreender a condição humana
do homem no mundo moderno e contemporâneo, principalmente a partir da crise da
política que chega até o presente, bem como eles representarão a base filosófica
para a elaboração arendtiana dos conceitos de ação, poder e juízo político, muitas
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vezes em antagonismo com as elaborações da filosofia política tradicional.
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Referencias bibliográficas
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. (Tradução Roberto Raposo). 10.ed. Rio de
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Janeiro: Forense Universitária, 2001.
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EDUCAÇÃO/DISCIPLINA MODERNA NO PENSAMENTO FOUCAULTIANO
Eduardo Alexandre Santos de Oliveira
Graduando em Filosofia – UNICENTRO
Orientador: Prof. Dr. Augusto Bach
Palavras-chave: Foucault, educação, filosofia, poder.
O presente trabalho busca investigar a educação na modernidade enquanto
domadora do corpo e da alma dos indivíduos, por meio do pensamento do filósofo
francês Michel Foucault.
A inserção de práticas disciplinares faz com que os indivíduos sejam moldados e
subjetivados a ponto de torná-los corpos úteis e dóceis. Assim sendo, cabe-nos
pesquisar o que levou a educação/disciplina a determinado objetivo.
Tomar-se-á o exemplo da escola – principal instituição responsável por fabricar o
sujeito – e sua relação com outras instituições disciplinares que lha deram origem.
Entretanto, deve-se primeiramente aderir uma nova maneira de conceber o poder –
peça fundamental para o prosseguimento deste labor.
A questão do poder é uma consideração de grande importância para compreender a
educação moderna necessitando ser feita com cautela e rigor, e isso, Michel
Foucault o fez com êxito. Nas análises do filósofo, o poder não pode ser restringido
à formalidade dos aparelhos jurídicos, pois assim, torna-se impossível investigar a
educação moderna e seus objetivos. Mas deve ele – o poder – ser estudado em
uma perspectiva diferente: trata-se de visualizá-lo, agora, como forma de micropoder ou micro-política em meio a uma rede. Via de regra, isso significa dizer que
Por meio desse conceito inovador, torna-se possível a observação dessa relação
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nas instituições escolares: o professor exerce um saber sobre o aluno que, por sua
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não existe relações fora de seus domínios.
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vez, se adapta a essa noção. Em outras palavras, isso significa dizer que o pupilo
―submete‖ seu poder ao do mestre.
Com base nessa premissa, é viável atribuir uma consideração importante sobre o
poder e suas relações. Podemos dizer que ele não visa excluir o indivíduo, muito
pelo contrário, sua postura objetiva capturá-lo e, assim, cria-se um saber que vigora
como um papel de verdade: trata-se do saber científico que se torna uma prática a
dominar o indivíduo e normatizá-lo, ou seja, esse saber o controla e o disciplina e é
aí que Foucault denomina a sociedade moderna como sociedade disciplinar.
Através desta breve consideração sobre poder, cabe-nos cumprir a primeira parte da
introdução desse trabalho: analisar a educação moderna enquanto ―domadora da
alma e do corpo‖ e apontar os motivos que a levaram a determinada postura.
O poder disciplinar nasce devido a mudanças na sociedade europeia. O poder que
era atribuído diretamente à figura do soberano, passa a ser ―contido‖ numa
instituição burocrática.
No século XVII até o final do XVIII, a educação dava-se pelo suplício do corpo –
evento esse que era apresentado publicamente, ou seja, o castigo era fornecido
como espetáculo. O condenado era mutilado em público e assim, o perdão era
extraído através da dor de modo que a morte não se dava de momento imediato. Na
abertura de Vigiar e Punir: história da violência nas prisões, pode se ver um relato da
Gazette d‟Admsterdam, que apresentado por Foucault, mostra em detalhes o
suplício de Damiens, condenado em 1757.
Essa forma de castigo era um modo de educar a população, mostrando-lhes o que
poderia acontecer caso viessem a ir contra a vontade do soberano.
No final do século XVIII, com a estruturação do capitalismo, aos poucos, o castigo
através do corpo supliciado passa a perder a importância. Com o surgimento das
indústrias, torna-se necessário o corpo saudável e em plenas condições para a
para quem rompe o pacto social: eis o surgimento da prisão. Essa instituição tem por
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punição que deva considerar o novo modo econômico que vigora nesse período
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produção em série. Dessa forma, há a necessidade de uma outra maneira de
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finalidade, capturar todos aqueles que são considerados inúteis a tal estrutura
econômica e adaptá-los à mesma. Nesse âmbito, a disciplina dar-se-ia em lugares
fechados, calculados a ponto de vigiar o corpo do infrator. Para o progresso desse
método disciplinar, é necessário individualizar a pessoa e agir sobre seu interior,
objetivando-o a uma ética capitalista e consequentemente sujeitando-o.
Foucault observa em seus estudos que as atividades das prisões influenciaram
diretamente as escolares. Os espaços fechados, calculados, com separação por
fileiras, idade, por horários, têm por finalidade exercer um saber (verdade) sobre o
aluno, a ponto de sujeitá-lo, moldando seu interior para torná-lo viável ao meio de
produção. O indivíduo torna-se ao mesmo tempo, sujeito e objeto do poder.
Por meio do desenvolvimento dessa pesquisa, pode-se observar que a
educação/disciplina na modernidade são objetos do poder. Eis o sucesso de
Foucault em não restringir o poder no âmbito dos aparelhos jurídicos, e sim
considerá-lo como micro-poderes que funcionam de modo difuso.
Também se notou que o jogo do poder – transferido do soberano ao estado – atuou
de modo positivo ao transformar a perspectiva educacional que, a partir do final
século XVIII, versa sobre uma tendência capitalista. Por tanto, o surgimento da
prisão que ao invés de punir o corpo do condenado, disciplinava-o tornando-o apto
às atividades desse novo sistema. Isso justifica o surgimento da escola –
denominada pelo filósofo de governo do sequestro da infância – atua como uma
maquinaria social que, por meio de atividades e de sua estrutura calculada, controla
o corpo e o tempo dos indivíduos tornando-os úteis e dóceis, sujeitando-os a um
saber científico. Além disso, essa análise permite provar o pretexto da educação
moderna em separar o ―normal‖ e o ―anormal‖ afirmando o primeiro ser o
normatizado pela disciplina e o segundo como o que foge desse enquadramento
tornando-se causador da desordem social posteriormente.
corretivas.
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Benthan, ―instituição‖ que vigia o corpo do indivíduo, regulando através de práticas
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Essa estrutura social é comparada pelo pensador a exemplo do panopticon de
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Outra consideração acerca desse estudo é de que essa perspectiva justifica o
aparecimento de outras instituições disciplinares, tais como hospitais psiquiátricos e
quartéis, que assim como a escola são cortados pelas relações de poder.
Referências
CÉSAR, M. R. de A. Pensar a educação depois de Foucault. Dossiê Michel Foucault
Revista Cult, n. 134, p. 54-56, 2009.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Trad. Lígia M.
Ponde Vassalo. 34. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
JARDIM, A. F. C. Michel Foucault e a educação: o investimento político do corpo.
Página
4
Revista UNIMONTES Científica, Montes Claros, v.8 n.2, p. 103-118, jul./dez. 2006.
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ASPECTOS DA REFUTAÇÃO DO IDEALISMO MATERIAL SOB A PERSPECTIVA
APRESENTADA NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA
Marco Aurélio Fabretti
Graduado em Filosofia - UEM
Orientadora: Profª Drª Andrea L. Bucchile Faggion
[email protected]
Palavras-chave: refutação, idealismo, permanência, tempo, matéria
Este trabalho visa expor como Kant compreende e refuta o idealismo dito material
fundamentado no pensamento cartesiano, no livro segundo de sua Analítica
Transcendental da Crítica da razão pura.
Começaremos pela distinção entre
idealismo material dogmático e idealismo material problemático, cujos fundamentos
se encontram na filosofia de Berkeley e na filosofia de Descartes, respectivamente, e
partiremos para uma análise deste último. Sobre o idealismo material dogmático,
seguiremos os passos do autor e apresentaremos somente o cerne da refutação
pretendida a partir de elementos da estética transcendental, para podermos depois
disso voltar nossos olhos para o já supracitado idealismo problemático. Tal idealismo
aceita nossa experiência imediata de nós mesmos como verdade e garante com isso
a existência de um eu pensante; no entanto, o faz em detrimento de uma realidade
exterior, que é considerada indemonstrável segundo o pressuposto da dúvida
universal cartesiana na visão kantiana; diga-se visão kantiana, pois o próprio
Descartes aceitara a realidade exterior; no entanto, a preeminência que o francês dá
realidade exterior, tentando demonstrá-la não mais como um apêndice e sim como
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um elemento necessário à visão idealista. Kant aceitará, portanto, em partes este
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à idéia sobre a matéria fará com que Kant assuma a discussão em defesa desta
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idealismo: há a concepção de nós mesmos e esta é certa, segundo nosso autor;
porém, diferentemente dos idealistas materiais, Kant não implicará daí a
impossibilidade de demonstração da realidade exterior, pelo contrário: concedendo
este pressuposto, a saber, a certeza de nossa própria experiência interna, buscará
implicar a necessidade de algo exterior a nós mesmos que fundamente esta certeza.
Para isso, Kant utilizará de dois pressupostos, a saber, o de que toda experiência é
determinada no tempo e o de que em toda mudança dos fenômenos, ou seja, toda
sucessão objetiva no tempo só pode ser determinada sob a condição de uma
substância que permanece, o que nada mais é do que o princípio da permanência
da substância exposto por nosso autor na primeira analogia da experiência, num
momento anterior da obra a qual analisamos. O uso destes pressupostos por nosso
autor implicará, como não poderia deixar de ser, em considerações acerca de suas
formulações, ainda que a amplitude das possibilidades de considerações desta
qualidade não permita um aprofundamento maior, sob a pena de discorrermos
excessivamente sobre pontos não diretamente relacionados a nosso trabalho ou
pontos que não poderiam ser alcançados no âmbito de uma comunicação. Portanto,
procuramos apresentar os conceitos chave utilizados por Kant sempre pautando-nos
pela estrita relação destes conceitos com a refutação do idealismo, o que nos leva a
admitir a necessidade de estudos posteriores para complementar de maneira
satisfatória nossa pesquisa. No que concerne ao primeiro pressuposto, a
consideração da experiência como determinação do tempo, nos remeteremos à
estética transcendental para compreendermos como o conceito de tempo é
apresentado por Kant e porque ele condiciona a experiência. Correlato do espaço, o
tempo será demonstrado como uma condição de possibilidade da experiência
enquanto intuição pura, necessária para que se tenham as intuições empíricas
provenientes de nossas apreensões: ―(...)uma representação necessária, a priori,
Quanto ao segundo pressuposto, será necessário uma ida à primeira analogia da
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gerará uma representação, que por sua vez será temporalmente determinada.
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que fundamenta todas as intuições externas‖ (CRP, A 24). Toda intuição sensível
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experiência, onde Kant estabelece a necessidade de um elemento permanente que
subjaza à noção de mudança enquanto sucessão temporal objetiva. Segundo Kant,
a consciência que temos de sucessão e simultaneidade pressupõe algo que seja
permanente, e este algo deve ser diferente do próprio tempo, já que não o
percebemos em si mesmo. Este algo permanente, que virá a ser a matéria, será o
correlato do próprio tempo na experiência. É assim que chegará à noção de
substância do fenômeno como permanente, tomando-o como substrato de toda
mudança. Estabelecidos estes dois pressupostos, Kant implica a necessidade de
um elemento espacial, a matéria, pois este será a única possibilidade aceitável de
permanente para as ditas representações, inclusive para aquelas que temos de nós
mesmos, ou, se preferir-se, de nossa existência. Do conhecimento de nossa
existência aceita pelos idealistas materiais problemáticos, como Descartes, chegarse-á à necessidade do real no espaço. Passa-se, então, deste idealismo dito
material para um idealismo transcendental, onde o sujeito não é mais a única
certeza que se tem, em detrimento da realidade exterior, e sim possui nele as
condições de conhecimento (garantindo-lhe um abrigo contra os realistas), que se
relacionam necessariamente com um mundo externo a ele, outorgando realidade
objetiva a este mundo (aqui cai por terra o idealismo cartesiano).
Bibliografia
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KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 6ª Ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2008.
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FOUCAULT COM KANT
Fernando Padrão de Figueiredo
Mestrando - PPGF – UFRJ/ Bolsista do CNPq
Orientador: Prof. DR. Guilherme Castelo Branco
[email protected]
Palavras-chave: Foucault; Kant; Aufklärung; Estética da existência; Filosofia
política.
Este trabalho tem a intenção de apresentar e aproximar dois autores, considerados
por uma certa tradição, muito distantes um do outro. Kant e Foucault, dois
pensadores que percorrem caminhos muito específicos na história do pensamento.
Foucault com Kant. Esta é uma das hipóteses da comentadora Mariapaola Fimiani,
na qual diz que o texto foucaultiano pode ser considerado como uma reescritura do
texto kantiano. Assim, pode se dizer que aquele é um palimpsesto deste. (Cf.
FIMIANI, 1998)
Desta maneira, a intenção é, a partir de Foucault, estudar o jogo da tutela e da
liberdade, explicitado no texto kantiano, como resposta à pergunta feita pelo pastor
Zöllner, em 1783: O que é o Iluminismo? Liberdade (maioridade) e tutela
(minoridade), jogo que implica a constituição do indivíduo como um sujeito autônomo
e do jogo da verdade como a coragem de dizê-la. A temática do Iluminismo
(Aufklärung) será o ponto central das análises, a possibilidade real de pensar Kant
com Foucault, pois para este aquele é seu maior representante. Eis o que nos diz
Penso que a Aufklärung, como conjunto de acontecimentos políticos, econômicos,
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sociais, institucionais, culturais dos quais somos ainda em grande parte
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Foucault a respeito:
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dependentes, constitui um domínio de análise privilegiado. Penso também que,
como empreendimento para ligar por um laço de relação direta o progresso da
verdade e a história da liberdade, ela formulou uma questão filosófica que ainda
permanece colocada para nós. Penso, enfim – tentei mostrá-lo a propósito de Kant -,
que ela constitui uma certa maneira de filosofar. (FOUCAULT, 2005: 1390)
Entre Foucault e Kant, a questão do Iluminismo, problematizando a liberdade e o
que ela envolve, ou seja, uma luta nos jogos (ou regimes) de verdade, onde o sujeito
se constitui como sujeito livre, e a estratégia de poder dizê-la. Minoridade e
liberdade para se pensar o problema de uma ética, a questão da transformação e
retorno ao si. Ética que o último Foucault pensou como estética da existência, isto é,
―[...] o problema de uma ética, como forma a dar a sua conduta e a sua vida, é
novamente posta.‖ (FOUCAULT, 2005: 1493) E estética que é transformação de si,
possibilitado por um retorno ao si, a vida, a existência, como lugar de elaboração,
criação e invenção. Assim, entende a estética como ―[...] uma forma de estetismo – e
por isto‖, diz, ―eu entendo a transformação de si.‖ (FOUCAULT, 2005: 1354)
É a partir da última fase da filosofia de Foucault (1978-1984), que este trabalho tem
o propósito de apresentar. Um dos textos centrais para a aproximação de Kant e
Foucault é o texto intitulado Qu‟est-ce que les Lumières? Este é especificamente um
artigo, escrito para a Magazine littéraire, em dezembro de 1984. (FOUCAULT, 2005)
Que também é resultado de uma aula dada no Collège de France em 1983, e
reescrita para a mesma revista neste mesmo ano, com o mesmo título, Qu‟est-ce
que les Lumières?.1
No artigo, de 1984, Qu‟est-ce que les Lumières?, Foucault apóia as suas reflexões
no artigo de Kant, de 1784, intitulado de Beantwortung der Frange: Was ist
Aufklärung?, onde problematizará o custo de dizer a verdade (ou seja, a sua
coragem), como a possibilidade real para se constituir como sujeito livre, autônomo.
1
As aulas se encontram no curso, intitulado de Le Gouvernement de soi et des autres : cours au
Collège de France (1982-1983). Já o artigo está presente nos Dits et Écrits II, 1976-1988.
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Kant, logo no início do seu texto, desafia seu momento presente: ―Sapere aude!
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Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento! Eis a divisa do
Aufklärung.‖1
Assim, Foucault nos apresenta um Kant que tenta responder a sua época,
diagnosticar aquilo que estava acontecendo, mostrando o preço a se pagar pelo uso
de se pensar por si mesmo, ou pensar por pensar (embora fale especificamente do
uso da faculdade do entendimento no artigo, usa a expressão räzonieren, isto é,
raciocinar por raciocinar). Se para Kant o Esclarecimento (Aufklärung) era seu
momento presente, uma resposta (uma solução) para um questionamento da sua
época, para Foucault serve de signo daquilo que o texto anuncia, isto é, a sua
originalidade, ou um novo modo de filosofar, de pensar. Kant sinaliza um momento
de ruptura, um limite, ou uma máxima que serve de divisa para a sua época, ou
melhor, para a vontade de sua época. Máxima que induz coragem para deixar de ser
aquilo que se é.
Deste modo, Kant define no começo do seu artigo: ―Aufklärung é a saída do homem
da sua menoridade de que ele próprio é culpado.‖2 Aufklärung que não é uma época
determinada, - ―A Aufklärung‖. Mas ela é um resultado, uma saída de um estado
para outro. A minoridade kantiana é para Foucault fruto de um excesso de
autoridade e de falta de coragem. Para sair de seu estado de minoridade, deve-se
ousar, e, assim, permitir se conduzir e governar por si mesmo. O que está em jogo
na mudança de um estado para o outro é o fato de poder pensar, orientar-se por si
mesmo. Pensar por si mesmo é a saída da minoridade, tanto quanto um
desprendimento, pois muda-se a relação com os outros (através de um público),
implicando uma mudança consigo. Pensar por si mesmo não é uma consciência ou
um desejo de se conduzir de outra forma. É muito mais uma crítica, é um outro modo
de pensar aquilo que é o nosso presente.
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KANT, Immanuel. "Beantwortung der Frange: Was ist Aufklärung?". In: Schriften zur Anthropologie,
Geschichtsphilosophie, Politik und Pädagogik (Band 9). Werke in zehn Bänden. Herausgegeben von
Wilhelm Weischedel. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1983, p.53. (tradução
portuguesa in: "Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?". A paz perpétua e outros opúsculos.
Lisboa: Edições 70, 2004, p.11.)
2
Id.
3
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I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059
Bibliografia
DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo : Brasiliense, 2005.
FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits II, 1976-1988. France: Quarto Gallimard, 2005.
______. Le Gouvernement de soi et des autres : cours au Collège de France (19821983). France: Gallimard, 2008.
HAUSER, Philippe. Foucault et la Critique. In : Michel Foucault : les jeux de la verité
et du pouvoir. Sous la dir. De Alain Brossat. Nancy: Press Universitaire de Nancy,
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KANT, Immanuel. Beantwortung der Frange: Was ist Aufklärung?. In: Schriften zur
Anthropologie, Geschichtsphilosophie, Politik und Pädagogik (Band 9). Werke in
zehn
Bänden.
Herausgegeben
von
Wilhelm
Weischedel.
Darmstadt:
Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1983. (tradução portuguesa in: "Resposta à
pergunta: que é o Iluminismo?". A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições
70, 2004.)
_______. Qu‘est-ce que les Lumières? In : Aufklärung : Les Lumières allemandes.
Textes et commentaires par Gérard Raulet. Paris: Flammarion, 1995.
_______. Que significa orientar-se no pensamento?. In: A paz perpétua e outros
opúsculos. Lisboa: Edições 70, 2004.
FIMIANI, Mariapaola. Critique, clinique, esthétique de l‘existence. In : Michel
Foucault : trajectoires ao coeur du présent. Sous la direction de Lucio D‘Alessandro
et Adolfo Marino. Paris : L‘Harmattan, 1998.
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TERRA, Ricardo. Foucault, leitor de Kant: da antropologia à ontologia do presente.
In: Passagens: estudos sobre a filosofia de Kant. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,
2003.
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II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR
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DA POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO DO CARÁTER MORAL EM KANT
Carlos Eduardo Neres Lourenço
Mestrando PUC/PR
Orientador: Prof. Dr. Daniel Omar Perez
lourenç[email protected]
Palavras-Chave: Kant, Caráter, Moral, Antropologia, Formação
Kant tem verdadeira preocupação com a formação do caráter moral do ser humano,
e tal preocupação é visível em toda sua obra. Em sua obra Antropologia, ao falar em
sinais distintivos do homem como ser natural, a estes dá o nome de Caráter Físico.
Já como ser racional, aos sinais que distinguem o homem como ser provido de
liberdade nomina-se Caráter Moral.
O objetivo do presente trabalho é tão somente indagar da possibilidade de que o
caráter moral do ser racional finito, no pensamento kantiano, seja formado por algum
processo exógeno em contraponto à possibilidade de que este caráter seja inato.
Para os objetivos do presente trabalho consideraremos tão somente a idéia de um
caráter moralizado, ou um bom caráter numa abordagem coloquial.
Kant, já na Critica da razão pura volta sua atenção às questões tocantes à formação
deste caráter moral do caráter ou do caráter do ser racional finito. Na obra o filósofo
já trata dos problemas e desordens que uma má formação ou falta de
desenvolvimento ou cultivo causa à sociedade. Utilizando uma ―ação de arbítrio,...,
uma mentira maldosa, mediante a qual um homem trouxe uma certa confusão à
sociedade1” como exemplo, o pensador sentencia.
Seja examinada em primeiro lugar, quanto às motivações a partir das quais
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juntamente com suas consequências. Com o primeiro propósito, remonta-se
o seu caráter empírico às suas fontes, as quais serão detectadas numa
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emergiu e, em seguida, julga-se como ela pode ser imputada ao agente
(Werke. Band IV. p. 503)
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educação defeituosa, em más companhias, em parte também na
malignidade de uma índole insensível à vergonha; (KANT, I, 1983, pg.
281).1 (Grifo nosso)
Verifica-se com clareza que o autor não poupa reprovação ao ato mentiroso
causador de danos a sociedade. Ainda deixa claro que as fontes empíricas da
atitude reprovável remetem à uma educação defeituosa, uma má formação
educativa. É visível que o autor remete a um caráter moral mal formado. Ele repudia
o ato como imoral, evidenciando no ato um caráter mal formado e atribui um nexo de
causalidade entre este e uma educação defeituosa. Contrário senso, é possível
afirmar que o autor deixa antever que uma boa educação agregada a alguns outros
elementos, pode produzir um caráter moralizado, móbil de ações morais. Ele
confirma a possibilidade de formação do caráter moral a partir de mecanismos
externos, exógenos.
Na segunda Crítica, mais uma vez ele aborda o assunto da formação do caráter
moral ao levantar as orientações preparatórias fundamentais para que o homem
ainda não formado possa tornar-se receptivo à moral pura. Tratando da
“metodologia da razão prática” (Methodenlehre), exemplificamos, ele salienta que a
mesma é “o modo como se pode proporcionar às leis da razão prática pura acesso
ao ânimo humano, de modo a provocar uma influência sobre as máximas do
mesmo, isto é, como se pode fazer a razão objetivamente prática também
subjetivamente prática”. (Kant, 2002, p.239).2
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[...] so nehme nam eine willkürliche Handlung, z. E. Eine boshafte Lüge, durch die ein Mensch eine
gewise Verwirrung in die Gesellschaft gebracht hat, un die man zuerst ihren Bewegurschen nach,
woraus sie entstanden, untersucht, und darauf beurteilt, wie sie samt ihrem Folgen ihm zugerechnet
weden könne. In der ersten Absicht geht man seine empirischen Charakter bis zu dem Quellen
desselben durch, die man ir der shlechten Erziehung, über Gesellschaft, zum Teil auch in der
Bösartigkeit eines für Beschämung unempfindlichen Naturells, aussuchtz, zum Teil auf den
Leichtasinn und Unbesonnenheit scheit; wobei man denn die veranlassenden Gelegenheitsursachen
nicht aus der Acht läβt. In allen diesem verfährt man, wie überhaupt in Untersuchung der Reihe
bestimmender Ursachen zu einer gegedadurch Narturwirkung. (Werke. Band IV. p. 503).
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Viekmehr wird unter dieser Methodenlehre die Art verstanden, wie man den Gesetzen der reinen
praktischen Vernunft Eingangang in das menschliche Gemüt, Einflub auf die Maximem desselbem
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Com as abordagens supra, o filósofo abre portas para suas outras obras que tratam
da aplicação da ética no espaço da formação do caráter do homem.
No parágrafo anterior falamos sobre a aplicação da ética no espaço da formação do
caráter do ser racional finito, no entanto, tal assertiva não pode passar ao largo do
conteúdo das declarações do autor no prefácio de sua Fundamentação da
Metafísica dos Costumes, onde afirma o que se segue:
Tanto a filosofia natural quanto a filosofia moral podem cada qual ter a sua
parte empírica, pois aquela tem de determinar as leis da natureza como
objeto da experiência, e esta, as da vontade do homem enquanto é afetada
pela natureza; as primeiras, considerando-as como leis segundo as quais
tudo acontece, a segunda, como leis segundo as quais tudo deve
acontecer, mas ponderando também as condições pelas quais com
freqüência não acontece o que devia acontecer.
Pode-se chamar empírica toda a filosofia que se baseia em princípios da
experiência;
mas
a
que
apresenta
as
suas
teorias
derivando-as
exclusivamente de princípios a priori denomina-se filosofia pura. Essa,
quando é simplesmente formal, chama-se Lógica; porém se limita a
determinados objetos do entendimento, recebe então o nome de Metafísica.
Dessa forma, surge a idéia de uma dupla Metafísica, uma metafísica da
Natureza e uma Metafísica dos Costumes. A Física terá, pois, sua parte
empírica, mas também uma parte racional; da mesma forma a Ética, se bem
que nesta a parte empírica se poderia chamar especialmente antropologia
prática, enquanto a parte racional seria a Moral propriamente dita. (Kant,
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verschffen, d. i. die objekiv-praktiche Vermunft auch subjektiv praktisch machen könne. (Werke. Band
VII. 287).
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Dagegen können, sowohl die natürliche, als sittliche Welweisheit, jede ihren empirischen Teil haben,
weil jene der Natur, als einen Gegenstande der erfahrung, diese aber dem Willen des Menschen, so
fern er durch die Natur affiert wird, ihre Gesetze bestimmen muβ, die erstern zwar als Gesetze, nach
denen alles geschieht, die zweiten als solche, nach denen alles geschehen soll, aber doch auch mit
Erwägung der bendingungen, unter denen es öfters nicht geschieht.
Man kann alle Philosophie, so fern sie sich auf Gründer der Erfahrung fuβt, empirische, die
aber, so lediglich aus Prinzipien a priori ihre Lehren vorträgt, reine Philosophie nennen. Die letztere,
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1984, p.103).1
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Daí lembrar-se que para o filósofo, ao referir-se ao termo ética, tornar-se
indispensável ter claro que este possui dupla acepção, sendo a primeira referente à
sua parte empírica e a segunda à sua parte racional. No tocante à parte empírica o
termo refere-se a uma antropologia prática, enquanto em sua parte racional faz
referencia à Moral propriamente dita. Neste mesmo diapasão, Kant prossegue
entendendo necessária uma antropologia prática para que o ser racional finito tenha
favorecida a capacidade de receber. Capacidade de interiorizar, em sua voluntas,
por educação e exercício, uma legislação moral, e afirmá-la eficaz. É assegurado
pelo pensador que "o homem, afetado por inclinações, é na verdade capaz de
conceber a ideia de uma razão pura prática, mas não é tão facilmente dotado da
força necessária para a tornar eficaz in concreto no seu comportamento" (Kant,
1984, p.103).1
Fundamentado na afirmação supra, o pensamento kantiano afirma, para a fixação
desta legislação moral, a necessidade indispensável de uma Metafísica dos
Costumes. Não apenas para fins de especulação das fontes dos princípios práticos
que residem a priori na razão dos seres racionais finitos, mas para fixação do
princípio supremo da moralidade (Kant, 1984, pp.103-104). E este para que sirva
como fio condutor ou vetor, norma suprema do julgamento do ser racional finito. Esta
norma dada a priori, exigirá ―ainda uma faculdade de julgar apurada pela
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wenn sie bloβ formal ist, heiβt Logik; ist sie aber auf bestimmte Gegenstände des Vertandes
eingeschränkt, so heiβt sie Metaphysik.
Auf solche Weise entspringt die idee einer zwiefchen Metaphysik, einer Metaphysik der Natur
unde einer Metaphysik der Sitten. Die Physik wir also ihren emprisichen, aber auch einen rationalen
Teil haben; die Ethik gleichafalls; wiewohl hier der empirische Teil besonders praktische Antropologie,
der rationale aber eigentlich moral heiβen könnte. (Werke Band VI, VII p.11-12)
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[...] des Menschen und Nachdruck zur Ausünbung zu verschaffen, da diese, als sebst mit so viel
Neigungen affiziert, der Idee einer praktischen reinen Vernunft zwar fähig, aber nicht so leicht
vermögend ist, sie in seinem Lebenswandel in concreto wirksam zu machem (Werke. Band VII. p.1314).
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experiência, para por um lado, distinguir em que caso ela tem aplicação e, por outro,
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assegurar-lhe entrada na vontade do homem e eficácia na sua prática” (Kant,
1984, pp.103-104) 1 (Grifo nosso).
Do supra exposto, é conclusão deste trabalho que em contestação a qualquer
possibilidade de um caráter moral inato, como uma lex aeterna scripta in omnis
corde, é claro para o filósofo de Königsberg que este caráter moral é adquirido,
formado, desenvolvido pelo e no ser racional finito
As condições de possibilidade desta formação do caráter moralizado no ser racional
finito deverão ser objeto de pesquisa outra, já que impossível nestas poucas linhas
dar cabo de tal missão, no entanto claro no pensamento do autor que ao próprio
homem incumbe a missão de avançar na busca da moralização.
Referências
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur
Moosburger. 2ª ed. SP: Abril Cultural, 1983.
________. Crítica da Razão Prática. Trad. de Valerio Rohden. São Paulo: Martins
Fontes, 2002.
________. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Traduzida do Alemão por
Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70 Ltda., 1984.
[...] die freilech noch durch Erfahrung geschärfte Urteilskraft erfodern, um teils zu unterscheiden, in
welchen Fällen sie ihre Anwendung haben, teils ihnen Eingang in den Willen des Menschen und
Nachdruck zur Ausünbung zu verschaffen, da diese, als sebst mit so viel Neigungen affiziert, der idee
einir praktischen reinen [...] (Werke. Band VII. p.13-14)
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________. Werke in zehn Bänden. Darmstadt: Wissenchaftliche Buchgesellchaft,
1983.
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A INTUIÇÃO EM KANT
Christian Carlos Kuhn
2° Filosofia – UNICENTRO/PR
Orientador: Marciano Adilio Spica
[email protected]
Seria estranho pesquisar a teoria do conhecimento em Kant isolando-a das
influências da literatura em especial do Romantismo e Iluminismo. Além desses
movimentos, destaca-se também a participação de duas correntes filosóficas, o
Empirismo e o Racionalismo. A primeira, privilegia a sensação e a experiência como
mediadores no conhecimento, e a segunda tem a Razão como guia seguro para o
mesmo, esse podendo transcender a toda experiência possível, como o
conhecimento de Deus, da alma, etc. É evidente que Kant não poderia deixar de se
envolver nessas discussões, primeiramente aderindo ao racionalismo de Leibniz,
Wollf e Espinosa por exemplo, sendo que este corresponde ao período considerado
pré-critico e, posteriormente a constatação de seus fascínio pelo empirismo de
Locke e Hume, preponderante no período crítico.
Confesso francamente: foi a advertência de David Hume que, há muitos anos, interrompeu
o meu sono dogmático e deu às minhas investigações no campo da filosofia especulativa
uma orientação inteiramente diversa. (KANT, 1988, p.17)
Ao analisar os discursos de ambas as partes, Kant expõe os princípios
fundamentadores do conhecimento, até então suficientes para a metafísica da
causalidade. O primeiro expressa que nada pode ser e não ser ao mesmo tempo
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sob a mesma relação, o segundo indica que algo é necessário sob uma perspectiva
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época: O princípio de contradição, o princípio de necessidade, e o conceito de
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lógico-formal quando sua negação é impossível ou implica contradição. O último fica
bem exposto nas palavras de Kant:
Hume partiu essencialmente de um único, mas importante, conceito de metafísica, a saber,
a conexão de causa e efeito (portanto, também os seus conceitos consecutivos de força e
acção, etc.) e intimou a razão, que pretende te-lo gerado no seu seio, a explicar-lhe com
que direito ela pensa que uma coisa pode ser de tal modo constituída que, uma vez posta,
se segue necessariamente que a outra deve ser posta. (KANT, 1988, p. 14)
O autor retoma a crítica de Hume e expõe um dos aspectos limitadores da razão na
Metafísica. Esta ciência que, segundo Kant, pretendia por meio da Razão Pura
pensar a priori relações causais não necessárias.
Ele provou de modo irrefutável que é absolutamente impossível a razão pensar a priori e a
partir dos conceitos uma tal relação, porque esta encerra uma necessidade; mas, não é
possível conceber como é que, porque algo existe, também uma outra coisa deva existir
necessariamente, e como é que a priori se pode introduzir o conceito de uma tal conexão.
(KANT, 1988, p. 14)
É a partir dessas influências kantianas que buscamos o esclarecimento de um
conceito utilizado e desenvolvido por Kant, a saber, o conceito de ―Die Anschauung‖
(traduzido como A Intuição).
Para que possamos clarear o uso que Kant faz de tal conceito precisamos
primeiramente nos ater nas discussões que tal autor faz a respeito da sensibilidade
e do entendimento. Para isso tentaremos reconstruir a resposta que Kant dá a três
questões fundamentais da teoria do conhecimento: Como eu tenho acesso aos
objetos sensíveis? O que é o conhecimento? De que modo ele é possível?
Como veremos, ao tentar responder essas questões, Kant percebe que o
conhecimento não é puro conceito racional, mas também não é somente conteúdo
não o inverso como foi o erro cometido até então pela metafísica, sendo necessário
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repensá-la. Assim, antes de fazer metafísica seria necessário perguntar-se se a
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empírico, no entanto adverte que são os objetos que devem se regular ao primeiro e
metafísica é realmente possível. Cito Kant: ―A minha intenção é convencer todos os
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que creem na utilidade de se ocuparem de metafísica, de que lhes é absolutamente
necessário interromper o seu trabalho, considerar como inexistente tudo o que se
fez até agora e levantar antes de tudo a questão: <<de se uma coisa como a
metafísica é simplesmente possível>>.‖ (KANT, 1988, p.12)
Ao expor o erro da Metafísica, Kant esboça dois aspectos particulares da Razão,
porém complementares. (...) ―tentamos tornar clara a grande diferença entre os dois
usos da razão, a saber, o discursivo segundo conceitos e o intuitivo mediante a
construção de conceitos‖ (KANT, 1996, p.433, A747).
Mas antes de expormos um exemplo da utilização desse termo (A Intuição) por Kant,
é necessário esclarecer ainda sobre os juízos ou proposições. Toda proposição ou
juízo consiste num sujeito lógico do qual se diz algo, e um predicado, que é aquilo
que se diz desse sujeito.
O autor diferencia dois tipos de juízos, os analíticos e os juízos sintéticos. Os
primeiros são juízos de análise em que o predicado está contido no sujeito e a ele
nada acrescenta, e os últimos são juízos construtivos onde o predicado acrescenta
algo ao sujeito. Ao elucidar os primeiros, utiliza-se da Matemática para expor seu
conceito de intuição.
Mas, se não me quiserem conceder isso, bem, então restrinjo a minha proposição à
matemática pura, cujo conceito já implica que não contém um conhecimento empírico, mas
um puro conhecimento a priori. Poder-se-ia, antes de mais, pensar que a proposição
(7+5=12) é uma simples proposição analítica, que resulta do conceito de uma soma de sete
e cinco, em virtude do princípio de contradição. Mas, olhando de mais perto, descobre-se
que o conceito da soma de sete e cinco não contém mais nada senão a reunião de dois
números em um só, sem que pense minimamente o que seja esse único número, que
compreende os dois. O conceito de doze de modo algum está pensado pelo simples fato de
eu pensar essa reunião de sete e cinco, e por mais que analise longamente o meu conceito
de tal soma possível, não encontrarei no entanto, aí o número doze. É preciso ultrapassar
cinco dado pela intuição ao conceito de sete. (KANT, 1988, p.27)
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os seus cinco dedos ou cinco pontos, e assim acrescentar, uma após outra, as unidades do
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esses conceitos, recorrer a intuição que corresponde a um dos dois números, por exemplo
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Com o que vimos até aqui, mostra-se que o objetivo deste trabalho é o de além de
esboçar alguns elementos da teoria do conhecimento Kantiana, expor nosso projeto
de pesquisa sobre a intuição em Kant. Busca-se entender o conceito de intuição e
seu papel na teoria do conhecimento de Immanuel Kant, além de analisar
minuciosamente as faculdades do conhecimento, tentando encontrar o papel da
intuição na formação de juízos sintéticos a priori. Para que isso seja possível,
utilizamos como método a pesquisa bibliográfica do autor, bem como a leitura de
comentadores sobre o tema em questão.
Referências bibliográficas
CAYGILL, H. Dicionário Kant. Tradução, álvaro Cabral; revisão técnica, Valério
Rohden. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
KANT, I. Prolegómenos a toda metafísica futura que queira apresentar-se como
ciência. Lisboa; Vozes, 1988.
KANT, I. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
PASCAL, G. Compreender Kant. 4 ed. Petrópolis; Vozes, 2008.
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RODRIGUES, C. Tradução e interpretação. São Paulo: UNESP, 2000.
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O CONCEITO DE ALMA DO MUNDO NO TIMEU DE PLATÃO
André Wowk Nunes
3º Filosofia, UNICENTRO-PR,
Pesquisador ICV/UNICENTRO-PR
Orientador: Manuel Moreira da Silva
[email protected]
Palavras-chave: Platão, Timeu, Ontologia, Alma do Mundo, Corpo do Mundo.
Trata-se de uma explicitação da concepção platônica da Alma do Mundo, tal como
exposta na primeira parte do Timeu (27d-38c); mais precisamente, do lugar e da
função da Alma do Mundo no âmbito da criação do Mundo enquanto vivente eterno e
no que concerne à união entre a Alma do Mundo e o Corpo do Mundo (34c-38c). Em
sua exposição acerca da Alma do Mundo, Platão enumera como suas características
fundamentais a composição dialética, a estrutura harmônica, a significação
astronômica, a função motriz e a função cognitiva; estas características são
desenvolvidas de modo a dar conta do sentido em que, para o filósofo, a Alma do
Mundo é anterior ao Corpo do Mundo. Com isso ele não só justifica essa
anterioridade, mas antes estabelece como que uma realidade intermediária entre o
inteligível e o sensível, a qual é preenchida pela Alma do Mundo. Assim, partindo do
problema da criação do Mundo (30c-34b), discutiremos em que medida a Alma do
Mundo se forma e por que motivo ela é anterior ao Corpo do Mundo (34b-36b), bem
Segundo Platão, tendo decidido formar o mundo o máximo possível à semelhança
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do mais belo, Deus fez dele um vivente único, visível, contendo no seu interior todos
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como do modo como ela se relaciona com este (36d-38c).
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os viventes que por sua natureza são da mesma forma que ele. Neste sentido
poderia ser o caso de se perguntar se existe apenas um céu único ou há uma
pluralidade de céus, ou mesmo um número infinito; contudo, essa questão,
aparentemente complexa, se resolve como que facilmente pela primeira alternativa,
isto é, de que há somente um céu, pois em se aceitando que este fora construído
segundo a imitação de um modelo eterno, só poderá haver um céu – o que então
fará com que o mundo se apresente como a imagem em movimento da própria
eternidade. Contudo, esta solução aparentemente fácil exige que se leve em conta
pelo menos dois problemas aí implicados: o do ser eterno e o do efêmero. Por um
lado, o eterno é o não nascido, que pode ser atingido pela intelecção e pelo
raciocínio, exatamente por nunca mudar; no dizer de Platão, quanto mais
meditarmos sobre a sua natureza, apesar de toda e qualquer mutação de nossa
constituição, mais ele será identificado conosco ou dele mais nos aproximaremos –
Platão chama-o de o Mesmo, associando-o à perfeição, à imobilidade, à
continuidade da alma. Por outro lado, o efêmero é o que sempre nasce, jamais
tendo existência, sendo sempre do domínio do ilusório; Platão chama-o de o Outro,
associando-o ao imperfeito, à mobilidade e a imperfeição da matéria (35a). Isto
significa que para algo como o Mundo, ou melhor, o Corpo do Mundo possa existir,
há que haver antes dele próprio alguma coisa que unifique o Mesmo e o Outro numa
composição tal que permita a ambos desenvolverem sua natureza constitutiva; o
que não é senão a Alma do Mundo.
O fato da Alma do Mundo ser anterior ao Corpo do Mundo remete a uma idéia tanto
de liberdade como de indestrutibilidade, pois seria absurdo ter sido o Corpo formado
antes da Alma. Desse modo, a Alma é considerada primeira pelo fato de ter sido
feita para comandar o que ainda estaria para ser criado; neste caso, ela já deveria
ter sido estabelecida antes do próprio Corpo do Mundo. No dizer de Platão, isso se
uma terceira espécie de substância, isto é, uma substância intermediária que, como
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maneira invariável, e da substância divisível, que está nos corpos, da qual resultara
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deu através da mistura da substância indivisível, que se comporta sempre de
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tal, compreende a natureza do Mesmo e a do Outro em uma estrutura harmônica
(35a). De acordo com essa estrutura, que se determina sobretudo pelo grau de
resistência que no caso da Alma do Mundo se opera na mescla do Mesmo e do
Outro, pode-se dizer, a título de exemplo, que enquanto a Alma humana se
caracteriza pelo Outro mais Mesmo/2, mais Outro/2, a Alma do Mundo se caracteriza
pelo Mesmo mais o Outro mais Mesmo/2, mais Outro/2; razão pela qual esta é
capaz de suportar melhor que aquela a resistência do Outro, o ordenando segundo o
Mesmo, do qual falta uma parcela na primeira, fazendo-a mais suscetível à variação
e à mudança (35b). Em vista disso, a Alma do Mundo possui uma significação
astronômica que, como tal, funda a própria coexistência do movimento do círculo
exterior do céu, que não é senão o movimento do Mesmo e se orienta no sentido de
um paralelogramo, da esquerda para a direita, e o círculo interior, que não é senão o
movimento do Outro e se orienta segundo a diagonal, ou da direita para a esquerda
(36c), demonstrando assim a união de ambos segundo a aceitação de um modelo
eterno. Ainda de acordo com Platão, ao termo da criação da Alma do Mundo,
através de uma precipitação divina, lhe foi dada vida racional e inextinguível,
fazendo assim com que, mediante sua função motriz, nascesse de um lado o corpo
visível do céu e de outro, como partícipe do cálculo e da harmonia, o invisível ou a
própria Alma, ―a mais bela das realidades engendradas pelo melhor dos seres
inteligíveis que são eternamente‖ (37a). Por isso, no que concerne a sua função
cognitiva, a Alma do Mundo se move por si mesma em círculo, retornando sempre
sobre si mesma; bem como, ao entrar em contato com um objeto, seja a substância
deste divisível ou indivisível, ela proclama, movendo-se, através de todo o seu
próprio ser, a que substância tal objeto é idêntico e de que substância ele se
diferencia; o que ocorre pela intelecção e a ciência (ibid.).
Enfim, pode-se dizer que a Alma do Mundo se apresenta como um objeto
princípio cognitivo não só em si mesma, mas também daquilo que ela envolve, vale
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harmônica e da astronômica; apresentando-se ainda como princípio motor e
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multifacetado, sendo ao mesmo tempo considerada no âmbito da dialética, da
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dizer, do próprio Mundo. Isso significa que a Alma do Mundo deve ser considerada
pelo menos sob dois pontos de vista básicos, sendo o primeiro, o seu próprio
desdobramento dialético a partir de sua composição até a sua caracterização
propriamente astronômica; bem como o segundo, o modo como ela própria se
apresenta como cumprindo uma função ao mesmo tempo motriz e cognitiva. De um
lado a Alma do Mundo deve ser considerada em um âmbito propriamente inteligível,
como que perfazendo o limite do inteligível; de outro, ela também tem que ser
considerada em um âmbito sensível, pois envolve o Corpo do Mundo e com ele se
relaciona de certa maneira. No primeiro caso está em exposição a constituição da
Alma do Mundo enquanto tal em sua dimensão inteligível, já no segundo o seu
caráter de principio ou a sua função motriz e cognitiva enquanto aquilo que informa o
Corpo do Mundo.
Referências
PLATÃO. Timeu. Trad. Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.
_____. Filebo; Timeo; Critias. Traducciones, Introducciones y Notas por Maria
Ángeles Durán y Francisco Lisi. Madrid: Editorial Gredos, 1992.
_____. Timeo o de la naturaleza. Traducción del griego, preámbulo e notas por
Francisco de P. Samaranch. In: ___. Obras completas. Madrid: Aguilar, 1969, p.
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1103-1179.
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TRANS-MODERNIDADE E GEOPOLÍTICA DA HISTÓRIA EM DUSSEL
Elias Dallabrida
DEFIL – UNICENTRO/PR
[email protected]
Palavras-chave: Trans-modernidade, inclusão, geopolítica, culturas mundiais.
Discute-se nestas últimas décadas, o projeto e o discurso da modernidade, seus
modelos de explicação, sua suposta crise e solução. Um clima de perplexidade
permeia o ambiente intelectual nas universidades, círculos de debate, congressos e
encontros. Há uma dificuldade em teorizar e explicar o que vem acontecendo nas
diversas instâncias da produção do conhecimento histórico: ―Qualquer ‗metadiscurso‘ ou tentativa de teorizar o mundo completo ou a sociedade global tornou-se
impossível devido ao colapso irremediável das crenças nos valores de qualquer tipo
e numa hierarquização deles que seja válida universalmente‖. (CARDOSO,1996,
p.6). Tem-se apontado como uma crise de valores intra-modernos e da práxis de
seus estatutos. Alguns intelectuais têm justificado tal crise como um desvio dos
acontecimentos históricos e falta de credibilidade nas ideologias modernas, como
por exemplo, o Marxismo e Positivismo. Outros alimentam a tese da ilusão das
correntes ideológicas, das utopias e até mesmo do ―fim‖ da própria história. Esta
última ―boa nova‖ tem sido uma vertente no discurso da Pós-modernidade, que
proclama o fim da história com a aparente vitória do capitalismo globalizante,
apontado como o estágio ideal para a humanidade no Terceiro Milênio: ―Muita gente
do capitalismo é inecessário ou mesmo impossível. Assim, querem nos obrigar a
1
pensar dentro do capitalismo e limitar nossa ação a, no máximo tratar de melhorá-lo,
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hoje quer nos convencer de que com o capitalismo acabou a história e que um além
polindo as suas arestas mais duras para a vida social e individual.‖ (VELASCO
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,1991, p. 161). Curiosamente, quando a noção de sentido na história sofre os mais
duros ataques, uma corrente de pensamento alimentada na esteira dos
acontecimentos que culminaram com a queda do muro de Berlim, em 1989, projetase sobre o princípio teleológico da filosofia da história moderna. ―Fala-se hoje em dia
de estarmos ingressando numa época pós-moderna (...) em que não mais se creria
numa história que faça sentido e tenha duração, tratar-se-ia, antes de um período
em que as teorias globais de qualquer tipo seriam impossíveis ou perderiam
credibilidade mobilizadora‖. (CARDOSO, 1996, p. 7). No século XX produziu-se na
França o movimento dos ―Annales‖, com a proposta de uma ―nova história‖,
despreocupada com causas finais e essencialmente fascinada pelo brilho dos
temas, métodos e objetos de análise. Este grupo de historiadores tem se
caracterizado com raras exceções, pela heterogeneidade presente desde os
primórdios e por pragmatismo metodológico que os une. Por outro lado, o quadro de
uma sociedade ―pós-moderna‖ os diferencia, instalando-se uma profunda crise da
razão: ―No momento em que o vento da história soprava para construir uma
sociedade nova os pensadores buscavam o sentido do futuro humano e inscreviam
o presente na lógica racional. De Kant a Marx, sem esquecer Hegel, temos a
compreensão dos fundamentos das batalhas em curso pela liberdade. Ao contrário,
quando as resistências às mudanças triunfam, no momento em que as esperanças
são frustradas, em que a desilusão se enraíza, assiste-se a recusa da racionalização
global do real (...) a história perde, então, todo o sentido, fragmenta-se em múltiplos
segmentos‖. (DOSSE, 1994, p. 8). Diante do impasse a respeito das discussões
sobre uma eventual crise de modelos explicativos, de uma possível fragmentação do
conhecimento histórico, já denunciada por Dosse, o pensamento latino-americano
encontra-se talvez, neste início de milênio, em uma situação de menor tensão para
encontrar sua racionalidade, esta será a hipótese central dessa investigação
filosofias
da
história
apresentam
em
seus
fundamentos
teóricos
e
metodológicos, portanto sua natureza particular, regional que exclui a história as
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tais
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científica. A questão que se coloca é de outra natureza. A visão eurocêntrica que
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maiorias da população do planeta. O retorno à consciência das maiorias de seu
inconsciente histórico excluído se coloca como uma exigência ética e um dos
maiores desafios proposto aos profissionais da história após a queda do muro de
Berlim em plena ‖Era da Globalização‖. Entre tantos intelectuais que se opõem ao
Eurocentrismo situados na periferia do Sistema-Mundo destaca-se a figura de
Enrique Dussel. Este pensador critica a visão eurocêntrica da história mundial.
Dussel defende a tese que o fenômeno da modernidade tem sido um discurso
europeu, portanto, possui uma conotação geopolítica de centro da história universal.
Em sua obra ‖Ética da Libertação‖, na idade da globalização e da exclusão (2002, p.
77) critica a periodização ideológica da história em antiga, medieval e moderna que
segundo ele é ingenuamente de origem helenocêntrica e eurocêntrica. Tomando
como exemplo a historia das ideias filosóficas, Dussel afirma categoricamente a
necessidade desta disciplina e das academias que se ocupam dela, se libertarem da
função meramente interpretativa de textos filosóficos provenientes do centro do
Sistema-Mundo: ―Até o presente, a comunidade hegemônica filosófica (européia,
norte-americana) não outorgou nenhum reconhecimento aos discursos filosóficos
dos mundos que hoje se situam na periferia do Sistema-Mundo‖ (DUSSEL, 2002, p.
77). Dentro desta ótica, um dos maiores desafios da historiografia contemporânea é
o de incluir o maior número possível das populações mundiais dos países que
compõem a periferia do Sistema-Mundo e dar-lhes por questão ética, prioridade na
comunidade real de comunicação. O que implica, afinal de contas a comunicação de
histórias que não sejam transcrições do passado eurocêntrico? Dussel, em seus
escritos aponta e sugere classificações, categorias, conceitos e método de análise
que poderão ser aplicados à investigação do passado sobre as distintas culturas
mundiais. Portanto, o autor propõe o paradigma da Trans-Modernidade, isto é, um
projeto que consiste em estudar as culturas mundiais em sua alteridade, além da
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investigação da história com ênfase na questão da geopolítica em âmbito planetário.
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visão européia. Portanto, a presente pesquisa visa contribuir no avanço da
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Referências
CARDOSO, C.F. No limiar do Século XXI. In: Revista Tempo. Rio de Janeiro: Vol.1
N. 2, 1996.
DOSSE, F. A história em migalhas. Dos Annales à nova história. Campinas: Ensaio,
1994
DUSSEL, E. Ética da libertação. Na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis,
Vozes, 2002.
VELASCO, S. L. Reflexões sobre a Filosofia da Libertação. Campo Grande: CEFIL,
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1991.
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NARRATIVA E IDENTIDADE EM PAUL RICOEUR
Ruth Rieth Leonhardt
DEFIL – UNICENTRO/PR
Palavras-chave: Ricoeur, Narrativa, identidade
Investiga-se a identidade narrativa inclusa entre as habilidades do homem capaz
com o objetivo de determinar a relação que, em Paul Ricoeur, existe entre a
identidade pessoal e a narrativa de uma vida.
O homem é um ser condicionado pelo espaço-tempo em que se situa e pelas
influências dos relacionamentos que firma. A valoração de um ato pressupõe a
ascrição, ou seja, a atribuição do ato a alguém determinado pois, sem agente, a
ação é destituída de significado. Releva, assim, a necessidade de conhecer o autor
do ato. O processo de identificação e reconhecimento, entretanto, não é ponto
pacífico porque sobre ele convergem fatores intervenientes que provocam
impedimentos na identidade pessoal. A simples enunciação do nome não é
suficiente. Há que se encontrar um traço estrutural distintivo de permanência que
suporte mudanças e transformações.
Em Temps et récit encontra-se a questão narrativa relacionada ao problema do
tempo. A investigação da identidade pessoal, metodicamente desenvolvida em O si
mesmo como um outro, parte dos diversos significados da palavra mesmo. Este é
um conceito de relações entre realidades objetivas.
absoluta, igualdade plena e irrestrita; simultaneidade, concomitância temporal;
1
similitude, parecença, analogia; igualdade quantitativa dessa forma sugerindo
Página
Perquirindo o termo mesmo, Paul Ricoeur encontra nele os sentidos de: identidade
ambigüidades. Para saná-las, busca nas expressões latinas idem e ipse os
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referenciais que servem para esclarecer o problema da identidade da pessoa que
por um lado é sempre a mesma do nascimento até a morte e por outro, mostra-se
diferente com o passar do tempo, seja no aspecto físico seja nos modos de ser.
Transposta a questão para a identidade pessoal, entende que no sujeito convergem
a mesmidade idem em que há o entendimento de ser alguém sempre o mesmo,
idêntico e a ipseidade, que emprega a dialética do si mesmo que se descobre outro
no movimento do tempo e nas agregações configurantes. A mesmidade é a
identidade objetivamente considerada e a ipseidade a compreensão subjetiva de
permanência, da existência de disposições estáveis que servem de apoio às
mudanças tal como é o caráter. Assim é possível afirmar que alguém pode ser
reconhecido a mesma pessoa ao longo de toda sua vida.
A narração é uma das formas primeiras de comunicação entre os homens
transmitindo saberes, tradições e normas e tem implícitos a existência de um
narrador, um destinatário e uma ação. Aristóteles, na Poética, quando trata da
tragédia diz que o enredo introduz concordância entre fatos, eventos díspares,
dando-lhes forma, configuração única e delimitando-os entre começo e fim. Toda a
narração tem como função mimetizar a ação relatada. Entende-se por ação fatos,
acontecimentos passíveis de serem narrados. Personagem é quem faz a ação. Para
Ricoeur, na narração os fatos acontecidos, os personagens da história adquirem
distinção própria e são sempre, outra vez, reconhecidos porque no enredo, ou seja,
nos fatos que compõem as ações, são entretecidos em unidade temporal a história
do personagem e os elementos aleatórios, imprevisíveis, fortuitos que a ela aderem.
Tem-se, então, conjugados no personagem a concordância da unicidade de uma
vida singular que dá unidade à história narrada e a discordância dos eventos.
A vida da pessoa, reunida e guardada na memória pode ser contada pelo
personagem tem a iniciativa e o poder de determinar o começo e o fim dos
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acontecimentos relatados refigurando-os, diferentemente da pessoa, cuja vida é
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personagem que constrói então sua identidade narrativa. Importante ressaltar que o
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objeto do relato, que não conhece os fatos sobre sua concepção e nascimento que
dizem respeito a outras vidas que não a própria e aos referentes à sua morte que só
os que sobreviverem a ela poderão descrever.
A narração de vida pode misturar experiências vividas e fabulização da história
constituindo-se assim em história fictícia ou ficção histórica de acordo com o que é
escolhido para ser traduzido no enredo.
Na narração são ressaltados os conteúdos éticos das ações por meio de
julgamentos e avaliações. Em Ricoeur a narrativa assume, então, o papel mediador
entre o momento descritivo e o prescritivo em que a identificação da pessoa se torna
fator fundamental. A narratividade é, pois, uma introdução, uma propedêutica à
ética.
Portanto, pode-se afirmar que mesmo se uma narrativa de vida não guarda
fidelidade histórica aos fatos narrados, é fiel à identidade pessoal na identidade
narrativa do personagem. Na unidade de uma vida, totalidade temporal e singular
mostrada na identidade do personagem emerge a identidade pessoal dialeticamente
estruturada entre a permanência no tempo e a mudança, entre a mesmidade e a
ipseidade, entre o si mesmo como outro.
Bibliografia
HAHN, E. L. A filosofia de Paul Ricoeur. Lisboa: Piaget, [1997].
RICOEUR, Paul. O si mesmo com um outro. Campinas: Papirus, 1991.
_____ . A metáfora viva. São Paulo: Loyola, 2000.
_____ . Da metafísica à moral. Lisboa: Piaget [1997].
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Página
_____. Tempo e narrativa II. Campinas: Papirus, 1995.
3
_____ . Temps et récit vol. I L‘ intrigue et Ie récit historique. Paris: Du Seuil, [2006].
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_____. Anthologie. Textes choisis et presentes par Michael Foessel et Fabian
Página
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Lamouche. Paris: Seuil, 2007.
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A REFUTAÇÃO KANTIANA DO IDEALISMO
Adriel José Machado
3º Filosofia, UNICENTRO/PR,
Pesquisador: ICV/UNICENTRO
Orientador: Manuel Moreira da Silva
[email protected]
Palavras-chave: Kant, Descartes, eu, consciência, idealismo.
Trata-se de um estudo em torno da Refutação kantiana do Idealismo ―material‖ ou
empírico de René Descartes, o qual, na Crítica da Razão Pura de 1787, é definido
como ―a teoria que considera a existência dos objetos fora de nós‖ enquanto
―simplesmente duvidosa e indemonstrável‖ (KrV, B 274). Segundo tal idealismo,
tenho de considerar como falso tudo que é incerto, o que é justamente o caso da
existência dos objetos no espaço fora de mim; contudo, mesmo que eu considere
que não há mundo algum e nada corpóreo, não posso duvidar de minha própria
existência – pois, ao duvidar, é necessário que eu seja alguma coisa (Meditações, I,
§§3-12). Assim, o enunciado ―eu penso, logo sou‖ (ego cogito, ergo sum) aparece
como prova da minha própria existência e definição da substância do eu como coisa
pensante (res cogitans); pois, toda vez que eu penso, tenho consciência da minha
existência, e, se o ato do pensamento é a única condição para a existência, então
ele é a substância deste ser que pensa. Todos os pensamentos envolvem ideias,
que são manifestações, atos do pensamento e representações de objetos externos;
tais representações pressupõem a existência dos objetos externos, mas não provam
causas das representações podem ser outras representações ou o próprio sujeito.
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Logo, a existência das coisas externas é duvidosa e indemonstrável ao nível das
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por si sós a necessidade da existência desses objetos fora do pensamento, pois as
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representações, ao passo que a existência do eu é indubitável e demonstrada pelo
cogito
(Med.,
II,
§§7-9).
Para
refutar
essa
teoria
é
necessário
provar
indiscutivelmente a existência real e objetiva (a realidade atual para usar um temo
cartesiano) das coisas externas. Este será o intento de Kant: demonstrar que ―temos
também experiência e não apenas imaginação das coisas exteriores‖, a partir da
tese de que ―a nossa experiência interna, indubitável para Descartes, só é possível
mediante o pressuposto da experiência externa‖ (KrV, B 275).
O ponto de partida da prova é o argumento da consciência de minha existência
temporal. Quer dizer, sou consciente de que existo no tempo. As minhas próprias
representações me dizem isto ao passo que são instáveis, isto é, são sucessivas
mudanças de estados da minha consciência. Logo as representações são mutáveis
e temporais. Mas só posso determinar o que é temporal com base numa sucessão
de mudanças com referência a algo permanente. Ou como Kant diz na Observação
2: ―só podemos perceber toda a determinação de tempo pela mudança nas relações
externas (o movimento) com referência ao que é permanente no espaço‖ (KrV, B
277). Isto significa que só podemos determinar que algo muda (que é temporal)
relacionando-o com uma sucessão de diferentes estados deste algo com referência
a algo permanente. Qual é então este permanente necessário para a determinação
da minha existência no tempo? Temos três possibilidades: (1) o permanente é
representação; (2) o permanente é um objeto externo; (3) eu sou este permanente.
Quanto à primeira opção é evidente que o permanente não pode ser mais uma
representação, pois seria também mutável e a posteriori, mas é necessário que seja
algo distinto da representação como algo anterior que a sustente. Porém, se o
permanente é um objeto externo, posso eu representá-lo sob a condição de algo
permanente, externo e independente de mim, o que faz com que o permanente
distinto delas, aquele que representa o que é representado. Além disso, permaneço
o mesmo apesar das mudanças que ocorrem em mim. Não obstante, se percebo tal
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próprio sou este permanente. Afinal, enquanto sujeito das representações sou algo
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nunca saia do nível da representação. Estas objeções nos permitem inferir que eu
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movimento é necessário que eu seja algo permanente, que resiste durante a
sucessão das representações. Mas Kant não aceita que o permanente seja eu nem
representação, até porque não refutaria Descartes, mas concordaria com ele e
apenas reformularia seu idealismo. Para Kant, ―este permanente não pode ser algo
em mim‖ e ―a percepção deste permanente só é possível através de uma coisa
exterior a mim e não pela mera representação de uma coisa exterior a mim‖ (KrV, B
275). Isto porque uma vez que existo no tempo não posso ser a minha própria causa
enquanto ser finito. Também não pode ser algo em mim (representação), ao passo
que deve ser a priori. Até aqui Kant não dá conta de refutar o idealismo, pois o
problema do permanente permanece irresolvido. Mas Kant apresenta um segundo
argumento que é o da distinção entre experiência e imaginação.
Na nota da Observação 1 Kant declara que a questão do idealismo é a de
considerar que há apenas um sentido interno e nenhum externo; isto significa dizer
que todas as coisas externas não passam de imaginação. Mas o ponto é que
―mesmo para imaginarmos algo como externo é necessário que já tenhamos um
sentido externo‖, isto porque a imaginação é apenas ―reprodução de antigas
percepções externas‖ (KrV, B 278). Ou seja, só podemos imaginar algo com base
em objetos externos já percebidos anteriormente pelos sentidos externos. E de certa
forma concorda Descartes quando diz que ―as coisas que nos são representadas no
sono são como quadros e pinturas, que só podem ser formados à semelhança de
algo real e verdadeiro‖ e que os pintores mesmo quando pintam seres fictícios, ―não
lhes podem, todavia, atribuir formas e naturezas inteiramente novas‖ (Med., I, §6).
Depois deste argumento Kant acredita ter provado que ―a experiência interna em
geral só é possível mediante a experiência externa em geral‖ (KrV, B 278 - B 279).
Isto é, todas as representações têm como causas primeiras necessariamente
Ao analisar a refutação kantiana do idealismo, pode-se dizer que a mesma não
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alcança seu objetivo e não oferece uma ruptura definitiva com Descartes, no máximo
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objetos externos permanentes, dos quais derivam direta ou indiretamente.
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o faz objeção. O primeiro argumento de que a consciência de uma relação entre
nossa consciência empírica e coisas que persistem fora de nós não é suficiente para
provar a real existência das coisas externas. Mesmo que eu perceba a minha
existência com referência à existência de objetos externos, estes podem apenas ser
representados nessa condição, então o permanente não sai do nível da
representação. Quanto ao segundo argumento, a impossibilidade de representar
algo totalmente novo demonstra que a faculdade da imaginação (a capacidade de
produzir idéias fictícias) depende de representações de objetos da experiência, o
que também não prova a existência de objetos externos, mas continua apenas os
pressupondo, e apenas formula o problema das causas das ‗primeiras‘
representações, que não poderia ser o sujeito, mas também não requer a
necessidade de que sejam os objetos das representações em sua realidade externa
ao pensamento.
Referências
DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. Tradução de Maria Galvão e Homero
Santiago. São Paulo : Martins Fontes, 2000.
_______. Oeuvres Philosophiques. Tome II (1638-1642). Édition de Ferdinand
Alquié. Garnier, Paris, 1992.
KANT, Immanuel. Critica da razão pura. 5 ed. Tradução de Manuela P. dos Santos e
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Alexandre F. Morujão. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001.
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O HOMEM EM ROUSSEAU: EDUCAÇÃO POLÍTICA
Roberto Valim de Almeida
4° Filosofia – UNICENTRO/PR
Orientador: Darlan Faccin Weide
[email protected]
Trata-se de uma pesquisa bibliografia de cunho pedagógico educacional baseandose no filósofo iluminista Jean Jaques Rousseau. Com esse assunto, quer-se
entender até que ponto o projeto educacional proposto pelo filósofo contribui para o
bom convívio do cidadão dentro da sociedade, para que os membros sejam felizes e
não se maltratem prejudicando-se mutuamente e nem o meio no qual vivem. Então
Rousseau, filósofo suíço propõe um modo de educar, a saber: o modo natural. Em
que consiste tal teoria? Para ele, a natureza é a melhor forma de educar, ela forma
tudo em seu devido tempo e momento e como tal existe perfeição natural no objeto
formado, no entanto, surge o homem que a modifica totalmente, aliás, esse modifica
totalmente esse meio natural, pois quando o homem age na sociedade ele a
transforma, interrompe o processo natural e de certo modo tal mudança nem sempre
é para o bem da espécie.
Então, com esse acontecimento o filósofo denomina de segundo nascimento, ou
seja, nasce para o convívio social, para o relacionamento entre os demais, com isso
o autor percebe a necessidade da evolução, do crescimento, visto que viver no
estado ideal é bom, é o melhor, no entanto tal modo deixa o homem um tanto quanto
alienado, abandonado as leis da própria natureza, e essa necessariamente elimina
os mais fracos.
o mais desfigurado de todos os seres, pois há a necessidade do cuidado dos recém
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nascidos, por exemplo, devido o homem nascer desprovido de tudo, faltando o
Página
Portanto, há que cuidar da espécie, pois um homem abandonado se colocaria como
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básico para a manutenção da vida. Com isso, precisa ensinar o homem sabe usar
corretamente o que herdou naturalmente, e consequentemente educá-lo em virtude
da corrupção humana manchar a pureza natural, do desenvolvimento causar um
cidadão descomprometido com os outros membros e assim viverem praticando o
mal, prejudicando-se mutuamente.
Por isso, o filósofo propõe um modelo educacional baseado no estado natural é o
famoso ―bom selvagem‖, pois para ele o homem nasce livre, é livre e o meio no qual
vive é que o corrompe, o deixa corrupto, ignorante e arrogante. Seu projeto
pedagógico educacional propõe que a natureza é a melhor estratégia para educá-lo,
daí a pergunta do próprio autor, para formar esse homem ideal, raro, que deve ser
feito? Com certeza muita coisa, é a sua resposta, porém a principal é impedir que a
ação humana nada faça, essa somente faria um cidadão corrupto com sua moral
voltada para satisfazer as necessidades supérfluas do homem, sendo essas
motivadas pelas artes e pelas letras.
Para que isso aconteça não precisa fazer muita coisa, basta deixar que a natureza
siga seu curso normal, isto é, a formação do homem político deve impedir que a vida
em sociedade contamine o homem puro, bom, livre e feliz. Tal educação é política
em Rousseau porque está conectada com a vida, e a política por analisar o
comportamento e as relações do modo de vida dos homens, a convivência, a plena
liberdade humana para fazer aquilo que bem quiser deve ser instruída para que esse
homem atue sem prejudicar os demais. Isso justifica a educação pedagógica política
no pensamento de Rousseau.
Porém, o homem carrega um paradoxo em suas ações, o da mudança do estado
natural para o estado social, por isso há que haver um equilíbrio ou deve haver,
entre o estado natural e o social e essa acontece com a política, com a pedagogia
educacional em que o homem ético se preocupa em não agredir, a violar as leis
vasto e âmbito material de cunho político, porem é possível entendê-lo por um víeis
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As pesquisas realizadas por diversos estudiosos que vê na obra de Rousseau um
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naturais e as artificiais que deve favorecer a comunidade como um todo.
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educacional cuja preocupação é melhor formar o cidadão, tentando superar os
paradoxos e as contradições existentes no pensamento nas interpretações que se
tem atualmente acerca desse intelectual iluminista. Seu raciocínio é importante por
que o modelo educacional rousseauniano oferecido sem grande pretensão a uma
mãe para educar seu filho, cuja proposta é clara acerca da formação do homem:
impedir que o meio na qual ele vive seja afetado por más inclinações.
Com a falta de uma educação adequada o homem fica desorientado e aceita que
qualquer um o domine e impõe suas, leis, normas, assim subjuga-o. Por isso a
necessidade de educá-lo para exercer sua liberdade e cidadania, sendo essas
perdidas pelo homem quando aceitou a superioridade do outro, quando se
convenceu de que o outro era mais forte, portanto um tinha o poder de mandar, de
dominar estabelecendo uma relação desigual e o outro por aceitar que seu
adversário era mais forte deixou-se ser dominado e manipulado ao ponto da
corrupção instruir um ser cujas desgraças estão lhe afetando e a infelicidade é
grande.
Portanto, quando o homem perde a liberdade a desigualdade passa do estado
natural em que visa somente à sobrevivência e passa para o estado social cujo mais
importante agora e se destacar em relação aos demais. E os homens vivendo nesse
estado livremente, se expondo, querendo ser uns melhores que os outros geram
conflitos e uma desordem, daí eles precisam abdicar alguns de seus direitos para
não atingir à vontade, a vontade geral que é reguladora, tal conceito é elaboração da
proposta educacional em Rousseau, cuja vontade geral garantiria o bem social, a
ordem social sem que haja prejuízo ou perca para nenhuma parte da sociedade.
Então a saída é aderir a um contrato ideado pelo próprio homem de respeito a todas
as coisas em comum, isso seria um acordo de respeito mutuo, é o que se dá com o
pacto social, abdicar de sua vontade individual para que uma vontade geral garanta
seja livre não pode ser denominado de homem, quando se diz que um ser é homem
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essa é uma condição primordial no pensamento do autor, pois um homem que não
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a liberdade humana bem como o bom relacionamento entre os envolvidos, alias
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a liberdade é o fator determinante nessa caracterização, isso só é possível quando
seu projeto educacional se coloca a serviço da comunidade e o resultado disso seria
uma comunidade cuja felicidade estaria em todos e esses sentiriam prazer em fazer
o bem, em respeitar a lei.
Referências
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social..
__________Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os
homens.
__________Discurso sobre as ciências e as artes. Tradução de Lourdes Santos
Machado: São Paulo. Abril Cultural (Os Pensadores), 1973.
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_______Emílio ou da Educação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
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LIBERDADE EM PLATÃO
Leandro A. Xitiuk Wesan
3º Filosofia, UNICENTRO/PR,
Pesquisador: PAIC/UNICENTRO
Orientador: Manuel Moreira da Silva
[email protected]
Palavras-chave: Platão; Liberdade; Cuidado de Si; Conhecimento de Si.
Trata-se de um estudo sobre a questão da liberdade em Platão, enquanto esta se
mostra emergente da problemática fundamental do conhecimento e cuidado de si. A
questão da liberdade está presente em vários diálogos de Platão, todavia, a análise
limita-se ao diálogo O Primeiro Alcibíades. A Filosofia tem por princípio o problema
do si e é com o momento socrático-platônico, e em particular no texto Alcibíades,
que verificamos a emergência do problema do autoconhecimento na reflexão
filosófica. Em Platão a problemática fundamenta-se no preceito do templo de Apolo,
a inscrição délfica conhece-te a ti mesmo (gnôthi seautón). A tentativa de desvendar
o significado da proposição Délfica implica na especulação do que é o Homem, na
medida em que este especula sobre o conteúdo de tal imperativo, indagando-se
sobre o Si que deve conhecer e ocupar-se. Os resultados de tal especulação
culminam, segundo o desenvolvimento do diálogo, à emergência da questão da
liberdade, que surge como mandamento necessário àquele que busca governar-se a
si mesmo e participar do governo da cidade.
elucidadas. O diálogo inicia com Sócrates fazendo Alcibíades notar que dentre seus
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amantes ele é o único que nunca o abordou, resolvendo-se por isso apenas naquele
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Examinar-se-á o texto para, concomitantemente, ver surgirem as questões acima
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momento. Tal abordagem ocorre devido a pretensão de Alcibíades de participar do
governo da cidade, que leva Sócrates a lhe propor a seguinte questão: se Alcibíades
tivesse que escolher, por determinação divina, continuar vivo com o que
presentemente possui, ou morrer caso não pudesse aumentar seu cabedal? Por
certo que Alcibíades escolheria a morte (OPA, 105a). Ora, se Alcibíades possui tal
ambição e pretende dedicar-se ao governo da cidade, por certo que terá que
enfrentar os inimigos que suas ambições lhe irão opor, ou seja, terá de enfrentar os
inimigos da cidade para que possa conquistar o vasto cabedal a qual ambiciona.
Assim passa-se ao exame das capacidades de Alcibíades e de seus inimigos, a fim
de verificar se Alcibíades tem condições de sobrepujar seus inimigos e levar à termo
suas ambições. Alcibíades possui riqueza, descendência, no sentido de possuir os
deuses como guardiões, e educação inferior à de seus inimigos (OPA, 120e124b).Esta é a introdução à reflexão do conhecimento de Si no diálogo. Após
determinado que Alcibíades não possui capacidade suficiente para cumprir com sua
ambição e bem governar a cidade, Sócrates o adverte usando a inscrição Délfica
―conhece-te a ti mesmo‖, buscando fazer com que Alcibíades conheça sua limitação
e incapacidade, e que reconheça que só será possível alcançar seus objetivos se
ele se dedicar ao conhecimento, pois apenas pela indústria e pelo saber lhe será
possível sobrepujar seus inimigos (OPA, 124b). Então o primeiro sentido atribuído à
reflexão do conhecimento de Si é o do retorno a si mesmo a fim de realizar uma
análise crítica para conseguir conhecer a situação real a que se encontra, ou seja,
quais são suas limitações e capacidades.
Verificou-se que a reflexão do conhecimento de Si emerge da necessidade de
conhecer a Si mesmo para ficar ciente de suas limitações e capacidades para
superá-las. Ora, é necessário que Alcibíades ocupe-se consigo mesmo para deixar a
condição serviu e consiga levar à termo sua ambição. Todavia, desta reflexão surge
buscar o conhecimento de Si, todavia, ela não determina o que seja este Si. Ora, se
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qual devemos conhecer e ocupar-nos? A inscrição Délfica manda que se deve
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o segundo momento da questão do Si, que é, justamente, a pergunta qual é o Si ao
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não sabemos qual é o Si que devemos conhecer e nos ocupar, podemos correr o
risco de nos dedicarmos a algo adverso à própria essência deste Si. Nesta
perspectiva, surge a questão do que é o homem? Identificando o homem com o Si
da questão. Na investigação sobre a natureza do homem, levantam-se três
hipóteses: o homem pode ser, corpo, alma ou a união ente eles (OPA, 130 a). É
refutada a primeira e a terceira hipótese, sendo admitida a segunda como a hipótese
correta, de modo que o homem, o Si da questão, é alma (OPA, 130c).
Dos momentos da problemática do Si, surge a questão da Liberdade como sendo
um mandamento necessário ao governante, que para libertar-se é necessário
dedicar-se ao conhecimento e ao cuidado de Si. A questão da Liberdade, tal como
no primeiro momento da problemática do Si, se mostra como sendo a superação das
suas limitações, para que a alma, tal como o segundo momento da problemática do
Si, possa passar ao nível do governo, resultado alcançado somente no final do
diálogo, e libertar-se das condições servis (OPA, 135b - 135e).
Referências
PLATÃO. Fedro, Cartas; O Primeiro Alcibíades. Tradução de Carlos Alberto Nunes.
Belém: UFPA, 1975.
PLATON. Oeuvres complètes. Traduction nouvelle et notes par Léon Robin. Paris:
Pléiade, 1950. (2 vols).
PLATON. Alcibiade. Texte établi et traduit par Léon Robin. 4. Ed. Paris: Belles
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Letres, 1949.
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SOCIEDADE E O PROBLEMA DA REFLEXÃO MORAL EM HUME
Ricardo Zolinger Zanin
4° Filosofia – UNICENTRO/PR
Orientador: Marciano Adílio Spica
[email protected]
Palavras-chave: Hume; Sociedade; Moral.
Hume propõe uma ciência do homem e sua perspectiva metodológica pretende
descrever a capacidade do ser humano de desenvolver crenças empíricas sobre o
comportamento dos objetos exteriores e julgamentos morais do caráter de outros
homens. Nessa ciência ele defende a primazia dos fatos experimentalmente
constatados sobre o pensamento e as emoções, isto é, a dimensão social do
homem. Sua abordagem é uma recusa da natureza humana dita como
―racionalidade‖ puramente conjectural – impressões e idéias não são propriedades
de um ―eu‖ que serve de substrato para essas idéias, mas seu arranjo constitui esse
―eu‖ -, assim, ao tratar do problema moral, Hume procede de forma imanente: a
aquisição de julgamentos e avaliações morais pelo homem não se refere a um
padrão transcendente do que é bom ou mau, mas deriva integralmente dos
sentimentos de aprovação ou desaprovação diante de certas ações, ―virtudes‖ e
―vícios‖, e das conseqüências práticas dessas avaliações para a sociedade.
Nesse sentido Hume é um sociólogo e sua obra mostrará que as duas formas sob
entendimento vai se encarregar apenas de tornar sociável as ―paixões‖; tornar social
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um interesse egoísta. A base da moral está na própria sociedade que reclama de
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as quais a mente é afetada são, totalmente, o emocional e o social. Mesmo o
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seus membros o exercício de reações constantes diante desses interesses que
levam à ação individual. Por outro lado, concebe a sociedade como meio indireto
para satisfação dos mesmos. Seu questionamento vai atacar padrões metafísicos
para a moral e até mesmo os limites da razão científica. Mas, é claro, não ter
padrões absolutos não quer dizer não ter padrão algum. Ele pensava que agir
moralmente sem modelos metafísicos é uma demanda da própria vida em
sociedade: o que é bom para as pessoas individualmente é, por definição, pessoal e
nenhuma generalização moral pode ser baseada nisso. Mas quando se fala em
―virtudes‖ e ―vícios‖, quando há deliberação moral, então fala-se nos valores em
comum de uma sociedade; ―virtudes‖ e ―vícios‖ podem ser generalizados. Certos
comportamentos (coragem, honestidade, etc.) são úteis ou agradáveis e uma regra
social deriva assim do sentimento do que é bom para o todo e não da razão; sem
inferência a ser feita, sem aplicação necessária, sem regra absoluta. Na prática da
moral o difícil é desviar a parcialidade egoísta.
Ninguém tem as mesmas simpatias que outra pessoa, há pluralidade de interesses e
assim violência. É essa a parte da natureza e a simpatia é como o egoísmo, então,
que importância tem a observação segundo a qual o homem não é egoísta mas
solidário? O que muda é a perspectiva e o sentido de uma sociedade considerada a
partir do egoísmo ou da simpatia. Com efeito, o egoísmo teria que se limitar, ser
negado; com a simpatia há uma integração positiva. O que Hume critica nas teorias
do contrato é que elas apresentam uma imagem abstrata e falsa da sociedade,
definida de maneira negativa: limitação de egoísmo e interesses, em vez de um
empreendimento coletivo e inventado pela deliberação moral. O que se encontra na
natureza são famílias, assim o estado de natureza é distinto de egoísmo. Isso quer
dizer que o mundo social não se reduz a um instinto moral originário; o mundo moral
afirma sua realidade quando o egoísmo se dissipa e o contato é possível e substitui
naturalmente, mas, por si mesmos, são impotentes para constituir um mundo social.
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não natural, mas artificial. Todos os elementos da moralidade (simpatias) são dados
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a violência pela estima às instituições e há a instauração de um sistema invariável,
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Por ser artificial, as relações morais se distinguem do interesse natural e particular,
no caso da propriedade tem-se o interesse de deixar o outro na posse de seus bens,
por exemplo, para que ele aja da mesma maneira. Nesse caso, a convenção de
propriedade é o artifício pelo qual a ação de cada um se relaciona com a dos outros.
A sociedade é um conjunto de convenções fundadas na utilidade e não em
obrigações de um contrato. Socialmente, então, a lei não vem primeiro mas supõe
uma instituição que ela limita e caracteriza. Por exemplo, o estudo da história revela
relações, motivo-ação no máximo de circunstâncias historicamente dadas e mostra a
uniformidade das paixões humanas; são os nexos entre necessidades (paixões) e
instituições (sociedade com um meio de realizá-las). Por isso Hume pode afirmar
que o direito é estabelecido por interesse coletivo.
Concluindo, o essencial para Hume é estabelecer um todo da moralidade e ter a
justiça como instituição e a instituição como princípio da sociedade e sistema geral
de realização de interesses. A obra do pensador escocês é um elogio à capacidade
do homem de ser solidário, de sentir compaixão.
Referências bibliográficas
HUME, David. Tratado da natureza humana. São Paulo: Unesp, 2009.
HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os
princípios da moral. São Paulo: Unesp, 2004.
DELEUZE, Gilles. Empirismo e subjetividade. São Paulo: Editora 34, 2001.
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de Janeiro: Relume Dumará, 1999.
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RORTY, Richard. Ensaios sobre Heidegger e outros: Escritos Filosóficos II. Rio
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DISCUSSÃO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES A PARTIR DA OBRA ÉDIPO REI
DE SÓFOCLES
Julio Cezar de Lima
UNICENTRO/PR
Orientador: Ernesto Maria Giusti
[email protected]
Palavras-chave: Poética, Tragédia, Peripécia, Reconhecimento, Catarse.
Este resumo tem como objetivo analisar a obra Édipo Rei, escrita por Sófocles, a
partir dos conceitos que delineiam uma peça trágica no Livro Poética de Aristóteles.
Segundo a poética de Aristóteles, que é toda produção artística, a tragédia, gênero
literário de que se trata a peça de Sófocles, consiste na imitação de ações de caráter
elevado com linguagem nobre, cuja finalidade é despertar o sentimento de piedade e
terror. Outros elementos importantes que serão analisados no contexto da peça são:
a peripécia, ―alteração das ações‖ (ARISTÓTELES, 1999, p. 49), isto é, uma ação
inesperada que muda o rumo da ação futura; o reconhecimento, passagem do
desconhecido ao conhecido; a catarse, que significa neste caso, purificação: ocorre
quando é despertado o sentimento de horror e piedade; a fábula, por sua vez é o
conjunto de ações organizadas. Para começar é fundamental entender que a peça é
divida em duas partes: a primeira é o enredo, que trata do início da
desfecho, que se dá no término do reconhecimento e no início da catástrofe. Logo
no início da história percebemos as nobres qualidades do caráter de Édipo pelas
maldição cairia sobre ele, caso ele fosse o criminoso. A tragédia se dá na imitação
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como aquela na qual Édipo, após ter amaldiçoado o assassino, declara que a
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suas atitudes, estas qualidades se expressam através de ações também nobres;
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das ações de homens superiores que caem no infortúnio, não por depravação ou
vildade, mas por um erro, que no caso de nosso personagem, acontece pelo incesto
e pelo assassinato do pai, realizado de forma involuntária. A partir do conselho de
Creonte, o rei manda chamar o adivinho Tirésias que, inicialmente, se nega a dizer
quem é o assassino, no entanto, termina a discussão revelando que Édipo não é
somente o autor do homicídio, mas também culpado por profanar o leito de seu pai,
pois casara-se com a própria mãe. Neste momento da peça observamos claramente
a realização do que Aristóteles chama de peripécia, o inesperado acontece de uma
forma surpreendente, porém, ainda não é o momento do reconhecimento. A rainha
Jocasta, tomando conhecimento do infortúnio entre Tirésias e Édipo, e que este
acusava a Creonte de traição, pede para se acalmarem e conta que o filho que traria
a futura desgraça a Laio, já estaria morto e que Laio teria sido assassinado por
salteadores. Édipo, determinado a solucionar o problema manda chamar o único que
havia escapado com vida dentre aqueles que acompanharam o rei. Todas as
decisões tomadas por Édipo se desenvolvem de tal forma que tudo acabaria por
desembocar no reconhecimento de quem ele realmente era. Neste momento chega
um mensageiro de Corinto, declarando a morte de Pólibo e a escolha de Édipo como
rei. Segundo o pensamento aristotélico, aqui ocorre mais uma peripécia, pois se
Édipo é declarado rei em Corinto, naturalmente ele é filho de Pólibo e não de Laio,
sendo assim ele não é o assassino. Entretanto, o mensageiro com a intenção de
acalmar o rei conta a verdadeira história, e Édipo descobre não ser filho de Pólibo.
Jocasta, agindo como se soubesse de algo, sai de cena. O servo finalmente chega e
acaba declarando que ele teria, por compadecimento, salvo a vida de Édipo quando
este era ainda bebê, entregando-o para um pastor de ovelhas que era justamente o
mensageiro que ali estava. Neste instante tudo parece vir a tona, está acontecendo
o ponto culminante da tragédia. A inesperada (peripécia) história contada pelo
inexpugnável e por isso trágico destino. Os sentimentos de terror e pena são
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Aristóteles o reconhecimento se dá quando a personagem toma consciência do seu
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mensageiro e pelo servo levam Édipo ao reconhecimento. De acordo com
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inevitáveis, surgindo através da união desses dois sentimentos, o que, cabe
reafirmar, neste caso Aristóteles chama de catarse, ou seja, a purificação da
tragédia. Depois destas revelações vem a notícia de que Jocasta suicidou-se. Édipo
num ato desesperado fere os próprios olhos e suplica a Creonte que permita-lhe
tocar suas filhas pela última vez. Deste modo, conforme o pensamento de
Aristóteles, a peça trágica de Sófocles é vista em três momentos principais, os dois
primeiros constam das peripécias e do reconhecimento, e o terceiro, da catástrofe. A
peripécia e o reconhecimento acontecem de forma simultânea na obra quando o
servo revela a verdadeira identidade do herói. Após o reconhecimento vem a
catástrofe da peça onde Jocasta comete homicídio e Édipo fere os próprios olhos.
Nisso podemos perceber claramente o término do enredo e o começo do desfecho
da peça, o enredo se dá do inicio até o reconhecimento e o desfecho do término do
reconhecimento até o final da peça. A peça segundo o modelo aristotélico deve ter
uma extensão apropriada, nem muito longa nem muito curta, possibilitando uma
compreensão integrada da obra. O sentimento de terror e compaixão se tornam
presentes
através das peripécias e do reconhecimento, concebidos durante a
apresentação, como também da compreensão total que se tem da peça, e é a partir
da relação do caráter do herói com o infortúnio em que desembocou a peça que
acontece a catarse. A peça se inicia com o heroísmo de Édipo e termina com a sua
desgraça, caminho que uma peça trágica deveria percorrer, segundo os conceitos
usados nesta análise. A peça de Sófocles é considera por Aristóteles como
complexa, pois ela se desenvolve de uma forma que as mudanças ocorridas
acontecem através de peripécias e reconhecimentos. Em Édipo o reconhecimento
se inicia a partir dos acontecimentos que o antecedem, tornando assim a peça
surpreendente. Conclui-se que não é em vão que a peça Édipo Rei escrita por
Sófocles é tida como um clássico da tragédia grega, sendo ela impecável na
extrema importância, não modifica o mito, que é a matéria-prima da tragédia. O
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inesperadas até chegar ao reconhecimento, com personagens nobres e o que é de
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organização de suas ações, escrita de uma forma adornada, repleta de ações
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trabalho de Aristóteles em elaborar uma teoria sobre os elementos que uma peça
trágica deveria ter, é inédito na filosofia, pois anteriormente não havia uma
prescrição rigorosa em que uma peça desta natureza pudesse basear-se, nisto
reside então a importância do esforço filosófico que culminou no livro que hoje
conhecemos como a Poética de Aristóteles.
Referencias
ARISTÓTELES. Poética. (Os Pensadores) Trad. Baby Abrão; Editora Nova Cultura.
São Paulo - 1999
SÓFOCLES. Édipo Rei Trad. J. B. Mello e Souza; Editora Ediouro. Rio de Janeiro 2002
BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro Grego:Tragédia e Comédia 7º edição Editora
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Vozes. Rio de Janeiro - 1985
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CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CIÊNCIAS HUMANAS E A ANTROPOLOGIA
FILOSÓFICA EM HENRIQUE CLÁUDIO DE LIMA VAZ
Hugo José Rhoden
Ms. Filosofia – UNIOESTE
Palavras-chave: Lima Vaz, Ciências humanas, Antropologia filosófica
O problema epistemológico entre a filosofia e as outras ciências é uma discussão
atual e pertinente. Lima Vaz, na propedêutica de sua antropologia filosófica coloca a
questão: qual a relação da antropologia filosófica com as ciências do homem?
Trata-se da questão dos pressupostos epistemológicos da antropologia filosófica.
Esta relação se estabelece no plano dos problemas filosóficos que se apresentam
nas diversas ciências empírico-formais e hermenêuticas. Isto exige um exercício de
interdisciplinaridade, pois os objetos de muitas ciências não estão ainda definidos, e
a complexidade e a pluralidade desses discursos sobre o homem devem, de alguma
maneira, estar presentes no campo de visão da antropologia filosófica, enquanto
esta se entrega à tarefa de elaboração, no nível da conceptualização filosófica, da
ideia do homem.
Sendo assim, o presente estudo tem como objeto dois aspectos relevantes: a
relação da antropologia filosófica e as ciências humanas e os problemas filosóficos
das ciências do homem.
Com o advento das novas ciências, já nos fins do século XVIII, o estudo sobre o
homem passou a exigir novos métodos e critérios dentro do ambiente científico que
campo da antropologia filosófica. Segundo Lima Vaz, foi M. Scheler (1874-1928),
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Inicialmente esta nova situação e exigência de mudança provocam uma crise no
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despontava.
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considerado iniciador da Antropologia Filosófica no sentido dado na filosofia
contemporânea, que, entre outros, aprofundou o sentido desta questão (LIMA VAZ,
1991, p.10).
São duas as vertentes desta crise: a histórica e a metodológica. Do ponto de vista
histórico a dificuldade se encontra na sobreposição das diferentes imagens do
homem que se constituíram na cultura ocidental: o homem clássico, o homem cristão
e o homem moderno (LIMA VAZ, 1991, p.10). A crise na vertente metodológica
resulta de uma fragmentação nas diversas ciências do homem do próprio objeto da
antropologia filosófica.
Os dois pólos da natureza e da cultura influenciaram fortemente os conceitos com os
quais a antropologia filosófica procura explicar o que é o homem. E da antropologia
como discurso filosófico, sobre o homem, segundo Lima Vaz, exige-se três tarefas
fundamentais: a elaboração de uma ideia do homem que leve em conta, de um lado,
os problemas e temas presentes ao longo da tradição filosófica e, de outro, as
contribuições e perspectiva abertas pelas recentes ciências do homem; uma
justificação crítica dessa ideia, de sorte a que possa apresentar-se como
fundamento da unidade dos múltiplos aspectos do fenômeno humano implicados na
variedade das experiências com
que o homem se exprime a si mesmo, e
investigados pelas ciências do homem; uma sistematização filosófica dessa idéia do
homem tendo em vista a constituição de uma ontologia do ser humano capaz de
responder ao problema clássico da essência: O que é o homem? (LIMA VAZ, 1991,
p.10-11).
E aqui se coloca a questão: qual a relação da antropologia filosófica com as ciências
do homem? Esta relação se estabelece no plano dos problemas filosóficos que se
desdobram em múltiplas direções, esta se propõe encontrar o centro conceptual que
unifique as múltiplas linhas de explicação do fenômeno humano e no qual se
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Nesta relação da Antropologia Filosófica com as ciências sobre o homem que se
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apresentam nas diversas ciências empírico-formais e ciências hermenêuticas.
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inscrevem as categorias fundamentais que venham a constituir o discurso filosófico
sobre o ser do homem ou constituam a antropologia como ontologia (LIMA VAZ,
1991, p.11).
Três são os pólos epistemológicos fundamentais: a) pólo das formas simbólicas –
situado no horizonte das ciências da cultura; b) pólo do sujeito – situado no horizonte
das ciências do indivíduo e do agir individual, social e histórico; c) pólo da natureza situado no horizonte das ciências naturais do homem (LIMA VAZ, 1991, p.12).
A Antropologia filosófica, no seu esforço teórico de elaborar uma visão unitária,
tendo diante de si um quadro complexo e fragmentado de ciências, cujo saber e
conhecimentos sobre o objeto-homem exercem grande influxo, deve ser – segundo
Lima Vaz – uma antropologia integral, isto é, uma articulação entre esses três
pólos que não ceda ao reducionismo e não se contente com simples justaposição,
mas proceda dialeticamente, integrando os três pólos da natureza, do sujeito e da
forma na unidade das categorias fundamentais do discurso filosófico sobre o homem
(LIMA VAZ, 1991, p.13).
Constata-se um vasto campo das ciências que concorrem no debate atual na
discussão sobre o homem; tem grande importância as ciências naturais e as
ciências hermenêuticas. Mas a relação da antropologia filosófica com estas ciências
acontece nos problemas reconhecidos propriamente como filosóficos que cada uma
dessas ciências levanta.
A Filosofia, segundo Lima Vaz, recebe de duas fontes principais seus dados e
problemas: chama de pré-compreensão os dados e problemas que vem da
experiência natural;
e chama compreensão explicativa, os dados que vem
propriamente da ciência. Ambas as fontes, no caso da antropologia filosófica,
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filosófica (LIMA VAZ,1991, p.13).
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voltam-se ao próprio homem, que é a um tempo, sujeito e objeto da interrogação
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Daí a importância da distinção entre a antropologia puramente como objeto nos seus
campos particulares; a antropologia filosófica estuda o homem como ―sujeito-objeto‖
e na sua dimensão de globalidade.
Os problemas filosóficos das ciências do homem podem ser organizados em torno
do pólo da natureza, formando as ciências empírico-formais ou ciências naturais do
homem; e em torno dos pólos do sujeito e da cultura, constituindo-se desta forma as
ciências hermenêuticas.
No campo das ciências da natureza, dois são os problemas sobre o homem com
grande implicação na filosofia: a questão da gênese do homem e a da sua estrutura.
Os principais problemas filosóficos no horizonte atual das ciências hermenêuticas
são: da cultura, da sociedade, do psiquismo, da história, da religião, e do ethos, a
condição teleológica e axiológica do agir do homem.
Desta forma, o vasto campo das ciências humanas oferece um panorama de
problemas que juntamente com os dados permanentes da experiência natural irá
constituir o domínio objetivo dos saberes do homem sobre si mesmo que a reflexão
filosófica deverá tematizar e organizar em torno do centro último de inteligibilidade
do homem, que é a sua auto-posição como sujeito (LIMA VAZ, 1991, p.14-17).
Referências
LIMA VAZ, H.C. Antropologia Filosófica I, S. Paulo: Loyola, 1991
LIMA VAZ, H.C. Antropologia Filosófica II, S. Paulo: Loyola, 1992
LOBATO, A. Antropologia y metantropologia: los caminos actuales de accesso al
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PALÁCIO, Carlos (Org.) Cristianismo e História. S. Paulo: Loyola, 1982
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hombre. In: Seminarium, n.1 (1980).
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VVAA. Semana filosófica em homenagem ao Pe. Vaz, in: Síntese Nova Fase, vol.
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18, n. 55, 1991.
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O ESTADO DE DIREITO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Ítalo Biancardi Neto
Graduado em Direito.
1º Filosofia - UNICENTRO/PR.
[email protected].
Palavras-chave: Estado de Direito, Dignidade da Pessoa Humana, Iluminismo,
Kant.
Muitas discussões têm sido realizadas ao longo do tempo a respeito da
complexidade da vida humana, as relações entre as pessoas, a tolerância, as
guerras e toda gama de dificuldades pela qual o homem atravessa os séculos.
Apesar disso, nunca se chega a um desiderato comum capaz de mitigar os
malefícios das mazelas que norteiam o mundo, que caminham com o ser onde quer
que ele esteja, provocadas, na maioria das vezes, pela sua própria conduta ou
atividade. Todavia, a saída do estado de beligerância, de lutas acirradas, de
contendas, de brigas intermináveis, estão longe de se acabarem. A fraqueza
humana o torna incapaz de reagir aos diversos obstáculos que encontra em seu
caminho na busca da felicidade. Desde uma certa perspectiva, podemos entender
que a vida do homem, muitas vezes, é determinada por um conjunto de sofrimentos
e de vícios, mas, a ideia do Iluminismo, originada nos pensamentos dos grandes
escritores e filósofos dos séculos XVI e XVII, jungidos aos pensamentos dos présocráticos, até os dias atuais, ganham força na medida em que, diante daquela
interpretação acima mencionada, a incapacidade dos homens de saírem de seu
vazio, continua lhe afligindo, angustiando, preocupando e tornando-o escravo de si
entendimento e sua condição humana, indicando em geral a necessidade de
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Resumidamente, será tratado no discorrer do texto o homem dentro de um certo
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mesmo e de outros que a ele se subsumiram desde seu nascimento.
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reafirmar o contratualismo diante da visão egocêntrica da pessoa humana, passando
pela religião e seu papel na diminuição dessa condição de tendência, para somente
após demonstrar o significado do Estado de Direito e sua contraposição ao Estado
de Natureza, com ênfase para o significado do Iluminismo em Kant, de seu propósito
Universal com as várias proposições por ele apresentadas, terminando por concluir
por uma necessidade de orientarmos no pensamento alheio; percorrer também as
irradiações do que seja dignidade da pessoa humana, através dos princípios de
liberdade, de igualdade e seus significados e importância atuais para o avanço da
humanidade, mediante a aplicação do princípio da razoabilidade para a busca da
felicidade, dentro do contexto de um Estado Democrático de Direito, para concluir,
ao final, de que sem o respeito a tais questões de extrema relevância e aplicações
gerais, não se é possível, no atual modelo, ter dignidade humana na ausência do
Estado de Direito idealizado por Kant. O projeto apresentado irá percorrer alguns
institutos jurídicos oriundos da razão humana daqueles grandes idealistas que
estiveram vivos dentro do Iluminismo, em específico Immanuel Kant, criador do
―Estado de Direito‖, inobstante ser aclamado como anti-iluminista na concepção
alemã de idealismo, tudo como forma de se caminhar para um mundo cada vez
melhor, porque todos desejam, mas precisam da orientação alheia, bem como
conhecer para saber orientar-se por si mesmo. Percorrer, pois, os conceitos do
―Estado de Direito‖, idealizado por Kant ―in Doutrina do Direito‖, de 1797, em
contraposição ao ―Estado de Natureza‖ de Hobbes, ―in Leviatã‖, com breves
dissertações sobre os princípios da liberdade, igualdade, da dignidade da pessoa
humana, conforme comentários de José Afonso da Silva, ―in Curso de Direito
Constitucional Positivo‖, 1990, cujos Direitos se acham insculpidos na Carta Magna
do Constituinte originário de 1988, os quais devem ser garantidos pelo ente jurídico
Estado, a fim de evitar os abusos individuais ou coletivos, no sentido de que todos
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por Kant.
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possam almejar a paz e felicidade desejada, podendo ser àquela mesma esposada
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Neste trabalho realizado, mais que as discussões sociais e humanas, está em
questão nosso Estado de Direito, porque todos os problemas existentes em nossa
sociedade, principalmente àqueles mais graves, como do crime organizado ou
daquelas situações de penúria em que vivem a maioria dos indivíduos, ordens
invertidas que se contrapõe as exigências legais e do bem comum, as quais ocorrem
em todos os pontos do território nacional e, portanto, são locais em que as pessoas
não estão ao abrigo do artigo 1º., da Constituição Federal, eis que ali estão
vigorando leis feitas sob o nume do tráfico de drogas, do roubo, da morte, da
desonra; em muitos lugares, não existe nem mesmo a Lei de Talião que pressupõe
uma vítima forte, capaz de enfrentar o ofensor. Nessas áreas, sob domínio do mais
forte, vige regras imorais e desumanas, escravizando pessoas a viverem em
condições altamente indignas, sem poder de reação, nem mesmo possuem
condições de manifestar o pensamento e de serem ouvidas, atendidas
merecidamente, estão vivendo no silêncio, com medo e angústias, condutas estas
incompatíveis à dignidade da pessoa humana, pois tais indivíduos afetados pelas
mazelas alheias e pela força do mais forte, estão coagidas a suportar em silêncio
tudo, inclusive o medo. Mais importante que debelar tudo isso, vitória que será
passageira, está em manter neste país a luz do Estado Democrático de Direito.
Todo trabalho neste sentido pode ser falho, decorrente do ato humano, contudo, o
significado do respeito às boas Leis e aos indivíduos, uns pelos outros, e entre estes
pelo Estado, reciprocamente, é afirmar que o Estado de Direito, idealizado por Kant,
uma conquista do Iluminismo, momento em que a humanidade saiu da sua
incapacidade, orientando-se pelo pensamento alheio, existe e, pela força da
consciência dos indivíduos e do próprio Estado na consecução do bem comum,
impõe-se o respeito à lei e aos Direitos Humanos, buscando tirar as pessoas de
consequência, possibilita a busca da felicidade humana.
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pública, bens supremos de uma sociedade bem ordenada ou equilibrada, que por
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suas condições de indignidade, portanto, melhorando a paz social e a tranqüilidade
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Referências bibliográficas
KANT, Immanuel. A Paz Perpétua e outros Opúsculos. Lisboa: Portugal: Edições 70,
1995.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. 6ª ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1992.
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense,
1994.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais Ltda., 1990.
HOBBES, Thomas. Leviatã. 1ª ed. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002.
KIERKEGAARD, Sören. O Desespero Humano. 1ª ed. São Paulo: Editora Martin
Claret, 2002.
RUSSEL, Bertrand. A Conquista da Felicidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
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INGENHEIROS, José. O Homem Medíocre. 1ª ed. Curitiba: Editora Livraria do
Chain, 2003.
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FOUCAULT E A VERDADE
Jussara Tossin Martins Bezeruska
Mestre em Filosofia – UNIOESTE/Toledo
[email protected]
Palavras-chave: Verdade, Ciência, História, Arqueologia.
Três obras principais marcam o período inicial das pesquisas de Michel Foucault
designadas pelo filósofo de arqueologia. Nestas obras o filósofo coloca questões
que deflagram uma nova relação com a verdade, estabelecendo rupturas no
pensamento contemporâneo que deram nova forma aos saberes médicos e
psiquiátricos e às relações com o poder. O trabalho ora apresentado pretende
analisar o estatuto desta noção de verdade surgida a partir das pesquisas
foucaultianas. Busca-se entender de que forma os direcionamentos metodológicos e
conceituais das pesquisas de Foucault propiciaram a elaboração de um novo regime
de verdade.
História da loucura, a primeira obra do período, critica as histórias da psiquiatria e
das ciências que projetam sobre o passado suas verdades terminais e que nele
procuram indícios dos primeiros passos de uma ciência, cuja evolução propiciou que
fossem desvendadas as verdades cientificas aceitas tão prontamente na atualidade.
importante colocada pelo filósofo, indaga pelos limites e objetos próprios de uma
disciplina científica em todo o seu rigor. O conceito para esta é a expressão da
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passa de uma ilusão retrospectiva da história da psiquiatria. Uma questão
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História da loucura visa, sobretudo, demonstrar que esta evolução científica não
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verdade, ou seja, somente ele define a racionalidade científica. Segundo Machado
(2006, p. 74), para Foucault, do ponto de vista da ciência, em sentido rigoroso, a
psiquiatria não é ciência, mas uma teoria com pretensão de cientificidade, uma vez
que se utiliza dos discursos da medicina para abordar seu objeto. Assim, ao tomar
por objeto os conceitos da psiquiatria, Foucault prescinde dos discursos científicos
como objeto exclusivo e não toma a ciência como critério de suas pesquisas
históricas. Desta forma, História da loucura desloca as fronteiras com relação às
histórias das ciências, pois, analisa também os discursos não-científicos, como os
filosóficos e literários. Sendo assim, toda pesquisa empreendida por Foucault, tanto
em História da loucura, quanto em obras posteriores, não aborda com exclusividade
o discurso científico, mas, pretende dar conta do conceito levando em consideração
um conjunto heterogêneo de discursos, sejam eles científicos ou não.
As palavras e as coisas, em relação à História da loucura, é um livro que apresenta
modificações tanto na questão da amplitude dos saberes aos quais estende sua
análise, quanto no que diz respeito à forma como Foucault empreende a pesquisa
arqueológica. Nesta obra o filósofo formula pela primeira vez a noção de epistémê
que se constitui no objeto principal da análise realizada em As palavras e as coisas
e que, devido a especificidade com que se caracteriza, possibilita que a arqueologia,
frente às histórias das ciências e das idéias, seja não só diferente destas histórias,
mas, sobretudo, configure-se como uma nova forma de análise. Nela, o saber
configura-se como o nível específico no qual se dá a análise arqueológica. Isto faz
com que a arqueologia se diferencie das outras histórias, pois, não se trata de
priorizar o discurso científico. O simples fato de que Foucault utiliza para sua análise
os discursos da economia, da biologia e da filologia demonstra a flexibilidade da
análise com relação às fronteiras das disciplinas científicas.
uma única disciplina, Foucault não faz história das ciências ou tenta descrever o
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processo de evolução de um conceito. Discute com elas, na medida em que coloca
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Ao expandir os domínios de As palavras e as coisas para além das fronteiras de
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em questão seus métodos e seus problemas. O ponto que separa a arqueologia da
epistemologia é a forma como os dados da ciência são tratados e abordados pela
história arqueológica. Não é relevante para a arqueologia determinar quais saberes
de uma época pertencem ao conhecimento legitimado pela tradição e quais saberes
pertencem ao domínio obscuro da ignorância. Da mesma forma, Foucault não faz
arqueologia tomando em conta um sujeito originário ou uma consciência autoconstituída, tal como a filosofia, de Descartes a Sartre, assim o compreende. Tratase de uma análise pela qual o sujeito é compreendido como objeto historicamente
constituído por processos exteriores a ele.
Em Arqueologia do saber, Foucault tem como objetivo fazer uma reflexão profunda e
rigorosa sobre os usos metodológicos e conceituais executados nos escritos
anteriores, sem a intenção de construir, a partir daí, um método de pesquisa
histórica. As polêmicas e críticas surgidas após a publicação de História da loucura e
As palavras e as coisas são alguns dos motivos que levaram o filósofo a escrever
sobre estas obras procurando caracterizar melhor sua análise com o objetivo de
superar dificuldades originárias da pesquisa e outras apontadas por críticos e
estudiosos. Constitui-se em uma revisão crítica e reflexiva que busca homogeneizar
e retificar as opções teóricas e as práticas de pesquisa que deram origem à História
da loucura e As palavras e as coisas. A arqueologia do saber responde em eco às
obras que a precederam. Sua tarefa é questionar os métodos, os limites e os temas
da história em sua forma tradicional, sobretudo em suas referências a um suposto
sujeito fundador. Busca desfazer as últimas sujeições antropológicas sacralizadas
pela velha história, ao mesmo tempo em que quer demonstrar como foram
formadas. A arqueologia do saber pretende ser a forma mais acabada e mais
coerente das pesquisas realizadas anteriormente que foram, – de certa forma e
geral. Foucault, com suas pesquisas, pergunta pelos mecanismos e instâncias que
fazem com que um discurso científico, por exemplo, funcione como verdade.
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que fosse estabelecida uma articulação que desse à arqueologia uma forma mais
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segundo Foucault –, esboçadas em desordem, um pouco imperfeitamente, exigindo
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Fundamentalmente a questão é saber quais os caminhos que levam à produção de
um certo regime de verdade e quais são os seus efeitos. A análise empreendida por
Foucault nas três obras citadas faz-nos concluir que a pesquisa arqueológica é uma
tentativa de construção de uma forma de estudo que evita as formalizações e que,
por este motivo, pretende possibilitar a abordagem de domínios do saber em
campos diversos prescindindo da necessidade de limitar-se ao uso de conceitos
epistemológicos clássicos nas abordagens destes domínios. Assim, a arqueologia
apresenta-se como um instrumento que possibilita refletir sobre as ciências e sobre
os saberes, sobre o formal e sobre o não científico, sobre o legítimo e sobre o
periférico.
Referências
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências
humanas. 8 ed. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes,
1999.
_____. História da loucura: na Idade clássica. 8 ed. Tradução de José Teixeira
Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 2007.
_____. Arqueologia do saber. 7 ed. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2007.
MACHADO, Roberto. Foucault, a ciência e o saber. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge
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Zahar, 2006.
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Uma publicação do Departamento de Filosofia
E-mail: [email protected]
Fone: (42) 3621-1097
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