Avaliação e acompanhamento da deficiência

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Avaliação e acompanhamento da deficiência auditiva em recémnascidos
Eduardo José Berardo Zaeyen
Antonio Fernando Catelli Infantosi
Eduardo Jorge Custódio da Silva
SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros
MOREIRA, MEL., LOPES, JMA and CARALHO, M., orgs. O recém-nascido de alto risco: teoria e
prática do cuidar [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2004. 564 p. ISBN 85-7541-054-7.
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AVALIAÇÃO Ε ACOMPANHAMENTO
D A DEFICIÊNCIA A U D I T I V A
18
EM R E C É M - N A S C I D O S
Eduardo José Berardo Zaeyen
Antonio Fernando Catelli Infantosi
Eduardo Jorge Custódio da Silva
A s primeiras investigações de perda auditiva na infância tiveram
início nos anos 60 ( D o w n s & Sterritt, 1964; D o w n s & Hemenway, 1969),
tendo sido demonstrada por Lenneberg, Rebeisky & Nichols ( 1 9 6 5 ) a
importância da integridade da audição nos primeiros três a quatro anos de
vida para o desenvolvimento adequado da fala e da linguagem. Durante
este curto período, a preservação das vias auditivas associada a estímulos
sonoros - especialmente sons de comunicação - permite o desenvolvimento
das áreas auditivas corticais primárias e secundárias, bem c o m o das vias
associativas cerebrais. A o se suspeitar de perda auditiva na infância (dois
a quatro anos), m e s m o que haja uma intervenção adequada, a criança já
perdeu esses preciosos e relevantes anos de comunicação, que envolvem
implicações relevantes de desenvolvimento cognitivo, pois, assim c o m o
u m músculo precisa receber impulsos nervosos para seu desenvolvimento,
as áreas auditivas também necessitam ser estimuladas.
Crianças c o m início tardio de tratamento de perdas auditivas estão
mais sujeitas a apresentarem problemas cognitivos em diversas áreas, como
por exemplo em raciocínio espacial, matemático e comportamental, o que
permite muitas vezes que se confunda o diagnóstico, indicando síndrome
de autismo. Tais aspectos podem ocorrer c o m crianças sem outros fatores
de risco para seu desenvolvimento. Em crianças apresentando fatores de
risco c o m o prematuridade ou lesões hipóxico-isquêmicas (hemorragias
intracranianas e encefalomalácias e t c ) , as conseqüências cognitivas podem
ser incalculáveis. A identificação e a intervenção precoce da perda auditiva
nos primeiros meses de vida, portanto, são fundamentais para o adequado
desenvolvimento da linguagem e da comunicação.
A s primeiras iniciativas para se avaliar a audição e m r e c é m nascidos (RNs) de risco datam dos anos 60 e 70, que resultaram na criação
do Joint C o m m i t t e on Infant Hearing (JCIH). Posteriormente, e m 1994,
esse Comitê fez recomendações (Quadro 1) que f o r a m revistas e m 2 0 0 0
por N o r t o n et al. (Quadro 2 ) .
Quadro 1 - Indicadores de risco para perda auditiva
Fonte: American A c a d e m y of Pediatrics (1994)
O aprimoramento, aliado ao desenvolvimento de técnicas de detecção
objetiva de perda auditiva em pacientes pouco colaborativos - c o m o é o
caso de RNs - foi e continua sendo crucial. Em 1961, Kiang descreveu pela
primeira vez o potencial evocado de tronco cerebral, e, posteriormente, em
1974, Hecox & Galambos publicaram os primeiros trabalhos de aplicação
clínica desse método. N o s anos subseqüentes, a técnica foi aprimorada,
valores normativos foram estabelecidos e as origens dos sítios neurais ao
l o n g o da via auditiva foram descritas. C o m o estabelecimento de correlação
entre limiares clínicos e neurofisiológicos (Chiappa, 1997), tiveram início,
na década de 80, os primeiros p r o g r a m a s de triagem auditiva de RNs
considerados de alto risco (Stockard & Westmoreland, 1980). Tais programas
identificavam apenas cerca de metade dos R N c o m perda auditiva (American
A c a d e m y o f Pediatrics, 1 9 9 4 ) : c o m o e r a m destinados inicialmente a
diagnosticar surdez somente nos bebês de alto risco, os que nasciam
saudáveis, sem apresentarem os fatores risco estabelecidos na época, não
eram submetidos à triagem.
Quadro 2 - Indicadores revisados de risco para perda auditiva
Fonte: American A c a d e m y o f Pediatrics (1994)
Em 1978, Kemp desenvolveu uma outra técnica para avaliar a audição
de bebês de forma objetiva: as emissões otoacústicas. Essa técnica estuda
exclusivamente as células ciliares externas na cóclea, sítio n o qual ocorre
a maioria das perdas auditivas nos R N sem os fatores de risco definidos
pelo JCHI. A técnica, por ser mais simples e rápida, viabilizou a expansão
da triagem auditiva fora das U T I s , possibilitando a universalização da
triagem auditiva neonatal.
TÉCNICAS DE AVALIAÇÃO OBJETIVA DAS
VIAS AUDITIVAS EM RECÉM-NASCIDOS
A s técnicas objetivas serão descritas segundo o caminho fisiológico
percorrido pelo som.
EMISSÕES OTOACÚSTICAS
Existem vários métodos diagnósticos aceitos c o m o p a d r ã o - o u r o
para a investigação de diferentes partes da via auditiva. A t i m p a n o m e t r i a /
imitanciometria e a otoscopia são métodos de avaliação da função da
orelha média, enquanto o potencial evocado auditivo permite avaliar a
função neural a partir das células ciliadas internas (IHC - Inner Hair
Cells)
e a a u d i o m e t r i a de t r o n c o cerebral, a f u n ç ã o
cocleoneural.
Similarmente, as emissões otoacústicas permitem a avaliação não invasiva
e exclusiva de parte da função coclear, as células ciliadas externas ( O H C
- Outer Hair Cells).
A s emissões otoacústicas são sons de pequeno nível de pressão
produzidos pela orelha interna c o m o parte do processo normal da audição,
podendo ser medidos, na maioria dos indivíduos, c o m u m aparato adequado
colocado no meato auditivo externo. O potencial clínico das OAE resulta
da possibilidade de se obter informações relativas à atividade específica
dos micromecanismos pré-neurais, isto é, os elementos sensitivos do ó r g ã o
de Corti (Zaeyen, Infantosi & Souza, 2 0 0 2 ) . A relevância clínica dessa
técnica deve-se ao fato de esses mecanismos estarem associados à maioria
das disfunções auditivas periféricas, incluindo as induzidas por herança
genética (Silva et al., 2 0 0 2 ) .
De u m m o d o simplificado, pode-se descrever a orelha interna c o m o
sendo constituída pela cóclea (Figura 1), a qual possui três compartimentos
(escalas vestibular, média e timpânica) preenchidos por líquidos (endolinfa
e perilinfa) e separados por duas m e m b r a n a s (reissner e basilar). N a
membrana basilar, encontra-se o ó r g ã o de Corti, n o qual se dá a transdução
da energia mecânica sonora em energia elétrica neural, sendo responsáveis
por este processo as células sensitivas da audição, as células ciliares internas
(IHC) e as externas (OHC). N a porção apical dessas células (Foto 1), encontrase u m feixe de cílios (esteriocüios), elementos ativados pela ação mecânica
da pressão.
A s ondas de pressão sonora - após passarem pela m e m b r a n a
timpânica e pela orelha média - atingem a orelha interna através da janela
o v a l e f a z e m c o m que a m e m b r a n a basal v i b r e , resultando e m u m
+
deslocamento angular dos estereocílios, produzindo u m influxo de K que
despolarizará a IHC. Essa despolarização abre os canais de C a
2 +
voltagem
específicos e conseqüente mudança n o potencial da membrana das células
ciliares internas (potencial receptor), que, por sua vez, implica na liberação
de transmissores sinápticos e no disparo de impulsos nervosos (salva de
potenciais de ação) que, então, serão conduzidos ao sistema nervoso central
(SNC) v i a n e r v o auditivo. Esse processo de transdução mecano-elétrico
(mecano-neural) realizado pelas IHC é a base de todo o processo auditivo
(Hudspeth, 2 0 0 0 ) .
A s O H C modificam seu comprimento durante o processo normal de
audição - ação m o t i l (Figura 2 ) - , n o qual desempenham papel importante
na amplificação da intensidade sonora. Logo, as OHC podem ser consideradas
amplificadores biomecânicos da atividade das IHC, permitindo que se ouça
sons que, de o u t r o m o d o , teriam intensidade menor que a capacidade de
percepção do SNC. Atualmente, j á está estabelecido que muitas das causas
genéticas das perdas auditivas estão associadas à redução da motilidade
das O H C , decorrente de dano direto o u indireto a outros componentes na
orelha interna.
Foto 1 - Membranas ciliares
Fonte: Kandel, Schwartz & Jessel (2000)
Figura 1 - Cóclea com suas três escalas: vestibular, média e timpânica
Obs.: A esta deflexão mecânica do feixe das células ciliadas externas segue uma excitação
destas. A deflexão é então transduzida em um receptor de potencial, que nas células
ciliares internas pode chegar a 25 mV de amplitude. Com base em dados teóricos, sugerese que os movimentos direcionados para cima levem a uma despolarização celular e que
os movimentos para baixo, a uma hiperpolarização.
A s OAE podem ser obtidas a partir de tipos diferentes de estímulo
(ou sem estimulação), o que implica e m classificá-las de m o d o distinto:
• SOAE (Spontaneous Otoacoustic
Emission) - na ausência de estímulo
acústico, obtêm-se as emissões espontâneas, que são sinais de banda de
freqüência estreita observados no meato auditivo externo;
• SFOAE (Stimulus Frequency Otoacoustic Emission) - quando a resposta é
gerada na mesma freqüência do estímulo;
• transiente (TEOAE - Transient Evoked Otoacoustic Emission) - a resposta
decorre de uma estimulação sonora de banda larga, tal c o m o u m clique
ou uma salva tonal (Tone Pip);
• distorção (DPOAE - Distortion Product Otoacoustic Emission) - quando a
estimulação se dá por meio de dois tons puros (em f ef ) simultâneos, e
1
2
ocorre o batimento dessas freqüências.
A triagem auditiva visa a identificar OEA alterada e m deficientes
auditivos, sendo denominado verdadeiro positivo ( V P ) . N o s primeiros
1
programas de triagem, o percentual de falsos positivos era ainda m u i t o
2
elevado, chegando até 20%. O percentual de falsos n e g a t i v o s ainda é
pouco reportado na literatura, pois só recentemente descreveu-se R N c o m
perda auditiva congênita para sons de baixa freqüência (inferiores a
2 K H z ) , faixa de freqüência que não é possível investigar pela O E A
(Lesperance et al., 2 0 0 3 ) .
O percentual de FP tem sido reduzido c o m o decorrência não só da
evolução tecnológica c o m o também do uso mais freqüente da OEA e da
alteração de protocolo desse exame. Pode-se citar c o m o exemplo de fatores
relevantes:
• o nível de ruído existente no berçário, que pode conduzir a taxas elevadas
de falsos positivos (FP);
• m o m e n t o da realização do exame: taxa de FP bastante elevada nas
primeiras 24 horas, que decai rapidamente a partir de 48-72 horas de
vida (Kemp, 1978);
• avaliação somente das freqüências superiores a 1500 H z da OEA para
que o paciente seja considerado não portador da deficiência auditiva;
• experiência do examinador.
Atualmente, na triagem auditiva de RNs que não apresentam fatores
de risco, conforme definido pelo JCIH 2000, são utilizadas comumente as
respostas TOAE e DPOAE. Portanto, resposta alterada (falha) na primeira
avaliação não deve ser considerada c o m o diagnóstico definitivo para a
perda auditiva.
POTENCIAL EVOCADO AUDITIVO Ε
AUDIOMETRIA DE TRONCO CEREBRAL
O potencial evocado auditivo (ΡΕΑ) é o registro da atividade bioelétrica
do SNC, coletado sobre o escalpo na região do córtex temporal e m resposta
a estímulos auditivos. A morfologia do PEA consiste n u m a seqüência de
ondas ocorrendo a diferentes latências, c o m amplitude e polaridade (positiva
o u negativa) distintas. A reprodutibilidade da forma de onda do PEA varia
de m o d o particular entre os indivíduos (Chiappa, 1997).
Tomando c o m o referência o instante de estimulação, o PEA pode ser
classificado em resposta de curta, média o u longa latência (Figura 3 ) , cada
qual c o m especificidade e interpretações diferentes (Quadro 3 ) .
Figura 3 - Tipos de ondas geradas
Fonte: Chiappa (1997)
O PEA também pode ser considerado c o m o resposta transiente o u
em estado estável (steady-state). A resposta transiente é definida c o m o
tendo duração limitada n o tempo, ocorrendo, portanto, imediatamente após
u m estímulo e se extinguindo antes da ocorrência do p r ó x i m o . Por outro
lado, o potencial steady-state é a resposta que se mantém ao l o n g o de todo
o procedimento de estimulação, sendo, portanto, resultante da estimulação
a freqüências elevadas o u quando a duração do estímulo se iguala o u supera
o tempo de duração de sua resposta (Chiappa, 1997).
N a triagem auditiva em RNs de risco, o PEA transiente de curta
latência (BAEP - Brain Stem Auditory Evoked Potential)
e a audiometria de
tronco cerebral (BERA) têm sido comumente empregados. Isso se deve ao
risco de esses RNs apresentarem lesão neural c o m OHC normais (neuropatia
auditiva), evitando-se assim a ocorrência de FN, isto é, o R N c o m disfunção
a u d i t i v a g r a v e ser i n c o r r e t a m e n t e d i a g n o s t i c a d o c o m o n o r m a l .
Recentemente, o PEA steady-state de média latência tem sido proposto para
a triagem auditiva (John & Picton, 2 0 0 0 ) .
Quadro 3 - Tipos de potenciais evocados auditivos
Fonte: Zaeyen, Infantosi & Souza, 2 0 0 2 .
POTENCIAL EVOCADO AUDITIVO TRANSIENTE
DE CURTA LATÊNCIA (BAEP)
Para se obter ο BAEP, estimula-se as vias auditivas c o m u m clique
de 100µsde duração e intensidade de pressão sonora de 50 a 60 dB acima
do limiar auditivo (normalmente e m torno de 85 a 90 d B N A ) . O sinal EEG,
contendo a resposta auditiva - p o r é m de m u i t o m e n o r amplitude - é
amplificado e filtrado, sendo, então, promediado (somação temporal de
inúmeras respostas), tendo c o m o referência o instante de estimulação que
conduz a formação do ΡΕΑ.
Considerando somente os primeiros 10 ms e estando a via auditiva
intacta, obtém-se o BAEP constituído por sete ondas, que, para fins clínicos
se reduzem a somente três (ondas I, III e V ) , por apresentarem
maior
reprodutibilidade (Figura 4 ) .
Obs.: Obtido em RN prematuro de 32 semanas, normal durante exame de rastreamento
de perda auditiva em RN de risco para perda auditiva. As ondas estão identificadas por
números romanos de I aV, nas intensidades de 85, 60, 40 e 30 dB NA de cima para baixo,
respectivamente.
Fonte: Zaeyen, Infantosi & Souza (2002)
Cada onda pode ser entendida c o m o se representasse u m relê específico
da via auditiva (Quadro 4 ) , desde as IHC até o mesencéfalo (Figura 5 ) ,
tendo latências absolutas e respectivos intervalos inter-picos (IPL) específicos
para faixas etárias (em semanas) distintas (Gráfico 1). Essas latências e
esses IPL t ê m papel fundamental
n o estabelecimento d o diagnóstico
topográfico de lesões, além de permitir a avaliação da maturidade da via
auditiva. Assim, por exemplo, estando as ondas subseqüentes e o IPL
III-V normais, o aumento da latência da onda I pode ser interpretado c o m o
existência de perda auditiva periférica ou lesão do nervo acústico.
Figura 5 - V i a auditiva central do núcleo coclear ao córtex auditivo
primário
Obs.: Efeito maturacional expresso em milisegundos (eixo vertical) l do IPL I-Vpor idade
concepcional (idade gestacional mais idade cronológica) em semanas (eixo horizontal).
Fonte: Chiappa ( 1 9 9 7 )
Quadro 4 - Relação onda /sítio neural gerador do sinal
Fonte: Zaeyen, Infantosi & Souza ( 2 0 0 2 )
A U D I O M E T R I A DO T R O N C O CEREBRAL ( B E R A )
Para se realizar o BERA, a intensidade de estimulação (estímulo tipo
clique repetitivo) é diminuída gradativamente até o menor em que for ainda
possível reconhecer a onda V, sendo tal intensidade o limiar auditivo. Em
RNs, assume-se que o limiar normal se encontra entre 3 0 e 4 0 d B N A .
A partir do terceiro mês de vida, a faixa de variação da normalidade assumida
é a mesma do adulto: entre 0 e 2 0 d B N A .
A análise visual do BAEP e do BERA, resultante de estimulação por
clique, visa à identificação de características distintas e relevantes da via
auditiva. Para a interpretação clínica adequada no R N (Zaeyen, Infantosi &
Souza, 2 0 0 2 ) , essas características devem ser analisadas simultaneamente
(Quadro 5 ) .
Apesar de essas duas técnicas serem consideradas na atualidade c o m o
padrão-ouro na avaliação objetiva das vias auditivas em RNs, a estimulação
por clique resulta e m predomínio de resposta entre 2 e 4 k H z (Misulis,
1994; Z a e y e n , Infantosi & Souza, 2 0 0 2 ) , decorrente de característica
inerente a esse tipo de estímulo: o clique t e m curta duração e, portanto,
banda larga e m freqüência. Sabendo que o ouvido h u m a n o é capaz de
perceber sons de 20 a 20.000 H z , e que a v o z humana falada encontra-se
entre 300 e 3.000 H z , este aspecto não se constitui em limitação relevante
na identificação das características do BAEP e BERA de RNs. Entretanto,
cabe ressaltar que o PEA não identifica RNs c o m perda auditiva congênita
para sons de baixa freqüência (inferiores a 2
K H z ) , pois essa banda não é
investigada neste exame (Lesperance et al., 2 0 0 3 ) .
O u t r o aspecto a ser considerado quando se avalia as vias auditivas
de RNs de alto risco é que cerca de 30 a 35% das disfunções observadas na
primeira avaliação p o d e m evoluir positivamente nos período entre os
primeiros 6 a 12 meses, podendo inclusive atingir a normalidade. Estudos
de respostas evocadas por freqüências específicas podem ser encontrados
em Zaeyen, Infantosi & Souza ( 2 0 0 2 ) .
POTENCIAL EVOCADO AUDITIVO EM ESTADO ESTÁVEL
A s respostas evocadas auditivas de estado estável (ASSR Steady-State
Auditory
Response) f o r a m registradas pela primeira v e z e m 1981
(Galambos, Makeig & Talmachoff), c o m freqüência de estimulação próxima
a 4 0 H z . Estudos posteriores m o s t r a r a m que essas respostas t a m b é m
poderiam ser registradas c o m freqüências de estimulações de 80 a 110 H z
(Lins et al., 1995). C o m o no registro a 4 0 H z a resposta à estimulação de
4 0 H z apresenta elevada variabilidade c o m o estado v i g i l do paciente,
freqüências de estimulação superiores a 70 H z passaram então a ser
empregadas (John & Picton, 2 0 0 0 ) .
Quadro 5 - Interpretações de resultados
Fonte: Zaeyen, Infantosi & Souza (2002)
Lins et al. ( 1 9 9 5 ) , baseando-se em trabalhos de Regan & Heron (1969,
1970) c o m potenciais evocados visuais em resposta à aplicação de estímulos
s i m u l t â n e o s , p r o p u s e r a m o u s o de p r o c e d i m e n t o similar, o u seja,
estimulação em vários tons aplicados simultaneamente e modulados e m
amplitude. Mais recentemente, a partir de 2000, John & Picton têm aplicado
o ASSR na avaliação da audição e m adultos.
Em RNs, os primeiros protocolos foram realizados e m 2002 por ConeWesson et al. Os RNs a t e r m o e pré-termo desse estudo, considerados
normais pelos exames de BERA e OAE, foram diagnosticados c o m o normais
pelo ASSR e m 90% dos casos. Tal resultado foi considerado aquém do
esperado, tendo Cone-Wesson et al. apontado que modificação n o protocolo
de registro e avaliação sistematizada deveriam ser conduzidas antes de se
aplicar a técnica a RNs. Em resumo:
• as emissões otoacústicas, transientes (TOAE) o u por produto de distorção
(DPOAE), são técnicas consistentes e b e m testadas na prática clínica
c o m o ferramentas de triagem auditiva para RNs que não apresentam
fatores de riscos para perda auditiva (Kok et al., 1 9 9 3 ) , segundo o
JCIH 2000;
• as técnicas de BAEP associadas ao BERA são consideradas o padrão-ouro
vigente e devem ser utilizadas, segundo o JCIH 2000, na triagem auditiva
de RNs sob risco de perda auditiva (Saitoh et al., 2 0 0 2 ) , e para a
confirmação diagnóstica quando o R N não passar na triagem c o m as
OAE (OAE ausentes);
• o ASSR é u m a técnica recente, ainda em estudo c o m vistas a sua aplicação
clínica. A s s i m , a t u a l m e n t e ,
só d e v e ser e m p r e g a d o e m
estudos
experimentais de pesquisa;
• o resultado dos exames PEA ou OAE não devem ser considerado c o m o
diagnóstico definitivo quando da alta do R N . O percentual de falsos
positivos nas OAE varia de 3 a 10% no primeiro exame (a partir de 48
. horas de vida), decrescendo para cerca de 2 a 5% n o segundo teste;
por outro lado, a técnica baseada nos potenciais evocados conduz a u m
número m u i t o menor de falsos positivos (cerca de 1%);
• quando se lida c o m u m a população de alto risco, em particular RNs que
receberam alta da U T I neonatal, deve-se levar e m consideração que cerca
de 35% dos pacientes que apresentaram limiares auditivos superiores
aos normais tendem à melhora espontânea nos primeiros 6 a 12 meses
após a alta. L o g o , o acompanhamento neste período é fundamental,
visando a u m diagnóstico mais definitivo, pois a perda auditiva por
distúrbios de condução é m u i t o c o m u m nesta população;
• ao se utilizar o clique repetitivo c o m o estimulação para se obter o PEA e
as OAE transientes, a investigação de perda auditiva está circunscrita,
fundamentalmente, à banda de freqüência de 2 a 4 KHz, não se podendo
inferir sobre o limiar auditivo nas demais freqüências, sejam estas mais
baixas (sons graves, c o m o por exemplo de u m t a m b o r ) o u mais elevadas
(sons agudos c o m o o de u m a p i t o ) . M u i t a s vezes, este aspecto t e m
c o n d u z i d o os pais a n ã o b u s c a r e m a r e a l i z a ç ã o de e x a m e s de
acompanhamento auditivo de seus filhos, crendo que estes escutam b e m
por reagirem a sons agudos ou mais graves.
NEUROPATIA AUDITIVA ( Ο Λ Ε NORMAIS
COM Ρ Ε Λ SEVERAMENTE ALTERADO)
Os RNs c o m risco de neuropatia auditiva (Quadro 2 ) , m e s m o que
apresentem potenciais auditivos normais, devem ter u m acompanhamento
periódico durante o primeiro ano de vida ou, n o caso de CMV, nos primeiros
seis anos.
Deve-se dedicar especial atenção e cuidado aos bebês c o m diagnóstico
de neuropatia auditiva (Madden et al., 2 0 0 2 ) . Tais pacientes, durante o
acompanhamento, 'podem apresentar respostas normais e conflitantes na
audiometria tonal e em avaliações de reconhecimento da palavra c o m OAE
normais, porém c o m BERA profundamente alterado ou até m e s m o c o m
ausência de respostas nas duas orelhas'. Assim, os RNs que apresentarem
risco para esta patologia devem ser avaliados c o m as técnicas de potenciais
evocados, e aqueles que apresentarem exames comprometidos devem ser
submetidos aos exames de OAE e eletrococleografia (Santerelli & Arslan,
2 0 0 2 ) , e m especial, a m i c r o f o n i a coclear ( M C , que reflete o b o m
funcionamento das O H C ) para confirmação diagnóstica. U m possível
procedimento a ser adotado na avaliação de deficiência auditiva e m RNs
seria associar o conjunto dessas técnicas, visando ao diagnóstico.
NOTAS
1
Falso positivo: paciente com OEA alterada, porém sem deficiência auditiva, ou
seja, classificado falsamente como portador de tal deficiência.
2
Falso negativo: paciente diagnosticado como não portador da deficiência, isto é,
OEA normal.
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