Introdução às Álgebras de Operadores Amélia Bastos, Cláudio Fernandes, Pedro A. Santos 2011 Conteúdo 1 Teoria espectral em álgebras de Banach 1.1 Definição de álgebra de Banach. Exemplos . . . . . 1.2 Invertibilidade e espectro . . . . . . . . . . . . . . . 1.2.1 Invertibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.2.2 Espectro e conjunto resolvente . . . . . . . . 1.2.3 Raio espectral. Teorema de Gelfand-Mazur . 1.2.4 Espectro e subálgebras . . . . . . . . . . . . 1.3 Ideais e invertibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . 1.3.1 Ideais e ideais maximais . . . . . . . . . . . 1.3.2 Radical de uma álgebra . . . . . . . . . . . 1.4 Funcionais lineares multiplicativos . . . . . . . . . . 1.5 Cálculo funcional holomorfo . . . . . . . . . . . . . 1.6 Classes de álgebras de Banach . . . . . . . . . . . . 1.6.1 A álgebra dos operadores lineares limitados 1.6.2 A álgebra das funções contı́nuas . . . . . . . 1.7 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 Representações de álgebras de Banach 2.1 A transformada de Gelfand . . . . . . . . . . . . 2.1.1 Transformada e transformação de Gelfand 2.1.2 A transformação de Gelfand em L1 (R) . . 2.2 Representações de álgebras . . . . . . . . . . . . . 2.2.1 Definição de representação. Lema de Schur 2.2.2 Álgebras primitivas. Ideais primitivos . . . 2.2.3 Módulos e representações de álgebras . . . 2.3 Princı́pios locais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.3.1 Princı́pio local de Allan . . . . . . . . . . 2.3.2 Princı́pio local de Gohberg-Krupnik . . . . 2.4 Álgebras com identidade polinomial . . . . . . . . 2.4.1 Identidades polinomiais standard . . . . . 2.4.2 Sı́mbolos matriciais . . . . . . . . . . . . . 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 7 11 11 13 15 18 22 22 26 27 30 35 35 38 40 . . . . . . . . . . . . . 49 49 49 53 58 58 60 66 68 68 72 76 76 82 4 CONTEÚDO 2.5 2.6 Álgebras geradas por duas projecções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 93 3 Fundamentos de álgebras C ∗ 3.1 Álgebras C ∗ . Propriedades elementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.2 1o Teorema de Gelfand-Naimark. Cálculo funcional contı́nuo . . . . . . 3.3 Elementos positivos em álgebras C ∗ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.4 A álgebra C ∗ dos operadores lineares limitados . . . . . . . . . . . . . . 3.4.1 Operadores de projecção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.4.2 Isometrias parciais. Decomposição polar . . . . . . . . . . . . . 3.5 Teorema espectral para operadores normais . . . . . . . . . . . . . . . . 3.5.1 Medidas espectrais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.5.2 Álgebras C ∗ comutativas e medidas espectrais . . . . . . . . . . 3.5.3 Teorema espectral para operadores normais. Cálculo funcional de Borel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.6 Construção de álgebras C ∗ . Álgebra limite indutivo . . . . . . . . . . . 3.7 Álgebras C ∗ sem unidade. Unitalização e aproximação da unidade . . . 3.7.1 Unitalização de uma álgebra C ∗ . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.7.2 Aproximação da unidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.8 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 97 102 107 110 111 113 116 117 120 4 Representações de álgebras C ∗ 4.1 Funcionais lineares positivos. Estados puros . . . . . . . . . . . . . . . 4.1.1 Funcionais lineares positivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.1.2 Estados puros. Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.2 Representações. Construção de Gelfand-Naimark-Segal . . . . . . . . . 4.2.1 Representações não-degeneradas, cı́clicas e irredutı́veis . . . . . 4.2.2 Representações unitariamente equivalentes . . . . . . . . . . . . 4.2.3 Construção de Gelfand-Naimark-Segal. 2o Teorema de GelfandNaimark . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.2.4 Representações irredutı́veis e estados puros . . . . . . . . . . . . 4.2.5 Extensões e restrições de representações . . . . . . . . . . . . . . 4.3 Classes de Álgebras C ∗ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.3.1 Álgebras CCR e GCR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.3.2 Álgebras C ∗ universais. Algebra de Cuntz. Álgebra de rotação. Álgebra de Toeplitz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.4 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 153 153 161 168 168 173 127 129 134 135 140 145 175 179 184 189 189 196 198 5 Introdução às álgebras de von Neumann 203 5.1 Definição de álgebra de von Neumann. Teorema do bicomutante . . . . 203 5.1.1 Topologia forte e fraca em L(H) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203 CONTEÚDO . . . . . . . . . . . 208 212 219 226 226 229 235 235 242 245 249 6 Álgebras de grupo. Produtos cruzados C ∗ 6.1 A álgebra L1 (G) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.1.1 Grupos localmente compactos. Definições e exemplos . . . . . . 6.1.2 A medida de Haar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.1.3 A álgebra L1 (G) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.2 Representação unitária de um grupo. Representação regular esquerda de L1 (G) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.3 Álgebras de grupo e grupos mediáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.3.1 Grupos mediáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.3.2 Álgebras de grupo e álgebras de grupo reduzidas . . . . . . . . . 6.4 Sistema dinâmico C ∗ . Produto cruzado discreto. Representações . . . . 6.4.1 Sistemas dinâmicos C ∗ . Representações covariantes . . . . . . . 6.4.2 Produto cruzado discreto. Representações regulares . . . . . . . 257 257 257 257 257 5.2 5.3 5.4 5.5 5.6 5.1.2 Algebras de von Neumann. Teorema do bicomutante . . . . . Álgebras de von Neumann e projecções . . . . . . . . . . . . . . . . . Teorema da densidade de Kaplansky . . . . . . . . . . . . . . . . . . Álgebras de von Neumann comutativas . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.4.1 A álgebra C ∗ dos operadores de multiplicação . . . . . . . . . 5.4.2 Álgebras de von Neumann comutativas em espaços separáveis Comparação de projecções em álgebras de von Neumann . . . . . . . 5.5.1 Equivalência de projecções e decomposição polar . . . . . . . . 5.5.2 Ordenação das classes de projecções . . . . . . . . . . . . . . . 5.5.3 Projecções centrais. Teorema da comparabilidade . . . . . . . Decomposição de álgebras de von Neumann . . . . . . . . . . . . . . 5 257 257 257 257 257 257 257 Capı́tulo 1 Teoria espectral em álgebras de Banach Neste capı́tulo apresentam-se os resultados básicos da teoria espectral em álgebras de Banach. Inicia-se o capı́tulo com conceitos fundamentais, introduzindo-se o conceito de invertibilidade e estabelecendo-se condições suficientes para a invertibilidade de elementos da álgebra. Define-se conjunto resolvente e espectro de um elemento, indicando-se uma fórmula para o raio espectral. Mostra-se que o espectro é não vazio e compacto e estabelece-se o teorema de Gelfand-Mazur. Analisa-se a relação entre o espectro de um elemento numa álgebra de Banach e o espectro desse mesmo elemento numa subálgebra de Banach a que pertença. Introduzem-se resultados básicos fazendo intervir a noção de ideal bem como a noção de funcional linear multiplicativo, em particular, relacionam-se estes conceitos com a invertibilidade na álgebra. O cálculo funcional holomorfo, que permite que se definam novos elementos de uma álgebra de Banach a partir de funções holomorfas em abertos que contêm o espectro de outros elementos, é um dos resultados importantes do capı́tulo com o qual é possı́vel estabelecer o teorema da aplicação espectral. Conclui-se este capı́tulo analisando duas classes de álgebras de Banach: a álgebra dos operadores lineares limitados num espaço de Banach e a álgebra das funções contı́nuas num espaço de Hausdorff compacto. 1.1 Definição de álgebra de Banach. Exemplos Definição 1.1.1. Uma álgebra A sobre um corpo K é um espaço vectorial sobre K ao qual se associa uma operação A×A → A que usualmente se designa por multiplicação, tal que para a, b, c ∈ A e λ ∈ K se tem: 7 8 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH (i) (ab) c = a (bc);1 (ii) (a + b) c = ac + bc, a(b + c) = ab + ac; (iii) (λa) b = a (λb) = λ (ab). Se K = R a álgebra diz-se real. Se K = C a álgebra diz-se complexa. Uma álgebra diz-se comutativa se a multiplicação for comutativa, isto é ab = ba, a, b ∈ A. Um elemento e ∈ A diz-se elemento unidade not]eou identidade se ea = ae = a, a ∈ A. É fácil verificar que a identidade, se existir, é única, já que supondo que existiam dois elementos unidade, e e e′ , e′ = e′ e = e. Sistematicamente designar-se-á pelo sı́mbolo “e” a identidade da uma álgebra, caso exista. Se uma álgebra A tem unidade, e a ∈ A é um elemento diferente de zero, define-se a0 := e. Exemplo 1.1.1. O espaço {0}, de dimensão nula, forma uma álgebra trivial quando munido da multiplicação 0.0 := 0. Nesta álgebra o elemento nulo e o elemento identidade coincidem. Esta é a única álgebra onde essa propriedade se verifica. Exemplo 1.1.2. Um corpo K é sempre uma álgebra sobre ele próprio com respeito às operações de corpo. O conjunto Mn (K) de todas as matrizes n × n com elementos em K forma uma álgebra com unidade, quando munido das operações matriciais habituais. No estudo de espaços vectoriais, um dos conceitos importantes é o de isomorfismo entre espaços. Estende-se a seguir esse conceito a álgebras. Definição 1.1.2. Sejam A1 e A2 álgebras sobre o mesmo corpo K. Chama-se homomorfismo a uma aplicação Φ : A1 → A2 que para a, b ∈ A1 e λ ∈ K é tal que: (i) Φ(a + b) = Φ(a) + Φ(b); (ii) Φ(λa) = λΦ(a); 1 Neste livro consideramos apenas álgebras associativas. Em algumas áreas da Matemática, também se designam com o nome de “álgebra” estruturas sem a propriedade associativa. Um exemplo serão as álgebras de Lie. 1.1. DEFINIÇÃO DE ÁLGEBRA DE BANACH. EXEMPLOS 9 (iii) Φ(ab) = Φ(a)Φ(b). No caso de A1 e A2 serem álgebras com elementos unidade e1 e e2 , respectivamente, diz-se que o homomorfismo é unital se Φ(e1 ) = e2 . Definição 1.1.3. Duas álgebras A1 e A2 dizem-se algebricamente isomorfas se existir um homomorfismo entre as álgebras que é uma bijecção. Dado um subconjunto B de uma álgebra A, diz-se que B é uma subálgebra de A se for fechada para as operações herdadas. Se A for uma álgebra com unidade e, e e ∈ B, diz-se que B é uma subálgebra unital de A. Definição 1.1.4. Uma subálgebra J de uma álgebra A diz-se um ideal esquerdo (direito) em A se quaisquer que sejam a ∈ A, j ∈ J , aj ∈ J (ja ∈ J ). Se J for um ideal esquerdo e direito, diz-se ideal bilateral ou simplesmente ideal. Qualquer álgebra tem no mı́nimo dois ideais, {0} e a própria álgebra. Estes ideais são os ideais triviais. Aos ideais de uma álgebra A diferentes da própria álgebra dá-se o nome de ideais próprios. Exemplo 1.1.3. Considere-se o intervalo real [r, t] com r, t ∈ R e r < t. O conjunto C([r, t]) das funções contı́nuas f : [r, t] → C com as operações definidas por (f +g)(s) := f (s) + g(s), (λf )(s) := λf (s) e (f g)(s) := f (s)g(s), e a norma ∥f ∥∞ := sups∈[r,t] |f (s)|, é uma álgebra comutativa com elemento unidade. Os subconjuntos da forma IA := {f ∈ C([r, t]) : f (A) = {0}}, em que A ⊂ [r, t] são ideais nesta álgebra. Tem-se estado a considerar nas álgebras estruturas puramente algébricas. Seguidamente procede-se à introdução de uma estrutura topológica e bornológica através da definição de uma norma compatı́vel com o produto algébrico. Definição 1.1.5. Uma álgebra diz-se normada se nela se fixar uma norma ∥.∥ tal que, ∥a b∥ ≤ ∥a∥ ∥b∥, a, b ∈ A. Definição 1.1.6. Seja A um espaço de Banach. Diz-se que A é uma álgebra de Banach se existir uma multiplicação A × A → A que torne A uma álgebra (Definição 1.1.1) e tal que: (iv) ∥ab∥ ≤ ∥a∥∥b∥ para a, b ∈ A; 10 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH (v) Se existir elemento unidade e, tem-se ∥e∥ = 1. Note-se que com a definição anterior se garante a continuidade da multiplicação. De facto, ∥xy − ab∥ = ∥xy − xb + xb − ab∥ = ∥x(y − b) + (x − a)b∥ ≤ ∥x∥∥(y − b)∥ + ∥(x − a)∥∥b∥. Definição 1.1.7. Duas álgebras de Banach A1 e A2 dizem-se topologicamente isomorfas se existir um homomorfismo Φ : A1 → A2 , contı́nuo e bijectivo. As álgebras dizem-se isométricas se o homomorfismo Φ for uma isometria, isto é, ∥Φ(a)∥A2 = ∥a∥A1 , a ∈ A1 . Um homomorfismo Φ : A1 → A2 diz-se uma contracção se ∥Φ(a)∥A2 ≤ ∥a∥A1 , a ∈ A1 . Definição 1.1.8. Sejam A uma álgebra de Banach com unidade e, e a1 , . . . , an ∈ A. Representa-se por alg{a1 , . . . , an }, e chama-se álgebra gerada pelos elementos a1 , a2 , ..., an e pela unidade e, a menor subálgebra fechada de A que contém a unidade de A e os elemento a1 , . . . , an . Exemplo 1.1.4. Generalizando o exemplo 1.1.3, considere-se um espaço de Hausdorff compacto X. O conjunto de todas as funções complexas, f : X → C, contı́nuas em X, munido das operações definidas ponto a ponto e com a norma do supremo, forma uma álgebra de Banach comutativa com unidade. Em geral representa-se por C(X) a álgebra das funções contı́nuas sobre X. Os conjuntos da forma MA := {f ∈ C(X) : f (t) = 0, t ∈ A}, com A subconjunto fechado de X, são ideais fechados em C(X). Exemplo 1.1.5. Se X é um espaço localmente compacto que não é compacto, então C0 (X), o conjunto de todas as funções contı́nuas que tendem para zero no infinito2 , com as operações habituais definidas ponto a ponto e a norma do supremo, é uma álgebra de Banach comutativa sem elemento unidade. Exemplo 1.1.6. As álgebras dos dois exemplos anteriores são na realidade subálgebras fechadas da álgebra L∞ (X), álgebra das classes de funções mensuráveis essencialmente limitadas em X, em que se identificam funções que se diferenciam apenas num conjunto de medida nula (medida de Haar à esquerda). A norma nesta álgebra é definida por ∥f ∥ := sup ess |f |, que corresponde à norma do supremo no caso de a função ser contı́nua. Sendo X um espaço localmente compacto, diz-se que uma função contı́nua f ∈ C(X) se anula no infinito se para qualquer ε > 0 existe um conjunto compacto K ⊆ X tal que |f (x)| < ε para qualquer x ∈ X \ K. 2 1.2. INVERTIBILIDADE E ESPECTRO 11 Exemplo 1.1.7. Seja W o espaço das funções complexas definidas na circunferência unitária T := {ξ ∈ C : |ξ| = 1}, com desenvolvimento em série de potências absolutamente convergente. Se f ∈ W, tem-se f (ξ) = +∞ ∑ n fn ξ com n=−∞ +∞ ∑ |fn | < ∞. n=−∞ Sendo f definida por uma série de Fourier absolutamente convergente que tem como termos funções contı́nuas, pelo critério de Weierstrass , a série é uniformemente convergente e f é uma função contı́nua. Com a adição, multiplicação por escalares e multiplicação em W definidas ponto a ponto, W é uma álgebra de Banach com a norma ∥f ∥W = ∥ +∞ ∑ fn ξ ∥W := n n=−∞ +∞ ∑ |fn |. n=−∞ A álgebra W tem a unidade e ≡ 1 e é conhecida como a álgebra de Wiener. 1.2 1.2.1 Invertibilidade e espectro Invertibilidade Se A é uma álgebra com unidade, um elemento a ∈ A diz-se invertı́vel à esquerda (invertı́vel à direita, invertı́vel ) se existe um elemento b ∈ A tal que ba = e (ab = e, ab = ba = e). A b chama-se inverso esquerdo (inverso direito, inverso) de a. Se a é um elemento invertı́vel, o seu inverso é único. De facto, se existissem dois inversos de um elemento a, b e b′ , tinha-se b′ = eb′ = (ba)b′ = b(ab′ ) = be = b. Assim, se existir, designa-se o inverso de um elemento a ∈ A por a−1 . Tem-se evidentemente que (a−1 )−1 = a e que se a e b forem elementos invertı́veis de A então o produto ab é invertı́vel e (ab)−1 = b−1 a−1 . Designa-se o conjunto dos elementos invertı́veis da álgebra A por GA . Teorema 1.2.1 (Série de Neumann). Seja A uma álgebra de Banach com unidade. Se u ∈ A e ∥u∥ < 1 então ∑ n (i) e − u é invertı́vel, com o inverso (e − u)−1 = ∞ n=0 u ; 12 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH (ii) ∥(e − u)−1 ∥ ≤ 1 . 1−∥u∥ Dem. Pela propriedade (iv) da ∑ definição de álgebra de Banach tem-se que ∥un ∥ ≤ n n ∥u∥ e consequentemente a série ∞ n=0 u∑ é absolutamente convergente. Considerek n se a sucessão das somas parciais vk := n=0 u . Como A é completo como espaço topológico, vk converge para um limite v ∈ A. Tem-se (e − u)vk = vk (e − u) = e − uk+1 → e, k→∞ concluindo-se que v = ∑∞ n=0 un = (e − u)−1 e que −1 ∥(e − u) ∥ ≤ ∞ ∑ ∥u∥n = n=0 1 . 1 − ∥u∥ Exemplo 1.2.1. Sendo X um espaço de Banach e L(X) a álgebra de Banach dos operadores lineares limitados de X em X, o Teorema 1.2.1 fornece um método iterativo para calcular soluções aproximadas em X, para equações da forma x − T x = y, onde T ∈ L(X) é tal que ∥T ∥L(X) := sup ∥T x∥ < 1 e y é fixo em X. ∥x∥<1 Defina-se x0 := y x1 := y + T x0 = y + T y x2 := y + T x1 = y + T y + T 2 y .. . xn := y + T xn−1 = Sn y onde Sn = n ∑ T k. k=0 ∑ k −1 Se ∥T ∥ < 1 então ∞ k=0 T converge e xn → x = (I − T ) y. O erro da enésima aproximação pode ser estimado por ( ∞ ) ∑ ∥T ∥n+1 ∥x − xn ∥ ≤ ∥(I − T )−1 − Sn ∥∥y∥ ≤ ∥T ∥k ∥y∥ = ∥y∥. 1 − ∥T ∥ k=n+1 Teorema 1.2.2. Seja A uma álgebra de Banach com Se x ∈ A é invertı́vel ∑ unidade. −1 (x (x − y))n x−1 . O conjunto e ∥x − y∥ < ∥x−1 ∥−1 então y é invertı́vel e y −1 = ∞ n=0 dos elementos invertı́veis GA é aberto. 1.2. INVERTIBILIDADE E ESPECTRO 13 Dem. Tem-se ∥e − x−1 y∥ = ∥x−1 (x − y)∥ ≤ ∥x−1 ∥∥x − y∥ < 1 e portanto x−1 y é invertı́vel. Como y = ey = (xx−1 )y = x(x−1 y) e o produto de dois elementos invertı́veis é invertı́vel, y é invertı́vel. A representação de y −1 indicada obtém-se do Teorema 1.2.1 pois sendo y = x − (x − y), y −1 = (x−(x−y))−1 = (x−(x−y))−1 xx−1 = (x−1 (x−(x−y)))−1 x−1 = (e−x−1 (x−y))−1 x−1 com ∥x−1 (x − y)∥ ≤ ∥x−1 ∥∥x − y∥ < 1. Finalmente, como cada elemento de GA tem uma vizinhança constituı́da por elementos de GA , conclui-se que GA é um conjunto aberto. Corolário 1.2.3. A transformação x 7→ x−1 é um homeomorfismo de GA em GA Dem. Mostre-se que se (xn ) é uma sucessão em GA tal que se xn → x ∈ GA então −1 −1 −1 x−1 → e. n → x . Considere-se yn := x xn e mostre-se que se yn → e então yn Tem-se ∥yn−1 − e∥ = ∥yn−1 (e − yn )∥ ≤ ∥yn−1 ∥∥e − yn ∥, ou seja o resultado fica demonstrado se (yn−1 ) for uma sucessão limitada. Seja hn := yn − e, com hn → 0. Como yn = e + hn , para n suficientemente grande tem-se pelo Teorema 1.2.1 que yn−1 é uma sucessão limitada pois ∥yn−1 ∥ = ∥(e + hn )−1 ∥ ≤ 1 → 1. 1 − ∥hn ∥ A aplicação x 7→ x−1 é assim uma aplicação contı́nua. 1.2.2 Espectro e conjunto resolvente Definição 1.2.1. Sendo A uma álgebra complexa com unidade e a um elemento de A, chama-se conjunto resolvente de a, e representa-se por ρA (a) (ou simplesmente ρ(a) quando o contexto é claro), o conjunto } { ρA (a) := λ ∈ C : λe − a ∈ GA . 14 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH O complemento em C de ρA (a), designa-se por espectro de a e é representado por σA (a) (ou simplesmente σ(a)). Tem-se que { } σA (a) := λ ∈ C : λe − a ∈ / GA . Exemplo 1.2.2. Seja A a álgebra C(T) em que T é a circunferência unitária. Uma função f ∈ C(T) é invertı́vel se e só se não se anula em T. O espectro σ(f ) coincide com o conjunto f (T) := {f (t) ∈ C : t ∈ T}. Exemplo 1.2.3. Seja A a álgebra Mn (C) das matrizes n×n com elementos complexas. O espectro de uma matriz corresponde ao conjunto dos seus valores próprios. Definição 1.2.2. Chama-se resolvente de a ∈ A à função R(a) : ρA (a) ⊂ C → A, λ 7→ Rλ (a) := (λe − a)−1 . Proposição 1.2.4. Sejam A uma álgebra complexa com unidade e a ∈ A. Se µ, λ ∈ ρA (a) então (i) Rλ (a) e Rµ (a) comutam; (ii) Rλ (a) − Rµ (a) = (µ − λ)Rλ (a)Rµ (a) (igualdade de Hilbert). Dem. Ambas as proposições se demonstram por cálculo directo. Para (i), Rλ (a)Rµ (a) = (λe − a)−1 (µe − a)−1 = ((µe − a)(λe − a))−1 = ((λe − a)(µe − a))−1 = (µe − a)−1 (λe − a)−1 = Rµ (a)Rλ (a). Quanto a (ii) tem-se (µ − λ)Rλ (a) = Rλ (a)((µe − a) − (λe − a)) = Rλ (a)(µe − a) − e. Multiplicando ambos os membros da igualdade anterior à direita por Rµ (a) obtém-se a igualdade de Hilbert. Proposição 1.2.5. Sejam A uma álgebra de Banach complexa com unidade e a ∈ A. Então o conjunto resolvente de a, ρA (a), é aberto e a função R(a) é analı́tica em ρA (a). 1.2. INVERTIBILIDADE E ESPECTRO 15 Dem. Dado µ ∈ ρA (a), seja λ ∈ C tal que |λ − µ| < 1 . ∥(µe − a)−1 ∥ Tem-se que ∥(µe − a) − (λe − a)∥ = |λ − µ| < 1 , ∥(µe − a)−1 ∥ donde se conclui pelo Teorema 1.2.2, uma vez que µe − a é invertı́vel, que λe − a é invertı́vel e ∞ ∑ −1 (λe − a) = (−1)k (λ − µ)k ((µe − a)−1 )k+1 . k=0 O conjunto ρA (a) é então aberto e a função R(a) é uma função analı́tica em ρA (a). 1.2.3 Raio espectral. Teorema de Gelfand-Mazur Definição 1.2.3. Dada uma álgebra de Banach A com unidade, chama-se raio espectral de a ∈ A ao número real r(a) := sup{|λ| : λ ∈ σA (a)}. Exemplo 1.2.4. Seja A a álgebra C(T). Recordando o Exemplo 1.2.2, o raio espectral de uma função f ∈ C(T) é r(a) = sup|f (t)| = ∥f ∥∞ . t∈T Com o resultado que se segue assegura-se que para cada elemento a ∈ A a noção de raio espectral está bem definida, coincidindo assim com o raio do menor disco fechado no plano complexo com centro em 0 que contém o espectro do elemento a. Teorema 1.2.6. Sendo A uma álgebra de Banach complexa com unidade, então o espectro de um elemento a ∈ A, σA (a), é não vazio e compacto. Dem. Seja a ∈ A. Se |λ| > ∥a∥ então ∥ λ1 a∥ < 1 e pelo Teorema 1.2.1 conclui-se que λe − a = λ(e − λ−1 a) é invertı́vel. Como consequência, atendendo à Definição 1.2.3 tem-se que r(a) ≤ ∥a∥ e que σA (a) é limitado. Como o resolvente do elemento a ∈ A é um conjunto aberto em C, então o espectro σ(a) é fechado e consequentemente é compacto. Falta-nos provar que σA (a) é não vazio. Para tal suponha-se que σA (a) é vazio e mostre-se que este facto conduz a um absurdo. Se σA (a) = ∅ então ρA (a) = C e pela Proposição 1.2.5 a função resolvente R(a) é uma função inteira. Assim R(a) 16 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH é limitada uma vez que é contı́nua no disco |λ| < ∥a∥ e para |λ| > ∥a∥, tem-se do Teorema 1.2.1 que, ∥R(a)∥ = ∥(e − λ−1 a)−1 ∥ 1 ≤ . |λ| |λ| − ∥a∥ O teorema de Liouville para funções holomorfas de C em A, permite afirmar que a função R(a) é constante e, dado que ∥Rλ (a)∥ → 0 quando |λ| → ∞, então R(a) é a função nula. Tal é absurdo pois Rλ (a) é invertı́vel para qualquer λ ∈ ρA (a). Observe-se que o resultado anterior não é em geral verdadeiro para álgebras reais, se usarmos a definição “natural” de espectro de um elemento de uma álgebra real, como o conjunto { } σA (a) := λ ∈ R : λe − a ∈ GA . Exemplo 1.2.5. Sejam A a álgebra M2 (R) das matrizes 2 × 2 com elementos reais, e [ ] 0 −1 A= . 1 0 ] [ λ 1 = 0, O espectro de A é vazio uma vez que, λe−A é não invertı́vel se e só se det −1 λ o que é equivalente a resolver em R a equação impossı́vel λ2 + 1 = 0. Teorema 1.2.7. Se A é uma álgebra de Banach complexa com unidade então, para qualquer elemento a ∈ A, 1 r(a) = lim ∥an ∥ n . n→∞ 1 Dem. Comece-se por mostrar que r(a) ≥ lim sup ∥an ∥ n . Considere-se a função resolvente R(a), que é analı́tica em ρA (a) e o conjunto aberto Λ := {λ ∈ C : |λ| > ∥a∥} ⊂ ρA (a). Se λ ∈ Λ tem-se que ∥a/λ∥ < 1 e ∞ 1( a )−1 1 ∑ ( a )n Rλ (a) = e− = . λ λ λ k=0 λ (1.1) Trata-se de um desenvolvimento em série de Laurent em λ que se mantém válido para λ ∈ Λ0 ⊃ Λ, onde Λ0 := {λ ∈ C : |λ| > r(a)}, 1.2. INVERTIBILIDADE E ESPECTRO 17 visto R(a) ser uma função analı́tica em Λ0 ⊂ ρA (a). Como se trata de uma série de potências em λ−1 então o seu raio de convergência é, pela fórmula de Hadamard, r= 1 1 lim sup ∥an ∥ n , o que significa que a série converge se |λ−1 | < r e diverge se |λ−1 | > r. Ora, atendendo a que o desenvolvimento é válido para |λ| ≥ r(a), tem-se 1 1 ≤r= 1 r(a) lim sup ∥an ∥ n 1 concluindo-se que r(a) ≥ lim sup ∥an ∥ n . 1 Mostre-se em seguida que r(a) ≤ lim inf ∥an ∥ n . Tem-se que an − λn e = (a − λe)(an−1 + λan−2 + . . . + λn−1 e) = (an−1 + λan−2 + . . . + λn−1 e)(a − λe), o que significa que se an − λn e é invertı́vel, também a − λe o é. Assim, λn ∈ ρA (an ) ⇒ λ ∈ ρA (a) e consequentemente, λ ∈ σA (a) ⇒ λn ∈ σA (an ). Para qualquer λ ∈ σA (a) tem-se pois |λ|n = |λn | ≤ r(an ) ≤ ∥an ∥, logo, para n ∈ N, 1 |λ| ≤ ∥an ∥ n , 1 o que implica r(a) ≤ lim inf ∥an ∥ n . Tem-se finalmente que 1 1 r(a) ≤ lim inf ∥an ∥ n ≤ lim sup ∥an ∥ n ≤ r(a) obtendo-se o resultado pretendido. O Teorema 1.2.6 tem como consequência o teorema de Gelfand-Mazur, de grande importância na teoria das álgebras comutativas. Teorema 1.2.8 (Teorema de Gelfand-Mazur). Se numa álgebra de Banach complexa com unidade, todos os elementos diferentes de zero são invertı́veis, então essa álgebra é isometricamente isomorfa ao corpo dos complexos. 18 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH Dem. Seja A uma álgebra nas condições do teorema. Se a ∈ A, então pelo teorema anterior existe λ ∈ C tal que λe − a não é invertı́vel. Como o único elemento não invertı́vel na álgebra é o 0 então λe − a = 0, ou seja, a = λe. Como o raciocı́nio anterior é válido para qualquer a ∈ A, conclui-se que A = {λe : λ ∈ C}, ou seja, A é o conjunto dos múltiplos escalares de e. A aplicação λe 7→ λ é obviamente um isomorfismo isométrico de A em C, pois ∥λe∥ = |λ|. 1.2.4 Espectro e subálgebras Uma questão que é importante analisar é a relação entre o espectro de um elemento numa álgebra e o espectro desse mesmo elemento numa subálgebra a que pertença. Considere-se uma álgebra de Banach com unidade A e B uma sua subálgebra de Banach unital, ou seja, uma subalgebra de Banach contendo a mesma unidade de A. Se a ∈ B, qual a relação entre σB (a) e σA (a)? De facto se b ∈ B é invertı́vel em A, pode dar-se o caso de b−1 ̸∈ B e b não ser portanto invertı́vel na subálgebra B. É evidente, no entanto, que se b não for invertı́vel em A também não o será em B. Assim pode-se imediatamente concluir que σA (a) ⊂ σB (a), mas em geral os dois espectros poderão ser à partida diferentes. Quão diferentes é o que se pretende analisar. Exemplo 1.2.6. Considere-se a circunferência unitária T := {t ∈ C : |t| = 1} e o disco unitário D := {ξ ∈ C : |ξ| < 1}. Sejam A = C(T) e B o fecho em A da álgebra com unidade {p : p(t) é um polinómio em t}. O espectro de z, z(t) = t, como elemento de A é o próprio T (Exemplo 1.2.2). Mas z é também um elemento de B e terá um espectro nesta álgebra. Uma vez que ∥z∥∞ = 1 tem-se que σB (z) está contido no cı́rculo unitário. Suponha-se que |λ| < 1 e que λ ̸∈ σB (z). Então existe f ∈ B tal que (λ − z)f = 1. Uma vez que f ∈ B, existe uma sequência de polinómios (pn ) tal que pn → f uniformemente em T. Assim, para qualquer ϵ > 0 existe n0 ∈ N tal que para n, m > n0 se tem sup{|pn (t) − pm (t)| : t ∈ T} = ∥pn − pm ∥∞ < ϵ. Pelo princı́pio do máximo sup{|pn (ξ) − pm (ξ)| : ξ ∈ D} < ϵ para n, m > n0 . Então g = lim pn é analı́tica em D e contı́nua no seu fecho. Tem-se também que g|T = f . Pelo mesmo argumento, uma vez que pn (λ − z) → 1 uniformemente em T, então pn (λ−z) → 1 uniformemente em D. O que significa que g(λ−z) = 1 em D. Mas 1 = g(λ)(λ − λ) = 0 é uma contradição. Assim D ⊂ σB (z) e portanto σB (z) ̸= σA (z). 1.2. INVERTIBILIDADE E ESPECTRO 19 Na análise da relação entre σB (a) e σA (a), para a ∈ A, é importante introduzir o conceito de divisor topológico de zero . Definição 1.2.4. Sendo A uma álgebra de Banach, diz-se que um elemento a ∈ A é um divisor topológico de zero à esquerda (direita) se existir uma sucessão (an ) de termos em A tal que (i) ∥an ∥ = 1, n ∈ N; (ii) lim aan = 0 ( lim an a = 0). n→∞ n→∞ Se a for divisor topológico de zero à esquerda e à direita diz-se que a é divisor topológico de zero. Designa-se por ZA o conjunto dos divisores topológicos de zero de uma álgebra A. Exemplo 1.2.7. Considere-se C([0, 1]) e z(t) := t. A função z é um divisor topológico de zero pois a sucessão definida por { 1 − nt se 0 ≤ t < 1/n zn (t) := 0 se 1/n ≤ t ≤ 1 está nas condições da definição anterior. Proposição 1.2.9. Se B é uma álgebra de Banach com unidade, e a é divisor topológico de zero em B então a ̸∈ GB . Dem. Seja a divisor topológico de zero à esquerda, ou seja, existe an tal que ∥an ∥ = 1 e aan → 0. Se a ∈ GB , existiria a−1 ∈ B tal que a−1 a = e. Assim, a−1 aan = an → 0, o que é impossı́vel pois ∥an ∥ = 1 para qualquer n ∈ N. Corolário 1.2.10. Sejam A uma álgebra de Banach com unidade, B uma subálgebra de Banach unital de A e a ∈ B um divisor topológico de zero em B. Então a ̸∈ GA . Dem. Qualquer sucessão (an ) em B tal que ∥an ∥ = 1, limn→∞ aan = 0 e limn→∞ an a = 0 é uma sucessão em A com as mesmas propriedades. Ou seja um divisor topológico de zero em B é um divisor topológico de zero em A. Um elemento a ∈ B pode não ser invertı́vel em B mas passar a sê-lo se em vez de B se considerar uma álgebra A contendo B como subálgebra fechada e unital. Tal não acontece se a for um divisor topológico de zero. Estes elementos são definitivamente não invertı́veis. Estabelece-se assim de seguida uma relação importante entre os conjuntos GA e ZA . 20 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH Proposição 1.2.11. Numa álgebra de Banach A, qualquer elemento da fronteira de GA é um divisor topológico de zero em A. Ou seja, fr GA ⊂ ZA . Dem. Uma vez que GA é aberto, se x é um elemento na sua fronteira, então x ̸∈ GA e existe uma sucessão (xn ) ⊂ GA tal que xn → x. Pode-se então definir an := n→∞ −1 x−1 n /∥xn ∥, e mostrar que x é um divisor topológico de zero. Por definição tem-se de imediato que ∥an ∥ = 1. Por outro lado, tem-se ∥an x∥ = ∥x−1 ∥(x−1 ∥x−1 1 n x∥ n x − e) + e∥ n x − e∥ = ≤ + −1 −1 −1 −1 ∥xn ∥ ∥xn ∥ ∥xn ∥ ∥xn ∥ ∥x−1 ∥∥x − xn ∥ 1 1 ≤ n −1 + −1 = ∥x − xn ∥ + −1 . ∥xn ∥ ∥xn ∥ ∥xn ∥ Quanto n → ∞ a primeira parcela tende para zero. Analise-se a segunda. Sabe-se que −1 x−1 n x ̸∈ GA , pois xn (xn x) = x e xn ∈ GA e consequentemente tem-se que ∥e − x−1 n x∥ ≥ 1 −1 −1 pois se fosse ∥e − x−1 n x∥ < 1 ter-se-ia que xn x = e − (e − xn x) ∈ GA . Assim, −1 1 ≤ ∥e − x−1 n x∥ ≤ ∥xn ∥∥x − xn ∥ e 1 ≤ ∥x − xn ∥ → 0. ∥x−1 n ∥ Conclui-se assim que an x → 0. Logo x é divisor topológico de zero esquerdo. A demonstração de que xan → 0 é análoga. O resultado anterior permite concluir que numa álgebra de Banach um elemento que não é invertı́vel mas pode ser aproximado por elementos invertı́veis é um divisor topológico de zero. Proposição 1.2.12. Sejam A uma álgebra de Banach complexa com unidade, B uma subálgebra de Banach unital de A e a ∈ B. Então: (i) σA (a) ⊂ σB (a); (ii) fr σB (a) ⊂ fr σA (a). Dem. A primeira afirmação é óbvia tendo em conta a discussão no inicio da secção. Quanto à segunda, considere-se µ ∈ fr σB (a). Então a − µe ∈ fr GB sendo a − µe um divisor topológico de zero em B e, portanto, como já se observou, um divisor topológico 1.2. INVERTIBILIDADE E ESPECTRO 21 de zero em A. Consequentemente a − µe não é invertı́vel em A, ou seja µ ∈ σA (a). Ora, µ ∈ fr σA (a) pois, uma vez que µ ∈ fr σB (a), µ é o limite de uma sucessão em ρB (a) que por (i) está contido em ρA (a) A proposição anterior indica que quando se passa de uma subálgebra B para uma álgebra que a contenha, o espectro de um elemento só pode reduzir-se à custa de pontos interiores, não perdendo pontos fronteiros. Inversamente, ao passar de uma álgebra para uma subálgebra, o espectro de um elemento, σA (a) , só pode aumentar pela supressão de “buracos”, componentes conexas do resolvente ρA (a) que são limitadas, não aumentando a fronteira. Teorema 1.2.13. Sejam A uma álgebra de Banach complexa com unidade, B uma sua subálgebra fechada e unital e a ∈ B. (i) Se B é um “buraco”de σA (a), então ou B ⊂ σB (a) ou B ∩ σB (a) = ∅; (ii) Se o conjunto resolvente ρA (a) é conexo, então σA (a) = σB (a). Dem. (i) Dado um ”buraco”B de σA (a), defina-se B1 := B \ σB (a) e B2 := B ∩ σB (a). Tem-se que B1 ∩ B2 = ∅ e B1 ∪ B2 = B. Claramente B1 é aberto. Quanto a B2 , uma vez que fr σB (a) ⊂ σA (a) e B ∩ σA (a) = ∅ temos que B2 = B ∩ int σB (a), o que implica que B2 também é aberto. Uma vez que B é conexo, ou B1 é vazio ou B2 é vazio. A primeira parte do teorema está demonstrada. (ii) Comece-se por mostrar que σB (a) \ σA (a) é aberto. O seu complemento é ρB (a) ∪ σA (a). Suponha-se que existe um ponto λ ∈ fr(σB (a) \ σA (a)) ∩ (σB (a) \ σA (a)). O ponto λ não pertence a fr σB (a) (porque nesse caso teria que pertencer a fr σA (a) ⊂ σA (a)) sendo um ponto interior de σB (a) e não pode ser assim o limite de uma sucessão em ρB (a). Como o ponto λ não pode ser o limite de uma sucessão em σA (a), temse uma contradição e portanto σB (a) \ σA (a) tem de ser aberto. O conjunto conexo ρA (a) = ρB (a) ∪ (σB (a) \ σA (a)) é pois a união de dois conjuntos abertos disjuntos. Ou seja, σB (a) \ σA (a) tem que ser vazio, uma vez que pelo Teorema 1.2.1 ρB (a) é não vazio. Note-se que o Teorema 1.2.7 mostra que o raio espectral de um elemento não se altera ao passar para uma subálgebra, apesar do espectro poder ser alterado. Impondo certas condições nas álgebras e nas suas subálgebras, pode acontecer que nenhum elemento altere o seu espectro. Esta é uma propriedade importante, que é caracterı́stica de uma classe de álgebras a analisar no Capı́tulo 3. 22 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH Definição 1.2.5. Sejam A uma álgebra de Banach com unidade e, e B uma subálgebra fechada de A contendo e. Diz-se que B é fechada para a inversão se, para qualquer a ∈ B, a invertibilidade de a em A implica a invertibilidade de a em B. Um exemplo de uma álgebra fechada para a inversão é a álgebra C(X) como subálgebra da álgebra L∞ (X), com X um espaço Hausdorff compacto, já que, se f ∈ C(X) é invertı́vel em L∞ (X) então a função inversa é contı́nua em X. 1.3 1.3.1 Ideais e invertibilidade Ideais e ideais maximais Os ideais de uma álgebra podem ser ordenados através da relação de inclusão. Os ideais (esquerdos, direitos, bilaterais) próprios que não estão contidos em nenhum outro ideal próprio (esquerdo, direito, bilateral), designam-se por ideais maximais (esquerdos, direitos, bilaterais). Como se verá adiante, os ideais maximais de uma álgebra de Banach desempenham um papel muito importante na teoria. Proposição 1.3.1 (Lemma de Krull). Seja A uma álgebra com unidade. Então todo o ideal (esquerdo, direito, bilateral) próprio está contido num ideal maximal (esquerdo, direito, bilateral). Dem. Sendo J um ideal não maximal, considere-se a famı́lia O de todos os ideais próprios de A que contêm J , ordenada parcialmente pela relação de inclusão. Seja O′ uma subfamı́lia totalmente ordenada de ideais de O. Mostre-se que a sua união I é um ideal próprio. Dados dois elementos i1 , i2 ∈ I, existem ideais I1 e I2 de O′ contendo respectivamente i1 e i2 . Como a subfamı́lia é totalmente ordenada tem-se que ou I1 ⊆ I2 ou I2 ⊆ I1 , o que implica que ambos os elementos pertencem a um dos ideais e logo a soma e o produto também. Por outro lado, dado um elemento a ∈ A, o elemento ai1 ei1 a está contido em I1 e consequentemente em I. Ora, o ideal I é próprio pois não contém a unidade. Se contivesse, significava que esta pertenceria também a algum dos elementos da subfamı́lia o que é absurdo pois todos os ideais da famı́lia são próprios. O ideal I é pois um majorante de O′ , o que significa que se pode aplicar o Lema de Zorn e concluir que a famı́lia tem um elemento maximal. A não invertibilidade à esquerda (direita) de um elemento de uma álgebra de Banach é condição necessária e suficiente para que esse elemento pertença a um ideal próprio esquerdo (direito) de A. Teorema 1.3.2. Seja A uma álgebra de Banach com unidade. Então: 1.3. IDEAIS E INVERTIBILIDADE 23 (i) O elemento a ∈ A é invertı́vel à esquerda (direita) se e só se não pertence a nenhum ideal próprio esquerdo (direito) de A. (ii) O fecho de um ideal (esquerdo, direito, bilateral) próprio é um ideal próprio (esquerdo, direito, bilateral); (iii) Todo o ideal maximal (esquerdo, direito, bilateral) é fechado; Dem. (i) Admita-se que a é invertı́vel à esquerda e que existe um ideal esquerdo maximal J ⊂ A tal que a ∈ J . Então ba = e para algum b ∈ A, o que implicaria e ∈ J , logo J = A, o que é absurdo pois J é um ideal próprio. Por outro lado considere-se a ∈ A não invertı́vel à esquerda. Defina-se J := Aa = {xa, x ∈ A}. J é um ideal esquerdo de A. Este ideal contém obviamente a e é próprio pois caso contrário e ∈ J , o que implicaria a existência de um y ∈ A tal que ya = e. Pelo Lemma de Krull (Proposição 1.3.1), J está contido num ideal esquerdo maximal de A. A demonstração relativa à invertibilidade à direita é semelhante. Fica assim demonstrado (i). A demonstração de (ii) e (iii) é válida se se considerar quer um ideal bilateral, quer um ideal esquerdo ou direito. Para demonstrar (ii) considere-se um ideal próprio J de A. O fecho de J , J , é também um ideal pela continuidade das operações algébricas. Uma vez que GA é aberto e GA ∩ J = ∅ por (i), concluı́do-se que J é próprio. Uma consequência do lemma de Krull e de (ii) é (iii), pois se um ideal maximal não fosse fechado, estaria estritamente contido no seu fecho, que por (ii) seria um ideal próprio, obtendo-se uma contradição. O corolário seguinte é uma consequência imediata do resultados anteriores. Corolário 1.3.3. Seja A uma álgebra de Banach comutativa com unidade. Tem-se que um elemento a ∈ A é invertı́vel se e só se não pertence a nenhum ideal maximal de A. Definição 1.3.1. Dada uma álgebra de Banach A e um ideal fechado J de A, chamase álgebra quociente de A por J , e designa-se por A/J ou AJ , à álgebra formada pelas classes de equivalência aJ := a + J , a ∈ A determinadas por, a + J := {a + j, j ∈ J }. A estrutura algébrica canónica para a álgebra quociente é definida naturalmente por: (i) (a + J ) + (b + J ) := (a + b) + J ; 24 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH (ii) λ(a + J ) := λa + J ; (iii) (a + J )(b + J ) := ab + J , em que a, b ∈ A, λ ∈ K. A topologia quociente é definida pela norma ∥a + J ∥AJ := inf ∥y∥ = inf{∥a + j∥ : j ∈ J } y∈a+J Observe-se que na definição anterior o produto está bem definido pois se a′ ∈ a+J , b′ ∈ b + J , então a′ b′ ∈ ab + J . Naturalmente, a classe de equivalência e + J será a unidade na álgebra quociente. Teorema 1.3.4. Sendo A uma álgebra de Banach e J um ideal próprio fechado de A, então A/J é uma álgebra de Banach. Dem. que, O espaço A/J é completo uma vez que J é fechado. Resta apenas provar ∥(a + J )(b + J )∥AJ ≤ ∥a + J ∥AJ ∥b + J ∥AJ , a, b ∈ A, o que se conclui de: ∥(a + J )(b + J )∥AJ = ∥(ab + J )∥AJ = inf{∥ab + j∥ : j ∈ J } ≤ inf{∥(a + j1 )(b + j2 )∥ : j1 , j2 ∈ J } ≤ inf{∥a + j1 ∥ : j1 ∈ J } inf{∥b + j2 ∥ : j2 ∈ J }. Definição 1.3.2. Uma álgebra A diz-se simples se não possui ideias próprios não nulos, ou seja, se os únicos ideais de A são os triviais, {0} e A. Teorema 1.3.5. Um ideal próprio fechado M de uma álgebra de Banach A com unidade, é maximal se e só se a álgebra quociente A/M é simples. Dem. Seja Φ o homomorfismo canónico de A para A/M e suponha-se que existe um ideal próprio não trivial J de A/M. Vai-se mostrar que Φ−1 (J ) é um ideal de A. Para qualquer x ∈ Φ−1 (J ) temos que x + M ∈ J e portanto para qualquer y ∈ A tem-se Φ(xy) = Φ(x)Φ(y) ∈ J e Φ(yx) = Φ(y)Φ(x) ∈ J , o que implica que xy, yx ∈ Φ−1 (J ) concluı́ndo-se que Φ−1 (J ) é um ideal de A. Uma vez que Φ(M) = 0 + M tem-se que M ⊂ Φ−1 (J ). Mas como J é não trivial em A/M tem-se que M ̸= Φ−1 (J ). Por outro lado, também se tem que Φ−1 (J ) ̸= A. 1.3. IDEAIS E INVERTIBILIDADE 25 Logo Φ−1 (J ) é um ideal próprio de A, contendo estritamente M, o que implica que M não é maximal. Reciprocamente, se M não é maximal em A, existe um ideal próprio J de A tal que M ⊂ J e M = ̸ J . Nesse caso Φ(J ) é um ideal de A/M tal que: Φ(J ) ̸= {0 + M} porque J ̸= M; Φ(J ) ̸= A/M porque e + M ̸∈ Φ(J ). Portanto Φ(J ) é um ideal não trivial de A/M. Dos vários resultados obtidos referentes à relação entre ideais e invertibilidade é possı́vel concluir o seguinte: Teorema 1.3.6. Se A é uma álgebra de Banach comutativa com unidade e, e M é um ideal maximal de A, então A/M é um corpo. Dem. Sendo M um ideal maximal, pelo Teorema 1.3.5 a álgebra quociente A/M é simples. Consequentemente, aplicando o Teorema 1.3.2 qualquer elemento não nulo de A/M (i.e. da forma a + M com a ̸∈ M) é invertı́vel em A/M. Aplicando agora o teorema de Gelfand-Mazur, obtêm-se de imediato o seguinte corolário para álgebras comutativas complexas, um resultado de grande importância como se verá mais adiante. Corolário 1.3.7. Se A é uma álgebra de Banach complexa comutativa com unidade e, e M é um ideal maximal de A, então A/M é isometricamente isomorfa ao corpo dos complexos. Outra consequência do Teorema 1.3.6 é o resultado que se segue: Corolário 1.3.8. Sejam A uma álgebra de Banach comutativa com unidade e MA o conjunto dos seus ideias maximais. Defina-se AM := A/M e aM := a + M para a ∈ A e M ∈ MA . Se a ∈ A, então a ∈ GA se e só se aM ∈ GAM , ∀M ∈ MA . Dem. Juntando ao Teorema 1.3.6 o Corolário 1.3.3, obtém-se de imediato a cadeia de equivalências: a ∈ GA ⇔ a ∈ / M, ∀M ∈ MA ⇔ aM ̸= 0M , ∀M ∈ MA ⇔ aM ∈ GAM , ∀M ∈ MA . 26 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH 1.3.2 Radical de uma álgebra Analisa-se nesta secção um ideal especial que é em certo sentido não essencial relativamente à invertibilidade de outros elementos da álgebra. Definição 1.3.3. Dada uma álgebra A, chama-se radical da álgebra A à intersecção de todos os seus ideais maximais esquerdos: RA := ∩J , J ideal maximal esquerdo de A. Os resultados apresentados de seguida vão caracterizar os elementos do radical. Lema 1.3.9. Se A é uma álgebra com unidade e r ∈ RA , então e − r é invertı́vel. Dem. Suponha-se que e − r não é invertı́vel à esquerda. Então L := A(e − r) é um ideal esquerdo próprio da álgebra A, que contém e − r. Considere-se agora o ideal maximal esquerdo J que contém L, e portanto e − r ∈ J . Também r ∈ J pois r pertence a todos os ideais maximais esquerdos. Conclui-se pois que e = r +(e−r) ∈ J , o que é uma contradição. Provou-se assim que e − r é invertı́vel à esquerda. Existe portanto um elemento b invertı́vel à direita tal que b(e − r) = e ⇔ b = e − (−b)r. Uma vez que (−b)r ∈ RA , aplicando novamente o raciocı́nio do primeiro parágrafo da demonstração chega-se à conclusão que b é também invertı́vel à esquerda. Isto significa que b é invertı́vel com inverso e − r, logo e − r é invertı́vel. Proposição 1.3.10. Um elemento a ∈ A pertence ao radical RA se e só se e − xa é invertı́vel para qualquer x ∈ A. Dem. A implicação directa é trivial pelo lema anterior, pois xa ∈ RA . Para se provar a implicação no sentido contrário, suponha-se que a não pertence a algum ideal maximal esquerdo L. Então o conjunto L + Aa = {l + ya : l ∈ L, y ∈ A} é um ideal esquerdo que contém L e a, e uma vez que é estritamente maior que L, é igual a A. Tem-se portanto que existem l ∈ L e y ∈ A tais que e = l + ya ⇔ l = e − ya. Pode pois concluir-se que l é invertı́vel, logo invertı́vel à esquerda, o que é uma contradição. Tem-se ainda o seguinte resultado: Proposição 1.3.11. Sejam A uma álgebra de Banach com unidade, e Ae := A/RA . Tem-se que um elemento a ∈ A é invertı́vel em A se e só se e a := a + RA é invertı́vel e em A. 1.4. FUNCIONAIS LINEARES MULTIPLICATIVOS 27 Dem. Se e a := a + RA é invertı́vel em Ae então existe b ∈ A tal que e aeb = ebe a = ee, e com b := b + RA e ee := e + RA . Assim, ab + RA = ba + RA = e + RA , donde se conclui que (e − ab) ∈ RA e (e − ba) ∈ RA . Conclui-se do Lema 1.3.9 que os elementos ab = e − (e − ab) e ba = e − (e − ba) são invertı́veis em A e este facto permite afirmar que tembém a é invertı́vel em A. A recı́proca da proposição é imediata. O resultado acima confirma o que foi afirmado no inicio da secção, que os elementos do radical podem ser ignorados ao estudar invertibilidade numa álgebra. Estes elementos podem mesmo não existir em ágebras com certas propriedades de simetria, como as que serão estudadas no Capı́tulo 3. Uma álgebra com radical trivial é designada por álgebra semi-simples: Definição 1.3.4. Uma álgebra A diz-se semi-simples se RA = {0}. A semi-simplicidade da álgebra torna esta mais simples de estudar, como se verá no próximo capı́tulo. 1.4 Funcionais lineares multiplicativos Nas secções anteriores analisou-se a relação que existe entre os ideais de uma álgebra e a invertibilidade de elementos dessa álgebra. Começa-se esta secção salientando que existe também uma forte relação entre os ideais de uma álgebra e os seus homomorfismos. Proposição 1.4.1. Dada uma álgebra A1 , o núcleo de qualquer homomorfismo W em A1 , Ker W = {a ∈ A1 : W(a) = 0} é um ideal bilateral em A1 . Reciprocamente, dado qualquer ideal J ⊂ A1 , existe uma álgebra A2 , assim como um homomorfismo W de A1 para A2 tal que J é o núcleo de W. Dem. Dado que W é linear tem-se que o seu núcleo é um subespaço linear. Se x ∈ Ker W e a ∈ A1 então W(xa) = W(x)W(a) = 0 = W(a)W(x) = W(ax). Assim xa, ax ∈ Ker W, e portanto o núcleo de W é um ideal. Para provar a segunda parte da proposição basta considerar A2 := A1 /J e W o homomorfismo canónico W : A1 → A1 /J , a 7→ a + J . Introduzem-se de seguida os funcionais lineares multiplicativos que são homomorfismos cujo contradomı́nio é o corpo sobre o qual a álgebra está definida. 28 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH Definição 1.4.1. Seja A uma álgebra sobre um corpo K. Uma aplicação linear ϕ : A → K diz-se um funcional linear. Se ϕ for também um homomorfismo então designase por funcional linear multiplicativo em A. Proposição 1.4.2. Sejam A uma álgebra com unidade e, e ϕ um funcional linear multiplicativo não nulo em A. Então (i) Se e representar a unidade de A, ϕ(e) = 1; (ii) Se a ∈ A, então ϕ(a) ∈ σA (a); (iii) O núcleo de ϕ é um ideal maximal. Dem. De imediato se estabelece (i) já que se existir a ∈ A tal que ϕ(a) ̸= 0, tem-se ϕ(a) = ϕ(ea) = ϕ(e)ϕ(a). Quanto a (ii) note-se que se a ∈ A, ϕ(a)e − a está no núcleo de ϕ, que é um ideal próprio de A, concluindo-se que ϕ(a)e − a não pode ser invertı́vel. Finalmente, o núcleo de um funcional linear multiplicativo é um hiperplano de codimensão 1 no espaço linear A. Assim, sendo um ideal, o núcleo de um funcional multiplicativo não nulo tem que ser maximal. Teorema 1.4.3. Qualquer funcional linear multiplicativo não nulo sobre uma álgebra de Banach com unidade e, é limitado e tem norma 1. Dem. Admita-se que existe um elemento a ∈ A tal que ∥a∥ = 1 e |ϕ(a)| > 1. Então ϕ(a)e − a é invertı́vel e ( ) ( ) 1 = ϕ(e) = ϕ (ϕ(a)e − a)(ϕ(a)e − a)−1 = ϕ ((ϕ(a)e − a)) ϕ (ϕ(a)e − a)−1 = 0 pois ϕ(ϕ(a)e − a) = 0. Trata-se de uma contradição. Assim, conclui-se que ∥ϕ∥ = sup |ϕ(a)| ≤ 1, ∥a∥=1 e como ϕ(e) = 1 tem-se ∥ϕ∥ = 1. Dados dois funcionais lineares ϕ1 e ϕ2 , diz-se que estes são proporcionais se existir uma constante diferente de zero α ∈ K tal que ϕ1 = αϕ2 . Lema 1.4.4. Dois funcionais sobre uma álgebra A têm o mesmo núcleo se e só se são proporcionais. 1.4. FUNCIONAIS LINEARES MULTIPLICATIVOS 29 Dem. Considerem-se dois funcionais ϕ1 e ϕ2 , com o mesmo núcleo. Considerese um qualquer elemento a ∈ A que não pertença ao núcleo. A álgebra A coincide exactamente com o espaço linear gerado pelo elemento a e pelo núcleo dos funcionais ϕ1 e ϕ2 . Dados quaisquer a, b ∈ A não pertencentes ao núcleo, estes admitem uma representação única na forma a = a0 + a1 e b = b0 + b1 com a0 , b0 no núcleo dos funcionais e a1 , b1 no espaço gerado por a. Uma vez que o complementar do núcleo é unidimensional pode-se concluir que existe α ∈ K tal que b1 = αa1 . Tem-se então que ϕ1 (b) ϕ1 (b1 ) αϕ1 (a1 ) ϕ1 (a) = = = . ϕ2 (b) ϕ2 (b1 ) αϕ2 (a1 ) ϕ2 (a) Em sentido inverso a conclusão é imediata. Conclui-se do lema anterior que dois funcionais lineares têm o mesmo núcleo se e só se forem proporcionais. Ora, uma vez que para qualquer funcional linear multiplicativo ϕ se tem ϕ(e) = 1, dois funcionais lineares multiplicativos serão iguais se os seus núcleos coincidirem. Existe pois uma relação estreita - de um para um - entre os ideais maximais de uma álgebra e os funcionais lineares multiplicativos definidos nessa álgebra. Pode-se então obter o seguinte resultado: Teorema 1.4.5. Seja A uma álgebra de Banach comutativa com unidade. O núcleo de um funcional linear multiplicativo em A é um ideal maximal e reciprocamente, qualquer ideal maximal em A é o núcleo de um e um só funcional linear multiplicativo em A. Dem. A primeira parte é um caso particular da Proposição 1.4.2. Na demonstração da segunda parte, considere-se um ideal maximal M em A. Então A/M é um corpo pelo Teorema 1.3.6, isometricamente isomorfo ao corpo K dos escalares da álgebra: A/M = {λ(e + M) : λ ∈ K} ∼ = K. Definindo o funcional como o homomorfismo canónico Φ : A → A/M, este é o único com este núcleo pelas considerações acima. Teorema 1.4.6. Se A é uma álgebra de Banach complexa, comutativa e com unidade, então o conjunto dos funcionais lineares multiplicativos não nulos sobre A é não vazio. Dem. Se A é um corpo, tem o funcional identidade. Se não é um corpo, pelo teorema de Gelfand-Mazur tem que ter pelo menos um elemento diferente de zero não invertı́vel, o que pelo Corolário 1.3.3 implica a existência de um ideal maximal. A aplicação do teorema anterior termina a demonstração. 30 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH Teorema 1.4.7. Numa álgebra de Banach A, comutativa e com unidade, um elemento a é invertı́vel se e só se para qualquer funcional linear multiplicativo ϕ, não nulo em A, se tem ϕ(a) ̸= 0. Dem. Se a é invertı́vel então para qualquer funcional linear multiplicativo não nulo ϕ em A tem-se 1 = ϕ(a)ϕ(a−1 ) o que implica que ϕ(a) ̸= 0. Por outro lado, se a não é invertı́vel pelo Corolário 1.3.3 existe um ideal maximal M em A que o contém. Ora, pelo Teorema 1.4.5 existe um funcional linear multiplicativo ϕ não nulo em A com núcleo M e consequentemente ϕ(a) = 0. Como consequência do teorema anterior, obtém-se o seguinte resultado: Teorema 1.4.8. Seja A uma álgebra de Banach complexa com unidade e. Sejam a ∈ A e B = alg{a} a subálgebra de Banach de A gerada por a e pela unidade e. Então ρB (a) é conexo. Dem. Suponhamos que σB (a) tem um buraco B ⊂ ρB (a), e seja µ0 ∈ B. Se p for um polinómio, tem-se pelo princı́pio do máximo e pelo teorema da transformação espectral para polinómios (ver exercı́cio 1.15), |p(µ0 )| ≤ max{|p(µ)| : µ ∈ fr B} ≤ max{|p(µ)| : µ ∈ σB (a)} = max{|µ| : µ ∈ σB (p(a))} = r(p(a)) ≤ ∥p(a)∥. (1.2) Da fórmula anterior pode deduzir-se que para quaisquer dois polinómios p1 e p2 , se p1 (a) = p2 (a) então p1 (µ0 ) = p2 (µ0 ) (p = p1 − p2 ). Conclui-se que é possı́vel definir um funcional linear multiplicativo ϕ no conjunto dos polinómios de a por ϕ(p(a)) := p(µ0 ). De (1.2), ϕ é contı́nuo e pode ser estendido ao fecho do conjunto dos polinómios de a, que é B. Uma vez que a = p(a) com p(z) := z, então ϕ(a) = µ0 com µ0 ∈ σA (a) pela Proposição 1.4.2, o que é uma contradição. 1.5 Cálculo funcional holomorfo Sendo a um elemento de uma álgebra ∑n de jBanach A com unidade e f o polinómio de coeficientes complexos f (z) := j=0 αj z , representa-se por f (a) o elemento de A ∑ definido por nj=0 αj aj . 1.5. CÁLCULO FUNCIONAL HOLOMORFO 31 Tentando generalizar a representação de elementos da álgebra utilizando funções não polinomiais, pode-se naturalmente pensar em considerar funções inteiras da forma f (z) = ∞ ∑ αj z j j=0 e representar por f (a) o limite da sucessão f (a) := ∑n j=0 ∞ ∑ αj aj , quando n tende para infinito, αj aj , j=0 limite que existe uma vez o espaço é de Banach. Para a função não inteira 1 fλ (z) := , λ−z holomorfa em Dλ := {z ∈ C : |z| < |λ|}, tem-se que 1 ∑ ( z )j , λ j=0 λ ∞ fλ (z) = z ∈ Dλ , e assim, se ∥a∥ < |λ|, a definição natural para fλ (a) é, 1 ∑ ( a )j = (λe − a)−1 . fλ (a) := λ j=0 λ ∞ A questão que se pretende abordar a seguir refere-se precisamente à análise das funções complexas de variável complexa, f, para as quais se pode definir o elemento f (a) com a ∈ A. Os exemplos anteriores sugerem que f (a) pode ser definido em A sempre que f for uma função holomorfa num aberto que contenha σA (a). Sejam a ∈ A, U um conjunto aberto em C tal que U ⊃ σA (a) e f uma função complexa holomorfa em U . Seja C ⊂ U uma curva fechada, rectificável e orientada com σA (a) na sua região interior. Para cada funcional linear φ de A∗ , espaço dual de A, a função z 7→ f (z)φ((ze − a)−1 ) é contı́nua em C, existindo o integral 1 F (φ) := 2πi ∫ f (z)φ((ze − a)−1 ) dz. C Repare-se que a aplicação φ 7→ F (φ) ∈ C, define um funcional linear limitado definido em A∗ tal que ( ) 1 −1 |F (φ)| ≤ L sup|f (z)|∥(ze − a) ∥ ∥φ∥, 2π z∈C 32 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH onde L é o comprimento da curva C. Dado que a função com valores em A, z 7→ f (z)(ze − a)−1 , é contı́nua em C, então existe em A um elemento f (a) que é o limite das somas n ∑ f (zi )(zi e − a)−1 (zi+1 − zi ) i=0 quando max |zi+1 − zi | → 0 para a partição {z0 , z1 , . . . , zn , zn+1 = z0 } de C. Assim, f (a) := lim max |zi+1 −zi |→0 n ∑ f (zi )(zi e − a)−1 (zi+1 − zi ). i=0 Tem-se que para qualquer φ ∈ A∗ , ∫ 1 φ(f (a)) = f (z)φ((ze − a)−1 ) dz = F (φ). 2πi C (1.3) Pelo Teorema de Cauchy para integrais de linha, f (a) não depende da curva C. Simbolicamente pode-se então escrever ∫ 1 f (z)(ze − a)−1 dz, f (a) = 2πi C sendo f (a) o unico elemento de A definido pela condição (1.3). Tem-se o seguinte resultado: Teorema 1.5.1. Sejam A uma álgebra de Banach com unidade e, a um elemento de A e H(σA (a)) a álgebra das funções holomorfas num conjunto aberto U ⊃ σA (a). Considere-se a aplicação eh : H(σA (a)) → A, f 7→ f (a). Γ Então: eh é um homomorfismo de H(σA (a)) em A; (i) A aplicação Γ eh é a identidade e de A; (ii) A imagem da função z 7→ 1 por Γ eh é o elemento a. (iii) A imagem da função z 7→ z por Γ (1.4) 1.5. CÁLCULO FUNCIONAL HOLOMORFO 33 Dem. (i) Que a aplicação f 7→ f (a) é linear é imediato. Mostre-se que f (a)g(a) = (f g)(a) para f e g duas funções holomorfas no aberto U. Considere-se C1 e C2 duas curvas simples em U contendo σA (a) na sua região interior e tais que C2 está na região interior a C1 . Tem-se ( )( ) ∫ ∫ 1 1 −1 −1 f (a)g(a) = f (z)(ze − a) dz g(ξ)(ξe − a) dξ 2πi C1 2πi C2 ∫ ∫ 1 = − 2 f (z)g(ξ)(ze − a)−1 (ξe − a)−1 dξ dz 4π C1 C2 ∫ ∫ ) 1 1 ( = − 2 f (z)g(ξ) (ξe − a)−1 − (ze − a)−1 dξ dz 4π C1 C2 z−ξ ∫ ∫ ∫ ∫ 1 f (z)g(ξ) 1 f (z)g(ξ) −1 = − 2 (ξe − a) dξ dz + 2 (ze − a)−1 dξ dz, 4π C1 C2 z − ξ 4π C1 C2 z − ξ tendo-se para a segunda parcela ) ∫ (∫ 1 g(ξ) dξ f (z)(ze − a)−1 dz = 0, 4π 2 C1 z − ξ C2 uma vez que g(ξ)/(z − ξ) é holomorfa na região interior a C2 se z ∈ C1 . Assim, ) ∫ ( ∫ 1 1 f (z) f (a)g(a) = dz g(ξ)(ξe − a)−1 dξ 2πi C2 2πi C1 z − ξ ∫ 1 = f (ξ)g(ξ)(ξe − a)−1 dξ 2πi C2 = (f g)(a). (ii) Seja f (z) = 1 para z ∈ C. Escolhendo convenientemente a curva C tem-se, ∫ 1 f (a) = (ze − a)−1 dz. 2πi C Seja então C a circunferência {z ∈ C : |z| = ∥a∥+ϵ}, com ϵ > 0 fixo. O desenvolvimento de Neumann é válido tendo-se uniformemente para z ∈ C, −1 (ze − a) ∞ ∑ an = . z n+1 n=0 Sendo a série anterior integrável termo a termo, então ) (∫ ∫ ∑ ∞ ∞ ∑ an 1 1 1 dz = dz an = e, f (a) = n+1 n+1 2πi C n=0 z 2πi C z n=0 34 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH uma vez que para n > 0 a função integranda é primitivável numa vizinhança de C, e o integral tem o valor 0. Analogamente se demonstra (iii). Ao homomorfismo (1.4) chama-se cálculo funcional holomorfo do elemento a ∈ A. Conclui-se a secção com o teorema da aplicação espectral: Teorema 1.5.2 (Teorema da Aplicação Espectral). Sejam A uma álgebra de Banach com unidade e, e a um elemento de A. Seja ainda f ∈ H(σA (a)). Então: (i) σA (f (a)) = f (σA (a)); (ii) Se g ∈ H(σA (f (a))), tem-se que (g ◦ f )(a) = g(f (a)) e σA ((g ◦ f )(a)) = g (σA (f (a)) = g ◦ f (σA (a)) Dem. (i) Defina-se b := f (a). Se µ ̸∈ f (σA (a)), então h(z) := 1/(f (z) − µ) é holomorfa num aberto contendo σA (a). Seja c := h(a). Tem-se pelo Teorema 1.5.1 que (b − µe)c = c(b − µe) = (f (a) − µe)h(a) = ((f − µ)h)(a) = e concluindo-se que µ pertence ao resolvente de b. Por outro lado, se µ ∈ f (σA (a)), então µ = f (λ0 ) para algum λ0 ∈ σA (a). Existe pois uma função h, holomorfa num aberto contendo σA (a) tal que f (λ) − µ = (λ − λ0 )h(λ). Assim, novamente pelo Teorema 1.5.1, tem-se que b − µe = (a − λ0 e)h(a) = h(a)(a − λ0 e). Uma vez que a − λ0 e é não invertı́vel então b − µe é também não invertivel, donde µ ∈ σA (b). A proposição (i) está assim demonstrada. (ii) Escolham-se curvas simples fechadas C1 e C2 tais que f (σA (a)) esteja contido na região interior de C1 , C1 esteja contida no domı́nio de g, e a imagem inversa de C1 através de f esteja contida na região interior de C2 que deverá estar contida no 1.6. CLASSES DE ÁLGEBRAS DE BANACH 35 domı́nio de f . Tem-se 1 (g ◦ f )(a) = 2πi ∫ 1 = − 2 4π (g ◦ f )(z)(ze − a)−1 dz C1 ∫ (∫ ) −1 g(ξ)(ξ − f (z)) C1 dξ (ze − a)−1 dz C2 (∫ ) 1 −1 −1 = − 2 g(ξ) (ξ − f (z)) (ze − a) dz dξ 4π C2 C1 ∫ 1 = g(ξ)(ξe − f (a))−1 dξ 2πi C2 ∫ = g(f (a)). A condição relacionada com o espectro segue de imediato da condição (i). 1.6 Classes de álgebras de Banach Conclui-se o presente capı́tulo com dois exemplos concretos e importantes de álgebras de Banach que serão pretexto para, por um lado introduzir a caracterização dos operadores de Fredholm e diferentes topologias em L(X), e por outro para caracterizar os funcionais lineares multiplicativos em C(X). 1.6.1 A álgebra dos operadores lineares limitados Um dos exemplos mais importantes de álgebras de Banach é a álgebra L(X) constituı́da pelos operadores lineares limitados T : X → X definidos num espaço de Banach X sobre um corpo K (R ou C). Considerando no espaço linear L(X) a norma ∥T ∥L(X) := sup ∥T x∥, ∥x∥<1 T ∈ L(X), e definindo a multiplicação como a composição de operadores, facilmente se conclui que L(X) constitui uma álgebra de Banach com elemento unidade IX , o operador identidade em X, que é não comutativa se dim X > 1. Quando X tem dimensão infinita, o conjunto K(X), constituı́do pelos operadores compactos definidos em X, é um exemplo de um ideal bilateral fechado e não trivial de L(X). Esta classe de operadores limitados contém a classe dos operadores de caracterı́stica finita, ou seja, os operadores lineares limitados com imagem de dimensão finita, que formam um ideal não fechado em L(X). 36 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH Definição 1.6.1. Sendo X um espaço de Banach, um operador T ∈ L(X) é invertı́vel em L(X) se e só se, sendo Im T := {y ∈ X : ∃x ∈ X, y = T x}, Ker T := {x ∈ X : T x = 0}, se tem Im T = X e Ker T = {0}. Note-se que sendo X um espaço de Banach, pelo teorema da aplicação aberta se tem T −1 ∈ L(X) sempre que T é bijectivo. Nos espaços de Banach X com dimensão infinita, existe uma classe importante de operadores que são quase invertı́veis, no sentido de que são invertı́veis módulo um operador compacto. Esta classe é a dos operadores de Fredholm que se passa a definir: Definição 1.6.2. Seja X um espaço de Banach. Um operador T ∈ L(X) diz-se um operador de Fredholm se (i) Im T é fechada; (ii) dim Ker T < ∞ e dim Coker T < ∞, onde Coker T = X/Im T . Sendo T um operador de Fredholm em X, ao número inteiro ind T := dim Ker T − dim Coker T, (1.5) chama-se ı́ndice de T. Indicam-se em seguida algumas propriedades importantes dos operadores de Fredholm [28]. Sejam T e S operadores de Fredholm em L(X). Então: (i) Existe R ∈ L(X) e operadores com caracterı́stica finita K1 , K2 tais que T R = I + K1 e RT = I + K2 ; (ii) Se K ∈ L(X) e ∥K∥ é suficientemente pequena, T +K é um operador de Fredholm e ind T = ind (T +K) (o conjunto dos operadores de Fredholm é aberto em L(X) e o ı́ndice é uma função contı́nua neste conjunto); (iii) Se K ∈ L(X) é um operador compacto então T + K é um operador de Fredholm e ind T = ind (T + K); (iv) T S é um operador de Fredholm e ind (T S) = ind T + ind S; 1.6. CLASSES DE ÁLGEBRAS DE BANACH 37 (v) Representando por T ∗ o operador transposto de T , T ∗ : X ∗ → X ∗ , T ∗ (φ) = φ◦T , o operador T ∗ é um operador de Fredholm e ind T ∗ = −ind T . A álgebra quociente L(X)/K(X) é uma álgebra de Banach conhecida como álgebra de Calkin de X. A classe T + K(X) é invertı́vel na álgebra de Calkin L(X)/K(X) se e só se T é um operador de Fredholm. Sendo T ∈ L(X), o conjunto de todos os λ ∈ C tais que λI − T não é um operador de Fredholm é chamado o espectro essencial de T e é representado por σess (T ). Assim, o espectro essencial de T em L(X) é o espectro de T + K(X) em L(X)/K(X), tendo-se obviamente que σess (T ) ⊂ σ(T ) para qualquer T ∈ L(X). Definição 1.6.3. Um homomorfismo sym : L(X) ⊃ A1 → A2 diz-se um sı́mbolo de Fredholm para a álgebra A1 na álgebra A2 , se sym for um homomorfismo contı́nuo com a propriedade de que a ∈ A1 é Fredholm se e só se sym(a) ∈ A2 for invertı́vel em A2 . Dado um espaço de Banach X, é possı́vel definir várias topologias em L(X). Três são particularmente importantes: a topologia da norma, a topologia forte e a topologia fraca. Cada uma topologias mencionadas tem uma relação directa com um modo de convergência de sucessões em L(X). Definição 1.6.4. A topologia da norma, ou topologia uniforme, é a topologia induzida pela norma de L(X), ou seja, é a mais fraca topologia em L(X) que torna contı́nua a norma ∥ · ∥ : L(X) → R+ . Esta topologia, que é a mais forte das três topologias, é gerada pelas bases de vizinhanças Vϵ (T0 ) := {T ∈ L(X) : ∥T − T0 ∥ < ϵ}, T0 ∈ L(X), ϵ > 0. Dada uma sucessão (Tn )n∈N em L(X), diz-se que (Tn ) converge uniformemente para T ∈ L(X) se ∥Tn − T ∥L(X) → 0. Neste texto, sempre que nada se diga em contrario, representa-se a convergência uniforme de (Tn )n∈N para T, simplesmente por lim Tn = T n→∞ Definição 1.6.5. A topologia forte em L(X) é a topologia gerada pela famı́lia de semi-normas {∥ · ∥x }x∈X , com ∥T ∥x := ∥T x∥X , T ∈ L(X) e x ∈ X. É possı́vel definir outras topologias em L(X) designadas na literatura também como “fortes”, mas que não são equivalentes. A topologia forte definida neste texto é designada na literatura inglesa por “Strong Operator Topology” (SOT). Saliente-se que com a topologia forte de operadores em L(X), a convergência de sucessões não é equivalente 38 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH à convergência de redes. Dada uma sucessão (Tn )n∈N em L(X) , diz-se que (Tn ) converge fortemente para T, representando-se por lim Tn = T (SOT), se ∥Tn x − T x∥L(X) → 0 n→∞ para qualquer x ∈ X. Finalmente defina-se a topologia fraca. A topologia que se vai considerar não é a topologia fraca de L(X) como espaço de Banach, gerada directamente pela famı́lia de semi-normas {∥ · ∥φ }φ∈L∗ , com ∥T ∥φ := |φ(T )|, onde L∗ designa o dual topológico de L(X), ou seja, o espaço dos funcionais lineares contı́nuos em L(X). Em vez de L∗ , considera-se o dual topológico, X ∗ , de X. Na literatura inglesa designa-se esta topologia por “Weak Operator Topology” (WOT) e é mais fraca que a topologia fraca de Banach. Definição 1.6.6. Chama-se topologia fraca em L(X), à topologia gerada pela famı́lia de semi-normas {∥ · ∥x,φ }x∈X,φ∈X ∗ , com ∥T ∥x,φ := |φ(T x)|. Dada uma sucessão (Tn )n∈N em L(X), diz-se que (Tn ) converge fracamente para T ∈ L(X, e representa-se por lim Tn = T (WOT), se |φ(Tn x − T x)| → 0 para qualquer x ∈ n→∞ ∗ X, φ ∈ X . É imediato verificar que a convergência uniforme implica a convergência forte e que esta implica a convergência fraca. As implicações no sentido contrário não se verificam. 1.6.2 A álgebra das funções contı́nuas Seja X um espaço de Hausdorff compacto e C(X) o conjunto de todas as funções com valores complexos definidas e contı́nuas em X. Munindo C(X) com as habituais operações pontuais de soma de funções, produto por um escalar, produto de funções, e a norma do supremo definida por ∥f ∥∞ = sup|f (x)|, f ∈ C(X), x∈X C(X) é uma álgebra de Banach comutativa com unidade. Se X0 ⊂ X é um conjunto fechado, então o conjunto IX0 := {f ∈ C(X) : f (X0 ) = {0}} (1.6) é um ideal fechado de C(X). Reciprocamente, facilmente se verifica que todos os ideais fechados de C(X) são da forma (1.6). Existe pois uma correspondência de um para um entre os ideais fechados de C(X) e os conjuntos fechados de X. Os ideais maximais correspondem aos menores conjuntos fechados, isto é, aos conjuntos singulares de X e são definidos por Ix := {f ∈ C(X) : f (x) = 0}, x ∈ X. Caracterize-se pela sua importância os funcionais lineares multiplicativos definidos na álgebra C(X). 1.6. CLASSES DE ÁLGEBRAS DE BANACH 39 Seja X um espaço de Hausdorff compacto e A = C(X). Para x ∈ X, o funcional definido por ϕx : A → C, ϕx (f ) = f (x) constitui obviamente um funcional linear multiplicativo designado por funcional de avaliação em x . Estabelece-se a seguir um resultado mais forte. Proposição 1.6.1. Qualquer funcional linear multiplicativo ϕ sobre C(X) é um funcional de avaliação para algum x ∈ X. Precisamente, se ϕ é um funcional linear multiplicativo em C(X), então existe x ∈ X tal que ϕ = ϕx , com ϕx (f ) = f (x), f ∈ C(X). Dem. Admita-se que existe um funcional linear multiplicativo ϕ : C(X) → C tal que ϕ ̸= ϕx para qualquer x ∈ X, ou seja, suponha-se que Ker ϕ ̸⊂ Ker ϕx , x ∈ X. Para qualquer x ∈ X, existe então fx ∈ Ker ϕ tal que fx (x) = ϕx (fx ) ̸= 0. Uma vez que fx ∈ C(X) existe uma vizinhança Vx de x na qual fx (y) ̸= 0 para y ∈ Vx , ou seja, |fx (y)|2 = fx (y)fx (y) ̸= 0 para y ∈ Vx . Como X é compacto, é possı́vel considerer uma cobertura de X com um número finito de vizinhanças Vxk , com x1 , . . . , xn ∈ X, e funções fx1 , . . . , fxn ∈ Ker ϕ por forma a que |fxk (y)|2 ̸= 0 para y ∈ Vxk . Assim, f (y) := n ∑ |fxk (y)|2 > 0, y ∈ X, k=1 constitui uma função contı́nua em X cujo inverso em C(X) é g := 1/f . Tem-se então que ) ( n n ∑ ∑ ( ) ϕ (fxk ) ϕ fxk ϕ (g) = 0 1 = ϕ(f g) = ϕ fxk fxk g = k=1 k=1 o que é absurdo. Conclui-se que Ker ϕ ⊂ Ker ϕx para algum x ∈ X, e uma vez que ambos são ideais maximais, tem-se Ker ϕ = Ker ϕx e consequentemente, ϕ = ϕx para algum x ∈ X. 40 1.7 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH Exercı́cios Exercı́cio 1.1. Considere o conjunto dos números complexos C como um espaço vectorial sobre o corpo dos reais, com a norma habitual. Mostre que com a introdução da multiplicação usual entre números complexos se obtém uma álgebra de Banach. Exercı́cio 1.2. Duas normas, ∥.∥1 e ∥.∥2 , definidas sobre o mesmo conjunto A, dizemse equivalentes se exitir uma constante positiva C tal que para cada a ∈ A se tem C −1 ∥a∥1 ≤ ∥a∥2 ≤ C∥a∥1 . (i) Mostre que a equivalência de normas é uma relação de equivalência; (ii) Mostre que a propriedade (v) da definição de álgebra de Banach (Definição 1.1.6) não é essencial, ou seja, mostre que se ∥.∥ é uma norma que verifica (iv), mas não (v), então é possı́vel definir uma norma equivalente que verifique ambas as propriedades. Exercı́cio 1.3. Prove as afirmações do Exemplo 1.1.4. Exercı́cio 1.4. Considere o exemplo 1.1.7. ∑ ∑+∞ n n (i) Representando f e g por +∞ n=−∞ fn ξ e n=−∞ gn ξ , respectivamente, encontre a representação em série do produto f g. (ii) Considere o espaço de Banach l1 das sucessões (αn )n∈N de termos em C tais que ∑ ∥(αn )∥l1 = |αn | < ∞. n∈N Defina em l1 uma multiplicação por forma a que se obtenha uma álgebra de Banach isomorfa à álgebra de Wiener. Exercı́cio 1.5. Considere uma álgebra de Banach A. A cada a ∈ A faça-se corresponder o operador La : A → A definido por La (x) := ax com x ∈ A, designado por representação regular esquerda de a. (i) Mostre que La ∈ L(A). (ii) Mostre que A1 := {La : a ∈ A} é uma subálgebra da álgebra L(A). (iii) Prove que A1 é fechada em L(A) para a norma ∥La ∥ = sup∥x∥<1 ∥ax∥. 1.7. EXERCÍCIOS 41 (iv) Mostre que as álgebras A e A1 são isometricamente isomorfas. Exercı́cio 1.6. Prove que o espaço L1 (R) com a norma habitual e a multiplicação definida pela convolução ∫ +∞ (f ∗ g)(t) := f (t − x)g(x) dx −∞ é uma álgebra de Banach comutativa. Tem unidade? Exercı́cio 1.7. Seja A uma álgebra sem unidade sobre um corpo K. Considere no produto cartesiano A := {(a, λ) : a ∈ A, λ ∈ K} a estrutura vectorial habitual e a operação de multiplicação dada por (a, α)(b, β) := (ab + βa + αb, αβ). Prove que munida da norma ∥(a, λ)∥ := ∥a∥ + |λ|, Ae é uma álgebra de Banach com unidade. Exercı́cio 1.8. Sejam A uma álgebra de Banach com unidade, e a ∈ A. Considere B := alg{a} a subálgebra de Banach de A gerada por a e pela unidade e. Mostre que B é o fecho do conjunto de polinómios em a de coeficientes complexos. Verifique que alg{a} é comutativa. Exercı́cio 1.9. Estenda a noção de isomorfismo entre álgebras dada na Definição 1.1.2 para o caso em que as álgebras são definidas sobre diferentes corpos K1 e K2 , em que K1 ⊂ K2 . Verifique se a álgebra de Banach dos números reais, com as operações usuais, sobre o corpo Q dos números racionais, é “isomorfa”à álgebra de Banach dos números reais sobre o corpo R. Exercı́cio 1.10. Considere numa álgebra com unidade A, o conjunto dos seus elementos invertı́veis, GA . Prove que GA com a multiplicação normal da álgebra define um grupo. Exercı́cio 1.11. Seja A uma álgebra com unidade. Considere a, b dois elementos de A. Mostre que, se ab é ba são elementos invertı́veis então a e b são também elementos invertı́veis. Exercı́cio 1.12. Seja l2 o espaço de Hilbert das sucessões (αn )n∈N de termos em C tais que v u∞ u∑ |αi |2 < ∞. ∥(αn )∥l2 = t i=1 42 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH Considere operador de deslocamento Sr : (α1 , α2 , α3 , ...) 7→ (0, α1 , α2 , α3 , ...). Prove que Sr ∈ L(l2 ) e determine a sua norma. Verifique que Sr é invertı́vel à esquerda mas não invertı́vel à direita. Exercı́cio 1.13. Considere uma álgebra de Banach A com unidade, e a ∈ A. Prove que se a for nilpotente (isto é, existe um n ∈ N tal que an = 0), então σA (a) = {0}. Exercı́cio 1.14. Seja A uma álgebra com unidade, e (an ) uma sucessão de termos em A convergente para um elemento a ∈ A. Prove que se (αn ) constituir uma sucessão de escalares tais que αn ∈ σA (an ), para n ∈ N, e αn → α, então α ∈ σA (a). Exercı́cio 1.15. Seja A uma álgebra com unidade. Prove, sem recorrer ao Teorema 1.5.2, que: (i) Se a ∈ A e λ ∈ σA (a) então λ2 ∈ σA (a2 ); (ii) Mais genericamente, se p(λ) := então σA (p(a)) = p(σA (a)). ∑n k=0 αk λk for um polinómio em λ, com αk ∈ C, Este resultado é conhecido como teorema da aplicação espectral para polinómios. Exercı́cio 1.16. Considere uma álgebra de Banach A com unidade. a) Mostre que para qualquer a ∈ A, r(a2 ) = r2 (a); b) Prove que são equivalentes as proposições: (i) Existe c > 0 tal que (c∥x∥2 ≤ ∥x2 ∥, ∀x ∈ A); (ii) Existe d > 0 tal que (d∥x∥ ≤ r(x), ∀x ∈ A); c) Prove que são equivalentes as proposições: (i) ∀x ∈ X, ∥x∥2 = ∥x2 ∥; (ii) ∀x ∈ X, ∥x∥ = r(x) . 1.7. EXERCÍCIOS 43 Exercı́cio 1.17. Considere uma álgebra de Banach A com unidade. Defina-se a exponencial de um elemento a ∈ A como exp(a) := ∞ ∑ an n=0 n! . Verifique que: a) Para a ∈ A, a exponencial de a está bem definida, ou seja, que a série ∑∞ qualquer an n=0 n! é absolutamente converge; b) Para qualquer a ∈ A, ∥ exp(a)∥ ≤ exp(∥a∥); c) Se a, b ∈ A são tais que ab = ba, então exp(a + b) = exp(a) exp(b); Sugestão: Use o Teorema de Banach-Steinhaus d) Para qualquer a ∈ A, exp(a) é invertı́vel e (exp(a))−1 = exp(−a); e) Seja H um espaço de Hilbert. Considere um operador A ∈ L(H) e uma sucessão (An )n∈N em L(H) tal que ∥An x − Ax∥ → 0, para qualquer x ∈ H. Prove que ∥ exp(An )x − exp(A)x∥ → 0 para qualquer x ∈ H. Exercı́cio 1.18. Sejam A e B álgebras de Banach com unidade e tais que B ⊂ A. Prove que se b ∈ B e σB (b) ⊂ R então σB (b) = σA (b). Exercı́cio 1.19. Seja A uma álgebra de Banach não comutativa. Uma subálgebra comutativa maximal de A é uma subálgebra comutativa de A tal que qualquer outra subálgebra de A que a contém estritamente já não é comutativa. Seja B ⊂ A uma subálgebra comutativa maximal de A. Se b ∈ B, prove que σB (b) = σA (b). Exercı́cio 1.20. Seja A uma álgebra de Banach com unidade, B uma subálgebra unital de A e J ⊂ B um ideal bilateral de A. Prove que se a álgebra quociente B/J é fechada para a inversão em A/J , então B é fechada para a inversão em A. Exercı́cio 1.21. Um elemento p de uma álgebra diz-se idempotente se p2 = p. Seja A uma álgebra de Banach com unidade, B uma subálgebra unital de A fechada para a inversão e p ∈ B um elemento idempotente. Mostre que: a) pAp := {pap : a ∈ A} é uma álgebra com unidade p. b) pBp é fechada para a inversão em pAp. 44 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH Exercı́cio 1.22. Sejam A uma álgebra de Banach com unidade, p ∈ A um idempotente, q := e − p, e a, b, c elementos de A com c invertı́vel. Mostre que: a) e + ab é invertı́vel se e só se e + ba é invertı́vel. Sugestão: Verifique a igualdade (e + ab)−1 = e − a(e + ba)−1 b; b) σ(ab) ∪ {0} = σ(ba) ∪ {0}; c) pcp é invertı́vel em pAp se e só se qc−1 q é invertı́vel em qAq. Sugestão: Verifique a igualdade de Kozak (pcp)−1 = pc−1 p − pc−1 q(qc−1 q)−1 qc−1 p. Exercı́cio 1.23. Seja A uma álgebra sobre um corpo K com unidade e, e seja p ̸= e um idempotente não nulo de A. a) Mostre que alg{p} é constituı́da pelos elementos da forma αp + β(e − p) com α, β ∈ K; b) Determine o espectro de αp + β(e − p) em alg{p}; c) Recorde o definição de exponencial dada no Exercı́cio 1.17; Determine exp(a), para a ∈ alg{p}. Exercı́cio 1.24. Seja A := alg{s}, em que s é um elemento tal que s2 = e. Encontre um critério de invertibilidade para os elementos desta álgebra. Sugestão: Encontre um elemento idempotente p ∈ A tal que A = alg{p}. Exercı́cio 1.25. Considere a álgebra Mn (R). Investigue os seus ideais esquerdos, direitos e bilaterais. Qual radical de Mn (R)? Exercı́cio 1.26. Considere agora a subálgebra A de M2 (R) constituı́da pelas matrizes triangulares superiores. Investigue os seus ideais esquerdos, direitos e bilaterais. Qual o radical de A? Exercı́cio 1.27. Sejam A uma álgebra de Banach com unidade, B uma subálgebra unital de A e J ⊂ B um ideal bilateral de A. Prove que se a álgebra quociente B/J é fechada para a inversão em A/J , então B é fechada para a inversão em A. 1.7. EXERCÍCIOS 45 Exercı́cio 1.28. Sejam A uma álgebra de Banach com unidade e J um ideal bilateral fechado de A. Mostre que o homomorfismo canónico ΦJ : a 7→ a + J , de A na álgebra quociente A/J , tem norma 1. Exercı́cio 1.29. Seja A uma álgebra de Banach com unidade e. Considere o ideal direito R′A := ∩D, D ideal maximal direito de A. a) Prove o Lema 1.3.9 com RA substituı́do por R′A ; b) Prove que um elemento a ∈ A pertence a R′A se e só se e − ax é invertı́vel para qualquer x ∈ A; c) Prove que R′A = RA , ou seja, o radical de A é a intersecção de todos os ideais maximais direitos de A. Sugestão: Utilize as alı́neas a) e b) e o Exercı́cio 1.22). Exercı́cio 1.30. Seja A uma álgebra de Banach com unidade. Mostre que um elemento r ∈ A pertence ao radical RA se e só se σ(a) = σ(a + r) para qualquer a ∈ A. Sugestão: Fixando a ∈ A, comece por provar que o conjunto {b ∈ A : σ(a) = σ(a + b)} é um ideal esquerdo de A. Exercı́cio 1.31. Dada uma álgebra de Banach A, mostre que a álgebra quociente A/RA é semi-simples. Exercı́cio 1.32. Considere as álgebras M2 (R) e A := {A ∈ M2 (R) : A é triangular superior}. Investigue os seus funcionais lineares multiplicativos. Exercı́cio 1.33. Considere o espaço de Banach l∞ constituido pelas sucessões (αn )n∈N de termos em C que são limitadas, ou seja, tais que ∥(αn )∥l∞ = sup|αn | < ∞. n∈N Sejam lc∞ e l0∞ os subespaços de l∞ constituidos pelas sucessões com limite finito e com limite 0, respectivamente. 46 CAPÍTULO 1. TEORIA ESPECTRAL EM ÁLGEBRAS DE BANACH a) Mostre que l∞ e lc∞ , com a multiplicação pontual, são álgebras de Banach comutativas; b) Mostre que l0∞ é um ideal próprio fechado de l∞ ; 0 c) Encontre um funcional linear multiplicativo em lc∞ com núcleo l∞ e conclua que ∞ ∞ l0 é um ideal maximal em l ; Exercı́cio 1.34. Demonstre a proposição (iii) do Teorema 1.5.1. ∑∞ n Exercı́cio 1.35. Seja g(z) := álgebra de n=0 αn z uma função inteira ∑∞e A uma n Banach com unidade. Mostre que se a ∈ A então tem g(a) = n=0 αn a . Exercı́cio 1.36. Seja K ⊂ C um conjunto não vazio e compacto. Sejam A uma álgebra de Banach com unidade e AK o conjunto definido por AK := {a ∈ A : σ(a) ⊂ K}. Mostre que se f é uma função holomorfa num aberto contendo K, então o cálculo funcional AK → A, a 7→ f (a) é contı́nuo. Exercı́cio 1.37. Mostre, utilizando o cálculo funcional, que o inverso de uma matriz invertı́vel está na álgebra (fechada ou não) por ela gerada. Exercı́cio 1.38. Seja A uma álgebra de Banach com unidade. a) Se a ∈ A tal que 0 está na componente conexa ilimitada de ρA (a), mostre que a é invertı́vel e a−1 pertence à álgebra fechada alg{a} gerada por a e pela unidade. Sugestão: Utilize o teorema de Runge3 . b) Mostre, com um exemplo, que no caso geral nem sempre a−1 ∈ alg{a}. Calcule, para esse exemplo os espectros σA (a) e σalg{a} (a) Exercı́cio 1.39. Sejam A uma álgebra de Banach com unidade, I um ideal de A e a ∈ A. Se f ∈ H(σA (a)) tal que f (0) = 0, mostre que f (a) ∈ I. Teorema de Runge: Se K for um subconjunto compacto de C tal que C \ K é conexo, e f é uma função holomorfa em K, então existe uma sucessão de polinómios que aproxima uniformemente f em K. 3 1.7. EXERCÍCIOS 47 Exercı́cio 1.40. Sendo A uma álgebra de Banach com unidade e, e a, b elementos de A tais que ab = ba. Mostre que: a) σA (ab) ⊂ σA (a)σA (b); b) σA (a + b) ⊂ σA (a) + σA (b). Exercı́cio 1.41. Seja A uma álgebra de Banach, I um ideal de A,e a ∈ A. Se f ∈ H(σA (a)) tal que f (0) = 0, mostre que f (a) ∈ I. Exercı́cio 1.42. Seja X um espaço de Banach de dimensão infinita e K(X) o ideal dos operadores compactos em L(X). Enuncie e prove um teorema espectral para o espectro essencial de um operador. Exercı́cio 1.43. Considere o espaço lp , 1 ≤ p < ∞, das sucessões (αn )n∈N tais que ∑ p n |xn | < ∞. Seja I o operador identidade, Sr o operador Sr : (α1 , α2 , α3 , . . .) 7→ (0, α1 , α2 , α3 , . . .) e Sl o operador Sl : (α1 , α2 , α3 , . . .) 7→ (α2 , α3 , . . .). a) Mostre que Sr e Sl são limitados. b) Considere a sucessão de operadores (Sn )n∈N com Sn := Srn . Estude a sua convergência fraca, forte e uniforme. c) Repita o estudo para a sucessão (S−n )n∈N com S−n := Sln . d) Considere os operadores Qn := Sn S−n e Pn := I − Qn . Mostre que são projecções e analise as respectivas sucessões em termos de convergência. Capı́tulo 2 Representações de álgebras de Banach As álgebras normadas aparecem historicamente como uma abstracção de objectos mais concretos como os conjuntos de operadores limitados. O presente capı́tulo é dedicado à questão inversa, dada uma álgebra abstracta em que condições é possı́vel encontrar uma realização concreta dessa álgebra. Começa-se por introduzir a teoria de Gelfand para álgebras de Banach complexas e comutativas. O resultado central da teoria é o teorema de Gelfand que relaciona os elementos da álgebra com funções contı́nuas definidas num determinado espaço de Hausdorff compacto. Posteriormente introduzem-se as bases da teoria das representações em álgebras de Banach não comutativas, nomeadamente analisam-se representações irredutı́veis, álgebras primitivas, ideais primitivos e o radical de Jacobson de uma álgebra de Banach. A concluir o capı́tulo apresentam-se generalizações da teoria de Gelfand para classes de álgebras com centro não trivial e para classes de álgebras que generalizam directamente as álgebras comutativas, álgebras cujos geradores verificam uma identidade polinomial. 2.1 2.1.1 A transformada de Gelfand Transformada e transformação de Gelfand O objectivo da presente secção é demonstrar o famoso teorema de Gelfand, que afirma que sob certas condições uma álgebra de Banach comutativa B é isomorfa a uma subálgebra de C(X), com X um espaço de Hausdorff compacto que depende da estrutura interna da álgebra B. Comece-se por recordar alguns resultados do capı́tulo anterior. 49 50 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH Considere-se B uma álgebra de Banach complexa, comutativa e com unidade e. Sendo J um ideal maximal de B, então a álgebra quociente B/J é isomorfa ao corpo C dos números complexos (Corolário 1.3.7). A cada ideal maximal J de B e a cada b ∈ B, é possı́vel associar um número complexo ϕJ (b), que é a imagem da classe b + J pelo isomorfismo referido. A aplicação ϕJ : b 7→ ϕJ (b) é o funcional linear multiplicativo em B cujo núcleo é J . Pelo Teorema 1.4.5, estes são exactamente os funcionais lineares multiplicativos definidos na álgebra B tendo-se assim uma relação de um para um entre os funcionais lineares multiplicativos e os ideais maximais da álgebra B. Represente-se por MB o conjunto dos ideais maximais da álgebra B. Definição 2.1.1. Dado um elemento b ∈ B seja bb a função complexa em MB definida por bb : MB → C , J 7→ ϕJ (b) . Esta função designa-se por transformada de Gelfand de b ∈ B. Observe-se que dada a identificação entre os ideais maximais da álgebra de Banach comutativa B e os funcionais lineares multiplicativos não nulos de B, a transformada de Gelfand do elemento b ∈ B pode representar-se, de forma equivalente, por bb : MB → C , ϕ 7→ ϕ(b) , entendendo-se neste caso MB como o conjunto dos funcionais lineares multiplicativos não nulos em B. No presente capı́tulo será adoptada a notação da definição 2.1.1, que distingue formalmente ideais maximais dos seus funcionais multiplicativos associados, pela sua importância em certas generalizações da teoria de Gelfand que serão aqui analisadas. É necessário introduzir uma estrutura topológica no conjunto MB . Definição 2.1.2. Designa-se por topologia de Gelfand em MB à topologia mais fraca em MB que torna contı́nuas todas as transformadas de Gelfand bb , b ∈ B. Designa-se o conjunto MB munido da topologia de Gelfand como o espaço dos ideais maximais da álgebra de Banach B. A topologia de Gelfand é assim a topologia gerada pela famı́lia de subconjuntos de MB , { } bb−1 (U ) : b ∈ B, U aberto contido em C . Identificando o conjunto dos ideias maximais de B com o conjunto dos funcionais lineares multiplicativos não nulos de B, o espaço MB constitui um subconjunto do 2.1. A TRANSFORMADA DE GELFAND 51 dual topológico B∗ de B, e a topologia de Gelfand em MB coincide exactamente com a topologia induzida em MB pela topologia w∗ de B∗ , definida como a topologia mais fraca que torna todas as funções fb : B∗ → C, φ 7→ φ(b) contı́nuas, com b ∈ B. Teorema 2.1.1. Seja B uma álgebra de Banach complexa comutativa e com unidade. Então o espaço dos ideais maximais MB é um espaço de Hausdorff compacto. Dem. A bola unitária fechada de B ∗ , B01 (B ∗ ) := {ϕ ∈ B ∗ : ∥ϕ∥ ≤ 1}, constitui, pelo teorema de Alaoglu1 , um espaço de Hausdorff compacto quando nele se considera a topologia induzida w∗ do dual de B. Ora, MB ⊂ B ∗ e uma vez que para ϕx ∈ MB se tem ∥ϕx ∥ = 1, então MB ⊂ B01 (B ∗ ). Para estabelecer o teorema resta observar que MB é fechado em B01 (B∗ ). Efectivamente, sendo (ϕα ) uma rede em MB tal que ϕα → ϕ ∈ B01 (B ∗ ) na topologia w∗ , tem-se ϕ(b1 b2 ) = lim ϕα (b1 b2 ) = lim ϕα (b1 )ϕα (b2 ) = lim ϕα (b1 ) lim ϕα (b2 ) = ϕ(b1 )ϕ(b2 ), α α α α para quaisquer b1 , b2 ∈ B, logo ϕ ∈ MB . Seja C(MB ) a álgebra de Banach das funções complexas e contı́nuas definidas em MB com as habituais operações pontuais e a norma do supremo ∥f ∥∞ = sup |f (x)|, x∈MB f ∈ C(MB )2 . A transformação de Gelfand de B pode agora ser introduzida. Definição 2.1.3. Sendo B uma álgebra de Banach complexa comutativa e com unidade, à aplicação b : B → C(MB ) , b 7→ bb chama-se transformação de Gelfand de B . Teorema de Alaoglu: Sejam A um espaço de Banach e A∗ o seu dual topológico. Tem-se que a bola unitária fechada de A∗ , B01 (A∗ ) := {φ ∈ A∗ : ∥φ∥ ≤ 1}, constitui um conjunto fracamente compacto em A∗ . 2 Por simplicidade de notação substitui-se no que segue a notação J , escolhida para designar um ideal maximal de MB , por x. 1 52 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH O próximo resultado resume as propriedades da transformação de Gelfand da álgebra B. Teorema 2.1.2 (Teorema de Gelfand). Seja B uma álgebra de Banach complexa comutativa e com unidade e. Então (i) a transformação de Gelfand é um homomorfismo contı́nuo; (ii) o elemento b ∈ B é invertı́vel se e só se bb(x) = ϕx (b) ̸= 0 qualquer que seja x ∈ MB ; (iii) o conjunto Bb := {bb : b ∈ B} é uma subálgebra de C(MB ), que separa os pontos de MB e contém a identidade de C(MB ). A norma da transformação de Gelfand c é 1; (iv) o núcleo de c é o radical de B. A transformação de Gelfand é um isomorfismo entre B e Bb se e só se a álgebra B é semi-simples; (v) se b ∈ B, então o seu espectro é igual ao contradomı́nio de bb e r(b) = ∥bb∥∞ . Dem. (i) A definição da topologia de Gelfand em MB garante que cada função bb é b b c b d bb contı́nua e uma vez que b\ 1 + b2 = b1 + b2 , λb1 = λb1 e b1 b2 = b1 b2 , para b1 , b2 ∈ B e λ ∈ C, a transformação de Gelfand é um homomorfismo. Tem-se ainda que ∥bb∥∞ = sup |bb(x)| = sup |ϕx (b)| ≤ ∥b∥, x∈MB x∈MB concluı́ndo-se que a transformação de Gelfand é contı́nua. (ii) Trata-se de uma consequência directa do Teorema 1.4.7. (iii) Tomem-se dois ideais maximais x1 ̸= x2 em MB . Escolhendo um elemento b1 ∈ x1 tal que b1 ̸∈ x2 obtém-se que bb1 (x1 ) = 0 mas bb1 (x2 ) ̸= 0. Tem-se ainda que eb(x) = 1 para qualquer x ∈ MB , o que, de (i), permite concluir que a norma de b é 1. Bb é finalmente uma subálgebra de C(MB ), dado que b é um homomorfismo. (iv) Basta recordar que bb(x) = 0, para qualquer x ∈ MB , se e só se b ∈ x para qualquer x ∈ MB . (v) Finalmente, tem-se que λ ∈ σB (b) ⇔ λe − b não é invertı́vel, \ o que de (ii) é equivalente a λe − b(x) = 0 para algum x ∈ MB , o que é equivalente a b λ − b(x) = 0 para algum x ∈ MB , ou seja, λ ∈ bb(MB ). Pela definição de raio espectral obtém-se de imediato que r(b) = supx∈MB |bb(x)| = ∥bb∥∞ . Como consequência do teorema de Gelfand tem-se o seguinte resultado: 2.1. A TRANSFORMADA DE GELFAND 53 Corolário 2.1.3. Toda a álgebra de Banach complexa comutativa semi-simples e com unidade é isomorfa a uma álgebra de funções complexas e contı́nuas definidas num espaço compacto de Hausdorff. Note-se que em geral a transformação de Gelfand de B não é uma isometria nem uma aplicação sobrejectiva. Para que tais propriedades sejam satisfeitas, a álgebra de Banach em questão tem que possuir mais estrutura. Proposição 2.1.4. Seja B uma álgebra de Banach complexa comutativa e com unidade. Para b ∈ B, são equivalentes as seguintes condições: (i) ∥b2 ∥ = ∥b∥2 ; (ii) r(b) = ∥b∥; (iii) ∥bb∥∞ = ∥b∥. Dem. De (i) tem-se que ∥b2k ∥ = ∥b∥2k para qualquer natural k. Aplicando a fórmula para o raio espectral (Teorema 1.2.7) obtém-se 1 1 r(b) = lim ∥bn ∥ n = lim ∥b2k ∥ 2k = lim ∥b∥ = ∥b∥. n→∞ k→∞ k→∞ A proposição (i) conduz assim a (ii). Ora, pelo teorema da aplicação espectral, se λ ∈ σB (b), então λ2 ∈ σB (b2 ). Obtém-se então ∥b2 ∥ = r(b2 ) = r(b)2 = ∥b∥2 , concluı́ndose assim que (ii) implica (i). Da condição (v) do Teorema 2.1.2 tem-se a equivalência entre (ii) e (iii). A garantia de sobrejectividade para a transformada de Gelfand exige ainda mais estrutura do que a descrita na proposição anterior. No Capı́tulo 3 estudar-se-á em profundidade um tipo de álgebras com a estrutura suficiente, as álgebras C∗ . 2.1.2 A transformação de Gelfand em L1 (R) Sendo MA o espaço dos funcionais lineares multiplicativos não nulos de uma álgebra de Banach A comutativa e sem unidade, a transformação de Gelfand b : A → C(MA ) pode ser definida exactamente da mesma forma que quando A tem unidade. Com a topologia de Gelfand, MA é neste caso um espaço Hausdorff localmente compacto e a imagem da transformação de Gelfand está contida na álgebra de Banach não unitária C0 (MA ), a subálgebra de C(MA ) constituı́da pelas funções que se anulam no infinito. Teorema 2.1.5. Se A é uma álgebra de Banach comutativa e sem unidade então a sua transformada de Gelfand é uma contracção de A em C0 (MA ). 54 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH Dem. É imediato verificar que b é um homomorfismo contractivo. Mostre-se que para qualquer a ∈ A, b a ∈ C0 (MA ). Fixe-se a ∈ A. O conjunto Xϵ = {φ ∈ MA : |φ(a)| = |b a(φ)| ≥ ϵ}, com ϵ > 0, é fechado para a topologia w∗ em MA . Dado que MA é compacto então o mesmo sucede com Xϵ . Para qualquer ϵ > 0 existe assim um conjunto compacto Xϵ em MA tal que para φ ∈ MA \ Xϵ se tem |b a(φ)| < ϵ. Consequentemente, b a anula-se em ∞ tendo-se b a ∈ C0 (MA ). Seja L1 (R) o espaço de Banach das funções (classes de equivalência) absolutamente integráveis em R, no qual se considera a norma usual ∫ ∥f ∥1 = |f (x)| dx, f ∈ L1 (R). R Com a operação de multiplicação dada pela convolução ∫ (f ∗ g)(t) = f (t − x)g(x) dx, f, g ∈ L1 (R), R L1 (R) constitui uma álgebra de Banach comutativa e sem unidade. Tendo como objectivo a construção da transformação de Gelfand de L1 (R), comecese por identificar ML1 (R) , o espaço dos funcionais lineares multiplicativos de L1 (R). Lema 2.1.6. Para qualquer t ∈ R o funcional linear φt em L1 (R), definido por ∫ φt (f ) = f (x) exp(itx)dx, (2.1) R é um funcional linear multiplicativo em L1 (R). Dem. Recorrendo ao teorema de Fubini, para quaisquer f, g ∈ L1 (R), tem-se ∫ φt (f ∗ g) = (f ∗ g)(x) exp(itx) dx ∫R ∫ = exp(itx) f (x − y)g(y) dy dx R R ∫ ∫ = exp(ity)g(y) exp(it(x − y))f (x − y) dx dy ∫R ∫R = exp(ity)g(y) exp(itx)f (x) dx dy R = φt (f ).φt (g). R 2.1. A TRANSFORMADA DE GELFAND 55 O funcional φt é assim multiplicativo. Estabelece-se em seguida um lema fundamental para demonstrar o resultado central desta secção. Lema 2.1.7. Seja f : R → C uma função contı́nua e limitada. Se para quaisquer x, y ∈ R, se tem f (x)f (y) = f (x + y), (2.2) então ou f (x) = 0 para qualquer x ∈ R, ou existe t ∈ R tal que f (x) = exp(itx), x ∈ R. Dem. Não sendo f a função identicamente nula, é imediato que f (0) = 1 e da continuidade de f existe δ > 0 tal que ∫ δ f (y) dy ̸= 0. c= 0 Assim, para qualquer x ∈ R, ∫ cf (x) = ∫ δ f (x)f (y) dy = 0 ∫ δ f (x + y) dy = 0 δ+x f (y) dy. x Ora, sendo f contı́nua, o integral indefinido anterior é diferenciável em x o que significa que f é continuamente diferenciável. Assim, derivando (2.2) em ordem a y e fazendo y = 0, obtem-se f ′ (x) = λf (x) em que λ = f ′ (0). Conclui-se pois da condição inicial f (0) = 1 que, para qualquer x ∈ R, f (x) = exp(λx) em que, como f é uma função limitada, λ é necessariamente um imaginário puro. Teorema 2.1.8. A aplicação Θ : t 7→ φt definida em (2.1) constitui um homeomorfismo de R no espaço dos funcionais lineares multiplicativos não nulos de L1 (R). 56 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH Dem. Do Lema 2.1.6 tem-se que Θ transforma R num subconjunto de ML1 (R) , espaço dos funcionais lineares multiplicativos não nulos de L1 (R). Mostre-se que Θ é uma aplicação sobrejectiva. Seja φ ∈ ML1 (R) que em particular constitui um funcional linear do dual topológico de L1 (R). Seja hφ ∈ L∞ (R) tal que ∫ φ(f ) = f (x)hφ (x) dx, f ∈ L1 (R). R Ora, se f, g ∈ L1 (R) e fy (x) = f (x − y), pelo teorema de Fubini ∫ ∫ ∫ hφ (x) f (x − y)g(y) dydx = φ(f ∗ g) = (f ∗ g)(x)hφ (x) dx = R ∫R ∫ ∫ R = g(y) fy (x)hφ (x) dxdy = g(y)φ(fy ) dy. R R (2.3) R Sendo φ multiplicativo, para f, g ∈ L1 (R) tem-se ainda que ∫ φ(f ∗ g) = φ(f )φ(g) = φ(f ) g(y)hφ (y) dy, R o que juntamente com (2.3) permite concluir que, para qualquer f ∈ L1 (R), a igualdade φ(f )hφ (y) = φ(fy ), (2.4) é verdadeira quase por toda a parte em y ∈ R. Fixe-se f ∈ L1 (R) tal que φ(f ) ̸= 0. Dado que y 7→ fy é uma transformação contı́nua de R em L1 (R), então a função hφ (y) = φ(fy ) φ(f ) (2.5) é contı́nua em R. Observe-se que efectuando em (2.5) a substituição de y por x + y se obtém φ(f )hφ (x + y) = φ(fx+y ), x, y ∈ R. (2.6) Para x, y ∈ R defina-se g := fy ∈ L1 (R). Assim, para a função gx ∈ L1 (R) definida por gx (t) := g(t − x), com t ∈ R, tem-se que gx = fx+y . Ora, a igualdade (2.4) é válida em particular para a função g tendo-se, em quase toda a parte em x ∈ R, φ(g)hφ (x) = φ(gx ). De (2.6) e (2.7) conclui-se que φ(f )hφ (x + y) = φ(fx+y ) = φ(gx ) = φ(g)hφ (x) (2.7) 2.1. A TRANSFORMADA DE GELFAND 57 e dado que g := fy , recorrendo novamente da igualdade (2.5), obtém-se φ(f )hφ (x + y) = φ(g)hφ (x) = φ(fy )hφ (x) = φ(f )hφ (y)hφ (x), ou seja, que hφ (x + y) = hφ (y)hφ (x), x, y ∈ R. Existe assim t ∈ R tal que, hφ (x) = eitx para qualquer x ∈ R, Lema 2.1.7, concluı́ndo-se que φ = φt logo Θ é sobrejectiva. Quanto à injectividade de Θ repare-se que se Θ(t) = Θ(t′ ) então, para qualquer f ∈ L1 (R), ∫ ′ R Em particular, fazendo f (x)(eitx − eit x ) dx = 0. { e−itx , x ∈ [0, 1] f (x) = , 0, x∈ / [0, 1] obtém-se ∫ 1 ′ (1 − ei(t −t)x ) dx = 0 0 ′ o que permite afirmar que t = t . Verifique-se finalmente que Θ é um homeomorfismo. Se tα → t em R então, para qualquer f ∈ L1 (R), φtα (f ) → φt (f ) e consequentemente Θ(tα ) → Θ(t) em ML1 (R) . Por outro lado, se para qualquer f ∈ L1 (R) se tem ∫ lim f (x)(eitα x − eitx ) dx = 0 α R e, analogamente ao efectuado na análise da injectividade de Θ, tem-se que tα → t em R. Θ é assim um homeomorfismo de R em ML1 (R) . Identificando o espaço dos funcionais lineares multiplicativos não nulos de L1 (R), ML1 (R) , com R, então a transformação de Gelfand de L1 (R) pode ser representada por F : L1 (R) → C0 (ML1 (R) ), f 7→ F(f ) := fb, com fb(t) := ∫ f (x) exp(itx) dx, R coincidindo assim com a conhecida transformação de Fourier em R. 58 2.2 2.2.1 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH Representações de álgebras Definição de representação. Lema de Schur Introduzem-se nesta secção algumas noções básicas da teoria de representação para álgebras de Banach. Serão apresentados nos próximos capı́tulos resultados mais fortes para álgebras C∗ . Definição 2.2.1. Dada uma álgebra A sobre um corpo K, chama-se representação de A a um par (X, π) onde X é um espaço linear sobre K e π : A → L(X) é um homomorfismo algébrico de A para a álgebra L(X) dos operadores lineares de X em X. Quando o espaço X for evidente, este é por vezes omitido falando-se simplesmente da representação π. A representação (X, π) diz-se fiel se o núcleo de π for apenas constituı́do pelo elemento nulo. Neste caso π é um isomorfismo algébrico de A para uma subálgebra de L(X). Sempre que π ̸= 0 diz-se que a representação (X, π) é não nula. Definição 2.2.2. Dada uma álgebra A, para cada elemento a ∈ A considere-se o operador linear La : A → A, x 7→ La (x) := ax. A aplicação L : a 7→ La define uma representação de A, designada por representação regular esquerda de A. Dado um ideal esquerdo J de A, A/J constitui um espaço linear. Representando por ΦJ : A → A/J a aplicação canónica a 7→ a + J , a cada elemento a ∈ A associa-se um operador linear LJa : A/J → A/J , LJa (ΦJ (x)) := ΦJ (ax). O homomorfismo LJ : A → L(A/J ), a 7→ LJa (2.8) designa-se por representação regular esquerda de A induzida por J . Seja (X, π) uma representação de uma álgebra A. Diz-se que um subespaço Y de X é invariante para π se, para qualquer a ∈ A, π(a)Y ⊆ Y, com π(a)Y := {π(a)y : y ∈ Y }. Observe-se que os subespaços {0} e X são invariantes para qualquer representação π. 2.2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS 59 Definição 2.2.3. Uma representação não nula (X, π) de uma álgebra A diz-se algebricamente irredutı́vel se {0} e X são os únicos subespaços invariantes para π. Pode-se mostrar que a representação regular esquerda induzida por um ideal maximal esquerdo J é irredutı́vel (ver Exercı́cio 2.7). Lema 2.2.1 (Lema de Schur). Seja (X, π) uma representação algebricamente irredutı́vel da álgebra A e T ̸= 0 um operador linear em X. Se para qualquer a ∈ A, T π(a) = π(a)T, então T é invertı́vel. Dem. A condição T π(a) = π(a)T implica que Ker T e Im T são subespaços invariantes para π. Atendendo a que π é irredutı́vel e dado que por hipótese Ker T ̸= X e Im T ̸= {0}, obtém-se que Ker T = {0} e Im T = X. Assim, T é injectivo e sobrejectivo, logo invertı́vel. Passando para a categoria das álgebras de Banach torna-se necessário refinar a noção de representação. Definição 2.2.4. Sendo A uma álgebra de Banach complexa, designa-se por representação de A o par (X, π), onde X é um espaço de Banach complexo e π é um homomorfismo de A na álgebra L(X) dos operadores lineares limitados sobre X. Note-se que na definição anterior não se impõe a continuidade de π. Uma representação não nula (X, π) de uma álgebra de Banach A diz-se topologicamente irredutı́vel se {0} e X são os únicos subespaços fechados de X que são invariantes para π. Notese que toda a representação álgebricamente irredutı́vel de uma álgebra de Banach A é também topologicamente irredutı́vel. Quanto à continuidade da representação π, mostra-se em [3], o seguinte resultado: Teorema 2.2.2. Se (X, π) for uma representação algebricamente irredutı́vel de uma álgebra de Banach A, então π é contı́nua. Dado um ideal esquerdo fechado J de uma álgebra de Banach A com unidade e, facilmente se mostra que a representação regular esquerda LJ é contı́nua e tem norma 1. Além disso, qualquer representação regular esquerda de A induzida por um ideal esquerdo maximal J é ainda algebricamente irredutı́vel. Tem-se o importante corolário do lema de Schur. 60 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH Corolário 2.2.3. Seja A uma álgebra de Banach com unidade e, J um ideal esquerdo maximal de A, e LJ : A → L(A/J ) a representação regular esquerda induzida por J . Seja ainda T um operador linear, não necessáriamente limitado, em A/J . Se T LJa = LJa T para qualquer a ∈ A, então T é um múltiplo escalar do operador identidade. Dem. Dado x ∈ A/J escolha-se a ∈ A tal que ∥a∥ ≤ 2∥ΦJ (a)∥ e ΦJ (a) = x. Assim, ∥T x∥ = ∥T LJa ΦJ (e)∥ = ∥LJa T ΦJ (e)∥ ≤ ∥a∥∥T ΦJ (e)∥ ≤ 2∥ΦJ (a)∥∥T ΦJ (e)∥ = 2∥T ΦJ (e)∥∥x∥, concluı́ndo-se que T é limitado. Sendo um operador limitado num espaço de Banach, pelo Teorema 1.2.6, T tem espectro não vazio. Escolha-se qualquer λ no espectro de T . Dado que a representação regular esquerda LJ é algebricamente irredutı́vel e o operador λI − T é não invertı́vel, conclui-se do lema de Schur que λI − T tem de ser 0, ou seja, T = λI. 2.2.2 Álgebras primitivas. Ideais primitivos Definição 2.2.5. Uma álgebra de Banach diz-se primitiva se admite uma representação fiel e algebricamente irredutı́vel. O exemplo mais simples de álgebras primitivas são exactamente as álgebras dos operadores lineares sobre Kn , onde K designa um corpo. As álgebras de Banach primitivas podem ser caracterizadas à custa dos seus ideais esquerdos maximais e das correspondentes representações regulares esquerdas induzidas. Proposição 2.2.4. Uma álgebra de Banach é primitiva se e só se contém um ideal esquerdo maximal para o qual a representação regular esquerda induzida é fiel. Dem. Suponha-se que A é primitiva. Seja π : A → L(X) uma representação fiel e irredutı́vel de A com X um espaço de Banach. O conjunto {x ∈ X : π(a)x = 0, a ∈ A} é um subespaço invariante para π e como tal tem de ser {0}. Dado x ∈ X não nulo, existe então um elemento a ∈ A tal que π(a)x ̸= 0. Mas π(A)x é também um subespaço invariante, logo π(A)x = X. Defina-se a aplicação sobrejectiva Ψx : A → X, a 7→ π(a)x. O núcleo de Ψx , J := {j ∈ A : π(j)x = 0} é um ideal esquerdo de A. Prova-se de seguida que é maximal. Suponha-se que existe um outro ideal próprio I que o contém. Então existirá um elemento a ∈ I tal que 2.2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS 61 π(a)x ̸= 0, ou seja, S := Ψx (I) ̸= {0}. Mas como S é invariante para a representação π, obtém-se S = X, logo π(A)x = π(I)x. Dado a ∈ A, existe então i ∈ I por forma a que π(a)x = π(i)x, ou seja, π(a − i)x = 0. Como consequência, a − i ∈ J ⊂ I donde a ∈ I. Tem-se assim I = A e o ideal J é então maximal. Considere-se então a representação regular esquerda induzida por J , LJ , definida em (2.8). Esta é uma representação fiel pois Ker LJ = {a ∈ A : LJa = 0} = {a ∈ A : ab ∈ J , b ∈ A} = {a ∈ A : Ψx (ab) = 0, b ∈ A} = {a ∈ A : π(ab)x = 0, b ∈ A} = {a ∈ A : π(a)π(b)x = 0, b ∈ A} = {a ∈ A : π(a)X = 0} = {0}. Para demonstrar o resultado no sentido inverso, considere-se J o ideal esquerdo maximal para o qual a representação regular esquerda induzida é fiel. Esta é por definição uma representação fiel e, pela maximalidade de J , é irredutı́vel. A álgebra A é então primitiva. Proposição 2.2.5. Uma álgebra de Banach A é primitiva se e só se contém um ideal esquerdo maximal que não contém ideais bilaterias diferentes de {0}. Dem. Sendo A uma álgebra primitiva, existe pela Proposição 2.2.4 um ideal esquerdo maximal J de A para o qual a representação regular esquerda induzida, LJ , é injectiva. Represente-se por ΦJ : A → A/J a aplicação linear canónica, a 7→ a+J . Sejam I ⊂ J um ideal e a ∈ I. Para qualquer x ∈ A, tem-se que LJa (ΦJ (x)) = ΦJ (ax) = 0, ou seja, LJa é o operador nulo. Uma vez que LJ é injectivo, a = (LJ )−1 (LJa ) = 0. O ideal I é assim o ideal nulo. Reciprocamente, suponha-se que J é um ideal esquerdo maximal de A que não contém ideais não triviais. Se LJ (a) = 0 para algum a ∈ A, então ax ∈ J para quaisquer elementos x ∈ A. Defina-se I := {b ∈ A : bA ⊂ J }. Ora, o conjunto I é claramente um ideal de A contido em J tendo-se a ∈ I. Como consequência a = 0 e a representação LJ é fiel. Da proposição anterior surge naturalmente a questão de perante um ideal maximal esquerdo J , de uma álgebra de Banach A, saber determinar os ideias bilaterais I 62 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH contidos em J . É neste contexto que surge a noção de ideal primitivo de uma álgebra de Banach A, que generaliza a noção de ideal maximal para o caso de álgebras não comutativas. Definição 2.2.6. Seja J um ideal esquerdo de uma álgebra de Banach A. Chama-se quociente de J em A ao conjunto (J : A) := {a ∈ A : aA ⊂ J }. É um exercı́cio simples provar o seguinte resultado: Proposição 2.2.6. Se A é uma álgebra de Banach com unidade e, e J é um ideal esquerdo de A, então o quociente (J : A) é o maior ideal bilateral de A contido em J . Definição 2.2.7. Numa álgebra de Banach A, um ideal P diz-se um ideal primitivo quando P = (J : A), para algum ideal maximal esquerdo J de A. Designando por PrimA o conjunto dos ideais primitivos de A, tem-se por definição que PrimA := {(J : A) : J ∈ EA }, sendo EA o conjunto dos ideais maximais esquerdos de A. Recorrendo à noção de ideal primitivo, obtém-se facilmente das Proposições 2.2.5 e 2.2.6 a seguinte caracterização das álgebras primitivas. Proposição 2.2.7. Uma álgebra de Banach A, com unidade e, é primitiva se e só se {0} é um ideal primitivo de A. Estabelecem-se em seguida propriedades dos ideais primitivos. Proposição 2.2.8. Seja A uma álgebra de Banach. Então: (i) Todo o ideal maximal de A é um ideal primitivo de A, ou seja, MA ⊂ PrimA ; (ii) Se A tem unidade, todo o ideal primitivo de A é um ideal fechado. 2.2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS 63 Dem. (i) Sendo I um ideal maximal de A, uma simples aplicação do lema de Zorn permite concluir que existe um ideal maximal esquerdo J tal que I ⊂ J . Da Proposição 2.2.6 tem-se que (J : A) ⊂ J e I ⊂ (J : A). Da maximalidade I conclui-se então que I = (J : A), logo que I é primitivo. (ii) Seja P um ideal primitivo de A e J ideal maximal esquerdo tal que P = (J : A). Sendo (pn ) uma sucessão de termos em P tal que pn → p então, para qualquer a ∈ A, resulta da continuidade da operação de multiplicação em A que pn a → pa. Como (pn a) é uma sucessão em J , que é fechado pelo Teorema 1.3.2, então pa ∈ J para qualquer a ∈ A, ou seja, p ∈ P. Observe-se que se A é uma álgebra de Banach comutativa então MA = PrimA uma vez que todo o ideal primitivo de A é também um ideal maximal. Efectivamente, se J é um ideal esquerdo maximal da álgebra comutativa A, então J é um ideal maximal de A tal que J A ⊂ J . Assim, J ⊂ (J : A) tendo-se J = (J : A). O próximo resultado fornece uma condição necessária e suficiente de invertibilidade recorrendo aos ideais primitivos de A, e generaliza o Corolário 1.3.8 relativo a álgebras comutativas. Teorema 2.2.9. Sendo A uma álgebra de Banach com unidade e, defina-se AP := A/P e aP := a + P para a ∈ A e P ∈ PrimA . Se a ∈ A, então a ∈ GA se e só se aP ∈ GAP , P ∈ PrimA . Dem. Sendo a ∈ A é claro que se a ∈ GA então aP ∈ GAP para qualquer P ∈ PrimA . Reciprocamente, suponha-se que aP ∈ GAP para qualquer P ∈ PrimA e mostre-se, por redução ao absurdo, que a é invertı́vel à esquerda. Suponha-se que a não é invertı́vel à esquerda. Pelo Lema de Krull (Teorema 1.3.1), e := (J : A) e existe J um ideal esquerdo maximal de A tal que a ∈ J . Sendo P e e JPe := J /P, então JPe é um ideal esquerdo de APe := A/P uma vez que APe JPe ⊂ JPe . Dado que a ∈ J então aPe ∈ JPe e, pelo Teorema 1.3.2, aPe não é invertı́vel à esquerda o que contraria a hipótese. O elemento a admite assim um inverso esquerdo em A. Seja b ∈ A tal ba = e. Então, bP aP = e + P, para qualquer P ∈ PrimA , e como aP ∈ GAP então bP ∈ GAP . Aplicando a b a primeira parte da demonstração conclui-se 64 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH que b é também invertivel à esquerda. Assim, b é invertı́vel em A e tem a como o seu inverso. Tem-se então como pretendido que a ∈ GA . Apresenta-se a seguir a relação entre os ideais primitivos de uma álgebra e o núcleo das suas representações algebricamente irredutı́veis não nulas. Teorema 2.2.10. Um ideal de uma álgebra de Banach A é primitivo se e só se é o núcleo de uma representação algebricamente irredutı́vel e não nula de A, num dado espaço de Banach X. Dem. Sejam P um ideal primito de A e J um ideal esquerdo maximal tal que P = (J : A). Considere LJ a representação regular esquerda de A induzida por J e definida como em (2.8). Ora, LJ define uma representação irredutivel e não nula de A no espaço de Banach A/J , cujo núcleo é Ker LJ ={a ∈ A : LJa = 0} = {a ∈ A : ab + J = 0 + J , b ∈ A} ={a ∈ A : aA ⊂ J } = (J : A) = P. (2.9) Reciprocamente, seja P um ideal em A e (X, π) uma representação algebricamente irredutı́vel não nula, tal que P = Ker π. Começe-se por provar que para qualquer x ∈ X \ {0} se tem πA (x) = X, com πA (x) := {πa (x) : a ∈ A}. Seja x ∈ X \ {0}. O subespaço πA (x) ⊂ X é claramente invariante para (X, π) donde se conclui, atendendo à irredutibilidade de π, que πA (x) = {0} ou πA (x) = X. Supondo que πA (x) = {0}, então x ∈ Y := {y ∈ X : πA (y) = {0}}. Também Y é um subespaço inavariante para (X, π) e assim Y = {0} ou Y = X. Dado que π ̸= 0, então Y = {0} obtendo-se uma contradição do facto de x ∈ Y e x ̸= 0. Conclui-se assim como pretendido que πA (x) = X. Fixe-se x0 ∈ X \ {0} e defina-se J = {a ∈ A : πa (x0 ) = 0}. Repare-se que J é um ideal esquerdo de A pois, para qualquer b ∈ A e a ∈ J , πba (x0 ) = πb (πa (x0 )) = 0. Sejam LJ a representação regular esquerda de A induzida por J e U : A/J → X a aplicação definida por U (a + J ) = πa (x0 ), a ∈ A. É um exercı́cio simples mostar que U é um homomorfismo injectivo. Além disso, dado que X = πA (x0 ) = U (A/J ) pois x0 ̸= 0, então U é ainda sobrejectivo, logo um isomorfismo. Tem-se ainda, para quaisquer a, b ∈ A, πa U (b + J ) = πa πb (x0 ) = πab (x0 ) = U (ab + J ) = U LJa (b + J ), (2.10) 2.2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS 65 logo πa U = U LJa . Como consequência, Ker π ={a ∈ A : πa = 0} = {a ∈ A : πa U = 0} = {a ∈ A : U LJa = 0} = {a ∈ A : LJa = 0} = Ker LJ . Ora, de (2.9) tem-se que kerLJ = J \ A concluı́ndo-se que P = (J : A). Para terminar a demonstração resta mostrar que o ideal esquerdo J é maximal. Suponha-se que tal não acontece e seja Je um ideal esquerdo maximal de A tal que J ⊂ Je. Definindo JeJ := Je/J obtém-se uma subálgebra de Banach de AJ := A/J que é invariante para LJ uma vez que, para quaisquer a ∈ A e b ∈ Je, LJa (b + J ) = ab + J ∈ JeJ . Fixando bJe ∈ JeJ tal que bJe ̸= 0, obtém-se de (2.10) e do facto de πA (U (bJe)) = X que LJAJ (bJe) = AJ , pois U é um isomorfismo. Assim, AJ = LJAJ (bJe) ⊂ LJAJ (JeJ ) ⊂ JeJ , o que implica A = Je, logo uma contradição. Tem-se para o ideal P que P = (J : A) com J um ideal maximal, logo P é primitivo. A intersecção dos ideais primitivos de uma álgebra de Banach A é usualmente designado na literatura por radical de Jacobson de A. Mostra-se a seguir que o radical de Jacobson de A coincide com a noção de radical da álgebra A introduzida na Subsecção 1.3.2. Proposição 2.2.11. Sejam A uma álgebra de Banach e RA o radical de A. Então, RA = ∩ P∈PrimA P. Dem. Sendo P um ideal primitivo de A então P = (J : A) ⊂ J , para J um ideal maximal esquerdo de A. Assim, sendo RA := ∩J , J ideal maximal esquerdo de A, é imediato que RA ⊃ ∩ P∈PrimA P. Para provar a inclusão contrária vai mostrar-se que todo o ideal primitivo P ∈ PrimA é a intersecção de uma famı́lia {Jb }b∈A\{0} de ideais maximais esquerdos de A. Caso tal aconteça então, ∩ P∈PrimA P= ∩ ( ∩ P∈PrimA b∈A\{0} Jb ) ⊃ RA , 66 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH estabelecendo-se o pretendido. Ora, sendo P um ideal primitivo de A, tem-se da demonstração do Teorema 2.2.10 que P = Ker LJ para algum ideal esquerdo maximal J de A. Assim, P = {a ∈ A : LJa = 0} = {a ∈ A : ab + J = 0 + J , b ∈ A} = {a ∈ A : ab ∈ J , b ∈ A} = ∩ {a ∈ A : ab ∈ J }. b∈A Definindo Jb := {a ∈ A : ab ∈ J }, basta para terminar observar que Jb = {a ∈ A : LJa (b) = 0} e que para b ̸= {0}, dado que LJ é algebricamente irredutı́vel, se deduz também da demonstração do Teorema 2.2.10 que Jb é um ideal esquerdo maximal de A. 2.2.3 Módulos e representações de álgebras A noção de representação de álgebras pode também ser formulada através da noção de módulo. Um módulo é uma generalização da noção de espaço vectorial onde o corpo dos escalares é substituı́do por uma álgebra. No que se segue vai introduzir-se apenas a definição de módulo esquerdo, relacionando esta noção com a noção de representação de uma álgebra. Definição 2.2.8. Seja (X, +) um grupo comutativo e A uma álgebra. Diz-se que X é um A-módulo esquerdo se existir uma operação de A×X em X tal que, para quaisquer a, b ∈ A, x, y ∈ X, se tem: (i) a(x + y) = ax + ay; (ii) (a + b)x = ax + bx; (iii) (ab)x = a(bx); (iv) ex = x, sendo e a unidade da álgebra A (caso exista). Um módulo diz-se fiel se para qualquer elemento a ∈ A \ {0} existe x ∈ X tal que ax ̸= 0. Um subgrupo Y ⊂ X diz-se submódulo do módulo X se AY ⊂ Y . Diz-se que um A-módulo esquerdo X tem dimensão n ∈ N se existem elementos x1 , x2 , ..., xn ∈ X tais que qualquer elemento x ∈ X admite uma representação na forma, x = a1 x1 + a2 x2 + ... + an xn , com a1 , a2 , ..., an ∈ A. 2.2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS 67 Associada a uma representação (X, π) de uma álgebra A surge naturalmente um A-módulo esquerdo, com a operação definida por ax := π(a)x, a ∈ A, x ∈ X, designado por A-módulo esquerdo associado à representação (X, π). Algumas das propriedades da representação (X, π) são preservadas pelo A-módulo esquerdo associado. Proposição 2.2.12. Sejam A uma álgebra e (X, π) uma sua representação. Considerese o A-módulo esquerdo associado a (X, π). Então, (i) (X, π) é fiel se e só se o A-módulo esquerdo associado é fiel; (ii) (X, π) é irredutı́vel 3 se e só se os únicos submódulos do A-módulo esquerdo associado são {0} e X. Dem. (i) Suponha-se que π injectiva. Assim, para a ∈ A com a ̸= 0 tem-se que π(a) ̸= 0. Como consequência, existe x ∈ X tal que π(a)x ̸= 0, ou seja, existe x ∈ X tal que ax ̸= 0 e X é um A-módulo esquerdo fiel. Reciprocamente, se X é A-módulo esquerdo fiel e π(a) = 0, então ax = 0 para qualquer x ∈ X. Tem-se assim que a = 0 e a representação (X, π) é fiel. (ii) Suponha-se que (X, π) é irredutı́vel. Considere-se Y um submódulo de X. Tem-se que AY ⊂ Y, ou seja, para qualquer a ∈ A, aY ⊂ Y ⇔ π(a)Y ⊂ Y. O subgrupo Y é assim invariante para π que sendo irredutı́vel implica que Y = {0} ou Y = X. Reciprocamente, suponha-se que os únicos submódulos de X são os triviais. Assim, se Y ⊂ X é um subgrupo invariante para π então π(a)Y ⊂ Y para qualquer a ∈ A, ou seja, AY ⊂ Y. Da hipótese conclui-se que Y = {0} ou Y = X podendo afirmar-se que π é irredutı́vel. A terminar note-se que associado a qualquer A-módulo esquerdo X existe também uma representação da álgebra A, π : A → L(X), a 7→ π(a), onde π(a)x = ax, x ∈ X. De facto, poder-se-ia ter desenvolvido toda uma teoria equivalente à teoria de representações de álgebras utilizando a noção de módulo. A presente secção serve simplesmente para o leitor ficar ciente desta possibilidade. 3 Quando X é apenas um grupo aditivo (e não um espaço vectorial), diz-se que uma representação (X, π) é irredutı́vel se os únicos subgrupos Y ⊂ X invariantes para π são os triviais. 68 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH 2.3 Princı́pios locais Na teoria de Gelfand, a álgebra comutativa A quocientada por cada ideal maximal é isomorfa ao corpo dos complexos. Isso significa que cada elemento a ∈ A, tem como representante local um número complexo. Assim, um elemento é invertı́vel se e só se todos os representantes locais forem invertı́veis. A noção de princı́pio local tem por objectivo generalizar esta ideia para álgebras não comutativas. O Teorema 2.2.9 é uma tentativa que substitui os ideias maximais pelos ideais primitivos. No entanto, não é em geral fácil caracterizar nem os ideais primitivos de uma álgebra, nem a álgebra quociente que resulta da operação. Mas existem vários processos que permitem um estudo mais aprofundado, quer dos ideias utilizados quer das álgebras quocientes resultantes. Essas técnicas, que veremos a seguir, tiram partido de certas propriedades adicionais das álgebras. Não são pois aplicáveis em toda a generalidade. Mas são aplicáveis a muitas álgebras que aparecem na prática. 2.3.1 Princı́pio local de Allan O princı́pio local de Allan é uma generalização da teoria de Gelfand para álgebras de Banach com unidade que não sendo comutativas admitem um centro não trivial. Definição 2.3.1. O centro de uma álgebra A, Cen(A), é o conjunto dos elementos b ∈ A tais que ba = ab para todo o a ∈ A. É um exercı́cio simples mostrar o seguinte resultado: Lema 2.3.1. O centro de uma álgebra de Banach A com unidade e, é uma subálgebra fechada de A, comutativa, fechada para a inversão e contendo a unidade. Seja A uma álgebra de Banach com unidade. Diz-se que uma subálgebra B ⊂ A é uma subálgebra central de A, se for uma subálgebra fechada do centro de A contendo a unidade. Obviamente, B é uma álgebra de Banach comutativa com unidade, e pode representar-se por MB o seu espaço de ideais maximais. A cada ideal maximal x ∈ MB associe-se o menor ideal bilateral fechado Ix de A que contém x, e represente-se por Φx o homomorfismo canónico de A para A/Ix . Ao contrário do caso em que A é comutativa, as álgebras quociente A/Ix não são em geral iguais, dependendo de x ∈ MB . Em particular pode acontecer que Ix = A para alguns valores de x. Nesse caso Φx (a) = ax é invertı́vel em A/Ix e ∥Φx (a)∥ = 0 para cada a ∈ A. O princı́pio local de Allan tem como base o seguinte resultado. Proposição 2.3.2. Seja B uma subálgebra central de A. Se M é um ideal maximal esquerdo, direito ou bilateral de A então M ∩ B é um ideal bilateral maximal de B. 2.3. PRINCÍPIOS LOCAIS 69 Dem. Suponha-se que M é um ideal maximal esquerdo de A. É claro que M∩B é um ideal bilateral próprio fechado de B, pelo que apenas falta demonstrar a maximalidade. Considerando z ∈ B \ M tem-se Iz := {l + az : l ∈ M, a ∈ A} um ideal esquerdo de A contendo propriamente M (pois z ̸∈ M). A maximalidade de M implica que Iz = A, logo que e ∈ Iz , e portanto z tem um inverso módulo M pois z ∈ Cen(A). Tem-se assim que Kz := {a ∈ A : az ∈ M} é um ideal esquerdo próprio (e ̸∈ Kz ) de A contendo M. Uma vez que M é maximal, conclui-se que Kz = M. Em particular, se y1 , y2 são ambos inversos módulo M de z, então y1 − y2 ∈ M. Ou seja, os inversos módulo M de z determinam um elemento único da álgebra quociente A/M. Suponha-se que z − λe ̸∈ M para todos os λ ∈ C. Designe-se por y π (λ) a classe de equivalência de A/M contendo os inversos módulo M de z − λe e verifique-se que y π : C → A/M é uma função analı́tica. Considere-se λ0 ∈ C e seja y0 ∈ y π (λ0 ) um inverso módulo M de z − λ0 e. Então, para |λ − λ0 | < 1/∥y0 ∥, o elemento e − (λ − λ0 )y0 é invertı́vel em A podendo verificar-se facilmente que y0 [e − (λ − λ0 )y0 ]−1 é um inverso módulo M de z − λe. Assim, para |λ − λ0 | < 1/∥y0 ∥, y π (λ) = y0 [e − (λ − λ0 )y0 ]−1 + M , o que implica a analiticidade de y π . Se |λ| > ∥z∥, então z − λe é mesmo invertı́vel em A e, quando |λ| → ∞, ∑ ∥y π (λ)∥ ≤ ∥(z − λe)−1 ∥ = (1/|λ|)∥ z n /λn ∥ = o(1) . n≥0 Ora, pelo teorema de Liouville, y π (λ) = 0 para todos os λ ∈ C, o que contraria a hipótese de M ser um ideal próprio de A. Efectivamente, y π (0) = 0 implicaria a existência de y0 ∈ M com y0 z − e ∈ M, e portanto e ∈ M. Existe pois pelo menos um λ ∈ C tal que z − λe ∈ M e, uma vez que z ̸∈ M, tem-se λ ̸= 0. Conclui-se assim que e = λ−1 z + l para algum l ∈ M ∩ B A maximalidade de M ∩ B pode então ser finalmente demonstrada. Suponha-se que existe um ideal bilateral I de B tal que M ∩ B ⊂ I e M ∩ B = ̸ I. Então existe um z ∈ I \ (M ∩ B) ⊂ B \ M e, pela primeira parte da demonstração, existe λ ∈ C \ {0} e l ∈ M ∩ B com e = λ−1 z + l. Assim, e ∈ I e, portanto, I = B, o que prova que M ∩ B é maximal. Antes de enunciar o princı́pio de Allan recorde-se que uma função f : MB → R se diz superiormente semicontı́nua em x0 ∈ MB se para cada ϵ > 0 existir uma vizinhança Uϵ ⊂ MB de x0 tal que f (x) < f (x0 ) + ϵ para qualquer x ∈ Uϵ . A função f diz-se superiormente semicontı́nua em MB se for superiormente semicontı́nua para qualquer x ∈ MB . Note-se que qualquer função superiormente semicontı́nua tem máximo em todo conjunto compacto contido no seu domı́nio. 70 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH Teorema 2.3.3 (Princı́pio local de Allan). Sejam B uma subálgebra central de A, MB o espaço dos ideias maximais de B, Ix o menor ideal bilateral fechado de A que contém x ∈ MB e Φx o homomorfismo canónico de A em A/Ix . Então (i) um elemento a ∈ A é invertı́vel se e só se as classes Φx (a) são invertı́veis em A/Ix para qualquer x ∈ MB ; (ii) a aplicação MB → R+ , x 7→ ∥Φx (a)∥ é superiormente semicontı́nua para qualquer a ∈ A; (iii) ∥a∥ ≥ maxx∈MB ∥Φx (a)∥; (iv) se r ∈ ∩x∈MB Ix então r pertence ao radical de A. Dem. Para demonstrar (i), vai-se mostrar que a ∈ A é invertı́vel à esquerda se e só se Φx (a) é invertı́vel à esquerda para qualquer x ∈ MB . A demonstração para a invertibilidade à direita é análoga. Claramente se a é invertı́vel à esquerda então Φx (a) também o é. Para verificar a implicação de sentido contrário, suponha-se que Φx (a) é invertı́vel à esquerda em A/Ix para qualquer x ∈ MB mas que a não tem inverso à esquerda em A. Represente-se por M um ideal maximal de A contendo o conjunto I := { ba : b ∈ A} (note que e ̸∈ I). Defina-se x = M ∩ B. Pela Proposição 2.3.2, x é um ideal maximal de B. Vejamos ∑n que Ix ⊆ M. De facto, ∑nse l = k=1 ak xk bk , com xk ∈ x e ak , bk ∈ A, então, uma vez que B é central, l = k=1 ak bk xk e portanto l ∈ M já que M é um ideal esquerdo. Assim, Ix ⊆ M.Ora, Φx (a) é invertı́vel à esquerda em A/Ix , isto é, existe um b ∈ A com ba − e ∈ Ix , e dado que Ix ⊆ M tem-se ba − e ∈ M. Por outro lado, ba ∈ I ⊆ M. Assim e ∈ M o que contradiz a maximalidade de M. (ii) Seja x ∈ MB , ϵ > 0, e escolham-se elementos a1 , ..., an ∈ A e x1 , ..., xn ∈ x tais que n ∑ ∥a + aj xj ∥ < ∥Φx (a)∥ + ϵ/2 . (2.11) j=1 Considere-se U ⊂ MB a vizinhança aberta de x definida por { } n ∑ U = y ∈ MB : |Φy (xj )| < ϵ(2 ∥ai ∥ + 1)−1 , j = 1, ..., n , i=1 e yj = xj − Φy (xj )e. Note que os xj são elementos da álgebra de Banach comutativa B, e portanto as classes Φy (xj ) podem ser identificadas com números complexos. Uma vez que Φy (yj ) = Φy (xj − Φy (xj )e) = 0) então yj ∈ y, e assim ∥Φy (a)∥ ≤ ∥a + ∑ aj yj ∥ . (2.12) 2.3. PRINCÍPIOS LOCAIS 71 Se y ∈ U, de (2.11) e (2.12) tem-se ∑ ∑ ∥Φy (a)∥ − ∥Φx (a)∥ ≤ ∥a + aj yj ∥ − ∥a + aj xj ∥ + ϵ/2 ∑ ≤ ∥ aj (yj − xj )∥ + ϵ/2 ∑ = ∥ Φy (xj )aj ∥ + ϵ/2 < ϵ , provando-se assim a semicontinuidade superior de y 7→ ∥Φy (a)∥ no ponto x. (iii) Por definição, ∥a∥ ≥ ∥Φx (a)∥ para qualquer x ∈ MB o que conduz a que ∥a∥ ≥ supx∈MB ∥Φx (a)∥. O máximo ocorre devido à semicontinuidade superior estabelecida em (ii). (iv) Seja M um ideal maximal∑esquerdo de A. Da Proposição 2.3.2, x := M ∩ B é um ideal maximal de B. Se a := nj=1 xj aj∑ , com xj em x e aj em A então, atendendo a que M é um ideal esquerdo, tem-se a = nj=1 aj xj ∈ M concluı́ndo-se que Ix ⊂ M. Consequentemente, se r pertence a todos os ideais Ix , então r pertence a todos os ideais maximais esquerdos de A. Observe-se que utilizando a caracterização alternativa do radical de A, dada pela Proposição 1.3.10, se r ∈ ∩x∈MB Ix , então para cada a ∈ A, Φx (e − ra) = Φx (e) e, de acordo com (i), e − ra é invertı́vel o que permite também concluir que r pertence ao radical de A. Da semicontinuidade superior tem-se as seguintes propriedades. Proposição 2.3.4. Nas condições do Teorema 2.3.3, se Φx (a) é invertı́vel em A/Ix , então existe uma vizinhança U de x tal que Φy (a) é invertı́vel em A/Iy e ∥Φy (a)−1 ∥ ≤ 4∥Φx (a)−1 ∥ para qualquer y ∈ U. Dem. Considere-se Φx (a) invertı́vel. Existe então b ∈ A tal que Φx (ab − e) = Φx (ba − e) = 0. As aplicações y 7→ ∥Φy (ab − e)∥ e y 7→ ∥Φy (ba − e)∥, definidas no espaço dos ideais maximais de B são, pelo Teorema 2.3.3 (ii), superiormente semicontı́nuas. Assim, ∥Φy (ab − e)∥ < 1/2 e ∥Φy (ba − e)∥ < 1/2 para todos os ideais maximais y numa certa vizinhança U ′ de x. Tem-se também, Φy (a)Φy (b) = Φy (e) + Φy (ab − e) e Φy (b)Φy (a) = Φy (e) + Φy (ba − e), 72 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH e uma vez que Φ(e) é o elemento identidade em A/Iy , pelo Teorema 1.2.1 conclui-se que Φy (a) é invertı́vel em A/Iy e ∥Φy (a)−1 Φy (b)−1 ∥ ≤ 2 ⇒ ∥Φy (a)−1 ∥ ≤ 2∥Φy (b)∥ para qualquer y ∈ U ′ . Finalmente, aplicando a semicontinuidade superior mais uma vez, obtém-se ∥Φy (b)∥ ≤ 2∥Φx (b)∥ = 2∥Φx (a)−1 ∥ para qualquer y numa vizinhança U ⊆ U ′ de x. Note-se que o número 4 presente na desigualdade do enunciado da proposição anterior pode ser substituı́do por qualquer constante maior que 1. Do princı́pio local de Allan pode estabelecer-se um resultado de continuidade do espectro local. Seja X um espaço Hausdorff compacto e Ψ uma aplicação de X no conjunto de todos os subconjuntos compactos do plano complexo C. Dado um ponto x ∈ X e uma sucessão (yn ) ⊆ X com yn → x quando n → ∞, considere-se o conjunto Ψ(yn )′ constituı́do pelos pontos limite das sucessões (λn ) com λn ∈ Ψ(yn ). Define-se limite superior em x, ou conjunto limite parcial em x , como o conjunto lim sup Ψ(y) := ∪Ψ(yn )′ , y→x onde a união é considerada sobre todas as sucessões (yn ) convergindo para x. Proposição 2.3.5. Nas condições do Teorema 2.3.3, para qualquer a ∈ A e x ∈ MB , lim sup σ(Φy (a)) ⊆ σ(Φx (a)). y→x Dem. Seja λ um elemento do conjunto lim supy→x σ(Φy (a)). Por definição, existe uma sucessão (yn ) ∈ MB com yn → x e números λn ∈ σ(Φyn (a)) tais que λn → λ. Considerem-se os elementos a − λn e que convergem para a − λe, e suponha-se que a classe Φx (a − λe) é invertı́vel. Da Proposição 2.3.4, as classes locais Φyn (a − λn e) são invertı́veis para n suficientemente grande, o que contradiz a hipótese inicial. Consequentemente, s ∈ σ(Φx (a)). 2.3.2 Princı́pio local de Gohberg-Krupnik Um outro princı́pio local que generaliza a teoria de Gelfand para álgebras não comutativas é o princı́pio local de Gohberg-Krupnik. Este princı́pio tem a vantagem de ser aplicável tanto a álgebras complexas como reais, sendo a demonstração dos resultados elementares. 2.3. PRINCÍPIOS LOCAIS Definição Diz-se que elemento 0 elemento f 73 2.3.2. Seja A uma álgebra de Banach real ou complexa com unidade e. um subconjunto M ⊂ A é uma classe localizadora se M não contém o e dados dois elementos arbitrários f1 , f2 ∈ M , existe sempre um terceiro ∈ M tal que fj f = f fj = f, j = 1, 2. Seja M uma classe localizadora. Dois elementos a, b ∈ A dizem-se M -equivalentes à esquerda (resp. à direita) se inf ∥(a − b)f ∥ = 0 f ∈M (resp. inf ∥f (a − b)∥ = 0). f ∈M Um elemento a ∈ A diz-se M -invertı́vel à esquerda (resp. à direita) se existirem elementos b ∈ A e f ∈ M tais que baf = f (resp. f ab = f ). Proposição 2.3.6. Seja M uma classe localizadora e sejam a1 , a2 elementos de A que são M -equivalentes à esquerda (resp. à direita). Então a1 é M -invertı́vel à esquerda (resp. à direita) se e só se a2 também o é. Dem. Considere-se a1 M -invertı́vel à esquerda. Escolham-se b1 ∈ A e f ∈ M tais que b1 a1 f = f . Uma vez que a1 e a2 são M -equivalentes à esquerda, existe um g ∈ M tal que ∥(a1 − a2 )g∥ < ∥b1 ∥−1 . Seja h ∈ M tal que f h = gh = h. Então b1 a 2 h = = = = b1 a1 h − b1 (a1 − a2 )h b1 a1 f h − b1 (a1 − a2 )gh f h − b1 (a1 − a2 )gh h − b1 (a1 − a2 )gh. Definindo u := b1 (a1 − a2 )g tem-se então que b1 a2 h = (e − u)h. Uma vez que ∥u∥ < 1, o elemento e − u é invertı́vel em A. Definindo b2 := (e − u)−1 b1 obtém-se b2 a2 h = h. Assim, a2 é M -invertı́vel à esquerda. A demonstração para a M -invertibilidade à direita é análoga. Definição 2.3.3. Sendo A uma álgebra de Banach com unidade e, e X um espaço topológico, uma famı́lia de classes localizadoras {Mτ }τ ∈X diz-se a) uma cobertura se para cada escolha {fτ }τ ∈X de elementos fτ ∈ Mτ existir um número finito de elementos {fτ1 , . . . , fτm } cuja soma é invertı́vel em A; b) uma sobreposição se cada Mτ é um conjunto limitado em A, se sempre que f ∈ Mτ0 , para algum τ0 ∈ X, se tem que f ∈ Mτ para qualquer τ numa vizinhança aberta de τ0 , e se os elementos de F := ∪τ ∈X Mτ comutam dois a dois. 74 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH Para uma cobertura {Mτ }τ ∈X define-se comutante de F := ∪τ ∈X Mτ como sendo o conjunto F ′ := {a ∈ A : af = f a, f ∈ F }. É fácil de verificar que F ′ é uma subálgebra fechada de A. Para τ ∈ X, representa-se por Z τ o conjunto de elementos de F ′ que são Mτ -equivalentes a zero tanto à esquerda como à direita. Lema 2.3.7. O conjunto Z τ é um ideal bilateral próprio e fechado de F ′ . Dem. É fácil estabelecer que Z τ é um ideal bilateral fechado de A. Para mostrar que Z τ é um ideal próprio suponha-se que a unidade e ∈ A pertence a Z τ . Então existe uma sucessão fn ∈ Mτ tal que ∥fn ∥ → 0 quando n → ∞. Uma vez que existem elementos não nulos gn ∈ Mτ tais que fn gn = gn , obtém-se ∥fn ∥ ≥ 1, o que é uma contradição. Para a ∈ F ′ , defina-se aτ como a classe aτ := a + Z τ de a na álgebra quociente F ′ /Z τ . Proposição 2.3.8. Seja {Mτ }τ ∈X um sistema de classes localizadoras, em que Mτ é limitado em A para τ ∈ X. Para τ ∈ X e a ∈ F ′ , o elemento a é Mτ -invertı́vel à esquerda (resp. à direita) em F ′ se e só se aτ for invertı́vel à esquerda (resp. à direita) em F ′ /Z τ . Dem. Seja aτ invertı́vel à esquerda em F ′ /Z τ . Então existe um elemento b ∈ F ′ tal que ba − e ∈ Z τ , o que implica que ba é Mτ -equivalente a e à esquerda. Da Proposição 2.3.6 obtém-se a Mτ -invertibilidade de ba, e portanto de a, à esquerda. Reciprocamente, se existirem b ∈ F ′ e f ∈ Mτ tais que baf = f , então (ba − e)f = 0. Assim, ba − e ∈ Z τ o que implica que bτ aτ = e. A demonstração para a invertibilidade à direita é semelhante. O teorema que se segue é semelhante ao Teorema 2.3.3, com os ideais Ix e o espaço dos ideais maximais da subálgebra central substituı́dos, respectivamente, pelos ideais Z τ e pelo conjunto indexante X do sistema de classes localizadoras {Mτ }τ ∈X . Contrariamente ao princı́pio local de Allan, que recorre a resultados de análise complexa na demonstração da Proposição 2.3.2, como se verificará a seguir o principio local de Gohberg-Krupnik é válido também para álgebras de Banach reais. Teorema 2.3.9 (Princı́pio local de Gohberg-Krupnik). Sejam A uma álgebra de Banach com unidade e, e {Mτ }τ ∈X uma cobertura cujos elementos pertencem ao centro de A. Considere-se a ∈ A e, para τ ∈ X, seja aτ um elemento de A que é Mτ -equivalente à esquerda ao elemento a. 2.3. PRINCÍPIOS LOCAIS 75 (i) O elemento a é invertı́vel à esquerda em A se e só se aτ for Mτ -invertı́vel à esquerda em A para qualquer τ ∈ X. (ii) Suponha-se que cada Mτ é um conjunto limitado em A. Então a é invertı́vel à esquerda em A se e só se aτ := aτ for invertı́vel à esquerda em A/Z τ para qualquer τ ∈ X. (iii) Se o sistema {Mτ }τ ∈X é uma sobreposição, então a função X → R+ , τ 7→ ∥aτ ∥ é superiormente semicontı́nua. Dem. (i) Se a for invertı́vel à esquerda, então a é Mτ -invertı́vel à esquerda em A (= F ′ ) para qualquer τ ∈ X. Pela Proposição 2.3.6, aτ é Mτ -invertı́vel à esquerda para qualquer τ ∈ X. Para demonstrar o sentido contrário, suponha-se que aτ é Mτ invertı́vel à esquerda para qualquer τ ∈ X. Pela Proposição 2.3.6 conclui-se que a é Mτ -invertı́vel à esquerda para qualquer τ ∈ X. Existem portanto bτ ∈ A e fτ ∈ Mτ tais que bτ afτ = fτ . Uma vez que {Mτ }τ ∈X é uma ∑ cobertura, é possı́vel escolher um número finito de elementos fτ1 , . . . , fτm tais que m j=1 fτj é invertı́vel. Definindo s := m ∑ b τ j fτ j j=1 obtém-se sa = m ∑ j=1 Tem-se assim que ( ∑m j=1 b τ j fτ j a = m ∑ j=1 bτj afτj = m ∑ fτ j . j=1 fτj )−1 s é um inverso à esquerda de a. (ii) Se aτ é invertı́vel à esquerda em A/Z τ , para qualquer τ ∈ X, da Proposição 2.3.8 e do anterior ponto (i) conclui-se que a é invertı́vel à esquerda em A. A demonstração no sentido contrário é trivial. (iii) Considere-se τ0 ∈ X e ϵ > 0. Escolha-se z ∈ Z τ tal que ∥a + z∥ < ∥aτ0 ∥ + ϵ/2. Uma vez que z é Mτ0 -equivalente a zero à esquerda, existe um f ∈ Mτ0 tal que ∥zf ∥ < ϵ/2. Como f ∈ Mτ0 implica f ∈ Mτ para qualquer τ numa vizinhança de τ0 , devido à propriedade de sobreposição, deduz-se que f ∈ Mτ para qualquer τ numa vizinhança U (τ0 ) de τ0 . Defina-se y := z − zf . Se τ ∈ U (τ0 ), então existe um g ∈ Mτ tal que f g = g. Tem-se então que yg = zg − zf g = zg − zg = 0. Uma vez que pela definição de Z τ e devido à propriedade de sobreposição se tem que y ∈ F ′ , então y ∈ Z τ para qualquer τ ∈ U (τ0 ). Assim, ∥aτ ∥ ≤ ∥a + y∥ para τ ∈ U (τ0 ) e portanto, se τ ∈ U (τ0 ), então ∥aτ ∥ − ∥aτ0 ∥ < ∥a + y∥ − ∥a + z∥ + ϵ ϵ ϵ ≤ ∥y − z∥ + = ∥zf ∥ + < ϵ, 2 2 2 76 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH o que prova a semicontinuidade superior da aplicação τ 7→ ∥aτ ∥ em τ0 . Note-se que o Teorema 2.3.9 se mantém verdadeiro se o termo ”à esquerda” for substituı́do pelo termo ”à direita.” 2.4 Álgebras com identidade polinomial Analisa-se nesta secção uma generaļização da transformada de Gelfand que é aplicável a certas classes de álgebras de Banach, álgebras essas cujos elementos satisfazem uma identidade polinomial, que se designam na literatura por álgebras-PI (polynomial identity). As álgebras comutativas são exemplos de álgebras-PI uma vez que, quaisquer que sejam os seus elementos a, b estes satisfazem a identidade polinomial ab − ba = 0. 2.4.1 Identidades polinomiais standard Considere-se A uma álgebra com unidade sobre um corpo K e P um polinómio de grau positivo em n variáveis não comutativas e com coeficientes em K. Dados os elementos a1 , . . . , an pertencentes à álgebra A, represente-se por P (a1 , . . . , an ) o elemento de A obtido por substituição das n varı́áveis do polinómio P pelos elementos a1 , . . . , an . Definição 2.4.1. Seja P um polinómio de grau positivo em n variáveis não comutativas e com coeficientes em K. Diz-se que a álgebra A sobre K satisfaz a identidade polinomial P se P (a1 , . . . , an ) = 0 para qualquer escolha dos elementos a1 , . . . , an ∈ A. Designase por álgebra-PI uma álgebra que satisfaz pelo menos uma identidade polinomial não trivial. Designam-se por polinómios multilineares os polinómios da forma ∑ P (a1 , . . . , am ) = λσ aσ(1) . . . aσ(m) (2.13) σ∈Σm onde Σm representa o grupo de permutação do conjunto {1, . . . , m} e onde os coeficientes λσ pertencem ao corpo K. As identidades polinomiais com polinómios multilineares designam-se por identidades multilineares. Os polinómios alternantes são polinómios P em que qualquer repetição na escolha dos elementos a1 , . . . , an resulta no elemento 0, isto é, P ( . . . , aj , . . . , aj , . . . ) = 0. Note-se que as propriedades dos polinómios multilineares alternantes são semelhantes às do determinante de uma matriz quando considerado como função das linhas ou das colunas da matriz. Representa-se por Pij o polinómio P com as variáveis das posições i e j trocadas. 2.4. ÁLGEBRAS COM IDENTIDADE POLINOMIAL 77 Lema 2.4.1. Sendo P um polinómio multilinear, P é alternante se e só se Pij = −P para qualquer escolha dos ı́ndices 1 ≤ i ̸= j ≤ n. Dem. Considere-se um polinómio alternante P e 1 ≤ i ̸= j ≤ n. Então 0 = P ( . . . , ai + aj , . . . , ai + aj , . . . ) = P ( . . . , ai , . . . , ai , . . . ) + P ( . . . , ai , . . . , aj , . . . ) + P ( . . . , a j , . . . , ai , . . . ) + P ( . . . , a j , . . . , aj , . . . ) = P ( . . . , ai , . . . , aj , . . . ) + P ( . . . , aj , . . . , ai , . . . ). Reciprocamente, considere-se um polinómio P tal que Pij = −P. Trocando-se em P ( . . . , aj , . . . , aj , . . . ) as posições onde está presente o elemento repetido aj , obtémse P ( . . . , aj , . . . , aj , . . . ) = −P ( . . . , aj , . . . , aj , . . . ), o que conduz a P ( . . . , aj , . . . , aj , . . . ) = 0. O processo de multilinearização permite substituir um dado polinómio P por um outro polinómio com uma nova variável e menos um grau numa das variáveis antigas. Aplicando este processo repetidamente, qualquer polinómio é transformado num polinómio multilinear. Tendo como objectivo formalizar este processo introduz-se a função ∆i . Definição 2.4.2. Seja P : An → A um polinómio em n variáveis. Dado i ∈ {1, . . . , n}, define-se a função ∆i P : An+1 → A, ∆i P (a1 , . . . , an+1 ) := P (a1 , . . . , ai−1 , ai + an+1 , ai+1 , . . . , an ) −P (a1 , . . . , ai−1 , ai , ai+1 , . . . , an ) (2.14) −P (a1 , . . . , ai−1 , an+1 , ai+1 , . . . , an ). Tem-se os seguintes dois resultados: Lema 2.4.2. Se uma álgebra A satisfaz uma identidade polinomial de grau k, então também satisfaz uma identidade multilinear de grau menor ou igual a k. Dem. Suponha-se que A satisfaz o polinómio P de grau k em n variáveis. Se P não for linear na primeira variável, isto é, se o grau da primeira variável for maior que 1, considere-se o polinómio ∆1 P(a1 , . . . , an , an+1 ) = P(a1 + an+1 , a2 , . . . , an ) − P (a1 , a2 , . . . , an ) − P (an+1 , a2 , . . . , an ). 78 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH É fácil verificar que A também satisfaz o polinómio ∆1 P, e que o grau de ∆1 P não é maior que o de P. Mas em ∆1 P o grau da primeira variável é estritamente menor que o grau da primeira variável em P. Aplicando repetidamente este procedimento a todas as variáveis não lineares obtém-se, após um número finito de passos, uma identidade multilinear de grau menor ou igual a k que é satisfeita por A. Lema 2.4.3. A álgebra das matrizes Mn (K) sobre o corpo K não satisfaz nenhuma identidade polinomial de grau menor que 2n. Dem. Atendendo ao lema 2.4.2 basta apenas verificar que Mn (K) não satisfaz nenhuma identidade multilinear de grau menor que 2n. Por absurdo, suponha-se que Mn (K) satisfaz uma identidade multilinear Pm de grau m < 2n. Sejam Ep,q ∈ Mn (K) matrizes com zeros em todas as entradas com excepção da entrada (p, q), que tem o valor 1. Considerem-se os elementos { E i+1 , i+1 se i é ı́mpar 2 2 ai = , se i é par E i , i+2 2 2 em (2.13). Obtém-se de imediato que o coeficiente associado à permutação identidade é zero. Rearranjando as matrizes em Pm obtém-se que qualquer coeficiente tem de ser zero, o que é uma contradição. O polinómio standard é um caso particular de um polinómio multilinear. Definição 2.4.3. Seja A uma álgebra e a1 , . . . , an ∈ A. O polinómio standard Sn define-se como ∑ Sn (a1 , . . . , an ) := sgnσ aσ(1) . . . aσ(n) , σ∈Σn onde Σn representa o grupo de permutação do conjunto {1, . . . , n} e sgnσ toma o valor +1 se a permutação σ é par e −1 se é ı́mpar. O polinómio standard pode definir-se recursivamente como S1 (a1 ) := a1 e n ∑ Sn (a1 , . . . , an ) = (−1)i−1 ai Sn−1 (a1 , . . . , ãi , . . . , an ) i=1 ou de forma equivalente, para n > 1, Sn (a1 , . . . , an ) = n ∑ i=1 (−1)n−i Sn−1 (a1 , . . . , ãi , . . . , an ) ai 2.4. ÁLGEBRAS COM IDENTIDADE POLINOMIAL 79 ˜ indica que o elemento respectivo é omitido. onde (.) É fácil verificar que os polinómios standard são alternantes. Reciprocamente tem-se o seguinte resultado: Proposição 2.4.4. Qualquer polinómio multilinear alternante de grau n é um múltiplo do polinómio standard Sn . Dem. Considere-se um polinómio multilinear alternante P da forma (2.13). Dado que qualquer permutação é uma composição de troca de variáveis, obtém-se pelo Lema 2.4.1 que P (a1 , . . . , an ) = sgnσ P (aσ(1) , . . . , aσ(n) ) para qualquer permutação σ ∈ Σn . O coeficiente do monómio aσ(1) . . . aσ(n) no polinómio do lado esquerdo desta igualdade é λσ , a que corresponde sgnσλid no lado direito, com a permutação identidade id. Logo, λσ = sgnσλid , conduzindo a ∑ P (a1 , . . . , an ) = λid sgnσaσ(1) . . . aσ(n) . σ∈Σn Obtém-se então P = λid Sn . Corolário 2.4.5. Se P(a1 , . . . , a2n ) = ∑ sgnσ[aσ1 , aσ2 ] . . . [aσ2n−1 , aσ2n ], σ∈Σ2n onde [a, b] representa o comutador ab − ba, então P = 2n S2n . Dem. Pode verificar-se que P é um polinómio multilinear alternante de grau 2n. De acordo com a Proposição 2.4.4, P é um múltiplo do polinómio standard S2n . O polinómio P é ainda a soma de 2n (2n)! monómios multilineares, que não se cancelam. Como consequência tem-se que a constante é 2n . Lema 2.4.6. Sejam a1 , . . . , a2k ∈ Mn (K). Então [ ] tr S2k (a1 , . . . , a2k ) = 0, onde tr a representa o traço da matriz a. Dem. Se i ∈ {1, . . . , 2k}, represente-se por ai2k o (2k − 1)-tuplo (a1 , . . . , ãi , . . . , a2k ) onde o tilda indica que o elemento correspondente é omitido. Então [ ] 2 tr S2k (a1 , . . . , a2k ) ] ] [ 2k [ 2k ∑ ∑ (−1)2k−i S2k−1 (ai2k ) ai = tr (−1)i−1 ai S2k−1 (ai2k ) + tr i=1 = 2k ∑ i=1 i=1 (−1)i−1 tr[ai S2k−1 (ai2k ) − S2k−1 (ai2k )ai ] = 0, 80 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH uma vez que o traço do comutador de duas matrizes é zero. Definição 2.4.4. Diz-se que a álgebra A satisfaz a identidade standard de ordem n se Sn (a1 , . . . , an ) = 0 dados quaisquer a1 , . . . , an ∈ A. A famı́lia de todas as álgebras com esta propriedade será representada por SIn . Exemplo 2.4.1. O polinómio standard de ordem 2 é S2 (a1 , a2 ) = a1 a2 − a2 a1 . Assim uma álgebra satisfaz a identidade standard de ordem 2 se e só se é comutativa. De acordo com o Lema 2.4.3, a álgebra Mn (K) não satisfaz nenhuma identidade polinomial de ordem menor que 2n. No próximo teorema mostra-se que Mn (C) satisfaz a identidade standard de grau 2n. Teorema 2.4.7 (Teorema de Amitsur-Levitzki). A álgebra Mn (C) satisfaz a identidade standard de grau 2n. Dem. Analise-se em primeiro lugar o caso do corpo dos números racionais. Considerese a matriz a ∈ Mn (Q). A fórmula de Newton para os coeficientes do polinómio caracterı́stico de a, Pa (λ) := det(λI − a) = λ + n n ∑ αk λn−k (2.15) k=1 conduz a que os coeficientes αk sejam obtidos da seguinte forma: Seja Ωk o conjunto de todos j-tuplos m = (m1 , . . . , mj ) de inteiros em que 1 ≤ m1 ≤ m2 ≤ · · · ≤ mj e m1 + m2 + · · · + mj = k. Note-se que tanto o k-tuplo (1, . . . , 1) como o 1-tuplo (k) pertencem a Ωk . Então, para k ∈ {1, . . . , n}, ∑ αk = qm tr (am1 ) . . . tr (amj ) m∈Ωk para certos números racionais qm . Pelo teorema de Cayley-Hamilton tem-se que Pa (a) = 0. Aplicando n − 1 vezes sucessivas o processo de multilinearização, partindo da função P : Mn (Q) → Mn (Q), a 7→ Pa (a) obtém-se a função (∆P)(a1 , . . . , an ) := (∆1 )n−1 P(a1 ). É claro que (∆P)(a1 , . . . , an ) = 0. Uma vez que o traço é aditivo, obtém-se a igualdade ∑ 0 = (∆P)(a1 , . . . , an ) = a σ1 . . . a σn + (2.16) σ∈Σn + n ∑ ∑ ∑ k=1 m∈Ωk σ∈Σn qm tr(aσ1 . . . aσm1 ) . . . tr(aσm1 +...+mj−1 +1 . . . aσk )aσk+1 . . . aσn . 2.4. ÁLGEBRAS COM IDENTIDADE POLINOMIAL 81 Como exemplo, considere-se n = 2. Nesse caso ∑ ∑ ∑ ∑ 0= aσ1 aσ2 + q(1) (tr aσ1 )aσ2 + q(1,1) (tr aσ1 )(tr aσ2 ) + q(2) tr (aσ1 aσ2 ) σ∈ ∑ 2 σ∈ ∑ 2 ∑ σ∈ 2 ∑ σ∈ 2 com q(1) = −1, q(1,1) = 1/2 e q(2) = −1/2, uma vez que 1 1 Pa (a) = a2 − (tr a)a + (tr a)2 − tr (a2 ). 2 2 Voltando ∑ ao caso geral, dadas 2n matrizes a1 , . . . , a2n ∈ Mn (Q) e uma permutação ′ ′ ′ ] e forma-se σ ∈ 2n , substitui-se cada variável ai na identidade (2.16) por [aσ2i−1 , aσ2i a soma ) ( ∑ ′ ′ ] . , aσ2n 0= sgnσ ′ (∆P) [aσ1′ , aσ2′ ], . . . , [aσ2n−1 σ′ ∈ ∑ 2n Esta identidade pode ser escrita, pelo Corolário 2.4.5, como 0 = 2n S2n (a1 , . . . , a2n ) + P′ (a1 , . . . , a2n ) onde P′ (a1 , . . . , a2n ) é uma soma de termos da forma qm tr S2m1 (a2σ1 −1 , . . . , a2σm1 ) × · · · × ×tr S2mj (a2σm1 +···+mj−1 +1 −1 , . . . , a2σk )S2(n−k) (a2σk+1 −1 , . . . , a2σn ) ∑ para algum σ ∈ n . Exemplificando, para n = 2 obtêm-se termos do tipo ( ) q(1) tr(aσ1 aσ2 − aσ2 aσ1 )(aσ3 aσ4 − aσ4 aσ3 ) + tr(aσ3 aσ4 − aσ4 aσ3 )(aσ1 aσ2 − aσ2 aσ1 ) , q(1,1) tr(aσ1 aσ2 − aσ2 aσ1 ) tr(aσ3 aσ4 − aσ4 aσ3 ) e ∑ ( ) q(2) tr (aσ1 aσ2 − aσ2 aσ1 )(aσ3 aσ4 − aσ4 aσ3 ) = 4q(2) tr S4 (a1 , a2 , a3 , a4 ). σ∈Σ4 Pelo Lema 2.4.6, cada um dos termos da soma é 0. Logo, P′ (a1 , . . . a2n ) = 0 tendo-se S2n (a1 , . . . a2n ) = 0. Considere-se agora a situação geral para o corpo C e sejam ai ∈ Mn (C). Cada ∑ (i) matriz ai pode ser escrita como uma combinação linear ai = j,k ajk Ej,k onde Ej,k são matrizes com a entrada (j, k) igual a 1 e as outras zero. Dada a multilinearidade de S2n , basta mostrar que S2n (c1 e1 , . . . , c2n e2n ) = 0 para qualquer escolha dos elementos c1 , . . . , c2n em C e das matrizes e1 , . . . , e2n de Mn (Q) com apenas uma entrada não nula e igual a 1. Identificando cada elemento c de 82 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH C com a matriz diagonal diag (c, c, . . . , c) ∈ Mn (Q), atendendo a que C é comutativo tem-se S2n (c1 e1 , . . . , c2n e2n ) = c1 . . . c2n S2n (e1 , . . . , e2n ). Dado que S2n (e1 , . . . , e2n ) = 0, pela primeira parte da demonstração obtém-se o resultado. Note-se que o teorema de Amitsur-Levitzki continua válido se o corpo C for substituı́do por uma álgebra com unidade comutativa C sobre C, já que a última parte da sua demonstração se pode aplicar também neste caso. 2.4.2 Sı́mbolos matriciais Seja A uma álgebra de Banach com identidade e sobre o corpo dos números complexos e B ⊂ A uma subálgebra de A. Dado um conjunto arbitrário X, associe-se a cada x ∈ X um inteiro positivo l(x) tal que n := supx∈X l(x) < ∞. Definição 2.4.5. Seja {πx }x∈X uma famı́lia de representações de A tal que πx (a) ∈ Ml(x) (C) para cada a ∈ A. Diz-se que a famı́lia {πx }x∈X gera um sı́mbolo matricial de ordem n para B em A se, para qualquer b ∈ B, b é invertı́vel em A se e só se πx (b) é invertı́vel para qualquer x ∈ X. Designa-se por IS(n, A) a coleção de todas as subálgebras B de A que possuem um sı́mbolo matricial de ordem n para B em A. No caso de A pertencer a IS(n, A) diz-se apenas que A possui um sı́mbolo matricial de ordem n. Seja J um ideal maximal esquerdo da álgebra de Banach A. Represente-se por E o espaço linear A/J e seja ΦJ : A → E o homomorfismo canónico. Represente-se ainda por LJ a representação regular esquerda de A induzida por J , definida em (2.8). Lema 2.4.8. Seja E0 uma variedade linear de dimensão finita em E e seja x ∈ E \ E0 . Então existe a ∈ A tal que LJa (E0 ) = {0} e LJa (x) ̸= 0. Dem. A demonstração faz-se por indução na dimensão de E0 . O resultado é obviamente verdadeiro se dim E0 = 0. Suponha-se verdadeiro para dim E0 = k. Escolha-se y ̸∈ E0 e defina-se E1 := E0 + Cy. Seja ainda L := {LJa : LJa (E0 ) = {0}}. Considere-se agora o conjunto {LJa (y) : LJa ∈ L}. Este conjunto é um subespaço de E que é invariante para todos os operadores LJb com b ∈ A. Uma vez que LJ é uma representação algebricamente irredutı́vel, tem-se {LJa (y) : LJa ∈ L} = E. Suponha-se que a tese do Lema não é válida para E1 . Existe então um z ∈ E \ E1 tal que LJa (z) = 0 para qualquer a satisfazendo a condição LJa (E1 ) = {0}. Considere-se o operador linear B definido em E por Bx := LJa (z), com a escolhido de forma a que 2.4. ÁLGEBRAS COM IDENTIDADE POLINOMIAL 83 LJa (y) = x. Pode-se verificar facilmente que B está bem definido e satisfaz as condições do Corolário 2.2.3. Como consequência, B é um operador escalar, ou seja, B = λI com λ complexo, e para qualquer LJa ∈ L tem-se LJa (z) = BLJa (y) = λLJa (y) ⇔ LJa (z − λy) = 0. Mas pela hipótese, se LJa (ξ) = 0 para qualquer LJa ∈ L, então ξ ∈ E0 . Assim z − λy ∈ E0 , o que contradiz a escolha de z ∈ E \ E1 . Lema 2.4.9. Sejam v1 , . . . , vn e e1 , . . . , en elementos de E, e suponha que os elementos ek são linearmente independentes. Então existe um elemento a ∈ A tal que LJa ek = vk para qualquer k = 1, . . . , n. Dem. Do Lema 2.4.8 sabe-se que, para cada k = 1, . . . , n, existe ak ∈ A tal J que Lak (ek ) ̸= 0 e LJak (em ) = 0 para m ̸= k. Considere-se a variedade linear Ek := {LJx LJak (ek ) : x ∈ A}. Uma vez que LJa (Ek ) ⊂ Ek e LJe LJak (ek ) ̸= 0, obtém-se Ek = E para qualquer k. Pode-se assim concluir que existe um elemento xk ∈ ∑ A tal que J J J J Lxk Lak (ek ) = Lxk ak (ek ) = vk e Lxk ak (em ) = 0 para m ̸= k. O elemento a := nk=1 xk ak tem assim a propriedade pretendida. Teorema 2.4.10 (Teorema de Kaplansky). Se A ∈ SI2n é uma álgebra de Banach primitiva, então A é isomorfa a Ml (C) para algum 1 ≤ l ≤ n. Dem. Sendo A uma álgebra primitiva então, pelo Proposição 2.2.4, A possui um ideal esquerdo maximal J para o qual a correspondente representação regular esquerda LJ : A → {LJa : a ∈ A} é um isomorfismo. Mostre-se que se A ∈ SI2n então dim E ≤ n com E := A/J . Suponha-se que dim E > n. Se e1 , . . . , en+1 forem elementos linearmente independentes em E defina-se, para i, j, k = 1, . . . , n + 1, (ij) vk := δjk ei onde δjk representa o sı́mbolo de Kronecker. Existem elementos ai,j ∈ A tais que (ij) LJai,j ek = vk (Lema 2.4.9). Fazendo um cálculo simples, S2n (LJan+1,n , LJan,n−1 , . . . , LJa2,1 , LJa1,2 , . . . , LJan,n+1 )en+1 = en+1 , donde J J J J J ∥Sm 2n (Lan+1,n , Lan,n−1 , . . . , La2,1 , La1,2 , . . . , Lan,n+1 )∥ ≥ 1, 84 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH para qualquer m. Dado que LJ é contı́nuo e por hipótese A ∈ SI2n obtém-se uma contradição. Como consequência, dim E ≤ n e obviamente L(E) ≡ Ml (C), para algum 1 ≤ l ≤ n. O teorema que se segue pode ser visto como uma generalização da teoria de Gelfand para álgebras que satisfazem a identidade polinomial standard. Teorema 2.4.11. Seja A ∈ SI2n uma álgebra de Banach com unidade e. Então (i) a álgebra quociente Ax := A/x é isomorfa a Ml(x) (C), para cada ideal maximal x de A, com l(x) ≤ n; (ii) um elemento a ∈ A é invertı́vel se e só se as matrizes πx (a) ∈ Ml(x) (C) são invertı́veis para todos os ideais maximais x em A, onde πx : A → Ml(x) (C) é definida por πx := φx ◦ Φx com Φx : A → Ax o homomorfismo canónico de A em Ax e φx : Ax → Ml(x) (C) o isomorfismo de Ax em Ml(x) (C) referido na alı́nea (i); (iii) O radical de A coincide com a intersecção de todos os ideais maximais de A. Dem. (i) Se a álgebra A for primitiva, pelo Teorema 2.4.10 é imediatamente isomorfa a Ml (C) para algum l ≤ n. Caso contrário, para qualquer x em MA a álgebra quociente Ax é primitiva e pertence a SI2n . Pelo Teorema 2.4.10 obtém-se o resultado. (ii) Se a ∈ A é um elemento invertı́vel então é imediato que πx (a) é também invertı́vel para qualquer x ∈ MA . Para mostrar a implicação no sentido contrário, suponha-se que πx (a) é invertı́vel para qualquer x ∈ MA . Tem-se evidentemente que a + x é invertı́vel em Ax , para qualquer x ∈ MA . Suponha-se, com vista a um absurdo, que a não é invertı́vel à esquerda. Pela Proposição 1.3.2, a pertence a um ideal esquerdo maximal J de A. Seja LJ a representação regular esquerda induzida por J e defina-se I := Ker LJ . É evidente que I é um ideal contido em J , que a álgebra quociente A/I é primitiva, e que A/I ∈ SI2n . Do Teorema 2.4.10 conclui-se então que A/I é isomorfa a Ml (C), com l ≤ n, donde resulta a maximalidade de I. Seja x0 := I ∈ MA . Uma vez que x0 é um subconjunto de J , a imagem Jx0 := Φx0 (J ) é novamente um ideal esquerdo, agora de Ax0 := A/x0 , com Φx0 (a) ∈ Jx0 . Assim, Φx0 (a) não pode ser invertı́vel em Ax0 , o que contradiz a suposição. Tem-se então que a tem de ser invertı́vel à esquerda. Mostre-se agora que a também é invertı́vel à direita. Dado que a é invertı́vel à esquerda, existe um elemento b ∈ A tal que ba = e tendo-se πx (b)πx (a) = πx (e), para qualquer x ∈ MA . Dado que πx (a) é invertı́vel em Ax , tem-se ainda que πx (a)πx (b) = πx (e), ou seja, ab − e ∈ x para qualquer x ∈ MA . Pela Proposição 2.2.5, cada ideal esquerdo maximal de A contém um ideal maximal e o elemento r = ab − e pertence 2.4. ÁLGEBRAS COM IDENTIDADE POLINOMIAL 85 assim ao radical de A. Da Proposição 1.3.10, o elemento ab = e + r é invertı́vel, o que implica a invertibilidade à direita de a. (iii) A intersecção de todos os ideais maximais pertence ao radical RA de A. No sentido contrário, suponha-se r ∈ RA . Então rx := r + x pertence a RAx . Uma vez que Ax é semi-simples, tem-se r ∈ x para qualquer ideal maximal x. Observe-se que na demonstração do Teorema 2.4.10 fez-se apenas uso da propriedade multilinear de S2n . A demonstração continua válida se em vez de S2n se tiver um qualquer polinómio multilinear. Assim, devido ao Lema 2.4.2, uma versão do Teorema 2.4.11 é válida se a álgebra A for uma qualquer álgebra-PI. Verificou-se pois que as álgebras pertencentes a SI2n possuem um sı́mbolo matricial de ordem menor ou igual a n. Mostra-se em seguida que uma álgebra que possua sı́mbolo matricial de ordem n é, a menos do radical, uma álgebra-PI que satisfaz uma identidade standard. Teorema 2.4.12. Seja A uma álgebra de Banach com unidade e. As seguintes afirmações são equivalentes: (i) A tem um sı́mbolo matricial de ordem n; (ii) A/RA ∈ SI2n ; Dem. (i) ⇒ (ii). Suponha-se que existe uma famı́lia de homomorfismos matriciais hx sobre A, identificados pelos elementos de um conjunto X, tal que um elemento a ∈ A é invertı́vel em A se e só se as matrizes hx (a) são invertı́veis para todos os x ∈ X. Mostra-se que se a ∈ A é invertı́vel então a + S2n (a1 , . . . , a2n ) é invertı́vel para qualquer escolha dos elementos a1 , . . . , a2n de A. Ora, dado que hx (S2n (a1 , . . . , a2n )) = S2n (hx (a1 ), . . . , hx (a2n )) e todos os elementos hx (ak ) são matrizes quadradas de ordem l, pelo Teorema 2.4.7 conclui-se hx (S2n (a1 , . . . , a2n )) = 0 para qualquer x ∈ X. Assim, hx (a) = hx (a + S2n (a1 , . . . , a2n )) para qualquer x ∈ X, e dado que {hx }x∈X constitui um sı́mbolo matricial, tem-se que a+S2n (a1 , . . . , a2n ) é invertı́vel sempre que o mesmo acontece a a ∈ A. Pela Proposição 1.3.10, S2n (a1 , . . . , a2n ) está no radical de A, o que termina a demonstração. (ii)⇒(i). 86 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH Suponha-se que A/RA satisfaz uma identidade multilinear. Logo possui sı́mbolo de invertibilidade de ordem n pelo Teorema 2.4.11. Dado que a ∈ A é invertı́vel se e só se a + RA é invertı́vel em A/RA , a existência de um sı́mbolo matricial para A/RA conduz obviamente à existência de um simbolo matricial para A. Por vezes também se designam as álgebras com sı́mbolo matricial como álgebras-QI (Quasi-Indentity). Exemplo Seja l2 o espaço de Banach das sucessões (αn ) de termos em C tais ∑∞ 2.4.2. que i=1 |αi |2 < ∞. Represente-se por A0 a subálgebra de L(l2 ) constituı́da por todos os operadores lineares limitados A ∈ L(l2 ) tais que os coeficientes da representação matricial (aij )∞ i,j=1 de A com respeito à base canónica são tais que: { 0 se i > j, a) aij = 0 se i < j e apenas num número finito de excepções; b) lim aii existe e é finito. i→∞ Seja A o fecho de A0 em L(l2 ). Então A é uma álgebra-QI constituı́ndo a famı́lia de homomorfismos contı́nuos { ann se n ∈ N, ϕn : A → C, ϕn (T ) := (2.17) lim aii se n = ∞, i→∞ um sı́mbolo matricial de ordem 1 para A. Tem-se que um operador T ∈ A é invertı́vel em A se e só se ϕn (T ) ̸= 0 para qualquer n ∈ N ∪ {∞}. A demonstração destes factos é deixada como exercı́cio. Termina-se a esta secção com uma importante consequência do Teorema 2.4.12. Corolário 2.4.13. Seja X um espaço de Banach de dimensão infinita. Se A for uma subálgebra de L(X) que contenha todos os operadores de caracterı́stica 1, então A não possui sı́mbolo matricial. Dem. Comece-se por mostrar que A é semi-simples. Por redução ao absurdo, suponha-se que existe um operador T ∈ RA e elementos y0 ̸= 0 e x0 em X tais que T x0 = y0 . Tome-se um funcional linear ϕ com ϕ(y0 ) = 1 e defina-se K, A ∈ A por Kx := ϕ(x)x0 , A := T K. Uma vez que o radical é um ideal bilateral, tem-se que A ∈ RA o que implica, pela Proposição 1.3.10, que I − A é invertı́vel. Mas (I − A)y0 = y0 − T Ky0 = 0, o que é uma contradição. Suponha-se agora que A possui um sı́mbolo matricial de ordem n. Então, pelo Teorema 2.4.12 (iii), A ∈ SI2n . Mas A contém uma cópia de todas as matrizes quadradas de dimensão finita não podendo assim, pelo Lema 2.4.3, satisfazer identidades 2.5. ÁLGEBRAS GERADAS POR DUAS PROJECÇÕES 87 polinomiais. 2.5 Álgebras geradas por duas projecções Uma das aplicações mais interessantes e simples da teoria de representações de álgebras não comutativas desenvolvidas nas secções anteriores é a álgebras geradas por duas projecções. O teorema das duas projecções, estabelecido nesta secção, associa a cada elemento de uma álgebra de Banach, gerada por duas projecções, uma função matricial 2 × 2 tal que elemento inicial é invertı́vel se e só se a correspondente função matricial o for. O termo “projecção” tem origem no facto do primeiro resultado ter sido demonstrado no contexto de álgebras C∗ . Na realidade o resultado pode ser generalizado para idempotentes em álgebras de Banach, o que será efectuado nesta secção. Considere-se B := alg{e, p, r} uma álgebra de Banach gerada pela unidade e, e por dois elementos p e r tais que p2 = p e r2 = r (idempotentes). O teorema das duas projecções pode ser estabelecido tendo por base uma das seguintes observações: 1. A álgebra B := alg{e, p, r} tem no centro o elemento c := prp + (e − p)(e − r)(e − p), sendo possı́vel aplicar a B o princı́pio local de Allan e analisar a álgebra por localização; 2. A álgebra B := alg{e, p, r} satisfaz a identidade standard S4 , enquadrando-se a álgebra na teoria das álgebras-PI da secção anterior. Neste texto desenvolve-se a teoria partindo da segunda observação que se passa a demonstrar. Proposição 2.5.1. Seja B uma álgebra gerada por uma unidade e, e por dois idempotentes, p e r. Então B satisfaz a identidade polinomial standard S4 . Dem. O elemento c := prp + (e − p)(e − r)(e − p) = e − p − r + pr + rp pertence ao centro da álgebra B, uma vez que pc = prp = cp e rc = rpr = cr. 88 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH Cada elemento de A pode escrever-se como h1 (c)e + h2 (c)p + h3 (c)r + h4 (c)pr, (2.18) com h1 , . . . , h4 polinómios, e assim a álgebra B é um módulo sobre o seu centro, de dimensão não maior que quatro. Para verificar esta afirmação basta notar que os geradores e, p, r de B são da forma (2.18) e que os seus produtos, como indicado na tabela de multiplicações, p r pr p p c − e + p + r − pr cp r pr r pr pr pr cr cpr satisfazem também (2.18). Uma vez que S4 é multilinear, e todos os polinómios hi (c) pertencem ao centro de B, falta apenas mostrar que sempre que {b1 , b2 , b3 , b4 } ⊆ {e, p, r, pr}, se tem S4 (b1 , b2 , b3 , b4 ) = 0. Ora, se dois dos elementos bi coincidirem então é óbvio que S4 (b1 , b2 , b3 , b4 ) = 0. Caso contrário, um dos bi tem de ser o elemento identidade. Seja por exemplo b1 = e. Tem-se então que S4 (e, a2 , a3 , a4 ) = 0 para quaisquer elementos a2 , a3 , a4 de B. Do anterior resultado e da continuidade do polinómio standard obtém-se o resultado: Corolário 2.5.2. Se B é uma álgebra de Banach gerada por uma unidade e, e por dois idempotentes, p e r, então B satisfaz a identidade polinomial standard S4 . Seja então B uma álgebra de Banach que é gerada pela identidade, e, e pelos dois idempotentes p e r. Do corolário 2.5.2 e do Teorema 2.4.11 tem-se que, para cada ideal maximal x de B, B/x ∼ = M1 (C) = C ou B/x ∼ = M2 (C). Represente-se por Mi , i = 1, 2, o conjunto dos ideais maximais x de B com B/x ∼ = Mi (C). Para cada x ∈ Mi escolha-se um isomorfismo ξx de B/x em Mi (C) e defina-se πx : B → Mi (C), a 7→ ξx (a + x). Descrevem-se a seguir, a menos de relações de semelhança, os elementos das famı́lias {πx }x∈Mi , i = 1, 2. 2.5. ÁLGEBRAS GERADAS POR DUAS PROJECÇÕES 89 Dado que os homomorfismos transformam idempotentes em idempotentes, a restricão de cada homomorfismo πx , com x ∈ M1 , ao conjunto {e, p, r} coincide com uma das aplicações G0 , . . . , G3 : {e, p, r} → C, definidas por G0 (e) = 1, G0 (p) = 0, G0 (r) = 0, G1 (e) = 1, G1 (p) = 1, G1 (r) = 0, G2 (e) = 1, G2 (p) = 0, G2 (r) = 1, G3 (e) = 1, G3 (p) = 1, G3 (r) = 1. Ora, um homomorfismo contı́nuo π : B → C fica unicamente determinado pela sua acção no conjunto {e, p, r} dos geradores de B. Existem pois no máximo quatro elementos em M1 . Considerem-se de seguida os homomorfismos πx em que x ∈ M2 . O idempotente πx (p) tem que admitir os escalares 0 e 1 como valores próprios, senão πx (p) é a matriz zero ou a matriz identidade de M2 (C) e o contradomı́nio de πx será uma álgebra comutativa que não pode coincidir com M2 (C). Existe assim uma matriz invertı́vel Bx ∈ M2 (C) tal que [ ] −1 1 0 πx (p) = Bx B . 0 0 x Defina-se o homomorfismo π̃x : B → M2 (C), a 7→ Bx πx (a)Bx−1 que tem a propriedade de que π̃x (a) é invertı́vel se e só se πx (a) for invertı́vel. Considerese ] [ α β π̃x (r) =: γ δ com α, β, γ e δ números complexos. Tem-se obrigatoriamente βγ ̸= 0, pois caso contrário alg{π̃x (e), π̃x (p), π̃x (r)} seria uma álgebra de matrizes triangulares (superiores ou inferiores) que não coincidiria com M2 (C). Ora, da idempotência de π̃x (r) concluı́-se que √ [ ] α ϵ α(1 − α) x π̃x (r) = −1 √ ϵx α(1 − α) 1−α √ em que ϵ√ α(1 − α) representa um número complexo x é número complexo não nulo, e 2 tal que ( α(1 − α)) = α(1 − α). Defina-se [ ] [ ] 1 0 1 0 Ψx : B → M2 (C), a 7→ π̃ (a) . 0 ϵx x 0 ϵ−1 x 90 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH Então Ψx é um isomorfismo tal que Ψx (a) é invertı́vel se [ ] [ 1 0 1 Ψx (e) = , Ψx (p) = 0 1 0 e só se πx (a) o for, bem como ] 0 0 e [ α Ψx (r) = √ α(1 − α) √ ] α(1 − α) 1−α para algum α ∈ C\{0, 1}. Em conclusão, se x ∈ M2 , o homomorfismo πx é equivalente, a menos de semelhança, a um homomorfismo Ψx cuja restricão ao conjunto {e, p, r} coincide com uma das aplicações Fα : {e, p, r} → M2 (C), √ [ ] [ ] [ ] 1 0 1 0 α α(1 − α) Fα (e) = , Fα (p) = , Fα (r) = √ , 0 1 0 0 α(1 − α) 1−α em que α ∈ C \ {0, 1}. Finalmente a questão que se coloca é como decidir quais dos morfismos Gm com m ∈ {0, 1, 2, 3} e Fα com α ∈ C \ {0, 1} são realmente restrições de homeomorfismos de B. Usando os elementos indicadores b := p + 2r e c = e − p − r + pr + rp, pode-se resolver a questão formulada. Verifica-se facilmente que para m = 0, 1, 2, 3, Gm (b) := Gm (p) + 2Gm (r) = m e que nenhum dos números 0, 1, 2, 3 está no espectro de Fα (b) := Fα (p) + 2Fα (r) se α ̸∈ {0, 1}. Uma vez que todos os pontos do espectro de b têm de ser obtidos como pontos do espectro de πx (b), para x ∈ M1 , ou do espectro de Ψx (b), para x ∈ M2 , pode então concluir-se que cada elemento m em σ(b) ∩ {0, 1, 2, 3} tem de ser obtido por uma representação unidimensional, existindo uma bijecção entre M1 e σ(b) ∩ {0, 1, 2, 3}, uma vez que apenas Gm (b) tem por imagem m. Analogamente se verifica que para o elemento c, Gm (c) := Gm (e) − Gm (p) − Gm (r) + Gm (p)Gm (r) + Gm (r)Gm (p) pertence a {0, 1} para cada escolha de m ∈ {0, 1, 2, 3}. Os elementos em σ(c) \ {0, 1} podem somente ser obtidos por representações bidimensionais Ψx (c). Dado que [ ] α 0 Fα (c) := Fα (e) − Fα (p) − Fα (r) + Fα (p)Fα (r) + Fα (r)Fα (p) = , 0 α 2.5. ÁLGEBRAS GERADAS POR DUAS PROJECÇÕES 91 cada elemento α ∈ σ(c)\{0, 1} induz um dos homomorfismos Fα e, por outro lado, cada um dos homomorfismos Fα (e como consequência, cada um dos Ψx ) pode contribuir apenas com um elemento para σ(c) \ {0, 1}. Existe assim entre M2 e σ(c) \ {0, 1} uma bijecção. Para finalizar resta considerar a situação em que 0 ou 1 pertence a σ(c) mas não é um elemento isolado de σ(c). Suponha-se que 0 tem esta propriedade. Existe então uma sucessão (xn ) de termos em σ(c) \ {0} tal que xn → 0 quando n → ∞. Se se determinar o espectro de Fxn (b), isto é, as soluções da equação √ ] [ xn (1 − xn ) 2x + 1 − λ 2 n √ det 2 xn (1 − xn ) 2(1 − xn ) − λ = (2xn + 1 − λ)(2 − 2xn − λ) − 4xn (1 − xn ) = 0, uma vez que as raı́zes de um polinómio dependem continuamente dos coeficientes, essas soluções λn e µn tendem para as soluções da equação (1 − λ)(2 − λ) = 0 que se obtém da equação anterior fazendo xn convergir para 0. Assim, λn → 1 e µn → 2, donde 1, 2 ∈ σ(b). Analogamente se mostra que 0, 3 ∈ σ(b) se 1 está em σ(c) e não é um ponto isolado de σ(c). O teorema que se segue condensa os resultados anteriores. Teorema 2.5.3 (Teorema das duas projecções). Seja A uma álgebra de Banach com unidade e, e sejam p e r idempotentes em A. Seja B := alg{e, p, r} a subálgebra fechada de A gerada pelos elementos p, r e e, então: (i) para cada x ∈ σB (e − p − r + pr + rp) \ {0, 1}, a aplicação Fx : {e, p, r} → M2 (C), definida por [ ] 1 0 , Fx (e) = 0 1 [ ] 1 0 , Fx (p) = 0 0 [ x Fx (r) = √ x(1 − x) √ ] x(1 − x) , 1−x (√ )2 √ onde x(1 − x) representa qualquer número em que x(1 − x) = x(1 − x), pode ser estendida a um homomorfismo contı́nuo de B em M2 (C) que se representa pelo mesmo sı́mbolo Fx ; (ii) para cada m ∈ σB (p + 2r) ∩ {0, 1, 2, 3}, a aplicação Gm : {e, p, r} → C, 92 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH definida por G0 (e) = 1, G0 (p) = G0 (r) = 0, G2 (e) = G2 (r) = 1, G2 (p) = 0, G1 (e) = G1 (p) = 1, G1 (r) = 0, G3 (e) = G3 (p) = G3 (r) = 1 pode ser estendida a um homomorfismo contı́nuo de B para C; (iii) um elemento a ∈ B é invertı́vel em B se e só se as matrizes Fx (a) são invertı́veis para qualquer x ∈ σB (e − p − r + pr + rp) \ {0, 1} e se os números Gm (a) não se anulam para m ∈ σB (p + 2r) ∩ {0, 1, 2, 3}. (iv) se 0 e 1 não são pontos isolados do espectro de c então existe cada um dos homomorfismos Gm , m = 0, 1, 2, 3. Pode-se estabelecer ainda o seguinte corolário. Corolário 2.5.4. Sejam Bp e Be−p , respectivamente, as álgebras de Banach {pbp : b ∈ B} e {(e − p)b(e − p) : b ∈ B}. Então, (i) sendo c = e − p − r + pr + rp, σB (c) \ {0, 1} = σBp (prp) \ {0, 1} = σBe−p ((e − p)(e − r)(e − p)) \ {0, 1}; (ii) se {0, 1} ⊂ σBp (prp), tem-se que σB (c) = σBp (prp), e o resultado continua verdadeiro se se substituir prp por (e − p)(e − r)(e − p). (iii) se o fecho de algum dos conjuntos σB (c) \ {0, 1}, σBp (prp) \ {0, 1}, σBe−p ((e − p)(e − r)(e − p)) \ {0, 1} contém os pontos 0 e 1, então estes conjuntos coincidem. Dem. Considere-se α ∈ σB (c) \ {0, 1}. Efectuando um cálculo simples tem-se [ ] [ ] [ ] α 0 α 0 0 0 Fα (c) = , Fα (prp) = , e Fα ((e − p)(r − p)(e − p)) = . 0 α 0 0 0 α Do Teorema 2.5.3 obtém-se (i) . Para demonstrar (ii), note-se que σB (c) = σBp (prp) ∪ σBe−p ((e − p)(e − r)(e − p)) o que, combinando com (i), permite concluir (ii). A proposição (iii) é óbvia. 2.6. EXERCÍCIOS 2.6 93 Exercı́cios Exercı́cio 2.1. Investigue se as condições de a álgebra A ser comutativa e complexa são necessárias para a obtenção do Teorema 2.1.2. Exercı́cio 2.2. Um álgebra B com unidade e diz-se singularmente gerada se existe um elemento b ∈ B tal que B coincide com a mais pequena subálgebra fechada de B que contém e e b. Neste caso b diz-se o gerador de B. Prove que o espaço dos ideais maximais de uma álgebra de Banach gerada por um elemento b é homeomorfo ao espectro de b. Sugestão: Faça corresponder ao ponto λ ∈ σB (b) o mais pequeno ideal fechado de B que contém b − λe. Exercı́cio 2.3. Recorde o Exercı́cio 1.33. Seja M (l∞ ) o espaço dos funcionais lineares multiplicativos de l∞ , com a topologia w∗ . Dado u ∈ l∞ , defina-se u b(ϕ) := ϕ(u), ϕ ∈ M (l∞ ). Note que M (l∞ ) é um espaço de Hausdorff compacto. a) Mostre que a aplicação u 7→ u b define um isomorfismo algébrico isométrico de l∞ em C(M (l∞ )); b, para qualquer u ∈ l∞ ; b) Mostre que u b=u c) Representando por u1 a sucessão constantemente igual a 1, mostre que ub1 ≡ 1, ∞ := ou seja, ub1 coincide com a função constantemente igual a 1. Mostre que lc {b u : u ∈ l∞ } é fechado em C(M (l∞ )); ∞ = C(M (l ∞ )) d) Conclua que lc e) Mostre que M (l∞ ) é totalmente desconexo, ou seja, que as componentes conexas de M (l∞ ) são os conjuntos singulares; f) Seja ϕn (u) := un para n ∈ N e u ∈ l∞ . Represente novamente por N o subconjunto {ϕn : n ∈ N} de M (l∞ ). Mostre que N é denso em M (l∞ ); g) Mostre que o conjunto singular {ϕn } ⊂ M (l∞ ) é aberto em M (l∞ ); h) Mostre que ϕ(u) = 0 quando ϕ ∈ M (l∞ ) \ N e u ∈ l0∞ . Exercı́cio[ 2.4.]Considere a álgebra M2 (C) e a subálbegra B constituı́da pelas matrizes a b da forma com a, b ∈ C. 0 a 94 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH a) Descreva o centro da álgebra M2 (C); b) Determine o espaço dos ideais maximais de B, e a transformada de Gelfand em B. É injectiva? Qual a razão? Exercı́cio 2.5. Prove o Lema 2.3.1, ou seja, mostre que o centro de uma álgebra de Banach A com unidade e, é uma subálgebra fechada de A, comutativa, fechada para a inversão e contendo a unidade. Exercı́cio 2.6. Complete a demonstração do Lema 2.3.7, mostrando que Z τ é um ideal bilateral fechado de F ′ . Exercı́cio 2.7. Seja A uma álgebra. a) Considere a representação regular esquerda associada a A, definida por L : A → L(A), a 7→ La , com La (b) := ab para b ∈ A. Justifique que em geral L não é uma representação algebricamente irredutı́vel. b) Seja J um ideal eequerdo de A e LJ a representação regular esquerda de A induzida por J , isto é, a repesentação de A definida por, LJ : A → L(A/J ), a 7→ LJa , onde LJa (b + J ) = ab + J para b ∈ A. Mostre que se J for maximal, então LJ é algebricamente irredutı́vel. Sugestão: Dado um subespaço X ⊂ A/J , invariante para LJ , comece por justificar que IX := {x ∈ A : x + J ∈ X} ⊂ A, define um ideal esquerdo de A que contém J . Exercı́cio 2.8. Prove a Proposição 2.2.6, ou seja, sendo A é uma álgebra de Banach com unidade e, e J é um ideal esquerdo de A, prove que o quociente (J : A) é o maior ideal bilateral de A contido em J . Exercı́cio 2.9. Demonstre detalhadamente a Proposição 2.2.7, ou seja, que uma álgebra de Banach A com unidade é primitiva se e só se {0} é um ideal primitivo de A. 2.6. EXERCÍCIOS 95 Exercı́cio 2.10. Seja A uma álgebra de Banach e (X, π) uma representação de A no espaço vectorial X. Suponha-se que π ̸= 0. a) Um vector x ∈ X diz-se um vector cı́clico para π se o conjunto πA (x) := {πa (x) : a ∈ A} for igual a X. Mostre que se (X, π) é irredutı́vel então qualquer vector não nulo x ∈ X é cı́clico para π. b) Suponha que (X, π) é algebricamente irredutı́vel. Fixe-se x ∈ X \ {0} e seja J := {a ∈ A : πa (a) = 0}. (i) Mostre que J define um ideal esquerdo de A. (ii) Considere o espaço vectorial AJ := A/J e a correspondência U : AJ → X, aJ := a + J 7→ πa (x). Mostre que U define uma aplicação bijectiva de AJ em X, logo um isomorfismo algébrico. (iii) Seja LJ representação regular esquerda de A induzida por J (Exercı́cio 1.5). Mostre que se tem, ∀a ∈ A, πa U = U LJa . Exercı́cio 2.11. Seja A uma álgebra de Banach e (X, π) uma representação de A no espaço vectorial X tal que π ̸= 0. e π e é equivaDiz-se que uma outra representação (X, e) de A num espaço vectorial X e tal que lente a (X, π) sempre que exista um isomorfismo U : X → X ∀a ∈ A, π ea U = U π ea . Mostre que são equivalentes as sseguintes proposições: a) (X, π) é irredutı́vel; b) Qualquer vector não nulo de X é cı́clico para π; c) Existe um ideal esquerdo maximal J de A tal que π e LJ , a representação regular esquerda de A induzida por J , são equivalentes. Sugestão: Utilize o Exercı́cio 2.10. Exercı́cio 2.12. Prove que qualquer álgebra de dimensão finita A, com dim A < n (n ∈ N), satisfaz a identidade standard de ordem n. 96 CAPÍTULO 2. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS DE BANACH Exercı́cio 2.13. Prove que os morfismos ϕi do Exemplo 2.4.2 são homomorfismos contı́nuos e que um elemento A ∈ A é invertı́vel em A se e só se ϕi (A) ̸= 0 para qualquer i ∈ N ∪ {∞}. Exercı́cio 2.14. Descreva o conjunto de todos os elementos idempotentes de M2 (C). Exercı́cio 2.15. Determine o menor número l ∈ N tal que M2 (C) é gerada por l idempotentes. Responda à mesma questão para Mn (C) com n > 2. Exercı́cio 2.16. Considere o teorema das duas projecções (Teorema 2.5.3). Para cada subconjunto M de {0, 1, 2, 3}, encontre um exemplo onde σB (p + 2r) = M . Podem assim ocorrer todas as possı́veis combinações de representações unidimensionais. Prove o resultado correspondente para as representações bidimensionais. Capı́tulo 3 Fundamentos de álgebras C ∗ Este capı́tulo tem por objectivo central estabelecer os fundamentos da teoria das álgebras C ∗ . Introduzidos alguns conceitos básicos, mostra-se para uma álgebra C ∗ comutativa o 1o teorema de Gelfand-Naimark e estabelecem-se, em álgebras C ∗ , as propriedades fundamentais de uma importante classe de elementos, os designados elementos positivos. Na álgebra C ∗ dos operadores lineares limitados num espaço de Hilbert H, L(H), analisam-se propriedades dos operadores de projecção e das isometrias parciais, estabelecendo-se a decomposição polar dos operadores de L(H). Sendo X um espaço de Hausdorff compacto, considera-se um homomorfismo-∗ unital de C(X) em L(H) e mostra-se que existe uma medida espectral que permite representar as imagens do homomorfismo-∗ na forma integral. Mostra-se que é possivel representar qualquer operador normal de L(H) a partir de uma medida espectral definida nos subconjuntos de Borel do espectro do operador, estabelecendo assim o teorema espectral para este tipo de operadores. Indicam-se processos de construção de álgebras C ∗ a partir de álgebras C ∗ mais simples. Define-se a soma directa, o produto directo e o limite indutivo de álgebras C ∗ . Conclui-se o capı́tulo analisando, na ausência de unidade da álgebra C ∗ , vias para ultrapassar essa dificuldade nomeadamente a unitarização da álgebra e o conceito de aproximação da unidade. 3.1 Álgebras C ∗. Propriedades elementares Definição 3.1.1. Seja A uma álgebra complexa. Designa-se por involução uma aplicação ∗ : A → A que, para quaisquer a, b ∈ A e quaisquer α, β ∈ C, satisfaz as seguintes propriedades: (i) (a∗ )∗ = a; (ii) (αa + βb)∗ = αa∗ + βb∗ ; 97 98 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ (iii) (ab)∗ = b∗ a∗ . Uma álgebra complexa A onde está definida uma involução diz-se uma álgebra com involução ou, simplesmente, álgebra-∗. Ao longo do presente capı́tulo, excepto na Secção 3.7, consideram-se sempre álgebras-∗ com unidade que se designa como habitualmente por e. Note-se que como e∗ a = (e∗ a)∗∗ = (a∗ )∗ = a e ae∗ = a, devido à unicidade da unidade tem-se e∗ = e. Dada uma álgebra-∗ A, introduzem-se em seguida os conceitos de elemento normal, unitário e hermiteano: Um elemento a ∈ A diz-se normal quando a∗ a = aa∗ , e diz-se unitário quando aa∗ = a∗ a = e. Um elemento a ∈ A diz-se hermiteano ou autoadjunto quando a = a∗ , e diz-se uma projecção quando p∗ = p e p2 = p. Sendo S um subconjunto de A e S ∗ = {a∗ : a ∈ S}, diz-se que S é um subconjunto autoadjunto de A se S é fechado para a involução, ou seja, se S = S ∗ . Uma subálgebra de A fechada para a involução designa-se por subálgebra-∗ de A. Definição 3.1.2. Uma álgebra A diz-se uma álgebra C ∗ se A é uma álgebra de Banach na qual se considera uma involução ∗ que satisfaz a identidade C ∗ , ou seja, que satisfaz, para qualquer a ∈ A, ∥a∥2 = ∥a∗ a∥. Repare-se que numa álgebra C ∗ a involução é uma isometria. Efectivamente, sendo a ∈ A, ∥a∥2 = ∥a∗ a∥ ≤ ∥a∗ ∥∥a∥, pelo que ∥a∥ ≤ ∥a∗ ∥. Assim ∥a∗ ∥ ≤ ∥(a∗ )∗ ∥ = ∥a∥, obtendo-se ∥a∥ = ∥a∗ ∥. Sendo A uma álgebra C ∗ , uma subálgebra-∗ B de A, fechada para a topologia induzida pela norma, diz-se uma subálgebra C ∗ de A. Apresentam-se de seguida alguns exemplos de álgebras C ∗ que desempenham um papel fundamental na teoria. 3.1. ÁLGEBRAS C ∗ . PROPRIEDADES ELEMENTARES 99 Exemplo 3.1.1. Sejam X um espaço de Hausdorff compacto e C(X) a álgebra de Banach das funções complexas e contı́nuas em X com a norma do supremo, ∥f ∥∞ = sup|f (x)|, f ∈ C(X). x∈X Com a involução definida pela passagem à função conjugada, ∗ : C(X) 7→ C(X), f 7→ f , C(X) é uma álgebra C ∗ comutativa com unidade. Exemplo 3.1.2. Sendo H um espaço de Hilbert, a álgebra L(H) dos operadores lineares limitados T : H 7→ H com a norma habitual de operadores, ∥T ∥L = sup ∥T x∥, ∥x∥≤1 T ∈ L(H), e a involução ∗ : L(H) → L(H), T 7→ T ∗ , onde T ∗ designa o operador adjunto de T, é uma álgebra C ∗ cuja unidade é o operador identidade IH . O ideal K(H) dos operadores compactos de L(H), define uma subálgebra C ∗ de L(H) sem unidade. O próximo resultado realça a importância dos elementos hermiteanos ou adjuntos de uma álgebra-∗. Efectivamente, qualquer elemento de uma álgebra-∗ admite uma decomposição em elementos hermiteanos. Proposição 3.1.1. Seja A uma álgebra-∗. Qualquer que seja o elemento a ∈ A, existem elementos hermiteanos de A, h e k, univocamente determinados por a, tais que a = h + ik. (3.1) Dem. Definindo os elementos 1 h = (a + a∗ ) 2 e k= 1 (a − a∗ ), 2i (3.2) é imediato verificar (3.1). Quanto à unicidade, sejam h̃, k̃ elementos hermiteanos tais que a = h̃ + ik̃. Tem-se a∗ = h̃ − ik̃, vindo 1 h̃ = (a + a∗ ) = h 2 e k̃ = 1 (a − a∗ ) = k 2i Por analogia com a representação álgebrica dos números complexos, aos hermitianos h e k da representação (3.1) designam-se geralmente por parte real e parte imaginária CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 100 de a escrevendo-se Re (a) = h e Im (a) = k. Sendo A uma álgebra C ∗ , caracteriza-se em seguida o espectro, σA (a), e o raio espectral, r(a), de um elemento hermiteano a ∈ A. Proposição 3.1.2. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e a ∈ A um elemento hermiteano. Tem-se que: (i) ∥a2 ∥ = ∥a∥2 ; (ii) r(a) = ∥a∥; (iii) σA (a) ⊆ R. Dem. Da identidade C ∗ é claro que sendo a hermiteano, ou seja a = a∗ , se tem (i). Estabelecida a igualdade (i), da Proposição 2.1.4 obtém-se de imediato (ii). Demonstre-se (iii). Seja b = exp(ia). Da definição de exponencial de um elemento da álgebra, ∞ ∞ ∑ ∑ (ia)n (−ia∗ )n b= e b∗ = . n! n! n=0 n=0 Assim b∗ = exp(−ia) e bb∗ = b∗ b = e. O elemento b é pois um elemento unitário e consequentemente 1 = ∥e∥ = ∥bb∗ ∥ = ∥b∥2 . Assim, ∥b∥ = ∥b∗ ∥ = ∥b−1 ∥ = 1 o que permite concluir que se λ ∈ σA (b) então |λ| = 1. Ora, pelo teorema da aplicação espectral, σA (b) = σA (exp(ia)) = exp(iσA (a)) e como qualquer λ ∈ σ(b) tem módulo unitário então σ(a) ⊂ R. O teorema anterior tem uma importante consequência. Corolário 3.1.3. Se A é uma álgebra-∗ com unidade então existe no máximo uma norma em A que a torna uma álgebra C ∗ . Dem. Sejam ∥.∥1 , ∥.∥2 normas na álgebra-∗ que a tornam uma álgebra C ∗ . Assim, para qualquer a ∈ A, ∥a∥21 = ∥a∗ a∥1 = r(a∗ a) = ∥a∗ a∥2 = ∥a∥22 , pelo que ∥a∥1 = ∥a∥2 . 3.1. ÁLGEBRAS C ∗ . PROPRIEDADES ELEMENTARES 101 Na Secção 1.2.5 verificou-se que sendo B uma subálgebra de Banach unital de uma álgebra de Banach A então, para um elemento a ∈ B tem-se que σA (a) ⊆ σB (a) sendo a diferença dos espectros obtida, na passagem da álgebra A para a álgebra B, pela supressão de ”buracos” não aumentando a fronteira de σB (a). Mostra-se de seguida que caso A e B sejam álgebras C ∗ então σA (a) = σB (a) verificando-se assim invariância nos espectros. Teorema 3.1.4. Se A é uma álgebra C ∗ com unidade e B é uma subálgebra C ∗ de A, com a mesma unidade, então qualquer que seja a ∈ B, σB (a) = σA (a). Dem. Fixando a ∈ B, é imediato que σA (a) ⊆ σB (a). Para mostrar a inclusão contrária, ou seja , que σB (a) ⊆ σA (a), vai provar-se que se λ ∈ / σA (a) então λ ∈ / σB (a). Seja então λ ∈ C tal que λ ∈ / σA (a). Assim, b := a − λe ∈ GA ⇒ b∗ = a∗ − λe ∈ GA , e consequentemente bb∗ ∈ GA . Como bb∗ é um elemento hermiteano e invertı́vel em A, então σA (bb∗ ) ⊂ R \ {0}, pelo que o conjunto resolvente ρA (bb∗ ) := C \ σA (bb∗ ) é conexo. De acordo com o Teorema 1.2.13, tem-se que σB (bb∗ ) = σA (bb∗ ), e consequentemente bb∗ ∈ GB . Como b∗ ∈ B e (bb∗ )−1 ∈ B, então b−1 = [b∗ (b∗ )−1 ]b−1 = b∗ [(b∗ )−1 b−1 ] = b∗ (bb∗ )−1 ∈ B, pelo que b ∈ GB , isto é, a − λe ∈ GB , ou seja, λ ∈ / σB (a). Fica assim demonstrado que em álgebras C ∗ se tem, qualquer que seja a ∈ B, σB (a) = σA (a) . Definição 3.1.3. Dadas duas álgebras-∗, (A1 , ∗1 ) e (A2 , ∗2 ), um homomorfismo ϕ : A1 → A2 , de A1 em A2 , diz-se um homomorfismo-∗ se, para qualquer a ∈ A1 , ϕ(a∗1 ) = (ϕ(a))∗2 . Se adicionalmente ϕ for uma bijecção, o homomorfismo-∗ diz-se um isomorfismo∗. Particularmente, se A1 = A2 = A o isomorfismo-∗, ϕ : A → A, diz-se um automorfismo-∗. Caso A2 = C então o homomorfismo-∗ ϕ : A → C diz-se um funcional multiplicativo-∗. Um homomorfismo-∗ diz-se unital se transforma a unidade de A1 na CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 102 unidade de A2 . Ao longo deste capı́tulo, quando nada for dito em contrário, assume-se sempre que os homomorfismos-∗ são unitais. Quanto à continuidade dos homomorfismos-∗ tem-se o seguinte resultado. Teorema 3.1.5. Se A é uma álgebra-∗ de Banach com unidade, B é uma álgebra C ∗ e Ψ : A → B é um homomorfismo-∗ então, para qualquer a ∈ A, ∥Ψ(a)∥ ≤ ∥a∥, ou seja, Ψ é um operador linear limitado com ∥Ψ∥ ≤ 1. Dem. Assuma-se que B é uma álgebra com unidade e que o homomorfismo Ψ é unital. Caso tal não aconteça considere-se a projecção p = Ψ(e) e substitua-se a álgebra B pela álgebra Be = pBp cuja unidade é p. Para qualquer a ∈ A o elemento a∗ a é hermiteano e dado que o homomorfismo Ψ transforma elementos invertı́veis de A em elementos invertı́veis de B, então σB (Ψ(a∗ a)) ⊆ σA (a∗ a). Assim, de acordo com a Proposição 3.1.2, ∥Ψ(a)∥2 = ∥Ψ(a∗ a)∥ = r(Ψ(a∗ a)) = sup{|λ| : λ ∈ σB (Ψ(a∗ a))} ≤ sup{|λ| : λ ∈ σA (a∗ a)} = ∥a∗ a∥ = ∥a∥2 , o que garante que Ψ é limitado com ∥Ψ∥ ≤ 1. Observe-se que anterior resultado estende o Teorema 1.4.3, estabelecido em álgebras de Banach apenas para funcionais lineares multiplicativos, a todo o homomorfismo-∗ entre uma álgebra-∗ e uma álgebra C ∗ . 3.2 1o Teorema de Gelfand-Naimark. Cálculo funcional contı́nuo A álgebra de Banach C(X) das funções complexas e contı́nuas num espaço Hausdorff compacto X é, com a operação de conjugação, uma álgebra C ∗ . Como se verá no 1o teorema de Gelfand Naimark, está álgebra é o modelo das álgebras C ∗ comutativas e com unidade. Sendo A uma álgebra C ∗ comutativa e com unidade, de acordo com o Teorema 1.4.5, existe uma bjecção entre o conjunto dos ideias maximais de A e o conjunto dos 3.2. 1o TEOREMA DE GELFAND-NAIMARK. CÁLCULO FUNCIONAL CONTÍNUO103 funcionais lineares multiplicativos não nulos em A. Os ideais máximais são exactamente o núcleo dos funcionais lineares multiplicativos não nulos. Assim, e ao longo deste capı́tulo, vai representar-se por MA simultaneamente o conjunto dos ideias maximais da álgebra A e o conjunto dos funcionais lineares multiplicativos não nulos definidos em A. Sempre que MA for entendido com o segundo sentido então tem-se, para a transformada de Gelfand de um elemento b ∈ A, que bb(ϕ) = ϕ(b) para ϕ ∈ MA . Observe-se que como consequência da identificação entre os ideais maximais de uma álgebra C ∗ com unidade e o conjunto dos seus funcionais lineares multiplicativos não nulos, se conclui facilmente que se J designar um ideal maximal de A então J é autoadjunto. Efectivamente, se o elemento a ∈ A está no núcleo de um funcional linear multiplicativo então o mesmo sucede ao elemento a∗ . Neste capı́tulo vai mostrar-se que numa álgebra C ∗ , com ou sem unidade, os ideais bilaterais fechados são autoadjuntos sendo eles próprios álgebras C ∗ . Teorema 3.2.1 (Teorema de Gelfand-Naimark). Se A é uma álgebra C ∗ comutativa com unidade e MA é o espaço dos ideias maximais de A, então a transformação de Gelfand c : A → C(MA ), a 7→ b a, onde b a(ϕ) = ϕ(a), ϕ ∈ MA , é um isomorfismo-∗ isométrico de A sobre C(MA ). Dem. Do Teorema 2.1.2 sabe-se que a transformação de Gelfand, b : A → C(MA ), é um homomorfismo de A em C(MA ). Comece-se por mostrar que é homomorfismo-∗. Para qualquer a ∈ A tem-se que a = h + ik, com h, k elementos hermiteanos de A. Ora, sendo h hermiteano então σA (h) ⊂ R e Im b h ⊂ R, pelo que b h = b h = b h∗ . Repetindo o mesmo raciocı́nio para b k, tem-se b =b ab∗ = (h\ − ik) = b h − ik h − ib k = h\ + ik = b a. Verifique-se em seguida que b é uma isometria. Para qualquer a ∈ A, recorrendo às propriedades da transformada de Gelfand e ao facto do elemento aa∗ ser hermiteano, c∗ ∥ = r(aa∗ ) = ∥aa∗ ∥ = ∥a∥2 . ∥b a∥2 = ∥b ab a∥ = ∥aa Finalmente, se o contradomı́nio da transformação de Gelfand b é uma subálgebra fechada autoadjunta de C(MA ) que separa os pontos de MA e contém as funções constantes, resulta directamente do teorema de Stone-Weierstrass1 , que o mesmo é C(MA ), 1 Teorema de Stone-Weierstrass: Seja X um espaço Hausdorff compacto. Se S é uma subálgebra fechada e autoadjunta de C(X) que contém as funções constantes e separa os pontos de X então S = C(X), [12]. 104 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ e a transformação é sobrejectiva. Como primeira consequência do teorema de Gelfand-Naimark tem-se o resultado: Corolário 3.2.2. Toda a álgebra C ∗ comutativa e com unidade é uma álgebra semisimples. Dem. Seja RA o radical da álgebra A. Sendo A uma álgebra de Banach comutativa, então RA = ∩ M, M∈MA com MA o espaço dos ideais maximais de A. Fixe-se a ∈ RA . De acordo com a proposição (iv) do teorema de Gelfand (Teorema 2.1.2) o elemento a pertence ao núcleo da transformação de Gelfand b : A → C(MA ) que, atendendo ao teorema de Gelfand-Naimark, constitui um ismorfismo isométrico. Tem-se que a = 0, ficando demostrado que RA = {0}. A é assim uma álgebra semisimples. Sendo A um álgebra C ∗ com unidade e, e a ∈ A um elemento de A, representa-se por alg∗ {a} a álgebra C ∗ gerada por a e pela unidade e, ou seja, a menor subálgebra C ∗ de A que contém a e a unidade e ∈ A. De acordo com a Definição 1.1.8 é imediato que alg∗ {a} = alg{a, a∗ }, sendo alg∗ {a} a menor subalgebra de Banach de A que contém os elementos a, a∗ e a unidade e ∈ A. Tem-se obviamente que alg{a}∗ é o fecho na álgebra A do conjunto de todos os polinómios de coeficientes complexos, P(a, a∗ , e), nas variáveis a, a∗ e e, alg∗ {a} = {P(a, a∗ , e) : P é polinómio}. Uma outra consequência do teorema de Gelfand-Naimark é o resultado que se segue. Corolário 3.2.3. Se A e B são duas álgebras C ∗ com unidade e Ψ : A → B é um homomorfismo-∗ injectivo, então Ψ é isométrico. Dem. Suponha-se que Ψ é unital (caso contrário considere-se p = Ψ(e), com e a unidade de A, e substitua-se B pela álgebra Be = pBp cuja unidade é p). Fixe-se a ∈ A um elemento hermiteano e mostre-se que ∥Ψ(a)∥ = ∥a∥. Sejam Aa := alg∗ {a} e BΨ(a) := alg∗ {Ψ(a)} respectivamente a subálgebra C ∗ de A gerada por a e pela unidade 3.2. 1o TEOREMA DE GELFAND-NAIMARK. CÁLCULO FUNCIONAL CONTÍNUO105 de A, e a subalgebra C ∗ de B gerada por Ψ(a) e pela unidade de B. A restrição de Ψ a Aa define um isomorfismo-∗ de Aa sobre BΨ(a) , Ψ : Aa → BΨ(a) . Pelo teorema de Gelfand-Naimark as álgebras Aa e BΨ(a) são isometricamente isomorfas a C(MAa ) e C(MBΨ(a) ), respectivamente. Como consequência a aplicação ΨM : MBΨ(a) → MAa , φ′ 7→ φ′ ◦ Ψ, com φ′ ∈ MBΨ(a) , define um homeomorfismo de MBΨ(a) em MAa . Assim, recorrendo às transformações de Gelfand das álgebras C ∗ comutativas e com unidade, Aa e BΨ(a) , resulta novamente do teorema de Gelfand-Naimark que [ ∞= ∥Ψ(a)∥ = ∥Ψ(a)∥ sup φ′ ∈M BΨ(a) |φ′ (Ψ(a))| = sup |φ(a)| = ∥b a∥∞ = ∥a∥. φ∈MAa Se para qualquer elemento hermiteano a ∈ A se tem ∥a∥ = ∥Ψ(a)∥ então, para qualquer elemento c ∈ A, ∥Ψ(c)∥2 = ∥Ψ(c∗ c)∥ = ∥c∗ c∥ = ∥c∥2 , ou seja, o homomorfismo-∗ injectivo Ψ é isométrico. O teorema de Gelfand-Naimark está ainda na génese do chamado cálculo funcional contı́nuo para elementos normais. Teorema 3.2.4. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e, a ∈ A um elemento normal de A e Aa := alg∗ {a}. Tem-se: (i) O espaço dos funcionais lineares multiplicativos não nulos da álgebra C ∗ comutativa gerada por a, MAa é homeomorfo a σA (a); (ii) Existe um isomorfismo-∗ isométrico, Γ : Aa → C(σA (a)), de Aa sobre C(σA (a)). Dem. (i) Se a é normal então comuta com a∗ e consequentemente a álgebra Aa := alg{a}∗ constitui uma subálgebra C ∗ comutativa de A. Sendo b : Aa → C(MAa ) a transformação de Gelfand da álgebra Aa , tem-se que Im b a = σA (a). A aplicação b a : MAa → σA (a), ϕ 7→ b a(ϕ) := ϕ(a), (3.3) é sobrejectiva uma vez que atendendo à invariância do espectro nas subálgebras C ∗ , Im b a = σAa (a) = σA (a). Além disso b a é injectiva. Efectivamente, sendo ϕ1 , ϕ2 ∈ MAa tais que b a(ϕ1 ) = b a(ϕ2 ), então ϕ1 (a) = ϕ2 (a) tendo-se que a(ϕ1 ) = ϕ1 (a) = ϕ2 (a) = b a(ϕ2 ) = ab∗ (ϕ2 ) = ϕ2 (a∗ ). ϕ1 (a∗ ) = ab∗ (ϕ1 ) = b 106 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ Assim, para qualquer polinómio p(a, a∗ , e) em a, a∗ e e, tem-se que ϕ1 (p(a, a∗ , e)) = ϕ2 (p(a, a∗ , e)) e consequentemente ϕ1 = ϕ2 . A aplicação b a é por definição contı́nua na topologia de Gelfand em MAa . Como MAa e σA (a) são espaços Hausdorff compactos então b a é de facto um homeomorfismo ficando provado o pretendido. (ii) Sendo MAa e σA (a) homeomorfos, a aplicação a)−1 , Ψ : C(MAa ) → C(σA (a)), f 7→ Ψ(f ) := f ◦ (b (3.4) onde (b a)−1 designa a função inversa de b a, define um isomorfismo-∗ isométrico de C(σ(a)) em C(MAa ). Consequentemente, resulta do teorema de Gelfand-Naimark que a aplicação Γ : Aa → C(σA (a)), b 7→ Γb := Ψ(bb), (3.5) é um isomorfismo-∗ isométrico onde, de acordo com (3.3), (3.4) e (3.5), Γb ∈ C(σA (a)) é tal que Γb (λ) = ϕ(b) onde ϕ ∈ MAa é o único funcional tal que ϕ(a) = λ. Como a aplicação Γ , definida por (3.5) é um isomorfismo-∗ isométrico de Aa sobre C(σA (a)), a cada função contı́nua f ∈ C(σ(a)) pode associar-se um e um só elemento de Aa que se representa por f (a). À transformação inversa de Γ (Γ−1 ), que se representará ec , por Γ ec : C(σA (a)) → Aa , f 7→ f (a), Γ (3.6) designa-se por cálculo funcional contı́nuo para o elemento normal a ∈ A. Uma importante consequência do Teorema 3.2.4 é o chamado teorema da aplicação espectral para elementos normais, que generaliza o teorema espectral apresentado no Capı́tulo 1 a qualquer função contı́nua no espectro de elementos normais. Teorema 3.2.5 (Teorema da Aplicação Espectral). Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e, a ∈ A um elemento normal e f ∈ C(σA (a)) uma função contı́nua no espectro de a, σA (a). Então, σA (f (a)) = f (σA (a)). Dem. Sejam Aa := alg{a}∗ a subálgebra C ∗ comutativa de A gerada pelo elemento ec : C(σA (a)) → Aa a transformação (3.6). Sendo Γ ec a inversa da a e pela unidade e, e Γ ec f é o único elemento de Aa tal que, para qualquer transformação (3.5), então f (a) = Γ ϕ ∈ MAa , ϕ(f (a)) = f (λ), onde λ = ϕ(a) ∈ σA (a). Assim sendo, dado que A é uma álgebra de Banach comutativa, σA (f (a)) = {ϕ(f (a)) : ϕ ∈ MAa } = {f (λ) : λ ∈ σA (a))} = f (σA (a)), 3.3. ELEMENTOS POSITIVOS EM ÁLGEBRAS C ∗ 107 estabelecendo-se o pretendido. 3.3 Elementos positivos em álgebras C ∗ Os elementos positivos desempenham um papel importante nas álgebras C ∗ permitindo, em particular, introduzir uma relação de ordem parcial no conjunto dos elementos hermiteanos da álgebra (a ≤ b ou b ≥ a se b − a é um elemento positivo). Definição 3.3.1. Numa álgebra C ∗ , A, um elemento p ∈ A diz-se positivo se p é hermiteano e σ(p) ⊆ R+ 0 . Simbolicamente escreve-se p ≥ 0. Representa-se por A+ o conjunto dos elementos positivos da álgebra A. Na álgebra C(X) das funções contı́nuas num espaço Hausdorff compacto X, os elementos positivos são as funções reais não negativas. São fáceis de verificar as seguintes proposições: √ (i) Se f ∈ C(X) é positivo então g : x 7→ f (x) é o único elemento positivo de C(X) que satisfaz f = g 2 ; (ii) Se f ∈ C(X) é uma função real e ∥f − λ∥∞ ≤ λ, para algum real λ ≥ 0, então f é positivo; (iii) Se f ∈ C(X) é positivo e ∥f ∥∞ ≤ λ, para algum real λ ≥ 0, então ∥f − λ∥∞ ≤ λ. Com auxı́lio do cálculo funcional, estas e outras propriedades podem generalizar-se a qualquer elemento positivo de uma álgebra C ∗ . Nomeadamente, ver-se-á que qualquer elemento positivo de uma álgebra C ∗ tem uma única raı́z quadrada que é um elemento positivo. Proposição 3.3.1. Seja A uma álgebra C ∗ com unidade e. Dado um elemento positivo a de A, existe um e um só elemento positivo q ∈ A tal que q 2 = a. (3.7) e Dem. Como a ≥ 0 então σA (a) ⊆ R+ 0 . Seja Γc : C(σA (a)) → A √a o isomorfismo-∗ isométrico definido em (3.6) e f : σA (a) → C a função f (z) = z. Uma vez que ec f. O elemento f ∈ C(σA (a)), existe um elemento q em Aa ⊆ A tal que q = f (a) = Γ q é positivo pois ec f )∗ = Γ ec (f ) = Γ ec f = q, q ∗ = f (a)∗ = (Γ CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 108 e do teorema da aplicação espectral σA (q) = σA (f (a)) = √ σA (a) ⊂ R+ 0. Verifique-se que q é único. Para tal considere-se q1 ∈ A um outro elemento positivo tal que q12 = a. Tem-se, q1 a = q1 q12 = q12 q1 = aq1 , ou seja, q1 comuta com a, logo com todos os elementos de Aa . Como q ∈ Aa então a álgebra C ∗ gerada por q, q1 e pela identidade de A, U := alg (q, q1 ), é um álgebra C ∗ comutativa. Considere-se a transformação Gelfand da álgebra C ∗ comutativa U, b : U → C(MU ), que pelo teorema de Gelfand-Naimark é um isomorfismo-∗ isométrico. Tem-se, + Im qb = σU (q) = σA (q) ⊂ R+ 0 e Im qb1 = σU (q1 ) = σA (q1 ) ⊆ R0 , e como (b q )2 = qb2 = b a = (qb12 ) = (qb1 )2 , tem-se qb = qb1 , logo q = q1 . √ Sendo A uma álgebra C ∗ e a ≥ 0 um elemento√positivo, representa-se por a o único elemento q ≥ 0 tal que a = q 2 . Ao elemento a = q chama-se raiz quadrada do elemento a ≥ 0. Repare-se que sendo a ∈ A um qualquer elemento, então a√∗ a ≥ 0 fazendo sentido definir o módulo do elemento a como sendo o elemento |a| := a∗ a. A Proposição 3.1.1 permite afirmar que numa álgebra-∗ qualquer elemento é uma combinação linear de elementos hermiteanos. Com o auxı́lio do cálculo funcional contı́nuo pode agora estabelecer-se que numa álgebra C ∗ unitária qualquer elemento é, em última analise, uma combinação linear de elementos positivos. Proposição 3.3.2. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e a ∈ A um elemento hermiteano. Então existem em A elementos positivos a+ e a− tais que a = a+ − a− e a+ a− = 0. (3.8) Dem. Sendo a ∈ A um elemento positivo, escolha-se 1 1 a+ = (|a| + a) e a− = (|a| − a). 2 2 (3.9) 3.3. ELEMENTOS POSITIVOS EM ÁLGEBRAS C ∗ 109 Do teorema espectral e do cálculo funcional obtém-se sem dificuldade (3.8). Quanto à generalização a álgebras C ∗ das condições (ii) e (iii) apresentadas no inı́cio da secção para a algebra C(X), tem-se: Lema 3.3.3. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e, e a ∈ A um elemento hermiteano. (i) Se ∥a − λe∥ ≤ λ, para algum real λ ∈ R+ , então a ≥ 0. (ii) Se a ≥ 0 e ∥a∥ ≤ λ, para algum real λ ∈ R+ , então ∥a − λe∥ ≤ λ. Dem. Conclui-se imediatamente da aplicação do cálculo funcional contı́nuo ao elemento a ∈ A e das condições análogas conhecidas para os elementos positivos da álgebra C ∗ das funções contı́nuas num espaço Hausdorff compacto X. Estabelece-se em seguida que o conjunto dos elementos positivos de uma álgebra C é fechado para a soma e para a passagem ao limite. ∗ Proposição 3.3.4. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e A+ o conjunto dos seus elementos positivos. Tem-se as seguintes proposições: (i) Se a, b ∈ A+ então a + b ∈ A+ ; (ii) O conjunto dos elementos positivos A+ é fechado. Dem. (i) Sejam a, b dois elementos positivos de A. Substituı́ndo λ por ∥a∥ e ∥b∥, resulta da condição (ii) do Lema 3.3.3, que a − ∥a∥e ≤ ∥a∥ e b − ∥b∥e ≤ ∥b∥. Consequentemente, a + b − (∥a∥ + ∥b∥)e ≤ a − ∥a∥e + b − ∥b∥e ≤ ∥a∥ + ∥b∥, logo, da condição (i) do mesmo lema, tem-se que a + b é positivo. (ii) Seja (an ) uma sucessão de elementos positivos convergente para a ∈ A. Então, atendendo a que ∥an ∥ → ∥a∥ e a que an −∥an ∥e ≤ ∥an ∥, tem-se que a−∥a∥e ≤ ∥a∥. Pelo Lema 3.3.3 conclui-se que a é positivo. Observe-se que sendo a, b ∈ A+ então o produto ab não tem de ser necessariamente um elemento positivo. Como facilmente se constata, nem o produto de dois elementos CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 110 hermiteanos de A é necessariamente um elemento hermiteano. Efectivamente, se a, b ∈ A são dois elementos hermiteanos que não comutem, então (ab)∗ = b∗ a∗ = ba ̸= ab. Termina-se esta secção com um importante resultado que fornece uma caracterização alternativa dos elementos positivos em álgebras C ∗ . Teorema 3.3.5. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e a ∈ A. São equivalentes as seguintes proposições: (i) a é positivo; (ii) a = q ∗ q para algum q ∈ A. Dem. Que (i) implica (ii) é consequência imediata da proposição 3.3.1. Mostre-se que (ii) implica (i). Considere-se então a = q ∗ q, com q ∈ A. Claramente, a é um elemento hermiteano de A e como tal admite uma decomposição na forma a = a+ − a− , com a± elementos positivos de A tais que a+ a− = 0. Ora, sendo c = qa− , −c∗ c = a− q ∗ qa− = −a− aa− = (a− )3 , ou seja, −c∗ c é um elemento positivo uma vez que (a− )3 é evidentemente um elemento hermiteano e, pelo teorema da aplicação espectral, σA ((a− )3 ) = σA (a− )3 ⊂ R+ 0. Atendendo a que, σA (−cc∗ ) ∪ {0} = σA (−c∗ c) ∪ {0} o elemento −cc∗ é também um elemento positivo de A. Considerando agora a decomposição de c na forma c = c1 + ic2 , onde c1 , c2 são hermiteanos de A, então c∗ c+cc∗ = 2c21 +2c22 . Consequentemente, resulta da Proposição 3.3.4 que o elemento cc∗ = (2c21 + 2c22 ) − c∗ c é positivo. Se os elementos cc∗ e −cc∗ são positivos então cc∗ = 0 e consequentemente, dado que ∥c∥2 = ∥c∗ c∥, tem-se c = 0. Assim, (a− )3 = 0 e como a− é hermiteano, σA (a− )3 = σA (a3− ) = {0}, donde ∥a− ∥ = r(a− ) = 0 uma vez que σA (a− ) = {0}. Conclui-se assim que a = a+ , e consequentemente a é um elemento positivo. 3.4 A álgebra C ∗ dos operadores lineares limitados Considere-se L(H) a álgebra C ∗ dos operadores lineares limitados num espaço de Hilbert H, com a operação de involução ∗ : T → T ∗ , onde T ∗ : H → H designa o operador adjunto de T, ou seja, o único operador linear limitado tal que, para quaisquer x, y ∈ H, ⟨T x, y⟩ = ⟨x, T ∗ y⟩. 3.4. A ÁLGEBRA C ∗ DOS OPERADORES LINEARES LIMITADOS 111 Um operador T ∈ L(H) diz-se autoadjunto ou hermiteano se T ∗ = T, diz-se normal se T ∗ T = T T ∗ , diz-se unitário se T −1 = T ∗ , e positivo se T = Q∗ Q para algum operador Q ∈ L(H). Pode mostrar-se que um operator T ∈ L(H) é positivo se e só se para qualquer x ∈ H, se tem ⟨T x, x⟩ ≥ 0. 3.4.1 Operadores de projecção Uma classe de operadores limitados importantes são os operadores de projecção. Definição 3.4.1. P ∈ L(H) diz-se um operador de projecção se P é autoadjunto e idempotente, ou seja, P 2 = P e P ∗ = P. Claramente, qualquer operador de projecção P ∈ L(H) é um operador positivo uma vez que P = P 2 = P ∗ P. Algumas propriedades elementares dos operadores de projecção apresentam-se no resultado seguinte: Proposição 3.4.1. Sendo P ∈ L(H) um operador de projecção então: (i) I − P é um operador de projecção; (ii) ImP e Ker T são subespaços fechados de H, tendo-se Im P = Ker(I − P ), Ker P = Im(I − P ) e Im P ⊥ Ker P ; (iii) H = Im P ⊕ Ker P, ou seja, Im P ∩ Ker P = {0} e H = Im P + Ker P ; (iv) Se P ̸= 0 então ∥P ∥ = 1. Associado ao conceito de operador de projecção está naturalmente a noção de subespaço invariante . Definição 3.4.2. Sejam H um espaço de Hilbert e T ∈ L(H). Um subespaço M de H diz-se um subespaço invariante para T se T (M ) ⊆ M. O subespaço M diz-se um subespaço redutor de T se M e M ⊥ , o complemento ortogonal de M , forem ambos subespaços invariantes para T . 112 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ Observe-se que se M é um subespaço invariante para o operador T ∈ L(X) então, da continuidade de T, também M , o fecho de M , é invariante para T. Além disso, se M é um subespaço invariante para T então, atendendo a que para quaisquer x ∈ M e y ∈ M ⊥, ⟨x, T ∗ y⟩ = ⟨T x, y⟩ = 0, o subespaço M ⊥ é invariante para o operador adjunto T ∗ . Tem-se assim: Proposição 3.4.2. Sejam H é um espaço de Hilbert, T ∈ L(H) e M ⊆ H é um subespaço. Então, (i) M é invariante para T se e só se M é invariante para T ; (ii) M é invariante para T se e só se M ⊥ é invariante para T ∗ . Sendo H um espaço de Hilbert e M um subespaço fechado de H, tem-se a soma directa H = M ⊕ M ⊥. Ao operador de projecção PM : H → H, x = m + m⊥ 7→ m, com m ∈ M, m⊥ ∈ M ⊥ , cujo núcleo e a imagem são, respectivamete, Ker PM = M ⊥ e Im PM = M, chama-se operador de projecção de H sobre o subespaço M. Claramente, qualquer operador de projecção P ∈ L(H) é um operador de projecção sobre o subespaço fechado M = Im P. Proposição 3.4.3. Sejam H um espaço de Hilbert, M um subespaço fechado de H e PM o operador de projecção sobre M. Então, (i) M é invariante para T se e só se T PM = PM T PM ; (ii) M é redutor para T se e só se PM T = T PM . Dem. (i) Se M é invariante para T então para qualquer x ∈ M tem-se T PM x ∈ M pois PM x = x ∈ M . Assim para qualquer x ∈ M, PM T PM x = T PM x. Reciprocamente, se PM T PM = T PM então para qualquer x ∈ M T x = T PM x = PM T PM x ∈ M, 3.4. A ÁLGEBRA C ∗ DOS OPERADORES LINEARES LIMITADOS 113 pelo que T (M ) ⊆ M. (ii) Suponha-se que M é redutor para T . Nestas condições, M é invariante simultaneamente para T e T ∗ vindo de (i) que T PM = PM T PM e T ∗ PM = PM T ∗ PM . Assim, dado que T ∗ PM = PM T ∗ PM ⇔ (PM T )∗ = (PM T PM )∗ ⇔ PM T = PM T PM , então T PM = PM T. Reciprocamente, se T PM = PM T então 2 PM T PM = PM T = PM T = T PM , concluı́ndo-se de (i) que M é invariante para T. Além disso, de T PM = PM T , vem que PM T ∗ = T ∗ PM , o que implica PM T ∗ PM = T ∗ PM . O subespaço M é assim invariante para T ∗ ou, equivalentemente, M ⊥ é invariante para T. Assim se conclui que T PM = PM T implica que M é redutor para T. 3.4.2 Isometrias parciais. Decomposição polar Associado ao conceito de operador de projecção surge o conceito de isometria parcial. Definição 3.4.3. Dado um espaço de Hilbert H, um operador V ∈ L(H) diz-se uma isometria parcial se, para qualquer x ∈ (Ker V )⊥ , ∥V x∥ = ∥x∥. Em particular, se Ker V = {0} então V é uma isometria. Ao subespaço (Ker V )⊥ chama-se espaço inicial e a Im V chama-se espaço final da isometria parcial V . Repare-se que sendo P ∈ L(H) um operador de projecção então P é uma isometria parcial já que, ∥P x∥ = ∥x∥, x ∈ Im P = (Ker P )⊥ . 114 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 2 Exemplo 3.4.1. No espaço ∑∞ de 2Hilbert l , espaço das sucessões x = (x1 , x2 , ..., xn , ...) em C tais que a série n=1 |xn | é convergente, o operador linear Sl : l2 → l2 , (x1 , x2 , ..., xn , ...) 7→ (x2 , x3 , ..., xn , ...), é uma isometria parcial cujo espaço inicial é (Ker Sl )⊥ = {x ∈ l2 : x = (0, x2 , x3 , ..., xn , ...), xi ∈ K, i ∈ N}. O próximo resultado fornece um critério para identificar as isometrias parciais relacionando-as com operadores de projecção. Proposição 3.4.4. Sejam H um espaço de Hilbert e V ∈ L(H). Então, V é uma isometria parcial se e só se V ∗ V é um operador de projecção. Dem. Comece-se por supor que V ∗ V é um operador de projecção sobre o subespaço M de H. Então, { ∥x∥2 , se x ∈ M 2 ∗ ∥V x∥ = ⟨V V x, x⟩ = 0, se x ∈ M ⊥ , pelo que V é uma isometria parcial com espaço inicial M = (Ker V )⊥ . Reciprocamente suponha-se que V é uma isometria parcial. Então, para todo o x ∈ H, atendendo a que ∥V x∥ ≤ ∥x∥, tem-se ⟨(I − V ∗ V )x, x⟩ = ∥x∥2 − ∥V x∥2 ≥ 0, concluindo-se assim que o operador I −V ∗ V é positivo. Além disso, para x ∈ (Ker V )⊥ , tem-se que ∥V x∥ = ∥x∥, pelo que √ 2 ∗ (I − V V )x = ⟨(I − V ∗ V )x, x⟩ = 0. Dado que √ √ ∥(I − V ∗ V )x∥ ≤ (I − V ∗ V ) (I − V ∗ V )x = 0 então (I − V ∗ V )x = 0, ou seja, V ∗ V x = x para x ∈ (Ker V )⊥ , sendo um operador de projecção sobre (Ker V )⊥ . Se V ∈ L(H) é uma isometria parcial, conclui-se da Proposição 3.4.4 que V ∗ V é um operador de projecção sobre espaço inicial (Ker V )⊥ . Assim, V (V ∗ V ) = V, pelo que (V V ∗ )2 = V (V ∗ V )V ∗ = V V ∗ , ou seja, V V ∗ é também um operador de projecção e V ∗ é uma isometria parcial. 3.4. A ÁLGEBRA C ∗ DOS OPERADORES LINEARES LIMITADOS 115 Corolário 3.4.5. Um operador V ∈ L(H) é uma isometria parcial se e só se o mesmo sucede ao operador V ∗ . À semelhança da representação polar de um número complexo z, que garante que o mesmo se pode escrever na fórma z = ρ eiθ , onde ρ ≥ 0 é um real não negativo e eiθ é um complexo de módulo 1, estabelece-se a seguir que qualquer operador limitado num espaço de Hilbert H se pode escrever como o produto de um operador positivo por uma isometria parcial. Teorema 3.4.6 (Decomposição polar em espaços de Hilbert). Qualquer operador linear limitado T ∈ L(H), em que H é um espaço de Hilbert, admite uma representação única na forma T = V A, onde A é um operador positivo e V é uma isometria parcial tal que Ker V = Ker A. Dem. Caso T seja o operador nulo então o resultado é evidentemente verdadeiro. Considere-se então o caso em√que T ∈ L(H) \ {0} e defina-se como A o operador positivo dado por A := |T | = T ∗ T . Considere-se ainda definido em Im A o operador linear V0 : Im A → H, V0 (Ax) = T x, x ∈ H. Saliente-se que o operador V0 está bem definido uma vez que para x1 , x2 ∈ H, Ax1 = Ax2 ⇒ T x1 = T x2 . Efectivamente, Ax1 = Ax2 ⇒ A2 x1 = A2 x2 ⇔ T ∗ T x1 = T ∗ T x2 , tendo-se, para qualquer x ∈ H, ⟨T ∗ T x1 , x⟩ = ⟨T ∗ T x2 , x⟩ ⇔ ⟨T x1 , T x⟩ = ⟨T x2 , T x⟩ ⇔ ⟨T (x1 − x2 ), T x⟩ = 0, logo T x1 = T x2 . Verifica-se ainda que V0 se pode estender por continuidade a uma isometria V em Im A, pois ∥V0 (Ax)∥2 = ∥T x∥2 = ⟨T ∗ T x, x⟩ = ⟨A∗ Ax, x⟩ = ∥Ax∥2 , x ∈ H, ⊥ Definindo V x = 0 para todo o x ∈ Im A , V constitui uma isometria parcial com espaço inicial Im A. Então, para x ∈ Im A tem-se que T x = V Ax e para x ∈ (Im A)⊥ = (Im A)⊥ = Ker A = Ker T, 116 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ tem-se que T x = 0 = V Ax. Assim, T = V A, com Ker V = (Im A)⊥ = Ker A. Suponha-se agora que existe um outro operador positivo A1 e uma outra isometria parcial V1 tal que T = V1 A1 com Ker V1 = Ker A1 . Nestas condições, de acordo com a Proposição 3.4.4, sabe-se que V1∗ V1 é uma projecção sobre o espaço (Ker V1 )⊥ = (Ker A1 )⊥ = Im A1 , pelo que A2 = T ∗ T = A1 V1∗ V1 A1 = A21 . Da Proposição 3.3.1 conclui-se que A1 = A. Consequentemente tem-se que V1 A = V A, logo V1 (x) = V (x) para qualquer x ∈ Im A. Mas como Ker V1 = Ker A = (Im A)⊥ = Ker V, então V1 (x) = V (x) para qualquer x ∈ H. Garante-se assim a unicidade da decomposição polar do operador T. Dado um operador T ∈ L(H), efectuando a decomposição polar do operador T ∗ , tem-se T ∗ = Ve A com A ∈ L(H) um operador positivo e Ve ∈ L(H) uma isometria parcial tal que Ker Ve = Ker A. Assim, o operador T pode escrever-se na forma T = AV com A positivo e V = Ve ∗ uma isometria parcial. Como consequência, tem-se o resultado: Corolário 3.4.7. Qualquer operador linear limitado T ∈ L(H), onde H é um espaço de Hilbert, admite uma representação única na forma T = AV, onde A é um operador positivo e V é uma isometria parcial tal que Im V = Im A. 3.5 Teorema espectral para operadores normais Os operadores normais são uma das classes de operadores lineares mais importantes. Sendo H um espaço de Hilbert de dimensão finita, a cada operador normal T ∈ L(H) estão associados escalares λ1 , λ2 , . . . , λn ∈ C e operadores de projecção P1 , P2 , ...., Pn ∈ L(H), tais que T admite uma representação na forma T = n ∑ λk Pk . k=0 Um dos dos objectivos da actual secção é generalizar este resultado a espaços de Hilbert de dimensão infinita, o que vai ser possı́vel recorrendo à noção de medida espectral. 3.5. TEOREMA ESPECTRAL PARA OPERADORES NORMAIS 3.5.1 117 Medidas espectrais Sendo X um espaço de Hausdorff localmente compacto, representa-se por R(X) a menor σ−álgebra em X que contém todos os subconjuntos abertos e fechados de X. R(X) é a conhecida σ−álgebra de Borel em X e os seus elementos são os borelianos de X. Definição 3.5.1. Sendo X um espaço de Hausdorff localmente compacto, R(X) a σ-álgebra de Borel em X e H um espaço de Hilbert, uma medida espectral em (X, H) é uma aplicação P : R(X) → L(H), que a cada subconjunto de Borel ∆ ∈ R(X) associa um operador P (∆) ∈ L(H) com as seguintes propriedades: (i) P (∆) é um operador de projecção, para qualquer ∆ ⊂ R(X); (ii) P (Ø) = 0, P (X) = IH ; (iii) P (∆1 ∪ ∆2 ) = P (∆1 ) + P (∆2 ), para ∆1 , ∆2 ∈ R(X) com ∆1 ∩ ∆2 = ∅; (iv) P (∆1 ∩ ∆2 ) = P (∆1 )P (∆2 ), para ∆1 , ∆2 ∈ R(X); (v) Para g, h ∈ H a função Pg,h : R(X) → C, definida por Pg,h (∆) = ⟨P (∆)g, h⟩, constitui uma medida de Borel complexa e regular em X. As medidas espectrais estão relacionadas com medidas complexas e assim sendo, algumas dos resultados conhecidos para as medidas complexas podem generalizar-se sem dificuldade às medidas espectrais. Da condição (i) conclui-se de imediato que, para ∆ ∈ R(X), P (∆) = P (∆)∗ P (∆), logo Pg,g (∆) = ⟨P (∆)g, P (∆)g⟩ = ∥P (∆)g∥2 ≤ ∥g∥2 , g ∈ H, e assim Pg,g é uma medida de Borel positiva com variação total ∥Pg,g ∥ := Pg,g (X) = ∥g∥2 . Da condição (iv) resulta que, para quaisquer ∆1 , ∆2 ∈ R(X), P (∆1 )P (∆2 ) = P (∆2 )P (∆1 ), existindo assim comutatividade no contradomı́nio da medida espectral P. Além disso, se (∆n ) constituir uma sucessão de borelianos de R(X), dois a dois disjuntos, e ∆ := ∪ ∆n n∈N CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 118 então, por (ii) e (iv), P (∆i )P (∆j ) = 0, para i ̸= j, pelo que os contradomı́nios dos operadores de projecção P (∆i ) e P (∆j ) são conjuntos ortogonais. Como consequência, resulta da condição (iii) e do facto da aplicação Pg,h : R(X) → C, definida em (v), constituir uma medida de Borel, que ⟨P (∆)g, h⟩ = lim n→∞ n ∑ ⟨P (∆i )g, h⟩ = ⟨P (∆i )g, h⟩ = ⟨ i=1 i=1 ou seja, ⟨( ∞ ∑ P (∆)g − ∞ ∑ ∞ ∑ P (∆i )g, h⟩, i=1 ⟩ P (∆i )g), h = 0, i=1 para quaisquer g, h ∈ H. Diz-se então que na topologia forte de L(H), P (∆) = ∞ ∑ P (∆i ), i=1 ou seja, para qualquer g ∈ H, P (∆)g = ∞ ∑ P (∆i )g. i=1 Exemplo 3.5.1. Sejam X um espaço topológico de Hausdorff e localmente compacto e µ uma qualquer medida σ-finita definida em R(X). A aplicação E : R(X) → L(L2 (X, µ)), ∆ 7→ χ∆ I, onde χ∆ I designa o operador de multiplicação em L2 (X, µ) pela função caracterı́stica χ∆ do conjunto ∆, χ∆ : L2 (X, µ) → L2 (X, µ), f 7→ χ∆ f, define uma medida espectral em (X, L2 (X, µ)). Sendo X um espaço de Hausdorff localmente compacto, designa-se por B ∞ (X) a álgebra C ∗ comutativa constituı́da pelas funções u : X → C limitadas e Borel mensuráveis, na qual se fixou a norma do supremo ∥.∥∞ e a involução dada pela passagem à função conjugada. O próximo resultado dará significado à noção de integral de uma função complexa u ∈ B ∞ (X) em relação a uma medida espectral. 3.5. TEOREMA ESPECTRAL PARA OPERADORES NORMAIS 119 Proposição 3.5.1. Sejam X um espaço de Hausdorff localmente compacto, H um espaço de Hilbert e P uma medida espectral em (X, H). Se u : X → C é uma função de B ∞ (X), então existe um único operador Tu ∈ L(H) tal que se ε > 0 e {∆1 , ∆2 , . . . , ∆n } é uma partição de X constituı́da por borelianos de X tal que sup{|u(x) − u(x′ )| : x, x′ ∈ ∆k } < ε, 1 ≤ k ≤ n, se tem que para quaisquer xk ∈ ∆k n ∑ (3.10) u(xk )P (∆k ) ≤ ε. Tu − L k=1 Dem. Sendo u limitada, considere-se a forma sesquilinear2 Iu : H × H → C, ∫ u dPg,h , g, h ∈ H. (3.11) Iu (g, h) = X Comece-se por mostrar que τ é limitada tendo-se |Iu (g, h)| ≤ ∥u∥∞ ∥g∥∥h∥, g, h ∈ H. (3.12) Para tal considere-se Ω1 , Ω2 , ..., Ωn subconjuntos disjuntos de R(X) e α1 , α2 , ..., αn constantes complexas tais que |⟨P (Ωj )g, h⟩| = αj ⟨P (Ωj )g, h⟩. Tem-se, ∑n j=1 |Pg,h (Ωj )| = ∑n αj ⟨P (Ωj )g, h⟩ = ⟨ ∑ ≤ nj=1 αj P (Ωj )g ∥h∥. j=1 ∑n j=1 αj P (Ωj )g, h⟩ (3.13) Ora, para i ̸= j ⟨P (Ωj )αj g, P (Ωi )αi g⟩ = ⟨αj g, P (Ωi ∩ Ωj )αi g⟩ = 0, pelo que {αj P (Ωj )g : j ∈ {1, . . . , n}} é constituı́do por vectores ortogonais entre si. Assim, 2 n n ∑ ∑ ( ) P (Ωj )g 2 = P ∪nj=1 Ωj g 2 ≤ ∥g∥2 , αj P (Ωj )g = j=1 j=1 Sendo H1 , H2 espaços de Hilbert, uma aplicação I : H1 × H2 → C linear na primeira variável e linear conjugada na segunda diz-se uma forma sesquilinear. Diz-se que I é limitada se existir K ∈ R+ tal que |I(x, y)| ≤ K∥x∥∥y∥ para x ∈ H1 , y ∈ H2 . Demonstra-se que, [20], se I é uma forma sesquilinear limitada por K então existem operadores lineares únicos T ∈ L(H1 , H2 ) e S ∈ L(H2 , H1 ) tais que I(x, y) = ⟨T x, y⟩ = ⟨x, Sy⟩ para quaisquer x ∈ H1 , y ∈ H2 , sendo ∥T ∥ = ∥S∥ ≤ K (teorema da representação de Riesz para formas sesquiliniares). 2 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 120 obtendo-se de (3.13) que Pg,h é uma medida com varição total limitada com ∥Pg,h ∥ ≤ ∥g∥∥h∥. A condição (3.12) é agora consequência imediata da definição (3.11). Sendo Iu uma forma sesquilinear limitada existe, pelo teorema da representação de Riesz, um único operador Tu ∈ L(H) tal que, para quaisquer g, h ∈ H, ∫ Iu (g, h) := ⟨Tu g, h⟩ = u dPg,h (3.14) X e ∥Tu ∥L ≤ ∥u∥∞ . Sejam ε > 0 e {∆1 , ∆2 , . . . , ∆n } uma qualquer partição de X nas condições do enunciado. Tem-se, para quaisquer g, h ∈ H e xk elementos arbitrariamente fixados em ∆k para k = 1, 2, ..., n, ∑ ∑ |⟨[Tu − nk=1 u(xk )P (∆k )]g, h⟩| = |⟨Tu g, h⟩ − nk=1 u(xk )⟨P (∆k )g, h⟩| ∫ ∑ ∫ = X u dPg,h − nk=1 ∆k u(xk )dPg,h (x) ∑ n ∫ = k=1 ∆k (u(x) − u(xk ))dPg,h (x) ∑ ∫ ≤ nk=1 ∆k |u(x) − u(xk )| d|Pg,h |(x) ∫ < ε X d|Pg,h |(x) ≤ ε∥g∥ ∥h∥, . Tomando o supremo sobre todos os elementos g, h ∈ H de norma um, obtém-se como pretendido a desigualdade (3.10). Repare-se que a unicidade do operador Tu é consequência imediata da condição (3.10). Efectivamente, se exitir um outro operador Tu′ satisfazendo (3.10) então ∥Tu − Tu′ ∥ ≤ 2ε para qualquer ε > 0, logo Tu = Tu′ . Para cada função u ∈ B ∞ (X), designa-se o operador Tu ∈ L(H) definido na Proposição 3.5.1 por integral de u em relação a P e representa-se por, ∫ Tu = u dP. X 3.5.2 Álgebras C ∗ comutativas e medidas espectrais Dado um espaço de Hilbert e uma medida espectral P em (X, H), verificou-se que associada a cada função u ∈ B ∞ (X) se encontra um único operador linear limitado ∫ Tu = X u dP ∈ L(H), tal que: ∫ ⟨Tu g, h⟩ = u dPg,h , g, h ∈ H. (3.15) X De seguida analisa-se a aplicação ∞ ∫ T : B (X) → L(H), u 7→ Tu = u dP, X (3.16) 3.5. TEOREMA ESPECTRAL PARA OPERADORES NORMAIS 121 mostrando-se que a mesma constitui um homomorfismo-∗ entre as álgebras C ∗ B ∞ (X) e L(H). Proposição 3.5.2. Sendo P uma medida espectral em (X, H), então a aplicação ∫ ∞ T : B (X) → L(H), u 7→ Tu = u dP, X é um homomorfismo-∗ unital entre as álgebras C ∗ B ∞ (X) e L(H). Em particular, para quaisquer funções u1 , u2 ∈ B ∞ (X), tem-se (∫ ∫ ) (∫ u1 u2 dP = ) u1 dP X X u2 dP . X Dem. Que a aplicação T é linear é imediato já que, dados u1 , u2 ∈ B ∞ (X) e α1 , α2 ∈ C, de acordo com (3.15), para quaisquer g, h ∈ H, ∫ ⟨[Tα1 u1 +α2 u2 ]g, h⟩ = (α1 u1 + α2 u2 )dPg,h = ⟨[α1 Tu1 + α2 Tu2 ]g, h⟩. X Ainda de (3.15) e da definição das medidas Pg,h para quaisquer g, h ∈ H, representando por 1 a identidade de B ∞ (X), tem-se ∫ T(1) = 1dP = P (X) = I, X pelo que T é unital. Para qualquer função u ∈ B ∞ (X), atendendo a que P h,g = Pg,h , então ∫ ∗ ⟨[T(u)] g, h⟩ = ⟨g, T(u)h⟩ = ⟨T(u)h, g⟩ = ∫ u dPg,h = ⟨T(u)g, h⟩, u dPh,g = X X garantindo-se assim que T(u) = [T(u)]∗ , u ∈ B ∞ (X). Sejam ε > 0 e u1 , u2 duas funções em B ∞ (X). Considere-se uma partição {∆1 , ∆2 , . . . ∆n } de X tal que se tenha sup{|f (x) − f (x′ )| : x, x′ ∈ ∆k } < ε, 1 ≤ k ≤ n, para qualquer função f ∈ {u1 , u2 , u1 u2 }. Resulta do Teorema 3.5.1 que n ∑ f ∈ {u1 , u2 , u1 u2 }, (3.17) T − f (x )P (∆ ) f k k < ε, k=1 L 122 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ para quaisquer escolhas de xk ∈ ∆k . Assim, de (3.17), ∫ ) (∫ ) (∫ ∑n ∫ u dP ≤ X u1 u2 dP − k=1 u1 (xk )u2 (xk )P (∆k ) X u1 u2 dP − X u1 dP X 2 ∑ [ ∑n ][ ∑n ] n + k=1 u1 (xk )u2 (xk )P (∆k ) − k=1 u1 (xk )P (∆k ) j=1 u2 (xj )P (∆j ) [ ∑ ][ ∑n ] [ ∑n ]∫ n + u (x )P (∆ ) u (x )P (∆ ) u (x )P (∆ ) u dP − k j k k=1 1 k j=1 2 j k=1 1 k X 2 [ ∑ ]( ∫ ) (∫ )( ∫ ) n + u dP − X u1 dP u dP k=1 u1 (xk )P (∆k ) X 2 X 2 ∑ ∫ [ ∑n ] ≤ ε + 0 + nk=1 u1 (xk )P (∆k ) X u2 dP − u (x )P (∆ ) 2 j j j=1 ∫ [ ∑n ] ∫ u dP u (x )P (∆ ) + X u1 dP − ≤ ε (1 + ∥u1 ∥∞ + ∥u2 ∥∞ ) , k k=1 1 k X 2 ou seja, T (u1 u2 ) = T (u1 )T (u2 ) para quaisquer u1 , u2 ∈ B ∞ (X). Da proposição anterior conclui-se de imediato o seguinte resultado: Corolário 3.5.3. Sendo X um espaço Hausdorff compacto e P uma medida espectral sobre (X, H), então a aplicação T : C(X) → L(H) definida por ∫ T(u) = u dP, u ∈ C(X), (3.18) X define um homomorfismo-∗ unital entre as álgebras C(X) e L(H). Pretende-se de seguida estabelecer o recı́proco do Corolário 3.5.3, ou seja, garantir que qualquer homomorfismo-∗ unital de C(X) em L(H), com H um espaço de Hilbert, é da forma (3.18) para alguma medida espectral P em (X, H). Este resultado vai ser fundamental para estabelecer o teorema espectral para operadores normais. Comece-se por demonstrar o seguinte resultado auxiliar: Lema 3.5.4. Sejam X um espaço Hausdorff compacto, H um espaço de Hilbert e T : C(X) → L(H) um homomorfismo-∗ unital de C(X) em L(H). Então existe um homomorfismo-∗ e : B ∞ (X) → L(H) T que estende T à álgebra B ∞ (X). 3.5. TEOREMA ESPECTRAL PARA OPERADORES NORMAIS 123 Dem. Para quaisquer g, h ∈ H represente-se por Tg,h o funcional linear limitado em C(X) definido por Tg,h : C(X) → C, u 7→ ⟨T(u)g, h⟩. De acordo com o teorema da representação de Riesz3 , existem medidas de Borel complexas e regulares µg,h tais que ∫ ⟨T(u)g, h⟩ = u dµg,h , g, h ∈ H, u ∈ C(X), (3.19) X cuja variação total satisfaz ∥µg,h ∥ ≤ ∥g∥∥h∥. De (3.19) tem-se que µαg,h = αµg,h , g, h ∈ H, α ∈ C, e consequentemente, para cada função f ∈ B ∞ (X), a aplicação ∫ Jf : H × H → C, (g, h) 7→ Jf (g, h) := f dµg,h , X define uma forma sesquilinear limitada, onde |Jf (g, h)| ≤ ∥f ∥∞ ∥g∥∥h∥. e )∈ Para cada função f ∈ B ∞ (X) existe assim um único operador linear limitado T(f L(H) tal que ∫ e ⟨T(f )g, h⟩ = f dµg,h , g, h ∈ L(H). (3.20) X Considere-se o operador linear e : B ∞ (X) → L(H), f 7→ T(f e ). T (3.21) e De (3.19) e (3.20) tem-se que T(u) = T(u) para u ∈ C(X), pelo que Te constitui uma e define um homomorfismo-∗ extensão da aplicação linear T. Verifica-se a seguir que T ∞ de B (X) em L(H): Teorema da representação de Riesz: Se X é um espaço Hausdorff compacto e ϕ : C(X) → C é um funcional linear limitado então existe uma medida de Borel complexa finita e regular µ tal que, ∫ ϕ(u) = f dµ, u ∈ C(X). 3 X A variação total, ∥µ∥, da medida µ é dada por ∥µ∥ = ∥ϕ∥. Caso ϕ seja um funcional linear positivo então a medida µ é positiva, [32]. CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 124 e é multiplicativo comece-se por fixar f ∈ B ∞ (X) e considere-se Para mostrar que T {ui } uma rede de funções contı́nuas de C(X) cujas normas satisfazem ∥ui ∥∞ ≤ ∥f ∥∞ e tais que, para toda a medida de Borel µ complexa e regular em X, se tenha ∫ ∫ ui dµ → f dµ4 . i X X Nestas condições, para qualquer função s ∈ B ∞ (X) e para quaisquer g, h ∈ H, dada a medida µ eg,h := sµg,h , tem-se que ∫ ∫ e i s)g, h⟩ = e s)g, h⟩, ⟨T(u ui s dµg,h → f s dµg,h = ⟨T(f i X concluı́ndo-se, X e i s) → T(f e s)(WOT), T(u s ∈ B ∞ (X), i (3.22) e i s) converge na topologia fraca de ou seja, para toda a função s ∈ B ∞ (X) a rede T(u e s). Em particular, L(H) para T(f e )(WOT), e i ) → T(f T(u (3.23) e i u) = T(ui u) = T(ui )T(u) → T(f e )T(u)(WOT). T(u (3.24) i e, se u ∈ C(X), i De (3.24) e (3.22) conclui-se, atendendo à unicidade de limite, que e u) = T(f e )T(u) = T(u)T(f e ), T(f f ∈ B ∞ (X), u ∈ C(X). Consequentemente, para s ∈ B ∞ (X) e atendendo a (3.23), e i s) = T(ui )T(s) e e i )T(s) e e )T(s) e (WOT), T(u = T(u → T(f i o que, juntamente com (3.22), permite concluir e s) = T(f e )T(s), e T(f f, s ∈ B ∞ (X), e é multiplicativo. ou seja, que T e preserva a involução comece-se por observar que de (3.23) se Para mostrar que T e i ) ⇀ T(f e )∗ . Além disso, para quaisquer g, h ∈ H, conclui que T(u i 4 Teorema: Se X é um espaço compacto e f é uma função de Borel limitada definida em X, então existe∫ uma rede {ui } de funções contı́nuas em X tal que ∥ui ∥∞ ≤ ∥f ∥∞ para todo o i e ∫ u dµ → X f dµ para toda a medida de Borel complexa e regular µ em X,[9]. X i i 3.5. TEOREMA ESPECTRAL PARA OPERADORES NORMAIS 125 ⟨T(ui )g, h⟩ = ⟨g, T(ui )h⟩ = ⟨T(ui )h, g⟩ ∫ ∫ ∫ e )g, h⟩, = X ui dµh,g −→ X f dµh,g = X f dµg,h = ⟨T(f i e i ) ⇀ T(ϕ), e ou seja, T(u resultando da unicidade de limite que, para f ∈ B ∞ (X), i e ) = T(f e )∗ . T(f Fica assim garantido que Te é um homomorfismo-∗ de B ∞ (X) em L(H) que preserva as unidades e estende T. Com auxı́lio do Lema 3.5.4 estabelece-se em seguida o recı́proco do Corolário 3.5.3. Teorema 3.5.5. Se X é um espaço Hausdorff compacto, H é um espaço de Hilbert e T : C(X) → L(H) é um homomorfismo-∗ unital de C(X) em L(H), então existe uma única medida espectral P sobre (X, H) tal que ∫ T(u) := u dP, u ∈ C(X). (3.25) X e : B ∞ (X) → L(H) o homomorfismo-∗ referido no Lema 3.5.4 e que Dem. Seja T estende T à álgebra B ∞ (X). De acordo com a demonstração do Lema 3.5.4 tem-se que, para f ∈ B ∞ (X), ∫ e ⟨T(f )g, h⟩ = f dµg,h , g, h ∈ H, (3.26) X onde as medidas µg,h satisfazem a condição (3.19), ou seja, ∫ ⟨T(u)g, h⟩ = u dµg,h , g, h ∈ H, u ∈ C(X). X Considere-se a aplicação e ∆ ), P : R(X) → L(H), ∆ 7→ P (∆) := T(χ (3.27) onde χ∆ designa a função caracterı́stica do conjunto ∆ ∈ R(X). Mostra-se a seguir que P define a medida espectral em (X, H) referida no teorema. Como Te é um homomorfismo-∗ então, para ∆ ∈ R(X), e ∆ )T(χ e ∆ ) = T(χ e ∆ ) = P (∆), P (∆)2 = T(χ e e ∆ )∗ = T(χ e P (∆)∗ = T(χ ∆ ) = T(χ∆ ) = P (∆), CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 126 e consequentemente P (∆) é um operador de projecção. Além disso, e ∅ ) = T(0) e e X ) = IH . P (∅) = T(χ = 0, P (X) = T(χ Para ∆1 , ∆2 ∈ R(X), e ∆ χ∆ ) = T(χ e ∆ )T(χ e ∆ ) = P (∆1 )P (∆2 ), P (∆1 ∩ ∆2 ) = T(χ 1 2 1 2 e se ∆1 ∩ ∆2 = ∅, então e ∆ + χ∆ ) = T(χ e ∆ ) + T(χ e ∆ ) = P (∆1 ) + P (∆2 ). P (∆1 ∪ ∆2 ) = T(χ 1 2 1 2 As condições (i)–(iv) da Definição 3.5.1 estão assim satisfeitas e para estabelecer (v) basta observar que para g, h ∈ H, de acordo com (3.26), e ∆ )g, h⟩ = µg,h (∆), ∆ ∈ R(X), Pg,h (∆) = ⟨P (∆)g, h⟩ = ⟨T(χ ou seja, Pg,h = µg,h . A aplicação P é assim uma medida espectral em (X, H). Para verificar que P satisfaz a condição (3.25) observe-se que se f ∈ B ∞ (X), ε > 0 e {∆1 , ∆2 , . . . , ∆n } é uma partição de X nas condições da Proposição 3.5.1, então n ∑ f (xk )χ∆k ≤ ε f − ∞ k=1 para quaisquer escolhas de xk ∈ ∆k . Assim, ∑n ∑ e e ) − nk=1 f (xk )P (∆k ) T (f − k=1 f (xk )χ∆k ) = T(f L L ∑ n e f − ≤ ∥T∥ k=1 f (xk )χ∆k ∞ ≤ ε. Tem-se então que para qualquer função f ∈ B ∞ (X) ∫ e )= T(f f dP, X e, particularmente para u ∈ C(X), ∫ T(u) = u dP, X o que garante (3.25). Finalmente, quanto à unicidade da medida P, suponha-se que existe uma medida ′ P satisfazendo uma condição similar a (3.25), ou seja, tal que ∫ T(u) = u dP ′ , u ∈ C(X). X 3.5. TEOREMA ESPECTRAL PARA OPERADORES NORMAIS 127 Assim, para qualquer função u ∈ C(X) tem-se ∫ ∫ u dP = u dP ′ , X X logo, para quaisquer g, h ∈ H, ⟨(∫ ) ⟩ ⟨(∫ ) ⟩ ∫ ∫ ′ ′ u dP g, h = u dP g, h ⇔ u dPg,h = u dPg,h , X X X X ′ concluindo-se que Pg,h = Pg,h . Consequentemente, P (∆) = P ′ (∆) para qualquer boreliano ∆ ∈ R(X). A medida espectral P definida em (3.27) é assim a unica medida espectral que satisfaz (3.25). O resultado anterior pode ser generalizado a qualquer álgebra C ∗ comutativa e com unidade. Efectivamente, sendo A uma álgebra C ∗ comutativa e com unidade, de acordo com o Teorema 3.2.1, A é isometricamente isomorfa a C(MA ) sendo o isomorfismo dado pela transformação de Gelfand b : A → C(MA ), a 7→ b a. Nestas condições, se π : A → L(H) designa um qualquer homomorfismo-∗ unital de A em L(H), com H um espaço de Hilbert, então π e : C(MA ) → L(H), b a 7→ π(a), consitui um homomorfismo-∗ unital de C(MA ) em L(H). Assim, do Teorema 3.5.5, tem-se: Corolário 3.5.6. Se A é uma álgebra C ∗ comutativa e com unidade e π : A → L(H) é uma representação unital de A num espaço de Hilbert H, então existe uma única medida espectral P sobre (MA , H) tal que ∫ π(a) = b a dP, MA onde MA designa o espaço dos funcionais lineares multiplicativos não nulos de A e b a designa a transformada de Gelfand de a ∈ A. 3.5.3 Teorema espectral para operadores normais. funcional de Borel Cálculo Estabelecido o Teorema 3.5.5 e a sua generalização a álgebras C ∗ comutativas com unidade, apresenta-se em seguida o teorema espectral para operadores normais, que se verá ser consequência imediata da teoria desenvolvida na Subsecção 3.5.2. CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 128 Teorema 3.5.7 (Teorema espectral para operadores normais). Seja T um operador normal num espaço de Hilbert H. Existe uma única medida espectral E sobre (σ(T ), H) tal que ∫ T = z dE, σ(T ) onde σ(T ) designa o espectro do operador T e z a função identidade em σ(T ), ou seja, z(λ) = λ com λ ∈ σ(T ) Dem. Sejam AT := alg{T }∗ a subálgebra C ∗ de L(H) gerada por T, T ∗ e IH , e ec : C(σ(T )) → AT , u 7→ u(T ) Γ o cálculo funcional contı́nuo para o operador normal T definido como em (3.6). De acordo com o Teorema 3.5.5, existe uma única medida espectral E em (σ(T ), H) tal que ∫ e u dE, u ∈ C(σ(T )). Γc (u) = σ(T ) Em particular tem-se que ∫ T = z dE, σ(T ) ec (z) = T, uma vez que Γ Sendo H um espaço de Hilbert e T ∈ L(H) um operador normal, à medida espectral E referida no Teorema 3.5.7 chama-se resolução da identidade do operador T . Saliente-se que o Teorema 3.5.7 é uma generalização do teorema espectral para operadores normais em espaços de Hilbert de dimensão finita. Sendo H um espaço de Hilbert de dimensão finita e T ∈ L(H) um operador normal, considere-se σ(T ) = {λ1 , λ2 , . . . , λn }, o conjunto dos valores próprios distintos do operador T. Considere-se em σ(T ) a topologia discreta e, para cada valor próprio λi ∈ σ(T ), seja Ii a função contı́nua Ii : σ(T ) → C onde ∑n Ii (λi ) = 1, Ii (λj ) = 0, j ̸= i. Dado que Ie = i=1 λIi é a função identidade de C(σ(T )), de acordo com o Teorema 3.5.7 existe uma única medida espectral E em (σ(T ), H) tal que T admite uma representação na forma ∫ n ∫ ∑ e T = I dE = λi Ii dE. (3.28) σ(T ) i=1 σ(T ) 3.6. CONSTRUÇÃO DE ÁLGEBRAS C ∗ . ÁLGEBRA LIMITE INDUTIVO De acordo com (3.15), para cada λi ∈ σ(T ), ) ⟩ ⟨(∫ λi Ii dE g, h = ⟨λi E({λi })g, h⟩ , 129 g, h ∈ H, σ(T ) e da representação (3.28) tem-se precisamente T = n ∑ λi Ei , i=1 onde Ei designa o operador de projecção E({λi }). Termina-se esta secção definindo o cálculo funcional de Borel para o operador T, cálculo que constitui uma generalização do cálculo funcional contı́nuo para o operador T. Sejam H um espaço de Hilbert, T ∈ L(H) um operador normal e E a resolução da identidade de T. Ao homomorfismo-∗ unital ∫ ∞ e Γb : B (σ(T )) → L(H), f 7→ f (T ) := f dE, (3.29) σ(T ) chama-se cálculo funcional de Borel para o operador normal T. Observe-se que dado o cálculo funcional contı́nuo para o operador normal T ∈ L(H), ec : C(σ(T )) → AT , u 7→ u(T ) Γ onde AT := alg∗ {T } é a subálgebra C ∗ de L(H) gerada por T e IH , de acordo com a demonstração do Teorema 3.5.7 a resolução da identidade E é exactamente a única medida espectral em (σ(T ), H), tal que ∫ u(T ) = u dE, u ∈ C(σ(T )), σ(T ) Assim, eb (u) = u(T ) = Γ ec (u), Γ u ∈ C(σ(T )), eb a extensão de Γ ec à álgebra B ∞ (σ(T )), referida no Lema 3.5.4. sendo Γ 3.6 Construção de álgebras C ∗. Álgebra limite indutivo Nesta secção serão indicados processos de construção de novas algebras C ∗ a partir de álgebras C ∗ mais simples. Em particular vai definir-se a soma directa, o producto CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 130 directo de álgebras C ∗ e ainda a importante álgebra definida como o limite indutivo de algebras C ∗ . ∗ Se {A1 , A2⊕ , ..., An } constitui um conjunto ∏n finito de álgebras C , designa-se por n soma directa, i=1 Ai , ou produto directo, i=1 Ai , das álgebras A1 , A2 , ..., An , a algebra C ∗ ⊕ ⊕ ⊕ } { A1 A2 ... An = A1 × A2 × ... × An := (ai )ni=1 : ai ∈ Ai , i = 1, 2, ..., n , com as operações algébricas habituais de adição, multiplicação por escalar e involução definidas coordenada a coordenada, e a norma ∥(ai )ni=1 ∥ = max ∥ai ∥. i=1,2,...,n Caso se tenha {Ai : i ∈ I} um conjunto infinito de álgebras C ∗ , as noções de produto e de soma de álgebras C ∗ não coincidem tendo-se { } ∏ Ai := (ai ) = (ai )i∈I : ∥(ai )∥ := sup∥ai ∥ < ∞, ai ∈ Ai , i ∈ I i∈I i∈I { } ⊕ Ai := (ai ) = (ai )i∈I : lim ∥ai ∥ = 0, ai ∈ Ai , i ∈ I i→∞ i∈I com as operações algébricas e a involução definidas como anteriormente, e a norma ∥(ai )∥ = sup∥ai ∥. (3.30) i∈I Saliente-se que relativamente à soma directa, dizer que lim ∥ai ∥ = 0 significa que para i→∞ cada ε > 0, existe um número finito de elementos i ∈ I para os quais se tem ∥ai ∥ ≥ ε. Para as álgebras indicadas é válido o seguinte resultado: Teorema 3.6.1. Se ∏ {Ai : i ∈ I} designa um conjunto finito ⊕ou infinito de álgebras C ∗ , então o produto Ai constitui uma álgebra C ∗ e a soma Ai é um ideal bilateral i∈I i∈I ∏ fechado de Ai . Dem. ∏ i∈I Ai , com a norma indicada em (3.30), define uma álgebra-∗ de Banach uma i∈I vez que o mesmo sucede às álgebras Ai . As condições sobre a norma são consequência das propriedades do supremo de um conjunto de números reais.∏Quanto à soma directa basta notar que definindo o ideal bilateral autoadjunto J de Ai , { i∈I } J = (ai ) ∈ Ai : ai = 0, excepto para um número finito de i ∈ I , 3.6. CONSTRUÇÃO DE ÁLGEBRAS C ∗ . ÁLGEBRA LIMITE INDUTIVO ⊕ 131 Ai coincide com o fecho na norma (3.30) do ideal J . i∈I Analisa-se em seguida o processo de construção da álgebra C ∗ designada por limite indutivo de álgebras C ∗ : Considere-se {Ai : i ∈ I} um conjunto de álgebras C ∗ , com unidade, indexadas num conjunto dirigido I, e {ψi,j : i, j ∈ I, i ≤ j} um conjunto de homomorfismos-∗ ψi,j : Ai → Aj , i ≤ j, onde ψi,j = ψk,j ◦ ψi,k , i ≤ k ≤ j, ou seja, tais que seja comutativo o diagrama ψi,j Ai ..........................................................Aj ψi,k ... ... ... ... ... ... ... ... ... .. ......... .. ..... ...... ..... ..... ..... . . . . ..... ..... ..... ..... .... . . . . ... ..... ..... ..... .... ψk,j Ak para quaiquer i, k, j ∈ I com i ≤ k ≤ j. Definição 3.6.1. O conjunto {(Ai , ψi,j ) : i, j ∈ I, i ≤ j} diz-se um sistema indutivo de álgebras C ∗ . ∏ Ai , constituı́do pelos Represente-se por A0 a subalgebra-∗ do produto directo, i∈I ∏ elementos (ai ) ∈ Ai para os quais existe i0 ∈ I tal que i∈I aj = ψi,j (ai ), i0 < i < j. Como os homomorfismos-∗ ψi,j são limitados, sendo ∥ψi,j ∥ ≤ 1, tem-se ∥aj ∥ ≤ ∥ai ∥, i0 < i < j, ficando bem definida em A0 uma seminorma C ∗ dada por ∥(ai )∥0 := inf ∥ai ∥ = lim ∥ai ∥, i i∈I (ai ) ∈ A0 (3.31) Definição 3.6.2. Dado um sistema indutivo {(Ai , ψi,j ) : i, j ∈ I, i ≤ j} de álgebras C ∗ , designa-se por limite indutivo do sistema {(Ai , ψi,j ) : i, j ∈ I, i ≤ j} ou limite indutivo das álgebras (Ai )i∈I , em relação aos homomorfismos-∗ (ψi,j )i,j∈I , representando-se por lim(Ai , ψi,j ), −→ CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 132 a álgebra C ∗ que resulta da completação da álgebra-∗ A0 /J0 , onde J0 designa o ideal bilateral de A0 , { } J0 := (ai ) ∈ A0 : ∥(ai )∥0 = 0 , na norma induzida pela seminorma (3.31) em A0 /J0 . O próximo resultado, de fácil verificação, garante a existência natural de uma famı́lia de homomorfismos-∗ de Ai para o limite indutivo lim(Ai , ψi,j ), −→ Li : Ai → lim(Ai , ψi,j ), −→ que são compatı́veis com a famı́lia de homomorfismos {ψi,j : i, j ∈ I, i ≤ j}, tendo-se Li = Lj ◦ ψi,j , i < j, ou, equivalentemente, seja comutativo o diagrama L (Ai , ψi,j ) Ai ..............................i............................ lim −→ ψi,j ..... ... ...... ... ..... ... ..... ... ..... . . . ... .... ... ..... ..... ... ..... ... ..... . . ... . . .. .. ..... .... ......... .. ......... ... Lj Aj para quaisquer i, j ∈ I com i < j. Proposição 3.6.2. Dado o limite indutivo lim(Ai , ψi,j ), as aplicações −→ ei : Ai → A0 , ai 7→ (e L aj )j∈I , onde ai , e aj = ψi,j (ai ), 0, se j = i se i < j caso contrário, , definem, para cada i ∈ I, homomorfismos-∗ de Ai em A0 e, sendo ΦJ0 : A0 → A0 /J0 o homomorfismo canónico de A0 em A0 /J0 , as aplicações ei , Li : Ai → lim(Ai , ψi,j ), com Li = ΦJ0 ◦ L −→ i ∈ I, constituem homomorfismos-∗ das álgebras Ai para o limite indutivo lim(Ai , ψi,j ), compatı́veis com a famı́lia de homomorfismos-∗ {ψi,j : i, j ∈ I, i ≤ j}. −→ Apresenta-se a seguir alguns exemplos de limites indutı́vos de álgebras C ∗ . 3.6. CONSTRUÇÃO DE ÁLGEBRAS C ∗ . ÁLGEBRA LIMITE INDUTIVO 133 Exemplo 3.6.1. Sejam B uma álgebra C ∗ e {(An , ψn,m ) : n, m ∈ N, n ≤ m} um sistema indutivo de álgebras C ∗ onde (An ) constitui uma sucessão crescente de subálgebras C ∗ de B, A1 ⊂ A2 ⊂ ... ⊂ An ⊂ An+1 ⊂ ... ⊂ B, e ψn,m : An → Am a inclusão canónica de An em Am , para n ≤ m. Considere a álgebra C∗ ∪ A := An , n∈N com o fecho na álgebra B. O limite indutivo lim(An , ψn,m ) é isomorfo a A, −→ lim(An , ψn,m ) ∼ = A. −→ bastando para tal∏observar que a álgebra-∗ A0 é constituı́da pelas sucessões (ai ) do An para as quais existe uma ordem p0 acima da qual a sucessão é produto directo n∈N constantemente igual a um elemento ap0 +1 ∈ Ap0 +1 . Assim, ∥(ai )∥0 = ∥ap0 +1 ∥ e J0 é constituı́do pelas sucessões constantemente iguais a zero a partir de certa ordem. Exemplo 3.6.2. Seja {(Mn (C), ψn,m ) : n, m ∈ N, n ≤ m} o sistema indutivo das álgebras C ∗ de matrizes de ordem n e entradas no corpo C, Mn (C), onde ψn,n+k : Mn (C) → Mn+k (C), n, k ∈ N, designa o homomorfismo-∗ que a cada matriz A de Mn (C) associa a matriz de Mn+k (C) que tem A no canto superior esquerdo e as restantes entradas da matriz nulas. Pode mostrar-se que para o limite indutivo lim(Mn (C), Tn,m ) se tem −→ lim(Mn (C), ψn,m ) ∼ = K(H), −→ onde K(H) designa o ideal dos operadores compactos num espaço de Hilbert H, separável e de dimensão infinita. Um sistema indutivo da forma {(Ai , ψi,j ) : i, j ∈ N, i ≤ j}, onde os homomorfismos-∗ ψi,j têm associados uma famı́lia de homomorfismos-∗ ψi : Ai → Ai+1 , i ∈ N, tais que ψi,j = ψj−1 ◦ ... ◦ ψi+1 ◦ ψi , i < j, 134 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ diz-se uma sucessão indutiva de álgebras C ∗ . As sucessões indutivas de álgebras C ∗ são assim sistemas indutivos mais simples que têm associados um diagrama da forma ψ1 ψ2 ψ3 A1 −→ A2 −→ A2 −→ ... . As álgebras C ∗ que se obtêm a partir de limites indutivos de sucessões indutivas de álgebras C ∗ são designadas por álgebras AF . Mais precisamente: Definição 3.6.3. Diz-se que uma álgebra C ∗ é uma álgebra AF se é isomorfa a um limite indutivo de uma sucessão indutiva de álgebras C ∗ de dimensão finita. O termo AF abrevia a designação ”approximately finite dimensional”. Identificar as álgebras AF é importante na medida em que muitas das propriedades destas álgebras podem ser obtidas a partir das álgebras de dimensão finita que lhe dão origem e que obviamente são de mais fácil caracterização. Por exemplo saliente-se que toda a álgebra AF é uma álgebra separável. Termina-se esta secção com um resultado de O. Bratteli, [5], que permite caracterizar as álgebras C ∗ separáveis que são álgebras AF. Teorema 3.6.3. Uma álgebra C ∗ separável, A, é uma álgebra AF se e só se qualquer que seja ε > 0 e qualquer que seja o subconjunto finito {a1 , a2 , ..., an } de A, existe B uma subálgebra C ∗ de dimensão finita de A e elementos b1 , b2 , ..., bn em B tais que para qualquer j = 1, 2, ..., n, ∥aj − bj ∥ < ε. 3.7 Álgebras C ∗ sem unidade. Unitalização e aproximação da unidade Ao longo do actual capı́tulo assumiu-se sempre a existência de uma unidade nas álgebras C ∗ consideradas. Existem no entanto álgebras onde esse elemento não existe. Por exemplo, a álgebra C ∗ das funções complexas definidas num espaço localmente compacto X e que se anulam no infinito, C0 (X), só possui unidade caso X seja compacto. Também a álgebra C ∗ dos operadores compactos num espaço de Hilbert H, K(H), possui unidade se e só se H tem dimensão finita. A ausência de unidade pode trazer dificuldades na análise estrutural das álgebras ∗ C . A álgebra sem unidade A pode contudo ser identificada com uma subálgebra C ∗ de e que já possua unidade. A este processo chama-se unitalização uma álgebra C ∗ maior, A, de A. O processo de unitalização de uma álgebra C ∗ não resolve no entanto todos os problemas da ausência de unidade podendo ser importante recorrer a uma aproximação 3.7. ÁLGEBRAS C ∗ SEM UNIDADE. UNITALIZAÇÃO E APROXIMAÇÃO DA UNIDADE135 da unidade. Nesta secção descrevem-se os dois processos mencionados e, com o seu auxı́lio, estabelecem-se alguns resultados importantes para álgebras C ∗ , com ou sem unidade. 3.7.1 Unitalização de uma álgebra C ∗ Seja A uma álgebra C ∗ sem unidade. Defina-se Ae = {(a, λ) : x ∈ A, λ ∈ C}. Considerem-se em Ae as operações de soma, multiplicação por um escalar e multie definidas, para quaisquer a1 , a2 , a ∈ A e λ1 , λ2 , α ∈ C, plicação de dois elementos de A, por (a1 , λ1 ) + (a2 , λ2 ) = (a1 + a2 , λ1 + λ2 ), α(a, λ) = (αa, αλ), (a1 , λ1 )(a2 , λ2 ) = (a1 a2 + λ2 a1 + λ1 a2 , λ1 λ2 ). Com as operações definidas em cima Ae é uma álgebra com unidade ee = (0, 1). Para cada (a, λ) ∈ A defina-se a involução (a, λ)∗ = (a∗ , λ), e a norma ∥(a, λ)∥ = ∥a∥ + |λ|. (3.32) e que se designa por unitalização de Com a involução e a norma indicadas a álgebra A, A, constitui uma álgebra de Banach-∗ com unidade. Ae não é no entanto uma álgebra C ∗ uma vez que a norma (3.32) não satisfaz a identidade C ∗ . No próximo resultado vai mostrar-se como a norma de A se pode estender de forma única a uma norma em Ae que a torna uma álgebra C ∗ . Teorema 3.7.1. Sendo A uma álgebra C ∗ sem unidade, a aplicação ∥(a, λ)∥ = sup{∥ax + λx∥ : x ∈ A, ∥x∥ ≤ 1}, e (a, λ) ∈ A, (3.33) define a única norma em Ae que a torna numa álgebra C ∗ e que satisfaz ∥(a, 0)∥ = ∥a∥ para qualquer a ∈ A. Dem. A unicidade da norma é consequência imediata do Corolário 3.1.3. Que a aplicação (3.33) define um seminorma em A não traz dificuldades deixando-se como exercı́cio. Fixando a ∈ A, tem-se ∥(a, 0)∥ = sup{∥ax∥ : x ∈ A, ∥x∥ ≤ 1} ≤ ∥a∥, CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 136 uma vez que ∥ax∥ ≤ ∥a∥∥x∥. Se a = 0 então ∥(a, 0)∥ = ∥a∥. Se a ̸= 0, fazendo x = a∗ , ∥a∥ ∗ a ∥aa∗ ∥ ∥ax∥ = a ∥a∥ = ∥a∥ = ∥a∥, donde ∥(a, 0)∥ = ∥a∥. e tem-se ainda que Para quaisquer elementos (a, λ), (b, µ) ∈ A, ∥(a, λ)(b, µ)∥ ≤ ∥(a, λ)∥∥(b, µ)∥. (3.34) Efectivamente, ∥(a, λ)(b, µ)∥ = sup{∥(ab + µa + λb)x + λµx∥ : x ∈ A, ∥x∥ ≤ 1} = sup{∥a(bx + µx) + λ(bx + µx)∥ : x ∈ A, ∥x∥ ≤ 1}, obtendo-se a condição (3.34) um vez que, para qualquer x ∈ A tal que ∥x∥ ≤ 1, se tem ∥a(bx + µx) + λ(bx + µx)∥ ≤ ∥(a, λ)∥∥bx + µx∥ ≤ ∥(a, λ)∥∥(b, µ)∥. e Para tal suponha-se Prova-se agora que (3.33) define de facto uma norma em A. que ∥(a, λ)∥ = 0. Assim, para qualquer x ∈ A, ax + λx = 0. (3.35) Se λ = 0, particularizando x = a∗ obtém-se aa∗ = 0 logo ∥a∥ = 0. Se λ ̸= 0 então definindo 1 e = − a, λ conclui-se de (3.35) que, para qualquer x ∈ A, ex = x. Tem-se então que para qualquer x ∈ A, xe∗ = x, pelo que A admite uma unidade esquerda, e, e uma unidade direita, e∗ . Então e = e∗ é uma unidade de A o que contradiz a hipótese. Assim, λ = 0, logo (a, 0) = (0, 0). Conclui-se que (3.33) define uma norma em Ae que constitui assim uma álgebra-∗ normada. Mostra-se de seguida que a identidade C ∗ é satisfeita. Tome-se um qualquer elee De acordo com (3.34) tem-se que mento (a, λ) ∈ A. ∥(a, λ)∗ (a, λ)∥ ≤ ∥(a, λ)∥2 . 3.7. ÁLGEBRAS C ∗ SEM UNIDADE. UNITALIZAÇÃO E APROXIMAÇÃO DA UNIDADE137 Para mostrar a desigualdade contrária, suponha-se que ∥(a, λ)∥ = 1. Para qualquer 0 < δ < 1 existe x ∈ A com ∥x∥ ≤ 1 tal que ∥(a, λ)(x, 0)∥ ≥ δ. Atendendo a que ∥x∥ ≤ 1, então ∥(a, λ)∗ (a, λ)∥ ≥ ∥(x, 0)∗ (a, λ)∗ (a, λ)(x, 0)∥ = ∥[(a, λ)(x, 0)]∗ [(a, λ)(x, 0)]∥ = ∥(ax + λx, 0)∗ (ax + λx, 0)∥ = ∥(ax + λx)∗ (ax + λx)∥ = ∥ax + λx∥2 = ∥(a, λ)(x, 0)∥2 ≥ δ 2 . Tomando uma sucessão (δn ) de elementos em (0, 1) tal que δn → 1, fica garantido que para ∥(a, λ)∥ = 1 se tem ∥(a, λ)∗ (a, λ)∥ ≥ ∥(a, λ)∥2 , e facilmente se constata que a condição anterior se pode estender a qualquer elemento e Para finalizar basta notar que atendendo ao facto de A e C serem espaços (a, λ) ∈ A. e completos então o mesmo sucede a A. Saliente-se que uma vez construı́da a álgebra Ae então a álgebra A pode ser interpretada como uma sua subálgebra C ∗ por meio da isometria a 7→ (a, 0), a ∈ A. Repare-se no entanto que caso A tenha unidade, a unidade resultante da construção da álgebra Ae não coincide com a unidade de A. O processo de unitalização de uma e só deverá álgebra A, que corresponde à sua substituição por uma subálgebra C ∗ de A, então ser efectuado caso A não possua unidade. À semelhença do sucedido nas álgebras C ∗ comutativas e com unidade, também o conjunto dos funcionais lineares multiplicativos não nulos de uma álgebra C ∗ comutativa e sem unidade é não vazio. Além disso, os funcionais multiplicativos definidos numa álgebra C ∗ sem unidade são também limitados pertencendo à bola unitária fechada do dual de A. Proposição 3.7.2. Sejam A uma álgebra C ∗ sem unidade e MA o conjunto dos funcionais lineares multiplicativos não nulos de A. Tem-se que: (i) Se A é comutativa então MA é não vazio existindo para cada elemento não nulo, a ∈ A, um funcional multiplicativo ϕa ∈ MA tal que ϕa (a) = ∥a∥; (ii) Se ϕ ∈ MA então ϕ é um funcional limitado tendo-se ∥ϕ∥ ≤ 1. CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 138 Dem. (i) Sejam Ae a unitalização de A, MAe o espaço dos ideias maximais de Ae e [ b : Ae → C(MAe), (b, λ) → (b, λ), a transformação de Gelfand que, de acordo com o Teorema 3.2.1, constitui um isomorfismo∗ isométrico uma vez que Ae é uma álgebra C ∗ comutativa e com unidade. Fixe-se a ∈ A \ {0} um qualquer elemento não nulo de A. Como [ ∥(a, 0)∥∞ = ∥(a, 0)∥ = ∥a∥ e MAe é compacto, então existe φa ∈ MAe tal que [ |φa (a, 0)| = (a, 0)(φa ) = ∥a∥. Seja ϕa a restrinção φa à álgebra A, ou seja, ϕa (b) = φa (b, 0), b ∈ A. É claro que ϕa é um funcional multiplicativo não nulo de A, provando-se assim que MA é não vazio. Além disso tem-se que, |ϕa (a)| = |φa (a, 0)| = ∥a∥. (ii) Fixe-se ϕ ∈ MA . O funcional ϕe : Ae → C, (a, λ) 7→ ϕ(a) + λ, e De é um funcional linear multiplicativo que estende o funcional ϕ a toda a álgebra A. e acordo com o Teorema 3.1.5, para qualquer (a, λ) ∈ A, e λ)| ≤ ∥(a, λ)∥, |ϕ(a, pelo que, para qualquer a ∈ A, e 0)| ≤ ∥(a, 0)∥ = ∥a∥, |ϕ(a)| = |ϕ(a, tendo-se ∥ϕ∥ ≤ 1. O teorema de Gelfand-Naimark (Teorema 3.2.1) vai em seguida ser generalizado a álgebras C ∗ comutativas e sem unidade. 3.7. ÁLGEBRAS C ∗ SEM UNIDADE. UNITALIZAÇÃO E APROXIMAÇÃO DA UNIDADE139 Teorema 3.7.3. Sejam A uma álgebra C ∗ comutativa e sem unidade e MA o espaço dos funcionais lineares multiplicativos não nulos de A com a topologia de Gelfand. Então MA é um espaço Hausdorff e localmente compacto e a transformação de Gelfand c : A → C0 (MA ), a 7→ b a, (3.36) onde b a(ϕ) = ϕ(a), ϕ ∈ MA , (3.37) é um isomorfismo-∗ isométrico de A sobre C0 (MA ). Dem. À semelhança da demonstração do Teorema 2.1.1 tem-se que MA constitui um espaço de Hausdorff. Mostre-se que MA é localmente compacto. Para tal fixese ϕ ∈ MA . Sendo ϕ um funcional multiplicativo não nulo então ϕ não se anula em todos os elementos positivos de A. Seja a ∈ A um elemento positivo tal que ϕ(a) > 1. Considere-se o conjunto Kϕ = {ω ∈ MA : ω(a) ≥ 1}. Sejam {ωα } uma rede em Kϕ e υ um funcional linear em A tal que lim ωα = υ na α topologia w∗ do dual de A. Para quaisquer c, d ∈ A tem-se que, υ(cd) = lim ωα (cd) = lim ωα (b)lim ωα (c) = υ(b)υ(c), α α α e ainda υ(a) = lim ωα (a) ≥ 1, α o que garante que o conjunto Kϕ é uma vizinhança fechada do funcional multiplicativo ϕ. Como Kϕ está contido na bola unitária fechada do dual de A, que é fracamente compacto pelo teorema de Alaoglu, então Kϕ é uma vizinhança compacta de ϕ ∈ MA . Assim se garante que MA é um espaço localmente compacto. Para cada a ∈ A considere-se b a a tranformada de Gelfand do elemento a, definida como habitualmente por (3.37). As funções b a são contı́nuas em MA e, à semelhança do parágrafo anterior, para cada a ∈ A e ε > 0 também o conjunto Kε = {ω ∈ MA : ω(a) ≥ ε}, é compacto em MA e consequentemente b a ∈ C0 (MA ). A transformação de Gelfand de A em C0 (MA ) está assim bem definda e claramente constitui um homomorfismo-∗. Para cada elemento a ∈ A, de acordo com a Proposição 3.7.2, existe ϕa ∈ MA tal que ϕa (a∗ a) = ∥a∥2 . Consequentemente, para cada a ∈ A, a(ϕ)|2 = sup |ϕ(a∗ a)| ≥ ∥a∥2 . ∥b a∥2∞ = sup |b ϕ∈MA ϕ∈MA Como ∥ϕ(a)∥ ≤ ∥a∥ para todo o a ∈ A e ϕ ∈ MA , então ∥b a∥∞ ≤ ∥a∥, e a transformação b de Gelfand (3.36) é uma isometria. A imagem A da transformação de Gelfand é assim CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 140 um subálgebra fechada e autoadjunta de C0 (MA ) que separa os pontos de MA existindo sempre, para qualquer ϕ ∈ MA , um elemento a ∈ A tal que b a(ϕ) = ϕ(a) ̸= 0. Estas 5 b condições garantem que A = C0 (MA ) , e a transformação (3.36) é um isomorfismo-∗ isométrico. 3.7.2 Aproximação da unidade Definição 3.7.1. Seja A uma álgebra com ou sem unidade. Uma rede {eα } em A diz-se uma aproximação da unidade de A se satisfaz as seguintes proposições: (i) ∥eα ∥ ≤ 1, para qualquer α; (ii) ∥eα a − a∥ → 0 e ∥aeα − a∥ → 0, para qualquer a ∈ A. α α Note-se que no caso A ter unidade então qualquer rede constantemente igual à unidade e ∈ A define uma aproximação da unidade de A. Quanto à existência de aproximações da unidade, garante-se de seguida que em qualquer ideal bilateral e autoadjunto J de uma álgebra C ∗ com unidade, existe uma aproximação crescente da unidade de J . Recorde-se que J se diz autoadjunto sempre que b∗ ∈ J para qualquer b ∈ J . Teorema 3.7.4. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e J um ideal bilateral e autoadjunto de A. Então existe uma rede {eα } de elementos positivos eα ∈ J tal que (i) ∥eα ∥ ≤ 1, para qualquer α; (ii) ∥eα x − x∥ → 0 e ∥xeα − x∥ → 0, para qualquer x ∈ J . α α Dem. Seja ∆ o conjunto de todos os subconjuntos finitos de J com a relação de ordem dada pela inclusão, ou seja, se α = {x1 , x2 , ..., xn } e β = {y1 , y2 , ..., ym } estão em ∆ então, α ≼ β se e só se α ⊆ β. Com esta relação de ordem ∆ constitui um conjunto dirigido. Para cada conjunto α = {x1 , x2 , ..., xn } em ∆, represente-se por vα o elemento vα = x1 x∗1 + x2 x∗2 + ... + xn x∗n . Sendo J um ideal bilateral, cada vα é um elemento positivo de A em J . 5 Generalização do teorema de Stone-Weierstrass:Seja X um espaço Hausdorff localmente compacto e S é uma subálgebra fechada e autoadjunta de C0 (X) que separa os pontos de X. Se para cada x ̸= 0 existe f ∈ S tal que f (x) ̸= 0, então S = C0 (X), [29]. 3.7. ÁLGEBRAS C ∗ SEM UNIDADE. UNITALIZAÇÃO E APROXIMAÇÃO DA UNIDADE141 Para cada α ∈ ∆ seja Avα := alg∗ {vα } a álgebra C ∗ gerada por vα e pela unidade ec,α : C(σA (vα )) → Avα o cálculo funcional contı́nuo associado a vα e ∈ A. Seja ainda Γ e definido como em (3.6). Considere-se fα a função real contı́nua definida em σA (vα ) por t fα (t) = n ≥ 0, (3.38) 1 + nt e seja eα = nvα (e + nvα )−1 (3.39) ec,α , o elemento de Avα associado à função fα por meio do cálculo funcional contı́nuo Γ ec,α (fα ). Observe-se que eα ∈ J uma vez que vα ∈ J e J é um ideal ou seja, eα = Γ ec,α preserva elementos positivos, bilateral em A. Como 0 ≤ fα ≤ 1 para t ∈ σA (vα ), e Γ então para cada α ∈ ∆, 0 ≤ eα ≤ e e ∥eα ∥ ≤ 1. (3.40) Dado que a função gα definida em σA (vα ) por gα (t) = 1 , 1 + nt (3.41) é também contı́nua e toma valores entre 0 e 1, então 0 ≤ (e + nvα )−1 ≤ e. Dado α ∈ ∆ e xi ∈ α, da definição de eα em (3.39) tem-se que ∑ (eα xi − xi )(eα xi − xi )∗ = (eα − e)xi x∗i (eα − e) ≤ nk=1 (eα − e)xi x∗i (eα − e) = (eα − e)vα (eα − e). (3.42) (3.43) Para as funções (3.38) e (3.41) é simples verificar que, para t ∈ σA (vα ), se tem (fα (t) − t)t(fα (t) − t) = gα (t)tgα (t). Assim, dado que ec,α [(fα (t) − t)t(fα (t) − t)] = (eα − e)vα (eα − e) Γ e ec,α [gα (t)tgα (t)] = (e + nvα )−1 vα (e + nvα )−1 , Γ obtém-se de (3.43), (3.42) e (3.40) que (eα xi − xi )(eα xi − xi )∗ = (eα − e)vα (eα − e) = (e + nvα )−1 vα (e + nvα )−1 = vα (e + nvα )−1 (e + nvα )−1 ≤ vα (e + nvα )−1 e = n1 (e − (e − nvα )−1 ) ≤ n1 e. CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 142 Para n ∈ N conclui-se então que ∥eα xi − xi ∥2 ≤ logo, para qualquer x ∈ J , 1 , n ∥eα x − x∥ → 0. (3.44) α Estabelecido (3.44) para qualquer x ∈ J , atendendo a que J é autoadjunto então para x∈J ∥eα x∗ − x∗ ∥ → 0, ou seja ∥xeα − x∥ → 0. (3.45) α α A rede {eα }, cujos elemetos eα estão definidos em (3.39), satisfaz assim as condições (i) e (ii). Uma consequência imediata do Teorema 3.7.4 é o importante resultado: Teorema 3.7.5. Para qualquer álgebra C ∗ A, com ou sem unidade, existe uma aproximação da unidade de A constituı́da por elementos positivos. Dem. Se A tem unidade é imediato que A admite uma aproximação da unidade. Suponha-se que A não tem unidade e seja Ae a unitalização de A. Identificando A com a subálgebra C ∗ de Ae definida por A × {0}, então A é um ideal bilateral e autoadjunto de Ae e resultado é consequência imediata do Teorema 3.7.4. Seja A uma álgebra C ∗ . Recorrendo à noção de aproximação da unidade, mostra-se de seguida que todo o ideal bilateral fechado J de A é autoadjunto e que a álgebra quociente de A por J é ainda uma álgebra C ∗ . Sendo A uma álgebra C ∗ e J um seu ideal esquerdo e autoadjunto, é fácil concluir que J é um ideal bilateral. Veja-se agora que todo o ideal bilateral fechado J de A é autoadjunto. Proposição 3.7.6. Sejam A uma álgebra C ∗ , com ou sem unidade, e J é um ideal bilateral de A. Tem-se que: (i) J tem uma aproximação da unidade constituı́da por elementos positivos; (ii) Se J é fechado então é autoajunto. Dem. (i) Comece-se por supor que A tem unidade e considere-se I := J ∩ J ∗ com J ∗ = {x∗ : x ∈ J }. É fácil constatar que I é um ideal bilateral autoadjunto de A 3.7. ÁLGEBRAS C ∗ SEM UNIDADE. UNITALIZAÇÃO E APROXIMAÇÃO DA UNIDADE143 e pelo Teorema 3.7.4 existe uma rede {eα } de elementos positivos que constitui uma aproximaçã da unidade de I. Dado x ∈ J então o elemento x∗ x ∈ I, logo lim∥x∗ xeα − x∗ x∥ = 0. α Assim, lim∥xeα − x∥2 = lim∥x − xeα ∥2 = lim∥(x − xeα )∗ (x − xeα )∥ α α α = lim∥(e − eα )x∗ x(e − eα )∥ ≤ lim∥e − eα ∥∥x∗ x(e − eα )∥ α α (3.46) ≤ 2 lim∥x∗ xeα − x∗ x∥ = 0, α ou seja, lim∥xeα − x∥ = 0. Um raciocı́nio analogo permite concluir que para qualquer α x ∈ J se tem ainda lim∥eα x − x∥ = 0, ou seja, {eα } constitui uma aproximação da α unidade de J constituı́do por elementos positivos. Se A não tem unidade considere-se Ae a unitalização de A. Tem-se que o ideal e I := {(x, 0) : x ∈ I} constitui um ideal bilateral autoadjunto de Ae existindo assim {(eα , 0)}, uma aproximação da unidade de Ie constituı́da por elementos positivos. Dado x ∈ J então (x∗ x, 0) ∈ Ie tendo-se, à semelhança de (3.46), que lim∥xeα − x∥2 = lim∥(x − xeα , 0)∥2 = lim∥(x − xeα , 0)∗ (x − xeα , 0)∥ α α α = lim∥((0, 1) − (eα , 0))(x∗ x, 0)((0, 1) − (eα , 0))∥ = 0, α constituı́ndo {eα } uma aproximação da unidade de J formada por elementos positivos. (ii) Fixe-se x ∈ J e prove-se que x∗ ∈ J . Uma vez que J é um ideal bilateral de A, resulta de (i) que existe em J uma aproximação da unidade, {eα }, constituı́da por elementos positivos. Assim, para x ∈ J tem-se que 0 = lim∥xeα − x∥ = lim∥eα x∗ − x∗ ∥. α Conclui-se que α lim eα x∗ = x∗ α ∗ e como {eα x } é uma rede de elementos J , pois J é um ideal bilateral, então x∗ ∈ J uma vez que J é fechado. Sendo A uma álgebra C ∗ com unidade, termina-se esta secção mostrando-se como a noção de aproximação da unidade permite garantir que as álgebras quociente por ideais bilaterais fechados são ainda algebras C ∗ . Se J é um ideal bilateral fechado de A sabe-se já que com a norma quociente a álgebra A/J é uma álgebra de Banach. Mostre-se que A/J é uma álgebra C ∗ . CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 144 Proposição 3.7.7. Sendo A uma álgebra C ∗ com unidade e, e J um ideal bilateral fechado de A, então a álgebra A/J , com a norma quociente ∥a + J ∥ = inf ∥a + j∥, a ∈ J , j∈J e a involução definida por (a + J )∗ = a∗ + J , a ∈ A, é uma álgebra C ∗ . Dem. Sendo J um ideal bilateral de A então é autoadjunto e a involução (a + J )∗ = a∗ + J , a ∈ A, está bem definida. Para estabelecer o resultado basta garantir a álgebra de Banach-∗ A/J satisfaz a identidade C ∗ . Para tal considere-se {eα } uma aproximação crescente da unidade de J e mostre-se que, para qualquer a ∈ A, ∥a + J ∥ = lim∥a − aeα ∥. α (3.47) Fixe-se a ∈ A. Recorrendo ao processo de unitalização suponha-se que A tem uma unidade e. Para todo o j ∈ J tem-se que lim∥j − jeα ∥ = 0, donde α lim sup∥a − aeα ∥ = lim sup∥a − aeα + j − jeα ∥ α α = lim sup∥(a + j)(e − eα )∥ α ≤ ∥a + j∥. A última desigualdade é consequência do facto de σA (eα ) ∈ [0, 1]. Então, lim sup∥a − aeα ∥ ≤ inf ∥a + j∥ = ∥a + J ∥. j∈J α Por outro lado, dado que os elementos aeα estão no ideal J , lim inf ∥a − aeα ∥ ≥ inf ∥a + j∥ = ∥a + J ∥, α j∈J ficando estabelecida a igualdade (3.47). Mostre-se agora que a norma em A/J satisfaz a identidade C ∗ . Para qualquer a ∈ A e j ∈ J , dado que lim (j − eα j) = 0, α então ∥a + J ∥2 = lim∥a − aeα ∥2 = lim∥(a − aeα )(a − aeα )∗ ∥ α α = lim∥a∗ a − aa∗ eα − eα aa∗ + eα aa∗ eα ∥ α = lim∥a∗ a + (j − eα j) − aa∗ eα − eα aa∗ − (j − eα j)eα + eα aa∗ eα ∥ α = lim∥(e − eα )(aa∗ + j)(e − eα )∥ α ≤ ∥aa∗ + j∥∥e + J ∥2 = ∥aa∗ + j∥. 3.8. EXERCÍCIOS 145 Tomando o ı́nfimo sobre todos os elementos j ∈ J obtém-se ∥a + J ∥2 ≤ ∥(a + J )(a + J )∗ ∥. A desigualdade contrária é imediata e a álgebra quociente A/J é assim uma álgebra C ∗. 3.8 Exercı́cios Exercı́cio 3.1. Seja A uma álgebra-∗ e a ∈ A. Mostre que: a) a é invertı́vel se e só se a∗ é invertı́vel, tendo-se (a∗ )−1 = (a−1 )∗ ; b) σA (a∗ ) = σA (a). Exercı́cio 3.2. Mostre que se A é uma álgebra C ∗ com unidade então, para qualquer a ∈ A, √ ∥a∥ = r(a∗ a). Exercı́cio 3.3. Seja A uma álgebra C ∗ com unidade e a ∈ A. Mostre que: a) Se a é unitário então σA (a) ⊆ {λ ∈ C : |λ| = 1}; b) Se a é hermiteano então σA (a) ⊆ [−∥a∥, ∥a∥]. Exercı́cio 3.4. Seja A uma álgebra C ∗ com unidade. a) Mostre que um elemento p ∈ A é uma projecção se e só se p = p∗ p. b) Sendo p ∈ A uma projecção não trivial, ou seja, diferente de 0 e da identidade e, mostre que σA (p) = {0, 1}. Exercı́cio 3.5. Seja A uma álgebra C ∗ cim unidade. Mostre que qualquer ideal esquerdo e autoadjunto de A é um ideal bilateral. Exercı́cio 3.6. Sejam A e B álgebras C ∗ e ϕ : A → B um homomorfismo-∗ que transforma a identidade de A na identidade de B. Sabendo que σB (φ(a)) ⊂ σA (a), mostre que ∥φ∥ ≤ 1 . Exercı́cio 3.7. Sejam A e B duas álgebras C ∗ comutativas e com unidade. Mostre que se A e B são isometricamente isomorfas, então os espaços dos seus funcionais lineares multiplicativos não nulos, respectivamente MA e MB , são homeomorfos. CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 146 Exercı́cio 3.8. Sejam A e B duas álgebras C ∗ com unidade e ϕ : A → B um homomorfismo-∗. Considere a decomposição canónica de ϕ definida por, ψ A → A/I −→ ϕ(A) → B, onde I é o ideal bilateral de A definido por I = Ker ϕ. Justifique que: a) I é fechado em A e ϕ(A) é fechado em B. b) A/I é uma álgebra C ∗ e ψ : A/I → B é um homomorfismo-∗ isométrico. c) ϕ(A) é uma subálgebra C ∗ de B. Exercı́cio 3.9. Mostre que uma algebra C ∗ comutativa e com unidade contém operadores de projecções não triviais se e só se o seu espaço dos ideais maximais é desconexo. Exercı́cio 3.10. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e, e a ∈ A um elemento normal. Considere o cálculo funcional contı́nuo para o elemento elemento a ∈ A, ec : C(σA (a)) → Aa , f −→ f (a), Γ apresentado em (3.6). a) Designe por f1 e fz as funções de C(σA (a)) definidas por f1 (λ) = 1, fz (λ) = λ, λ ∈ σA (a). ec (f1 ) = e e Γ ec (fz ) = a. Mostre que Γ b) Supondo que a é hermiteno, mostre que existem dois elementos positivos a+ e a− em A tais que a = a+ − a− e ∥a∥ = max{∥a+ ∥, ∥a− ∥}. Exercı́cio 3.11. Considere a álgebra C(X) das funções complexas e contı́nuas num espaço de Hausdorff compacto X. Sendo f ∈ C(X), mostre que: (i) f é um elemento positivo de C(X) se e só se σ(f ) ⊆ R+ 0 , com σ(f ) = {f (t) : t ∈ X}. 3.8. EXERCÍCIOS 147 (ii) Se f é hermiteano e ∥f − λ∥∞ ≤ λ, para λ ∈ R+ , então f é positivo. (iii) Se f é positivo e, para λ ∈ R, ∥f ∥∞ ≤ λ então ∥f − λ∥∞ ≤ λ. Exercı́cio 3.12. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e, a ∈ A hermiteano e λ ∈ R+ . Mostre detalhadamente as condições do Lema 3.3.3, ou seja, mostre que: (i) Se ∥a − λe∥ ≤ λ então a ≥ 0; (ii) Se a ≥ 0 e ∥a∥ ≤ λ então ∥a − λe∥ ≤ λ. Exercı́cio 3.13. Sejam A uma álgebra C ∗ e a ∈ A um elemento de A. Mostre que se os elementos a e −a são positivos então a = 0. Exercı́cio 3.14. Sejam A uma álgebra C ∗ e a, b, c elementos de A. Mostre que: a) Se a ≥ b ≥ 0 então ∥a∥ ≥ ∥b∥; b) Se a ≥ 0 então ∥a∥a ≥ a2 ; c) Se a ≥ b ≥ 0 então c∗ ac ≥ c∗ bc ≥ 0; d) Se A tem unidade e a, b são elementos invertı́veis tais que a ≥ b ≥ 0, então b−1 ≥ a−1 ≥ 0. Exercı́cio 3.15. Considere a algebra C ∗ das matrizes de ordem 2, M2 (C), na qual se fixou a involução definida por )∗ ( ( ) a c a b = . c d b d a) Caracterize os elementos positivos de M2 (C). b) Mostre que existem elementos positivos A, B ∈ M2 (C) tais que AB não é positivo. c) Considere os elementos A e B definidos por onde p= A=P e B = P + Q, ( ) 1 b 0 0 Mostre que B ≥ A mas B 2 A2 . ( , q= 1 2 1 2 1 2 1 2 ) . CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 148 Exercı́cio 3.16. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e a, b elementos positivos de A tais que b2 ≥ a2 . Para cada t > 0, real positivo, considere ct = (te + a + b)(te + a − b). Sejam h, k os elementos hermiteanos de A tais que ct = h + ik. a) Justifique que 1 h = ((te + a + b)(te + a − b) + (te + a − b)(te + a + b)). 2 b) Mostre que h = t2 e + 2tb + b2 − a2 ≥ t2 e. c) Justifique que h é um elemento positivo e invertı́vel de A. d) Mostre que 1 + ih− 2 kh− 2 = h− 2 (h + ik)h− 2 1 1 1 1 e que 1 + ih− 2 kh− 2 , ct = h + ik e (te + a − b) são elementos invertı́veis de A. Justifique que −t ∈ / σA (b − a) 1 1 e) Conclua que b ≥ a. Exercı́cio 3.17. Seja H um espaço de Hilbert e L(H) a álgebra C ∗ dos operadores lineares limitados em H, com a involução definida pela passagem ao operador adjunto, T 7→ T ∗ . Mostre que dados T1 , T2 ∈ L(H) e α, β ∈ C se tem: a) (αT1 + βT2 )∗ = αT1∗ + βT2∗ ; b) (T1∗ )∗ = T1 e (T1 T2 )∗ = T2∗ T1∗ ; c) ∥T1∗ T1 ∥ = ∥T1 T1∗ ∥ = ∥T ∥2 . Exercı́cio 3.18. Sejam H um espaço de Hilbert e T ∈ L(H). Designando por T ∗ o adjunto do operador T, mostre que são verdadeiras as seguintes igualdades: a) Ker T = (Im T ∗ )⊥ e Ker T ∗ = (Im T )⊥ ; b) Im T = (Ker T ∗ )⊥ e Im T ∗ = (Ker T )⊥ . Exercı́cio 3.19. Sejam H um espaço de Hilbert e T ∈ L(H). Mostre que: 3.8. EXERCÍCIOS 149 a) Se T é hermiteano então, ⟨T x, x⟩ = 0 para qualquer x ∈ H ⇒ T = 0. b) Se T é unitário então T é isométrico, ou seja, ∥T x∥ = ∥x∥ para qualquer x ∈ H, tendo-se ∥T ∥ = 1. c) T é unitário se e só se T é isométrico e sobrejectivo. Exercı́cio 3.20. Sejam H um espaço de Hilbert e T ∈ L(H). Mostre que: a) T é normal se e só se ∥T x∥ = ∥T ∗ x∥ para qualquer x ∈ H. b) T é hermiteano se e só se ⟨T x, x⟩ ∈ R para qualquer x ∈ H. c) T é positivo se e só se ⟨T x, x⟩ ≥ 0 para qualquer x ∈ H. Exercı́cio 3.21. Sejam H um espaço de Hilbert e P ∈ L(H) um operador de projecção. Mostre que P satisfaz as condições do Teorema 3.4.1. Exercı́cio 3.22. Sejam H um espaço de Hilbert e V ∈ L(H). Mostre que se V é uma isometria parcial então V é uma contracção, isto é, ∥V x∥ ≤ ∥x∥, ∀x ∈ X. Exercı́cio 3.23. Com o auxı́lio do Teorema 3.4.6 demonstre detalhadamente o Corolário 3.4.7. Exercı́cio 3.24. Seja H um espaço de Hilbert. (a) Justifique que se H tem dimensão finita e V ∈ L(H) é uma isometria, então V é sobrejectivo e consequentemente um operador unitário. (b) Suponha-se agora que H é um espaço de Hilbert separável de dimensão infinita e seja {en : n ∈ N} uma sua base hilbertiana. (i) Considere-se o operador Sr ∈ L(H) definido por Sr : H → H, x = ∞ ∑ n=1 xn en 7→ Sr (x) = ∞ ∑ xn en+1 , {xn } ∈ l2 . n=1 Mostre que Sr é uma isometria mas não um operador unitário. CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRAS C ∗ 150 (ii) Considere-se o operador Sl ∈ L(H) definido por Sl : H → H, x = ∞ ∑ xn en 7→ Sl (x) = n=1 ∞ ∑ xn+1 en , {xn } ∈ l2 . n=1 Mostre que Sl é uma isometria parcial e determine o seu espaço inicial. Exercı́cio 3.25. Sejam H um espaço de Hilbert e H1 e H2 dois subespaços fechados de H com a mesma dimensão. Sejam {eα : α ∈ J} e {fα : α ∈ J} bases hilbertianas, respectivamente, de H1 e H2 . Considere-se o operador V ∈ L(H) definido por ( ) ∑ ∑ ∑ V x = 0 se x⊥H1 , e V x α eα = xα fα , |xα |2 < ∞. α∈J α∈J α∈J Mostre que V é uma isometria parcial cujo espaço inicial é H1 e o espaço final é H2 . Exercı́cio 3.26. Seja H um espaço de Hilbert e V ∈ L(H). Mostre que são equivalentes as seguintes proposições: a) V = V V ∗ V ; b) V ∗ V é uma projecção; c) V é um isometria parcial. Exercı́cio 3.27. Sejam X um espaço Hausdorff compacto, µ uma medida positiva, B(X) a σ-álgebra de Borel de X e H = L2 (X, µ). Mostre que: a) Para cada função a ∈ B ∞ (X) a aplicação aI : H → H, f 7→ af, define um operador linear limitado no espaço de Hilbert H. A Ma chama-se operador de multiplicação pela função a. b) A aplicação E : B(X) → L(H), ∆ 7→ χ∆ I, onde χ∆ I designa o operador de multiplicação em H pela função caracteristica χ∆ do conjunto ∆, define uma medida espectral sobre (X, H). Exercı́cio 3.28. Seja H um espaço de Hilbert e K(H) o ideal dos operadores compactos de L(H). 3.8. EXERCÍCIOS 151 a) Mostre que K(H) é uma subálgebra C ∗ de L(H). b) Mostre que K(H) tem unidade se e só se H tem dimensão finita. Exercı́cio 3.29. Seja C0 (X) a álgebra das funções complexas definidas num espaço localmente compacto X e que se anulam no infinito, com as operações de soma e produto pontuais. Considere-se em C0 (X) a norma ∥f ∥∞ = sup|f (x)|, f ∈ C0 (X), x∈X e a involução dada pela passagem à função conjugada, ∗ : f 7→ f . a) Justifique que para qualquer função f ∈ C0 (X) é finita a norma ∥f ∥∞ . b) Mostre que C0 (X) é uma álgebra C ∗ , que só possui unidade se e só se X é compacto. Exercı́cio 3.30. Seja A um álgebra C ∗ com ou sem unidade. Justifique que sendo J um ideal bilateral de A então existe em J uma aproximação da unidade em J . Exercı́cio 3.31. Sejam A e B duas álgebras C ∗ sem unidade e Ψ : A → B um homomorfismo-∗ de A em B. Mostre que Ψ é contı́nuo tendo-se, para qualquer a ∈ A ∥Ψ(a)∥ ≤ ∥a∥. Mostre ainda que Ψ(A) constitui uma subálgebra C ∗ de B. Capı́tulo 4 Representações de álgebras C ∗ Chap4 Chap4 O capı́tulo 4 é dedicado à teoria de representações de álgebras C ∗ . A estrutura adicional introduzida pela convolução permite que as representações de algebras C ∗ possam ser vistas como transformações lineares actuando em espaços de Hilbert, em vez de apenas espaços de Banach. Os principais resultados do capı́tulo são, tendo por base a teoria de representações de álgebras de Banach introduzida na capı́tulo 2 e propriedades das álebras C ∗ , a construção de Gelfand-Naimark-Segal (GNS) que a cada funcional linear positivo de uma álgebra C ∗ associa uma representação cı́clica da álgebra, a chamada representação de Gelfand-Naimark-Segal associada ao funcional, e o 2o teorema de Gelfand-Naimark que estabelece que qualquer álgebra C ∗ com unidade é uma subálgebra C ∗ de L(H). As noções de estado puro numa álgebra C ∗ e de irredutibilidade da representação de Gelfand-Naimark-Segal associada estão intimamente relacionadas, estabelecendo-se que um estado é puro se e só se a a correspondente representação é irredutı́vel. Recentemente a classificação das álgebras C ∗ tem-se vindo a desenvolver independentemente da teoria das representações. Apesar deste facto apresentam-se neste capı́tulo classes de álgebras C ∗ cuja definição tem por base a natureza das suas representações: as álgebras CCR e GCR. Conclui-se o capı́tulo introduzindo algumas classes de álgebras C ∗ universais: as álgebras de Cuntz, as álgebras de rotação e as álgebras de Toeplitz. 4.1 Funcionais lineares positivos. Estados puros Inicia-se o capı́tulo com a análise de propriedades dos funcionais lineares positivos. O conceito de estado puro é posteriormente introduzido mostrando-se que estes constituem os pontos extremos de um subconjunto não vazio, convexo e compacto, do conjunto de funcionais lineares positivos de norma 1, o conjunto dos estados da álgebra. 1 2 4.1.1 CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ Funcionais lineares positivos Cap4:42 d6 Definição 4.1.1. Sendo A uma álgebra C ∗ , um funcional linear ρ : A → C diz-se positivo se transforma os elementos positivos de A nos elementos positivos de C, ou seja, se para qualquer a ∈ A, ρ(a∗ a) ≥ 0. Os funcionais lineares positivos ρ de A com norma 1, kρk = 1, designam-se por estados de A representando-se por EA o conjunto de todos os estados de A. Note-se que se sendo ϕ ∈ MA um funcional linear multiplicativo em A então ϕ é um funcional positivo. Efectivamente, para qualquer a ∈ A, ϕ(a∗ a) = ϕ(a∗ )ϕ(a) = ϕ(a)ϕ(a) = |ϕ(a)|2 ≥ 0. A noção de funcional linear positivo pode assim ser entendida como uma generalização da noção de funcional linear multiplicativo preservando mesmo algumas das suas propriedades. Chap3:19 Proposição 4.1.1. Se A é uma álgebra C ∗ então qualquer funcional linear positivo em A é um funcional contı́nuo. Dem. Represente-se por A+ 1 o conjunto dos elementos positivos de A com norma menor ou igual a 1. Fixe-se ϕ um funcional linear em A para o qual existe uma constante K > 0 tal que, para qualquer a ∈ A+ 1 , se tenha |ϕ(a)| ≤ K, para todo a ∈ A+ 1. Começa-se por mostrar que nas condições anterior ϕ é um funcional limitado cuja norma satisfaz kϕk ≤ 4K. p3 Fixe-se a ∈ A um elemento hermiteano tal que kak ≤ 1. Pela Proposição ??, a admite uma representação na forma a = a −a− com a± elementos positivos de a. Como Chap3:20 + kak ≤ 1 então, de acordo com (??), ka± k ≤ 1 tendo-se a± ∈ A+ 1 . Consequentemente, |ϕ(a)| ≤ |ϕ(a+ )| + |ϕ(a− )| ≤ 2K. (4.1) Cap4:41 Considerando agora a ∈ A um qualquer elemento de A tal que kak ≤ 1, tem-se da p1 Cap3:200 Proposição ?? e da condição (??) que a =Cap4:41 h + ik com h e k hermiteanos de A tais que khk ≤ 1 e kkk ≤ 1. Assim, atendendo a (4.1), |ϕ(a)| ≤ |ϕ(h)| + |ϕ(k)| ≤ 2K + 2K = 4K. Finalmente, para qualquer a ∈ A tem-se que |ϕ(a)| ≤ 4Kkak 4.1. FUNCIONAIS LINEARES POSITIVOS. ESTADOS PUROS 3 o que permite afirmar que ϕ é limitado com kϕk ≤ 4K. Estabelecido o resultado anterior suponha-se que existe um funcional linear positivo em A, ρ, não limitado. Então, sup ρ(a) = +∞, a∈A+ 1 e consequentemente existe uma sucessão de elementos positivos (an ) em A+ 1 tal que, para qualquer n ∈ N, |ρ(an )| ≥ 4n . ∞ a X 1 ak n Atendendo a que n ≤ n então a série é convergente. Sendo a a soma da 4 4 4k k=1 ∞ a X ak k , é claro que a é um elemento positivo e, atendendo a que ρ k ≥ 1, série, a = k 4 4 k=1 para qualquer n ∈ N tem-se, ! n X ak ρ(a) ≥ ρ ≥ n, 4k k=1 o que é impossı́vel. Fica assim demonstrado que qualquer funcional linear positivo é limitado. Apresentam-se a seguir algumas propriedades dos funcionais lineares positivos, as Cap4:42 quais vão permitir obter uma caracterização alternativa à Definição 4.1.1 para os funcionais lineares positivos de uma álgebra C ∗ . l1 Lema 4.1.2 (Desigualdade de Cauchy-Schwarz). Sejam A uma álgebra C ∗ com uni- dade e ρ um funcional linear positivo em A. Para quaisquer dois elementos a, b ∈ A, tem-se (i) ρ(a∗ b) = ρ(b∗ a) ; (ii) |ρ(a∗ b)|2 ≤ ρ(a∗ a)ρ(b∗ b). Dem. Sejam a, b ∈ A e λ ∈ C. Como ρ é positivo tem-se que ρ((λa + b)∗ (λa + b)) ≥ 0 o que, atendendo à linearidade de ρ, é equivalente a |λ|2 ρ(a∗ a) + λρ(a∗ b) + λρ(b∗ a) + ρ(b∗ b) ≥ 0. (4.2) Cap3:21 Da condição anterior conclui-se que para quaisquer a, b ∈ A e λ ∈ C, a parcela λρ(a∗ b) + λρ(b∗ a) (4.3) Cap4:46 CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ 4 Cap4:46 é real. Substituı́ndo em (4.3), sucessivamente λ = 1 e λ = i obtém-se sem dificuldade aCap3:21 igualdade (i). Satisfeita a condição (i), substituı́ndo na forma quadrática positiva (4.2), λ = ρ(a∗ b)/ρ(a∗ a), obtém-se a desigualdade (ii) no caso de a 6= 0. Para a = 0 o resultado é obviamete satisfeito. l1 Como consequências do Lema 4.1.2 obtém-se um critério para identificação dos funcionais lineares positivos numa álgebra C ∗ com unidade. Cap3:30 t8 Proposição 4.1.3. Seja A uma álgebra C ∗ com unidade e. Um funcional linear limi- tado ρ em A é positivo se e só se kρk = ρ(e). Dem. Sejam ρ um funcional linear positivo e c ∈ A tal que kck ≤ 1. Particularizando a desigualdade de Cauchy-Schwartz para a = e e b = c tem-se que |ρ(c)|2 ≤ ρ(e∗ e)ρ(c∗ c) = ρ(e)ρ(c∗ c). (4.4) Cap4:47 Como kck ≤ 1, tem-se ke − (e − c∗ c)k = kc∗ ck = kck2 ≤ 1, Cap3:5 obténdo-se da condição (i) da Proposição ?? que (e − c∗ c) é um elemento positivo. Assim, ρ(e − c∗ c) ≥ 0, ou seja, ρ(c∗ c) ≤ ρ(e) Cap4:47 vindo de (4.4), |ρ(c)|2 ≤ ρ(e)ρ(e) = ρ2 (e). Consequentemente, atendendo a que kek = 1, kρk = sup |ρ(c)| = ρ(e). kck≤1 Reciprocamente, seja ρ um funcional linear limitado tal que kρk = ρ(e). Sendo a ∈ A um elemento hermiteano tal que kak ≤ 1, prove-se que ρ(a) é real. Faça-se ρ(a) = α + iβ com α, β ∈ R e comece-se por supor que β ≤ 0. Para cada n ∈ N, ka − inek2 = k(a − ine)(a + ine)k = ka2 + n2 ek ≤ 1 + n2 , donde |ρ(a − ine)|2 ≤ kρk2 (1 + n2 ). (4.5) cap3:22 4.1. FUNCIONAIS LINEARES POSITIVOS. ESTADOS PUROS 5 Atendendo a que |ρ(a − ine)|2 = |ρ(a) − inkρk|2 = |α + iβ − inkρk|2 = α2 + β 2 − 2nβkρk + n2 kρk2 , cap3:22 de (4.5) obtém-se, α2 + β 2 − 2nβkρk + n2 kρk2 ≤ kρk2 (1 + n2 ), ou seja, −2nβkρk ≤ −α2 − β 2 + kρk2 . Dado que a última desigualdade é válida para qualquer n ∈ N com β ≤ 0, então tem-se β = 0, o que permite concluir que ρ(a) ∈ R. Caso β ≥ 0 então ρ(−a) = −α + i(−β) e analogamente se conclui que β = 0, logo ρ(a) ∈ R. Considerando agora a um qualquer elemento positivo não nulo de A, e fazendo Cap3:5 ã = a/kak, resulta da condição (ii) do Lema ?? que ke − ãk ≤ 1. Consequentemente, obtém-se do parágrafo anterior que ρ(e − ã) = kρk − ρ(ã) ∈ R, e, sendo ρ limitado, ρ(e − ã) ≤ kρkke − ãk ≤ kρk, concluı́ndo-se que ρ(ã) ≥ 0, logo, ρ(a) ≥ 0. O funcional linear limitado ρ é assim um funcional linear positivo. Cap3:30 A Proposição 4.1.3 permite obter sem dificuldade a norma da soma e a norma de uma combinação linear convexa de quaisquer dois funcionais lineares positivos numa álgebra C ∗ com unidade. Cap3:31 Corolário 4.1.4. Sejam A uma álgebra-C ∗ com unidade e, e ρ1 , ρ2 dois funcionais lineares positivos em A. Tem-se que: (i) ρs = ρ1 + ρ2 é um funcional linear positivo cuja norma é dada por kρ1 + ρ2 k = kρ1 k + kρ2 k; (ii) Para qualquer λ ∈ [0, 1], o funcional ρc = λρ1 + (1 − λ)ρ2 é um funcional linear positivo e kρc k = λkρ1 k + (1 − λ)kρ2 k. CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ 6 Dem. Sendo ρ1 e ρ2 funcionais lineares positivos e λ ∈ [0, 1], é claro que λρ1 e (1 − λ)ρ2 são ainda funcionais positivos, o mesmo sucedendo às somas ρs = ρ1 + ρ2 e Cap3:30 ρc = λρ1 + (1 − λ)ρ2 . Consequentemente, obtém-se da Proposição 4.1.3 que kρ1 + ρ2 k = ρ1 (e) + ρ2 (e) = kρ1 k + kρ2 k, estabelecendo-se assim a proposição (i). De forma análoga se estabelece (ii). Relativamente ao problema da extensão de funcionais lineares positivos tem-se o resultado. Cap4:1 Corolário 4.1.5. Se A é uma álgebra C ∗ com unidade e, e B é uma sua subálgebra C ∗ com a mesma unidade, então para qualquer funcional linear positivo ρB em B existe um funcional linear positivo ρA em A que é uma extensão de ρB satisfazendo kρA k = kρB k. Dem. Sendo ρB um funcional linear positivo em B, resulta do Teorema de HanhBanach que existe em A um funcional linear limitado ρA tal que kρ k = kρA k. Sendo Cap3:30B e a unidade de B e A, da positividade de ρB e da Proposição 4.1.3 obtém-se que ρA (e) = ρB (e) = kρB k = kρA k, Cap3:30 concluı́ndo-se, novamente da Proposição 4.1.3, que ρA é um funcional linear positivo em A. Cap3:30 A Proposição 4.1.3 permite ainda estabelecer o resultado que se segue, de especial SS-GNS importância na Secção 4.2.3. Cap3:32 Corolário 4.1.6. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e, e ρ um funcional linear positivo em A. (i) Dado a ∈ A, ρ(a∗ a) = 0 se e só se ρ(ba) = 0 para qualquer b ∈ A; (ii) Para quaisquer a, b ∈ A tem-se que ρ(b∗ a∗ ab) ≤ ka∗ akρ(b∗ b). Dem. (i) Fixe-se a ∈ A. Se ρ(ba) = 0 para todo o b ∈ A então é imediato que ρ(a∗ a) = 0. Reciprocamente, se ρ(a∗ a) = 0 então, resulta da desigualdade de CauchySchwartz que, para todo o b ∈ A, |ρ(ba)| = |ρ((b∗ )∗ a)| ≤ ρ(bb∗ )ρ(a∗ a) = 0. (ii) Fixe-se a, b ∈ A. Se ρ(b∗ b) = 0, obtém-se de (i) que ρ(b∗ a∗ ab) = ρ((b∗ a∗ a)b) = 0 pelo que a condição (ii) é obviamente satisfeita. Para analisar o caso em que ρ(b∗ b) > 0 considere-se o funcional linear positivo ρb : A → C, c 7→ ρb (c) = ρ(b∗ cb)/ρ(b∗ b). 4.1. FUNCIONAIS LINEARES POSITIVOS. ESTADOS PUROS 7 Cap3:30 Conclui-se da Proposição 4.1.3 que, kρb k = ρb (e) = ρ(b∗ b)/ρ(b∗ b) = 1, donde ρb (a∗ a) ≤ ka∗ ak ou, equivalentemente, ρ(b∗ a∗ ab) ≤ ka∗ akρ(b∗ b). Quanto à existência de funcionais lineares positivos tem-se que: t9 Proposição 4.1.7. Se A é uma álgebra-C ∗ com unidade e, então para qualquer ele- mento normal a ∈ A com a 6= 0 existe um funcional linear positivo ρa : A → C tal que ρa ∈ EA e |ρa (a)| = kak. Dem. Sejam a 6= 0 um elemento normal em A e Aa := alg∗ {a} a subálgebra-C ∗ de A gerada por a e pela unidade e. Sendo Aa uma uma álgebra-C ∗ comutativa com unidade, então a sua transformação de Gelfand, b : Aa → C(MAa ), é um isomorfismo∗ isométrico satisfazendo kak = kb ak∞ . Como b a é uma função contı́nua de domı́nio compacto então existe ρe ∈ MAa tal que kak = kb ak∞ = |b a(e ρ)| = |e ρ(a)|. Aplicando o Teorema de Hahn-Banach ao funcional ρe conclui-se que existe um funcional linear limitado ρa : A → C que estende ρe à álgebra A e tal que kρa k = ke ρk = 1. Além disso, dado que ρa (e) = ρe(e) = 1, ρa é um funcional linear positivo satisfazendo ainda |ρa (a)| = |e ρ(a)| = kak. Atendendo a que o conjunto dos elementos normais de uma álgebra C ∗ com unidade é não vazio, o resultado anterior garante que EA , o conjunto dos estados em A, é não vazio. Tem-se ainda o seguinte resultado: Cap4:19 Proposição 4.1.8. Se A é uma álgebra C ∗ com unidade e, então para qualquer ideal esquerdo fechado I de A existe um estado ρ ∈ EA tal que ρ(x∗ x) = 0, x ∈ I. Dem. Sejam I um ideal esquerdo fechado de A e Ah := {a ∈ A : a = a∗ } o conjunto dos elementos hermiteanos de A. Defina-se Ih := Ah ∩ I. Ora, Ah constitui um espaço de Banach real que admite Ih como subespaço fechado. Sendo A+ o conjunto dos CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ 8 elementos positivos de A então A+ ⊂ Ah constituı́ndo, de acordo com o teorema da Cap3:6 exparaCap4 1 aplicação espectral, da condição (i) da Proposição ?? e do Exercı́cio ??, um cone em Ah . Observe-se que a unidade e ∈ A é um ponto interior de A+ emCap3:5 Ah já que dado a ∈ Ah tal que ka − ek < 1, obtém-se da condição (i) da Proposição ?? que a ∈ A+ . Seja A0h o subespaço de Ah definido por A0h := {λe + a : λ ∈ R, a ∈ Ih }, e considere-se em A0h o funcional linear real ρe : A0h → R, λe + a 7→ ρe(λe + a) := λ, que claramente satisfaz ρe(e) = 1 e ρe(a) = 0, a ∈ Ih . (4.6) CCap4 ρe é ainda um funcional não negativo na intersecção A0h ∩ A+ . Efectivamente, dado x ∈ A0h ∩ A+ , então x = λe + a com λ ∈ R e a ∈ Ih . Assim, x − λe = a ∈ Ih ⊂ I, o que permite afirmar que x − λe é não invertı́vel em A, ou seja, que λ ∈ σA (x). Como x ∈ A+ então λ ∈ σA (x) ⊂ R+ 0 e ρe(x) = ρe(λe + a) = λ ≥ 0. Pelo teorema da extensão de Krein-Milman2 , existe um funcional linear ρeh : Ah → R que estende ρ a Ah e é não negativo em A+ . Ora, para qualquer elemento a ∈ A sabe-se que a admite uma representação (única) na forma a = h+ik com h, k ∈ Ah (Proposição Cap3:76 ?? ) e este facto permite construir um funcional linear ρ : A → C definido-o por ρ(a) := ρe(h) + ie ρ(k), a = h + ik ∈ A. (4.7) O funcional ρ constitui uma extensão de ρe à álgebra A e é positivo uma vez que para qualquer a ∈ A, dado que a∗ a ∈ A+ , ρ(a∗ a) = ρ(a∗ a + i0) = ρe(a∗ a) ≥ 0. Num espaço vectorial real um conjunto C diz-se um cone se: (1) λx ∈ C para x ∈ C, λ ∈ R+ 0 ; (2) x + y ∈ C para x, y ∈ C; (3) Se x ∈ C e −x ∈ C então x = 0. 2 Teorema da extensão de Krein-Milman: Se C é um cone num espaço vectorial real localmente convexo X e Y é um subespaço de X que contém pelo menos um ponto interior de C, então qualquer funcional linear em Y, não negativo em Y ∩ C, admite uma extensão a um funcional linear em X, não Naim1972 negativo em C, [?]. 1 4.1. FUNCIONAIS LINEARES POSITIVOS. ESTADOS PUROS 9 Além disso ρ ∈ EA pois ρ(e) = ρ(e + i0) = ρe(e) = 1. Finalmente, para qualquer a ∈ I CCap4 ∗ tem-se que a a ∈ Ih obtendo-se, da segunda condição em (4.6), que ρ(a∗ a) = ρe(a∗ a) = 0. O funcional ρ está assim nas condições do enunciado. 4.1.2 Estados puros. Propriedades Sendo ρ1 e ρ2 funcionais lineares positivos definidos em A, uma álgebra C ∗ , diz-se que ρ1 majora ρ2 escrevendo-se ρ1 ≥ ρ2 ou ρ1 − ρ2 ≥ 0, sempre que ρ1 − ρ2 for um funcional linear positivo. Note-se que se ρ é um funcional linear positivo e 0 ≤ λ ≤ 1 então ρ ≥ λρ. d7 Definição 4.1.2. Sendo A uma álgebra C ∗ , chama-se estado puro a qualquer estado ρ em A cujos funcionais lineares positivos que majora são apenas os funcionais da forma λρ com 0 ≤ λ ≤ 1. O conjunto dos estados puros de A representa-se por PA . Com o auxı́lio do Teorema de Krein-Milman 3 mostra-se de seguida que o conjunto dos estados puros de uma álgebra C ∗ é não vazio, constituı́ndo o conjunto dos pontos extremos do conjunto de todos dos estados em A, ou seja, PA = ext EA . t10 Teorema 4.1.9. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e, EA o conjunto dos estados em A e PA o conjunto dos estados puros de A. Então, (i) EA é convexo; (ii) EA é fracamente compacto em A∗ , o espaço dual de A; (iii) O conjunto dos pontos extremos de EA é não vazio e coincide com PA . Além disso EA é o fecho fraco do envolucro convexo de PA . Cap3:31 Dem. (i) Que EA é convexo é consequência imediata do Corolário 4.1.4. (ii) Mostre-se que EA é fracamente fechado na bola unitária fechada do dual de A, B01 (A∗ ) := {φ ∈ A∗ : kφk ≤ 1}. Seja {ϕα } uma rede em EA fracamente convergente para ϕ ∈ A∗ . Assim, para qualquer a ∈ A, ϕ(a∗ a) = lim ϕα (a∗ a) ≥ 0 α 3 Teorema de Krein-Milman: Seja X um espaço vectorial de Hausdorff localmente convexo. Se C 6= Ø é um subconjunto compacto e convexo de X, então o conjunto dos seus pontos extremos, ext C, é não vazio e o fecho do envólucro convexo de ext C coincide com C, C = Co(ext C). Se S é um subconjunto fechado de C tal que C = Co(S) então S ⊇ ext C. Recorde-se se chama envolucro Mu1990 convexo de S ⊂ X, e designa-se por Co(S), ao menor subconjunto convexo de X que contém S, [?]. 10 CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ e ϕ é um funcional linear positivo. Consequentemente, kϕk = ϕ(e) = lim ϕα (e) = lim kϕα k = 1. α α Assim ϕ ∈ EA . Se EA é fracamente fechado em B01 (A∗ ), resulta do Teorema de Alaoglu que EA é fracamente compacto em A∗ . (iii) EA é assim um conjunto não vazio, convexo e fracamente compacto em A∗ . Pelo teorema de Krein-Milman, o conjunto dos pontos extremos de EA é não vazio sendo EA o fecho fraco do envolucro convexo dos pontos extremos de EA . Mostre-se a seguir que o conjunto dos estados puros de A, PA , coincide com o conjunto dos pontos extremos de EA . 0 Fixe-se ρ ∈ PA e suponha-se que existem ϕ, ϕ ∈ EA e 0 < λ < 1 tais que 0 ρ = λϕ + (1 − λ)ϕ . (4.8) Cap4:48 Nas condições anteriores tem-se que ρ ≥ λϕ e consequentemente, uma vez que ρ é um estado puro, existe t ∈ [0, 1] tal que λϕ = tρ. Atendendo a que kϕk = kρk = 1 então Cap4:48 0 0 λ = t, logo ρ = ϕ. De (4.8) conclui-se que (1 − λ)ρ = (1 − λ)ϕ , ou seja, ρ = ϕ . Fica assim demonstrado que se ρ ∈ PA então ρ é um ponto extremo de EA . Reciprocamente considere ρ um ponto extremo de EA e considere-se ϕ um qualquer funcional linear positivo de A tal que ϕ 6= 0, ϕ 6= ρ e ρ ≥ ϕ. Assim, ρ − ϕ é um funcional linear positivo não nulo, donde kρ − ϕk = (ρ − ϕ)(e) = kρk − kϕk = 1 − kϕk > 0. Conclui-se pois que kϕk ∈]0, 1[. Fazendo t = kϕk tem-se que ρ−ϕ ϕ + (1 − t) , ρ=t kϕk kρ − ϕk ϕ , ou seja, ϕ = kϕkρ, com kϕk ∈]0, 1[. e como ρ é ponto extremo de EA então ρ = kϕk Assim, ρ ∈ PA . Finalmente, obtém-se do teorema de de Krein-Milman que EA é o fecho fraco do envolucro convexo de PA . A abundância de funcionais lineares positivos numa álgebra C ∗ traduz-se na existência também de estados puros. chap3:26 Proposição 4.1.10. Seja A uma álgebra C ∗ com unidade. Então, para qualquer ele- mento não nulo a ∈ A, existe ρ ∈ PA tal que ρ(a∗ a) = kak2 . 4.1. FUNCIONAIS LINEARES POSITIVOS. ESTADOS PUROS 11 Dem. Sendot9a ∈ A \ {0}, como a∗ a ∈ A é elemento normal então, de acordo com a Proposição 4.1.7, existe em A um estado ρ : A → C satisfazendo |ρ(a∗ a)| = kak2 . Consequentemente, é não vazio o conjunto Ea = {ϕ ∈ EA : ϕ(a∗ a) = kak2 }. Além disso, resulta do Teorema de Krein-Milman que o conjunto dos pontos extremos de Ea é não vazio pois Ea é convexo e fracamente compacto em A∗ . Sendo ρe um ponto extremo de Ea , mostra-se em seguida que ρe constitui um ponto extremo de EA . Para tal suponha-se que existem funcionais ρ1 , ρ2 ∈ EA tais que ρe = λρ1 + (1 − λ)ρ2 , 0 ≤ λ ≤ 1. Atendendo a que ρ1 (a∗ a) ≤ kak2 e ρ2 (a∗ a) ≤ kak2 , e dado que kak2 = λρ1 (a∗ a) + (1 − λ)ρ2 (a∗ a), então ρ1 (a∗ a) = ρ2 (a∗ a) = kak2 . Assim, ρ1 , ρ2 ∈ Ea e como pe é um ponto extremo de Ea então ρ1 = ρ2 = ρe. O funcional ρe é um ponto extremo de EA , ou seja é um estado puro de A. Como consequência do resultado anterior é possivel caracterizar a norma de qualquer elemento de uma álgebra C ∗ com unidade à custa dos seus estado puros. c4 Corolário 4.1.11. Se A é uma álgebra C ∗ com unidade então para qualquer a ∈ A kak = max ρ∈PA p ρ(a∗ a). chap3:26 Dem. Para a = 0 o resultado é imediato. Para a 6= 0, da Proposição 4.1.10 conclui-se que p max ρ(a∗ a) ≥ kak. ρ∈PA Quanto à desigualdade contrária esta é consequência do facto de que para qualquer ρ ∈ PA , sendo kρk = 1, então p ρ(a∗ a) ≤ kρkka∗ ak = kak2 ⇒ ρ(a∗ a) ≤ kak. Para os estados puros de uma álgebra C ∗ tem-se também, a semelhança do Corolário 4.1.5, um resultado de extensão. Cap4:1 CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ 12 Cap4:2 Proposição 4.1.12. Se A é uma álgebra C ∗ com unidade e, e B é uma sua subálgebra C ∗ com a mesma unidade, então para qualquer estado puro ρB em B existe um estado puro ρA em A que é uma extensão de ρB . Dem. Sejam ρB um estado puro em B e EρB o conjunto dos estados em A que estendem ρB , isto é, EρB = {ρ ∈ EA : ρ estende ρB }. Cap4:1 Do Corolário 4.1.5 sabe-se que EρB é não vazio. Além disso EρB é um subconjunto convexo de EA e, sendo fracamente fechado na bola unitária e fechada do dual A, é também fracamente compacto. Pelo teorema de Krein-Milman EρB tem pelo menos um ponto extremo ρA . Prova-se de seguida que ρA é um estado puro de A. Para tal suponha-se que ρ1 e ρ2 são dois estados em A tal que ρA = λρ1 + (1 − λ)ρ2 , com λ ∈ (0, 1). Sejam ρe1 e ρe2 , respectivamente, a restrição dos estados ρ1 e ρ2 à álgebra B. Tem-se que ρe1 e ρe2 são estados em B tais que ρB = λe ρ1 + (1 − λ)e ρ2 , com λ ∈ (0, 1), e dado que ρB é um estado puro em B então ρB = ρe1 = ρe2 pelo que os estados ρ1 e ρ2 pertencem a EρB . Sendo ρA um ponto extremo de EρB , então ρA = ρ1 = ρ2 . Fica assim provado que ρA é um ponto extremo de EA , logo um estado puro em A. É possı́vel caracterizar a invertibilidade dos elementos de uma álgebra C ∗ com unidade à custa dos seus estado puros. Para estabelecer este facto considere-se, para qualquer funcional linear não nulo e positivo ρ definido em A, uma álgebra C ∗ com unidade, o conjunto Lρ definido por Lρ := {x ∈ A : ρ(x∗ x) = 0} . (4.9) Cap4:15 Cap3:32 Da continuidade dos funcionais lineares positivos e do Corolário 4.1.6 tem-se que Lρ é ideal esquerdo próprio e fechado de A. Mostra-se a seguir que todo o ideal bilateral esquerdo próprio e fechado de A é da Cap4:15 forma (4.9). Cap4:13 Proposição 4.1.13. Se A é uma álgebra C ∗ com unidade e, então para qualquer ideal esquerdo maximal I de A existe um estado puro ρI ∈ PA tal que I = LρI . 4.1. FUNCIONAIS LINEARES POSITIVOS. ESTADOS PUROS 13 Dem. Seja ICap4:19 um ideal esquerdo maximal de A e ρ um estado em A nas condições da Proposição 4.1.8, ou seja, tal que ρ(x∗ x) = 0, x ∈ I. Assim, I ⊆ Lρ := {x ∈ A : ρ(x∗ x) = 0}, concluindo-se da maximalidade de I que I = Lρ . Represente-se por KI o subconjunto de EA definido por KI := {ν ∈ EA : I = Lν }, Cap4:15 com Lν definido como em (4.9) para o estado ν. Como ρ ∈ KI então KI é não vazio. Dados ρ1 , ρ2 ∈ KI e λ ∈]0, 1[, é imediato que para o estado ρe = λρ1 + (1 − λ)ρ2 se tem Lρe = I, donde ρe ∈ KI . Além disso, KI é fracamente fechado na bola unitária fechada do dual de A. Efectivamente, sendo {ρα } uma rede em KI convergente na topologia w∗ para ρ0 ∈ EA então, para qualquer x ∈ I, ρ0 (x∗ x) = lim ρα (x∗ x) = 0, α logo I ⊆ Lρ0 . A maximalidade de I implica que I = Lρ0 , ou seja, ρ0 ∈ KI . KI é então um conjunto não vazio, convexo e, do Teorema de Alaoglu, fracamente compacto no dual de A. Pelo Teorema de Krein-Milman KI tem pelo menos um ponto extremo ρI . Suponha-se finalmente que ρIl = λν1 + (1 − λ)ν2 , com ν1 , ν2 ∈ EA e λ ∈]0, 1[. É claro que I = LρI ⊆ Lνi , i = 1, 2, e novamente da maximalidade de I obtém-se I = Lν1 = Lν2 , ou seja ν1 , ν2 ∈ KI . Como ρIl é um ponto extremo de KI então ρIl = ν1 = ν2 . Assim se mostra que ρI é um estado puro de A para o qual se tem I = LρI . Cap4:14 Proposição 4.1.14. Se A é uma álgebra C ∗ com unidade então um elemento a ∈ A é invertı́vel à esquerda (direita) se e só se para todo o estado puro ρ de A se tem ρ(a∗ a) > 0 (ρ(aa∗ ) > 0). CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ 14 Dem. Sendo a ∈ A um elemento invertı́vel à esquerda suponha-se que existe um estado puro ρ ∈ PA tal que ρ(a∗ a) = 0. Nestas condições tem-se que o elemento a pertence a Lρ := {x ∈ A : ρ(x∗ x) = 0}, um ideal esquerdo, próprio e fechado de A. Este facto conduz a uma contradição uma vez que a é invertı́vel à esquerda e a unidade e∈ / Lρ . Reciprocamente, suponha-se que a ∈ A não é invertı́vel à esquerda. Assim a pertence ao ideal esquerdo próprio de A, J := Aa = {xa : x ∈ A}. Cap4:13 Sendo IJ o ideal esquerdo maximal de A que contém J , segue da Proposição 4.1.13 que existe um estado puro ρ ∈ PIJ tal que IJ = {x ∈ A : ρIJ (x∗ x) = 0}. Como a ∈ J ⊆ IJ então ρIJ (a∗ a) = 0. Analogamente se estabelece o resultado para a invertibilidade à direita. Cap4:14 Como corolário da Proposição 4.1.14 obtém-se de imediato o resultado: Corolário 4.1.15. Sendo A uma algebra C ∗ com unidade então um elemento a ∈ A é invertı́vel em A se e só se para todo o estado puro ρ ∈ PA , se tem ρ(a∗ a) > 0 e ρ(aa∗ ) > 0. Termina-se esta secção com a caracterização dos estados puros das subálgebras C de L(H), a álgebra dos operadores lineares limitados num espaço de Hilbert H. Comece-se por considerar o resultado auxiliar: ∗ Cap4:11 Lema 4.1.16. Seja A uma álgebra C ∗ com unidade e S ⊆ EA um subconjunto não vazio de estados em A para o qual se tenha que se a ∈ A é um elemento hermitiano tal que ρ(a) ≥ 0 para todo o ρ ∈ S então a ∈ A+ . Então: ∗ (i) EA é o fecho fraco do envolucro convexo de S, EA = Co(S) ; ∗ (ii) O fecho fraco de S contém os estados puros de A, S ⊇ PA . ∗ Dem. (i) Seja C = Co(S) o fecho fraco do envólucro convexo de S. Dado que S ⊆ EA então C ⊂ EA . Para mostrar a inclusão contrária suponha-se que existe um estado ρ ∈ EA tal que ρ ∈ / C. Nestas condições, da teoria geral da Análise Funcional4 , 4 Teorema: Sejam X um espaço vectorial localmente convexo e C 6= ∅ um subconjunto de X fechado e convexo, e x ∈ X \ C. Então existe um funcional linear Mu1990 contı́nuo τ definido em X e um número real t tal que Re(τ (y)) < t < Re(τ (x)) para qualquer y ∈ C, [?]. 4.1. FUNCIONAIS LINEARES POSITIVOS. ESTADOS PUROS 15 sabe-se que existe um funcional linear fracamente contı́nuo θ : A∗ → C, definido no dual de A, e existe um número real λ tal que, para qualquer ϕ ∈ C, Re (θ(ρ)) > λ > Re (θ(ϕ)). (4.10) Cap4:111 Como θ é fracamente contı́nuo então existe a ∈ A tal que θ = b a, onde b a(ϕ) = ϕ(a) Cap3:76 para qualquer ϕ ∈ A∗5 . Do Teorema ?? tem-se que a = h + ik com h e k elementos hermitianos de A e consequentemente, para qualquer estado τ ∈ EA , Re (θ(τ )) = Re (τ (a)) = τ (Re (a)) = τ (h). (4.11) Cap4:111 De (4.10) tem-se que, para qualquer ϕ ∈ S, λ > Re (θ(ϕ)) = Re (ϕ(a)) = ϕ(h) pelo que ϕ(λe − h) = λ − ϕ(h) > 0. Assim, atendendo a que λe − h é hermitiano, da hipótese do resultado conclui-se que λe − h ∈ A+ e consequentemente ρ(λe − h) ≥ 0. Então λ ≥ ρ(h) = Re (ρ(a)) = Re (θ(ρ)), Cap4:111 o que contradiz (4.10). Tem-se que EA ⊂ C, logo EA = C. (ii) É consequência imediata de (i) e do Teorema de Krein-Milman. Fixe-se B uma subálgebra C ∗ de L(H) contendo o operador identidade IH . Para cada vector unitário ξ ∈ H represente-se por ρξ o funcional linear definido em L(H) por ρξ : L(H) → C, T 7→ hT ξ, ξi. Claramente ρξ é um funcional linear positivo em L(H) e, dado que kξk = 1, ρξ é mesmo um estado em L(H). Represente-se por ρB,ξ a restrição do estado ρξ à álgebra B e seja SB o conjunto, SB = {ρB,ξ : ξ ∈ H, kξk = 1} ⊆ EB . Tem-se que: t14 Proposição 4.1.17. Se B é uma subálgebra C ∗ de L(H) contendo o operador identi- dade IH ∈ L(H) então, para qualquer estado puro ρ ∈ PB existe uma rede {ρB,ξα } em SB que converge fracamente para ρ, ou seja, tal que ρ(T ) = lim ρB,ξα (T ), ξ T ∈ B. (4.12) Cap4:12 Teorema: Se X é um espaço vectorial normado sobre C e θ : X ∗ → C é um funcional linear Mu1990 fracamente contı́nuo então existe x ∈ X tal que θ = x b, com x b(ϕ) = ϕ(x) para qualquer ϕ ∈ X ∗ , [?]. 5 16 CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ Dem. Para estabelecer o resultado basta observar que o conjunto SB está nas Cap4:11 condições do Lema 4.1.16. Efectivamente, sendo T ∈ B tal que T ∗ = T e admitindo-se que ρB,ξ (T ) ≥ 0 para todo o ξ ∈ H com kξk = 1, então hT ζ, ζi ≥ 0, para todo ζ ∈ H, Cap4:11 ou seja, T é um operador positivo. Assim, segue do Lema 4.1.16 que se ρ é um estado puro em B então ρ está no fecho fraco do conjunto SB existindo assim umaCap4:12 rede {ρB,ξα } em SB fracamente convergente para ρ, ou seja, satisfazendo a condição (4.12). 4.2 4.2.1 Representações. Construção de Gelfand-NaimarkSegal Representações não-degeneradas, cı́clicas e irredutı́veis Sub4i SSRep C2 Tendo por base o conceito de representação introduzido na Secção ?? do Capı́tulo ??, inicia-se a secção apresentando o conceito de representação de uma álgebra C ∗ . d8 Definição 4.2.1. Sendo A uma álgebra C ∗ , designa-se por representação de A o par (H, π) onde H é um espaço de Hilbert e π : A → L(H) é um homomorfismo-∗ de A em L(H). Ao espaço de Hilbert H chama-se espaço de representação de A e aos operadores π(a) com a ∈ A chamam-se representantes dos elementos de A. À semelhança SSRep do mencionado na Secção ??, designa-se muitas vezes por representação apenas o homomorfismo-∗ π. Uma representação π de A diz-se não nula se π 6= 0. Salientese que neste texto todas as representações indicadas são não nulas. Cap3:29 De acordo com o Teorema ??, se A é uma álgebra C ∗ com unidade então para qualquer representação (H, π) de A o homomorfismo-∗ π é contı́nuo. Saliente-se que o mesmo se pode afirmar caso A não tenha unidade, recorrendo-se para isso ao processo Unit de unitalização de A (ver exercı́cio ??). Sendo A uma álgebra C ∗ , uma representação (H, π) de A diz-se fiel quando π é SSRep injectiva (cf. Secção ??), ou seja, quando Ker π = {0}. Representando por [π(A)H] o fecho do espaço linear gerado pelo conjunto π(A)H := {π(a)ξ : a ∈ A, ξ ∈ H}, 4.2. REPRESENTAÇÕES. CONSTRUÇÃO DE GELFAND-NAIMARK-SEGAL 17 a representação (H, π) de A diz-se não-degenerada se [π(A)H] = H. É um exercı́cio simples mostrar que se (H, π) é não-degenerada então o único elemento de H que anula todos os operadores do contradomı́nio de π, π(A) = {π(a) : a ∈ A}, é o zero, isto é, que \ Ker π(a) = {0}. a∈A Tem-se ainda o seguinte resultado: Cap4Id Proposição 4.2.1. Sejam A uma álgebra C ∗ e {eα } uma aproximação da unidade de A. Dada uma representação (H, π) de A então (H, π) é não-degenerada se e só se {π(eα )} converge na topologia forte de operadores para o operador identidade IH . Dem. Supondo que limα π(eα ) = IH (SOT) é imediato que [π(A)H] = H, uma vez que para qualquer ξ ∈ H se tem que ξ = limα π(eα )ξ ∈ π(A)H. Reciprocamente, suponha-se que [π(A)H] = H. Se ξ ∈ π(A)H então existem a ∈ A e ζ ∈ H tais que π(a)ζ = ξ obtendo-se, da continuidade de π, lim π(eα )ξ = lim π(eα a)ζ = lim π(a)ζ = ξ. α α α Analogamente se conclui que para ξ ∈ [π(A)H], ou seja, para ξ uma combinação linear finita de elementos de π(A)H se tem que limα π(eα )ξ = ξ. Usando finalmente a densidade de π(A)H em H conclui-se que para qualquer ξ ∈ H se tem limα π(eα )ξ = ξ, logo limα π(eα ) = IH (SOT). Repare-se que da proposição anterior se conclui que caso A seja uma álgebra C ∗ com unidade e, então uma representação (H, π) é não-degenerada se e só se π(e) = IH . Um caso particular de representações não-degeneradas são as representações cı́clicas. Uma representação (H, π) diz-se cı́clica quando existe um vector ξ0 ∈ H, designado por vector cı́clico, tal que o conjunto π(A)ξ0 = {π(a)ξ0 : a ∈ A} é denso em H. Sendo A uma álgebra de Banach, recordem-se as definições de representação algeSSRep bricamente irredutı́vel e topologicamente irredutı́vel de A introduzidas na Secção ??. Uma representação não nula (H, π) de A diz-se algebricamente irredutı́vel (topologicamenete irredutı́vel ) quando os únicos subespaços (fechados) de H invariantes para CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ 18 (H, π) são os triviais, ou seja, são penas H e {0}. Em álgebras de Banach estas duas noções são em geral distintas. Surpreendentemente, quando A é uma álgebra C ∗ então as duas noções coincidem falando-se apenas em representação irredutı́vel. A demonstração deste facto necessita do teorema da densidade de Kaplansky, de forma que será exposta como aplicação dos resultados do próximo capı́tulo. No entanto passaremos desde já neste capı́tulo a utilizar apenas a formulação representação irredutı́vel. O resultado seguinte fornece duas caracterizações alternativas para as representações irredutı́veis de uma álgebra C ∗ com unidade. t15 Proposição 4.2.2. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e (H, π) uma representação (não nula) de A. São equivalentes as seguintes proposições: (i) (H, π) é irredutı́vel; (ii) O comutante de π(A), [π(A)]0 := {T ∈ L(H) : T π(a) = π(a)T, a ∈ A} , coincide com o conjunto CIH := {λIH : λ ∈ C}, onde IH é o operador identidade em L(H); (iii) Todo o vector ξ ∈ H, não nulo, é cı́clico para (H, π). Dem. (i)⇒(ii) Suponha-se que (H, π) é irredutı́vel,e seja T ∈ L(H) um elemento que comuta com π(a) para todo o a ∈ A. Então T ∗ tem aCap3:76 mesma propriedade, assim como T + T ∗ e T − T ∗ . Logo, tendo em conta a Proposição ??, é necessário apenas considerar o caso de T Sub3.5.2 ser hermiteano. As projecções associadas à decomposição espectral de T (ver Secção ??) então comutam com π(a), o que implica que são todas ou 0 ou I, pela hipótese. Logo existe um λ ∈ R tal que T = λI. Fica assim demonstrado que (i) implica (ii). (ii)⇒(i) Supondo que [π(A)]0 = CI, então os únicos operadores de projecção que estão em [π(A)]0 são os triviais e consequentemente os únicos subespaços invariantes para π são H e {0}. A representação (H, π) é assim irredutı́vel, ou seja, tem-se (ii). (i)⇒(iii) Supondo (i), fixe-se ξ ∈ H um vector não nulo de H. O subespaço de H definido por π(A)ξ := {π(a)ξ : a ∈ A}, é invariante para a representação π, o mesmo acontecendo ao seu fecho π(A)ξ. Consequentemente, π(A)ξ = {0} ou π(A)ξ = H. Como a representação π é não nula, então existem a ∈ A e ζ ∈ H tais que π(a)ζ 6= 0 e assim π(A)ζ, que constitui também um subespaço de H invariante para π, tem de ser denso em H. A representação (H, π) é então não-degenerada o que implica que π(A)ξ 6= {0}, uma vez que ξ 6= 0, logo π(A)ξ = H. O elemento ξ 6= 0 é então um vector cı́clico para π. 4.2. REPRESENTAÇÕES. CONSTRUÇÃO DE GELFAND-NAIMARK-SEGAL 19 (iii)⇒ (i). Seja M 6= {0} um subespaço fechado de H invariante para π. Sendo ξ ∈ M um elemento não nulo, tem-se por hipótese que π(A)ξ = H o que implica M = H, pois π(A)ξ ⊆ M. A representação (H, π) é assim irredutı́vel. De acordo com a proposição anterior, sendo A uma álgebra C ∗ e (H, π) uma sua representação (não nula), tem-se a cadeia de relações: (H, π) é irredutı́vel ⇔ (H, π) é cı́clica ⇒ (H, π) é não-degenerada. (4.13) A última implicação não tem recı́proco direto, mas mostra-se a seguir que qualquer representação não degenerada de uma álgebra C ∗ pode ser entendida como a “soma” de representações cı́clicas. Comece-se por introduzir a noção de soma directa de representações. Sejam A uma álgebra C ∗ e {(Hα , πα )}α∈I uma famı́lia de representações de A indexada num qualquer conjunto I. Chama-se soma directa dos espaços de Hilbert Hα , representando-se por M H= Hα , α∈I ao espaço de Hilbert H constituı́do pelos elementos ξ = {ξα }α∈I , com ξα ∈ Hα para α ∈ I e ξi 6= 0 apenas num número contável de elementos i ∈ I, e tal que X kξk2 = kξα k2α < ∞, α∈I estando o produto interno definido por hξ, ζiH = X hξα , ζα iα , α∈I para ξ = {ξα }α∈I ∈ H e ζ = {ζα }α∈I ∈ H. Define-se soma directa das representações πα , representando-se por M π= πα , α∈I como sendo o homomorfismo-∗ M M π= πα : A → L(H), a 7→ π(a) := πα (a), α∈I α∈I onde, para cada a ∈ A, M M M πα (a) : Hα → Hα , {ξα }α∈I 7→ {πα (a)ξα }α∈I . α∈I α∈I α∈I 20 CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ L L É fácil verificar que (H, π) := ( α∈I Hα , α∈I πα ) é de facto uma representação da álgebra C ∗ A que se designa por soma directa da famı́lia de representações {(Hα , πα )}α∈I . Tem-se o seguinte resultado: Cap4:29 Teorema 4.2.3. Sejam A uma álgebra C ∗ e (H, π) uma sua representação não-degenerada. Então π é a soma directa de uma famı́lia de representações cı́clicas de A. Dem. Fixe-se ξ1 6= 0 em H e considere o subespaço de H definido por H1 := π(A)ξ1 = {π(a)ξ1 : a ∈ A}. H1 é um subespaço fechado de H invariante para a representação π. Se H1 = H então π é uma representação cı́clica e o resultado está estabelecido. Caso H1 6= H então o vector ξ1 é cı́clico para a representação π1 : A → L(H1 ), a 7→ π1 (a) := π|H1 (a), onde π|H1 (a) designa a restrição do operador π(a) ao espaço de Hilbert H1 . Como H1 6= H então o seu ortogonal H1⊥ é não nulo. Fixe-se ξ2 ∈ H1⊥ tal que ξ2 6= 0 e considere-se o subespaço invariante para π, H2 := π(A)ξ2 = {π(a)ξ2 : a ∈ A}. O vector ξ2 é agora um vector cı́clico para a representação π2 : A → L(H2 ), a 7→ π2 (a) := π|H2 (a), onde π|H2 (a) designa a restrição do operador π(a) ao espaço de Hilbert H2 . Dado que para quaisquer a, b ∈ A, hπ(a)ξ1 , π(b)ξ2 i = hπ(b∗ a)ξ1 , ξ2 i = 0, o conjunto {H1 , H2 } é constitutı́do por subespaços de H, mutuamente ortogonais. Considere-se agora F o conjunto de todas as famı́lias {Hα } constituı́das por subespaços fechados e mutuamente ortogonais em H, invariantes para a representação π e para os quais as representações πα : A → L(Hα ), a 7→ πα (a) := π|Hα (a), (4.14) cap4:4 são cı́clicas. O conjunto F é claramente não vazio, uma vez que {H1 , H2 } está em F, e com a relação de inclusão define um conjunto parcialmente ordenado. É obvio que qualquer cadeia constituı́da por familias {Hα } ∈ F possui uma famı́lia majorante, dada 4.2. REPRESENTAÇÕES. CONSTRUÇÃO DE GELFAND-NAIMARK-SEGAL 21 pela união dos conjuntos de todas as famı́lias da cadeia, e assim, de acordo com o Lema de Zorn, F tem uma famı́lia maximal {Hα : α ∈ Λ}. Tem-se que M H= Hα , (4.15) Cap4:3 α∈Λ L pois caso contrário existiria um elemento ξ0 6= 0 no ortogonal da soma directa α∈Λ Hα e, considerando o subespaço H0 := π(A)ξ0 = {π(a)ξ0 : a ∈ A}, a famı́lia {Hα : α ∈ Λ}∪{H } estaria em F, contradizendo o facto de {Hα : α ∈ Λ} ser maximal. A condição Cap4:3 0 (4.15) é então satisfeita e a representação (H, π) é a soma directa das representações da famı́lia {(Hα , πα ) : α ∈ Λ}, onde πα designa a representação cı́clica defininida como cap4:4 em (4.14), dada pelas restrições dos operadores π(a) ao espaço de Hilbert Hα . 4.2.2 subsec4.2.2 Representações unitariamente equivalentes Numa álgebra C ∗ existem representações que a menos dos espaços de Hilbert preservam o mesmo tipo de propriedades geométricas. Surge assim o conceito de representações unitariamente equivalentes: Definição 4.2.2. Numa álgebra C ∗ A, duas representações (H1 , π1 ) e (H2 , π2 ) dizem-se unitariamente equivalentes se existir um operador unitário U : H1 → H2 tal que π2 (a) = U π1 (a)U ∗ , a ∈ A. Repare-se que se (H, π) é uma representação de uma algebra C ∗ A então, para qualquer operador unitário U ∈ L(H), o par (H, πU ), onde πU é o homomorfismo-∗ πU : A → L(H), πU (a) = U π(a)U ∗ , define uma representação de A que é unitariamente equivalente a (H, π). A noção de equivalência unitária define uma relação de equivalência no conjunto das representações de uma álgebra C ∗ . É um exercı́cio simples mostrar que duas representações unitariamente equivalentes são simultaneamente fiéis, não-degeneradas, cı́clicas ou irredutı́veis. Dados A uma álgebra C ∗ e (H, π) uma sua representação, para cada ξ ∈ H fica bem definido em A o funcional linear positivo, ρπ,ξ : A → C, a 7→ hπ(a)ξ, ξi, (4.16) Cap4:6 CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ 22 designado por coeficiente da representação π associado ao elemento ξ. Como se verá a seguir, os coeficientes de uma representação permitem caracterizá-la a menos de operadores unitários: Cap4:5 Proposição 4.2.4. Se A é uma álgebra C ∗ com unidade, e (H1 , π1 ) e (H2 , π2 ) são duas representações cı́clicas de A com vectores cı́clicos ξ1 e ξ2 , respectivamente, então são equivalentes as seguintes afirmações: (i) Existe um operador unitário U : H1 → H2 tal que U (ξ1 ) = ξ2 satisfazendo, para qualquer a ∈ A π2 (a) = U π1 (a)U ∗ ; (ii) Os coeficientes ρπ1 ,ξ1 e ρπ2 ,ξ2 são iguais, ou seja, para qualquer a ∈ A tem-se que hπ1 (a)ξ1 , ξ1 i = hπ2 (a)ξ2 , ξ2 i. Dem. Um simples cálculo permite afirmar que (i) implica (ii). Reciprocamente suponha que se tem (ii), ou seja, que para qualquer a ∈ A se tem hπ1 (a)ξ1 , ξ1 i = hπ2 (a)ξ2 , ξ2 i. Defina-se o operador linear U0 : π1 (A)ξ1 → H2 , π1 (a)ξ1 7→ π2 (a)ξ2 , a ∈ A, que é isométrico uma vez que para qualquer a ∈ A, kπ2 (a)ξ2 k2 = hπ2 (a∗ a)ξ2 , ξ2 i = hπ1 (a∗ a)ξ1 , ξ1 i = kπ1 (a)ξ1 k2 . O operador U0 admite assim uma extensão única a um operador isométrico U : H1 → H2 . Dado que U (π1 (A)ξ1 ) = π2 (A)ξ2 e os subespaços π1 (A)ξ1 e π2 (A)ξ2 são respectivamente densos em H1 e H2 , então U (H1 ) = H2 e U é um operador unitário. Para quaisquer a, b ∈ A, tem-se (U π1 (a))π1 (b)ξ1 = U0 π1 (ab)ξ1 = π2 (ab)ξ2 = π2 (a)U0 π1 (b)ξ1 = (π2 (a)U )π1 (b)ξ1 , concluindo-se por densidade que U π1 (a) = π2 (a)U, logo π2 (a) = U π1 (a)U ∗ para qualquer a ∈ A. Observe-se que U ξ1 = ξ2 uma vez que π2 (a)U ξ1 = U π1 (a)ξ1 = π2 (a)ξ2 , implica π2 (a)(U ξ1 − ξ2 ) = 0, para todo a ∈ A, e dado que π2 é não-degenerada então U ξ1 − ξ2 = 0. 4.2. REPRESENTAÇÕES. CONSTRUÇÃO DE GELFAND-NAIMARK-SEGAL 23 4.2.3 SS-GNS Construção de Gelfand-Naimark-Segal. 2o Teorema de Gelfand-Naimark Sendo A uma álgebra C ∗ com unidade e (H, π) uma sua representação, para cada Cap4:6 ξ ∈ H definiu-se (4.16) o coeficiente da representação π associado ao elemento ξ. Na presente seccção vai apresentar-se a construção de Gelfand-Naimark-Segal (GNS ) que associa a qualquer funcional linear positivo ρ, de uma álgebra C ∗ com unidade, uma representação cı́clica (Hρ , πρ ), a representação de GNS associada a ρ, que admite ρ como um seu coeficiente. Definindo a representação universal como a soma directa de todas as representações de GNS associadas aos estados em A, demonstra-se no final que a mesma constitui uma representação fiel estabelecendo-se o 2o Teorema de Gelfand-Naimark. Fixem-se A uma álgebra C ∗ com unidade e ρ um funcional linear positivo em A. Considere-se o subconjunto de A definido por Lρ = {a ∈ A : ρ(a∗ a) = 0} . Cap3:32 Sendo, do Corolário 4.1.6, Lρ um ideal esquerdo e fechado de A considere-se o espaço quociente A/Lρ e a aplicação h., .iρ : A/Lρ × A/Lρ → C, (a + Lρ , b + Lρ ) 7→ ha + Lρ , b + Lρ iρ := ρ(b∗ a), que define um producto interno em A/Lρ . Observe-se que ha + Lρ , b + Lρ iρ não depende dos representantes escolhidos nas classes a + Lρ e b + Lρ . Efectivamente, se c1 e c2 são elementos de Lρ , resulta da desigualdade de Cauchy-Schwartz que, para qualquer d ∈ A ρ(dc1 ) = ρ(dc2 ) = 0, donde, ha + c1 + Lρ , b + c2 + Lρ iρ = ρ((b + c2 )∗ (a + c1 )) = ρ(b∗ a) + ρ(b∗ c1 ) + ρ(c∗2 a) + ρ(c∗2 c1 ) = ρ(b∗ a) = ha + Lρ , b + Lρ iρ . Represente-se por Hρ o espaço de Hilbert resultante da completação do espaço préhilbertiano (A/Lρ , h., .iρ ), e por k.kρ a norma associada ao produto interno h., .iρ . Para cada a ∈ A defina-se o operador linear π(a) : A/Lρ → A/Lρ , b + Lρ 7→ π(a)(b + Lρ ) = ab + Lρ , (4.17) Cap4:rr CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ 24 que constitui um operador limitado em A/Lρ já que, atendendo à condição (ii) do Cap3:32 Corolário 4.1.6, se tem para qualquer b ∈ A, kπ(a)(b + Lρ )k2ρ = kab + Lρ k2ρ = ρ(b∗ a∗ ab) ≤ ka∗ akρ(b∗ b) = kak2 kb + Lρ k2ρ , oncluı́ndo-se que kπ(a)k ≤ kak. O operador π(a) pode assim ser estendido a um operador linear limitado em Hρ que se representa por πρ (a), πρ (a) : Hρ → Hρ . (4.18) Cap4:rrr Finalmente, designa-se por representação de Gelfand-Naimark-Segal associada ao funcional positivo ρ, o homomorfismo-∗ πρ : A → L(Hρ ), a 7→ πρ (a). Para quaisquer a, b, c ∈ A tem-se πρ (ab)(c + Lρ ) = abc + Lρ = πρ (a)(bc + Lρ ) = πρ (a)πρ (b)(c + Lρ ), e hπρ (a)(b + Lρ ), c + Lρ iρ = hab + Lρ , c + Lρ iρ = ρ(c∗ ab) = hb + Lρ , a∗ c + Lρ iρ = hb + Lρ , πρ (a∗ )(c + Lρ )iρ , pelo que πρ (ab) = πρ (a)πρ (b) e πρ (a∗ ) = πρ (a)∗ , a, b ∈ A. Observe-se que a representação de Gelfand-Naimark-Segal associada ao funcional linear positivo ρ coincide, em A/Lρ , com a representação regular esquerda de A induSSRep rresquerda zida pelo ideal esquerdo Lρ introduzida na Secção ?? em (??). Resumindo o anterior processo de construção, tem-se o seguinte resultado: t16 Teorema 4.2.5 (Representação de Gelfand-Naimark-Segal). A cada funcional linear positivo ρ de uma álgebra C ∗ com unidade A corresponde um espaço de Hilbert Hρ , um vector ξρ ∈ Hρ e um homomorfismo-∗ πρ : A → L(Hρ ), tal que (i) ρ(a) = hπρ (a)ξρ , ξρ iρ , para qualquer a ∈ A; 4.2. REPRESENTAÇÕES. CONSTRUÇÃO DE GELFAND-NAIMARK-SEGAL 25 (ii) {πρ (a)ξρ : a ∈ A} é denso em Hρ . Dem. Sendo (Hρ , πρ ) a representação de GNS associada ao funcional positivo ρ e e a unidade de A, considere-se a imagem de e em A/Lρ , ξρ = e + Lρ . Para cada a ∈ A, tem-se que hπρ (a)ξρ , ξρ iρ = ha + Lρ , e + Lρ iρ = ρ(a), garantindo-se assim a afirmação (i). A afirmação (ii) resulta de imediato da definição de Hρ . Quanto à relação entre os núcleos Ker πρ e Ker ρ, tem-se que: Cap3:33 Proposição 4.2.6. Se A é uma álgebra C ∗ com unidade, ρ é um funcional linear positivo em A e (Hρ , πρ ) é a representação de GNS associada a ρ, então Ker πρ é o maior ideal bilateral fechado de A que está contido em Ker ρ. Dem. Da continuidade do homomorfismo-∗ πρ resulta que o ideal bilateral Ker πρ t16 é fechado em A. Além disso, da afirmação (i) do Teorema 4.2.5 é claro que Ker πρ ⊆ Ker ρ. Seja J um ideal bilateral fechado de A tal que ρ(J ) = {0} e mostre-se que J ⊆ Ker πρ . Para tal defina-se na álgebra C ∗ A/J o funcional linear positivo ρJ : A/J → C, a + J 7→ ρ(a). Observe-se que sendo ΦJ : A → A/J o homomorfismo canónico de A em A/J então ρ(a) = ρJ (Φ(a)), a ∈ A. (4.19) Cap4:7 A par da representação (Hρ , πρ ) considere-se (HρJ , πρJ ) a representação de GNS associada ao estado ρJ . Para qualquer a ∈ A, ρ(a) = hπρ (a)ξρ , ξρ iρ e ρJ (a + J ) = hπρJ (a + J )ξρJ , ξρJ iρJ , Cap4:7 obtendo-se de (4.19) que hπρJ (a + J )ξρJ , ξρJ iρJ = hπρJ (Φ(a))ξρJ , ξρJ iρJ = ρJ (Φ(a)) = ρ(a) = hπρ (a)ξρ , ξρ iρ . (4.20) Cap4:9 Sendo (HρJ , πρJ ) uma representação cı́clica de A/J com vector cı́clico ξρJ , então (HρJ , πρJ ◦ Φ) é uma representação cı́clica de A com o mesmo vector cı́clico. Assim, CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ 26 Cap4:9 Cap4:5 atendendo à igualdade (4.20) e à Proposição 4.2.4, as representações (HρJ , πρJ ◦ Φ) e (Hρ , πρ ) são unitariamente equivalentes. Como consequência, ρ(J ) = {0} ⇒ (πρJ ◦ Φ)(J ) = {0} ⇒ πρ (J ) = {0}, ou seja, J ⊆ Ker πρ . No resultado que se segue estabelece-se, a menos de uma equivalência unitária, t16 o recı́proco do Teorema 4.2.5 garantindo-se que para qualquer representação cı́clica (H, π), de uma álgebra C ∗ com unidade A, existe um funcional linear positivo ρe em A tal que (H, π) é unitariamente equivalente à representação de Gelfand-Naimark-Segal (Hρe, πρe) associada a ρe. Cap4:10 Proposição 4.2.7. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e (H, π) uma sua repre- sentação cı́clica. Seja ξ o vector cı́clico de (H, π) e ρe :=Cap4:6 ρπ,ξ o coeficiente da representação π associado ao elemento ξ e definido como em (4.16), ou seja, ρe : A → C, a 7→ hπ(a)ξ, ξi. Se (Hρe, πρe) designar a representação de Gelfand-Naimark-Segal associada a ρe, então (H, π) e (Hρe, πρe) são unitariamente equivalentes. t16 Dem. Do Teorema 4.2.5 tem-se que para qualquer a ∈ A, ρe(a) = hπρe(a)ξρe, ξρeiρe, onde ξρe designa o vector cı́clico da representação (Hρe, πρe). Da definição de ρe obtém-se então hπ(a)ξ, ξi = hπρe(a)ξρe, ξρeiρe, a ∈ A, Cap4:5 o que garante, atendendo à Proposição 4.2.4, que (H, π) e (Hρe, πρe) são unitariamente equivalentes. Sendo A uma álgebra C ∗ com unidade, considere {(Hρ , πρ )}ρ∈EA , a famı́lia de todas as representações de GNS associadas aos estados de A. À soma directa das representações da famı́lia indicada chama-se representação universal de A e representa-se por M M (Hu , πu ) := ( Hρ , πρ ). ρ∈EA ρ∈EA 4.2. REPRESENTAÇÕES. CONSTRUÇÃO DE GELFAND-NAIMARK-SEGAL 27 A representação universal de A permite estabelecer um dos resultados mais importantes da teoria das algebras C ∗ . O 2o Teorema de Gelfand-Naimark, também conhecido por Teorema da representação de Gelfand-Naimark. t18 Teorema 4.2.8 (2o Teorema de Gelfand Naimark). Toda a álgebra C ∗ com unidade é isometricamente isomorfa a uma subálgebra C ∗ de L(H), com H um espaço de Hilbert. L L Dem. Seja A uma algebra C ∗ com unidade e (Hu , πu ) := ( ρ∈EA Hρ , ρ∈EA πρ ) a sua representação universal. Em primeiro lugar, verifique-se que πu é uma representação fiel. Para tal suponha-se que πu (a) = 0. Nestas condições tem-se, para qualquer estado ρ ∈ EA , que πρ (a) = 0 pelo que ρ(a∗ a) = hπρ (a∗ a)ξρ , ξρ iρ = hπρ (a)ξρ , πρ (a)ξρ iρ = kπρ (a)ξρ k2ρ = 0. chap3:26 No entanto, de acordo com a Proposição 4.1.10, se a for não nulo então existe em A um estado ρ satisfazendo ρ(a∗ a) = ka∗ ak, obtendo-se uma contradição. Conclui-se assim que a = 0 e o homomorfismo πu , sendo cIsomHom injectivo, é isometrico pelo Corolário ??. Do resultado acima pode-se ainda extrair o seguinte: c5 Corolário 4.2.9. A representação universal de uma álgebra C ∗ com unidade é fiel. Toda a álgebra C ∗ com unidade admite pois, de acordo com o 2o teorema de GelfandNaimark, uma realização como subálgebra C ∗ de uma álgebra de operadores lineares limitados L(H), com H um espaço de Hilbert. Assim, do 1o e 2o Teoremas de GelfandNaimark conclui-se que as álgebras C ∗ de funções contı́nuas em espaços de Haudorff compactos, C(X), e as subálgebras C ∗ das álgebras de operadores lineares limitados L(H), com H espaços de Hilbert, são modelos para as álgebras C ∗ com unidade. 4.2.4 Representações irredutı́veis e estados puros As noções de estado puro numa álgebra C ∗ e de irredutibilidade da representação de GNS a ele associado estão intimamente relacionadas. Sendo A uma álgebra C ∗ mostrase nesta secção que um estado ρ em A é puro se e só se (Hρ , πρ ) é uma representação irredutı́vel. Como consequência deste facto conclui-se no final da secção que os estado puros de uma álgebra C ∗ comutativa e com unidade são exactamente os funcionais lineares multiplicativos não nulos definidos na álgebra. Comece-se por estabelecer o seguinte resultado. CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ 28 Cap3:35 l2 Lema 4.2.10. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade, ρ um estado em A, (Hρ , πρ ) a representação de GNS associada a ρ e w um funcional linear positivo tal que ρ ≥ w. Então existe um operador Tρ,w ∈ L(Hρ ) tal que: (i) IHρ ≥ Tρ,w ≥ 0; (ii) Tρ,w pertence ao comutante de πρ (A), ou seja, Tρ,w ∈ [πρ (A)]0 := {T ∈ L(Hρ ) : T A = AT, A ∈ πρ (A)}; (iii) w(a) = hTρ,w πρ (a)ξρ , ξρ iρ , para qualquer a ∈ A. Dem. Considere-se em A/Lρ a forma sesquilinear definida por Iρ,w : A/Lρ × A/Lρ → C, (a + Lρ , b + Lρ ) 7→ w(b∗ a). Para quaisquer a, b ∈ A, tem-se |Iρ,w (a + Lρ , b + Lρ )|2 = |w(b∗ a)|2 ≤ w(a∗ a)w(b∗ b) ≤ ρ(a∗ a)ρ(b∗ b) ≤ ka + Lρ k2ρ kb + Lρ k2ρ , pelo que Iρ,w define uma forma sesquilinear limitada que admite uma extensão a uma forma sesquilinear e Iρ,w definida em Hρ e satisfazendo kĨρ,w k = kIρ,w k ≤ 1. Pelo teorema da representação de Riesz, existe um operador Tρ,w ∈ L(Hρ ) tal que e Iρ,w (x, y) = hTρ,w x, yiρ , x, y ∈ Hρ , com kTρ,w k = ke Iρ,w k. Para quaisquer a, b ∈ A, atendendo à definição dos operadores πρ (a) e πρ (b) em Cap4:rr Cap4:rrr (4.17) e (4.18), tem-se w(b∗ a) = Iρ,w (a + Lρ , b + Lρ ) = hTρ,w (a + Lρ ), b + Lρ iρ = hTρ,w πρ (a)ξρ , πρ (b)ξρ iρ , (4.21) cap3:34 donde, hTρ,w (a + Lρ ), a + Lρ iρ = w(a∗ a) ≥ 0, para quaisquer a ∈ A, e assim Tρ,w é um operador positivo. Como kTρ,w k ≤ 1 então σ(Tρ,w ) ⊆ [0, 1] e σ(IHρ − Tρ,w ) = 1 − σ(Tρ,w ) ⊆ [0, 1] concluindo-se que também IHρ − Tρ,w é positivo. O operador Tρ,w verifica assim a afirmação (i). 4.2. REPRESENTAÇÕES. CONSTRUÇÃO DE GELFAND-NAIMARK-SEGAL 29 Para mostrar que Tρ,w satisfaz (ii), ou seja, que Tρ,w pertence ao comutante de πρ (A), observe-se que para quaisquer a, b, c ∈ A, hTρ,w πρ (a)(b + Lρ ), c + Lρ iρ = hTρ,w (ab + Lρ ), c + Lρ iρ = w(c∗ ab) = hTρ,w (b + Lρ ), a∗ c + Lp iρ = hTρ,w (b + Lρ ), πρ (a∗ )(c + Lρ )iρ = hπρ (a)Tρ,w (b + Lρ ), c + Lρ iρ , o que permite concluir que πρ (a)Tρ,w = Tρ,w πρ (a) , a ∈ A. cap3:34 Particularizando em (4.21) b = e tem-se, para qualquer a ∈ A, w(a) = hTρ,w πρ (a)ξρ , ξρ iρ , estabelecendo-se (iii). A relação entre estado puro e irredutibilidade da representação de Gelfand-NaimarkSegal associada pode agora ser estabelecida. Cap3:36 t19 Teorema 4.2.11. Seja A uma álgebra C ∗ com unidade e. Então um estado ρ em A é puro se e só se a representação de Gelfand-Naimark-Segal (Hρ , πρ ) é irredutı́vel. Dem. Sendo ρ um estado puro mostre-se que o comutante de πρ (A) é trivial, ou seja, que [πρ (A)]0 = CIHρ . Para tal considere-se T ∈ L(Hρ ) tal que T 6= 0, T 6= IHρ , 0 ≤ T ≤ IHρ e T ∈ [πρ (A)]0 e definam-se em A os funcionais lineares θ1 : A → C, a 7→ hT πρ (a)ξρ , ξρ iρ , θ2 : A → C, a 7→ h(IHρ − T )πρ (a)ξρ , ξρ iρ , onde ξρ = e + Lρ é o vector cı́clico da representação (Hρ , πρ ). Para qualquer a ∈ A, θ1 (a∗ a) = hT πρ (a∗ a)ξρ , ξρ iρ = hπρ (a∗ a)T ξρ , ξρ iρ = hπρ (a)T ξρ , πρ (a)ξρ iρ = hT πρ (a)ξρ , πρ (a)ξρ iρ ≥ 0, o que permite concluir que θ1 é um funcional linear positivo. Analogamente se prova que θ2 é um funcional positivo. Atendendo a que ρ = θ1 + θ2 , então kθ1 k + kθ2 k = θ1 (e) + θ2 (e) = ρ(e) = kρk = 1, 30 CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ com kθ1 k = 6 0 e kθ2 k = 6 0 já que T 6= 0 e T 6= IHρ . Consequentemente, ρ = θ1 + θ2 = kθ1 k(kθ1 k−1 θ1 ) + kθ2 k(kθ2 k−1 θ2 ), com kθ1 k−1 θ1 e kθ2 k−1 θ2 estados em A. Como os estados puros de A são pontos extremos de EA , o conjunto dos estados em A, então ρ = kθ1 k−1 θ1 ⇔ θ1 = kθ1 kρ. Assim, de acordo com a definição de θ1 , hT πρ (a)ξρ , ξρ iρ = θ1 (a) = kθ1 kρ(a) = hkθ1 kπρ (a)ξρ , ξρ iρ , para todo o a ∈ A. Consequentemente, resulta da definição de πρ e do facto de T ∈ [πρ (A)]0 que, para quaisquer a, b ∈ A, hT (a + Lρ ), b + Lρ iρ = hT πρ (a)ξρ , πρ (b)ξρ iρ = hT πρ (b∗ a)ξρ , ξρ iρ = hkθ1 kπρ (b∗ a)ξρ , ξρ iρ = hkθ1 kπρ (a)ξρ , πρ (b)ξρ iρ = hkθ1 kI(a + Lρ ), b + Lρ iρ , o que permite concluir, dado que A/Lρ é denso em Hρ , que T = kθ1 kIHρ ∈ CIHρ . Ora, sendo T ∈ L(Hρ ) um operador positivo tal que T 6= 0 e T ∈ [πρ (A)]0 , escolhendo K > 0 suficientemente grande tem-se que TK = K1 T satisfaz TK 6= 0, TK 6= IHρ , 0 ≤ TK ≤ I e TK ∈ Com(πρ (A)). O parágrafo anterior permite então garantir que positivos pertencentes a TK ∈ CIHρ , ou seja, que T ∈ CIHρ . Se todos os operadores p3 0 [πρ (A)] estão em CIHρ então, com auxı́lio da Proposições ??, conclui-se que qualquer Cap3:76 operador hermitiano em [πρ (A)]0 ainda está em CIHρ e usando a Proposição ?? o resultado estende-se a todos os operadores de [πρ (A)]0 . Tem-se assim que [πρ (A)]0 ⊂ CIHρ , ou seja, Com(πρ (A)) = CIHρ e a reprepresentação (Hρ , πρ ) é, de acordo com a t15 Proposição 4.2.2, uma representação irredutı́vel. Reciprocamente, suponha-se que (Hρ , πρ ) é uma representação irredutı́vel, ou seja, admita-se que Com(πρ (A)) = CIHρ e prove-se que ρ é um estado puro em A. Considerese então w um funcional linear positivo tal que ρ ≥ w. Cap3:35 De acordo com o Lema 4.2.10, existe Tρ,w ∈ L(Hρ ) tal que 0 ≤ Tρ,w ≤ IHρ , T ∈ [πρ (A)]0 e satisfaz, para qualquer a ∈ A, w(a) = hTρ,w πρ (a)ξρ , ξρ iρ . 4.2. REPRESENTAÇÕES. CONSTRUÇÃO DE GELFAND-NAIMARK-SEGAL 31 Se Tρ,w ∈ [πρ (A)]0 então Tρ,w = λIHρ com λ ∈ C. Dado que 0 ≤ T ≤ IHρ então λ ∈ [0, 1] tendo-se, para qualquer a ∈ A, w(a) = hT πρ (a)ξρ , ξρ iρ = hλπρ (a)ξρ , ξρ iρ = λhπρ (a)ξρ , ξρ iρ = λρ(a). O estado ρ é então um estado puro em A e o resultado esta estabelecido. Cap3:36 Cap4:10 Deduz-se do Teorema 4.2.11 e da Proposição 4.2.7 que caso se pretenda obter um estado puro em A, basta para tal considerar um coeficiente de uma representação irredutı́vel A associado a um elemento unitário do espaço de representação: CorXX Corolário 4.2.12. Se A é uma álgebra C ∗ com unidade e (H, π) é uma sua repre- sentação irredutı́vel então, para qualquer ξ ∈ H com kξkCap4:6 = 1, o coeficiente da representação π associado ao elemento ξ, definido como em (4.16) por ρπ,ξ : A → C, a 7→ hπ(a)ξ, ξi, é um estado puro em A. Termina-se a secção com uma das consequências mais importantes do Teorema 4.2.11. Numa álgebra C ∗ comutativa com unidade os estados puros e os funcionais lineares multiplicativos não nulos estão relacionados, tendo-se que: Cap3:36 t20 Proposição 4.2.13. Se A é uma álgebra C ∗ comutativa e com unidade então PA = MA , ou seja, o conjunto dos estados puros em A coincide com o conjunto dos funcionais lineares multiplicativos não nulos de A. Cap3:36 Dem. Sendo ρ ∈ PA , resulta do Teorema 4.2.11 que (Hρ , πρ ) é uma representação t15 irredutı́vel. Da Proposição 4.2.2 tem-se que [πρ (A)]0 = CIHρ e dado que A é comutativa então πρ (A) ⊆ [πρ (A)]0 = CIHρ . Para quaisquer a, b ∈ A existem assim constantes λ, β ∈ C tais que πρ (a) = λIHρ e πρ (b) = βIHρ . Consequentemente, dado que hξρ , ξρ iρ = 1, ρ(ab) = hπρ (ab)ξρ , ξρ iρ = hπρ (a)πρ (b)ξρ , ξρ iρ = hλβξρ , ξρ iρ = λhβξρ , ξρ iρ = λhξρ , ξρ iρ hβξρ , ξρ iρ = hπρ (a)ξρ , ξρ iρ hπρ (b)ξρ , ξρ iρ = ρ(a)ρ(b). 32 CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ e ρ é assim um funcional multiplicativo não nulo. Suponha-se agora que ρ ∈ MA e considere-se w um qualquer funcional linear positivo tal que ρ ≥ w. Sendo a ∈ Ker ρ então ρ(a∗ a) = 0 e w(a∗ a) = 0 e, da desigualdade de Cauchy-Schwartz, |w(a)|2 ≤ w(a∗ a)w(e), pelo que a ∈ Ker w. Tem-se que Ker ρ ⊆ Ker w e sendo a0 ∈ A \ {0} um elemento tal que ρ(a0 ) = 1, então a − ρ(a)a0 ∈ Ker ρ ⊆ Ker w, logo w(a) = w(a0 )ρ(a), a ∈ A. Fazendo λ = w(a0 ) tem-se então que w = λρ. Dado que ρ(a0 ) = 1, da multiplicatividade de ρ tem-se que ρ(a∗0 a0 ) = 1, e a condição 0 ≤ w(a∗0 a0 ) ≤ ρ(a∗0 a0 ) = 1 implica 0 ≤ w(a∗0 a0 ) = λρ(a∗0 a0 ) = λ ≤ 1. Assim se conclui que os únicos funcionais lineares positivos majorados por ρ são do tipo λρ, com λ ∈ [0, 1], ou seja, ρ ∈ PA . 4.2.5 Extensões e restrições de representações Atendendo à importância na teoria geral de representações, aborda-se nesta secção os problemas de extensão e de restricção de representações em álgebras C ∗ . Sendo A uma álgebra C ∗ e (H, π) uma sua representação, é claro que se B designar uma subálgebra C ∗ de A e X um subespaço fechado de H invariante para o conjunto π(B), ou seja, tal que π(b)X ⊂ X para qualquer b ∈ B, então a aplicação πB,X : B → L(X), b 7→ π(b)|X , (4.22) Cap4:tt onde π(b)|X designa a restrição do operador π(b) ao espaço X, define uma representação da álgebra B no espaço de Hilbert X. À representação (X, πB,X ) chama-se subrepresentação de (H, π) associada à subálgebra B e ao espaço de Hilbert X. Quando A = B escreve-se, por simplicidade de notação, πB,X = πX e (X, πB,X ) = (X, πX ). Quando X = H escreve-se πB,X = πB e (X, πB,X ) = (X, πB ). Naturalmente dize-se que a resentação (H, π) é uma extensão de (X, πB,X ). 4.2. REPRESENTAÇÕES. CONSTRUÇÃO DE GELFAND-NAIMARK-SEGAL 33 Saliente-se que nem sempre a existência de uma representação de uma subálgebra C de A se pode estender a uma representação da álgebra A. Fornecer condições suficientes e entender em que sentido tal extensão existe é o objectivo desta secção. Comece-se por com seguinte resultado: ∗ Cap4:33 Teorema 4.2.14. Sejam A uma álgebra C ∗ , J um ideal bilateral fechado de A e (H, πJ ) uma representação não-degenerada de J . Então existe uma única representação (H, π) de A que estende (H, πJ ) e satisfaz a ∈ A, b ∈ J . π(a)πJ (b) = πJ (ab), (4.23) Cap4:28 Dem. Comece-se por observar que uma vez que J é umCap4:28 ideal bilateral de A então qualquer extensão (H, π) de (H, πJ ) satisfaz a condição (4.23). Efectivamente, para quaisquer a ∈ A e b ∈ J , π(a)πJ (b) = π(a)π(b) = π(ab) = πJ (ab), pois ab ∈ J . Analise-se de seguida a existência e a unicidade dessa extensão. Suponha-se que (H, πJ ) é uma representação cı́clica e seja ξ0 ∈ H um seu vector cı́clico. Fixando a ∈ A, prova-se a seguir que existe um operador π(a) ∈ L(H) tal que para qualquer b ∈ J , se tem π(a)πJ (b) = πJ (ab). (4.24) Cap4:26 Para tal considere a aplicação linear πJ (b)ξ0 7→ πJ (ab)ξ0 , b ∈ J, (4.25) Cap4:27 Cap3:55 e seja {eα } uma aproximação da unidade em J (ver Teorema ??). Para qualquer b ∈ J tem-se que keα b − bk → 0, o que implica α kπJ (ab)ξ0 − πJ (aeα b)ξ0 k → 0. α Assim, kπJ (ab)ξ0 k = limkπJ (aeα b)ξ0 k ≤ supkπJ (aeα b)ξ0 k α α ≤ supkπJ (aeα )kkπJ (b)ξ0 k ≤ supkakkeα kkπJ (b)ξ0 k ≤ kakkπJ (b)ξ0 k, α α Cap4:27 e dado que πJ (J )ξ0 = H, então a aplicação linear em (4.25) admite uma única extensão Cap4:27 a um operador linear limitado π(a) ∈ L(H) com kπ(a)kCap4:26 ≤ 1. De acordo com (4.25) é fácil verificar que operador π(a) satisfaz a igualdade (4.24) para os vectores z ∈ H 34 CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ Cap4:26 da forma z = πJ (c)ξ0 , com c ∈ J . Por densidade conclui-se que a igualdade (4.24) é verdadeira para qualquer elemento de H. A aplicação π : A → L(H), a 7→ π(a), Cap4:28 satisfaz assim a condição (4.23). Como consequência, para quaisquer c, b ∈ J tem-se π(c)πJ (b)ξ0 = πJ (cb)ξ0 = πJ (c)πJ (b)ξ0 , c ∈ J, pelo que π(c) = πJ (c), uma vez que ξ0Cap4:26 é vector cı́clico de (H, πJ ), sendo π uma extesão do homorfismo-∗ πJ . A condição (4.24) permite ainda garantir que π preserva as operações algébricas e a involução em A e assim (H, π) é uma extensão da representação (H, πJ ). Sendo π e : A → L(H) um outro homomorfismo-∗ que satisfaça π e(a)πJ (b) = πJ (ab) para quaisquer a ∈ A, b ∈ J , então π e(a)πJ (b)ξ0 = πJ (ab)ξ0 = π(a)πJ (b)ξ0 , tendo-se π(a) = π e(a) para qualquer a ∈ A. O homomorfismo-∗ π é assim o único Cap4:28 homomorfismo-∗ que estende πJ e satisfaz (4.23). Cap4:29 No caso de (H, πJ ) ser não-degenerada, de acordo com o Teorema 4.2.3 a representação (H, πJ ) é a soma directa de representações cı́clicas, (H, πJ ) = (⊕α Hα , ⊕α πJ ,α ). Para cada representação cı́clica (Hα , πJCap4:28 ,α ) existirá então uma única extensão (Hα , πα ) satisfazendo uma condição análoga a (4.23) e (H, π) := (⊕α Hα , ⊕α πα ) será a extensão de (H, πJ ) referida no enunciado da proposição. Considere agora que (H, π) é uma representação da álgebra C ∗ A e que J é um ideal bilateral fechado de A. Seja HJ := [π(J )H] ⊂ H, (4.26) Cap4:30 o subespaço de H gerado pelo conjunto π(J )H := {π(j)ξ : j ∈ J , ξ ∈ H}, que é Cap4:tt invariante para o conjunto π(A). Defina-se como em (4.22) o homomorfismo-∗ πJ ,HJ : J → L(HJ ), b 7→ π(b)|J . (4.27) Cap4:31 (HJ , πJ ,HJ ) constitui a subrepresentação de (H, π) associada à subalgebra J e ao espaço de Hilbert HJ . Tem-se o seguinte resultado: Cap4:34 Proposição 4.2.15. Sejam A uma álgebra C ∗ e J um seu ideal bilateral fechado. (i) Se (H, π) é uma representação irredutı́vel de ACap4:30 tal queCap4:31 π(J ) 6= {0}, então a subrepresentação (HJ , πJ ,HJ ) definida como em (4.26)–(4.27) é também irredutı́vel. Além disso tem-se que π(J )H = HJ = H. 4.2. REPRESENTAÇÕES. CONSTRUÇÃO DE GELFAND-NAIMARK-SEGAL 35 (ii) Se (H, πJ ) é uma representação irredutı́vel de J então a sua extensão única à algebra A é também irredutı́vel. Dem. (i) Fixe-se ξ ∈ H com ξ 6= 0. Dado que (H, π) é irredutı́vel, pela Proposição t15 4.2.2 tem-se que π(A)ξ = H. Mostre-se que se tem ainda π(J )ξ = H. Sendo J um ideal bilateral de A é claro que π(J )ξ é um subespaço invariante para π. Dado que (H, π) é irredutı́vel então π(J )ξ = H ou π(J )ξ = {0}. Suponha-se que π(J )ξ = {0}. Nesta situação, dado que J é autoadjunto (ver Cap3F Proposição ??), para qualquer ζ ∈ H e j ∈ J tem-se que hξ, π(j)ζi = hπ(j ∗ )ξ, ζi = h0, ζi = 0, pelo que ξ ⊥ [π(J )H]. Assim, [π(J )H] 6= H e consequentemente [π(J )H] = 0 pois [π(J )H] é também invariante para π(A). Esta conclusão está em contradição com o facto de π(J ) 6= {0} pelo que π(J )ξ = H. Dado que para qualquer ξ ∈ H \ {0}, H = π(J )ξ ⊂ HJ ⊂ H, então HJ = H. Fica assim demonstrado que qualquer vector não nulo de H é cı́clio para t15 a representação (HJ , πJ ,HJ ) = (H, πJ ,H ) que é assim irredutı́vel (Proposição 4.2.2). Finalmente, dados ξ, ζ1 , ζ2 ∈ π(J )H com ξ 6= 0 sabe-se da irredutibilidade de Cap5.www (H, πJ ,H ) (ver Teorema ??) que existe b ∈ J tal que πJ (b)ξ = ζ1 +ζ2 . Este facto permite concluir que π(J )H é um subespaço linear de H. Ora, atendendo a que π(J ) 6= {0} então π(J )H 6= {0} pelo que π(J )H = H, uma vez que π(J )H é invariante para πJ ,H e (H, πJ ,H ) é algebricamente irredutı́vel. Tem-se assim que π(J )H = H. (ii) Seja (H, πJ ) uma representação não nula e irredutı́vel de J . Pela Proposição t15 4.2.2 tem-se que [πJ (J )]0 = CIH . Assim, atendendo a que [π(A)]0 ⊆ [π(J )]0 então [π(A)]0 = CIH , ou seja, (H, π) é uma representação irredutı́vel. Cap4:33 O resultado que se segue vai generalizar o Teorema 4.2.14 ao resolver o problema da extensão de representações partindo-se subálgebras C ∗ de A que não sejam necessariamente ideais bilaterais. Neste caso o espaço de Hilbert da extensão não coincide em geral com o espaço de Hilbert da representação da subálgebra e a extensão tem de ser entendida recorrendo ‘à noção de equivalencia unitária. Cap4:17 Teorema 4.2.16. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e B uma sua subálgebra C ∗ com a mesma unidade. Se (X, πB ) é uma representação não-degenerada de B então existe uma representação não-degenerada (H, π) de A e um subespaço fechado X 0 de H, invariante para π(B), por forma a que a representação (X, πB ) seja unitariamente equivalente à subrepresentação (X 0 , πB,X 0 ). Se (X, πB ) for uma representação cı́clica (irredutı́vel) de B então a representação (H, π) de A pode ser escolhida de modo a ser também (cı́clica) irredutı́vel. 36 CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ Dem. Seja (X, πB ) um representação não-degenerada de B. Comece-se por supor que (X, πB ) é uma representação cı́clica que admite ξ0 ∈ X, com kξ0 k = 1, como vector Cap4:6 cı́clico. Considere-se, definido como (4.16), o coeficiente da representação πB associado ao elemento ξ0 , ρπB ,ξ0 : B → C, b 7→ hπB (b)ξ0 , ξ0 i. Cap4:1 O funcional positivo ρπB ,ξ0 define um estado em B que admite, pelo Corolário 4.1.5, uma extensão ρ a toda a álgebra A satisfazendo kρk = kρπB ,ξ0 k. Defina-se (H, π) := (Hρ , πρ ), onde (Hρ , πρ ) designa a representação de Gelfand-Naimark-Segal associada ao estado ρ. Seja ξρ o vector cı́clico da representação (Hρ , πρ ) e X 0 := πρ (B)ξρ o fecho do subespaço de H = Hρ definido por πρ (B)ξρ := {πρ (b)ξρ : b ∈ B}. É claro que X 0 é invariante para π(B). Seja (X 0 , πB,X 0 ) aCap4:tt subrepresentação de (H, π) associada à subálgebra B e ao 0 espaço de Hilbert X (ver (4.22)). Tem-se que ξρ é um vector cı́clico para (X 0 , πB,X 0 ) e, para qualquer b ∈ B, hπB,X 0 (b)ξρ , ξρ i = hπρ (b)ξρ , ξρ i = ρ(b) = ρπB ,ξ0 (b) = hπB (b)ξ0 , ξ0 i. Cap4:5 Satisfeita a igualdade anterior para qualquer b ∈ B, da Proposição 4.2.4 conclui-se que as representações (X, πB ) e (X 0 , πB,X 0 ) são unitariamente equivalentes. t15 Observe-se que caso (X, πB ) seja irredutı́vel, e portanto ciclica pela Proposição 4.2.2, então o estado ρπB ,ξ0 define um estado puro em B, como foi estabelecido no Corolário CorXX Cap4:2 4.2.12. A Proposição 4.1.12 permite agora supor que o t19 estado ρ, extensão de ρπB ,ξ0 à álgebra A, é um estado puro concluı́ndo-se do Teorema 4.2.11 que (H, π) := (Hρ , πρ ) é irredutı́vel. Cap4:29 Suponha-se agora que (X, πB ) é não-degenerada. Pelo Teorema 4.2.3 tem-se que (X, πB ) é a soma directa, M M (X, πB ) = ( Xα , πB,α ), α∈I α∈I de uma famı́lia {(Xα , πB,α )}α∈I de representações cı́clicas de B. De acordo com o estabelecido atrás, para cada indice α ∈ I existe uma representação cı́clica (Hα , πα ) de A e um subespaço fechado Xα0 de Hα , invariante para πα (B), por forma a que a representação (Xα , πB,α ) seja unitariamente equivalente a (Xα0 , πB,Xα0 ), onde (Xα0 , πB,Xα0 ) designa a subrepresentação de (Hα , πα ) associada à álgebra B e ao espaço de Hilbert Xα0 . Sendo (H, π) a soma directa das representações da famı́lia {(Hα , πα )}α∈I , M M (H, π) := ( Hα , πα ), α∈I α∈I tem-se que (H, π) é não-degenerada, uma vez que todas as representações (Hα , πα ) o são, e o espaço de Hilbert X 0 , L dado pela soma directa dos espaços de Hilbert mutu0 0 0 amente ortogonais Xα , X := α∈I Xα , é invariante para π(B). Representando por 4.3. CLASSES DE ÁLGEBRAS C ∗ 37 (X 0 , πB,X 0 ) a subrepresentação de (H, π) associada à subálgebra B e ao espaço de Hilbert X 0 , tem-se que M M (X 0 , πB,X 0 ) = ( Xα , πB,α ), α∈I α∈I e facilmente se conclui que (X, πB ) é unitariamente equivalente a (X 0 , πB,X 0 ). Cap4:17 Saliente-se que um resultado análogo Teorema 4.2.16 pode ser estabelecido para o caso de álgebras sem unidade, seguindo a demonstração do resultado uma orientação análoga à apresentada anteriormente. 4.3 4.3.1 Classes de Álgebras C ∗ Álgebras CCR e GCR Seja L(H) a usual álgebra C ∗ dos operadores lineares limitados definidos num espaço de Hilbert H e K(H) o subconjunto de L(H) constituı́do pelos operadores compactos em H. Recorde que um operador T ∈ L(H) se diz compacto quando for compacto o conjunto T (B0,1 ) ⊂ H com B0,1 = {ξ ∈ H : kξk < 1} ou, equivalentemente, quando para qualquer sucessão limitada (ξn ) em H a sucessão (T ξn ) tem uma subsucessão convergente em H. Algumas propriedades importantes dos operadores compactos resumem-se a seguir. Proposição 4.3.1. Seja H um espaço de Hilbert. Tem-se que: (i) Se T1 , T2 ∈ K(H) e α, β ∈ C então αT1 + βT2 ∈ K(H); (ii) Se T ∈ K(H) então ST ∈ K(H) e T S ∈ K(H), para todo S ∈ L(H); (iii) T ∈ K(H) se e só se T ∗ ∈ K(H); (iv) Se (Tn ) é uma sucessão em K(H) e T ∈ L(H) tal que kTn − T k → 0, então T ∈ K(H). O conjunto dos operadores compactos K(H) é assim um ideal bilateral fechado e autoadjunto de L(H) e consequentemente uma subálgebra C ∗ de L(H). Tem-se ainda que K(H) não tem ideais não triviais, sendo portanto uma álgebra simples, admitindo como subalgebra densa o conjunto CF (H) dos operadores de caracterı́stica finita em L(H), ou seja, o conjunto dos operadores T ∈ L(H) tais que dim (Im T ) < ∞ (CF (H) é gerado pelo conjunto dos operadores de projecção unidiMu1990 mensionais de L(H), ver e.g. [?]). 38 CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ As álgebras CCR (completely continuous representations) e as álgebras GCR (generalized continuous representations) são exemplos de álgebras C ∗ cuja caracterização é feita recorrendo às suas representações irredutı́veis em espaços de Hilbert H e ao ideal dos operadores compactos K(H). Definição 4.3.1. Sendo A uma álgebra C ∗ , diz-se que A é uma álgebra CCR ou liminal se toda a sua representação irredutı́vel (H, π) satisfaz π(A) ⊆ K(H). (4.28) Cap4:23 Saliente-se que na definição de álgebra CCR surge muitas vez na literatura a Cap4:23 condição (4.28) substituı́da pela condição π(A) = K(H). De facto pode provar-se que dada uma representação irredutı́vel (H, π), se o homomorfismo-∗ não nulo π : A → averson1976 L(H) satisfaz π(A) ∩ K(H) 6= {0} então K(H) ⊆ π(A), [?]. Apresentam-se em seguida alguns exemplos de álgebras CCR começando por notar que caso H seja um espaço de Hilbert de dimensão infinita então álgebra L(H) não é uma álgebras CCR uma vez que identidade id : L(H) → L(H) define uma representação irredutı́vel de L(H) que não satisfaz a condição id(L(H)) ⊆ K(H). Exemplo 4.3.1. Se A é uma álgebra C ∗ comutativa e com unidade então A é uma álgebra CCR. Efectivamente, se (H, π) é uma representação irredutı́vel de A então [π(A)]0 = CIH e como A é comutativa então π(A) ⊆ [π(A)]0 . Se (H, π) não tem subespaços invariantes não triviais então dim (H) = 1 tendo-se π(A) = L(H) = K(H). Exemplo 4.3.2. Se A é uma álgebras C ∗ de dimensão finita então A é CCR. De facto, sendo (H, π) uma representação irredutı́vel de A e ξ ∈ H um elemento não nulo então π(A)ξ = H. Assim, dim π(A) < ∞ implica que dim H < ∞ pelo que π(A) ⊆ L(H) = K(H). Exemplo 4.3.3. Sendo H um espaço de Hilbert então a álgebra C ∗ dos operadores compactos K(H) é uma álgebra CCR. Efectivamente tem-se que qualquer ree π) de K(H) é unitariamente equivalente à representação presentação irredutı́vel (H, (K(H), id), onde id : K(H) → L(H) designa a injecção canónica de K(H) em L(H), averson1976 e e K(H) é CCR. [?]. Assim, dado que id(K(H)) ⊂ K(H) então π(K(H)) ⊂ K(H) Uma representação (H, π) de uma álgebra C ∗ diz-se de dimensão finita sempre que for finita a dimensão do espaço de Hilbert H. Para as algebras CCR com unidade tem-se o seguinte resultado: Proposição 4.3.2. As representações irredutı́veis de uma álgebra CCR com unidade são representações de dimensão finita. 4.3. CLASSES DE ÁLGEBRAS C ∗ 39 Dem. Sendo A uma álgebra CCR com unidade e (H, π) uma sua representação não nula e irredutı́vel então π(A) ⊆ K(H). Como (H, π) é também uma representação Cap4Id não-degenerada, de acordo com a observação que precede a Proposição 4.2.1 tem-se que π(e) = IH , ou seja, IH ∈ K(H), o que acontece apenas quando dim(H) é finita. Como se verá a seguir, sendo A uma álgebra CCR então todas as suas subálgebras C ∗ bem como todas as suas álgebras quociente, obtidas por ideias bilaterais fechados, são ainda álgebras CCR. Cap4:20 Teorema 4.3.3. Toda a subálgebra C ∗ de uma álgebra CCR é ainda CCR. Dem. Sejam A uma álgebra CCR, B uma sua subálgebra C ∗ e (X, πB ) uma representação irredutı́vel de B. Verifique-se de seguida que πB (B) ⊆ K(X). Cap4:17 De acordo com o Teorema 4.2.16, existe uma representação irredutı́vel (H, π) de A e um subespaço fechado X 0 de H tal que (X, πB ) é unitariamente equivalente a (X 0 , πB,X 0 ). Como A é uma álgebra CCR então π(A) ⊆ K(H), o que permite concluir que πB,X 0 (B) ⊆ K(X 0 ), pois a restrição de operadores compactos é ainda um operador compacto. Assim se garante que πB (B) ⊆ K(X), uma vez que (X, πB ) é unitariamente equivalente a (X 0 , πB,X 0 ). Cap4:21 Teorema 4.3.4. Se A é uma álgebra CCR e J é um ideal bilateral fechado de A então a álgebra C ∗ quociente A/J é uma álgebra CCR. Dem. Seja ΦJ : A → AJ o homomorfismo canónico de A em AJ := A/J e (H, π) uma representação não nula e irredutı́vel de A/J . Seja πΦJ : A → L(H) o homomorfismo-∗ que torna comutativo o diagrama ΦJ A .............................................................AJ ..... ... ..... ... ..... ... ..... ... ..... ..... ... ..... ... ..... ... ..... ... ..... ..... ... ..... .. ..... ...... .......... . . ....... πΦJ π L(H) ou seja, πΦJ := π ◦ ΦJ . Sendo (H, π) uma representação irredutı́vel de AJ então é claro (H, πΦJ ) é uma representação irredutı́vel de A tendo-se πΦJ (A) ⊆ K(H), pois A é CCR. Assim, π(A/J ) = πΦJ (A) ⊆ K(H) e A/J é uma álgebra CCR. O resultado seguinte mostra que toda a álgebra C ∗ tem uma ”parte”que é uma álgebra CCR. 40 CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ CCR Teorema 4.3.5. Seja A uma álgebra C ∗ com unidade. Representando por R(A) o conjunto de todas as representações irredutı́veis de A, para qualquer representação (H, π) ∈ R(A) seja n o Cπ := a ∈ A : π(a) ∈ K(H) . Então o conjunto CCR(A) := \ Cπ (H,π)∈R(A) define um ideal bilateral fechado de A, constitui uma álgebra CCR e é o maior ideal bilateral fechado de A nestas condições. Dem. Que J := CCR(A) define um ideal bilateral fechado de A é consequência do facto de serem contı́nuas as representaçõess de álgebras C ∗ e ser fechado o ideal dos operadores compactos num dado espaço de Hilbert. Mostre-se então que J é uma álgebra CCR.Cap4:33 Para tal fixe-se uma representação irredutı́vel (H, πJ ) de J . Atendendo Cap4:34 à Proposição 4.2.14 e à condição (ii) da Proposição 4.2.15, existe uma representação irredutı́vel (H, π) de A que é extensão da representação (H, πJ ). Assim, por definição da álgebra J , e dado que (H, π) é irredutı́vel, tem-se que π(J ) ⊆ K(H), ou seja, πJ (J ) ⊆ K(H). Finalmente considere-se I um ideal bilateral fechado de A que seja CCR e mostrese que I ⊆ J , ou seja, que para toda a representação irredutı́vel (H, π) de A se tem que π(I) ⊆ K(H). Fixe-se (H, π) uma representação irredutı́vel de A e considere-se (HI , πI ), com H I := π(I)H, a representação irredutı́vel de I referida na condição (i) Cap4:34 do Proposição 4.2.15. Como I é CCR, πI (I) ⊆ K(HI ). Assim, dado que para b ∈ I o operador πI (b) é compacto em HI se e só se π(b) é compacto em H, uma vez que π(J )(HJ⊥ ) = {0}, obtém-se como pretendido que π(I) ⊆ K(H). Saliente-se que não se garante no teorema anterior que o ideal CCR(A) seja diferente de {0}. No entanto, caso existam ideais bilaterais fechados CCR então os mesmos estarão contidos em CCR(A) que é constituı́do pelos elementos de A cujas imagens por todas as representações irredutı́veis são sempre operadores compactos. Surge a seguinte definição: Definição 4.3.2. Sendo A uma álgebra C ∗ , diz-se que A é anti-liminal se A não tem ideias bilaterais fechados não nulos que sejam CCR, ou seja, se CCR(A) = {0}. O facto de uma álgebra C ∗ A admitir ideais bilaterais fechados J , não nulos, tais que J e A/J sejam CCR não implica que A seja também uma álgebra CCR (ver Cap4:22 Exercı́cio 4.15). No entanto, para a classe de álgebras que se definem a seguir, e que generalizam a noção de álgebra CCR, a relação com os seus ideais bilaterias fechados e as correspondentes álgebras quociente é mais estrita. 4.3. CLASSES DE ÁLGEBRAS C ∗ 41 Definição 4.3.3. Sendo A uma álgebra C ∗ , diz-se que A é uma álgebra GCR ou pós-liminal, se toda a sua representação irredutı́vel (H, π) satisfaz K(H) ⊆ π(A). (4.29) Cap4:24 Observe-se que de acordo com a nota que precede a definição das álgebras CCR, a Cap4:24 condição (4.29) é equivalente à condição π(A) ∩ K(H) 6= {0}. Claramente toda a álgebra CCR é também GCR. As álgebras GCR surgem por vezes na literatura definidas como aquelas álgebras C ∗ cujos quocientes A/J , com J = 6 A ideal bilateral fechado, satisfazem CCR(A/J ) 6= {0}, ou seja, admitem ideais Dix1977 bilaterais fechados não nulos que são CCR, [?]. Teorema 4.3.6. Sejam A uma álgebra C ∗ e J um seu ideal bilateral fechado. São equivalentes as seguintes proposições: (i) A é uma álgebra GCR; (ii) J e A/J são álgebras GCR. Dem. (i) ⇒ (ii). Sendo A uma álgebra GCR considere-se (H, πJ ) uma representação irredutı́vel de J e (H, π) a sua extensão única à álgebra A. Da condição (ii) da ProCap4:34 posição 4.2.15 tem-se que (H, π) é irredutı́vel e como A é GCR então K(H) ⊆ π(A). Mostre-se a seguir que se tem ainda K(H) ⊆ πJ (J ). Fixe-se ξ ∈ H um elemento não nulo e seja Pξ : H → Cξ o operador de projecção de H em Cξ := {λξ : λ ∈ C}. Como Pξ ∈ K(H) ⊆ π(A) então existe a ∈ A tal que Pξ = π(a). Como (H, πJ ) é irredutı́vel e ξ 6= 0 então π(J )ξ = π(J )ξ = H. Seja b ∈ J tal que ξ = πJ (b)ξ. Tem-se que Pξ ξ = ξ = πJ (b)ξ = πJ (b)Pξ ξ, logo Pξ = πJ (b)Pξ e consequentemente, Pξ = πJ (b)Pξ = πJ (b)π(a) = π(ba) = πJ (ba), pois ba ∈ J . Assim Pξ = πJ (c) para algum c ∈ J pelo que Pξ ∈ πJ (J ). Como consequência, πJ (J ) ∩ K(H) 6= {0} ou, equivalentemente, K(H) ⊆ πJ (J ). O ideal J é assim uma álgebra GCR. Quanto à álgebra A/J considere-se (H, π) uma sua representação irredutı́vel. Seja (H, πΦ) a representação irredutı́vel de A onde Φ : A → A/J é o homomorfismo canónico de A em A/J e πΦ := π ◦ Φ. Tem-se que πΦ 6= 0, pois π 6= 0 e como A é GCR, K(H) ⊆ πΦ(A) = π(A/J ), 42 CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ concluı́ndo-se que A/J é também GCR. (ii) ⇒ (i). Suponha-se agora que J e A/J são algebras GCR e considere-se (H, π) uma qualquer representação irredutı́vel, não nula, de A. Suponha-se que Ker π ⊇ J . Nesta situação, a aplicação Ψ : A/J → L(H) definida por Ψ(a + J ) = π(a) constitui um homomorfismo-∗ que satisfaz π = Ψ ◦ Φ, com Φ : A → A/J o homomorfismo canónico de A em A/J . A representação (H, Ψ) é não nula, pois π 6= 0, e é irredutı́vel uma vez que [Ψ(A/J )]0 = [Ψ ◦ Φ(A)]0 = [π(A)]0 = CI. Como A/J é algebra GCR, então K(H) ⊆ Ψ(A/J ) = π(A), o que permite concluir que A é também uma álgebra GCR. Suponha-se que Ker πCap4:30 + J . Cap4:31 Seja (K, πJ ), com HJ := π(J )H, a representação de J definida como em (4.26)–(4.27). Como π(J ) 6= {0}, segue da condição (i) da Cap4:34 Proposição 4.2.15 que (HJ , πJ ) constitui uma representação irredutı́vel de J . Como J é uma álgebra GCR então K(HJ ) ⊆ πJ (J ). Dado que para um elemento b ∈ J o operador π(b) é compacto em H se e só se πJ (b) é compacto em HJ então, existe b ∈ J tal que πJ (b) é um operador compacto e não nulo em HJ , ou seja, tal que π(b) é um operador compacto, não nulo, em H. Assim, K(H) ∩ π(A) 6= {0} o que permite concluir que também neste caso A é GCR. Se (H1 , π1 ) e (H2 , π2 ) são duas representações unitariamante equivalentes de uma álgebra C ∗ , é óbvio que Ker π1 = Ker π2 . A recı́proca da afirmação anterior não é em geral satisfeita, mesmo para as representações irredutı́veis. O espectro de uma álgebra C ∗ , ou seja, o conjunto das suas representações irredutı́veis não nulas, reflecte a estrutura da álgebraCL5 com maior precisão que os seus núcleos. Recorde-se que de acordo com o Teorema ?? os núcleos das representações irredutı́veis não nulas de uma álgebra de Banach são os ideais primitivos da álgebra. Para as álgebras GCR o conhecimentos dos seus ideais primitivos permite caracterizar o espectro da álgebra. Teorema 4.3.7. Se A é uma álgebra GCR e (H1 , π1 ) e (H2 , π2 ) são duas representações irredutı́veis de A, então (H1 , π1 ) e (H2 , π2 ) são unitariamente equivalentes se e só se Ker π1 = Ker π2 . Dem. Se as representações (H1 , π1 ) e (H2 , π2 ) são unitariamente equivalentes então Ker π1 = Ker π2 . 4.3. CLASSES DE ÁLGEBRAS C ∗ 43 Reciprocamente, suponha-se que Ker π1 = Ker π2 . Nestas condições a aplicação Ψ : π1 (A) → π2 (A), π1 (a) 7→ π2 (a), com a ∈ A, constitui um isomorfismo-∗. Por hipótese, como A é GCR, então K(H1 ) ⊆ π1 (A) e K(H2 ) ⊆ π2 (A). Mostre-se em seguida que Ψ(K(H1 )) ⊆ K(H2 ). Fixe-se ξ ∈ H1 um elemento não nulo e considere-se a projecção Pξ de H1 sobre o subespaço Cξ := {λξ : λ ∈ C}. Tem-se, Pξ L(H1 )Pξ = CPξ := {λPξ : λ ∈ C}, e como consequência Qξ := Ψ(Pξ ) define um operador de projecção que satisfaz Qξ K(H2 )Qξ ⊆ Qξ π2 (A)Qξ = Qξ Ψ(π1 (A))Qξ ⊆ Ψ(Pξ L(H)Pξ ) = Ψ(CPξ ) = CQξ , o que implica que dim (Im Qξ ) = 1. Dado que o fecho do espaço linear gerados pelas projeções unidimensionais coincide com o ideal dos operadores compactos, tem-se Ψ(K(H1 )) ⊆ K(H2 ), verificando-se por simetria também a inclusão contrária. A restrição Ψ : K(H1 ) → K(H2 ), é pois um isomorfismo-∗Mu1990 e nestas condições, da teoria geral dos operadores compactos em espaços de Hilbert, [?], sabe-se que existe um operador unitário U : H1 → H2 tal que para qualquer V ∈ K(H1 ) Ψ(V ) = U V U ∗ . Mostre-se por fim que as representações (H1 , π1 ) e (H2 , π2 ) são unitariamente equivalentes. Sejam a ∈ A e W ∈ K(H2 ). Então existem V ∈ K(H1 ) e b ∈ A tais que V = π1 (b) e Ψ(V ) = W. Dado que π1 (a)V ∈ K(H1 ), pois K(H1 ) é um ideal bilateral de L(H1 ), tem-se Ψ(π1 (a))Ψ(V ) = Ψ(π1 (a)π1 (b)) = Ψ(π1 (ab)) = U π1 (ab)U ∗ = (U π1 (a)U ∗ )(U π1 (b)U ∗ ) = (U π1 (a)U ∗ )(U V U ∗ ) = (U π1 (a)U ∗ )Ψ(V ), 44 CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ o que tem como consequência que π2 (a) = Ψ(π1 (a)) = U π1 (a)U ∗ , para a ∈ A. Assim se garante a equivalência unitária das representações (H1 , π1 ) e (H2 , π2 ). CCS Depois de estabelecido o Teorema ??, que garante a existência de uma subálgebra CCR em qualquer álgebra C ∗ , termina-se esta secção salientando que toda a álgebra C ∗ admite também uma ”parte”que é GCR. Efectivamente, Teorema 4.3.8. Se A é uma álgebra C ∗ , então existe em A um ideal bilateral fechado GCR(A) que constitui o maior ideal bilateral de A que é GCR, e o menor ideal bilateral Dix1977 de A tal que A/GCR(A) é anti-liminal, [?]. 4.3.2 Álgebras C ∗ universais. Algebra de Cuntz. Álgebra de rotação. Álgebra de Toeplitz Seja A uma álgebra C ∗ , G = {ai : i ∈ Ω} um conjunto de elementos de A e R um conjunto de relações particulares, envolvendo os elementos de G e os seus adjuntos, da forma kp(ai1 , ai2 , ..., ain , a∗i1 , a∗i2 , ..., a∗in )k ≤ η, onde p é um polinómio de coeficientes complexos nas variáveis ai1 , ai2 , ..., ain , a∗i1 , a∗i2 , ..., a∗in , em que ai1 , ai2 , ..., ain ∈ G e η ≥ 0. Considere C ∗ (G, R) a subálgebra C ∗ de A gerada pelos elementos de G que satisfazem as relações de R. Diz-se que C ∗ (G, R) é uma álgebra C ∗ universal (para as relações de R) se qualquer álgebra C ∗ , C, gerada por um conjunto da forma Ge = {bi : i ∈ Ω} e cujos elementos verifiquem as relações de R é isometricamente isomorfa a C ∗ (G, R) existindo um único isomorfismo Ψ : C ∗ (G, R) → C tal que Ψ(ai ) = bi para qualquer i ∈ Ω. O objectivo desta secção é apresentar algumas das classes mais importantes de álgebras C ∗ universais. Seja A uma álgebra C ∗ com unidade e G = {s1 , s2 , ..., sn } um conjunto com n ≥ 2 elementos de A satisfazendo as relações ( n ) X R = {s∗i si = e : 1 ≤ i ≤ n} ∪ si s∗i = e . i=1 Definição 4.3.4. A álgebra universal C ∗ (G, R), gerada pelas n isometrias s1 , s2 , ..., sn que têm por soma a unidade de A, designa-se por álgebra de Cuntz e representa-se por On . 4.3. CLASSES DE ÁLGEBRAS C ∗ 45 A álgebra de Cuntz On é assim uma álgebra C ∗ com unidade. Além disso é infinita e simples. Sendo H um espaço de Hilbert separável e S1 , S2 ,..., Sn isometrias em L(H) cujos contradomı́nios sejam dois a dois ortogonais e que satisfaçam a relação S1 S1∗ + S1 S1∗ + ... + Sn Sn∗ = IH , então a álgebra C ∗ ({S1 , S2 , ..., Sn }, R), gerada pelas n isometrias Si , é isometricamente isomorfa à álgebra On , existindo um único isomorfismo Ψ de On sobre C ∗ ({S1 , S2 , ..., Sn } tal que Ψ(si ) = Si , 1 ≤ i ≤ n. Na álgebra de Cuntz On os elementos si satisfazem em particular as condições s∗i si = n X sj s∗j , 1 ≤ i ≤ n. j=1 Uma álgebra C ∗ universal mais geral que a álgebra de Cuntz é a álgebra de CuntzKrieger definida como a álgebra universal gerada por n ≥ 2 isometrias parciais s1 , s2 , ..., sn que satisfazem as relações s∗i si (s∗j sj ) = 0, i 6= j e s∗i si = n X aij sj s∗j , 1 ≤ i ≤ n, j=1 onde A = [aij ]n×n é uma matriz n × n que tem por entradas zeros e uns e onde cada linha tem pelo menos um elemento diferente de zero. Esta álgebra representa-se por OA e caso A seja constituı́da só por uns pode mostrar-se que OA é isometicamente isomorfa a On . Fixando θ ∈ R define-se de seguida a álgebra de rotação Aθ . Definição 4.3.5. Chama-se álgebra de rotação, e representa-se por Aθ , à C ∗ universal gerada por dois elementos unitários u, v satisfazendo a relação vu = e2πiθ uv. Mais geralmente designa-se por torus não comutativo à álgebra universal gerada por n elementos unitários u1 , u2 , ..., un tais que uj uk = e2πiθkj uk uj , θkj ∈ R. As álgebras de rotação constituem modelos naturais para a geometria não comutativa e têm vindo a ser ampliamente estudadas dada a sua aplicação em várias áreas da Fı́sica. Consoante θ seja seja racional ou irracional é possı́vel classificar estas álgebras CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ 46 de acordo com o tipo de ideias que possuem, o tipo de projecções, o tipo de representações irredutı́veis que admitem e o tipo de produto cruzado que representam. Finalmente introduzem-se as álgebras de Toeplitz. Um dos operadores não normais mais importante é o operador de deslocamento unilateral à direita Sd , definido em l2 por Sd (α1 , α1 , ...) = (0, α1 , α2 , ...), (αn ) ∈ l2 . Sd constitui um operador com interessantes propriedades sendo uma isometria não unitária cuja imagem, Im f, define um subespaço fechado de l2 com codimensão 1. Definição 4.3.6. A álgebra de Toeplitz é por definição a álgebra universal T gerada por uma isometria não unitária s (s∗ s = e mas ss∗ 6= e). Sendo K(l2 ) o ideal dos operadores compactos de L(l2 ) e J o ideal de T gerado pelos elementos tij = si−1 (e − ss∗ )(s∗ )j−1 , i, j ≥ 1, pode mostrar-se que K(l2 ) ∼ = J . Assim, dado que T ∼ = C ∗ (Sd ), ou seja, T é isometricamente isomorfa à álgebra C ∗ gerada pelo deslocamento unilateral Sd , então T /J ∼ = C ∗ (Sd )/K(l2 ) ∼ = C(T), onde T := {z ∈ C : |z| = 1}. 4.4 Exercı́cios Exercı́cio 4.1. Seja A uma álgebra C ∗ com unidade. Mostre que se ρ e ϕ são funcionais lineares positivos em A tais que kρk = 1, ρ 6= ϕ e ρ ≥ ϕ, então kϕk ∈]0, 1[. Cap4:1 Considere a Proposição 4.1.5, estabelecido para álgebras C ∗ com unidade. Estabeleça o mesmo resultado para o caso geral onde não se assume que A tenha unidade, ou seja, mostre que se A é uma álgebra C ∗ e B é uma sua subálgebra C ∗ então para qualquer funcional linear positivo ρB em B existe um funcional linear positivo ρA em A que é uma extensão de ρB satisfazendo kρA k = kρB k. Cap4:Cl Exercı́cio 4.2. Exercı́cio 4.3. Seja A uma álgebra C ∗ com unidade. Mostre que se ρ e ϕ são funcionais lineares positivos em A tais que kρk = 1, ρ 6= ϕ e ρ ≥ ϕ, então kϕk ∈]0, 1[. Exercı́cio 4.4. Sejam A uma álgebra C ∗ e (H, π) uma sua representação. Para ξ ∈ H, considere-se o funcional linear definido por ρπ,ξ : A → C, a 7→ hπ(a)ξ, ξi. 4.4. EXERCÍCIOS 47 Mostre que ρπ,ξ é um funcional linear positivo e determine a sua norma. Exercı́cio 4.5. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade, ρ um funcional linear positivo em A e (Hρ , πρ ) a representação de GNS associda a ρ. Mostre que se J é um ideal bilateral tal que J ⊆ Ker ρ então J ⊆ Ker πρ . Exercı́cio 4.6. Seja (H, π) uma representação de uma álgebra C ∗ com unidade. Mostre que são equivalentes as seguintes condições: (i) A representação (H, π) é fiel; (ii) kπ(a)k = kak para todo a ∈ A; (iii) π(a) é positivo e não nulo em L(H) sempre que a seja positivo e não nulo em A. Exercı́cio 4.7. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e (H, π) uma sua representação cı́clica. Sendo ξ0 um vector cı́clio da representação (H, π) e ξ ∈ H tal que \ Ker π(a), ξ∈ a∈A mostre que, para todo o a ∈ A, < π(a)ξ0 , ξ >= 0, e conclua que qualquer representação cı́clica de A é não-degenerada. ∗ e7 Exercı́cio 4.8. Considere A uma álgebra-C com unidade, ρ um funcional linear positivo em A e (Hρ , πρ ) a representação de Gelfand-Naimark-Segal associada a ρ. Supondo que α é um automorfismo-∗ em A tal que ρ(α(a)) = ρ(a) , a ∈ A, e U é o operador unitário U : Hρ → Hρ definido por U (a + Lρ ) = α(a) + Lρ , a ∈ A, mostre que πρ (α(a)) = U πρ (a)U ∗ , a ∈ A. e8 Exercı́cio 4.9. Sejam Γ = {u ∈ C : |u| = 1} e z : Γ → C a transformaçãoRde inclusão. Considere o funcional linear injectivo ρ : C(Γ) → C definido por ρ(f ) = m representa o comprimento de arco de Γ normalizado. f dm onde CAPÍTULO 4. REPRESENTAÇÕES DE ÁLGEBRAS C ∗ 48 a) Mostre que existe um único automorfismo α de C(Γ) tal que α(z) = ei2πθ z , θ ∈ [0, 1]. b) Mostre que para qualquer f ∈ C(Γ) ρ(α(f )) = ρ(f ). c) Mostre que existe uma transformação com unidade v no espaço de Hilbert Hρ tal que para qualquer f ∈ C(Γ) πρ (α(f )) = vπρ (f )v ∗ e que se u = πρ (z) vu = ei2πθ uv. e9 Exercı́cio 4.10. Seja H um espaço de Hilbert e ξ um vector unitário de H. Mostre que o funcional ωx : L(H) → C, T 7→ hT ξ, ξi constitui um estado puro de L(H). Mostre que se H é separável e com dimensão infinita então nem todos os estados puros de L(H) são da forma anterior. Exercı́cio 4.11. Seja H um espaço de Hilbert e K(H) o ideal dos operadores compactos de L(H). (i) Mostre que K(H) é uma subálgebra C ∗ de L(H). (ii) Mostre que K(H) tem unidade se e só se H tem dimensão finita. Exercı́cio 4.12. Recorde que uma álgebra de Banach se diz primitiva se admite uma algprim representação fiel que seja algebricamente irredutı́vel (Definição ??). Mostre que: (i) Se H um espaço de Hilbert então a álgebra dos operadores lineares limitados L(H) é primitiva. (ii) Se A é uma álgebra-C ∗ simples e com unidade então A é uma álgebra C ∗ ; (iii) Uma álgebra C ∗ comutativa e com unidade é primitiva se e só se é isomorfa a C. 4.4. EXERCÍCIOS 49 Exercı́cio 4.13. Sejam X um espaço topológico localmente compacto e C0 (X) a álgebra das funções complexas definidas em X e que se anulam no infinito, na qual se consideram as operações de soma e produto pontuais. Considere-se em C0 (X) a norma kf k∞ = sup|f (x)|, f ∈ C0 (X), x∈X e a involução dada pela conjugação, ∗ : f 7→ f . (i) Justifique que para qualquer função f ∈ C0 (X) é finita a norma kf k∞ . (ii) Mostre que C0 (X) é uma álgebra-C ∗ , que só possui unidade se e só se X é compacto. Exercı́cio 4.14. Seja A um álgebra C ∗ com ou sem unidade. Justifique que sendo J um ideal bilateral de A então existe em J uma aproximação da unidade de J . πJ ,2 (b) = U πJ ,1 (b)U ∗ , b ∈ J. cap4:21 Cap4:22 Exercı́cio 4.15. O Teorema ?? garante que as álgebras quociente de uma álgebra CCR são ainda álgebras CCR. Mostre que o reciproco deste resultado não é em geral válido. Para tal consider H um espaço de Hilbert de dimensão infinita, justifique que a álgebra C ∗ A = K(H) + CI não é CCR mas admite uma subálgebra C ∗ que é CCR. Cap4:40 Exercı́cio 4.16. Sejam H um espaço de Hilbert e K(H) o ideal dos operadores com- pactos de L(H). Mostre que se T ∈ L(H) é um operador tal que T K(H) = {0} então T = 0. Capı́tulo 5 Introdução às álgebras de von Neumann Chap5 Neste capı́tulo vai estudar-se uma classe especial de subálgebras C ∗ de L(H) designadas por álgebras de von Neumann. A teoria das álgebras de von Neumann é vasta e bastante desenvolvida pelo que serão apresentados aqui apenas os conceitos e os resultados básicos de forma a construir uma primeira abordagem harmoniosa desta teoria. Recordadas as topologias forte e fraca de operadores em L(H) define-se álgebra de von Neumann como uma subalgebra C ∗ de L(H) que contém o operador identidade IH e é fortemente fechada (equivalentemente, fracamente fechada). Posteriormente, com o teorema do Bicomutante, é possı́vel substituir a condição topológica da definição das álgebras de von Neumann por uma outra de carácter puramente algébrico podendo as álgebras de von Neumann ser definidas como aquelas subálgebras C ∗ de L(H) que coincidem com o seu bicomutante. O conjunto das projecções de uma álgebra de von Neumannn é vasto, constitui um reticulado completo e o fecho, na norma de operadores, das combinações lineares finitas dessas projecções define a álgebra de von Neumann. O teorema de Kaplansky é também apresentado mostrando-se como o conhecimento da bola unitária fechada de uma subálgebra C ∗ de L(H) permite concluir se a subálgebra é ou não uma álgebra de von Neumann. Como exemplo de uma álgebra de von Neumann comutativa destaca-se a álgebra dos operadores de multiplicação por funções de L∞ (K, dµ), onde K é um espaço Hausdorff compacto e µ é uma medida de Borel finita regular e positiva. Estas álgebras constituem mesmo o modelo para as álgebras de von Neumann comutativas que actuam num espaço de Hilbert separável. Na última secção do capı́tulo define-se no conjunto das projecções de uma álgebra de von Neumann a chamada relação de equivalência de Murray-von Neumann e provase a fórmula de Kaplansky para projecções. Define-se a relação de subordinação entre projecções que vai permite relacionar quaisquer duas projecções numa álgebra de von Neumann por meio das designadas projecções centrais. Finalmente definem-se alguns 1 2 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN tipos de projecções importantes. Surgem assim as projecções finitas, infinitas e abelianas e com o auxı́lio destas noções definem-se os tipos de álgebras de von Neumann existentes. Finalmente mostra-se que toda a álgebra de von Neumann admite uma decomposição única como soma directa de álgebras de von Neumann de tipo I, II1 , II∞ e III. 5.1 Definição de álgebra de von Neumann. Teorema do bicomutante 5.1.1 Topologia forte e fraca em L(H) Seja L(H) a álgebra C ∗ dos operadores lineares limitados definidos num espaço de ss2.6.1 Hilbert H. Tal como apresentado na secção ?? são três as topologias que em geral se consideram definidas em L(H) : a topologia da norma ou topologia uniforme, a topoloCap1.111 gia forte (SOT) e a topologia fraca (WOT) de operadores. Recordadas as Definições??, Cap1.222 Cap1.333 ?? e ??, e dada a importância que as três topologias mencionadas desempenham no actual capı́tulo, estabelecemos nesta secção alguns resultados importantes que as permitem relacionar. Cap1.001 Sendo (Tα ) uma rede de operadores em L(H) e T ∈ L(H), de (??) tem-se que a rede (Tα ) converge para T uniformemente, escrevendo-se Tα → T, se e só se α kTα − T kL(X) → 0, α Cap1.002 por (??) tem-se que a rede (Tα ) converge fortemente T, escrevendo-se Tα → T (SOT), α se e só se, para qualquer x ∈ X, se tem kTα x − T xk → 0, α Cap1.003 e, finalmente de (??) e atendendo ao teorema de representação de Riesz em espaços de Hilbert1 , a rede (Tα ) converge fracamente para T, escrevendo-se Tα → T (WOT) se e α só se, para quaiquer x, y ∈ H, se tem |hTα x, yi − hT x, yi| → 0. α 1 Teorema da representação de Riesz em espaços de Hilbert: Se H é um espaço de Hilbert então para qualquer funcional linear limitado ϕ ∈ H ∗ , existe um e um só y ∈ H tal que ∀x ∈ H, ϕ(x) = hx, yi. 5.1. DEFINIÇÃO DE ÁLGEBRA DE VON NEUMANN. TEOREMA DO BICOMUTANTE3 É imediato que Tα → T implica Tα → T (SOT) que implica ainda Tα → T (WOT) Cap5:01 α α α < ∞ as anteriores três noções de convergência são (ver (??)). No caso de dim(H) Cap5:01 Von1 coincidentes tendo-se em (??) uma cadeia de equivalências (ver Exercı́cio 5.1). Para a topologia forte ou a topologia fraca de operadores, a álgebra L(H) constitui um espaço vectoriais topológico. Como tal as operações de adição e de multiplicação por um escalar definem, para estas topologias, funções contı́nuas. Porém, para a operação de involução, T → T ∗ , a sua continuidade é apenas garantida para a topologia fraca tendo-se Tα → T (WOT) ⇒ Tα∗ → T ∗ (WOT) . (5.1) Cap5:09 α α Com o exemplo que se segue mostra-se que a passagem ao operador adjunto não constitui uma função contı́nua quando se considera em L(H) a topologia forte de operadores. Cap5:060 Exemplo 5.1.1. Seja H um espaço de Hilbert de dimensão infinita que admite uma base ortonormada S = {en : n ∈ N}. Para cada n ∈ N considere-se o operador Un : H → H definido por Un (x) = hx, en ie1 , x ∈ H. P 2 Sabendo que para qualquer x ∈ X a série ∞ n=1 |hx, en i| é convergente, tem-se que Un → 0(SOT), n sendo 0 o operador nulo, uma vez que kUn (x)k → 0 para qualquer x ∈ H. Tem-se ainda n que Un∗ : H → H é dado por Un∗ (x) = hx, e1 ien , x ∈ X, com kUn∗ (x)k = |hx, e1 i|. Assim, dado que kUn∗ (e1 )k = 1, Un∗ 9 0(SOT). n Para a operação de multiplicação, L(H) × L(H) → L(H), (S, T ) 7→ ST, (5.2) Cap5:02 é um exercı́cio simples constatar que tanto para a topologia forte ou fraca de operadores Cap5:02 a aplicação (5.2) é separadamente contı́nua, ou seja, continua em cada uma das variáveis uma vez fixada a outra. Ao contrário do que acontece para a topologia da norma, em Cap5:02 geral a aplicação (5.2) não é contı́nua quando se consideram em L(H) as topologias forte ou fraca de operadores. Relativamente à topologia fraca de operadores deixa-se o exemplo que se segue. 4 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Exemplo 5.1.2. No espaço de Hilbert L2 (T), com T := {z ∈ C : |z| = 1}, a sucessão de operadores unitários Tn : L2 (T) → L2 (T), definidos por Tn (f )(t) = eint f (t), n ∈ N, f ∈ L2 (T), t ∈ T, satisfaz Tn → 0(WOT) e Tn∗ → 0(WOT) mas Tn Tn∗ = IL2 (T) 9 0(WOT). Repare-se ainda que Tn 9 0(SOT) o que garante que em espaços de dimensão infinita as duas topologias, forte e fraca de operadores, não coincidem em geral. Apesar das diferenças entre as topologias forte e fraca de operadores em L(H), é surpreendente que a continuidade de um funcional linear definido em L(H) seja independente da topologia considerada. Este facto vai mostrar-se bastante importante no estudo das álgebras de von Neumann. Cap5:010 Proposição 5.1.1. Sejam H um espaço de Hilbert e ϕ : L(H) → C um funcional linear em L(H). São equivalentes as seguintes afirmações: (i) ϕ é fracamente contı́nuo; (ii) ϕ é fortemente contı́nuo; (iii) Existem vectores x1 , xx , ..., xn e y1 , y2 , ..., yn em H tais que, ϕ(T ) = n X hT xi , yi i, para qualquer T ∈ L(H). i=1 Dem. Comece-se por admitir que ϕ é fracamente contı́nuo. Sendo (Tα ) uma rede em L(H) tal que Tα → T (SOT), com T ∈ L(H), então, dado que Tα → T (WOT), tem-se α α que ϕ(Tα ) → ϕ(T ) em C o que garante que (i) ⇒ (ii). α Mostre-se que (ii)⇒(iii) e para tal suponha-se que ϕ é fortemente contı́nuo. De Cap1.222 acordo com a Definição ?? a topologia forte de operadores em L(H) é gerada pela famı́lia de seminormas {k.kx }x∈H , definidas por kT kx := kT xk para T ∈ L(H) e x ∈ H. Esta famı́lia de seminormas é separadora2 e do estudo dos espaços localmente convexos3 sabe-se que existe uma constante C > 0 e vectores x1 , x2 , ..., xn em H tais 2 Uma famı́lia de seminormas, F := {k.ki }i∈I , definidas num espaço vectorial X diz-se separadora se para cada vector não nulo x ∈ X, existe i0 ∈ I por forma a que kxki0 6= 0 3 Teorema: Se X é um espaço vectorial topológico cuja topologia é induzida por uma famı́lia separadora de seminormas F := {k.ki }i∈I , então um funcional linear ϕ em X é contı́nuo se e só se existe uma constante C > 0 e existem elementos i1 , i2 , ...in ∈ I por forma a que, para qualquer x ∈ X, |ϕ(x)| ≤ C max kxkik . k=1,...,n 5.1. DEFINIÇÃO DE ÁLGEBRA DE VON NEUMANN. TEOREMA DO BICOMUTANTE5 que, para qualquer T ∈ L(H), v u n uX kT xi k2 . |ϕ(T )| ≤ C max kT kxi ≤ C t i=1,...,n Considere-se no espaço de Hilbert Hn := (5.3) Cap5:03 i=1 Ln i=1 H o subespaço linear M := {(T x1 , T x2 , ..., T xn ) : T ∈ L(H)} , e o funcional linear definido em M por ψ : M → C, (T x1 , T x2 , ..., T xn ) 7→ ϕ(T ). Cap5:03 Tem-se de (5.3) que ψ é um funcional linear limitado pois v u n uX |ψ(T x1 , T x2 , ..., T xn )| ≤ C t kT xi k2 , i=1 para qualquer T ∈ L(H). O funcional ψ admite assim uma única extensão a um funcional linear limitado (contı́nuo para a topologia da norma) definido no espaço de Hilbert M , o fecho do espaço M. Representando ainda por ψ essa extensão, resulta do teorema da representação de Riesz para funcionais lineares limitados que existe um vector (y1 , y2 , ..., yn ) ∈ M tal que, para qualquer (ξ1 , ξ2 , ..., ξn ) ∈ M se tem n X ψ(ξ1 , ξ2 , ..., ξn ) = hξi , yi i. i=1 Particularmente, para qualquer T ∈ L(H), dado que (T x1 , T x2 , ..., T xn ) ∈ M, n X ϕ(T ) = ψ(T x1 , T x2 , ..., T xn ) = hT xi , yi i, i=1 ficando assim estabelecido que (ii)⇒(iii). Finalmente observe-se que caso a condição (iii) seja satisfeita e (Tα ) seja uma rede em L(H) tal que Tα → T (WOT), com T ∈ L(H), então α n n X X ϕ(Tα ) = hTα xi , yi i → hT xi , yi i = ϕ(T ), i=1 α i=1 pelo que ϕ é fracamente contı́nuo, ou seja, tem-se (i). Cap5:01 Considere-se M um subconjunto de L(H). Conclui-se da cadeia de implicações (??) que M⊂M (SOT) ⊂M (WOT) , 6 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN (WOT) (SOT) eM designam, respectivamente, o fecho fraco e o fecho forte onde M Cap5:010 de M em L(H). Na Proposição 5.1.1 indica-se uma condição suficiente para que se tenha a igualdade dos fechos de M nas duas topologias. Cap5:011 Proposição 5.1.2. Se H é um espaço de Hilbert e M é um subconjunto convexo de L(H), então M (SOT) =M (WOT) . Dem. Como L(H), com a topologias forte ou fraca de operadores, constitui um espaço vectorial topológico localmente convexo e M é, por hipótese, um subconjunto convexo de L(H), sabe-se da teoria geral de espaços localmente convexos que M (SOT) (WOT) são caracterizados pelo tipo de funcionais lineares contı́nuos definidos em eM Cap5:010 L(H) para cada uma das topologias4 . Acontece que pela Proposição 5.1.1 os funcionais lineares definidos em L(H) que são contı́nuos para a topologia fraca de operadores coincide com aqueles que são contı́nuos para a topologia forte de operadores. Deste facto obtém-se de imediato a igualdade pretendida. 5.1.2 Algebras de von Neumann. Teorema do bicomutante cap5:04 Definição 5.1.1. Dado um espaço de Hilbert H, uma subálgebra C ∗ A de L(H), contendo o operador identidade IH ∈ L(H), diz-se uma álgebra de von Neumann se A é fechada na topologia forte de operadores5 . Cap5:011 Repare-se que de acordo com a Proposição 5.1.2 as álgebras de von Neumann podem ser definidas, de modo equivalente, como as subálgebras C ∗ de L(H) que contêm o operador IH e são fechadas na topologia fraca de operadores. Efectivamente, se A é uma subálgebra de L(H) então A (WOT) =A (SOT) . Exemplos elementares de álgebras de von Neumann são obviamente a álgebra L(H), com H um espaço de Hilbert, e a sua subálgebra C ∗ fortemente fechada CIH := {λIH : λ ∈ C} . Repare-se que sendo A uma qualquer subálgebra C ∗ de L(H) que contém IH , então o seu fecho forte A (SOT) e o seu fecho fraco A (WOT) são ainda álgebras de von 4 Teorema: Se X é um espaço topológico localmente convexo e M é um subconjunto convexo de X então um elemento x ∈ X pertence ao fecho de M se e só se existe uma rede (xα ) de elementos de M tal que F (xα ) → F (x) para todo o funcional linear contı́nuo definido em X. 5 α Sempre que A definir uma álgebra de von Neumann em L(H) diz-se que A é uma álgebra de von Neumann que actua em H. 5.1. DEFINIÇÃO DE ÁLGEBRA DE VON NEUMANN. TEOREMA DO BICOMUTANTE7 (SOT) (WOT) = A então estas álgebras são Neumann. Efectivamente, dado que A fechadas para a operação de involução sendo ainda álgebras C ∗ . Particularmente, se T ∈ L(H) é um operador normal então AT := alg∗ {T }, a álgebra C ∗ gerada por T, T ∗ e por IH , é uma álgebra C ∗ comutativa tendo-se que AT álgebras de von Neumann. (SOT) e AT (WOT) são Por definição as álgebras de von Neumann são subálgebras C ∗ de L(H) com uma condição topológica adicional. No que se segue vai mostrar-se que nas álgebras de von Neumann a condição topológica relativa ao seu fecho forte pode ser substituı́da por uma condição puramente algébrica. Para estabelecer este facto começa-se por recordar o conceito de comutante de um conjunto, introduz-se a noção de duplo comutante e analisam-se algumas das propriedades destes dois conceitos. Definição 5.1.2. Sendo H um espaço de Hilbert e M um subconjunto de L(H), chama-se comutante de M ao conjunto M0 := {T ∈ L(H) : T S = ST, S ∈ M} . Chama-se bicomutante ou duplo comutante de M ao comutante de M0 , ou seja, ao conjunto M00 := (M0 )0 . Seguem-se algumas propriedades importantes do bicomutante de um conjunto M ⊂ L(H). Cap5:08 Proposição 5.1.3. Sejam H um espaço de Hilbert e M, M1 e M2 subconjuntos de L(H). Tem-se que: (i) M ⊆ M00 ; (ii) Se M1 ⊂ M2 então M02 ⊂ M01 ; (iii) M0 = (M00 )0 ; (iv) M0 é uma subálgebra de L(H) que é fracamente fechada (fortemente fechada) em L(H) e contém IH ; (v) Se M é autoadjunto, ou seja, se T ∗ ∈ M sempre que T ∈ M, então M0 é uma álgebra de von Neumann. Dem. (i) e (ii) verificam-se directamente da definição de comutante. Quanto a (iii), tem-se por (i) que M ⊆ M00 e por (ii) conclui-se que (M00 )0 ⊂ M0 . A inclusão contrária é consequência de (i) tendo-se M0 ⊂ (M0 )00 = (M00 )0 . 8 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Relativamente à proposição (iv) é claro que M0 é uma subálgebra de L(H) que contém IH . Para provar que M0 é fracamente fechado considere-se (Tα ) uma rede de operadores em M0 fracamente convergente para T ∈ L(H). Assim, para quaisquer x, y ∈ H e qualquer S ∈ M, hT Sx, yi = lim hTα Sx, yi = lim hSTα x, yi α α ∗ = lim hTα x, S yi = hT x, S ∗ yi = hST x, yi, α donde de conclui que ST = T S e consequentemente T ∈ M0 . Assim se mostra que M0 é fracamente fechado em L(H) (logo fortemente fechado). Finalmente para estabelecer (v) basta reparar que se M é autoadjunto então M0 é também autoadjunto e que se M0 é fortemente fechado então também é fechado para a topologia da norma de L(H). Assim, M0 é uma subálgebra C ∗ de L(H) e atendendo a (iv) é uma álgebra de von Neumann. Observe-se que a condição (v) acima permite afirmar que o comutante A0 de uma álgebra de von Neumann A é também uma álgebra de von Neuman. O próximo resultado está na genese do teorema do Bicomutante, um dos resultados mais importantes da teoria das álgebras de von Neumann. cap5:05 Lema 5.1.4. Se H é um espaço de Hilbert e A é uma subálgebra autoadjunta de L(H) contendo o operador identidade IH ∈ L(H) então, para qualquer elemento x ∈ H e (x) qualquer operador T ∈ A00 existe uma sucessão (An ) de operadores em A tal que (x) An x − T x → 0. n Além disso, fixados elementos x1 , x2 , ..., xk ∈ H e um operador T ∈ A00 então existe uma sucessão (An ) de operadores em A tal que para qualquer 1 ≤ i ≤ k, kAn xi − T xi k → 0. n Dem. Fixe-se x ∈ H e T ∈ A00 . Seja M := Ax o fecho do subespaço linear Ax ⊂ H com Ax := {Ax : A ∈ A}. O subespaço M é claramente invariante para todos os operadores de A e dado que A é autoadjunta então M ⊥ , o ortogonal de M, é d3.4.0 também invariante para os operadores de A. De acordo com a Definição ??, M é um subespaço redutor para todos os operadores de A tendo-se, atendendo à condição (ii) p3.4.0 da Proposição ??, que para qualquer A ∈ A, PM A = APM , 5.1. DEFINIÇÃO DE ÁLGEBRA DE VON NEUMANN. TEOREMA DO BICOMUTANTE9 onde PM designa o operador de projecção de H sobre o subespaço fechado M. Assim, PM ∈ A0 e dado que T ∈ A00 então PM T = T PM . Recorrendo novamente à condição p3.4.0 (ii) da Proposição ??, M é um subespaço redutor de T tendo-se que T (M ) ⊂ M. Dado que IH ∈ A então o ponto x ∈ H está em M e consequentemente T x ∈ M. Da definição (x) de M conclui-se agora que existe em A uma sucessão de operadores (An ) tal que kAn x − T xk → 0, n ficando demonstrada a primeira parte do lema. Fixem-se agora x1 , x2 , ..., xk ∈ H e T ∈ A00 . Considere-se o espaço de Hilbert L k H k := i=1 H e o operador Ψ : L(H) → L(H k ), S 7→ k M S, i=1 onde k M S : H k → H k , (ξ1 , ξ2 , ..., ξk ) 7→ (Sξ1 , Sξ2 , ..., Sξk ). i=1 É um exercı́cio simples verificar L que Ψ(A) é uma subálgebra autoadjunta de L(H k ) que contém IH k . Como Ψ(T ) := ki=1 T pertence a Ψ(A)00 , resulta da primeira parte do lema que dado o elemento x = (x1 , x2 , ..., xk ) ∈ H k , existe uma sucessão (Ψ(Tn )) em Ψ(A) tal que v u k uX kTn xi − T xi k2 → 0, kΨ(Tn )x − Ψ(T )xk = t i=1 n logo, kTn xi − T xi k → 0, para 1 ≤ i ≤ k. n Cap5:07 Teorema 5.1.5 (Teorema do Bicomutante de von Neumann). Sejam H um espaço de Hilbert e A uma subálgebra C ∗ de L(H) que contém o operador identidade IH ∈ L(H). São equivalentes as seguintes condições: (i) A = A00 ; (ii) A é fracamente fechada em L(H); (iii) A é fortemente fechada em L(H). 10 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Cap5:08 Dem. (i) ⇒ (ii) é consequência, atendendo à condição (iv) da Proposição 5.1.3, do facto dos comutantes serem fracamente fechados. Cap5:011 (ii) ⇒ (iii) é consequência imediata da Proposição 5.1.2. Mostre-se que (iii) ⇒ (i). Dado que A ⊂ A00 prove-se A00 ⊂ A. Para tal considere-se T ∈ A00 e fixe-se V (T ; x1 , x2 , ..., xk ; ) a vizinhança de T definida por V (T ; x1 , x2 , ..., xk ; ) := {S ∈ L(H) : kSxi − T xi k < , 1 < i < k} , (5.4) Cap5.viz com x1 , x2 , ..., xk ∈ H e > cap5:05 0. Sendo A uma subálgebra autoadjunta de L(H) que contém IH , resulta do Lema 5.1.4 que existe em A uma sucessão de operadores (Tn ) tal que para qualquer 1 ≤ i ≤ k, kTn xi − T xi k → 0. Assim, para n suficientemente grande, tem-se que Tn ∈ V (T ; x1 , x2 , ..., xk ; ) e consequentemente V (T ; x1 , x2 , ..., xk ; ) ∩ A = 6 ∅. Cap5.viz constitui uma base de vizinhanças de T para a Como a famı́lia de vizinhanças (5.4) Topforte topologia forte de operadores (cf. (??)), então (SOT) A00 ⊂ A . Por hipótese A é fortemente fechada concluindo-se, como pretendido, que A00 ⊆ A. O teorema do bicomutante permite agora caracterizar as álgebras de von Neumann em termos puramente algébricos. Cap5:000 Corolário 5.1.6. Se H é um espaço de Hilbert e A é uma subálgebra C ∗ de L(H) então A é uma álgebra de von Neumann se e só se A = A00 . É fácil constatar que a intersecção de uma famı́lia de álgebras de von Neumann é ainda uma álgebra de von Neumann. Assim, dado um subconjunto M ⊂ L(H), define-se álgebra de von Neumann gerada por M como sendo a intersecção de todas as álgebras de von Neumann de L(H) que contêm M. Segue do teorema do bicomutante o seguinte resultado: Corolário 5.1.7. Se H é um espaço de Hilbert e M é um subconjunto autoadjunto de L(H) então M00 é a álgebra de von Neumann gerada por M. Cap5:08 Dem. Das afirmações (i) e (v) da Proposição 5.1.3 tem-se que se M é um subconjunto autoadjunto de L(H) então M00 é uma álgebra de von Neumann contendo M. Para 5.2. ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN E PROJECÇÕES 11 provar que M00 é a menor álgebra de von Neumann nestas condições, considere-se A uma outra álgebra de von Neumann que contém M. Assim, A0 ⊂ M0 Cap5:000 pelo que M00 ⊂ A00 . Sendo A uma álgebra de von Neumann, segue do Corolário 5.1.6 que A00 = A, logo M00 ⊂ A. 5.2 sec5.1.2 Álgebras de von Neumann e projecções Sendo A uma álgebra C ∗ com unidade, como exemplos triviais de projecções em A destacam-se o elemento zero e a unidade e ∈ A, uma vez que claramente se tem x = x∗ = x2 para x = 0 ou x = e. Existem mesmo álgebras C ∗ onde as únicas projecções são as triviais. Como exemplo indica-se a álgebra C ∗ das funções contı́nuas C(X), com X um espaço de Hausdorff compacto e conexo. Nesta secção vai mostrarse que se A é uma álgebra de von Neumann que actua num espaço de Hilbert H e A 6= CIH , então existem sempre em A projecções não trivias. Nomeadamente, para qualquer operador T ∈ A vai mostrar-se que o operador de projecção sobre o fecho do contradomı́nio de T está ainda em A. Comece-se por recordar que, à semelhança do que sucede numa qualquer álgebra C , se escreve T ≥ 0 para representar que um operador T ∈ L(H) é positivo. Assim, T ≥ S ou S ≤ T significa que T − S ≥ 0, para T, S ∈ L(H). Diz-se que uma famı́lia de operadores {Tα }α∈I em L(H) é majorada se existe um operador T ∈ L(H) tal que Tα ≤ T para qualquer α ∈ I, e diz-se minorada se existe um operador S ∈ L(H) tal que S ≤ Tα para qualquer α ∈ I. Uma rede (Tα )α∈I de operadores de L(H) diz-se crescente caso Tα ≤ Tβ sempre que α ≤ β e diz-se decrescente se Tβ ≤ Tα sempre que α ≤ β. ∗ Cap5:014 Teorema 5.2.1 (Teorema de Vigier). Sejam H um espaço de Hilbert, A uma álgebra de von Neumann que actua em L(H) e (Tα ) uma rede de operadores autoadjuntos em L(H). São verdadeiras as seguintes afirmações: (i) Se (Tα ) é majorada e crescente então existe um operador autoadjunto T ∈ A tal que Tα → T (SOT); o operador T é o menor majorante da famı́lia {Tα }; α (ii) Se (Tα ) é minorada e decrescente então existe um operador autoadjunto S ∈ A tal que Tα → S (SOT); o operador S é o maior minorante da famı́lia {Tα }. α Dem. Procede-se apenas à demonstração da condição (i) já que (ii) pode ser obtida por aplicação de (i) à rede (−Tα ). Sendo (Tα ) uma rede de operadores autoadjuntos majorada, suponha-se sem perda de generalidade (Tα ) é também minorada (caso tal não aconteça basta substituir a rede (Tα ) por (Tα )α≥α0 e considerar como minorante o operador Tα0 ). Admita-se ainda que todos os operadores Tα são positivos (caso 12 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN contrário basta considerar a rede (Tα − Tα0 )). Nas condições indicadas existe uma constante C ≥ 0 tal que kTα k ≤ C para qualquer α. Efectivamente, dado que os operadores Tα são autoadjuntos e admitem Te ∈ L(H) como um majorante, então kTα k = sup hTα x, xi ≤ sup hTex, xi ≤ kTek. kxk=1 kxk=1 Como consequência, para qualquer x ∈ H, a rede crescente (hTα x, xi) é limitada superiormente por Ckxk2 sendo portanto convergente. Como cada operador Tα é um Cap3:4 ?? que para cada α, existe um operador pooperador √ positivo, sabe-se da Proposição √ √ sitivo Tα ∈ A tal que Tα = Tα Tα . Como consequência, para quaisquer x, y ∈ H tem-se que p p hTα x, yi = h Tα (x), Tα (y)i, e por cálculo directo obtém-se 3 p 1X k p i h Tα (x + ik y), Tα (x + ik y)i, hTα x, yi = 4 k=0 logo 3 1X k hTα x, yi = i hTα (x + ik y), x + ik yi. 4 k=0 Como as redes (hTα (x + ik y), x + ik yi) são convergentes (para k = 0, 1, 2, 3) então o mesmo acontece à rede (hTα x, yi), para quaisquer x, y ∈ H. Defina-se a aplicação τ : H × H → C, (x, y) 7→ τ (x, y) := limhTα x, yi. α É fácil constatar que τ define uma forma sesquilinear em H. Como τ é limitada pois, para quaisquer x, y ∈ H, |τ (x, y)| = lim|hTα x, yi| ≤ Ckxkkyk, α Cap3:100 então, de acordo com a nota ?? do Capı́tulo 3, existe um operador T ∈ L(H) com kT k ≤ C, tal que τ (x, y) := limhTα x, yi = hT x, yi, α x, y ∈ H. Cap5:013 (5.5) Cap5:013 Como todos os operadores Tα são autoadjuntos, resulta de (5.5) que o mesmo acontece a T, e como a rede (hTα x, xi) é crescente e converge para hT x, xi então para qualquer α tem-se, h(T − Tα )x, xi = hT, xi − hTα x, xi ≥ 0, x ∈ H, ou seja, T ≥ Tα . 5.2. ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN E PROJECÇÕES 13 Tem-se Tα → T (SOT). Efectivamente, para qualquer x ∈ H, α kT x−Tα xk2 = k(T −Tα )xk2 = k p p p p T − Tα T − Tα (x)k2 ≤ k T − Tα k2 k T − Tα (x)k2 , e uma vez que k p 1 1 T − Tα k = kT − Tα k 2 ≤ (2C) 2 , e k p T − Tα (x)k2 = h(T − Tα )x, xi → 0, α então kT x − Tα xk → 0. α Cap5:013 Dado que A é fortemente fechada então T ∈ A. De acordo com (5.5), se Te é um majorante da famı́lia de operadores {Tα } então, para qualquer x ∈ H, hTex, xi ≥ limhTα x, xi = hT x, xi. α tendo-se Te ≥ T. O operador T é então o menor majorante de {Tα }. Observe-se que caso (Pα ) seja uma rede de operadores de projecção em L(H), fortemente convergente para um operador P ∈ L(H), então P é ainda um operador de projecção. Efectivamente, se Pα → P (SOT) então Pα → P (WOT) logo, para α α quaisquer x, y ∈ H, hP x, yi = lim hPα x, yi = lim hPα x, Pα yi = hP x, P (y)i = hP 2 x, yi, α α o que permite concluir que P 2 = P. Com um argumento análogo se garante que P = P ∗ . Observe-se ainda que caso Pα ≥ Pβ então Im Pβ ⊂ Im Pα . Para verificar este facto basta atender a que Im Pα = (Ker Pα )⊥ , Im Pβ = (Ker Pβ )⊥ e reparar que se Pα ≥ Pβ então Ker Pα ⊂ Ker Pβ . Particularizando o teorema de Vigier para operadores de projecção obtém-se o resultado em baixo. Cap5:012 Corolário 5.2.2. Sejam H um espaço de Hilbert e (Pα ) uma rede de operadores de projecção numa álgebra de von Neumann A ⊂ L(H). São verdadeiras as seguintes afirmações: (i) Se (Pα ) é crescente então é fortemente convergente para P ∈ A, onde P é o operador de projecção sobre o fecho do conjunto M := ∪ (Im Pα ) , a união dos α contradomı́nios dos operadores Pα ; 14 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN (ii) Se (Pα ) é decrescente então é fortemente convergente para S ∈ A, onde S é o operador de projecção sobre o conjunto M := ∩ (Im Pα ) , a intersecção dos α contradomı́nios dos operadores Pα . Dem. Atendendo a que 0 ≤ Pα ≤ IH , conclui-se do teorema de Vigier que em ambos os casos (i) e (ii) a rede (Pα ) converge para um operador em A, que necessariamente é um operador de projecção. Para o caso (i), dado que o operador de projecção sobre o fecho da união dos conjuntos Im Pα é o menor majorante do conjunto {Pα }, então este operador coincide com P. Para o caso (ii), dado que o operador de projecção sobre a intersecção dos conjuntos Im Pα é o maior minorante do conjunto {Pα } então este operador coincide com S. Uma famı́lia {Tα }α∈I de operadores em L(H) diz-se ortogonal sempre que Tα Tβ = 0 para α 6= β, ou seja, se (Im Tα ) ⊥ (Im Tβ ) para α 6= β. Diz-se fortemente somável se a rede ! X , Tα α∈F F onde F percorre os subconjuntos finitos de I, é fortemente convergente para um operador T ∈ L(H) escrevendo-se X T = Tα (SOT). α∈I Analogamente se define famı́lia fracamente somável de operadores em L(H). Relativamente à soma de operadores de projecção ortogonais, tem-se o seguinte resultado: Cap5.ggg Proposição 5.2.3. Sejam H um espaço de Hilbert, A ⊂ L(H) uma álgebra de von Neumann e {Pα }α∈I uma famı́lia ortogonal e não vazia de operadores de projeccção em A. Tem-se que a famı́lia {Pα }α∈I é fortemente somável, existindo um operador de projecção P ∈ A tal que X Pα (SOT). P = α∈I Além disso, para qualquer x ∈ H, !1/2 kP xk = X kPα xk2 . α∈I Dem. Considere-se a famı́lia de todos os subconjuntos finitos e não vazios de I, parcialmente ordenado com a relação de inclusão. Para cada subconjunto finito e não 5.2. ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN E PROJECÇÕES 15 P vazio F de I defina-se o operador de projecção PF := α∈F Pα . É claro que a rede (P F )F constitui uma rede crescente de operadores de projecção em A. Do Corolário Cap5:012 5.2.2 conclui-se então que existe um operador de projecção P ∈ A tal que X PF := Pα → P (SOT). F α∈F Assim, dado que a famı́lia {Pα }α∈F é ortogonal, para qualquer x ∈ H, tem-se que X X kPα (x)k2 = kPα xk2 , kP xk2 = limkPF (x)k2 = lim F F α∈F α∈I ficando demonstrado o resultado. Uma das caracterı́sticas das álgebras de von Neumann é serem ricas em projecções. O próximo resultado vai permitir afirmar que numa álgebra de von Neumann A = 6 CIH existem sempre operadores de projecção não triviais. Cap5:015 Lema 5.2.4. Se H é um espaço de Hilbert, A ⊂ L(H) é uma álgebra de von Neumann e T é um operador positivo em A tal que 0 ≤ T ≤ IH , então a sucessão crescente e existe um operador de projecção PT ∈ A tal que 1 Tn é 1 T n → PT (SOT). n O operador PT constitui o operador de projecção sobre Im T , o fecho do contradomı́nio do operador T. Dem. Sejam AT := alg{T }∗ a subálgebra C ∗ de A ⊂ L(H) gerada por T (T = T ∗ ) e IH , e Γ−1 : C(σ(T )) → AT , f 7→ f (T ) o cálculo funcional contı́nuo para o operador t4 normal T. Recorde que para a função z : λ 7→ λ se tem z(T ) = T (cf. Proposição ??) 1 1 1 e como consequencia, para cada função z n com n ∈ N, tem-se que z n (T ) = T n . Como 1 n 0 ≤ z(λ) ≤ 1, para λ ∈ σ(T ) ⊂ R+ sucessão crescente de operadores 0 , então (T ) é uma Cap5:014 1 positivos de AT ⊂ A tal que kT n k ≤ 1. O Teorema 5.2.1 garante a existência de um 1 operador autoadjunto PT ∈ A tal que T n → PT (SOT) e para estabelecer o enunciado n basta mostrar que PT é um operador de projecção que coincide com o operador de projecção sobre o subespaço Im T , ou seja, sobre o fecho do contradomı́nio de T. Para cada x ∈ X, dado que 2 1 1 1 k(T n − PT2 )xk = kT n (T n − PT )x + (T n − PT )PT xk 1 1 ≤ k(T n − PT )xk + k(T n − PT )PT xk → 0, n 16 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN pois 1 1 k(T n − PT )xk → 0 e k(T n − PT )PT xk → 0, n então T 2 n n → PT2 (SOT). Passando à subsucessão dos termos de ordem par conclui-se que n 1 T n → PT2 (SOT) logo, pela unicidade de limite, PT = PT∗ = PT2 . Fica assim estabelecido n que PT é um operador de projecção. 1 Como cada função z n ∈ C(σ(T )) é o limite uniforme de uma sucessão de polinómios 1 em z cujos termos independentes são nulos, então cada operador T n é também o limite (na topologia da norma) de uma sucessão de polinómios em T sem termos constantes. Assim, 1 (T x = 0) ⇒ ⇒ (PT x = 0) , T nx = 0 tendo-se Ker T ⊂ Ker PT . Quanto à inclusão contrária, se PT x = 0 então 2 1 1 1 0 = hPT x, xi ≥ hT n x, xi = hT n x, T n xi = kT n xk2 , 1 pelo que T n x = 0 para qualquer n ∈ N. Como kT xk = kT 2n−1 2n 1 T 2n xk ≤ kT 2n−1 2n 1 kkT 2n xk = 0, então T x = 0. Assim, Ker PT = Ker T e, dado que T e um operador autoadjunto e PT é um operador de projecção, então Im T = (Ker T )⊥ = (Ker PT )⊥ = Im PT , concluindo-se que PT é o operador de projecção sobre Im T . Como consequência do resultado anterior, designando por PT o operador de projecção sobre o fecho do contradomı́nio de um operador T ∈ L(H), tem-se o seguinte resultado: Cap5:042 Corolário 5.2.5. Se A é uma álgebra de von Neumann que actua num espaço de Hilbert H então PT ∈ A, para qualquer operador T ∈ A. Dem. Dado T ∈ A um operador não nulo, tem-se que o operador Te := 1 TT∗ ∗ kT T k 5.2. ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN E PROJECÇÕES 17 Cap5:015 é positivo e satisfaz 0 ≤ Te ≤ IH . De acordo com a Proposição 5.2.4 então o operador PTe , o operador de projecção sobre Im Te, pertence à álgebra A. Atendendo a que hT T ∗ x, xi = kT ∗ xk2 , x ∈ H, então Ker T ∗ = Ker Te, pelo que Im T = (Ker T ∗ )⊥ = (Ker Te)⊥ = Im Te, ou seja, PTe coincide com o operador PT . As álgebras de von Neumann não só possuem muitas projecções como estas permitem caracterizar própria álgebra. Recorrendo ao cálculo funcional de Borel para Sub3.5.2 operadores normais (Subsecção ??), mostra-se de seguida como o conjunto das combinações lineares finitas das projecções de uma álgebra A é denso em A. Cap5:019 Teorema 5.2.6. Sejam H um espaço de Hilbert e A uma álgebra de von Neumann que actua em H. Sendo {Pα : α ∈ I} o conjunto de todos os operadores de projecção de A então A = span{Pα : α ∈ I}, onde span{Pα : α ∈ I} designa o fecho na topologia da norma de operadores do conjunto span{Pα : α ∈ I} das combinações lineares finitas dos elementos de {Pα : α ∈ I}. Dem. Para cada operador normal T ∈ A denote-se por E T a resolução da identidade t3.2.5 de T (Teorema ??) e seja Z −1 ∞ e ΓT : B (σ(T )) → L(H), f 7→ f (T ) := f dE T , (5.6) Cap5:016 σ(T ) Cap3:90 o cálculo funcional de Borel para o operador T introduzido na Definição ??. Recorde-se que sendo AT := alg{T }∗ at3.2.5 subálgebra C ∗ de A ⊂ L(H) gerada por T, T ∗ e IH , então, de acordo com o Teorema ??, E T é a única medida espectral em (σ(T ), H) tal que Z −1 Γ (u) = u dE T , u ∈ C(σ(T )), σ(T ) com Γ−1 : C(σ(T )) → AT , u → u(T ), o cáculo funcional contı́nuo para o operador T . Sendo f uma qualquer função em B ∞ (σ(T )), à semelhança da demonstração do Cap3:80 Lema ?? existe uma rede (uα ) de funções contı́nuas de C(σ(T )) tal que kuα k∞ ≤ kf k∞ e tal que, para quaisquer x, y ∈ H, Z Z T T = lim huα (T )x, yi. hf (T )x, yi = f dEx,y = lim uα dEx,y σ(T ) α σ(T ) α 18 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Assim, uα (T ) → f (T ) (WOT) e dado que (uα (T )) é uma rede de operadores em A α então f (T ) ∈ A, uma vez que A é fracamente fechada. Se T ∈ A é um operador normal, dado que a função identidade em σ(T ), z : λ 7→ λ, pode ser aproximada na norma do supremo por combinações lineares finitas de funções caracterı́stica χ∆ com ∆ borelianos de σ(T ), então o operador T = z(T ) pode ser aproximado, na topologia da norma de L(H), por combinações lineares finitas dos operadores de projeção da forma χ∆ (T ) ∈ A. Se A é uma álgebra C ∗ , então todo o operador T ∈ A admite uma representação da forma T = T1 + iT2 com T1 e T2 Cap3:76 operadores autoadjuntos (Teorema ??), logo normais. Cada um dos operadores T1 e T2 pode então ser aproximado por combinações lineares finitas de projecções de A, o que estabelece o resultado. 5.3 Teorema da densidade de Kaplansky Cap5:019 Concluiu-se a secção anterior com o Teorema 5.2.6, um resultado de densidade que garante que o conhecimento das projecções de uma álgebra de von Neumann é suficiente para caracterizar a álgebra. Efectivamente, toda a álgebra de von Neumann A que actua num espaço de Hilbert H é o fecho, na topologia induzida pela norma de operadores, do conjunto das combinações lineares finitas das suas projecções. Nesta secção vai verificar-se como o conhecimento de um certo subconjunto de uma subálgebra C ∗ de L(H), a bola unitária fechada, permite garantir se a mesma é ou não uma álgebra de von Neumann. Cap5:060 Sendo H um espaço de Hilbert, verificou-se no Exemplo 5.1.1 que a aplicação de involução em L(H), ∗ : T 7→ T ∗ , não é em geral fortemente contı́nua. Inicia-se esta secção garantindo-se que a restrição desta aplicação ao conjunto dos operadores normais de L(H) já é fortemente contı́nua. Cap5:017 Proposição 5.3.1. Sendo H um espaço de Hilbert, a involução em L(H), ∗ : T 7→ T ∗ , é uma aplicação fortemente contı́nua quando restringida ao conjunto dos operadores normais de L(H). Dem. Sejam (Tα ) uma rede de operadores normais de L(H) e T ∈ L(H) um operador 5.3. TEOREMA DA DENSIDADE DE KAPLANSKY 19 normal tal que Tα → T (SOT). Para qualquer x ∈ H, tem-se α kTα∗ x − T ∗ xk2 = hTα∗ x − T ∗ x, Tα∗ x − T ∗ xi = hTα∗ x, Tα∗ xi + hT ∗ x, T ∗ xi − hx, Tα T ∗ xi − hx, T Tα∗ xi = hTα Tα∗ x, xi + hT T ∗ x, xi − hx, Tα T ∗ xi − hTα T ∗ x, xi = hTα∗ Tα x, xi + hT ∗ T x, xi − hx, Tα T ∗ xi − hTα T ∗ x, xi = kTα xk2 + kT xk2 − hx, Tα T ∗ xi − hTα T ∗ x, xi. Atendendo a que Tα → T (SOT), então α kTα xk → kT xk, α hx, Tα T ∗ xi → hx, T T ∗ xi = kTx k2 e hTα T ∗ x, xi → hT T ∗ x, xi = kTx k2 , α α concluı́ndo-se assim que kTα∗ x − T ∗ xk2 → 0, α para qualquer x ∈ H, ou seja, resultado. Tα∗ ∗ → T (SOT) o que completa a demonstração do α Definição 5.3.1. Sejam H um espaço de Hilbert e f : R → C uma função contı́nua. Diz-se que f é fortemente contı́nua em H se a aplicação T 7→ f (T ), onde T varia no conjunto dos operadores autoadjuntos de L(H) e Cap5:016 f (T ) é a imagem da função f pelo cálculo funcional de Borel para o operador T (ver (5.6)), for fortemente contı́nua. Denote-se por CH (R) o subconjunto de C(R) constituı́do pelas funções que são fortemente contı́nuas num espaço de Hilbert H. O conjunto CH (R) é claramente um subespaço vectorial de C(R). Cap5:061 Proposição 5.3.2. Seja C∞ (R) := L∞ (R) ∩ C(R) a subálgebra de C(R) constituı́da pelas funções contı́nuas em R que são limitadas para a norma do supremo. Se f1 , f2 ∈ CH (R) e alguma destas funções fi pertencer a C∞ (R), então a função produto f1 .f2 também pertence a CH (R). 20 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Dem. Considere (Tα ) uma rede de operadores autoadjuntos de L(H) tal que Tα → α T (SOT), com T ∈ L(H) um operador autoadjunto, e suponha que f1 ∈ C∞ (R). Nestas condições, para qualquer x ∈ H, tem-se kf1 .f2 (Tα )x − f1 .f2 (T )xk = kf1 (Tα )f2 (Tα )x − f1 (T )f2 (T )xk ≤ kf1 (Tα )kL f2 (Tα )x − f2 (T )x + f1 (Tα ) − f1 (T ) f2 (T )x ≤ kf1 k∞ f2 (Tα )x − f2 (T )x + f1 (Tα ) − f1 (T ) f2 (T )x, logo, atendendo a que f1 , f2 ∈ CH (R), então f2 (Tα )x − f2 (T )x → 0, f1 (Tα ) − f1 (T ) f2 (T )x → 0 α α pelo que kf1 f2 (Tα )x − f1 f2 (T )xk → 0. Assim se demonstra que caso f1 ∈ C∞ (R) então α f1 .f2 ∈ CH (R). Analogamente se procede no caso de f2 ∈ C∞ (R). Tem-se ainda que: Cap5:020 Proposição 5.3.3. Se f ∈ C∞ (R) então f ∈ CH (R). Dem. Comece por se mostrar que C0 (R) ⊂ CH (R), onde C0 (R) designa a subálgebra C ∗ de C(R) constituı́da pelas funções que se anulam no infinito. Para tal considere-se a subálgebra fechada de C0 (R) definida por C0H (R) := CH (R) ∩ C0 (R). Tem-se que C0H (R) é uma subálgebra autoadjunta de C0 (R). Efectivamente, se f ∈ C0H (R) e (Tα ) é uma rede de operadores autoadjuntos de L(H) tal que Tα → T (SOT), com T um α Cap5:017 operador autoadjunto de L(H), obtém-se da Proposição 5.3.1 que f (Tα ) = f (Tα )∗ → f (T )∗ = f (T ), α uma vez que f (Tα ) → f (T ), o que permite concluir que f ∈ C0H (R). α Considerem-se agora as funções f1 , f2 ∈ C0 (R) dadas por f1 (t) = (1 + t2 )−1 , f2 (t) = tf1 (t), t ∈ R. (5.7) Cap5:018 Mostre-se que f1 , f2 ∈ C0H (R). Para tal suponha-se que Tα → T (SOT) onde T e α todos os operadores Tα são operadores autoadjuntos de L(H). Recorrendo ao cálculo funcional contı́nuo associado a cada um dos operadores indicados, tem-se f2 (Tα ) − f2 (T ) = Tα (IH + Tα2 )−1 − T (IH + T 2 )−1 = (IH + Tα2 )−1 Tα (IH + T 2 ) − (IH + Tα2 )T (IH + T 2 )−1 = (IH + Tα2 )−1 Tα − T + Tα (T − Tα )T (IH + T 2 )−1 . 5.3. TEOREMA DA DENSIDADE DE KAPLANSKY 21 Assim, para qualquer x ∈ H, f2 (Tα )x − f2 (T )x ≤ k(IH + Tα2 )−1 (Tα − T )(IH + T 2 )−1 xk + k(IH + Tα2 )−1 Tα (T − Tα )T (IH + T 2 )−1 xk, e dado que k(IH + Tα2 )−1 kL = kf1 k∞ ≤ 1 e kTα (IH + Tα2 )−1 kL = kf2 k∞ ≤ 1, então f2 (Tα )x − f2 (T )x ≤ k(Tα − T )(IH + T 2 )−1 xk + k(T − Tα )T (IH + T 2 )−1 xk pelo que, f2 (Tα )x − f2 (T )x → 0. α Como consequência f2 ∈ C0H (R). Além disso, atendendo a que f2 é uma função limitada em CH (R), z : t 7→ t é uma função em CH (R) e f1 se pode escrever na forma f1 = 1−zf2 , Cap5:061 resulta da Proposição 5.3.2 que f1 ∈ C0H (R). Dado que para quaisquer dois elementos x, y ∈ R se tem f1 (x) 6= f1 (y) ou f2 (x) 6= f2 (y), então a álgebra C0H (R) separa os pontos de R. Atendendo a que C0H (R) é uma subálgebra fechada e autoadjunta de C0 (R) que separa os pontos de R e contém a função f1 que satisfaz f1 (t) > 0 para qualquer t ∈ R, conclui-se do teorema de Stone-Weierstrass que C0H (R) = C0 (R), ou seja, C0 (R) ⊂ CH (R). Dada uma qualquer função f ∈ C∞ (R), atendendo a que f.f1 e f.f2 estão em C0 (R) então f.f1 e f.f2 estão em CH (R). A função produto z.f.f2 está ainda em CH (R) uma vez que z ∈ CH (R) e f.f2 ∈ C∞ (R) ∩ CH (R). Assim, dado que f = (f1 + zf2 )f = f.f1 + z.f.f2 , com f.f1 e z.f.f2 em CH (R), então f ∈ CH (R) já que CH (R) é um subespaço de C(R). Estabelecidas as anteriores proposições, esta-se em condições de enunciar e demonstrar o teorema da densidade Kaplansky. Cap5:034 Teorema 5.3.4 (Teorema da densidade de Kaplansky). Sejam H um espaço de Hil- bert e B uma subálgebra C ∗ de L(H) que contém o operador identidade IH ∈ L(H). Defina-se A como a álgebra de von Neumann dada pelo fecho forte de B, A := B Tem-se que: (SOT) . 22 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN (i) O conjunto dos operadores autoadjuntos de A, Aau := {A ∈ A : A = A∗ }, é o fecho forte do conjunto dos operadores autoadjuntos de B, Bau := {B ∈ B : B = B ∗ }, Aau = Bau (SOT) . (ii) A bola unitária fechada de Aau , B01 (Aau ) := {A ∈ Aau : kAkL ≤ 1}, é o fecho forte da bola unitária fechada de Bau , B01 (Bau ) := {B ∈ Bau : kBkL ≤ 1}, B01 (Aau ) = B01 (Bau ) (SOT) . (iii) A bola unitária fechada de A, B01 (A) := {A ∈ A : kAkL ≤ 1}, é o fecho forte da bola unitária fechada de B, B01 (A) := {B ∈ B : kBkL ≤ 1}, B01 (A) = B01 (B) (SOT) . (SOT) Dem. (i) Que Bau ⊂ Aau é um exercı́cio simples. Quanto à inclusão contrária, considere-se T ∈ Aau e (Tα ) uma rede em B tal que Tα → T (SOT). Assim, Tα → α α T (WOT) e Tα∗ → T (WOT) pelo que a rede (Aα ), defininda por α é então uma rede em Bau 1 Aα := (Tα + Tα∗ ), 2 tal que Aα → T (WOT). Como A é um conjunto convexo, α Cap5:011 conclui-se da Proposição 5.1.2 que Aα → T (SOT) logo T ∈ Bau α (ii) Mostra-se sem dificuldade que B01 (Bau ) (SOT) (SOT) . ⊂ B01 (Aau ). Quanto à inclusão (SOT) contrária, considere-se T ∈ B01 (Aau ) e mostre-se que T ∈ B01 (Bau ) . Por (i), existe uma rede (Tα ) de operadores em Bau tal que Tα → T (SOT). Sendo f ∈ C(R) a α função contı́nua definida por f (t) := t para t ∈ [−1, 1] e f (t) := 1/t para t ∈ R \ [−1, 1], Cap5:020 tendo em conta que f ∈ C0 (R) então, de acordo com a Proposição 5.3.3, f ∈ CH (R) tendo-se f (Tα ) → f (T )(SOT). Como T é autoadjunto e kT kL ≤ 1, então σ(T ) ⊂ α [−1, 1] obtendo-se da definição de f que f (T ) = T. Assim, dado que (f (Tα )) constitui uma rede de operadores autoadjuntos de B com norma k(f (Tα )k = kf k∞ ≤ 1 então (SOT) T ∈ B01 (Bau ) . (iii) Considere o espaço de Hilbert H 2 := H ⊕ H e sejam M2 (A) e M2 (B) as subálgebras de L(H 2 ) definidas, respetivamente, por A B A B M2 (B) := : A, B, C, D ∈ B , M2 (A) := : A, B, C, D ∈ A . C D C D 5.3. TEOREMA DA DENSIDADE DE KAPLANSKY 23 (SOT) então M2 (A) é o fecho forte de M2 (B) em L(H 2 ). Para mostrar Sendo A := B SOT que B01 (A) ⊂ B01 (B) considere-se T ∈ A com kT kL ≤ 1 e defina-se em M2 (A) o operador 0 T e T := . T∗ 0 Claramente Te constitui um operador autoadjunto de M2 (A) com norma kTekL(H 2 ) ≤ 1. Recorrendo a (ii), existe uma rede (Teα ) de operadores autoadjuntos na bola unitária fechada de M2 (B) tal que Teα → Te(SOT). Os operadores Teα são necessariamente da α forma A T α α Teα = Tα∗ Bα , com Aα , Bα operadores autoadjuntos de B e onde (Tα ) é uma rede de operadores em B, com norma kTα kL ≤ 1, tal que Tα → T (SOT). Assim se conclui que B01 (A) ⊂ α B01 (B) (SOT) . Uma importante consequência do teorema da densidade de Kaplansky é a possibilidade de saber se uma subálgebra C ∗ de L(H) contendo IH , é ou não uma álgebra de von Neumann à custa da bola unitária fechada B01 (A) := {A ∈ A : kAkL ≤ 1}. Cap5.222 Corolário 5.3.5. Sejam H um espaço de Hilbert, A uma subálgebra C ∗ de L(H) que contém IH e B01 (A) := {A ∈ A : kAkL ≤ 1} a bola unitária fechada de A. Tem-se que A é uma álgebra de von Neumann se e só se B01 (A) = B01 (A) (SOT) , ou seja, se e só se a bola unitária fechada de A é fortemente fechada em L(H). (SOT) Dem. Sendo A uma álgebra de von Neumann é claro que A = A . Assim, de acordo com a condição (iii) do teorema da densidade de Kaplansky, tem-se que B01 (A (SOT) ) = B01 (A) (SOT) , ou seja, B01 (A) = B01 (A) Reciprocamente suponha-se que B01 (A) = B01 (A) (SOT) ao teorema da densidade de Kaplansky tem-se que B01 (A consequentemente B01 (A) = B01 (A (SOT) (SOT) . . Recorrendo novamente (SOT) ) = B01 (A) (SOT) e ). Uma simples observação permite agora concluir que A é uma álgebra de von Neumann uma vez que A = A (SOT) . Saliente-se que nas condições do resultado anterior, dado que o conjunto B01 (A) 24 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Cap5:011 (SOT) (WOT) é convexo, então pela Proposição 5.1.2 tem-se que B01 (A) = B01 (A) , podendo substituir-se no corolário a topologia forte pela topologia fraca de operadores. Assim, sendo B01 (L(H)) a bola unitária fechada em L(H), B01 (L(H)) := T ∈ L(H) : kT kL ≤ 1 , dado que L(H) é uma álgebra de von Neumann então B01 (L(H)) é um conjunto fracamente fechado em L(H). Termina-se esta secção mostrando-se que B01 (L(H)) é mesmo um conjunto fracamente compacto em L(H), facto que se mostrará de grande importância no estudo das álgebras de von Neumann comutativas. Cap5:039 Proposição 5.3.6. Se H é um espaço de Hilbert, então a bola unitária fechada B01 (L(H)) é fracamente compacta em L(H). Dem. por Para quaisquer x, y ∈ H considere-se o subconjunto compacto de C definido Px,y : {z ∈ C : |z| ≤ kxkkyk}. Seja P := Q Px,y o produto dos espaços topológicos Px,y , com x, y ∈ H, no qual x,y∈H se considera a topologia produto (topologia de Tychonoff). Como todos os espaços Px,y são compactos então o mesmo acontece com P. Considere-se a aplicação Θ : B01 (L(H)) → P definida por, Θ(T ) := (hT x, yi)x,y∈H , T ∈ B01 (L(H)). A aplicação Θ é obviamente injectiva, e da definição da topologia fraca de operadores em L(H) conclui-se sem dificuldade que Θ é um homeomorfismo fracamente contı́nuo de B01 (L(H)) na imagem Θ(B01 (L(H))) ⊂ P. Dado que B01 (L(H)) é fracamente fechada em L(H) então Θ(B01 (L(H))) é um conjunto fechado em P, logo compacto. Assim, dado B01 (L(H)) = Θ−1 (Θ(B01 (L(H)))) tem-se como pretendido que o conjunto B01 (L(H)) é fracamente compacto em L(H). 5.3.1 Representações topológica e algebricamente irredutı́vel de álgebras C ∗ Nesta secção recupera-se o assunto introduzido no Capı́tulo 2 relativo às representações algebricamente e topologicamente irredutı́veis de uma álgebra de Banach (ver coremContRepres mentário que antecede Teorema ?? ). Sendo claro que toda a representação algebricamente irredutı́vel de uma álgebra de Banach é também topologicamente irredutı́vel, verifica-se nesta secção, por aplicação do teorema da densidade de Kaplansky, que o 5.3. TEOREMA DA DENSIDADE DE KAPLANSKY 25 recı́proca de tal afirmação é ainda verdadeira no caso da álgebra de Banach ser uma álgebras C ∗ . Para estabelecer este facto apresentam-se a seguir alguns resultados auxiliares, o primeiro dos quais que permitirá clarificar a demonstração da implicação de t15 (i) para (ii) indicada no Teorema ??. Cap5.yyy Proposição 5.3.7. Se A é uma álgebra C ∗ com unidade e (H, π) é uma sua repre- sentação (não nula) topologicamente irredutı́vel então [π(A)]0 = CIH , (SOT) [π(A)]00 = L(H) e π(A) = L(H). Dem. Se A é uma álgebra C ∗ e (H, π) é uma sua representação de A então π(A) é uma Cap5:08 ∗ subálgebra C de L(H) e, de Cap5:019 acordo com a Proposição 5.1.3, [π(A)]0 é uma álgebra de von Neumann. Do Teorema 5.2.6 conclui-se então [π(A)]0 é gerada pelos operadores de projecção que lhe pertencem. Ora, se P é uma projecção em [π(A)]0 então P π(a) = π(a)P para qualquer a ∈ A e assim, dado que P é o operador de projecção de H sobre o subespaço fechado M := P (H) ⊂ H, PM π(a) = π(a)PM , a ∈ A, Cap3:84 e M é em particular invariante para π (Proposição ??). Como (H, π) é irredutı́vel então M = {0} ou M = H e assim P = PM = 0 ou P = PM = IH . Como consequência tem-se que [π(A)]0 = CIH . Este facto implica de imediato que [π(A)]00 = L(H) e como (SOT) π(A) ⊂ π(A) ⊂ L(H) então 00 (SOT) [π(A)] ⊂ π(A) e assim π(A) (SOT) ⊂ L(H) 00 = L(H). Do teorema do bicomutante conclui-se que π(A) uma vez que π(A) 00 (SOT) (SOT) = L(H) define uma álgebra de von Neumann em L(H). Cap5.sss Lema 5.3.8. Sejam H um espaço de Hilbert, {ξ1 , ξ2 , ..., ξn } um conjunto ortonormado em H e z1 , z2 , ..., zn elementos de H. Nestas condições, sendo L > 0 um qualquer real positivo tal que kzi k ≤ L, i = 1, 2, ..., n, então existe um operador T ∈ L(H) tal que √ kT k ≤ nL e T ξi = zi para i = 1, 2, ...n. 26 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Dem. Sejam M := hξ1 , ξ2 , ..., ξn i o subespaço linear de H gerado pelos elementos do conjunto ortonormado {ξ1 , ξ2 , ..., ξn } e PM o operador de projecção de H sobre M. Defina-se em X o operador linear T : X → X tal que n X Tx = hPM x, ξj izj , x ∈ X. j=1 Observe-se que para i = 1, 2, ..., n se tem, T ξi = n X n X hPM ξi , ξj izj = hξi , ξj izj = hξi , ξi izi = zi . j=1 j=1 Além disso, para qualquer x ∈ X, obtém-se da desigualdade de Hölder que n n n X X X kT xk = hPM x, ξj izj ≤ khPM x, ξj izj k = |hPM x, ξj i| kzj k j=1 j=1 j=1 1 ! 12 ! n n n 2 X X X 1 ≤L |hPM x, ξj i| ≤ L |hPM x, ξj i|2 j=1 j=1 j=1 n X √ ≤L n |hPM x, ξj i|2 ! 21 . (5.8) Cap5.op1 j=1 Atendendo a que PM x é um elemento de M := hξ1 , ξ2 , ..., ξn i então PM x = n X hPM x, ξj iξj , x ∈ X, j=1 e a ortonormalidade do conjunto {ξ1 , ξ2 , ..., ξn } implica que 2 kPM xk = n X 2 2 |hPM x, ξi i| kξi k = j=1 n X |hPM x, ξi i|2 , x ∈ X. (5.9) Cap5.op2 j=1 Cap5.op1Cap5.op2 De (5.8) e (5.9) conclui-se então que n X √ kT xk ≤ L n |hPM x, ξj i|2 ! 12 √ √ = L nkPM xk ≤ L nkxk, x ∈ X, j=1 √ ou seja, kT k ≤ L n e o operador T está nas condições do enunciado. Cap5.yyy Cap5.sss Juntado a Proposição 5.3.7, o Lema 5.3.8 e o teorema da densidade de Kaplansky pode agora estabelecer-se o importante resultado. 5.3. TEOREMA DA DENSIDADE DE KAPLANSKY 27 Cap5.www Teorema 5.3.9. Sejam A uma álgebra C ∗ com unidade e (H, π) uma sua repre- sentação (não nula) topologicamente irredutı́vel. Se z1 , z2 , ..., zn são elementos do espaço de Hilbert H então para qualquer conjunto ortonormado {ξ1 , ξ2 , ..., ξn } em H existe um elemento a ∈ A tal que π(a)ξi = zi , i = 1, 2, ...n. Dem. Sejam {ξ1 , ξ2 , ...,Cap5.sss ξn } ⊂ H um conjunto ortonormado e z1 , z2 , ..., zn elementos de H. Sabe-se do Lema 5.3.8 que existe T0 ∈ L(H) tal que T0 ξi = zi , i = 1, 2, ...n. Cap5.yyy Sendo (H, π) topologicamente irredutı́vel, tem-se da Proposição 5.3.7 que π(A) é fortemente fechado em L(H) e como consequência é possı́vel fixar um elemento a0 ∈ A por forma a que 1 kπ(a0 )ξi − T0 ξi k = kπ(a0 )ξi − zi k < √ , 2 n i = 1, 2, ..., n. Cap5.sss (1) Definindo zi := zi −π(a0 )ξi para i = 1, 2, ..., n, e recorrendo novamente ao Lema 5.3.8, fixe-se T1 ∈ L(H) por forma a que kT1 k ≤ 12 e (1) T1 ξi = zi , i = 1, 2, ..., n. Como T1 ∈ B01 (L(H)) e, do teorema da densidade de Kaplansky, B01 (L(H)) = (SOT) B01 (π(A)) então existe a1 ∈ A tal que kπ(a1 )k ≤ 1 1 e kπ(a1 )ξi − T1 ξi k ≤ 2 √ , 2 2 n i = 1, 2, ..., n. (5.10) (2) Definindo agora zi := T1 ξi − π(a1 )ξCap5.yyy i = zi − π(a0 )ξi − π(a1 )ξi para i = 1, 2, ..., n, conclui-se igualmente da Proposição 5.3.7 e do teorema da densidade de Kaplansky que existe T2 ∈ L(H) e a2 ∈ A por forma a que kT2 k ≤ e kπ(a2 )k ≤ 1 , 22 1 , 22 (2) T2 ξi = zi , kπ(a2 )ξi − T2 ξi k ≤ i = 1, 2, ..., n, 23 1 √ , n i = 1, 2, ..., n. (5.11) Repetindo sucessivamente os argumentos anteriores é possı́vel encontrar em L(H) uma sucessão de operadores (Tk ) e em A uma sucessão de elementos (ak ) tais que, para qualquer k ∈ N, (k) Tk ξi = zi := zi − π(a0 )ξi − π(a1 )ξi − . . . − π(ak−1 )ξi , i = 1, 2, ..., n, 28 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN com 1 1 kπ(ak )k ≤ k e kπ(ak )ξi − Tk ξi k ≤ k+1 √ , i = 1, 2, ..., n. (5.12) 2 2 n P Dado que a série ∞ j=0 π(aj ) é convergente em π(A), pois é absolutamente convergente e π(A) é espaço de Banach, então existe um elemento a ∈ A tal que π(a) = ∞ X π(aj ). j=0 Repare-se que para qualquer i = 1, 2, ..., n, zi − π(a)ξi = zi − ∞ X j=0 π(aj )ξi = lim k→∞ zi − k X j=0 ! π(aj )ξi = lim Tk+1 ξi = 0, k→∞ ou seja, π(a)ξi = zi . Cap5.www Como consequência do Teorema 5.3.9 obtém-se para algebras C ∗ a equivalência,das noções de representação algebricamente irredutı́vel e topologicamente irredutı́vel. Cap4F Proposição 5.3.10. Se A é uma álgebra C ∗ então qualquer representação topologica- mente irredutı́vel (não nula) de A é também algebricamente irredutivel. Dem. Sejam (H, π) uma representação topologicamente irredutı́vel de A e K ⊂ H um seu subespaço invariante não nulo. Tem-se que π(a)K ⊂ K para qualquer a ∈ A. Cap5.www Sendo ξ um qualquer elemento de H e ζ ∈ K \ {0} sabe-se do Teorema 5.3.9 que existe um elemento a ∈ A tal que π(a)ζ = ξ. Como consequência, ξ ∈ K e assim K = H. Se os únicos subespaços invariantes da representação (H, π) são os triviais então esta é algebricamente irredutı́vel. 5.4 Álgebras de von Neumann comutativas Esta secção é dedicada ao estudo das álgebras de von Neumann comutativas. Como exemplo inicial apresentam-se as álgebras C ∗ de operadores de multiplicação por funções essencialmente limitadas num espaço mensurável. Posteriormente mostra-se que se H é um espaço de Hilbert separável então as álgebras de von Neumann comutativas em L(H) são isométricamente isomorfas a álgebras C ∗ do tipo L∞ (K, dµ), onde K é um espaço Hausdorff compacto e µ é uma medida de Borel finita regular e positiva. As álgebras dos operadores de multiplicação constituém assim o modelo para as álgebras de von Neumann comutativas que actuam em espaços de Hilbert separáveis. 5.4. ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN COMUTATIVAS 5.4.1 29 A álgebra dos operadores de multiplicação Por definição uma álgebra de von Neumann comutativa que actua num espaço de Hilbert H é uma subálgebra C ∗ comutativa de L(H) que contém o operador identidade IH ∈ L(H) e é fortemente fechada em L(H) (equivalentemente, fracamente fechada). Uma álgebra de von Neumann comutativa A diz-se maximal se A não está propriamente contida em nenhuma outra algebra de von Neumann comutativa. É um exercı́cio simples verificar que uma álgebra de von Neumann comutativa A é maximal se e só se A = A0 . Uma simples aplicação do lema de Zorn permite ainda afirmar que toda a álgebra de von Neumann comutativa está contida numa álgebra comutativa maximal. Tem-se assim o seguinte resultado: Cap5:029 Proposição 5.4.1. Sejam H um espaço de Hilbert e A ⊂ L(H) uma álgebra de von Neumann comutativa. Então, (i) A está contida numa álgebra de von Neumann comutativa maximal; (ii) A é uma álgebra comutativa maximal se e só se A = A0 . Tendo por objectivo a apresentação de um exemplo importante de uma álgebra de von Neumann comutativa maximal, considere-se no que segue X um espaço Hausdorff compacto e µ : R(X) → [0, ∞] uma medida de Borel positiva, regular e finita definida em R(X), a σ-algebra dos borelianos de X. Sejam L∞ (X, µ) a álgebra C ∗ das funções f : X → C (classes de funções) mensuráveis e essencialmente limitadas com a norma kf k∞ := ess sup|f (x)| < ∞, x∈X 2 e L (X, µ) o espaço de Hilbert das funções g : X → C (classes de funções) mensuráveis de quadrado integrável com norma Z kgk2 = |g|2 dµ < ∞. X Para cada função f ∈ L∞ (X, µ) defina-se em L2 (X, µ) o operador de multiplicação Mf : L2 (X, µ) → L2 (X, µ), g 7→ Mf (g) := f g. (5.13) Tem-se o seguinte resultado: Cap5:023 Proposição 5.4.2. Para cada função f ∈ L∞ (X, µ), o operador de multiplicação Mf é um operador linear limitado com a norma kMf kL = kf k∞ . Além disso, a aplicação M : L∞ (X, µ) → L(L2 (X, µ)), f 7→ Mf é um homomorfismo-∗ isométrico e unital de L∞ (X, µ) em L(L2 (X, µ)). 30 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Dem. Sendo f ∈ L∞ (X, µ), é imeadiato que Mf é um operador linear. Quanto à norma de Mf note-se que Z Z Z 2 2 2 2 2 2 |f g| dµ = |f | |g| dµ ≤ kf k∞ |g|2 dµ = kf k2∞ kgk22 , kMf (g)k2 = kf gk2 = X X X o que implica kMf k ≤ kf k∞ . Para mostrar a igualdade kMf kL = kf k∞ , suponha-se que kf k∞ > kMf kL . Nesta situação existe um real > 0 tal que kf k∞ − > kMf kL e, como µ é finita, existe um boreliano ∆ ⊂ X com 0 < µ(∆) < ∞ e tal que para qualquer x ∈ ∆, |f (x)| ≥ kMf kL + . (5.14) Cap5:021 1 Defina-se g := µ(∆)− 2 χ∆ . Tem-se que g ∈ L2 (X, µ) com kgk2 = 1 e, calculando kMf (g)k2 , obtém-se Z Z 2 −1 2 −1 |f |2 dµ |f χ∆ | dµ = µ(∆) kMf (g)k2 = µ(∆) ∆ ZX 2 ≥ µ(∆)−1 kMf kL + dµ = (kMf kL + )2 , ∆ o que é impossı́vel. Assim, kMf k = kf k∞ e o homomorfismo f 7→ Mf é ainda isométrico. Como M1 = IL2 (X,µ) , com 1 a função constantemente igual ao número real 1, então o homomorfismo é unital. Para terminar basta reparar que Mf = (Mf )∗ . Efectivamente, para qualquer f ∈ L∞ (X, µ), Z Z Z (f g)h dµ = (gf h) dµ = hMf (g), hi = (f h)g dµ = hf h, gi = hg, Mf (h)i, X X X para quaisquer g, h ∈ L2 (X, µ), logo Mf = (Mf )∗ . A aplicação f 7→ Mf é assim um homomorfismo-∗ isométrico. Denote-se por L∞ (X, µ) a subálgebra-∗ de L(L2 (X, µ)) constituı́do por todos os operadores de multiplicação por funções de L∞ (X, µ), L∞ (X, µ) := {Mf : f ∈ L∞ (X, µ)} . (5.15) Cap5:025 Cap5:023 Pela Proposição 5.4.2 tem-se que a álgebra C ∗ L∞ (X, µ) é isometricamente isomorfa a L∞ (X, µ) e consequentemente L∞ (X, µ) constitui uma álgebra C ∗ . A álgebra L∞ (X, µ) é ainda comutativa e contém o operador identidade IL2 (X,µ) . Mostra-se a seguir que L∞ (X, µ) é mesmo uma álgebra de von Neumann. Proposição 5.4.3. A álgebra L∞ (X, µ) é uma álgebra de von Neumann comutativa maximal que actua em L2 (X, µ). 5.4. ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN COMUTATIVAS 31 Dem. Cap5:08 Sendo L∞ (X, µ) uma álgebra autoadjunta, resulta da condição (v) da Proposição 5.1.3 que (L∞ (X, µ))0 é uma álgebra de von Neumann. Mostre-se que L∞ (X, µ) = (L∞ (X, µ))0 . (5.16) Cap5:027 Da comutatividade L∞ (X, µ) tem-se L∞ (X, µ) ⊂ (L∞ (X, µ))0 . Para mostrar a inclusão contrária fixe-se um operador T ∈ (L∞ (X, µ))0 e mostre-se que existe uma função f ∈ L∞ (X, µ) tal que T = Mf . Sejam 1 ∈ L2 (X, µ) a função constantemente igual ao número real 1 e f ∈ L2 (X, µ) a função definida por f := T (1). Para qualquer g ∈ L∞ (X, µ) ⊂ L2 (X, µ), dado que Mg ∈ L∞ (X, µ) e T ∈ (L∞ (X, µ))0 , então T (g) = T Mg (1) = Mg T (1) = Mg f = gf = f g, (5.17) Cap5:0266 e como consequência, kgf k2 = kT (g)k2 ≤ kT kL kgk2 . (5.18) Cap5:026 Para cada n ∈ N seja ∆n o boreliano ∆n = {x ∈ X : |f (x)| ≥ n} Cap5:026 e gn a função gn := χ∆n ∈ L∞ (X, µ). De acordo com (5.18) tem-se que Z 2 2 2 kT kL µ(∆n ) = kT kL kgn k2 ≥ kgn f k2 = |f |2 dµ ≥ n2 µ(∆n ). ∆n Como T é limitado então para n suficientemente grande tem-se µ(∆n ) = 0 e este Cap5:0266 ∞ facto garante que f ∈ L (X, µ). Assim, de (5.17) conclui-se que para qualquer função g ∈ L∞ (X, µ), T (g) = f g = Mf (g), pelo que a igualdade T = Mf acontece em L∞ (X, µ). O operador T é então uma extensão do operador de multiplicação Mf : L∞ (X, µ) → L∞ (X, µ) e como L∞ (X, µ) é denso em L2 (X, µ) então a igualdade T = M acontece em todo o espaço de Hilbert Cap5:027 f 2 L (X, µ). Estabelecida a igualdade (5.16) conclui-se que Cap5:029 L∞ (X, µ) é uma álgebra de von Neumann comutativa e, de acordo com a Proposição 5.4.1, maximal. Dado que L∞ (X, µ) é isometricamente isomorfa à álgebra de von Neumann L∞ (X, µ) é usual referir L∞ (X, µ) também como uma álgebra de von Neumann. 5.4.2 Álgebras de von Neumann comutativas em espaços separáveis Sendo (X, µ) um espaço mensurável, com X um espaço Hausdorff compacto e µ uma medida de Borel regular e finita, tem-se que a álgebra L∞ (X, µ), a subálgebra C ∗ de 32 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN L(L2 (X, µ)) constituı́da pelos operadores de multiplicação pelas funções de L∞ (X, µ), é uma álgebra de von Neumann comutativa maximal. No que se segue vai mostrar-se que qualquer álgebra de von Neumann que actue num espaço de Hilbert separável é isomorfa-∗ a uma álgebra L∞ (X, µ) para algum espaço Hausdorff compacto X com µ uma medida de Borel regular e finita. Para estabelecer este facto começam-se por introduzir os conceitos de vector cı́clico e vector separador para uma álgebra de von Neumann. Definição 5.4.1. Sejam H um espaço de Hilbert e A uma subálgebra C ∗ de L(H). Diz-se que um vector ξ0 ∈ H é cı́clico para A sempre que ξ0 seja um vector cı́clico Sub4i para a representação dada pela injecção canónica de A em L(H) (ver Subsecção ??), ou seja, se e só se o conjunto Aξ0 := {T ξ0 : T ∈ A} é denso em H. Um vector ξ0 ∈ H diz-se separador para A sempre que a aplicação linear de A em H definida por T 7→ T ξ0 é injectiva, ou seja, se e só se o único operador T ∈ A tal que T ξ0 = 0 é T = 0. Exemplo 5.4.1. Para a álgebra de von Neumann L∞ (X, µ) ⊂ L(L2 (X, µ)), com X Hausdorff compacto e µ uma medida de Borel regular e finita, a função 1 ∈ L2 (X, µ), função constantemente igual ao número real 1, constitui um vector cı́clico pois L∞ (X, µ) é denso em L2 (X, µ). Dado que C(X), a álgebra C ∗ das funções contı́nuas em X, é também densa em L∞ (X, µ) então a função 1 define ainda um vector cı́clico para a álgebra C ∗ C(X, µ) := {Mu : u ∈ C(X)} ⊂ L∞ (X, µ). Para as álgebras L∞ (X, µ) e C ∞ (X) a função 1 é também um vector separador. Os conceitos de vector cı́clico e vector separador podem ser relacionados. Cap5:028 Proposição 5.4.4. Sejam H um espaço de Hilbert, A uma subálgebra C ∗ de L(H) que contém IH e ξ0 ∈ H. Então ξ0 é vector cı́clico para A se e só se ξ0 é vector separador para A0 . Dem. Suponha-se que ξ0 é vector cı́clico para A. Dado T ∈ A0 tal que T ξ0 = 0, então para qualquer operador A ∈ A, T Aξ0 = AT ξ0 = 0. Assim, atendendo a que o conjunto Aξ0 := {Aξ0 : A ∈ A} é denso em H, tem-se que T = 0 logo ξ0 é um vector separador para A0 . 5.4. ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN COMUTATIVAS 33 Reciprocamente, suponha-se que ξ0 é separador para A0 . Sejam M := Aξ0 o fecho do conjunto Aξ0 := {Aξ0 : A ∈ A} e PM o operador de projecção de H sobre Aξ0 . O ⊥ conjunto Aξ0 é claramente invariante para todos os operadores de A. Assim, Aξ0 , o conjunto ortogonal de Aξ0 , é invariante para todos os operadores A∗ com A ∈ A.d3.4.0 O H é então redutor para todos os operadores de A (ver Definição ??) subespaço Aξ0 ⊂p3.4.0 e da Proposição ?? conclui-se que PM A = APM , A ∈ A, ou seja, PM ∈ A0 . Assim, (IH − PM ) ∈ A0 e como ξ0 ∈ Aξ0 , pois IH ∈ A, então (IH − PM )ξ0 = 0. Como ξ0 é separador de A0 então PM = IH logo Aξ0 = H. O vector ξ0 é então cı́clico para A. Cap5:028 Cap5:029 Juntando à Proposição 5.4.4 a Proposição 5.4.1 obtém-se para subálgebras comutativas de L(H) que contenham a identidade IH ∈ L(H) o seguinte resultado: Cap5:111 Proposição 5.4.5. Sejam H um espaço de Hilbert, A uma subálgebra C ∗ comutativa de L(H) tal que IH ∈ L(H) e ξ0 ∈ H. Tem-se que, (i) se ξ0 é cı́clico para A então ξ0 é também separador para A; (ii) se A é uma álgebra de von Neumann comutativas maximal então ξ0 é cı́clico para A se e só se ξ0 é separador para A. Cap5:028 Dem. (i) Se ξ0 ∈ H é um vector cı́clico para A obtém-se da Proposição 5.4.4 que ξ0 é um vector separador para A0 . Como A é comutativa então A ⊂ A0 e em particular ξ0 é separador para A. Cap5:029 von Neumann comutativa (ii) Da Proposição 5.4.1 tem-se que se A é algebra de Cap5:028 0 maximal então A = A. Assim, obtém-se da Proposição 5.4.4 que ξ0 é cı́clico para A se e só se ξ0 é separador para A0 = A. O próximo resultado indica condições suficientes para que uma subálgebra C ∗ em L(H) admita um vector separador. Cap5:030 Proposição 5.4.6. Se H é um espaço de Hilbert separável e A é uma subálgebra C ∗ comutativa de L(H) tal que IH ∈ A, então existe em H um vector separador para A. Dem. Para cada vector ξ ∈ H considere-se Aξ o fecho do conjunto Aξ. Seja B01 (H) := {ξ ∈ H : kξk = 1} a bola unitária fechada de H e P(H) o subconjunto das partes de B01 (H) definido por P(H) := J ⊂ B01 (H) : Aξ1 ⊥ Aξ2 para quaisquer ξ1 , ξ2 ∈ J com ξ1 6= ξ2 . 34 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Observe-se que P(H) 6= ∅ uma vez contém todos os subconjuntos singulares de elementos de B01 (H). Ordenando P(H) com a relação de inclusão é fácil concluir que existe em P(H) um conjunto maximal uma vez que são satisfeitas as condições do lema de Zorn. Sendo J0 esse conjunto maximal, se y ∈ B01 (H) é tal que y⊥ Aξ para algum ξ ∈ J0 então, dado que A é auto-adjunta, tem-se que Ay⊥L Aξ para ξ ∈ J0 e da maximalidade de J0 então y ∈ J0 . Assim, uma vez que H ⊃ Aξ, tem-se que ξ∈J0 H = ⊕ξ∈J0 Aξ, ou seja, H é a soma directa ortogonal dos espaços de Hilbert Aξ com ξ ∈ J0 . Como H é separável então o conjunto ortogonal J0 é necessariamente contável. Suponha-se que J0 = {ξn : n ∈ N} com ξn 6= ξm para n 6= m, e seja ξ0 o elemento de H definido por ∞ X ξn ξ0 := . n 3 n=1 Observe-se que ξ0 está bem definido uma vez que é dado pela soma de uma série absolutamente convergente. Mostre-se a seguir que ξ0 é um vector separador para A. Suponha-se que T ξ0 = 0 para algum T ∈ A \ {0}. Assim, dado que 0 = T ξ0 = ∞ X T ξn n=1 3n e o conjunto {T ξn : n ∈ N} é ortogonal então T ξn = 0 para qualquer n ∈ N. Da comutatividade A conclui-se que T (Aξn ) = A(T ξn ) = 0 para quaisquer A ∈ A e n ∈ N, e este facto implica que T = 0 pois H = ⊕n∈N Aξn . O vector ξ0 é assim um vector separador para A. Corolário 5.4.7. Se A é uma álgebra de von Neumann comutativa maximal que actua num espaço de Hilbert separável H, então existe em H um vector cı́clico para A. Cap5:111 Dem. Cap5:030 Consequência imediata da afirmação (ii) da Proposição 5.4.5 aliáda à Proposição 5.4.6. A existência de vectores cı́clicos para as álgebras de von Neumann comutativas vai permitir relacioná-las com a álgebra dos operadores de multiplicação L∞ (X, µ). Cap5:036 Teorema 5.4.8. Se A uma álgebra de von Neumann comutativa que actua num espaço de Hilbert H e ξ0 ∈ H é um vector cı́clico para A, então existe um espaço Hausdorff 5.4. ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN COMUTATIVAS 35 compacto X, uma medida de Borel positiva regular e finita µ definida nos borelianos de X, e um operador unitário U : H → L2 (X, µ) tal que U AU ∗ = L∞ (X, µ), onde U AU ∗ := {U AU ∗ : A ∈ A} e L∞ (X,Cap5:025 µ) é a álgebra de von Neumann dos operadores de multiplicação definida como em (5.15). Além disso a aplicação Πξ0 : A → L(L2 (X, µ)), A 7→ U AU ∗ é uma representação isométrica de A no espaço de Hilbert L2 (X, µ). Dem. Seja X := MA o espaço dos funcionais lineares multiplicativos não nulos definidos em A. Com a topologia de Gelfand X é um espaço Hausdorff compacto. Seja b b: A → C(X), A 7→ A a transformação de Gelfand de A. Sendo A uma álgebra de von Neumann comutativa, logo uma álgebra C ∗ comutativa com unidade, tem-se do teorema de Gelfand-Naimark cap3:37 (Teorema ??) que a transformação de Gelfand constitui um isomorfismo-∗ isométrico de A em C(X). Para cada função f ∈ C(X) existe então um e um só operador Af ∈ A cf = f ficando assim bem definido em C(X) o funcional linear positivo por forma a que A ϕ : C(X) → C, onde ϕ(f ) := hAf ξ0 , ξ0 i, f ∈ C(X), com ξ0 ∈ H é o vector cı́clico para A. Pelo teorema da representação de Riesz, associado ao funcional linear positivo ϕ existe uma única medida positiva regular e finita µ, definida nos borelianos de X, tal que Z f dµ, f ∈ C(X). ϕ(f ) = X Defina-se no subespaço Aξ0 = {Aξ0 : A ∈ A} de H o operador linear U, b U : Aξ0 → C(X), Aξ0 7→ A. (5.19) Cap5:031 Observe-se que se ξ0 é um vector cı́clico para A então, como A é comutativa, ξ0 é Cap5:111 também um vector separador para A (ver Proposição 5.4.5) pelo que para A, B ∈ A, (Aξ0 = Bξ0 ) ⇔ ((A − B)ξ0 = 0) ⇒ (A = B), e o operador U está assim bem definido. Para qualquer A ∈ A, Z 2 b 2 ∗ A) = hA∗ Aξ , ξ i = kAξ k2 , b b 2 ) = ϕ(A c∗ A) b = ϕ(A d kAk2 = A dµ = ϕ(|A| 0 0 0 X 36 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN ou seja, U é um isomorfismo isometrico de Aξ0 ⊂ H em C(X) ⊂ L2 (X, µ), e como tal pode ser estendido por continuidade a um operador isométrico e sobrejectivo, logo unitário de H em L2 (X, µ) pois C(X) é denso em L2 (X, µ) e Aξ0 = H. Represente-se essa extensão ainda por U. Sendo U unitário então a aplicação L(H) → L(L2 (X, µ)), A 7→ U AU ∗ (5.20) Cap5:033 é um isomorfismo-∗ isométrico entre as álgebras L(H) e L(L2 (X, µ)) logo um homeomorfismo fortemente contı́nuo. Como consequência, U AU ∗ é uma álgebra de von Neumann em L(L2 (X, µ)). Mostra-se de Cap5:031 seguida que U AU ∗ = L∞ (X, µ). Dados T e A quaisquer dois operadores em A, de (5.19) tem-se que U AU ∗ (Tb) = U AU −1 (Tb) = U A(T ξ0 ) c =A bTb = M bTb. = U (AT ξ0 ) = AT A Assim, dado que Ab = C(X) é denso em L2 (X, µ) então, para qualquer A ∈ A, U AU ∗ = MAb, (5.21) Cap5:032 tendo-se U AU ∗ = {Mf : f ∈ C(X)}. Como C(X) ⊂ L∞ (X, µ) ⊂ L2 (X, µ), então qualquer elemento de L∞ (X, µ) pode ser aproximado na norma de L2 (X, µ) por uma sucessão de funções em C(X). Este facto permite garantir que U AU ∗ é fracamente denso em L∞ (X, µ) = {Mf : f ∈ L∞ (X, µ)}. Como U AU ∗ é fracamente fechado, então U AU ∗ = L∞ (X, µ). Para terminar basta observar que Πξ0 : A → L(L2 (K, µ)), A 7→ U AU ∗ , Cap5:033 a restrição do isomorfismo-∗ isométrico definido em (5.20) à álgebra A, é obviamente uma representação isométrica de A. Para álgebras de von Neumann comutativas em espaços de Hilbert separáveis a dificuldade relacionada com a existência de vectores cı́clicos pode ser ultrapassada Cap5:036 podendo estabelecer-se ainda um resultado análogo ao da Proposição 5.4.8. 5.4. ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN COMUTATIVAS 37 Teorema 5.4.9. Se A é uma álgebra de von Neumann comutativa que actua num espaço de Hilbert separável H, então A é isometricamente isomorfa-∗ a alguma álgebra L∞ (X, µ), com X um espaço Hausdorff compacto e µ uma medida de Borel positiva regular e finita em X. Cap5:030 Dem. De acordo com a Proposição 5.4.6 existe em H um vector ξ0 separador para A. O espaço de Hilbert M := Aξ0 ⊂ H é claramente invariante para todos os operadores de A tendo-se A(M ) ⊂ M para qualquer A ∈ A. Considere-se o operador linear Θ : A → L(M ), A 7→ A|M , onde A|M designa a restrição do operador A ao subespaço M. É imediato que Θ define um homomorfismo em A (pela invariância de M para os operadores A ∈ A). Θ é mesmo um homomorfismo-∗ isométrico. Efectivamente, quanto à injectividade, se T ∈ A é tal que Θ(T ) = 0 então, T (Aξ0 ) = Θ(T )(Aξ0 ) = 0, A ∈ A. Assim, dado que IH ∈ A, T (ξ0 ) = T (IH ξ0 ) = 0 e como ξ0 é separador para A então T = 0. Além disso, para quaisquer A ∈ A e ξ1 , ξ2 ∈ M, hΘ(A∗ )ξ1 , ξ2 i = hA∗ ξ1 , ξ2 i = hξ1 , Aξ2 i = hξ1 , Θ(A)ξ2 i = hΘ(A)∗ ξ1 , ξ2 i, pelo que Θ(A∗ ) = Θ(A)∗ . Θ é assim um homomorfismo-∗ injectivo, logo isométrico, e Θ(A) é uma subálgebra C ∗ de L(M ) que admite ξ0 como vector cı́clico. Como Θ é isométrico, então Θ(B01 (A)) = B01 (Θ(A)), (5.22) Cap5:035 onde B01 (A) e B01 (Θ(A)) designam, respectivamente, a bola unitária fechada em A Cap5:034 e em Θ(A). Pelo teorema da densidade de Kaplansky (Teorema 5.3.4), sendo A uma álgebra de von Neumann então a bola B01 (A) é fracamente fechada em L(H). Assim, como ACap5:039 é fracamente fechada em L(H) e B01 (L(H)) é fracamente compacta (Proposição 5.3.6) em L(H), então B01 (A) = A ∩ B01 (L(H)), é fracamente compacta Cap5:035 em L(H). Como o homomorfismo Θ é claramente fracamente contı́nuo conclui-se de (5.22) que B01 (Θ(A)) é fracamente compacta em L(M ). Como B01 (Θ(A)) é um conjunto convexo então é também fortemente compacto e pelo CoCap5.222 rolário 5.3.5 conclui-se que Θ(A) é uma álgebra de von Neumann. Finalmente basta Cap5:036 observarCap5:023 que Θ(A) está nas condições do Teorema 5.4.8 o qual, juntamente com a Proposição 5.4.2, permite afirmar que A é isometricamente isomorfa-∗ a L∞ (X, µ), logo a L∞ (X, µ) com (X, µ) nas condições do enunciado. 38 5.5 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Comparação de projecções em álgebras de von Neumann Nesta secção vai proceder-se à comparação das projecções de uma álgebra de von Neumann A. Começa-se por definir no conjunto das projecções de A uma relação de equivalência e, posteriormente, definir sobre o conjunto das classes de equivalência obtidas uma relação de ordem parcial. A noção de projecção finita ou infinita é depois introduzida e com o seu auxı́lio vai proceder-se à classificação das álgebras de Von Neumann separando-as em álgebras de tipo I, II ou III, com extruturas que em grande parte são determinadas pelo conjunto das suas projecções. 5.5.1 Equivalência de projecções e decomposição polar Sendo H um espaço de Hilbert considere-se no conjunto das projecções de L(H) a sec5.1.2 s3:3 habitual relação “≥”(ver inı́cio das subsecções 5.2 e ??). Com esta relação o conjunto das projecções de L(H) constitui um conjunto parcialmente ordenado. Dados dois operadores de projecção P1 e P2 em L(H), represente-se por (P1 ∧ P2 ) (5.23) Cap5:040 o operador de projecção de H sobre o subespaço fechado M := Im P1 ∩ Im P2 , onde Im P1 e Im P2 designam respectivamente os contradomı́nios das projecções P1 e P2 . Dado que Im (P1 ∧ P2 ) ⊂ Im P1 e Im (P1 ∧ P2 ) ⊂ Im P2 , então P1 ≥ (P1 ∧ P2 ) e P2 ≥ (P1 ∧ P2 ), V peloVque P1 P2 é um minorante do conjunto {P1 , P2 }. O operador de projecção (P1 P2 ) é mesmo o maior Voperador de projecção que é minorante do conjunto {P1 , P2 } e como tal diz-se que (P1 P2 ) é o infimo do conjunto {P1 , P2 }. Para os operadores de projecção P1 e P2 represente-se ainda por (P1 ∨ P2 ) o operador de projecção definido por (P1 ∨ P2 ) := IH − ((IH − P1 ) ∧ (IH − P2 )) (5.24) Cap5:041 que constitui o operador de projecção de H sobre o subespaço dado pelo fecho do espaço linear gerado por Im P1 ∪ Im P2 . O operador (P1 ∨ P2 ) é o menor majorante do conjunto {P1 , P2 } dizendo-se o supremo de {P1 , P2 }. A definição de supremo e infimo de duas projecções pode generalizar-se a qualquer famı́lia de projecções tendo-se que: Cap5:066 Definição 5.5.1. Se {Pα } é uma famı́lia de operadores de projecção em L(H), com H um espaço de Hilbert, chama-se projecção ı́nfimo da famı́lia {Pα }, e representa-se por ∧Pα , α 5.5. COMPARAÇÃO DE PROJECÇÕES EM ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN39 ao operador de projecção de H sobre o subespaço fechado M := ∩α Im Pα . Ao operador de projecção definido por ∨Pα := IH − ∧(IH − Pα ), α α chama-se projecção supremo da famı́lia {Pα }. W O operador Pα constitui o operador de projecção sobre o fecho do espaço linear α gerado pelo conjunto M := ∪ Im Pα , a união dos contradomı́nios de todos os operadores α Pα . No caso da famı́lia {Pα } ser ortogonal tem-se claramente que X ∨Pα = Pα (SOT). α (5.25) Cap5:065 α O conjunto das projecções de uma álgebra de von Neumann constitui, com a relação “≤”, um conjunto parcialmente ordenado onde todo o subconjunto não vazio de projecções tem um infimo e um supremo que é uma projecção na álgebra. Proposição 5.5.1. Se A é uma álgebra de von Neumann que actua num espaço de Hilbert H então o conjunto dos operadores de projecção que estão em A define um reticulado completo. Dem. Sejam P1 , P2 operadores de projecção em A. Dado T ∈ A0 um qualquer operador limitado no comutante de A, como Pi T = T Pi e Pi T ∗ = T ∗ Pi , i = 1, 2, p3.4.0 resulta da Proposição ?? que Im P1 e Im P2 são subespaços redutores para T e T ∗ . Em particular o subespaço M := Im P1 ∩ Im P2 é invariante para T e T ∗ obtendo-se ainda Cap3:84 da Proposição ??), que (P1 ∧ P2 )T = T (P1 ∧ P2 ). Assim, (P1 ∧ P2 ) ∈ A00 e pelo teorema do bicomutante conclui-se que (P1 ∧ P2 ) ∈ A pois, sendo A uma álgebra de von Neumann, A = A00 . Como IH ∈ A então também a projecção P1 ∨P2 pertence à álgebra A. O conjunto das projecções de A constitui assim um reticulado parcialmente ordenado, uma vez que para quaisquer duas projecções P1 , P2 ∈ A, o infimo e o supremo do conjunto {P1 , P2 } ainda são projecções de A. Este reticulado é mesmo completo uma vez que se {Pα } constituir uma qualquer famı́lia de projecções em A então, analogamente ao efectuado anteriormente, mostra-se sem dificuldade que as projecções ∧ Pα e ∨ Pα ainda estão em A. α α A par da relação de ordem parcial “≥” pode definir-se no conjunto das projecções de uma álgebra de von Neumann uma relação de equivalência. 40 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Cap5:048 Definição 5.5.2. Seja A uma álgebra de von Neumann que actua num espaço de Hil- bert H. Diz-se que dois operadores de projecção P1 e P2 da álgebra A são equivalentes em A (Murray-von Neumann equivalentes), representando-se por P1 ∼A P2 , se e só se existir um operador V ∈ A tal que P1 = V ∗ V e P 2 = V V ∗ (P1 e P2 dizem-se equivalentes em A por meio de V ). Cap3:7 Observe-se que de acordo com a Proposição ??, se duas projecções P1 e P2 em A são equivalentes por meio do operador V ∈ A então V é uma isometria parcial com espaços inicial e final dados, respectivamente, por (Ker V )⊥ = Im P1 e Im V = Im P2 . Além disso, tem-se que P2 = V P1 V ∗ e P1 = V ∗ P2 V. É um exercı́cio simples mostrar que a relação “∼A ” define no conjunto das projecções de uma álgebra de von Neumann A uma relação de equivalência. Cap5.444 Proposição 5.5.2. Seja A uma álgebra de von Neumann que actua num espaço de Hilbert H. Se P, Q, S são operadores de projecção em A então P ∼A P, se P ∼A Q então Q ∼A P e finalmente, se P ∼A Q e Q ∼A S então P ∼A S. Cap3:10 Pelo teorema da decomposição polar em espaços de Hilbert (Teorema ??) sabe-se que para qualquer operador T ∈ L(H) existem, e são univocamente determinados, operadores V, A ∈ L(H) tais que T = V A, onde V é uma isometria parcial, A é um operador positivo e Ker V = Ker A. No caso do operador T pertencer a uma álgebra de von Neumann A então o mesmo sucede aos operadores V e A. Cap5:044 Teorema 5.5.3 (Decomposição polar em álgebras de von Neumann). Seja A uma álgebra de von Neumann que actua num espaço de Hilbert H. Se T é um operador em A e T = V A é a decomposição polar de T, com Ker V = Ker A, então V e A pertencem à álgebra A. Cap3:10 Dem. De acordo ?? o operador positivo A é dado √ com a demonstração do Teorema ∗ ∗ por A = |T | := T T . Sendo A uma álgebra C então é imedito que A ∈ A. Pelo 5.5. COMPARAÇÃO DE PROJECÇÕES EM ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN41 teorem do bicomutante, para mostrar que V pertence a A basta provar que V ∈ A00 . Para tal considere-se U ∈ A0 . Dado que A, T ∈ A e U ∈ A0 então, para qualquer x ∈ H, U V Ax = U T x = T U x = V AU x = V U Ax, o que permite afirmar que U V = V U em todos os pontos de M := Im A, o subespaço de H dado pelo fecho do contradomı́nio do operador A. Como A é positivo então Im A = (Ker A)⊥ = (Ker V )⊥ , e para provar que os operadores U V e V U coincidem em todo o espaço de Hilbert H basta mostrar que U V = V U também em M ⊥ = Ker V (= Ker A). Ora, para x ∈ Ker V é claro que U V x = 0. (5.26) Cap5:062 Além disso, dado que U A = AU, se x ∈ Ker A então AU x = U Ax = 0, o que permite afirmar que U (Ker A) ⊂ Ker A = Ker V. Assim, para qualquer x ∈ Ker V tem-se que U x ∈ Ker V e consequentemente V U x = 0. (5.27) Cap5:063 Cap5:062 Cap5:063 Ora, de (5.26) e (5.27) conclui-se como pretendido que U V x = V U x para x ∈ Ker V e, consequentemente, U V = V U, U ∈ A0 , ou seja, V ∈ A00 = A. Uma consequência importante do teorema da decomposição polar em álgebras de von Neumann é o critério de equivalência de projecções que se segue: Cap5:047 Proposição 5.5.4. Se A é uma álgebra de von Neumann que actua num espaço de Hilbert H e T ∈ A então, PT ∼ A PT ∗ , onde PT e PT ∗ designam, respectivamente, os operadores de projecção sobre o fecho dos contradomı́nios dos operadores T e T ∗ . 42 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Cap5:042 Dem. Sendo T um operador em A sabe-se do Corolário 5.2.5 que os operadores PT e PT ∗ estão também em A. Da demonstração do teorema da decomposição polar em √ Cap3:10 espaços de Hilbert (Teorema ??) tem-se que T = V A onde A := T ∗ T e V ∈ A é uma isometria parcial cujo espaço inicial é (Ker V )⊥ = (Ker A)⊥ = (Ker T )⊥ = Im T ∗ cap3:7 e o espaço final é Im T . Assim, obtém-se da Proposição ?? que para os operadores de projecção V ∗ V e V V ∗ se tem V ∗ V = PT ∗ e V V ∗ = PT , Cap5:044 e como pelo Teorema 5.5.3 se tem que V ∈ A então PT ∗ ∼A PT , ou seja, PT ∼A PT ∗ . Observe-se que se P1 e P2 são dois operadores de projecção num espaço de Hilbert H, então P1 ≥ P2 ⇔ Im P2 ⊂ Im P1 , e como consequencia, P1 ≥ P2 implica que o operador P1 − P2 é ainda um operador de projecção, uma vez que atendendo a que P1 P2 = P2 P1 = P2 , então (P1 − P2 )2 = P12 − P1 P2 − P2 P1 + P22 = P1 − P2 − P 2 + P2 = P1 − P 2 . Além disso uma simples observação conduz a que Im (P1 − P2 ) = Im P1 ∩ (Im P2 )⊥ . Com a observação anterior está-se em condições de apresentar a fórmula de Kaplansky para projecções que permite relacionar quaisquer duas projecções de uma álgebra de von Neumann. Cap5:045 Teorema 5.5.5 (Fórmula de Kaplansky). Se A é uma álgebra de von Neumann que actua num espaço de Hilbert H então, para quaisquer dois operadores de projecção P1 , P2 ∈ A, tem-se que ((P1 ∨ P2 ) − P2 ) ∼A (P1 − (P1 ∧ P2 )) . Dem. Atendendo à observação que antecede o teorema é claro que os operadores ((P1 ∨ P2 ) − P2 ) e (P1 − (P1 ∧ P2 )) são projecções em A. Dado que, (Im (IH − P2 )P1 )⊥ = Ker ((IH − P2 )P1 )∗ = Ker P1 (IH − P2 ) = Im P2 ⊕ ((Im P2 )⊥ ∩ (Im P1 )⊥ ) = Im P2 ⊕ (Im P2 ∪ Im P1 )⊥ , 5.5. COMPARAÇÃO DE PROJECÇÕES EM ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN43 designando por P((IH −P2 )P1 ) o operador de projecção sobre Im (IH − P2 )P 1 ⊂ H, então IH − P((IH −P2 )P1 ) = P2 + ((IH − P2 ) ∧ (IH − P1 )) = P2 + (IH − (P1 ∨ P2 )) pelo que (P1 ∨ P2 ) − P2 = P((IH −P2 )P1 ) . (5.28) Cap5.555 Analogamente, dado que (Im P1 (IH − P2 ))⊥ = Ker (P1 (IH − P2 ))∗ = Ker (IH − P2 )P1 ⊥ ⊥ = Im (IH − P1 ) ⊕ (Im (IH − P1 )) ∩ (Im (IH − P2 )) = Im (IH − P1 ) ⊕ (Im P1 ∩ Im P2 ), então IH − P(P1 (IH −P2 )) = IH − P1 + (P1 ∧ P2 ), concluı́ndo-se que P1 − (P1 ∧ P2 ) = P(P1 (IH −P2 )) = P((IH −P2 )P1 )∗ . Cap5.555 Cap5.666 (5.29) Cap5.666 Cap5:047 Atendendo às igualdades (5.28) e (5.29) obtém-se da Proposição 5.5.4 que (P1 ∨ P2 ) − P2 = P((IH −P2 )P1 ) ∼A P((IH −P2 )P1 )∗ = P1 − (P1 ∧ P2 ), estabelecendo-se o resultado. Termina-se esta secção mostrando-se que a relação de equivalência de Murray-von Neumann é aditiva. Cap5.aaa Proposição 5.5.6. Seja A uma álgebra de von Neumann que actua num espaço de Hilbert H. Se {Pα }α∈I e {Qα }α∈I são duas famı́lias ortogonais de projecções em A tais que Pα ∼A Qα para qualquer α ∈ I, então X X Pα (SOT) ∼A Qα (SOT). α∈I α∈I Dem. Sejam P e Q os operadores de projecção em A dados, respectivamente, por P := ∨ Pα , α∈I Q := ∨ Qα . α∈I 44 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN DadoCap5:065 que as famı́lias de operadores {Pα }α∈I e {Qα }α∈I são ortogonais tem-se, tal como em (5.25), que X X P = Pα (SOT), Q = Qα (SOT). (5.30) Cap5.777 α∈I α∈I Para cada α ∈ I seja Vα a isometria parcial em A tal que Qα = Vα Vα∗ , Pα = Vα∗ Vα , e cujos espaços inicial e final são dados, respectivamente, por (Ker Vα )⊥ = Im Pα , Im Vα = Im Qα . Considere-se a famı́lia de todos os subconjuntos finitos e não vazios F de I parcialmente ordenado com a relação de inclusão. Para cada conjunto finito F ⊂ I defina-se o operador X VF := Vα ∈ A. α∈F Dado que para α 6= β se tem (Im Qβ ) ⊂ (Im Qβ )⊥ , então X X X VF∗ VF = Vα∗ Vβ = Vα∗ Vα = Pα , α∈F α,β∈F (5.31) Cap5:068 α∈F Cap3:7 tendo-se da Proposição ?? que para F ⊂ I, finito e não vazio, VF é uma isometria parcial em A. Análogamente se conclui que X X Qα . (5.32) Cap5:069 Vα Vα∗ = VF VF∗ = α∈F α∈F Sendo M := hIm Pα : α ∈ Ii o subespaço de H gerado pelos contradomı́nios de todos os operadores Pα , e V o operador linear definido em M por ! X X V (x) = V xα = Vα xα , α∈F α∈F P para qualquer x = α∈F xα ∈ M com xα ∈ Im Pα , V estende-se por continuidade a uma isometria parcial cujo espaço inicial é dado pelo fecho de M. Designando essa extensão ainda por V, e dado que V = lim VF (SOT), então F V = X Vα (SOT) α∈I com V ∈ A pois A éCap5:068 fortementemente fechada. Finalmente basta observar que de Cap5.777 Cap5:069 (5.30) e atendendo a (5.31) e (5.32), se tem X P = Pα (SOT) = lim VF∗ VF (SOT) = V ∗ V, α∈I F 5.5. COMPARAÇÃO DE PROJECÇÕES EM ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN45 e Q= X Qα (SOT) = lim VF VF∗ (SOT) = V V ∗ , F α tendo-se como pretendido que P ∼A Q. 5.5.2 Projecções subordinadas. Ordenação parcial A relação de Murray-von Neumann determina no conjunto das projecções de uma álgebra de von Neumann uma relação de equivalência. No conjunto das classes de equivalência obtidas pode agora introduzir-se uma relação de ordem parcial que se representa por “A ”. Definição 5.5.3. Sejam P e Q duas projecções numa álgebra de von Neumann A. Diz-se que P está subordinada a Q (ou P é mais fraca que Q) em A, escrevendo-se Q A P ou P A Q, se existe um operador de projecção Q1 ∈ A tal que P ∼A Q1 e Q1 ≤ Q. Observe-se que caso P e Q sejam duas projecções de uma álgebra de von-Neumann A tais que P ≤ Q então é imediato que P A Q. Além disso, se P ∼A Q então tem-se simultaneamente que P A Q e Q A P. Não sendo imediata, a recı́proca da anterior afirmação é também verdadeira. Cap5:049 Proposição 5.5.7. Se P e Q são operadores de projecção numa álgebra de von Neu- mann A tais que P A Q e Q A P então P ∼A Q. Dem. Sejam P1 e Q1 operadores de projecção em A tais que P ∼A Q1 com Q1 ≤ Q e Q ∼A P1 com P1 ≤ P. Sejam ainda U e V isometrias parciais em A tais que P = U ∗ U, Q1 = U U ∗ e Q = V ∗ V, P1 = V V ∗ . Considerem-se em A as famı́lias de projecções {Pn } e {Qn } definidas por recorrência, Pn = V Qn−1 V ∗ , Qn = U Pn−1 U ∗ , n ∈ N, (5.33) Cap5:053 onde P0 := P e Q0 := Q. Dado que QQ1 = Q1 Q = Q1 e P P1 = P1 P = P1 , pois Q1 ≤ Q e P1 ≤ P, então P2 P1 = P1 P2 = P2 e Q2 Q1 = Q1 Q2 = Q2 , pelo que P1 ≥ P2 e Q1 ≥ Q2 . Por indução prova-se que as sucessões {Pn } e {Qn } são decrescentes tendo-se P0 := P ≥ P1 ≥ P2 ≥ ..., Q0 := Q ≥ Q1 ≥ Q2 ≥ ... . 46 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Como A é um reticulado completo então os operadores P∞ := ∧ Pn , n∈N Q∞ := ∧ Qn n∈N estão em A e, atendendo a que Pn → P∞ (SOT), n Qn → Q∞ (SOT), (5.34) Cap5:054 n Cap5:053 aplicando limites fortes a cada termo das igualdades de (5.33), obtém-se U P∞ U ∗ = Q∞ , V Q∞ V ∗ = P∞ . Assim, (U P∞ ])(U P∞ )∗ = U P∞ P∞ U ∗ = U P∞ U ∗ = Q∞ (5.35) Cap5.888 (U P∞ )∗ (U P∞ ) = P∞ U ∗ U P∞ = P∞ P P∞ = P∞ (5.36) Cap5.999 e pois P∞ ≤ P, o que permite afirmar que P∞ ∼A Q∞ . (5.37) Cap5:055 Cap5:054 De acordo com (5.34) tem-se ainda que P − P∞ = ∞ X (Pn − Pn+1 )(SOT), Q − Q∞ n=0 ∞ X = (Qn − Qn+1 )(SOT). (5.38) Cap5:056 n=0 Cap5:053 Da definição dos operadores Pn e Qn em (5.33) conclui-se que U (Pn − Pn+1 )U ∗ = Qn+1 − Qn+2 , V (Qn − Qn+1 )V ∗ = Pn+1 − Pn+2 , Cap5.888 Cap5.999 e este facto, a semelhança do efectuado em (5.35) e (5.36), permite afirmar que Pn − Pn+1 ∼A Qn+1 − Qn+2 , Qn − Qn+1 ∼A Pn+1 − Pn+2 , n ∈ N. Consequentemente, P2n − P2n+1 ∼A Q2n+1 − Q2n+2 , Q2n − Q2n+1 ∼A P2n+1 − P2n+2 , n ∈ N. Cap5:056Cap5:057 Cap5:055 Finalmente, (5.38) , (5.39) e (5.37) permitem afirmar que ∞ ∞ X X P = (P2n − P2n+1 ) + (P2n+1 − P2n+2 ) + P∞ (SOT) n=0 n=0 ∼A ∞ X ∞ X n=0 n=0 (Q2n∗1 − Q2n+2 ) + (Q2n − Q2n+1 ) + Q∞ (SOT) = Q, ficando completa a demonstração do resultado. A relação de subordinação “A ” é transitiva. (5.39) Cap5:057 5.5. COMPARAÇÃO DE PROJECÇÕES EM ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN47 Cap5:050 Proposição 5.5.8. Se P, Q e T são operadores de projecção numa álgebra de von Neumann A tais que P A Q e Q A T então P A T. Dem. Sejam Q1 e T1 operadores de projecção em A tais que P ∼A Q1 com Q1 ≤ Q e Q ∼A T1 com T1 ≤ T. Sejam ainda U e V isometrias parciais em A tais que P = U ∗ U, Q1 = U U ∗ e Q = V ∗ V, T1 = V V ∗ . Considere-se T2 := V Q1 V ∗ . Como T2∗ = T2 e, dado que Q1 QQ1 = Q1 uma vez que Im Q1 ⊂ Im Q (pois Q1 ≤ Q), T22 = V Q1 V ∗ V Q1 V ∗ = V Q1 QQ1 V ∗ = V Q1 V ∗ = T2 , então T2 é um operador de projecção em A. Além disso, dado que Q1 ≤ Q então V Q1 V ∗ ≤ V QV ∗ , ou seja, T2 ≤ T1 (≤ T ) uma vez que T1 = V V ∗ = V V ∗ V V ∗ = V QV ∗ . Fazendo S := V Q1 , tem-se que S ∗ S = Q1 V ∗ V Q1 = Q1 QQ1 = Q1 e SS ∗ = V Q1 Q1 V ∗ = V Q1 V ∗ = T2 , pelo que Q1 ∼A T2 com T2 ≤ T. Como P ∼A Q1 então P A T, estabelecendo-se o resultado. Representando por [P ]A a classe de equivalência da projecção P para a relação de Murray-von Neumann definida no conjunto das projecções de uma àlgebra de von -Neumann A, observe-se que a relação de subordinação induz no conjunto das classe de equivalência obtidas uma relação natural, [P ]A A [Q]A se e só se P A Q, para P, Q projecções de A. Sendo P, Q e T projecções em A é imediato que [P ]A A [P ]A e as Proposições Cap5:049Cap5:050 5.5.7 e 5.5.8 permitem afirmar que ([P ]A A [Q]A e [Q]A A [P ]A ) ⇒ [P ]A = [Q]A e ([P ]A A [Q]A e [Q]A A [T ]A ) ⇒ [P ]A = [T ]A . Em sinte-se, tem-se uma relação de ordem parcial. Teorema 5.5.9. Para toda a álgebra de von Neumann A a relação “A ” define no conjunto das classes de equivalência das projecções de A, definidas pela relação de Murray-von Neumann, uma relação de ordem parcial. 48 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN 5.5.3 Projecções centrais. Teorema da comparabilidade Dada uma álgebra de von Neumann A, chama-se centro de A e representa-se por Cen(A) o subconjunto de A definido por Cen(A) := A ∩ A0 , Cap2.111 onde A0 designa o comutantelemcentral de A (cf. Definição ??). De acordo como o Lema ?? tem-se que Cen(A) é uma subálgebra C ∗ comutativa de A. Além disso Cen(A) é fracamente fechado em A pelo que Cen(A) constituı́ndo assim uma álgebra de von Neumann comutativa. Definição 5.5.4. Aos operadores de projecção de uma álgebra de von-Neumann A que pertencem a Cen(A) designam-se por projecções centrais (em A). É um exercı́cio simples estabelecer o resultado. Cap5.123 Proposição 5.5.10. Se A é uma álgebra de von Neumann e P, Q ∈ A são duas pro- jecções, tais que: (i) P ∼A Q então, para qualquer projecção central Z ∈ A, tem-se P Z ∼A QZ; (ii) P A Q então, para qualquer projecção central Z ∈ A, tem-se P Z A QZ. Sejam P uma projecção numa álgebra de von Neumann A e {Pα } a famı́lia de todas as projecções centrais em A tais que P ≤ Pα , ou seja, tais que Im P ⊂ Im Pα . Observe-se que a famı́lia {Pα } é não vazia pois contém IH . A projecção ∧Pα , o ı́nfimo α da famı́lia de operadores {Pα }, é ainda um operador de projecção central de A que majora P. Definição 5.5.5. Sendo P um operador de projecção numa álgebra de von Neumann A, chama-se suporte central de P à projecção central Z(P ) := ∧Pα , α onde {Pα } designa a famı́lia de todas as projecções centrais de A que majoram P. A projecção central Z(P ) pode ser traduzida como uma projecção supremo. Cap5:051 Proposição 5.5.11. Se P é um operador de projecção numa álgebra de von Neumann A, então Z(P ) = ∨ P(AP ) , A∈A onde P(AP ) designa o operador de projecção sobre o fecho do contradomı́nio do operador (AP ). 5.5. COMPARAÇÃO DE PROJECÇÕES EM ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN49 Dem. A par do operador de projecção P ∈ A considere-se Q a projecção em A definida por Q := ∨ P(AP ) , A∈A ou seja, Q designa o operador de projecção sobre o fecho do espaço linear gerado pela união M := ∪ Im (AP ). A imagem do operador Q é invariante para todos os A∈A operadores de A e, dado que A é autoadjunta, é mesmo um subespaço redutor para p3.4.0 todos os operadores de A. Da Proposição ?? conclui-se então que QA = AQ, A ∈ A, ou seja, Q ∈ Cen(A). Assim, dado que Im P ⊂ Im Q então P ≤ Q pelo que Z(P ) ≤ Q. (5.40) Cap5.345 Como Z(P ) ∈ Cen(A) então Z(P )A = AZ(P ), A ∈ A, p3.4.0 e usando novamente a Proposição ?? conclui-se que Im Z(P ) é invariante para todos os operadores A ∈ A. Atendendo a que P ≤ Z(P ) então Im P ⊂ Im Z(P ) donde, A(Im P ) ⊂ A(Im Z(P )) ⊂ Im Z(P ), A ∈ A. Como consequência, P(AP ) ≤ Z(P ) para qualquer A ∈ A, e da definição de Q obtém-se Q ≤ Z(P ). (5.41) Cap5.567 Cap5.345 Cap5.567 As desigualdades (5.40) e (5.41) garantem a igualdade Q = Z(P ). O próximo resultado está na base do teorema da comparabilidade, um dos principais resultados desta secção. Cap5:052 Proposição 5.5.12. Sejam A uma álgebra de von Neumann que actua num espaço de Hilbert H e P, Q ∈ A duas projecções em A. São equivalentes as seguintes afirmações: (i) Z(P )Z(Q) 6= 0 (ii) Existem projecções não nulos P1 e Q1 em A, tais que P1 ≤ P, Q1 ≤ Q e P1 ∼A Q1 . 50 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Dem. (ii) ⇒ (i). Suponha-se que P1 ∼A Q1 com P1 , Q1 6= 0 e tais que P1 ≤ P e Q1 ≤ Q. Seja V uma isometria parcial de A tal que Q1 = V ∗ V, P1 = V V ∗ , com (Ker V )⊥ = Im Q1 , Im V = Im P1 . Para ξ ∈ (Im Q1 \{0}) 6= ∅ tem-se, atendendo a que Im Q1 ⊂ Im Q e Im P1 ⊂ Im P, kP V Qξk = kP V ξk = kV ξk = kξk = 6 0, pelo que P V Q 6= 0. Dado que as projecções Z(P ) e Z(Q) estão em Cen(A) com Z(P )P = P e Z(Q)Q = Q, então P V Q (Z(P )Z(Q)) = (Z(P )P ) V (Z(Q)Q) = P V Q 6= 0, logo Z(P )Z(Q) 6= 0. (i) ⇒ (ii). Suponha-se agora que Z(P )Z(Q) 6= 0. De acordo com a Proposição Cap5:051 5.5.11 tem-se, Z(P ) = ∨ P(AP ) , Z(Q) = ∨ P(AQ) , A∈A A∈A e este facto, atendendo a que Z(P )Z(Q) 6= 0, permite afirmar que existem vectores ξ, ζ ∈ H e operadores A1 , A2 ∈ A tais que hA1 P ξ, A2 Qζi = hQA∗2 A1 P ξ, ζi = 6 0. Fazendo A3 := A∗2 A1 ∈ A, tem-se que A3 6= 0, QA3 P 6= 0 e, definindo P1 := P(P A∗3 Q) , Q1 := P(QA3 P ) , então P1 6= 0, Q1 6= 0 e, Im P1 ⊂ Im P e Im Q1 ⊂ Im Q, tem-se P1 ≤ P e Q1 ≤ Q. Cap5:047 Recorrendo à Proposição 5.5.4 tm-se ainda que P1 ∼A Q1 . A relação ”A ” não define em geral uma relação de ordem total (nas classes de equivalência definidas por ”∼A ”). Dados dois operadores de projecção P, Q uma álgebra de von Neumann A, não é claro que se tenha P A Q ou Q A P. O teorema da comparabilidade vai garantir no entanto que quaisquer duas projecções numa álgebra de von Neumann A podem ser comparáveis por meio de projecções centrais. 5.5. COMPARAÇÃO DE PROJECÇÕES EM ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN51 Teorema 5.5.13 (Teorema da comparabilidade). Seja A uma álgebra de von Neumann que actua num espaço de Hilbert H. Sendo P e Q duas projecções em A, existe uma projecção central Z ∈ A tal que ZP A ZQ e (IH − Z)P A (IH − Z)Q. Dem. Represente-se por E o conjunto de todas as famı́lias {(Pα , Qα )}α de pares ordenados (Pα , Qα ) onde Pα e Qα são projecções em A tais que Pα Pβ = 0, Qα Qβ = 0, α, β ∈ I, e Pα ≤ P, Qα ≤ Q e Pα ∼A Qα . Observe-se que E é não vazio uma vez que contém {(0, 0)}. Considere-se em E a relação “≤E ” onde n o n o eα ) eα ) : α ∈ J . {(Pα , Qα )}α∈I ≤E (Peα , Q ⇔ {(Pα , Qα ) : α ∈ I} ⊂ (Peα , Q α∈J Com a relação “≤E ” o conjunto E é parcialmente ordenado tendo-se que todo o caminho (subconjunto totalmente ordenado de E) tem um limite superior em E. Pelo lema de zorn existe em E pelo menos um elemento maximal {(Pα0 , Q0α )}α∈I . Da definição de E tem-se que Pα0 Pβ0 = 0, Q0α Q0β = 0, α, β ∈ I, (5.42) Cap5.bbb e Pα0 ≤ P, Q0α ≤ Q e Pα0 ∼A Q0α . Cap5.aaa (5.43) Cap5.ccc Cap5:065 De acordo com a Proposição 5.5.6 e atendendo a (5.25), definindo X X Sα0 (SOT), Pα0 (SOT), Q0 := ∨ Q0α = P 0 := ∨ Pα0 = α∈I α∈I α∈I α∈I tem-se que P 0 ∼A Q0 , Cap5.bbb com P 0Cap5.ccc ≤ P e Q0 ≤ Q. Sendo {(Pα0 , Q0α )}α∈I uma famı́lia maximal nas condições (5.42) e (5.43) é facil garantir que não existem em A operadores e tais que Pe ≤ (P − P 0 ), Q e ≤ (Q − Q0 ) e Pe ∼A Q. e Assim, de projecção não nulos Pe,Cap5:052 Q conclui-se da Proposição 5.5.12 que Z(P − P 0 )Z(Q − Q0 ) = Z(Q − Q0 )Z(P − P 0 ) = 0. (5.44) Cap5:064 Cap5:064 Fazendo Z := Z(Q − Q0 ) então Z ∈ Cen(A) e atendendo a (5.44) tem-se que Im Z(P − P 0 ) ⊂ (Im Z(Q − Q0 ))⊥ . Dado que Im (P − P 0 ) ⊂ Im Z(P − P 0 ) e (Im Z(Q − Q0 ))⊥ = Im (IH − Z(Q − Q0 )) 52 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN então Im (P − P 0 ) ⊂ (Im Z(Q − Q0 ))⊥ = Im (IH − Z(Q − Q0 )) pelo que (IH − Z)(P − P 0 ) = P − P 0 , ou seja, ZP = ZP 0 . (5.45) Cap5.eee Por definição de suporte central de uma projecção tem-se ainda que (Q − Q0 ) ≤ Z := Z(Q − Q0 ), pelo que Z(Q − Q0 ) = Q − Q0 ≥ 0, podendo afirmar-se que ZQ0 ≤ ZQ. Cap5.eee Cap5.ddd (5.46) Cap5.ddd Cap5.123 Dado que P 0 ∼A Q0 , obtém-se de (5.45), (5.46) e da afirmação (i) da Proposição 5.5.10 que ZP = ZP 0 ∼A ZQ0 e ZQ0 ≤ ZQ, (5.47) Cap5.fff ou seja ZP A ZQ. Finalmente, de (Q − Q0 )Z = Q − Q0 conclui-se que (Q − Q0 )(IH − Z) = 0, ou seja, Q(IH − Z) = Q0 (IH − Z), Cap5.fff e analogamente a (5.47) se obtém Q(IH − Z) = Q0 (IH − Z) ∼A P 0 (IH − Z) e P 0 (IH − Z) ≤ P (IH − Z), tendo-se P (IH − Z) A Q(IH − Z). Os factores são um tipo especial de álgebras de von Neumann cujo centro é trivial. Definição 5.5.6. Sendo H um espaço de Hilbert, diz-se que uma álgebra de von Neumann A é um factor quando Cent(A) = CIH . 5.6. DECOMPOSIÇÃO DE ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN 53 Note-se que a álgebra L(H) é um factor e que o único factor que é uma álgebra de von Neumann comutativa é a álgebra CIH . Proposição 5.5.14. Se A é um factor que actua num espaço de Hilbert H e P, Q ∈ A são duas projecções, então P A Q ou P A Q. Dem. Pelo teorema da comparabilidade existe uma projecção central Z ∈ A tal que ZP A ZQ e (IH − Z)P A (IH − Z)Q. Como Cent(A) = CIH então Z = 0 ou Z = IH . Assim, se Z = IH então P A Q e caso Z = 0 então P A Q. 5.6 Decomposição de álgebras de von Neumann Esta secção é dedicada a alguns tipos de algebras de von Neumann importantes. Dependendo do tipo de projecções que as constituem algumas álgebras de von Neumann serão classificadas como álgebras de tipo I, II ou III. Este tipo de álgebras constituem a base para a obtenção e estudo de todas as outras álgebras de von Neumann uma vez que, de acordo com o teorema da decomposição, toda a álgebra de von Neumann A admite uma decomposição em soma directa na forma A = AI ⊕ A1II ⊕ A∞ II ⊕ AIII , onde AI é uma álgebra de tipo I, A1II e A∞ II são álgebras de tipo II e AIII é uma álgebra de von Neumann de tipo III. 5.6.1 Projecções finitas, infinitas e abelianas Comece-se por introduzir os conceitos de projecção finita, infinita e abeliana. Cap5:070 Definição 5.6.1. Sejam A uma álgebra de von Neumann que actua num espaço de Hilbert H e P uma projecção em A. Diz-se que: (i) P é finita sempre que P ∼A Q, com Q uma projecção em A, tal que Q ≤ P implica P = Q; (ii) P é infinita quando P não é finita; (iii) P é abeliana quando o conjunto P AP := {P AP : A ∈ A} define uma álgebra de von Neumann comutativa (actuando em HP := Im P ). 54 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Observe-se que caso P ∈ A seja uma projecção tal que dim (Im P ) < ∞ então P é uma projecção finita. Efectivamente, se P ∼A Q então dim (Im Q) =Von3 dim (Im P ) e caso Q ≤ P então Im Q ⊂ Im P tendo-se Im Q = Im P (ver exercı́cio 5.10). Para qualquer projecção P ∈ A observe-se que P AP pode ser interpretado como uma álgebra de von Neumann que actua no espaço de Hilbert HP := P (H) = Im P ⊂ H e que admite o operador P como a identidade. Resumem-se a seguir algumas propriedades envolvendo projecções abelianas e projecções finitas. Cap5:073 Proposição 5.6.1. Sejam A uma álgebra de von Neumann e P, Q duas projecções em A. São verdadeiras as seguintes afirmções: (i) Se P é abeliana então P é finita; (ii) Se P é finita e P ∼A Q então Q é finita; (iii) Se P é finita e Q ≤ P então Q é finita. Dem. Suponha-se que A actua no espaço de Hilbert H. (i) Sejam P uma projecção abeliana e S uma projecção em A tal que P ∼A S com S ≤ P. Considere-se V ∈ A uma isometria parcial em A tal que P = V ∗ V e S = V V ∗ e defina-se U := P V P. Como Im S ⊂ Im P então S = P S = SP pelo que U ∗ U = (P V ∗ P )(P V P ) = (P V ∗ )(P V P ) = (V ∗ V V ∗ )(P V P ) = (V ∗ S)(P V P ) = V ∗ (SP )V P = V ∗ SV P = V ∗ (V V ∗ )V P = (V ∗ V )(V ∗ V )P = P P P = P. Analogamente se mostra que U U ∗ = S. Dado que os operadores U e U ∗ estão na álgebra comutativa P AP então U ∗ U = U U ∗ pelo que P = S. (ii) Suponha-se que P é finita e que P ∼A Q. Seja Q1 uma outra projecção em A tal que Q ∼A Q1 com Q1 ≤ Q. Para garantir que Q é finita basta então mostrar que Q1 = Q. Para tal, atendendo a que P ∼A Q, considere-se V ∈ A tal que P = V ∗ V e Q = V V ∗ . Assim, P = P P = (V ∗ V )(V ∗ V ) = V ∗ QV. Defina-se P1 := V ∗ Q1 V e U := Q1 V. Atendendo a que Q1 ≤ Q é fácil constatar que V ∗ Q1 V ≤ V ∗ QV, ou seja, P1 ≤ P. Além disso, U ∗ U = (V ∗ Q1 )(Q1 V ) = V ∗ Q1 V = P1 , U U ∗ = (Q1 V )(V ∗ Q1 ) = Q1 QQ1 = Q1 , 5.6. DECOMPOSIÇÃO DE ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN 55 pelo que P1 ∼A Q1 . Assim, P ∼A Q, Q ∼A Q1 , P1 ∼A Q1 , implicam que P ∼A P1 . Como P1 ≤ P e P é uma projecção finita então P = P1 . Tem-se então que V ∗ QV = V ∗ Q1 V o que implica Q = V V ∗ Q1 V V ∗ = QQ1 Q. Esta igualdade juntamente com o facto de que Q1 ≤ Q permite concluir, como pretendido, que Q = QQ1 Q = Q1 . (iii) Sejam P e Q duas projecção em A tais que P é finita e Q ≤ P. Para mostrar que Q é finita considere-se Q1 uma outra projecção em A tal que Q ∼A Q1 com Q1 ≤ Q e verifique-se que Q1 = Q. Fixe-se V ∈ A uma isometria parcial tal que Q = V ∗ V e Q1 = V V ∗ . Definindo Ve := P − Q + V tem-se que Ve ∗ Ve = (P − Q + V ∗ )(P − Q + V ) = (P − Q)(P − Q) + (P − Q)V + V ∗ (P − Q) + V ∗ V = P − Q + (P − Q)V + V ∗ (P − Q) + Q = P + (P − Q)V + V ∗ (P − Q) = P pois (P − Q)V = V ∗ (P − Q) = 0, uma vez que V tem como espaço inicial e final, respectivamente, (Ker V )⊥ = Im Q e Im V = Im Q1 (⊂ Im Q), e Im (P − Q) = Im P ∩ (Im Q)⊥ ⊂ (Im Q1 )⊥ = Ker V ∗ . De forma análoga se conclui que Ve Ve ∗ = P − Q + Q1 e assim P ∼A (P − Q + Q1 ). Dado que Im (P − Q) ⊂ Im P e Im Q1 ⊂ Im P então (P − Q + Q1 ) ≤ P e do facto de P ser finita conclui-se que (P − Q + Q1 ) = P, ou seja, Q = Q1 . 56 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Exemplo 5.6.1. Sejam A uma álgebra de von Neumann comutativa em L(H) e P uma qualquer projecção em A. Considere-se o espaço de Hilbert H n := H × H × ... × H dado pelo produto cartesiano de n ∈ N réplicas de H e defina-se em L(H n ) a álgebra de von Neumann Mn (A) das matrizes n × n com entradas em A. O operador P 0 ... 0 0 0 · · · 0 Pe := .. .. . . .. . . . . 0 0 ... 0 define em Mn (A) uma projecção, que é abeliana atendendo a que A é comutativa. Exemplo 5.6.2. Considere-se no espaço de Hilbert l2 as duas projecções definidas por Il2 : l2 → l2 , (x1 , x2 , ..., xn , ...) 7→ (x1 , x2 , ..., xn , ...), P0 : l2 → l2 , (x1 , x2 , ..., xn , ...) 7→ (0, x2 , ..., xn , ...). Dada a isometria parcial Sd definida por Sr : l2 → l2 , (x1 , x2 , ..., xn , ...) 7→ (0, x1 , x2 , ..., xn , ...), tem-se que Sr∗ = Sl com Sl : l2 → l2 , (x1 , x2 , ..., xn , ...) 7→ (x2 , x3 , ..., xn , ...). Atendendo a que Sr∗ Sr = Il2 , Sr Sr∗ = P0 e P0 ≤ Il2 então Il2 ∼L(l2 ) P0 com P0 ≤ Il2 . Como Il2 6= P0 então Il2 é uma projecção infinita. Introduz-se de seguida o conceito de projecções centralmente ortogonais. Definição 5.6.2. Numa álgebra de von Neumann A duas projecções P e Q dizem-se centralmente ortogonais quando são ortogonais os seus suportes centrais, i.e., quando se tem Z(P )Z(Q) = Z(Q)Z(P ) = 0. Uma famı́lia de projecções em A diz-se centralmente ortogonal quando são centralmente ortogonais quaisquer duas projecções distintas da familia. Observe-se que quando P e Q são duas projecções centralmente ortogonais então P e Q são também ortogonais entre si. Efectivamente, se P ≤ Z(P ), Q ≤ Z(Q) e Im Z(P ) ⊥ Im Z(Q) então Im P ⊥ Im Q uma vez que Im P ⊂ Im Z(P ) e Im Q ⊂ Im Z(Q). 5.6. DECOMPOSIÇÃO DE ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN 57 Cap5:072 Proposição 5.6.2. Seja {Pα }α∈I uma famı́lia de projecções abelianas (resp. finitas) centralmente ortogononais de uma álgebra de von Neumann A. Então o operador X P := Pα (SOT) α∈I é uma projecção abeliana (resp. finita). Cap5.ggg Dem. Comece-se por recordar que atendendo à Proposição 5.2.3 a projecção P := P Pα (SOT) está bem definida. Efectivamente, se a famı́lia {Z(Pα )}α∈I é ortogonal α∈I então o mesmo acontece com a famı́lia {Pα }α∈I . Por definição de suporte central tem-se que Pα ≤ Z(Pα ) para qualquer α ∈ I e, consequentemente, Pα = Z(Pα )Pα , α ∈ I. (5.48) Cap5.hhh Da ortogonalidade da famı́lia {Z(Pα )}α∈I tem-se ainda Pα Z(Pβ ) = 0, α 6= β, α, β ∈ I. (5.49) Cap5.kkk Assim, para qualquer operador T ∈ A, ! X X X (Z(Pα )Pα T Z(Pβ )Pβ ) PTP = (Z(Pα )Pα T P ) = Pα T P = α∈I α∈I = X α,β∈I (Z(Pα )Pα Z(Pβ )T Pβ ) = X (Z(Pα )Pα T Z(Pα )Pα ) (5.50) Cap5:071 α∈I α,β∈I = X (Pα T Pα ) (SOT). α∈I Se para qualquer α ∈ I, Pα é umaCap5:071 projecção abeliana então a álgebra Pα APα é comutativa. Assim, à semelhança de (5.50), para quaisquer operadores T1 , T2 ∈ A tem-se que X (P T1 P )(P T2 P ) = P (T1 P T2 )P = (Pα T1 P T2 Pα ) α∈I ! = X Pα T1 α∈I = X Pβ ! T2 Pα X α∈I = X α∈I = (Pα T1 Z(Pβ )Pβ T2 Pα ) = (Z(Pα )Pα T1 Pα T2 Pα ) = Pα T1 α∈I β∈I X α,β∈I = ! X X X β∈I (Z(Pβ )Pα T1 Pβ T2 Pα ) α,β∈I X Z(Pβ )Pβ (Pα T1 Pα T2 Pα ) α∈I (Pα T2 Pα T1 Pα ) = (P T2 P )(P T1 P ), ! T2 Pα 58 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN o que permite afirmar que a álgebra P AP é comutativa, ou seja, P é abeliana. Suponha-se agora que Pα é finita, para qualquer α ∈ I. Sendo Q ∈ A uma projecção tal que P ∼A Q com Q ≤ P então, atendendo a que Z(Pα ) é central, Z(Pα )P ∼A Z(Pα )Q com Z(Pα )Q ≤ Z(Pα )P, α ∈ I. Cap5.hhh Cap5.kkk De (5.48) e (5.49) é fácil concluir que Z(Pα )P = Pα e a afirmação anterior pode escrever-se na forma Pα ∼A Z(Pα )Q com Z(Pα )Q ≤ Pα , α ∈ I. Como as projecções Pα são finitas então Z(Pα )Q = Pα , α ∈ I, e assim, X X X Q = QP = Q Pα = Q Z(Pα )Pα = QZ(Pα )Pα α∈I α∈I α∈I X X X = Z(Pα )QPα = Z(Pα )Pα = Pα = P, α∈I α∈I α∈I ficando provado que P é finita. 5.6.2 Álgebras de von Neumann de tipo I, II e III. Teorema da decomposição Analisadas algumas propriedades das projecções abelianas, finitas e centralmente ortogonais está-se em condições de introduzir as designadas álgebra de von Neumann de tipo I, II ou III. Definição 5.6.3. Seja A uma álgebra de von Neumann que actua num espaço de Hilbert H. Diz-se que: (i) A é do tipo I quando toda a projecção central não nula de A majora uma projecção abeliana não nula de A. (ii) A é do tipo II quando não existem em A projecções abelianas não nulas mas qualquer projecção central não nula de A majora alguma projecção finita não nula de A. (iii) A diz-se de tipo III quando não existem em A projecções finitas não nulas. 5.6. DECOMPOSIÇÃO DE ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN 59 Observe-se que de acordo com a definições anteriores uma álgebra de von Neumann não pode ser simultaneamente de dois tipos distintos. Exemplo 5.6.3. Para qualquer espaço de Hilbert H a álgebra de von Neumann dos operadores lineares limitados L(H) é uma álgebra de tipo I. Efectivamente, considere-se {eα : α ∈ J} uma base hilbertiana de H e, para cada α ∈ J, seja PMα o operador de projecção de H sobre Mα := heα i = {βeα : β ∈ C}. É um exercı́cio simples mostrar que PMα APMα = CIMα , α ∈ J, e assim PMα é uma projecção abeliana para qualquer α ∈ J. Como L(H) é um factor então a única projecção central não nula de L(H) é IH e esta projecção majora, obviamente, qualquer das projecções PMα . As álgebras de von Neumann de tipo II podem ser decompostas em duas classes. Definição 5.6.4. Seja A ⊂ L(H) uma álgebra de von Neumann de tipo II. Diz-se que: (i) A é do tipo II1 quando a projecção IH é finita. (ii) A é do tipo II∞ quando não existem em A projecções centrais finitas e não nulas. O teorema da decomposição vai assegurar a importância dos anteriores tipos de álgebras ao assegurar que qualquer álgebra de von Neumann é decomponivel numa soma directa de álgebras de von Neumann dos tipos considerados, sendo essa decomposição unica. Cap5:074 Teorema 5.6.3. (Teorema da decomposição) Toda a álgebra de von Neumann A ad- mite uma decomposição única na forma A = AI ⊕ A1II ⊕ A∞ II ⊕ AIII , onde AI , A1II , A∞ II e AIII são, respectivamente, álgebras de von Neumann de tipo I, II1 , II∞ e III. Dem. Seja A uma álgebra de von Neumann que actua num espaço de Hilbert H. Considere-se em A uma famı́lia maximal {Pα }α∈I de projecções abelianas e centralmente ortogonais. Defina-se X P := Pα (SOT) Cap5:072 α que, atendendo à Proposição 5.6.2, se sabe ser uma projecção abeliana em A. Considere-se Z1 := Z(P ) o suporte central da projecção P e AI := Z1 AZ1 (caso não existam em A projecções abelianas define-se Z1 := 0 e neste caso A não terá a “parte” 60 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN de tipo I). Tem-se que Z1 é uma projeção central não nula de A tal que P ≤ Z1 . Além disso, por definição de suporte central, Z1 é a menor projecção no centro de A que majora P . Mostre-se a seguir que AI é de tipo I e para tal considere-se Z uma qualquer projecção central não nula em AI . Se Z é um elemento de AI então existe T ∈ A tal que Z = Z1 T Z1 e este facto permite afirmar que Z ≤ Z1 (pois Im Z ⊂ Im Z1 ). Observe-se que a projecção P pertence à álgebra AI uma vez que P = Z1 P = Z1 P Z1 . Como consequência ZP ∈ AI e, dado que Z é central em AI , então ZP = P Z tendo-se (ZP )2 = (ZP )(ZP ) = ZP, (ZP )∗ = P ∗ Z ∗ = ZP, concluı́ndo-se que ZP é uma projecção em AI . O operador Z está mesmo no centro de A pois ZA = (Z1 Z)A = Z(Z1 AZ1 ) = (Z1 AZ1 )Z = A(Z1 Z) = AZ uma vez que Z1 Z = ZZ1 = Z e Z é central em AI . Assim, (ZP )AI (ZP ) = ZP (Z1 AZ1 )ZP = Z(P Z1 )A(Z1 P )Z = Z(P AP )Z = (P AP )Z, e, atendendo a que a álgebra P AP é comutativa e a projecção Z esta no centro de A, é um exercı́cio simples concluir que a álgebra (ZP )AI (ZP ) = (P AP )Z é também comutativa. Para a projecção central não nula Z em AI existe então uma projecção abeliana ZP ∈ AI tal que ZP ≤ Z. Para concluir que AI é do tipo I basta agora mostrar que ZP 6= 0. Supondo que ZP = 0 então, atendendo a Z1 − Z e Z1 − P são duas projecções em A que comutam entre si, tem-se que (Z1 − Z)(Z1 − P ) é também uma projecção em A logo 0 ≤ (Z1 − Z)(Z1 − P ) = Z1 − Z − P, o que implica P ≤ Z1 − Z ≤ Z1 , contradizendo-se o facto de Z1 ser a menor projecção central em A que majora P. Fica assim demonstrado que AI é uma álgebra de von Neumnn de tipo I (que actua em HI := Im Z1 e admite Z1 como identidade). Considere-se agora a álgebra Ae := (IH − Z1 )A(IH − Z1 ). Suponha-se que existe em Ae uma projecções abeliana Q não nula. Se Q está em Ae então Q ≤ (IH − Z1 ) e dado que e QAQ = (IH − Z1 )QA(IH − Z1 )Q = Q(IH − Z1 )A(IH − Z1 )Q = QAQ 5.6. DECOMPOSIÇÃO DE ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN 61 então QAQ é comutativa, sendo Q abeliana em A. Tem-se que Q é ortogonal a Z1 , uma vez que QZ1 = Q(IH − Z1 )Z1 = 0, Cap5:051 e este facto permite concluir, usando a Proposição 5.5.11, que Q é centralmente orexII togonal a P (ver Exercı́cio 5.18) o que contradiz o facto de {Pα }α∈I ser uma famı́lia maximal de projecções abelianas em A centralmente ortogonais. Não existem então em Ae projecções abelianas não nulas. Fixe-se em Ae uma famı́lia maximal {Qβ }α∈J de projecções centralmente ortogonais finitas e defina-se X Q := Qα (SOT), α Cap5:072 e que atendendo à Proposição 5.6.2 é projecção finita em A. Defina-se Z2 := Z(Q) o suporte central da projecção Q em Ae e seja AII := Z2 AZ2 ⊂ Ae (caso não existam em Ae projecções finitas define-se Z2 := 0 e neste caso A não terá a “parte” de tipo II). A projecção Z2 é por definição a menor projecção no centro de Ae tal que Q ≤ Z2 . Seja Z uma projecção central não nula de AII . Tem-se que ZQ é e uma projecção em A II tal ZQ ≤ Q e como Q é finita em A, conclui-se da afirmação Cap5:073 e em A. Como AII ⊂ Ae e ZQ ∈ AII (iii) da Proposição 5.6.1 que ZQ é também finita exI então ZQ é ainda finita em AII (ver Exercı́cio 5.23). Observe-se que se ZQ = 0 então, como Z2 − Z e Z2 − Q são duas projecções que comutam entre si, 0 ≤ (Z2 − Z)(Z2 − Q) = Z2 − Z − Q pelo que Q ≤ Z2 − Z ≤ Z2 o que ´contradiz o facto de Z2 ser a menor projecção que majora Q. A álgebra AII é assim uma álgebra de von Neumann de tipo II (que actua no espaço de Hilbert HII := Im Z2 e admite Z2 como identidade). e Atendendo a que Z2 ∈ Ae então Sejam Z3 := IH − Z1 − Z2 e AIII := Z3 AZ3 ⊂ A. Z2 ≤ (IH − Z1 ) e como consequência Z3 define uma projecção em A. Suponha-se que existe em AIII uma projecção Z finita e não nula. Então Z ≤ Z3 e assim ZZ2 = ZZ3 .Z2 = Z(IH − Z1 − Z2 )Z2 = Z(IH − Z1 )Z2 − Z2 = 0, e e este facto contradiz a maxio que implica que Z é centralmente ortogonal a Z2 em A, malidade da famı́lia {Qβ }α∈J . A álgebra AIII não admite assim projecções projecções finitas não nulas sendo uma álgebra de tipo III (que actua em HI := Im Z3 e admite Z3 como identidade). Utilizando o facto de Z1 +Z2 +Z3 = IH , de Z1 , Z2 e Z3 serem duas a duas ortogonais e então tem-se a decomposição em soma e de Z1 ser central em A e Z2 ser central em A, directa A = AI ⊕ AII ⊕ AIII . 62 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Analise-se ainda a álgebra de von Neumann AII . Fixando {Sα }α∈W uma famı́lia maximal de projecções centrais e finitas em AII defina-se a projecção finita Z21 := X Sα α∈W Note-se que em A1II := Z21 AZ21 ⊂ AII não há projecções abelianas não nulas e dado que Z21 é finita então A1II é uma álgebra de von Neumann de tipo II1 (caso não existam em AII projecções finitas define-se Z21 := 0 e neste caso A não terá a “parte” de tipo II1 ). Fazendo Z2∞ := Z2 − Z21 e atendendo à maximalidade da famı́lia {Sα }W então a ∞ ∞ álgebra A∞ II := Z2 AZ2 não admite projecções finitas não nulas e assim é uma álgebra de tipo II∞ . Como anteriormente tem-se que AI ⊕ A1II ⊕ A∞ II ⊕ AIII , com Z1 + Z21 + Z2∞ + Z3 = IH . Para terminar verifique-se que a decomposição considerada é única. Para tal 1 suponha-se que existem projecções ortogonais a1 , a12 , a∞ 2 e a3 em A tais que a1 + a2 + ∞ 1 a∞ 2 + a3 = IH e nas mesmas condições que as projecções Z1 , Z2 , Z2 e Z3 . Suponha-se que (IH − Z1 ) está em AeI := a1 Aa1 . Caso (IH − Z1 ) seja um projecção não nula então, atendendo a que (IH − Z1 ) é central e a que AeI é de tipo I, existe em AeI uma projecção abeliana não nula majorada por (IH − Z1 ). Acontece que por definição (IH − Z1) não majora projecções não nulas e como tal (IH − Z1) define em AeI uma projecção nula, logo, a1 (IH − Z1 ) = 0 e então a1 ≤ Z1 . Trocando os papéis de Z1 e a1 conclui-se analogamente que Z1 ≤ a1 , donde Z1 ≤ a1 Usando argumentos semelhantes conclui-se igualmente que Z21 = a12 , Z2∞ = a∞ 2 , e Z3 = a3 e assim é única a decomposição de A. Saliente-se que pode acontecer que algumas das álgebras AI , A1II , A∞ II e AIII não estejam presentes na decomposição AI ⊕ A1II ⊕ A∞ II ⊕ AIII . Por exemplo se A for uma álgebra de von Neumnn de tipo I então Z1 = IH (logo Z2 = Z3 = 0) e assim A = AI . Obviamente pode acontecer que A = A1II , A = A∞ II , A = AIII ou qualquer outra soma directa destes 4 tipos de algebras. Quando A é um factor então apenas uma das álgebras da decomposição é não nula. Corolário 5.6.4. Se A é um factor então A é uma álgebra de von Neumann de tipo I, II1 , II∞ ou III. 5.7. EXERCÍCIOS 63 Dem. Suponha-se que A actua no espaço de Hilbert H. Se A é um factor então o centro de A coincide com CIH e as únicas projecções centrais em A são 0 e IH . Como consequência,Cap5:074 apenas uma só das projecções Z1 , Z21 , Z2∞ e Z3 referidas na demostração do Teorema 5.6.3 coincide com a identidade IH , sendo as restantes projecções iguais à nula. Tem-se assim que A é uma álgebra de tipo I, II1 , II∞ ou III consoante Z1 = IH , Z21 = IH , Z2∞ = IH ou Z3 = IH . 5.7 Exercı́cios Von1 Exercı́cio 5.1. Sendo H um espaço de Hilbert considere em L(H) a topologia in- duzida pela norma habitual de L(H) e, respectivamente, a topologias forte e fraca de operadores em L(H). Justifique que se dim(H) < ∞ então, dado T ∈ L(H) e {Tα } uma rede em L(H), é verdadeira a cadeia de equivalências Tα → T α ⇔ Tα → T (SOT) α ⇔ Tα → T (WOT) . α Conclua que se H é um espaço de Hilbert com dimensão finita então qualquer subálgebra C ∗ de L(H) que contem o operdor identidade é uma álgebra de von Neumann. Von2 Exercı́cio 5.2. Sendo H um espaço de Hilbert, recorrendo ao teorema do bicomutante conclua que L(H)0 = CIH , onde CIH := {λIH : λ ∈ C}. Exercı́cio 5.3. Mostre que na álgebra C ∗ das funções contı́nuas C(X), com X um espaço de Hausdorff compacto e conexo, as únicas projecções são as triviais. Exercı́cio 5.4. Seja H um espaço de Hilbert. a) Sendo M um subconjunto de L(H) mostre que M0 = CIH se e só se M00 = L(H). b) Seja A uma álgebra C ∗ e (H, π) uma representação irredutı́vel não nula de A. Mostre que π(A) é uma álgebra C ∗ fortemente densa em L(H). 64 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN Exercı́cio 5.5. Sejam H um espaço de Hilbert e (Pα ) uma rede de operadores de projecção ortogonais em L(H). Sendo P ∈ L(H) mostre que Pα → P (SOT) se e só se Pα → P (WOT). α α Exercı́cio 5.6. Mostre que Cap5:029 uma álgebra de von Neumann é maximal se e só se é igual ao seu comutante(Teorema 5.4.1). Exercı́cio 5.7. Mostre que se P e Q são duas projecções em L(H) então Q ≥ P sse Im P ⊂ Im Q. Conclua que se Q ≥ P então (Q − P ) é um operador de projeccção de H sobre M := Im Q ∩ (Im P )⊥ . Exercı́cio 5.8. Sejam A uma álgebra de von Neumann que actua num espaço de Hilbert H e P1 , P2 duas projecções em A. Mostre que são equivalentes as afirmações: a) P1 e P2 são equivalentes; b) Existe um operador V ∈ A tal que P2 = V P1 V ∗ e P1 = V ∗ P2 V. Cap5.444 Exercı́cio 5.9. Demontre a Proposição 5.5.2. Von3 Exercı́cio 5.10. Mostre que se P e Q são duas projecções numa álgebra de von Neumann A tal que P ∼A Q então Im P e Im Q têm a mesma dimensão. Conclua que se adicionalmente se tem Im P < ∞ e Q ≤ P então P = Q. Exercı́cio 5.11. Se A é uma álgebra de von Neumann e P e Q são duas projecções tais que kP − Qk < 1 então P ∼A Q. Cap5.123 Exercı́cio 5.12. Demonstre a Proposição 5.5.10. Exercı́cio 5.13. Sejam A uma álgebra de von Neumann e P e Q duas projecções em A. Mostre que se P ∼A Q então Z(P ) = Z(Q). Exercı́cio 5.14. Sejam P e Q duas projecções numa álgebra de von Neumann A. Mosre que: 5.7. EXERCÍCIOS 65 a) Se P A Q então Z(P ) A Z(Q). b) Se P Q = 0 então existe Z ∈ Cent(A) tal que QZ = ZQ = Q e P Z = ZP = 0. c) Se P AQ := {P AQ : A ∈ A} = 6 {0} então existem projecções P1 e Q1 em A tais que P1 ≤ P, Q1 ≤ Q e P1 ∼A Q1 . Exercı́cio 5.15. Dada uma álgebra de von Neumnn A mostre que A é um factor se e só se A0 é um factor. Exercı́cio 5.16. Numa algebra de von Neumann A uma projecção P diz-se minimal se a álgebra de von Neumann P AP satisfaz P AP = CIHP , com HP := Im P. Mostre que: a) Se P é minimal então P é abeliana; b) Se P é minimal então as unicas projecções Q ∈ A tal que P ≥ Q então Q = P ou Q = 0. Exercı́cio 5.17. Sejam P e Q duas projecções numa álgebra de von Neumann A. Mostre que se P ∼A Q então as álgebras AP := P AP e AQ := QAQ são ∗-isometricamente isomorfas. exII Exercı́cio 5.18. Sejam P e Q duas projecções numa álgebra de von neumann A tais que Z(P ) e Q são ortogonais. Moatre que então P e Q são centralmente ortogonais. Exercı́cio 5.19. Ver se é possivel transformar III.1.2.2 de Blackadar em exercı́cio. Exercı́cio 5.20. Mostre que uma álgebra de von Neumann é maximal se e só se é Cap5:029 igual ao seu comutante(Teorema 5.4.1). Exercı́cio 5.21. Mostre que a álgebra CIH é uma álgebra de tipo I. Exercı́cio 5.22. Sejam A e B duas álgebras de von Neumann isometricamente isomorfas (como álgebras C ∗ ). Seja Φ : A → B um isomorfismo-∗ isométrico de A em B. Mostre que: 66 CAPÍTULO 5. INTRODUÇÃO ÀS ÁLGEBRAS DE VON NEUMANN a) P ∈ A é uma projecção abeliana (resp. finita, infinita) se e só se Φ(P ) é abeliana (resp. finita, infinita); b) A é uma álgebra tipo I (resp. tipo II, III) se e só se B é uma álgebra de tipo I (resp. tipo II, III). exI Exercı́cio 5.23. Sejam A e B duas álgebras de von Neumann tais que A ⊂ B. Seja P uma projecção em B. Mostre que: a) se P é abeliana em B então é abeliana em A; b) se P é finita em B então é finita em A. Bibliografia [1] W. Arveson. An invitation to C ∗ -algebras. 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