PRIMEIRA INTERFACE CÉREBRO

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PRIMEIRA INTERFACE CÉREBRO-CÉREBRO PERMITE A TRANSMISSÃO DE
INFORMAÇÕES TÁTEIS E MOTORAS ENTRE RATOS
Pesquisadores ligaram eletronicamente os cérebros de pares de ratos pela primeira vez, o que
possibilitou aos animais comunicarem-se diretamente para resolver tarefas comportamentais simples.
Como teste final do sistema, os cientistas ligaram os cérebros de dois animais que estavam a milhares
de quilômetros de distância, um em Durham, Carolina do Norte e outro no Instituto Internacional de
Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra em Natal, Brasil.
A conquista pode permitir, no futuro, a ligação de vários cérebros para formar o que os pesquisadores
denominaram de o primeiro "computador orgânico", que pode permitir o compartilhamento de
informação motora e sensorial entre grupos de animais.
O neurobiólogo Miguel Nicolelis, do Centro Médico da Universidade de Duke e seus colegas
publicaram suas descobertas na edição de 28 de fevereiro de 2013 do periódico Scientific Reports,
uma revista do grupo Nature.
"Nossos estudos anteriores com interfaces cérebro-máquina tinham nos convencido de que o cérebro é
muito mais plástico do que pensávamos," disse Nicolelis. “Naqueles experimentos, o cérebro foi capaz
de se adaptar facilmente a aceitar estímulos vindos de dispositivos de fora do corpo e até mesmo
aprender a processar luz infravermelha gerada por um sensor artificial. Então, a pergunta que norteou
o presente estudo foi: já que o cérebro pode assimilar sinais de sensores artificiais, será que poderia
também assimilar informações geradas por sensores vindos de um corpo diferente?".
Para testar essa hipótese, em uma série de experimentos, os pesquisadores primeiro treinaram pares de
ratos para resolver um problema simples: pressionar a alavanca correta quando uma luz indicadora
acendesse acima da alavanca, para obter um gole de água. Depois eles conectaram os cérebros dos
dois animais por meio de duas matrizes de microelétrodos inseridos na área do córtex que processa a
informação motora.
Um animal da dupla foi designado como o animal "codificador". Este animal recebeu um sinal visual
que o informou qual alavanca pressionar para receber uma recompensa líquida. Uma vez que este rato
"codificador" pressionou a alavanca correta, uma amostra da atividade cerebral que codificou a
decisão comportamental dele foi traduzida para um padrão de estimulação elétrica, que foi enviado
diretamente ao cérebro do segundo animal da dupla, conhecido como o animal "decodificador". O rato
decodificador tinha os mesmos tipos de alavancas em sua câmara, mas não recebeu qualquer sinal
visual indicando qual alavanca ele deveria pressionar para obter uma recompensa. Portanto, para
pressionar a alavanca correta e receber a recompensa que desejava, o rato decodificador dependia do
sinal transmitido pelo codificador por intermédio da interface cérebro-cérebro.
Os pesquisadores, então, realizaram testes para determinar quão bem o animal decodificador podia
decifrar o sinal cerebral do rato codificador, para escolher a alavanca correta. Na média, o rato
decodificador obteve uma taxa de sucesso de cerca de 70 por cento, apenas ligeiramente abaixo da
possível taxa máxima de sucesso de 78 por cento, que os pesquisadores haviam considerado como
possível. Esta taxa máxima era o que os pesquisadores descobriram que podiam conseguir, quando
eles transmitiam sinais elétricos regulares diretamente para o cérebro do rato decodificador, que não
tinham sido gerados pelo codificador.
É importante notar que a comunicação proporcionada por esta interface cérebro-cérebro (BTBI) foi de
duas vias. Por exemplo, o rato codificador não recebia uma recompensa completa se o rato
decodificador fizesse uma escolha errada. O resultado dessa contingência peculiar levou ao
estabelecimento de uma "colaboração comportamental” entre o par de ratos, disse Nicolelis.
"Vimos que, quando o rato decodificador cometia um erro, o codificador basicamente, mudava tanto a
sua a função cerebral quanto a comportamental, de modo a tornar mais fácil para o seu parceiro
acertar", disse Nicolelis. “O rato codificador melhorou a razão sinal/ruído de sua atividade cerebral
que representava a decisão, e o sinal se tornou mais limpo e fácil de detectar. O rato codificador
também tomou uma decisão mais rápida e mais limpa ao escolher a alavanca correta para pressionar.
Invariavelmente, quando o codificador fazia essas adaptações, o decodificador tomava a decisão certa
com mais frequência, de forma que ambos conseguiam uma recompensa melhor."
Numa segunda série de experimentos com esta BTBI, os pesquisadores treinaram pares de ratos para
distinguir entre uma abertura estreita ou larga usando os seus bigodes faciais. Se a abertura era estreita,
os ratos tinham que colocar o nariz numa porta do lado esquerdo da câmara, para receber uma
recompensa. Quando a abertura era mais larga, eles tinham que colocar o nariz numa porta do lado
direito. Então, os pesquisadores dividiram os ratos em codificadores e decodificadores. Os
decodificadores foram treinados para associar pulsos de estimulação elétrica do córtex tátil com uma
recompensa presente do lado esquerdo, enquanto a ausência dessa estimulação deveria ser indicada
pelo animal com a colocação do nariz na porta à direita. Durante as tentativas em que o codificador
detectou a largura da abertura e transmitiu a escolha para o cérebro do decodificador, o decodificador
conseguiu uma taxa de sucesso de cerca de 65 por cento, significativamente acima do que seria
esperado apenas pelo acaso.
Para testar os limites de transmissão da comunicação cérebro-cérebro, numa outra série de
experimentos, os pesquisadores usaram ratos codificadores no Brasil, mais precisamente no Instituto
Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), para transmitir seus sinais
corticais pela Internet para ratos decodificadores em Durham, Carolina do Norte. Depois de uma série
de experimentos, os pesquisadores demonstraram que pares de ratos, conectados em dois continentes,
ainda podiam trabalhar juntos na tarefa de discriminação tátil se valendo de uma interface cérebrocérebro.
"Portanto, apesar de os animais estarem em continentes diferentes, com a transmissão ruidosa
resultante e atrasos de sinal, eles ainda puderam se comunicar", disse Miguel Pais Vieira, pósdoutorando e primeiro autor do estudo. "Isso sugere que no futuro poderemos criar uma rede de
cérebros de animais distribuídos em vários locais diferentes."
Nicolelis concluiu que "Essas experiências mostraram que nós estabelecemos uma ligação de
comunicação direta e sofisticada entre cérebros e que o cérebro decodificador funciona como um
dispositivo de reconhecimento de padrão. Então, basicamente, estamos criando uma espécie de
computador orgânico. Tal computador resolve um quebra-cabeça de forma diferente de uma “máquina
de Turing'", disse ele. Uma "máquina de Turing" é o clássico modelo computacional usado por todos
os computadores comerciais, no qual um computador opera os dados utilizando um conjunto prédeterminado de instruções, também conhecido como um algoritmo, para chegar a uma solução.
"Mas, neste caso, não estamos introduzindo instruções e sim apenas um sinal que representa uma
decisão tomada pelo rato codificador, que é transmitido ao cérebro do animal decodificador, que tem
que descobrir como resolver o quebra-cabeça. Então, nós basicamente criamos um sistema nervoso
central composto dos cérebros de dois ratos". Nicolelis observou que, em teoria, tal sistema não está
limitado a um par de animais, mas poderia incluir uma rede de cérebros que ele chamou de "Brainet".
Pesquisadores da Duke e do IINN-ELS estão agora trabalhando em experimentos para vincular vários
animais cooperativamente, para resolver tarefas comportamentais mais complexas. Nicolelis
introduziu originariamente o conceito de uma “rede cerebral" em seu livro Muito Além do Nosso Eu:
a nova Neurociência que une cérebros e máquinas e como ela pode mudar nossas vidas (Cia das
Letras, 2011).
"Nós não podemos sequer prever que tipos de propriedades emergentes surgirão quando os animais
começarem a interagir como parte de uma Brainet. Em teoria, você poderia imaginar que a
combinação de cérebros poderia fornecer soluções que cérebros individuais não podem alcançar
sozinhos. "Esta ligação até poderia significar que um animal incorporaria o senso de "eu" de outro
animal”, disse ele.
"De fato, os nossos estudos dos ratos decodificadores nestas experiências mostraram que o cérebro do
decodificador começou a representar no seu córtex tátil não só os próprios bigodes, mas também os
bigodes do rato codificador. Detectamos neurônios corticais que responderam a ambos os conjuntos de
bigodes, o que significa que o rato criou uma segunda representação de um segundo corpo além do
próprio". Estudos básicos de tais adaptações podem levar a um novo campo que Nicolelis chama de
"neurofisiologia da interação social".
"Para entender a interação social, poderíamos gravar a partir de cérebros dos animais enquanto eles
estão socializando e analisar como o cérebro se adapta, por exemplo, quando um novo membro da
colônia é introduzido”, disse ele.
Experimentos de tal complexidade serão possíveis por causa da capacidade do laboratório de
Nicolelis, anunciada em dezembro passado, de gravar ao mesmo tempo os sinais cerebrais de quase
2.000 células cerebrais, um número sem precedentes na área. Finalmente, os pesquisadores esperam
registrar a atividade elétrica produzida simultaneamente por 10 a 30.000 neurônios corticais nos
próximos cinco anos.
Tais gravações cerebrais maciças permitirão um controle mais preciso de neuropróteses motoras,
como as que estão sendo desenvolvidas pelo Projeto Andar de Novo [www.walkagainproject.org] para
restaurar controle motor em pessoas paralisadas, disse Nicolelis.
O Projeto Andar de Novo recebeu recentemente um subsídio de aproximadamente R$ 34 milhões da
Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, para permitir o desenvolvimento do primeiro
exoesqueleto de corpo inteiro, destinado a restaurar a mobilidade em pacientes severamente
paralisados. A primeira demonstração desta tecnologia está prevista para acontecer no jogo de abertura
da Copa do Mundo de 2014, no Brasil.
Nicolelis é professor de neurobiologia, engenharia biomédica, psicologia e neurociência, e codiretor
do Centro de Neuroengenharia da Universidade de Duke. Mais informações sobre o laboratório de
Nicolelis estão disponíveis em www.nicolelislab.net.
Além de Nicolelis, os outros coautores do artigo da Scientific Reports foram Miguel Pais Vieira,
Mikhail Lebedev e Jing Wang, da Duke e Carolina Kunicki, do Instituto Internacional de Neurociência
de Natal Edmond e Lily Safra, no Brasil.
A pesquisa foi apoiada pelo National Institutes of Health (NIH), inclusive o National Institute of
Mental Health do NIH; a Fundação Bial; o Programa Brasileiro de Institutos Nacionais de Ciência e
Tecnologia (INTC); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq);
Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Rio Grande do
Norte (FAPERN).
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