Os ratos dão razão a Kant

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Os ratos dão razão a Kant
Você sabe exatamente onde está, provavelmente sentado lendo jornal. Uma das funções importantes do nosso
cérebro é coletar as informações originadas nos órgãos dos sentidos, como visão e tato, processar esta informação,
e nos manter informados sobre nossa localização.
Apesar do sistema de localização utilizado pelo cérebro ser muito estudado, havia uma polêmica entre os
cientistas. Alguns acreditavam que este sistema era resultado do aprendizado, sendo desenvolvido durante a
infância. Isto sugeria que o cérebro de um recém-nascido se assemelha a uma página em branco preenchida ao
longo do desenvolvimento, uma idéia associada ao pensamento de John Locke. Outros acreditavam que já
nascemos com um cérebro capaz de determinar nossa localização no espaço, uma idéia associada a Kant que
acreditava que a noção de espaço e tempo é uma pré-condição para o aprendizado.
A novidade é que estudos com ratos recém nascidos demonstram que ao abrirem os olhos eles já possuem o
aparato cerebral capaz de localizá-los no espaço.
Dificilmente encontrarmos um rato em uma cadeira lendo jornal, mas foi no cérebro deste animal que o sistema de
localização foi mais estudado. O rato utiliza a informação espacial para se orientar quando procura alimentos,
parceiros sexuais ou quando volta para o ninho.
Fazem muitos anos que se descobriu que existem diversos tipos de neurônios envolvidos no processamento de
informações espaciais. Estes neurônios foram descobertos quando cientistas implantaram minúsculos eletrodos no
cérebro de ratos. Estes eletrodos são capazes de detectar a atividade de cada neurônio e enviar esta informação a
um computados. Quando os ratos monitorados eram soltos em suas gaiolas e a atividade dos neurônios
monitorada, os cientistas descobriram que existem diversas classes de neurônios. Uma das classes, chamada de
neurônios “localizadores”, dispara sinais elétricos quando o rato passa em um determinado local da gaiola. Para
cada local da gaiola foi possível detectar vários destes neurônios. Existem neurônios para o canto esquerdo, o
canto direito e assim por diante. Toda vez que o rato passa por este local, independente de onde ele vinha ou para
onde ia, estes neurônios disparam. Um segundo tipo de neurônio, chamado de “direcional”, dispara sempre que o
rato esta orientado em uma direção. Assim, por exemplo, um neurônio “direcional norte” dispara sempre que o
corpo do rato esta orientado em direção ao norte independente de onde ele está na gaiola. Um neurônio “direcional
sul” dispara quando o nariz do rato esta apontado para o sul e assim por diante.
Neste novo experimento os cientistas, usando técnicas de micro cirurgia, foram capazes de implantar os eletrodos
em dezenas ratos recém nascidos que nunca haviam saído do ninho, ou sequer aberto os olhos. Os ratos foram
colocados de volta no ninho e, dias depois, assim que saíram pela primeira vez para passear pela gaiola, seus
neurônios já estavam sendo monitorados. A descoberta é que nestes ratos foi possível detectar a existência de
neurônios “localizadores” e neurônios “direcionais” com características idênticas aos existentes nos ratos adultos.
O fato destes neurônios existirem antes de haver qualquer aprendizado sobre o ambiente sugere que os ratos já
nascem com a capacidade de se localizar e portanto ela deve estar codificada diretamente no seu genoma não
dependendo do aprendizado. É mais uma demonstração que nascemos com o cérebro parcialmente préconfigurado. Se Kant estivesse vivo provavelmente ficaria feliz com esta descoberta.
Mais informações: Development of the spacial representation system in the rat. Science vol. 328 pag 1576 2010
Fernando Reinach ([email protected])
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