Equipe de Nicolelis cria "sexto sentido" em ratos

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Ciência
12 de Fevereiro de 2013
Neurociência
Equipe de Nicolelis cria "sexto sentido" em ratos
Por meio de implantes no cérebro, animais passaram a ser capazes de sentir a luz infravermelha,
habilidade inédita em mamíferos
Por Guilherme Rosa
O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis: as possibilidades abertas pelo experimento são
enormes e, no limite, representam a quebra dos limites impostos ao corpo humano (Manoel
Marques)
Pela primeira vez na história, um mamífero ganhou um sexto sentido artificial, a capacidade de "enxergar" a luz
infravermelha, para se somar aos outros cinco dados pela natureza - audição, olfato, paladar, tato e visão. A proeza
foi realizada pela equipe do brasileiro Miguel Nicolelis no Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, em
Durham, na Carolina do Norte (Estados Unidos), e foi publicada nesta terça-feira na revista Nature Communications.
CONHEÇA A PESQUISA
Título original: Perceiving invisible light
through a somatosensory cortical prosthesis
Onde foi divulgada: revista Nature
Communications
Quem fez: Eric E. Thomson, Rafael Carra e
Miguel Nicolelis
Nenhum mamífero consegue enxergar a luz infravermelha — seus
olhos são incapazes de captar ondas de luz com comprimento de
onda tão grande. Algumas cobras são capazes de detectar a
radiação infravermelha por meio de um órgão localizado entre
suas narinas e olhos, chamado fosseta loreal. A visão
infravermelha também foi descoberta entre alguns insetos, como
os besouros. Para dar aos ratos essa nova habilidade, a equipe
de Nicolelis instalou um detector de luz infravermelha na cabeça
do animal, e ligou o aparelho a um eletrodo implantado no cérebro
do rato.
Instituição: Universidade Duke, EUA
Entrevista:
"No futuro, as pessoas vão experimentar sensações para
as quais não nasceram equipadas para perceber"
Dados de amostragem: Seis ratos, que
tiveram microletrodos implantados em seus
cérebros. Aos implantes foram conectados
detectores de luz infravemelha
Assim, a equipe foi além de todas as pesquisas anteriores, que se
baseavam no uso de implantes cerebrais apenas para restaurar
funções corporais perdidas, como controlar braços e pernas
Resultado: Depois de cerca de um mês, os
ratos já estavam adaptados ao dispositivo. Eles
eram capazes de sentir a luz infravermelha, e
usavam o novo sentido para se guiar até uma
fonte de água
mecânicos. Nesta pesquisa, pela primeira vez, eles conseguiram
aumentar a percepção natural de um animal. "Este é o primeiro
trabalho em que um dispositivo neuroprotético foi usado para
aumentar uma função, literalmente permitindo que um animal
normal adquirisse um sexto sentido”, diz Eric Thomson, principal
autor do estudo.
Embora o experimento tenha testado apenas se ratos podiam
detectar luz infravermelha, os pesquisadores dizem que o mesmo método poderá ser usado no futuro para dar aos
animais — ou seres humanos — a capacidade de ver em qualquer região do espectro eletromagnético. "Poderíamos
criar dispositivos sensíveis a qualquer energia física. Poderiam ser campos magnéticos, ondas de rádio ou ultrassom.
Escolhemos infravermelho inicialmente porque ele não interfere com os nossos registros eletrofisiológicos", diz Miguel
Nicolelis.
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No fio do bigode — Os pesquisadores usaram seis ratos em seus experimentos. Inicialmente, eles foram colocados
dentro de uma câmara circular, que continha três pequenos compartimentos com luzes que se acendiam em ordem
aleatória. Quando piscavam, as luzes indicavam onde o animal poderia encontrar uma fonte de água e matar sua
sede. No começo, foram usadas luzes visíveis — até que os ratos estivessem habituados ao método.
Terminado o treinamento dos animais, os pesquisadores implantaram microeletrodos em seus cérebros, capazes
tanto de registrar a atividade elétrica dos neurônios quanto de estimular o tecido com pequenas correntes. Cada um
desses microeletrodos media cerca de um décimo do diâmetro de um fio de cabelo. Os dispositivos foram
implantados em uma região cerebral conhecida como córtex somestésico, responsável por processar as informações
tácteis geradas pelos bigodes dos roedores.
Os pesquisadores também instalaram um detector infravermelho na cabeça de cada animal e o conectaram ao
microeletrodo em seu cérebro. O sistema foi programado para que, cada vez que o detector identificasse uma fonte
de luz infravermelha, o dispositivo gerasse pulsos elétricos no córtex somestésico dos ratos. A frequência dos pulsos
aumentava conforme o animal se aproximasse da fonte de luz infravermelha.
Os ratos foram devolvidos à câmara de teste, e os cientistas substituíram gradualmente as luzes usadas. No início,
quando a luz infravermelha era ligada, os animais começavam a procurar aleatoriamente os locais de recompensa e
passavam a acariciar os próprios rostos, como se estivessem recebendo um estímulo táctil prazeroso. Segundo os
pesquisadores, isso acontecia porque eles interpretavam os sinais elétricos como se fossem provenientes dos seus
bigodes.
No entanto, com o passar do tempo, os seis animais aprenderam a associar o sinal de cérebro com a luz
infravermelha. Depois de cerca de um mês, eles já estavam procurando ativamente o sinal infravermelho, atingindo
uma pontuação quase perfeita na identificação da fonte de luz correta. Eles haviam se acostumado ao novo sentido,
e já o usavam para se guiar pelo mundo.
Plasticidade cerebral — Segundo os cientistas, o experimento demonstrou, pela primeira vez, que uma nova fonte
de informação sensorial pode ser processada em uma região cerebral especializada em outro sentido. E, mais
importante, sem afetar a função original desta área do cérebro. "Quando gravamos sinais do córtex somestésico
desses animais, descobrimos que, embora as células tivessem começado a responder à luz infravermelha, elas
continuavam a reagir à estimulação táctil dos bigodes. Era quase como se o córtex estivesse se dividido
uniformemente, de modo que os neurônios pudessem processar ambos os tipos de informações”, diz Nicolelis.
Os pesquisadores batizaram de plasticidade cerebral essa capacidade que certas regiões do cérebro têm de assumir
funções nas quais elas não são originalmente especializadas. Essa ideia vai contra uma visão mais clássica do
funcionamento do órgão — chamada de optogenética — que defende que um tipo específico de célula neuronal
deve ser estimulado para gerar a função neurológica desejada. Em vez disso, a experiência demonstra que a
estimulação elétrica ampla, que recruta tipos diferentes de células, pode levar uma região cortical a se adaptar à
nova fonte de estímulos sensoriais. "No futuro isso pode ajudar pacientes que perderam a visão por causa de uma
lesão no córtex visual. Até hoje, não havia o que fazer com relação a isso. Com nossa descoberta, mostramos que
podemos usar o córtex táctil para devolver graus de visão para esses pacientes. E isso é só o começo", afirmou
Nicolelis em entrevista ao site de VEJA.
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