DOR w|tzÇ™áà|vÉ & àÜtàtÅxÇàÉ MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA DOR CRÔNICA E PRINCÍPIOS DO TRATAMENTO axãàÉÇ UtÜÜÉá= U ma das principais dificuldades no manejo dos pacientes com dor crônica é exatamente o reconhecimento desta condição por parte dos médicos. Na prática, ainda se verificam muitos pacientes tratados como se tivessem dor aguda, justificando parte dos insucessos, complicações e iatrogenias, que poderiam ser minimizados pelo simples fato de, ao identificar uma síndrome de dor crônica (Quadro 1), o médico poder direcionar os procedimentos específicos para estes casos, que diferem tanto na investigação quanto no tipo de medicamentos e procedimentos a ser utilizados. Dentre os motivos responsáveis pelas dificuldades do médico na avaliação dos pacientes com dor crônica, estão a formação com influência cartesiana (baseada na dissociação mente-corpo), a superespecialização da medicina (com conseqüente visão fragmentada do indivíduo) e os próprios avanços que transformaram a medicina-arte em medicina-científica (privilegiando exclusivamente os fatos Quadro 1 evidenciados cientificamente, em detrimento da observação com base humanista). O ensino do manejo das doenças crônicas em geral está contemplado de modo insuficiente quando o treinamento do estudante e residente é feito em ambiente hospitalar, principalmente em hospitais terciários onde são internados doentes preferencialmente graves e casos raros. É importante lembrar que o modelo biomédico, que se adapta à abordagem das doenças agudas, é inadequado para o manejo das doenças crônicas nas quais o modelo biopsicossocial costuma ser mais efetivo. Neste, o paciente é estimulado a ser coresponsável pelo seu tratamento e a família é chamada para auxiliar na sua recuperação. Da mesma forma, o tratamento de uma doença crônica depende, além do diagnóstico correto e de uma prescrição adequada, do seguimento da prescrição por parte do paciente, isto é, da adesão ao tratamento. Esta, por sua vez, é influenciada significativamente pelo modo com - SINAIS INDICATIVOS DA SÍNDROME DE DOR CRÔNICA ➻ Paciente poliqueixoso ➻ Nega conflitos emocionais ou familiares ➻ Consulta a muitos médicos ➻ Desorganização da vida em múltiplas áreas ➻ Dependente do sistema de saúde (geralmente tem múltiplos ➻ Sentimento de isolamento e solidão ➻ Falta de “insight” para vencer suas dificuldades problemas) ➻ Preocupação com a dor ➻ Usa a dor como meio simbólico de comunicação ➻ Comportamento de dor ➻ Pode estar consciente ou inconsciente de ganhos ➻ Personalidade passivo-dependente secundários *Especialista em Clínica Médica. Vice-Presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED). Chefe do Serviço de Dor e Cuidados Paliativos do Hosp. N. Sra. da Conceição – Porto Alegre. Presidente da Associação Médica do Rio Grande do Sul. Dor diagnóstico e tratamento Vol. 1 • nº 03 • Out/Nov/Dez 2004 3 `tÇ|yxáàt†Æxá VÄ•Ç|vtá wt WÉÜ x cÜ|Çv•Ñ|Éá wÉ gÜtàtÅxÇàÉ que o médico e equipe se relacionam com o paciente e família, com a prescrição que mais se adapta a cada caso e o grau de entendimento da necessidade do tratamento, dos seus efeitos benéficos e indesejáveis por parte do paciente. Isto faz com que programas educativos utilizando técnicas com orientação didático-pedagógica sejam adotados com sucesso nos melhores serviços de tratamento da dor, contribuindo de modo significativo para os resultados. Possivelmente a dor crônica será melhor avaliada e os pacientes atendidos de forma mais adequada se forem corrigidas distorções na formação do médico. É importante lembrar que para o atendimento correto do paciente com dor crônica é fundamental, além da valorização dos sinais e sintomas físicos e psicológicos, compreender o ambiente familiar e laboral em que ele está inserido, sendo imprescindível uma boa relação médico-paciente. Portanto, mesmo trabalhando em equipe multidisciplinar, o médico precisa ter uma formação que possibilite correlacionar as múltiplas queixas que fazem parte da história clínica do paciente com dor crônica, exame físico e resultado de testes diagnósticos complementares. Para um manejo adequado dos seus pacientes, o médico precisa ter sempre presentes as diferenças que caracterizam dor aguda e dor crônica (Quadro 2). A dor aguda, de início recente, tem significado de alerta e costuma orientar a investigação etiológica com tendência a desaparecer quando solucionada a sua causa básica. Diferente disso, a dor crônica, prolonga- Quadro 2 da por mais de 3 a 6 meses, necessita de atenção muito maior no que diz respeito às repercussões para o indivíduo (físicas, psicológicas e sociais), pois a investigação freqüentemente não define, de modo claro, uma etiologia. Por ser multifatorial, várias questões costumam estar envolvidas na gênese e manutenção da dor crônica. A prova é que, em certos casos, mesmo com diagnóstico definido, o manejo exclusivo daquilo que foi identificado como a “causa” pode não ser suficiente para aliviar a dor, se não for acompanhado de avaliação e tratamento criterioso das repercussões e incapacidades ocasionadas pelo tempo prolongado da experiência dolorosa. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA DOR CRÔNICA Diante de um paciente com dor crônica, o indicado é seguir os passos habituais de uma consulta médica, que inclui a história clínica e o exame físico e, se necessário, a solicitação de exames complementares. Conversar demoradamente com o paciente colhendo uma história completa, ouvir suas queixas e observar suas atitudes é da máxima importância para estabelecer o diagnóstico e para iniciar uma relação de confiança, fundamental para a adesão ao tratamento. Uma entrevista com um familiar mais próximo (companheiro(a), filho, pais) pode adicionar importantes detalhes para uma impressão diagnóstica e planificação terapêutica. Convém destacar que muitos pacientes atendidos em pron- - DIFERENÇAS ENTRE DOR AGUDA E DOR CRÔNICA AGUDA CRÔNICA Função Alerta Sofrimento/Incapacidade Etiologia Definida Inúmeras/Indefinidas Abundante Pouco expressiva Variáveis Marcantes Remoção da causa Eficaz Insatisfatória Analgésicos Eficazes Insatisfatórios Medicação adjuvante Eventualmente eficaz Eficaz Psicoterapia Eventualmente eficaz Eficaz Reação neurovegetativa Anormalidades psíquicas 4 Dor diagnóstico e tratamento Vol. 1 • nº 03 • Out/Nov/Dez 2004 DOR w|tzÇ™áà|vÉ & àÜtàtÅxÇàÉ to-socorro com dor aguda poderão enquadrar-se no diagnóstico de dor crônica em período de crise ou agudização, e a perspicácia do médico ao identificá-los possibilita orientar um tratamento adequado ou encaminhá-los para uma clínica especializada. REPERCUSSÕES DA DOR CRÔNICA As incapacidades física, psicológica e social são as principais repercussões que comprometem a qualidade de vida dos pacientes com dor crônica, sendo importantes a sua identificação e o grau de influência na manutenção da dor. O caso abaixo ilustra uma situação real para melhor entendimento do problema. "Paciente feminina, 44 anos, profissional de informática, casada, dois filhos, peso normal para a altura, iniciou com lombalgia aos 34 anos. Com o diagnóstico de hérnia discal em L4-L5 e compressão radicular, foi submetida a laminectomia. A persistência motivou nova cirurgia depois de 4 meses, com colocação de parafusos fixadores. Outra cirurgia, um ano após, para artrodese com enxerto ósseo. Como o alívio foi temporário, uma revisão com exames de imagem um ano após identificou fibrose comprometendo raízes e a paciente foi submetida a uma neurocirurgia. Por infecção na ferida operatória foram retirados os parafusos em novo procedimento. Dez meses depois foi submetida a nova colocação de fixadores. Aos 37 anos, depois de 5 cirurgias e vários tratamentos medicamentosos e por métodos físicos sem resultado, a paciente encontrava-se deprimida, incapacitada para o trabalho e para as tarefas domésticas, com insônia e sua vida resumia-se a permanecer tempo prolongado na cama e visitar consultórios médicos ou hospitais, tendo engordado 14 quilos. O marido perdeu a função de gerente de vendas na empresa, pois freqüentemente precisava ausentar-se do trabalho para atender a esposa; as filhas tiveram o rendimento escolar diminuído. A instituição de um tratamento com abordagem multidisciplinar com participação da família foi recuperando gradativamente a paciente. A psicoterapia identificou sérios fatores que contribuíam para um estado de tensão constante. Três anos após ela está sem dor, retornou ao trabalho, emagreceu, pratica exercícios físicos e não está tomando medicamentos." FISIOPATOLOGIA DA DOR CRÔNICA Está fora do propósito deste artigo aprofundar-se nos mecanismos fisiopatológicos da dor crônica, motivo de várias outras publicações que devem ser consultadas pelo leitor. Citaremos, de modo bastante resumido, alguns aspectos fundamentais para o entendimento de como se estabelece o quadro de dor crônica e como se explicam suas repercussões, com o intuito de facilitar a compreensão dos princípios do tratamento. Uma grande contribuição dos estudos sobre o assunto foi a descoberta de que o sistema nervoso pode alterar os seus níveis de atividade em resposta ao trauma, não sendo apenas um condutor de estímulos, mas sim reagindo a eles quando persistentes, modificando-se anatômica e funcionalmente (neuroplasticidade) e também armazenando estas informações (memória). A persistência do estímulo doloroso (nociceptivo, somático ou neuropático) provoca uma sensibilização do sistema nervoso periférico (nociceptores) e central (corno posterior da medula), provocando despolarização ao menor estímulo e amplificando os sinais ascendentes devido às descargas espontâneas que passam a surgir do próprio sistema nervoso. Ocorre também ativação do sistema nervoso simpático, com a expressão de receptores α-adrenérgicos contribuindo para maior sensibilização periférica. A figura 1 mostra esquematicamente o que acontece na dor neuropática. As conexões das fibras ascendentes no seu caminho para o córtex são responsáveis pela ativação de áreas responsáveis pela dimensão sensitivo-discriminativa, que permite identificar a dor no tempo e no espaço, dimensão afetivomotivacional, que atribui a conotação aversiva desagradável, e a dimensão cognitivo-avaliativa, que possibilita quantificá-la e atribuir-lhe significado simbólico individual. Outra alteração que ocorre na dor crônica é em relação às vias descendentes inibitórias, que sofrem supressão por apoptose de neurônios em vários níveis, até o corno posterior da medula, anulando a possibilidade do efeito inibidor fisiológico. Com base nestes conhecimentos é possível perceber que a instituição de terapia analgésica precoce e efetiva é a principal maneira de prevenir o desenvolvimento da dor crônica, ou “dor patológica” que, uma vez instalada, torna-se um desafio para o médico e equipe, e o seu manejo requer, além de medicamentos normalmente não utilizados como analgésicos (antidepressivos e anticonvulsivantes), múltiplas ações em vários níveis. Dor diagnóstico e tratamento Vol. 1 • nº 03 • Out/Nov/Dez 2004 5 `tÇ|yxáàt†Æxá VÄ•Ç|vtá wt WÉÜ x cÜ|Çv•Ñ|Éá wÉ gÜtàtÅxÇàÉ Figura 1 A: situação normal, sem dor. Fibras C (não-mielinizadas) e fibras A-b (mecanorreceptoras), fazem sinapse com neurônio no corno posterior da medula (CPME). B: sensibilização periférica, sensibilização central e interação com o sistema nervoso simpático. Lesão parcial das fibras nervosas induz sensibilização patológica dos nociceptores periféricos, cujos estímulos aferentes ocasionam hiperexcitabilidade da medula que, por sua vez, passa a perceber os estímulos dos mecanorreceptores (normalmente não dolorosos) como dor (alodinia). Os terminais aferentes na periferia ou aferentes somáticos no gânglio da raiz dorsal passam a expressar α-receptores na sua membrana e adquirem sensibilidade à norepinefrina liberada pelos terminais simpáticos. enquanto a lesão de nervos periféricos tem um componente neuropático. A dor neuropática geralmente surge algum tempo após a lesão do nervo, caracterizando-se por ardência, queimação ou choques, acompanhando o trajeto do nervo afetado. Em alguns pacientes, após a lesão parcial do nervo, aumenta o número de receptores α-adrenérgicos, tornando-os mais sensíveis às catecolaminas circulantes e à norepinefrina liberada pelos terminais simpáticos. Adicionalmente, na dor de manutenção simpática podem surgir alterações tróficas (cianose, edema, sudorese), características da influência desse sistema. PRINCÍPIOS DO TRATAMENTO Apesar da dor ser um dos principais sintomas que conduzem o paciente a procurar o médico, freqüentemente o seu controle é inadequado e vários fatores contribuem para este resultado: a subvalorização da queixa por parte do médico, a prescrição de doses insuficientes de analgésicos, pelo receio dos efeitos adversos ou por desconhecimento de farmacologia, e a falta de adesão ao tratamento por parte do paciente devido aos efeitos colaterais ou má relação médico-paciente. C: com a lesão total das fibras C-nociceptoras e redução das sinapses neste sisDOR AGUDA É sempre adequado lembrar que a melhor mais profundas (III e IV), “brotam” em direção à lâmina II (substância gelatinosa) formaneira de prevenir o desenvolvimento de dor mando novas conexões sinápticas (reorganização anatômica), fazendo com que estícrônica e suas conseqüências é o tratamento efemulos antes não dolorosos (mecânicos) passem a ser percebidos como dor (agora tivo e precoce da dor aguda, impedindo a percom conexão direta). sistência de estímulos nociceptivos que irão desenTIPOS DE DOR cadear todas as alterações no sistema nervoso previamente Identificar o tipo de dor relatada pelo paciente é uma tarefa citadas. Para isto está disponível um grande arsenal de analeminentemente clínica e fundamental para entender a sua gésicos que, usados de forma isolada ou combinada, permitem fisiopatologia e as medidas terapêuticas a serem instituídas. alívio satisfatório ao paciente. Entre as principais causas responDe acordo com o mecanismo fisiopatológico, a dor pode ser sáveis pela dor ser considerada subtratada estão a prescrição classificada em três tipos: nociceptiva, neuropática e dor influen- incorreta por parte dos médicos, a administração inadequada ciada pelo sistema nervoso simpático, sendo freqüentemente de parte da enfermagem nas hospitalizações, ou o medo e o mista, com predomínio de um deles. A dor pós-operatória tem desconhecimento dos pacientes relacionados aos efeitos como principal mecanismo subjacente a dor nociceptiva, adversos das medicações. Na prescrição médica, além das tema, os terminais das fibras intactas Ab-mecanorreceptoras, localizados em lâminas 6 Dor diagnóstico e tratamento Vol. 1 • nº 03 • Out/Nov/Dez 2004 DOR w|tzÇ™áà|vÉ & àÜtàtÅxÇàÉ doses corretas, a facilidade de administração dos analgésicos é importante fator para a adesão ao tratamento. O surgimento de medicações com tempo de ação prolongado, permitindo menor número de doses diárias, ou as associações de medicamentos em um mesmo comprimido ou cápsula, facilitando os tratamentos conjugados, estão entre as principais contribuições da indústria farmacêutica para a questão. Classicamente, os analgésicos são divididos em dois grupos: analgésicos antiinflamatórios e opióides. Quadro - MECANISMO DE AÇÃO DOS ANTIINFLAMATÓRIOS MEMBRANA CELULAR FOSFOLIPÍDEOS Fosfolipase A2 Ácido Araquidônico COX-1 COX-2 Estômago Macrófago Plaquetas Endotélio Rim Rim ANALGÉSICOS ANTIINFLAMATÓRIOS SNC (OU ANTIINFLAMATÓRIOS NÃOESTEROIDAIS–AINE) PGs Hormonais PGs Inflamatórias Caracterizam-se pela propriedade comum analgésiProtetoras Algogênicas ca, antipirética e antiinflamatória, com exceção do paracetamol, que não apresenta efeito antiinflamatório nas doses habituais. As diferenças básicas entre os vários tipos de AINE estão na sua farmacocinética, potência antiQuadro 3 - PRINCIPAIS ANALGÉSICOS ANTIINFLAMATÓRIOS inflamatória e analgésica e efeitos colaterais. Possuem mecanismos de ação central e periférico por inibição da 1 - Inibidores da COX-1 e COX-2 Aspirina cicloxigenase e subseqüente inibição da síntese de endopeSalicilatos róxidos cíclicos e prostaglandinas, mediadores da inflaDiflunisal Indometacina mação e da hiperalgesia primária (Quadro Mecanismo de Indóis Ação dos Antiinflamatórios). Sulindac Ibuprofeno Os AINE de primeira geração bloqueiam tanto a COX-1, Ácido Propiônico Naproxeno constitutiva, presente na maioria dos tecidos e relacionada à regulação da função renal, plaquetária e à proteção da Cetoprofeno mucosa gástrica e intestinal, como a COX-2, constitutivaÁcido Antranílico Ácido Mefenâmico mente presente no SNC e no aparelho urogenital, e induziÁcido Fenilacético Diclofenaco da pelo processo inflamatório e expressada no endotélio e Piroxicam macrófagos. Os AINE mais recentes (coxibs) bloqueiam seOxicams Tenoxicam letivamente a COX-2. Os AINE caracterizam-se por um efeiMeloxicam to “teto”, isto é, acima de determinada dose mantém-se o efeito, tanto no aspecto antiinflamatório como analgésico. Recentemente foi descrita 2- Inibidores da COX-2 3- Inibidores da COX-1 e COX-3 uma nova forma de cicloxigenase, a COX-3, Nimesulida Dipirona (Metamizol) presente no SNC, aparente alvo de ação da Celecoxib Paracetamol dipirona e do paracetamol. Os quadros 3 e 4 Rofecoxib Valdecoxib relacionam os principais analgésicos antiinflaEtoricoxib matórios e seus efeitos colaterais. Dor diagnóstico e tratamento Vol. 1 • nº 03 • Out/Nov/Dez 2004 7 `tÇ|yxáàt†Æxá VÄ•Ç|vtá wt WÉÜ x cÜ|Çv•Ñ|Éá wÉ gÜtàtÅxÇàÉ Quadro 4 - EFEITOS COLATERAIS DOS ANTIINFLAMATÓRIOS Digestivos - Epigastralgia, hemorragia digestiva, náuseas Renais - Retenção de sódio e água, nefrite intersticial e edema Hematológicos - Leucopenia, anemia aplástica e agranulocitose Neurológicos - Síndrome de Reye, confusão mental e coma Hepáticos - Insuficiência hepática e necrose hepática Dermatológicos - “Rash” cutâneo e prurido Respiratórios - Pioram rinite e asma ANALGÉSICOS OPIÓIDES São analgésicos indicados para o tratamento de dores moderadas ou intensas, com mecanismo de ação predominantemente central, ligando-se a receptores opióides, onde modulam a atividade sensitiva, motora e psíquica. Apresentam tendência a produzir tolerância e dependência quando usados cronicamente. Conforme sua potência analgésica, são classificados como opióides para o tratamento da dor discreta ou moderada (opióides fracos) ou da dor moderada ou intensa (opióides fortes). No quadro 5 são apresentados os principais opióides disponíveis em nosso meio. Os opióides podem ser utilizados por via oral, retal, sublingual, intramuscular, intravenosa, transdérmica, epidural, intratecal, intrapleural, intraperitoneal, intra-articular ou nos troncos nervosos. O tratamento deve ser iniciado em doses baixas, administrado a intervalos fixos, adaptando-se a cada caso, sendo a dose máxima aquela tolerável pelo paciente ou que produziu os efeitos desejados, dentro dos princípios de segurança. A associação de opióide de baixa potência (codeína, tramadol) com AINE apresenta efeito analgésico aditivo, sendo de grande utilidade em casos selecionados. Quadro 5 - PRINCIPAIS OPIÓIDES De baixa potência De alta potência Codeína Morfina Meperidina Metadona Tramadol Oxicodona O uso clínico dos opióides requer um conhecimento a respeito das suas propriedades terapêuticas e dos seus efeitos adversos por parte do médico e equipe, visando desmistificar certos preconceitos e orientar os pacientes quando for necessária uma prescrição prolongada. Ainda hoje são estas as principais causas verificadas das prescrições inadequadas, que impedem uma analgesia satisfatória. EFEITOS COLATERAIS Sistema Nervoso Central 1 - Analgesia, humor e consciência: os opióides alteram a sensação de dor e sua resposta afetiva. O paciente pode referir que a dor está presente, porém sente-se mais confortável. 2 - Depressão respiratória: por atuação direta no centro respiratório no tronco cerebral. É rara com o uso crônico. 3 - Náusea e vômito: resultantes do estímulo direto da zona gatilho no SNC. 4 - Tosse: deprime o centro da tosse na medula. 5 - Miose: contração da pupila por efeito nos receptores mu e kapa. 6 - Convulsões: meperidina é particularmente causadora de convulsões através do seu metabólito normeperidina, que pode acumular-se na circulação especialmente em portadores de insuficiência renal e idosos. Neuroendócrinos 1 - Redução da liberação dos hormônios do estresse (glucocorticóides e catecolaminas). 2 - Altas doses de opióides suprimem a resposta imunológica. 3 - Reduzem a liberação de LH, FSH, ACTH e beta-endorfina. Sistema Gastrointestinal 1 - Diminuição da motilidade gástrica, prolongamento do esvaziamento gástrico e aumento do risco de refluxo. 2 - Diminuição das ondas peristálticas e constipação intestinal. 3 - Sistema biliar: contração do esfíncter de Odi e aumento da pressão no ducto biliar. Buprenorfina Fentanil 8 Dor diagnóstico e tratamento Vol. 1 • nº 03 • Out/Nov/Dez 2004 Sistema Cardiovascular Liberação de histamina e vasodilatação periférica acompanha DOR w|tzÇ™áà|vÉ & àÜtàtÅxÇàÉ o uso de certos opióides. Altas doses de opióide podem reduzir a descarga simpática, com preponderância dos efeitos parassimpáticos, com bradicardia e diminuição do débito cardíaco. Os efeitos hipotensivos são potencializados com altas doses e uso conjunto com outras drogas, como fenotiazínicos. Tolerância, Dependência e Adição Embora tolerância e dependência possam ser conseqüência do uso de opióides, adição é um problema comportamental que acontece somente em alguns indivíduos. Tolerância é a necessidade de aumento da dose para obter o mesmo efeito analgésico e pode ser combatida com a mudança de um opióide para outro. Dependência física ocorre quando é necessária exposição contínua à droga para evitar os sintomas de abstinência. Adição ou dependência psicológica é um comportamento social destrutivo de procura da droga que ocorre em indivíduos predispostos e raramente em pacientes tratados com opióides para dor aguda ou dor associada ao câncer, sendo potencialmente maior quando prescritos para pacientes com dor crônica não-maligna. No tratamento de pacientes com dor aguda ou de câncer é importante assegurar que o risco que eles possam desenvolver adição é extremamente raro e que adição, tolerância e dependência são questões diferentes. DOR CRÔNICA Ao ser caracterizada como dor crônica, a abordagem do paciente deve seguir uma orientação biopsicossocial, com a participação dos vários profissionais componentes da equipe de tratamento da dor, que devem fazer a avaliação inicial, discutir o caso e planejar a conduta a ser seguida. Conforme o diagnóstico etiológico estabelecido poderão ser indicados tratamentos específicos. Por exemplo, a dor miofascial pode beneficiar-se de procedimentos físicos como agulhamento seco ou acupuntura, além de exercícios de alongamento, cuidados posturais e, em casos selecionados, da utilização de medicamentos relaxantes musculares ou antidepressivos. Diferentemente, a dor neuropática costuma ser de manejo mais difícil e pode necessitar de combinações de diferentes medicamentos (Figura 2) ou procedimentos, como bloqueio simpático ou neurocirúrgico. Quando o componente simpático está contribuindo significativamente para a manutenção da dor, os bloqueios específicos poderão ser de auxílio. Na maioria dos casos de dor crônica, entretanto, fazendo ou não um tratamento específico, as técnicas cognitivo-comportamentais e os exercícios físicos cumprem importante função nos resultados. Também são de grande auxílio os programas educativos nos quais os pacientes aprendem os fundamentos da dor crônica, o modo de funcionamento dos medicamentos, os riscos do uso de múltiplas drogas e, principalmente, a necessidade de esforço pessoal no seguimento das recomendações, pois a freqüente conduta passiva do paciente com dor crônica pode induzir o profissional a realizar procedimentos que poderiam ser evitados se houvesse a colaboração do paciente com o seu próprio tratamento. Considerando os mecanismos fisiopatológicos implicados na gênese e manutenção da dor crônica, é correto pensar que medicamentos com ação no SNC possam auxiliar mais que aqueles com efeitos periféricos. Aqui são de utilidade os analgésicos coadjuvantes, isto é, aqueles habitualmente não utilizados com esta finalidade, mas com comprovado efeito analgésico nos casos de dor crônica e dor neuropática, como é o caso dos antidepressivos e anticonvulsivantes. Figura 2 Local de ação dos principais medicamentos utilizados no tratamento da dor neuropática. ANTIDEPRESSIVOS Sintetizados com a finalidade de tratar depressão, mostraramse eficazes no tratamento das condições dolorosas crônicas. Dor e depressão estão freqüentemente associadas. Os antidepressivos estabilizam o humor, regulam o sono e o apetite, exercem ação sedativa, ansiolítica, miorrelaxante e analgésica. Dor diagnóstico e tratamento Vol. 1 • nº 03 • Out/Nov/Dez 2004 9 `tÇ|yxáàt†Æxá VÄ•Ç|vtá wt WÉÜ x cÜ|Çv•Ñ|Éá wÉ gÜtàtÅxÇàÉ Embora seu mecanismo de ação ainda não esteja completamente esclarecido, o efeito analgésico é atribuído ao bloqueio de recaptação da serotonina (clomipramina) ou noradrenalina (maprotilina) ou de ambas (imipramina), nas vias supressoras de dor, sendo independente da modificação do humor, pois se manifesta precocemente (4 a 5 dias) em relação ao efeito andidepressivo (3 semanas). ANTICONVULSIVANTES Tem importante papel no tratamento das dores neuropáticas por meio dos mecanismos de bloqueio de canais de sódio, canais de cálcio, receptores NMDA, liberação de glutamato ou ação gabaérgica. Considerando que muitos casos de dor neuropática são de difícil manejo, os anticonvulsivantes podem ser usados isoladamente, conforme o mecanismo fisiopatológico subjacente, ou associados entre si, desde que os mecanismos de ação sejam diferentes, ou com antidepressivos. CONCLUSÃO De acordo com Loeser4, a queixa de dor deve ser vista como um conjunto interligado de fatores (Figura 3): • nocicepção (estimulação das terminações dolorosas periféricas); • dor (percepção consciente da nocicepção); • sofrimento (sensações negativas associadas à dor); • comportamento de dor (todas as modificações de comportamento associadas ao sofrimento). Cada um deles terá maior ou menor destaque e repercussões, de acordo com características e experiências individuais, mostrando que dor não é apenas um fenômeno neurofisiológico que possa ser resolvido com uma intervenção medicamentosa ou por procedimentos específicos. Na quase totalidade dos casos de dor crônica, o tratamento multidisciplinar e não o tratamento exclusivamente médico pode ser necessário para reverter o complexo padrão de sofrimento e de comportamento desenvolvido em conseqüência da dor crônica. Quando não é possível eliminar completamente a dor, os esforços devem ser dirigidos ao seu alívio, à melhora da função e da qualidade de vida. A reabilitação do paciente do ponto de vista físico, emocional e social passa a ser o objetivo principal do tratamento, que precisa ser aceito pelo médico, paciente e familiares. Deve-se levar em consideração a relação custo-benefício da procura pela “cura”, os riscos da exposição do paciente a novos traumas cirúrgicos e os efeitos colaterais dos medicamentos. Fazem parte do arsenal terapêutico na dor crônica a redução do número de medicamentos usados, o recondicionamento físico, técnicas não-farmacológicas, intervenção psicológica individual e familiar, o retorno à atividade produtiva e os grupos educativos. Referências: 1. BONICA JJ. The management of Pain. Lea & Febiger, Philadelphia, 1990. 2. GILDENBERG PL E, DEVAUL R. O Paciente de Dor Crônica – Avaliação e Tratamento. Colina Editora – Rio de Janeiro, 1985. 3. BOND MR. Dor - Natureza Análise e Tratamento. Colina Editora – Rio de Janeiro, 1986. 4. LOESER JD, EGAN KJ. Managing the Chronic Pain Patient – Theory and Practice at the University of Washington Multidisciplinary Pain Center. Raven Press, 1989. 5. BALLANTYNE J. The Massachusetts General Hospital Handbook of Pain Management. 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Figura 3 Dor diagnóstico & tratamento é uma publicação da Âmbito Editores, patrocinada pela Novartis Biociências S.A. Toda correspondência deverá ser dirigida para Âmbito Editores - Rua das Orquídeas, 624 - tel.: 5587- 4899 - V. Clementino - CEP 04024-020 - São Paulo - SP - e-mail: [email protected]. Os conceitos emitidos nesta publicação são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, o posicionamento da Novartis. Diretor Responsável - Acyr José Teixeira - Editor-Chefe - Dr. José Luciano Braun Filho - Jornalista Responsável - Katia Cecotosti (MTB 39361-SP) Dir.de Arte & Editoração - Fábio Lifschitz - Depto Comercial - Célia Steiger - Produção Gráfica - J. Otoni 10 Dor diagnóstico e tratamento Vol. 1 • nº 03 • Out/Nov/Dez 2004