A CORRUPÇÃO E AS EMPRESAS TRANSNACIONAIS Aldo Hey Neto* ______ *Bacharel em Direito Público (UFPR), especialista em Desenvolvimento Econômico e Mestre em Direito Internacional dos Negócios pela London Guildhall University (Londres/Reino Unido). Professor do Curso de Relações Internacionais (FIC) e Auditor Fiscal Estadual. Texto preparado para o I Congresso Brasileiro de Direito Internacional Curitiba - Brasil - 27 a 30 de Agosto de 2003. Sumário p. Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais Resumo 3 1. Introdução 3 2. Esforços Internacionais na Atualidade 5 3. Os Custos da “Grande Corrupção” 8 4. A Corrupção e as Empresas Transnacionais 13 5. Legitimidade Política 18 6. O Controle da “Lavagem de Dinheiro” 21 7. O Papel das Organizações Econômicas Internacionais 24 8. Conclusão 27 Referências Bibliográficas 29 2 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais Resumo Os debates acerca da corrupção internacional tomaram vulto nos últimos anos, principalmente pelo fato de que a planificação estatal e as economias nacionais em escopo e orientadas para o mercado interno tornaram-se típicas economias de mercado internacional. Passou-se, doutrinariamente, a ser estabelecida uma ligação entre as formas contemporâneas da corrupção internacional e os governos ditos "neoliberais", sintonizados com a "globalização". As demandas sociais fragilizaramse, o que coincidiu com o início do processo de flexibilização e desregulamentação da economia mundial organizada de acordo com os interesses dos países industrializados em constante conflito com as demandas dos países menos desenvolvidos. As empresas transnacionais, neste processo, podem comprometer a legitimidade política de governos locais, utilizando-se das vantagens comparativas da internacionalização de seus negócios e, em muitos casos, da corrupção internacional. Acentua-se um processo de penalização internacional de tais condutas ilícitas, o que já produziu reflexo no ordenamento jurídico brasileiro. Todavia, ainda são grandes os conflitos entre as culturas dos países em que as empresas transnacionais possuem suas matrizes e respectivas subsidiárias ou sucursais e, sobretudo, entre as culturas nacionais e as culturas organizacionais de tais corporações. O estudo de uma sociologia crítica acerca da corrupção internacional apresenta suas dificuldades, mas, por outro lado, somente o exame do direito penal internacional para a inteligência de tal tema demonstra-se insuficiente, uma vez que a corrupção internacional decorre de contingências econômicas, jurídicas, burocráticas e culturais. 1. Introdução As corporações transnacionais têm obrigação de manter-se à parte do alto nível de corrupção quando se sabe que não existe uma ordem legal internacional neste segmento Deve-se partir do pressuposto que existe tal obrigação, embora se conceba que as ações coletivas sejam as mais efetivas no que tange à mudança de comportamento. Deve ser dito que tanto mudanças normativas quanto ações coletivas 3 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais têm sido manifestas na comunidade global de negócios, o que conta com a ajuda de organizações internacionais como a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e organizações nãogovernamentais como a Transparência Internacional e a Câmara Internacional do Comércio. A tendência internacional vai além da mera assunção de que os empreendimentos privados consideram apenas aspectos ligados à maximização dos lucros ou até mesmo às obrigações perante seus empregados ou acionistas ou comunidades locais (responsabilidade corporativa) para admitir-se que as empresas transnacionais devem aceitar um leque maior de obrigações. Os esforços internacionais contra a corrupção devem ser entendidos sob a moldura dos países em desenvolvimento nos quais as empresas transnacionais operam. Os custos da corrupção irão motivar considerações éticas por parte dos operadores de tais negócios. As considerações éticas resultam na premissa de que o pagamento de propinas deve ser evitado. Tal reprovação tem fundamento na teoria política, nos estudos em ética corporativa e na sociologia crítica que 4 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais examina os fatores de logicidade das observações empíricas da fenomenologia da corrupção1. 2. Esforços Internacionais na Atualidade Os esforço atual no combate à corrupção internacional deixa de ser um artifício retórico e começa a produzir realizações concretas para o controle de tal malefício. Para os fins do presente trabalho, a corrupção internacional (ou transnacional) consiste no oferecimento ou entrega de dinheiro ou outros bens e direitos a funcionário de Estado estrangeiro com o escopo de que este pratique ação ou omissão que beneficie indivíduo ou corporação em transação com conteúdo econômico ou comercial. A OCDE e a OEA têm editado normas que prevêm o controle da corrupção em contratos empreendidos pelos Estados partes. Algumas empresas transnacionais têm editado códigos de conduta - voluntários para evitar a corrupção nas suas esferas de atividade. A Convenção Interamericana contra a Corrupção trata a corrupção internacional sob a 1 GIDDENS, A. A Constituição da Sociedade, p. 271. 5 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais denominação “suborno internacional”. As iniciativas mais importantes da OCDE dizem respeito à proibição da dedutibilidade tributária relativamente às propinas pagas a oficiais estrangeiros além-mar. A Convenção da OCDE sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais foi assinada em dezembro de 1997 e ratificada, inclusive, pelos Estados Unidos. Sob os auspícios da OEA, a Convenção Interamericana contra a Corrupção está em fase de ratificação. A Convenção impõe a cooperação internacional na matéria e esforços dos governos para evitar a corrupção internacional. O desenvolvimento de um código internacional para licitações e contratos públicos tem-se mostrado de difícil implementação. A OMC revisou o Acordo sobre Contratos Governamentais de 1° de Janeiro de 1996, porém apenas 25 Estados, basicamente os industrializados, adotaram seus termos. No plano das organizações privadas, a Câmara Internacional do 6 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais Comércio tem estimulado a auto-regulação dos investimentos privados como arma efetiva no combate à corrupção, o que visa tornar a economia mundial mais eficiente. Muitos dos esforços multilaterais ainda são incipientes e todos dependem da mudança de atitude da comunidade empresarial na matéria. Os esforços internacionais contra a corrupção foram motivados por indivíduos idealistas, de um lado, que possuíam íntimo contato com o mundo do desenvolvimento e, por outro, por indivíduos da própria comunidade empresarial uma vez que estes temiam a perda de oportunidades de negócio para outros rivais praticantes de atos de corrupção. A ONG Transparência Internacional resulta da coalizão entre estes dois grupos. No âmbito interno brasileiro, a penalização da corrupção internacional está contemplada no Título XI do Código Penal (arts. 337-B e 337-C), incluídos pela recente Lei n. 10.467, de 11 de Junho de 2002, a qual efetiva o Decreto Legislativo n. 3.6782000, que recepcionou a Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais, celebrada em Paris no ano de 7 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais 1997. 3. Os Custos da “Grande Corrupção” A corrupção nos grandes contratos de concessão pode introduzir ineficiência que reduz a competitividade, pois o número de candidatos pode ser diminuto e o favorecimento recairá sobre aqueles que tiverem os contatos mais privilegiados. Do ponto de vista das autoridades públicas que praticam atos de corrupção, estas estarão mais preocupadas com projetos com pouca ou nenhuma racionalidade econômica. Estudos empíricos demonstram que altos níveis de corrupção estão associados com alto investimento público percentualmente ao PIB e países mais corruptos tendem a investir menos em manutenção e apresentam pobre infraestrutura pública, sendo que autoridades corruptas geralmente escolhem “elefantes brancos” na forma de projetos que trazem pequeno valor a título de incremento de desenvolvimento econômico. Convém afirmar, inclusive, que a alta venalidade dos oficiais corruptos 8 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais faz deles seres suscetíveis a vicissitudes políticas, em outras palavras, tenta-se extrair ao máximo os frutos da corrupção para o momento, em detrimento do futuro, impondo-se, desta forma, os custos da venalidade de curto prazo à sociedade civil que arcará com os débitos futuros, principalmente no que diz respeito à inexistência de políticas sociais. A situação da corrupção, do ponto de vista do investidor estrangeiro, deve ser ilustrada por um exemplo. Uma concessão para extração de madeiras, conseguida de forma corrupta, pode não afetar o equilíbro do mercado no momento da concessão, uma vez que as escolhas da sociedade, naquele ponto, são as mesmas escolhas do governante. Todavia, como resultado da corrupção, o Estado concessor, na hipótese aventada, sofre perdas orçamentárias que não foram sentidas pela sociedade. Em decorrência disso, o Estado terá que impor outras formas de arrecadação tributária para compensar as perdas ou, simplesmente, fazer um corte nas políticas públicas. O caso extremo descrito acima parece não ser freqüente, porém, de fato, as propinas são extraídas dos recursos que seriam destinados ao Estado e dos lucros da empresa que seria a mais eficiente. Autoridades 9 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais corruptas podem estruturar concessões visando a maximização dos lucros a serem divididos entre as autoridades corruptas e a empresa ofertante. Em procedendo desta forma, os agentes do Estado podem vir a desprezar valores fundamentais que estariam presentes em um contrato negociado honestamente (assim, no exemplo da concessão para exploração de madeira, danos ao meio ambiente ou proteção às populações locais podem simplesmente ser ignorados). A afirmação de que a corrupção não causa impacto no comportamento de uma empresa é muito simples para ser verdadeira. A natureza corrupta dos negócios introduz incertezas que provocam um modelo gerencial de curto prazo. Existem duas razões para tal: primeira, a concessionária pode temer a instabilidade política que os atos de corrupção dos governantes trazem, sendo que um novo regime pode desonrar aquilo que o regime corrupto havia prometido; segunda, mesmo que o governo corrupto se mantenha no poder, a concessionária pode temer a imposição de novas exigência financeiras ou regras arbitrárias uma vez finalizada a licitação original. Tendo pago propinas originariamente, estará a empresa vulnerável a demandas extorsivas no futuro. Assim, tal gerência de risco e de curto prazo provocará um não10 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais investimento em bens de capital, ativo imobilizado e não terá preocupação em seguir a legislação social e ambiental, etc. No caso da privatização, esta pode reduzir a corrupção a partir da remoção de certos poderes de gestão estatal que resultam na conversão da discricionariedade de oficiais públicos para executivos dirigidos por escolhas decorrentes das forças do mercado. Todavia, o processo de transferência da titularidade estatal para aquela privada representa inúmeras possibilidades de corrupção. Tais possibilidades são similares àquelas que alçam dos contratos de concessão, pois os oficiais encarregados do processo de privatização podem sujeitar-se à corrupção que, nestes casos, segue uma racionalidade própria. Em primeiro lugar, quando empresas estatais de grande porte são privatizadas, não há qualquer confiabilidade na mensuração de seus ativos, sendo que a regulação superveniente ao processo licitatório pode representar uma incógnita para o investidor. Diante disso, podem ser criadas oportunidades ilícitas de fornecimento de informações confidenciais conferindo a empresas desonestas melhores chances de vitória. Em casos extremos, tais oportunidades podem ser ofertadas 11 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais àqueles com as melhores conexões políticas ou aos políticos mais habilidosos. Em segundo lugar, autoridades corruptas podem apresentar à sociedade civil a idéia de que a empresa não está em situação financeira adequada, ao passo que, de fato, os interessados em sua compra são favorecidos com informações privilegiadas. A empresa vitoriosa terá garantido a sua vitória com a melhor oferta, demonstrando, após a aquisição, que a privatização foi legítima posto que a sucessora apresenta alta lucratividade. Em terceiro lugar, as corporações privatizadas mais poderosas são aquelas que decorrem da compra de empresas públicas com alta concentração de mercado. A continuidade, pela empresa privatizada, de tal situação de monopólio, compromete a legitimidade do processo de privatização. 4. A Corrupção e as Empresas Transnacionais A corrupção que envolve Estados e empresas transnacionais (ETN) 12 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais produz sérias distorções na forma com que governos e sociedades civis interagem. Entretanto, tal fenômeno não se resume à mera influência nefasta de ETNs perante inocentes países em desenvolvimento. As ETN constituem atores fundamentais nos espaços econômicos internacionais. Tal atuação, pois, transcende a esfera do econômico e adquire conotação política. Embora as ETN sejam criações jurídicas e vinculadas ao direito dos Estados em que operam, as obrigações morais (que podem ser tanto políticas quanto econômicas) nem sempre são consistentes com as práticas corporativas. A personalidade legal das empresas transnacionais afasta qualquer espécie de consideração moral em torno delas, uma vez que lhes falta humanidade, o que gera implicações jurídicas várias, desde o dilema em torno da responsabilidade por crimes corporativos até efeitos macroeconômicos e o direito concorrencial, etc. Entretanto, mantém-se a idéia de responsabilidade moral da corporação, uma vez que certos atos corporativos não podem ser reduzidos à mera consideração da responsabilidade particular de dirigentes ou 13 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais administradores, mas sim, da organização como um todo e tendo como fulcro a própria cultura organizacional da ETN. A moldura da presente análise parte do pressuposto que as ETN são criadas pelo direito e operam em jurisdições várias sob permissão de governos que vêem em tais transações a possibilidade de cumprir algumas das finalidades do Estado, quais sejam, o desenvolvimento econômico e social. Logo, apesar de as ETN estarem vinculadas a uma arquitetura jurídica contratual ou institucional, o pano de fundo de suas condutas deve aterse à sua utilidade social. Há, por assim dizer, um contrato social entre a ETN e a sociedade no qual ela opera que transcende a ordem do direito legislado para naturalizar-se sob o manto de obrigações morais extensivas a todas as culturas em que a corporação atue. Conclui-se, então, que as ETN devem aceitar as obrigações morais como condição de seu direito à própria existência. Algumas obrigações morais estão diretamente ligadas à existência (ou 14 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais não) da corrupção internacional, sendo que da lista possível de obrigações morais destaca-se duas que são particularmente importantes: obrigações para aumentar a eficiência da economia e do próprio mercado e aquelas relativas à não-interferência nas instituições legítimas dos Estados em que as ETN tenham centro de operações. No que tange à possibilidade de um mercado competitivo, as ETN que estiverem preocupadas apenas com os ganhos financeiros podem tomar iniciativas que desestabilizem a eficiência do mercado e por isso os Estados devem possuir sistema legal que contemple a limitação dos monopólios e que obrigue as corporações ao princípio da publicidade e da abertura dos registros que devem ser de conhecimento da sociedade civil. Com efeito, as ETN possuem a obrigação de agir consoante a moralidade do ambiente de mercado, mesmo nas localidades em que a “moralidade pública ou coletiva” não tenha o mesmo valor que as “moralidades individuais”. Mesmo que um ato individual de corrupção internacional seja “eficiente” em seus resultados, a aceitação da corrupção no ambiente de mercado torna o próprio mercado ineficiente. 15 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais O ambiente de mercado em que prospera a corrupção é absolutamente ineficiente, pois a imoralidade e a ilegitimidade desviam as tentativas de crescimento econômico baseado na abertura de possibilidades iguais para todos os empreendedores e para a sociedade em geral. Em segundo lugar, deve ser dito que as empresas dependem de um mercado que possui o Estado como fonte de regulação e de estabilidade conferida ao sistema. A qualidade da “governabilidade” está diretamente ligada com a eficiência da economia e a interação entre o Estados e as empresas faz com que surjam novas formas de sociabilidade a partir dos conceitos de “responsabilidade social da empresa” e de “cidadania corporativa”. Contudo, ainda parte-se da premissa que as relações das ETN com os Estados devem ser “minimalistas”, ou seja, as empresas devem simplesmente cumprir a lei, o que faz com que as ETN recusem a cumprir agendas que envolvam outras obrigações morais. Disso se depreende que regimes menos democráticos ou mais autocráticos podem comprometer as relações entre as ETN e os próprios Estados, 16 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais pois que as ETN não possuem obrigações perante a sociedade, mas somente perante o direito que lhe é imposto. Singelo afirmar, do exposto, que a corrupção internacional é minimizada pela existência de sistemas jurídicos que contemplem a eficiência do mercado e a diversidade econômica possibilitadora da inclusão social, assim como pela existência de regimes democráticos que garantam que a interação entre as ETN e os Estados não se dê apenas como parte de um pacote de obrigações jurídicas, mas como unidade de pluralismo social que ensimesma a moralidade dentro de conceitos ligados à responsabilidade corporativa. 5. Legitimidade Política É importante afirmar que Estado democrático e Estados orientados para o mercado não correspondem à mesma coisa. Estudos empíricos da fenomenologia do investimento estrangeiro demonstram que os “negócios” internacionais nem sempre suportam a democracia, mesmo que tais “negócios” estejam estabelecidos em soberanias democráticas historicamente definidas. 17 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais Se as corporações investirem em países cuja transição para a democracia está sendo construída, tais corporações devem apoiar o desenvolvimento de instituições legítimas. Entretanto, oportunidades de corrupção também fazem parte do processo de transição democrática. As empresas transnacionais devem atentar ao fato de elas trabalham para as sociedades, não devendo engajar-se em atividades que comprometem o equilíbrio e a instituições sociais. Dificuldades surgem quando a estabilidade econômica assenta-se sobre regimes essencialmente autocráticos. As empresas que negociam em países que tais não possuem qualquer compromisso com a legitimidade de tais regimes, pois, como já dito, a prosperidade econômica está garantida. Por outro lado, a obrigação moral da corporação é clara: deve ser apoiada a soberania popular e qualquer ato de corrupção que venha a causar malefício deve ser reprovado. Reitera-se o argumento de que as empresas multinacionais não consideram o impacto de suas condutas nas perspectivas de longo prazo dos países nos quais elas investem ou comercializam bens e serviços. O 18 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais cinismo impera neste território, mas, o meio ambiente internacional de negócios, com poucos meios de assegurar um mínimo ético, impõe às grandes corporações internacionais uma grande responsabilidade, qual seja, a de agir de acordo com alguns princípios inerentes aos povos considerados civilizados. Tais princípios civilizatórios são ainda mais importantes em se tratando de negócios realizados com países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento econômico tardio. Os sistemas jurídicos de países centrais impõem obrigações sociais às empresas que atuam em suas jurisdições, o problema se situa nos locais em que as molduras institucionais não são suficientemente delineadas de forma a garantir a proteção da sociedade contra a barbárie de um capitalismo sem ética e sem freios, o que mina sociedades que tentam resolver problemas aparentemente simples como o analfabetismo. Nos países industrializados, as corporações e seus colaboradores não podem simplesmente escolher dentre as normas que são supostamente justas. Há obrigações compulsórias perante o Estado. As empresas americanas ou européias simplesmente não afrontam as leis ambientais 19 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais ou de segurança no trabalho pelo mero prazer do fornecimento de propinas. Tais empresas, ao contrário, nestas jurisdições, tentam interferir diretamente no processo legislativo mediante atividade lobística, o que se prefere ao patrocínio de autoridades corruptas em detrimento da sociedade civil que constitui o fator de proteção fundamental de tais regulações. Enfim, a corrupção em Estados mais débeis e com regimes autoritários torna os próprios Estados ainda mais vulneráveis. Quando um regime democrático retorna ou toma o poder, todas as forças devem ser dirigidas à minimização da corrupção sistêmica, o que implica mudança de atitude e comportamento das autoridades, empresas e indivíduos. 6. O Controle da “Lavagem de Dinheiro” Os esforços contra a corrupção internacional devem ser conjugados a outros esforços internacionais que lhe são pertinentes. O mais importante deles se refere à lavagem internacional de dinheiro, uma vez que o recebimento de propinas será mais fácil se houver a possibilidade de estabelecimento de contas bancárias off-shore. Entretanto, os 20 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais controles respeitantes à lavagem de dinheiro não podem constituir o primeiro foco na luta contra a corrupção, uma vez que o capital tende a migrar de acordo com o binômio risco-retorno. Desta feita, sabido que os países mais pobres oferecem condições de investimento desfavoráveis (mesmo que uma oportunidade de investimento seja excelente, v.g. privatização, em larga escala há precariedade), os cidadãos residentes mais afortunados tenderão a investir além-mar2. Assim, aqueles provenientes de países em desenvolvimento que tenham acumulado fundos (baseados ou não em fontes lícitas), freqüentemente interessarse-ão em investir em países mais estáveis. Os controles, pois, servirão para tornar a remessa ao estrangeiro mais arriscada para aqueles que tiverem auferido recursos de forma criminosa, assim como tornará mais difícil para as empresas a abertura de propostas ilícitas. Resta afirmar que profundas reformas no aparato institucional dos países recebedores de capitais se fazem necessárias. O principal mecanismo internacional para o controle da lavagem de 2 Relatório do Instituto Nacional de Estatística e Censo (Indec), da Argentina, revelou que cerca de US$ 20 milhões, por dia, saíram do país em 2002, totalizou US$ 109,6 bilhões no ano, o que corresponde a 80% do PIB e a dez vezes, aproximadamente, as reservas cambiais do Banco Central da Argentina. O valor das propriedades que os argentinos detêm no Uruguai, no Brasil, na Florida (EUA) e na Espanha chega a US$ 6,2 bilhões, segundo o Indec. A sangria de recursos foi marcante no início da década de 90, antes do regime de paridade entre o peso e o dólar. A evasão chegou a US$ 50 bilhões em 1991, valor que subiu para US$ 99,38 em 1992. O total de 2002 bateu todos os recordes. Fonte: GAZETA MERCANTIL, Ano LXXXIII, n. 22.632 (29 de Julho de 2003, A-1). 21 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais dinheiro foi estabelecido pela Força Tarefa de Ação Financeira, de 1989, com representantes oriundos da OCDE, Hong Kong, Cingapura, os Estados do Golfo Pérsico e a Comissão Européia. Tal Força Tarefa desenvolveu 40 recomendações para medidas apropriadas no setor, incluindo a proibição de abertura de contas bancárias anônimas. Nos Estados Unidos, foi aprovada legislação sobre a matéria em 1986, o que foi seguido por Canadá e México. A maior parte dos países preocupa-se com a lavagem de dinheiro motivada pelo tráfico de entorpecentes3, porém, já se considera a inclusão da corrupção internacional nesta arquitetura legislativa. A lavagem de dinheiro está se tornando a especialidade de alguns “pequenos” paraísos fiscais (tax havens) e de alguns países orientados para o mercado e emergentes na economia mundial. Por outro lado, ilegítimo seria não considerar que alguns países desenvolvidos contribuem para tal realidade pervasiva (ex. Suíça, uma vez que suas instituições financeiras sempre ocultaram as atividades de autoridades corruptas estrangeiras). “…Os lucros vão principalmente para as grandes corporações, ou para os bancos de Nova York. Ninguém sabe quantos bilhões de dólares de lucros da cocaine vão para os bancos de Nova York ou seus afiliados estrangeiros, 22 3 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais Um papel importante para as organizações internacionais sediadas nos países desenvolvidos seria o de compilar informações sobre transações questionáveis, combinado com ações judiciais contra indivíduos e empresas corruptas sediadas nos países desenvolvidos que estejam envolvidos em atividades fraudulentas com indivíduos ou empresas residentes e domiciliados em países em desenvolvimento. Por exemplo, é perfeitamente possível comparar a média internacional de preços de produtos que fazem parte do comércio exterior americano com a média de preços em comércio realizado com um país especificamente: tais informações são úteis e servem como indícios para a fiscalização do subfaturamento internacional, o que é importante para a concretização da legislação tributária americana e de terceiros países. 7. O Papel das Organizações Econômicas Internacionais O Banco Mundial estabeleceu, em 1993, um Painel de Inspeção que serve para ouvir reclamações feitas por particulares localizados em países com os quais o Banco mantêm contratos de empréstimo. Tais reclamações podem envolver denúncias de corrupção em projetos mas é, sem dúvida, uma boa quantia…” Chomsky, N. “A Minoria Próspera e a Multidão Inquieta”, p. 42. 23 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais financiados pela instituição. Todavia, investigações mais aprofundadas devem ser autorizadas pelo Conselho Diretor do Banco e as investigações do Painel não podem ser tornadas públicas. De resto, o Painel pode ajudar na apuração de ilícitos que envolvam recursos do Banco, sendo que a sua independência seria bem-vinda. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) não podem engajar-se em investigações individuais de corrupção, o que constitui competência dos sistemas legais dos países membros. Entretanto, a corrupção pode ser evitada por meio de instrumentos constantes dos próprios projetos financiados pelas instituições que podem, inclusive, ajudar os países membros na elaboração de projetos que contemplem o controle da corrupção. O Banco Mundial reformulou suas normas de licitação de modo a restringir o acesso de empresas defraudadoras a projetos futuros. Ambas as instituições (Banco Mundial e FMI) parecem mais obstinadas que no passado a restringir ajuda a países que têm a corrupção institucional como leitmotiv de atuação das instituições políticas internas, o que compromete a efetividade das políticas públicas. 24 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais Um dos métodos de controle da efetividade das políticas públicas seria permitir às empresas pressionadas a oferecer propinas o acesso direto ao FMI para noticiar o ilícito. A repetição de eventos similares, em determinado país, engendraria um esforço do FMI para o controle e punição da corrupção. O mesmo poderia ser dito no que tange às autoridades coagidas a aceitarem propinas: elas também deveriam ter o direito de noticiar tais crimes. Sobremais, não há tribunal internacional que seja especializado em processar e fazer exeqüíveis decisões baseadas em investigações de corrupção internacional. A Organização Mundial do Comércio (OMC) poderia estabelecer sanções que não seriam estabelecidas por ela mesma, mas pelos parceiros comerciais do país envolvido, uma vez que tal Organização não regula relações entre indivíduos e empresas, porém entre nações que comercializam bens e serviços. O controle da corrupção internacional, pois, poderia ser realizado através da OMC, mas não pela OMC. Enfim, a comunidade de negócios internacionais está começando a 25 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais perceber os grandes custos da corrupção internacional. A partir-se da veracidade de tal afirmação, tem-se que tal “concepção do investidor” tende a provocar reformas significativas no mundo em desenvolvimento e naqueles países cuja economia capitalista de mercado se faz emergente. As organizações econômicas internacionais, por fazerem parte de uma arquitetura institucional, têm papel preponderante na luta contra a corrupção internacional. 8. Conclusão A corrupção não pode tornar-se naturalizada, ou seja, admitida como uma conseqüência natural dos mecanismos subjacentes às sociedades capitalistas. Admitir tal afirmação poderia até ser viável se os malefícios da corrupção nos sistemas políticos não fossem tão exuberantes. Somese que a existência da corrupção tem, igualmente, raízes históricas em regimes burocráticos de índole fascista, totalitária ou nacionalista. Assim, descobertos os mecanismos sociológicos de causação da corrupção, importa vislumbrar formas de controlar ou eliminar este mal no âmbito das sociedades ditas democráticas ou civilizadas. 26 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais Tal processo de controle ou eliminação pode ser feito através de um direito penal que decorra de um processo de acumulação internacional de normas sobre a matéria, da incorporação do direito penal internacional pura e simplesmente ou, ainda, de um processo de imitação de uma ordem legal em virtude das relações culturais ou econômicas de supremacia de alguns países em relação a outros. O direito penal nunca será suficiente para a eliminação da corrupção, entretanto, a certeza da punição pode inibir a prática de tais condutas em âmbito internacional. Outros mecanismos de controle ou eliminação da corrupção envolvem a participação das organizações internacionais na construção de uma sociedade internacional transparente e no autoreconhecimento dos sistemas intersociais e, ainda, na possibilidade de as coletividades participarem ativamente da concretização da democracia em seus Estados juridicamente definidos4. 4 Sobre tais afirmações, importantes são as palavras de Antonio Carlos Wolkmer, nas Considerações Finais de sua obra “Ideologia, Estado e Direito”, Ed. RT, 1995. 27 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais Referências Bibliográficas e Documentos Consultados Chomsky, N A Minoria Próspera e a Multidão Inquieta (Entrevistas a David Barsamian). Brasília: Ed. UNB, 1996, 149p. Giddens, A A Constituição da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1989, 318p. Likosky, M Transnational Legal Processes: Globalisation and Power Disparities. London: Butterworths, 2002, 505p. Wolkmer, A C Ideologia, Estado e Direito. São Paulo: Ed. RT, 1995, 207p. Gazeta Mercantil, n. 22.632 (29 de Julho de 2003, A-1). http://www2.rio.rj.gov.br/cgm/publicacoes/fraudes_corrupcao 28 www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social