a corrupção e as empresas transnacionais

Propaganda
A CORRUPÇÃO E AS EMPRESAS TRANSNACIONAIS
Aldo Hey Neto*
______
*Bacharel em Direito Público (UFPR), especialista em Desenvolvimento
Econômico e Mestre em Direito Internacional dos Negócios pela London
Guildhall University (Londres/Reino Unido). Professor do Curso de
Relações Internacionais (FIC) e Auditor Fiscal Estadual.
Texto preparado para o I Congresso Brasileiro de Direito Internacional Curitiba - Brasil - 27 a 30 de Agosto de 2003.
Sumário
p.
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
Resumo
3
1.
Introdução
3
2.
Esforços Internacionais na Atualidade
5
3.
Os Custos da “Grande Corrupção”
8
4.
A Corrupção e as Empresas Transnacionais
13
5.
Legitimidade Política
18
6.
O Controle da “Lavagem de Dinheiro”
21
7.
O Papel das Organizações Econômicas Internacionais
24
8.
Conclusão
27
Referências Bibliográficas
29
2
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
Resumo
Os debates acerca da corrupção internacional tomaram vulto nos últimos anos,
principalmente pelo fato de que a planificação estatal e as economias nacionais em
escopo e orientadas para o mercado interno tornaram-se típicas economias de
mercado internacional. Passou-se, doutrinariamente, a ser estabelecida uma ligação
entre as formas contemporâneas da corrupção internacional e os governos ditos
"neoliberais", sintonizados com a "globalização". As demandas sociais fragilizaramse, o que coincidiu com o início do processo de flexibilização e desregulamentação
da economia mundial organizada de acordo com os interesses dos países
industrializados em constante conflito com as demandas dos países menos
desenvolvidos. As empresas transnacionais, neste processo, podem comprometer a
legitimidade política de governos locais, utilizando-se das vantagens comparativas da
internacionalização de seus negócios e, em muitos casos, da corrupção
internacional. Acentua-se um processo de penalização internacional de tais condutas
ilícitas, o que já produziu reflexo no ordenamento jurídico brasileiro. Todavia, ainda
são grandes os conflitos entre as culturas dos países em que as empresas
transnacionais possuem suas matrizes e respectivas subsidiárias ou sucursais e,
sobretudo, entre as culturas nacionais e as culturas organizacionais de tais
corporações. O estudo de uma sociologia crítica acerca da corrupção internacional
apresenta suas dificuldades, mas, por outro lado, somente o exame do direito penal
internacional para a inteligência de tal tema demonstra-se insuficiente, uma vez que
a corrupção internacional decorre de contingências
econômicas, jurídicas,
burocráticas e culturais.
1. Introdução
As corporações transnacionais têm obrigação de manter-se à parte do
alto nível de corrupção quando se sabe que não existe uma ordem legal
internacional neste segmento Deve-se partir do pressuposto que existe
tal obrigação, embora se conceba que as ações coletivas sejam as mais
efetivas no que tange à mudança de comportamento.
Deve ser dito que tanto mudanças normativas quanto ações coletivas
3
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
têm sido manifestas na comunidade global de negócios, o que conta com
a ajuda de organizações internacionais como a OCDE (Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e organizações nãogovernamentais como a Transparência Internacional e a Câmara
Internacional do Comércio.
A tendência internacional vai além da mera assunção de que os
empreendimentos privados consideram apenas aspectos ligados à
maximização dos lucros ou até mesmo às obrigações perante seus
empregados ou acionistas ou comunidades locais (responsabilidade
corporativa)
para admitir-se que as empresas transnacionais devem
aceitar um leque maior de obrigações.
Os esforços internacionais contra a corrupção devem ser entendidos sob
a moldura dos países em desenvolvimento nos quais as empresas
transnacionais
operam.
Os
custos
da
corrupção
irão
motivar
considerações éticas por parte dos operadores de tais negócios. As
considerações éticas resultam na premissa de que o pagamento de
propinas deve ser evitado. Tal reprovação tem fundamento na teoria
política, nos estudos em ética corporativa e na sociologia crítica que
4
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
examina os fatores de logicidade das observações empíricas da
fenomenologia da corrupção1.
2. Esforços Internacionais na Atualidade
Os esforço atual no combate à corrupção internacional deixa de ser um
artifício retórico e começa a produzir realizações concretas para o
controle de tal malefício. Para os fins do presente trabalho, a corrupção
internacional (ou transnacional) consiste no oferecimento ou entrega de
dinheiro ou outros bens e direitos a funcionário de Estado estrangeiro
com o escopo de que este pratique ação ou omissão que beneficie
indivíduo ou corporação em transação com conteúdo econômico ou
comercial.
A OCDE e a OEA têm editado normas que prevêm o controle da
corrupção em contratos empreendidos pelos Estados partes. Algumas
empresas transnacionais têm editado códigos de conduta - voluntários para evitar a corrupção nas suas esferas de atividade.
A Convenção
Interamericana contra a Corrupção trata a corrupção internacional sob a
1
GIDDENS, A. A Constituição da Sociedade, p. 271.
5
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
denominação “suborno internacional”.
As iniciativas mais importantes da OCDE dizem respeito à proibição da
dedutibilidade tributária relativamente às propinas pagas a oficiais
estrangeiros além-mar. A Convenção da OCDE sobre o Combate à
Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações
Comerciais foi assinada em dezembro de 1997 e ratificada, inclusive,
pelos Estados Unidos.
Sob os auspícios da OEA, a Convenção Interamericana contra a
Corrupção está em fase de ratificação. A Convenção impõe a
cooperação internacional na matéria e esforços dos governos para evitar
a corrupção internacional.
O desenvolvimento de um código internacional para licitações e
contratos públicos tem-se mostrado de difícil implementação. A OMC
revisou o Acordo sobre Contratos Governamentais de 1° de Janeiro de
1996, porém apenas 25 Estados, basicamente os industrializados,
adotaram seus termos.
No plano das organizações privadas, a Câmara Internacional do
6
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
Comércio tem estimulado a auto-regulação dos investimentos privados
como arma efetiva no combate à corrupção, o que visa tornar a
economia mundial mais eficiente.
Muitos dos esforços multilaterais ainda são incipientes e todos
dependem da mudança de atitude da comunidade empresarial na
matéria. Os esforços internacionais contra a corrupção foram motivados
por indivíduos idealistas, de um lado, que possuíam íntimo contato com o
mundo do desenvolvimento e, por outro, por indivíduos da própria
comunidade empresarial uma vez que estes temiam a perda de
oportunidades de negócio para outros rivais praticantes de atos de
corrupção. A ONG Transparência Internacional resulta da coalizão entre
estes dois grupos.
No âmbito interno brasileiro, a penalização da corrupção internacional
está contemplada no Título XI do Código Penal (arts. 337-B e 337-C),
incluídos pela recente Lei n. 10.467, de 11 de Junho de 2002, a qual
efetiva o Decreto Legislativo n. 3.6782000, que recepcionou a
Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos
Estrangeiros em Transações Comerciais, celebrada em Paris no ano de
7
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
1997.
3. Os Custos da “Grande Corrupção”
A corrupção nos grandes contratos de concessão pode introduzir
ineficiência que reduz a competitividade, pois o número de candidatos
pode ser diminuto e o favorecimento recairá sobre aqueles que tiverem
os contatos mais privilegiados. Do ponto de vista das autoridades
públicas que praticam atos de corrupção, estas estarão mais
preocupadas com projetos com pouca ou nenhuma racionalidade
econômica.
Estudos empíricos demonstram que altos níveis de corrupção estão
associados com alto investimento público percentualmente ao PIB e
países mais corruptos tendem a investir menos em manutenção e
apresentam pobre infraestrutura pública, sendo que
autoridades
corruptas geralmente escolhem “elefantes brancos” na forma de projetos
que trazem pequeno valor a título de incremento de desenvolvimento
econômico.
Convém afirmar, inclusive, que a alta venalidade dos oficiais corruptos
8
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
faz deles seres suscetíveis a vicissitudes políticas, em outras palavras,
tenta-se extrair ao máximo os frutos da corrupção para o momento, em
detrimento do futuro, impondo-se, desta forma, os custos da venalidade
de curto prazo à sociedade civil que arcará com os débitos futuros,
principalmente no que diz respeito à inexistência de políticas sociais.
A situação da corrupção, do ponto de vista do investidor estrangeiro,
deve ser ilustrada por um exemplo. Uma concessão para extração de
madeiras, conseguida de forma corrupta, pode não afetar o equilíbro do
mercado no momento da concessão, uma vez que as escolhas da
sociedade, naquele ponto, são as mesmas escolhas do governante.
Todavia, como resultado da corrupção, o Estado concessor, na hipótese
aventada, sofre perdas orçamentárias que não foram sentidas pela
sociedade. Em decorrência disso, o Estado terá que impor outras formas
de arrecadação tributária para compensar as perdas ou, simplesmente,
fazer um corte nas políticas públicas.
O caso extremo descrito acima parece não ser freqüente, porém, de fato,
as propinas são extraídas dos recursos que seriam destinados ao
Estado e dos lucros da empresa que seria a mais eficiente. Autoridades
9
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
corruptas podem estruturar concessões visando a maximização dos
lucros a serem divididos entre as autoridades corruptas e a empresa
ofertante. Em procedendo desta forma, os agentes do Estado podem vir
a desprezar valores fundamentais que estariam presentes em um
contrato negociado honestamente (assim, no exemplo da concessão
para exploração de madeira, danos ao meio ambiente ou proteção às
populações locais podem simplesmente ser ignorados).
A afirmação de que a corrupção não causa impacto no comportamento
de uma empresa é muito simples para ser verdadeira. A natureza
corrupta dos negócios introduz incertezas que provocam um modelo
gerencial de curto prazo. Existem duas razões para tal: primeira, a
concessionária pode temer a instabilidade política que os atos de
corrupção dos governantes trazem, sendo que um novo regime pode
desonrar aquilo que o regime corrupto havia prometido; segunda,
mesmo que o governo corrupto se mantenha no poder, a concessionária
pode temer a imposição de novas exigência financeiras ou regras
arbitrárias uma vez finalizada a licitação original. Tendo pago propinas
originariamente, estará a empresa vulnerável a demandas extorsivas no
futuro. Assim, tal gerência de risco e de curto prazo provocará um não10
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
investimento em bens de capital, ativo imobilizado e não terá
preocupação em seguir a legislação social e ambiental, etc.
No caso da privatização, esta pode reduzir a corrupção a partir da
remoção de certos poderes de gestão estatal que resultam na conversão
da discricionariedade de oficiais públicos para executivos dirigidos por
escolhas decorrentes das forças do mercado. Todavia, o processo de
transferência da titularidade estatal para aquela privada representa
inúmeras possibilidades de corrupção. Tais possibilidades são similares
àquelas que alçam dos contratos de concessão, pois os oficiais
encarregados do processo de privatização podem
sujeitar-se à
corrupção que, nestes casos, segue uma racionalidade própria.
Em primeiro lugar, quando empresas estatais de grande porte são
privatizadas, não há qualquer confiabilidade na mensuração de seus
ativos, sendo que a regulação superveniente ao processo licitatório pode
representar uma incógnita para o investidor. Diante disso, podem ser
criadas
oportunidades
ilícitas
de
fornecimento
de
informações
confidenciais conferindo a empresas desonestas melhores chances de
vitória. Em casos extremos, tais oportunidades podem ser ofertadas
11
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
àqueles com as melhores conexões políticas ou aos políticos mais
habilidosos.
Em segundo lugar, autoridades corruptas podem apresentar à sociedade
civil a idéia de que a empresa não está em situação financeira
adequada, ao passo que, de fato, os interessados em sua compra são
favorecidos com informações privilegiadas. A empresa vitoriosa terá
garantido a sua vitória com a melhor oferta, demonstrando, após a
aquisição, que a privatização foi legítima posto que a sucessora
apresenta alta lucratividade.
Em terceiro lugar, as corporações privatizadas mais poderosas são
aquelas que decorrem da compra de empresas públicas com alta
concentração de mercado. A continuidade, pela empresa privatizada, de
tal situação de monopólio, compromete a legitimidade do processo de
privatização.
4.
A Corrupção e as Empresas Transnacionais
A corrupção que envolve Estados e empresas transnacionais (ETN)
12
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
produz sérias distorções na forma com que governos e sociedades civis
interagem. Entretanto, tal fenômeno não se resume à mera influência
nefasta de ETNs perante inocentes países em desenvolvimento.
As ETN constituem atores fundamentais nos espaços econômicos
internacionais. Tal atuação, pois, transcende a esfera do econômico e
adquire conotação política. Embora as ETN sejam criações jurídicas e
vinculadas ao direito dos Estados em que operam, as obrigações morais
(que podem ser tanto políticas quanto econômicas) nem sempre são
consistentes com as práticas corporativas.
A personalidade legal das empresas transnacionais afasta qualquer
espécie de consideração moral em torno delas, uma vez que lhes falta
humanidade, o que gera implicações jurídicas várias, desde o dilema em
torno
da
responsabilidade
por
crimes
corporativos
até
efeitos
macroeconômicos e o direito concorrencial, etc.
Entretanto, mantém-se a idéia de responsabilidade moral da corporação,
uma vez que certos atos corporativos não podem ser reduzidos à mera
consideração
da
responsabilidade
particular
de
dirigentes
ou
13
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
administradores, mas sim, da organização como um todo e tendo como
fulcro a própria cultura organizacional da ETN.
A moldura da presente análise parte do pressuposto que as ETN são
criadas pelo direito e operam em jurisdições várias sob permissão de
governos que vêem em tais transações a possibilidade de cumprir
algumas das finalidades do Estado, quais sejam, o desenvolvimento
econômico e social.
Logo, apesar de as ETN estarem vinculadas a uma arquitetura jurídica
contratual ou institucional, o pano de fundo de suas condutas deve aterse à sua utilidade social. Há, por assim dizer, um contrato social entre a
ETN e a sociedade no qual ela opera que transcende a ordem do direito
legislado para naturalizar-se sob o manto de obrigações morais
extensivas a todas as culturas em que a corporação atue.
Conclui-se, então, que as ETN devem aceitar as obrigações morais
como condição de seu direito à própria existência.
Algumas obrigações morais estão diretamente ligadas à existência (ou
14
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
não) da corrupção internacional, sendo que da lista possível de
obrigações morais destaca-se duas que são particularmente importantes:
obrigações para aumentar a eficiência da economia e do próprio
mercado e aquelas relativas à não-interferência nas instituições legítimas
dos Estados em que as ETN tenham centro de operações.
No que tange à possibilidade de um mercado competitivo, as ETN que
estiverem preocupadas apenas com os ganhos financeiros podem tomar
iniciativas que desestabilizem a eficiência do mercado e por isso os
Estados devem possuir sistema legal que contemple a limitação dos
monopólios e que obrigue as corporações ao princípio da publicidade e
da abertura dos registros que devem ser de conhecimento da sociedade
civil.
Com efeito, as ETN possuem a obrigação de agir consoante a
moralidade do ambiente de mercado, mesmo nas localidades em que a
“moralidade pública ou coletiva” não tenha o mesmo valor que as
“moralidades individuais”. Mesmo que um ato individual de corrupção
internacional seja “eficiente” em seus resultados, a aceitação da
corrupção no ambiente de mercado torna o próprio mercado ineficiente.
15
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
O ambiente de mercado em que prospera a corrupção é absolutamente
ineficiente, pois a imoralidade e a ilegitimidade desviam as tentativas de
crescimento econômico baseado na abertura de possibilidades iguais
para todos os empreendedores e para a sociedade em geral.
Em segundo lugar, deve ser dito que as empresas dependem de um
mercado que possui o Estado como fonte de regulação e de estabilidade
conferida ao sistema. A qualidade da “governabilidade” está diretamente
ligada com a eficiência da economia e a interação entre o Estados e as
empresas faz com que surjam novas formas de sociabilidade a partir dos
conceitos de “responsabilidade social da empresa” e de “cidadania
corporativa”.
Contudo, ainda parte-se da premissa que as relações das ETN com os
Estados devem ser “minimalistas”, ou seja, as empresas devem
simplesmente cumprir a lei, o que faz com que as ETN recusem a
cumprir agendas que envolvam outras obrigações morais. Disso se
depreende que regimes menos democráticos ou mais autocráticos
podem comprometer as relações entre as ETN e os próprios Estados,
16
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
pois que as ETN não possuem obrigações perante a sociedade, mas
somente perante o direito que lhe é imposto.
Singelo afirmar, do exposto, que a corrupção internacional é minimizada
pela existência de sistemas jurídicos que contemplem a eficiência do
mercado e a diversidade econômica possibilitadora da inclusão social,
assim como pela existência de regimes democráticos que garantam que
a interação entre as ETN e os Estados não se dê apenas como parte de
um pacote de obrigações jurídicas, mas como unidade de pluralismo
social que ensimesma a moralidade dentro de conceitos ligados à
responsabilidade corporativa.
5. Legitimidade Política
É importante afirmar que Estado democrático e Estados orientados para
o mercado não correspondem à mesma coisa. Estudos empíricos da
fenomenologia do investimento estrangeiro demonstram que os
“negócios” internacionais nem sempre suportam a democracia, mesmo
que tais “negócios” estejam estabelecidos em soberanias democráticas
historicamente definidas.
17
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
Se as corporações investirem em países cuja transição para a
democracia está sendo construída, tais corporações devem apoiar o
desenvolvimento de instituições legítimas. Entretanto, oportunidades de
corrupção também fazem parte do processo de transição democrática.
As empresas transnacionais devem atentar ao fato de elas trabalham
para as sociedades, não devendo engajar-se em atividades que
comprometem o equilíbrio e a instituições sociais.
Dificuldades surgem quando a estabilidade econômica assenta-se sobre
regimes essencialmente autocráticos. As empresas que negociam em
países que tais não possuem qualquer compromisso com a legitimidade
de tais regimes, pois, como já dito, a prosperidade econômica está
garantida. Por outro lado, a obrigação moral da corporação é clara: deve
ser apoiada a soberania popular e qualquer ato de corrupção que venha
a causar malefício deve ser reprovado.
Reitera-se o argumento de que as empresas multinacionais não
consideram o impacto de suas condutas nas perspectivas de longo prazo
dos países nos quais elas investem ou comercializam bens e serviços. O
18
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
cinismo impera neste território, mas, o meio ambiente internacional de
negócios, com poucos meios de assegurar um mínimo ético, impõe às
grandes corporações internacionais uma grande responsabilidade, qual
seja, a de agir de acordo com alguns princípios inerentes aos povos
considerados civilizados.
Tais princípios civilizatórios são ainda mais importantes em se tratando
de
negócios
realizados
com
países
subdesenvolvidos
ou
em
desenvolvimento econômico tardio. Os sistemas jurídicos de países
centrais impõem obrigações sociais às empresas que atuam em suas
jurisdições, o problema se situa nos locais em que as molduras
institucionais não são suficientemente delineadas de forma a garantir a
proteção da sociedade contra a barbárie de um capitalismo sem ética e
sem freios, o que mina sociedades que tentam resolver problemas
aparentemente simples como o analfabetismo.
Nos países industrializados, as corporações e seus colaboradores não
podem simplesmente escolher dentre as normas que são supostamente
justas. Há obrigações compulsórias perante o Estado. As empresas
americanas ou européias simplesmente não afrontam as leis ambientais
19
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
ou de segurança no trabalho pelo mero prazer do fornecimento de
propinas. Tais empresas, ao contrário, nestas jurisdições, tentam
interferir diretamente no processo legislativo mediante atividade lobística,
o que se prefere ao patrocínio de autoridades corruptas em detrimento
da sociedade civil que constitui o fator de proteção fundamental de tais
regulações.
Enfim, a corrupção em Estados mais débeis e com regimes autoritários
torna os próprios Estados ainda mais vulneráveis. Quando um regime
democrático retorna ou toma o poder, todas as forças devem ser
dirigidas à minimização da corrupção sistêmica, o que implica mudança
de atitude e comportamento das autoridades, empresas e indivíduos.
6. O Controle da “Lavagem de Dinheiro”
Os esforços contra a corrupção internacional devem ser conjugados a
outros esforços internacionais que lhe são pertinentes. O mais
importante deles se refere à lavagem internacional de dinheiro, uma vez
que o recebimento de propinas será mais fácil se houver a possibilidade
de estabelecimento de contas bancárias off-shore. Entretanto, os
20
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
controles respeitantes à lavagem de dinheiro não podem constituir o
primeiro foco na luta contra a corrupção, uma vez que o capital tende a
migrar de acordo com o binômio risco-retorno. Desta feita, sabido que os
países mais pobres oferecem condições de investimento desfavoráveis
(mesmo que uma oportunidade de investimento seja excelente, v.g.
privatização, em larga escala há precariedade), os cidadãos residentes
mais afortunados tenderão a investir além-mar2. Assim, aqueles
provenientes de países em desenvolvimento que tenham acumulado
fundos (baseados ou não em fontes lícitas), freqüentemente interessarse-ão em investir em países mais estáveis. Os controles, pois, servirão
para tornar a remessa ao estrangeiro mais arriscada para aqueles que
tiverem auferido recursos de forma criminosa, assim como tornará mais
difícil para as empresas a abertura de propostas ilícitas. Resta afirmar
que profundas reformas no aparato institucional dos países recebedores
de capitais se fazem necessárias.
O principal mecanismo internacional para o controle da lavagem de
2
Relatório do Instituto Nacional de Estatística e Censo (Indec), da Argentina, revelou que cerca de
US$ 20
milhões, por dia, saíram do país em 2002, totalizou US$ 109,6 bilhões no ano, o que corresponde a 80% do PIB e a dez
vezes, aproximadamente, as reservas cambiais do Banco Central da Argentina. O valor das propriedades que os
argentinos detêm no Uruguai, no Brasil, na Florida (EUA) e na Espanha chega a US$ 6,2 bilhões, segundo o Indec. A
sangria de recursos foi marcante no início da década de 90, antes do regime de paridade entre o peso e o dólar. A
evasão chegou a US$ 50 bilhões em 1991, valor que subiu para US$ 99,38 em 1992. O total de 2002 bateu todos os
recordes. Fonte: GAZETA MERCANTIL, Ano LXXXIII, n. 22.632 (29 de Julho de 2003, A-1).
21
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
dinheiro foi estabelecido pela Força Tarefa de Ação Financeira, de 1989,
com representantes oriundos da OCDE, Hong Kong, Cingapura, os
Estados do Golfo Pérsico e a Comissão Européia. Tal Força Tarefa
desenvolveu 40 recomendações para medidas apropriadas no setor,
incluindo a proibição de abertura de contas bancárias anônimas. Nos
Estados Unidos, foi aprovada legislação sobre a matéria em 1986, o que
foi seguido por Canadá e México. A maior parte dos países preocupa-se
com a lavagem de dinheiro motivada pelo tráfico de entorpecentes3,
porém, já se considera a inclusão da corrupção internacional nesta
arquitetura legislativa.
A lavagem de dinheiro está se tornando a especialidade de alguns
“pequenos” paraísos fiscais (tax havens) e de alguns países orientados
para o mercado e emergentes na economia mundial. Por outro lado,
ilegítimo seria não considerar que alguns países desenvolvidos
contribuem para tal realidade pervasiva (ex. Suíça, uma vez que suas
instituições financeiras sempre ocultaram as atividades de autoridades
corruptas estrangeiras).
“…Os lucros vão principalmente para as grandes corporações, ou para os bancos de Nova York. Ninguém sabe
quantos bilhões de dólares de lucros da cocaine vão para os bancos de Nova York ou seus afiliados estrangeiros,
22
3
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
Um papel importante para as organizações internacionais sediadas nos
países desenvolvidos seria o de compilar informações sobre transações
questionáveis, combinado com ações judiciais contra indivíduos e
empresas corruptas sediadas nos países desenvolvidos que estejam
envolvidos em atividades fraudulentas com indivíduos ou empresas
residentes e domiciliados em países em desenvolvimento. Por exemplo,
é perfeitamente possível comparar a média internacional de preços de
produtos que fazem parte do comércio exterior americano com a média
de preços em comércio realizado com um país especificamente: tais
informações são úteis e servem como indícios para a fiscalização do
subfaturamento internacional, o que é importante para a concretização
da legislação tributária americana e de terceiros países.
7.
O Papel das Organizações Econômicas Internacionais
O Banco Mundial estabeleceu, em 1993, um Painel de Inspeção que
serve para ouvir reclamações feitas por particulares localizados em
países com os quais o Banco mantêm contratos de empréstimo. Tais
reclamações podem envolver denúncias de corrupção em projetos
mas é, sem dúvida, uma boa quantia…” Chomsky, N. “A Minoria Próspera e a Multidão Inquieta”, p. 42.
23
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
financiados pela instituição. Todavia, investigações mais aprofundadas
devem ser autorizadas pelo Conselho Diretor do Banco e as
investigações do Painel não podem ser tornadas públicas. De resto, o
Painel pode ajudar na apuração de ilícitos que envolvam recursos do
Banco, sendo que a sua independência seria bem-vinda.
O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) não podem
engajar-se em investigações individuais de corrupção, o que constitui
competência dos sistemas legais dos países membros. Entretanto, a
corrupção pode ser evitada por meio de instrumentos constantes dos
próprios projetos financiados pelas instituições que podem, inclusive,
ajudar os países membros na elaboração de projetos que contemplem o
controle da corrupção.
O Banco Mundial reformulou suas normas de licitação de modo a
restringir o acesso de empresas defraudadoras a projetos futuros.
Ambas as instituições (Banco Mundial e FMI) parecem mais obstinadas
que no passado a restringir ajuda a países que têm a corrupção
institucional como leitmotiv de atuação das instituições políticas internas,
o que compromete a efetividade das políticas públicas.
24
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
Um dos métodos de controle da efetividade das políticas públicas seria
permitir às empresas pressionadas a oferecer propinas o acesso direto
ao FMI para noticiar o ilícito. A repetição de eventos similares, em
determinado país, engendraria um esforço do FMI para o controle e
punição da corrupção. O mesmo poderia ser dito no que tange às
autoridades coagidas a aceitarem propinas: elas também deveriam ter o
direito de noticiar tais crimes.
Sobremais, não há tribunal internacional que seja especializado em
processar e fazer exeqüíveis decisões baseadas em investigações de
corrupção internacional. A Organização Mundial do Comércio (OMC)
poderia estabelecer sanções que não seriam estabelecidas por ela
mesma, mas pelos parceiros comerciais do país envolvido, uma vez que
tal Organização não regula relações entre indivíduos e empresas, porém
entre nações que comercializam bens e serviços. O controle da
corrupção internacional, pois, poderia ser realizado através da OMC,
mas não pela OMC.
Enfim, a comunidade de negócios internacionais está começando a
25
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
perceber os grandes custos da corrupção internacional. A partir-se da
veracidade de tal afirmação, tem-se que tal “concepção do investidor”
tende a provocar reformas significativas no mundo em desenvolvimento
e naqueles países cuja economia capitalista de mercado se faz
emergente. As organizações econômicas internacionais, por fazerem
parte de uma arquitetura institucional, têm papel preponderante na luta
contra a corrupção internacional.
8.
Conclusão
A corrupção não pode tornar-se naturalizada, ou seja, admitida como
uma conseqüência natural dos mecanismos subjacentes às sociedades
capitalistas. Admitir tal afirmação poderia até ser viável se os malefícios
da corrupção nos sistemas políticos não fossem tão exuberantes. Somese que a existência da corrupção tem, igualmente, raízes históricas em
regimes burocráticos de índole fascista, totalitária ou nacionalista. Assim,
descobertos os mecanismos sociológicos de causação da corrupção,
importa vislumbrar formas de controlar ou eliminar este mal no âmbito
das sociedades ditas democráticas ou civilizadas.
26
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
Tal processo de controle ou eliminação pode ser feito através de um
direito penal que decorra de um processo de acumulação internacional
de normas sobre a matéria, da incorporação do direito penal
internacional pura e simplesmente ou, ainda, de um processo de
imitação de uma ordem legal em virtude das relações culturais ou
econômicas de supremacia de alguns países em relação a outros.
O direito penal nunca será suficiente para a eliminação da corrupção,
entretanto, a certeza da punição pode inibir a prática de tais condutas em
âmbito internacional. Outros mecanismos de controle ou eliminação da
corrupção envolvem a participação das organizações internacionais na
construção de uma sociedade internacional transparente e no autoreconhecimento dos sistemas intersociais e, ainda, na possibilidade de
as
coletividades
participarem
ativamente
da
concretização
da
democracia em seus Estados juridicamente definidos4.
4
Sobre tais afirmações, importantes são as palavras de Antonio Carlos Wolkmer, nas Considerações Finais de
sua obra “Ideologia, Estado e Direito”, Ed. RT, 1995.
27
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Aldo Hey Neto | A Corrupção e as Empresas Transnacionais
Referências Bibliográficas e Documentos Consultados
Chomsky, N
A Minoria Próspera e a Multidão Inquieta (Entrevistas a
David Barsamian). Brasília: Ed. UNB, 1996, 149p.
Giddens, A
A Constituição da Sociedade. São Paulo: Martins
Fontes, 1989, 318p.
Likosky, M
Transnational Legal Processes: Globalisation and
Power Disparities. London: Butterworths, 2002, 505p.
Wolkmer, A C
Ideologia, Estado e Direito. São Paulo: Ed. RT, 1995,
207p.
Gazeta Mercantil, n. 22.632 (29 de Julho de 2003, A-1).
http://www2.rio.rj.gov.br/cgm/publicacoes/fraudes_corrupcao
28
www.cacos.ufpr.br | consulte os textos fornecidos através do centro acadêmico de comunicação social
Download