Corrupção e sociedade Hamilton Garcia de Lima 20 de Setembro de 2005 - A crise ensejada pelo PT e o governo Lula tem raízes antigas e profundas relacionadas à nossa formação social. O ingrediente novo nesta história foi o protagonismo de esquerda, que originalmente pretendia subverter a lógica tradicional da relação entre economia e política. Ora, a corrupção sempre foi uma poderosa arma da direita para cooptar inimigos, lubrificar parceiros, e destruir convicções. Trata-se, portanto, de um meio vocacionado para deturpar fins. O PT tentou usá-la, como meio de cooptação da classe política, na vã esperança de tapar o buraco deixado pela falta de uma estratégia política exeqüível para o alcance de seus objetivos proclamados. O cálculo estapafúrdio, que malbaratou os 25 anos de lutas do partido, teve pelo menos o mérito de desnudar aos olhos da nação a força histórica de nosso imediatismo golpista amalgamado ao nosso pragmatismo oportunista. As instituições brasileiras, quer na esfera do Estado - em todos os níveis e poderes -, quer da sociedade civil - incluindo ONGs, cooperativas e empresas -, convivem com a corrupção cotidianamente. Imaginam os atores passivos deste drama nacional que confinando o problema à determinadas pessoas (os "corrompidos") e grupos sociais (os "políticos"), anatematizando-os, estariam combatendo a doença e prevenindo o contágio - à semelhança dos feiticeiros africanos ativos que propalam o defloramento de virgens como o melhor remédio contra a AIDS. Ocorre, todavia, como se viu com Collor, que a terapêutica deixa a maioria das causas ocultas e livres para a continuação do contágio em escala geométrica. A miopia não se compraz em restringir o problema, absolutizando-o ("todos os políticos são ladrões!"), vai além, mascarando-o no plano das relações pessoais, minimizando-o ("é um sujeito bacana, me ajudou!"). Desde a redemocratização, tem sido mais fácil mobilizar os brasileiros para combater a corrupção na longínqua esfera federal do que na mais próxima, estadual ou municipal. A corrupção, assim como outros comportamentos institucionais negativos observados na macro-sociedade, se não nasce pelo menos se alimenta na micro-sociedade, no nosso cotidiano em condomínios e clubes, empresas e cooperativas, ONGs e sindicatos - inclusive patronais -, ajudando a renovar-legitimar a bandalha geral. Todas as classes sociais têm sua parcela de culpa. Os trabalhadores, massacrados por séculos de conluio entre Estado e oligarquias que os segregou da renda e da educação, também devem ser cobrados a se constituírem como agentes transformadores pelo voto. Mas é das elites que se deve esperar a iniciativa decisiva para se cercar o problema. A função das elites, em todas as classes, é a de dirigir a massa que habita todas as camadas, renovando-se com ela. Então, como impulsioná-la? Penso que pela conexão das reformas institucionais, ora em discussão, com reformas culturais que subvertam a mentalidade fóssil-formalista fomentadora de nossa subcidadania, medidas que devem ser complementadas, naturalmente, pela aceleração do atual ritmo de inclusão econômica. Em termos práticos, precisamos não apenas de novas regras de ordenamento político, e maior crescimento econômico, mas também de uma nova política cultural-educacional que, aproveitando a mídia e a transversalidade curricular do ensino básico inculque nas pessoas valores positivos de ética, trabalho e liberdade (autonomia), ao invés do festival atual de inescrupulosidade, cobiça e oportunismo, patrocinado por significativos segmentos de nossas elites em todos os quadrantes. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 8)( Hamilton Garcia de Lima é sociólogo e cientista político, Prof. do LESCE-CCH/UENF-DR) (E-mail: [email protected])