A Corrupção Endêmica Marco Antônio Ferreira Lima A corrupção em si considerada, embora venha conquistando maior destaque no cenário nacional e mesmo internacional, não é um problema novo, mas sim, fruto ou mesmo consequência de uma evolução social. No Brasil, se considerarmos que Pero Vaz de Caminha, na consagrada Carta ao Rei de Portugal, pede um emprego para seu cunhado, veremos que não se trata de algo novo. No mesmo segmento histórico, D. João VI quando de sua estada no Brasil e as agruras enfrentadas por Visconde de Mauá. Essa endemia social transcende os tempos. Ocorre que sempre interpretamos corrupção como sendo, simplesmente, alguém dando dinheiro a alguém, fraudando uma licitação, ou lesando o patrimônio público. Nos olvidamos da chamada corrupção tolerada ou social, onde, por exemplo, alguém conduzindo seu veículo numa estrada com velocidade além da permitida, ao ser abordado por um policial, pede para “dar um jeitinho”. Esse “dar um jeitinho”, nem sempre, é a oferta de dinheiro, mas, muitas vezes, mera complacência diante da infração cometida. Noutras situações sociais simples, como ao se solicitar intervenção de alguém para rapidez num pedido público e até mesmo para se obter um emprego. Esses “pedidos” e a conivência de quem os atende não é visto pela sociedade, em geral, como corrupção. Criamos um estigma para – por conveniência – enxergar a corrupção de forma estrábica, como sendo aquela que trás escândalos públicos, envolvendo fraudes milionárias, mas sem nunca ver que, diariamente, corrompemos ou somos corrompidos. Afirmação ousada, porém, distante de ser negada por qualquer pessoa que nunca tenha sido influenciada ou solicitado a influência de alguém para obter algo em seu favor. Ao estabelecer essa “troca de favores” como sendo algo comum(simular que está grávida para “furar” uma fila, dar dinheiro ao maitre para obter uma mesa melhor num restaurante, somente para exemplificar, dentre outras centenas de situações cotidianas)estamos permitindo que a corrupção se prolifere e surja como endemia social. Ao se agir como corrupto estamos insuflando essa nos altos escalões sejam particulares ou governamentais e ao vê-la despontar nos damos por surpresos ou indignados. A questão deve ser repensada socialmente. A democracia, como qualquer sistema político, não é perfeita. Porém, não há sistema de governo nesse mundo que não traga, em qualquer de seus núcleos, esse endêmico comportamento. Sua inclusão na Lei 8072/90, tratando a corrupção como crime hediondo, não há de reduzi-la. A administração pública, constitucionalmente, se reveste, dentre outros critérios de condução, pelos princípios da moralidade e da probidade. Essa moralidade não pode ser interpretada por critérios de necessidade, conveniência ou oportunidade, sob pena de estarmos flexibilizando um princípio mor que é o da legalidade. Isso, diuturnamente, tem permitido que condutas por agentes públicos ou prepostos da administração, fujam dos interesses sociais e migrem para os próprios. E a justificativa é o interesse público, como meio a trazer segurança jurídica ou social. E o que se vê é o contrário. Ao se ver um Estado ausente ou omisso, verificamos lacunas sociais, porém nunca se terá vácuo na estrutura do poder. Surgem planos de saúde, segurança privada e educação particular, para se dizer o mínimo. O Estado perde sua credibilidade e aos poucos sua necessidade. Grandes desvios ou uso inapropriado do orçamento público, não justifica a sonegação fiscal, mesmo nos setores primários, numa simples omissão de uma nota fiscal ou a oferta de um desconto por sua não emissão. É necessário se lembrar, sempre, que se há quem aceite ser corrompido, há quem corrompa. Enxergamos honestidade como virtude e não como obrigação moral. Corrupção, assim, é reflexo da moral que não precisa estar nos textos legais, mas na formação familiar e social. Como se disse, a questão reflete sociedade e educação. Enquanto vivermos de favores, intervenções, benefícios extemporâneos e indevidos estaremos contribuindo para o avanço da corrupção em nível endêmico. Marco Antônio Ferreira Lima - Procurador de Justiça