Efeitos Colaterais do Glucatime no Tratamento de Leishmaniose

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ESCOLA DE SAÚDE PÚBLICA DO CEARÁ PAULO MARCELO
MARTINS RODRIGUES
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DERMATOSES DE INTERESSE
SANITÁRIO
MAGNA ÍRIS LIMA FERREIRA
EFEITOS COLATERAIS DO GLUCANTIME®
NO TRATAMENTO DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR
AMERICANA DESCRITOS EM PRONTUÁRIOS DE PACIENTES DO
HOSPITAL SÃO JOSÉ DE DOENÇAS INFECCIOSAS (HSJ) - CE
FORTALEZA - CEARÁ
2007
2
MAGNA ÍRIS LIMA FERREIRA
EFEITOS COLATERAIS DO GLUCANTIME®
NO TRATAMENTO DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR
AMERICANA DESCRITOS EM PRONTUÁRIOS DE PACIENTES DO
HOSPITAL SÃO JOSÉ DE DOENÇAS INFECCIOSAS (HSJ) - CE
Monografia submetida à Escola
de Saúde Pública do Ceará, como
parte dos requisitos para a obtenção
do título de Especialista em
Dermatoses de Interesse Sanitário.
Orientadora:
Dra. Andréa Sílvia Walter de Aguiar
FORTALEZA
2007
3
MAGNA ÍRIS LIMA FERREIRA
EFEITOS COLATERAIS DO GLUCANTIME®
NO TRATAMENTO DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR
AMERICANA DESCRITOS EM PRONTUÁRIOS DE PACIENTES DO
HOSPITAL SÃO JOSÉ DE DOENÇAS INFECCIOSAS (HSJ) - CE
Curso de Especialização em Dermatoses de Interesse Sanitário
Escola de Saúde Pública do Ceará
Aprovada em ____/____/____
Banca Examinadora:
Andréa Sílvia Walter de Aguiar - Doutor
__________________________________________
Tânia Maria Poti Sales - Mestre
__________________________________________
Eni Terezinha Fleck de Paula Pessoa - Mestre
__________________________________________
4
DEDICATÓRIA
A Deus, o autor da minha vida, ao Senhor Jesus
Cristo, o consumador da minha fé e ao Espírito
Santo, os quais tenho buscado continuamente
para guiar meus passos, e que trouxeram-me até
aqui, dedico este trabalho; e não somente este,
mas todas as coisas proveitosas que já tive
oportunidade de realizar e que ainda realizarei,
no curto espaço de tempo que representa a vida
de um ser humano a caminho da eternidade.
Ao meu amado esposo, Isnard, por ter assumido
de bom grado todos os papéis possíveis, além do
seu
próprio,
para me ajudar em minha
caminhada. Sempre desdobrando-se em mil, a
fim de prover condições aos meus estudos,
sendo pai, mãe, irmão, amigo, companheiro
inseparável. Amo-o, não somente por ser parte
de mim, mas por ter superado em muito, não
apenas como cônjuge, mas também como
pessoa, todas as minhas expectativas.
5
AGRADECIMENTOS
Como não agradecer a alguém que dividiu comigo, de forma tão simples e
generosa, um dos bens mais preciosos que se pode imaginar: o conhecimento? Sinto-me
como se uma estrela de brilho maravilhoso tivesse tocado a minha vida, iluminando tudo e
me fazendo ver melhor, modificando o meu mundo antes tão obscurecido. Muito obrigada,
Dra. Tânia Poti, minha mestra para sempre, por ser essa estrela.
Disposta, lutadora, estudiosa. Uma mulher sábia, sem dúvida. Alguém destinada
ao sucesso. É assim que eu a vejo, Dra. Andréa, minha querida orientadora. Quero que saiba
que quando eu crescer, quero ser como você. Deixo aqui o meu muito obrigada.
Por ter feito o “algo mais” que ninguém se havia disposto a realizar, e que fez
toda a diferença durante nossa luta pela coleta de dados no Hospital São José de Doenças
Infecciosas, agradecemos à Dra. Evangelina, médica do ambulatório de leishmaniose do
HSJ.
Aos meus queridos pais, João e Marismar, pelas orações e torcida fiel.
6
“E Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não mais existirá, já não haverá
luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram”
Apocalipse - cap. 21, v. 4
7
RESUMO
A leishmaniose tegumentar americana (LTA) constitui-se em importante doença infecciosa
endêmica no Brasil e no mundo, e os antimoniais pentavalentes, dentre eles o antimoniato de
N-metilglucamina (Glucantime®), consistem em drogas de elevada eficácia, possuindo, no
entanto, concentração terapêutica próxima do limiar de toxicidade. Com o objetivo de
verificar os efeitos colaterais do antimoniato de N-metilglucamina (Glucantime®) no
tratamento da leishmaniose tegumentar americana descritos em prontuários de pacientes
provenientes do ambulatório especializado em leishmaniose do Hospital São José de
Doenças Infecciosas (HSJ), Fortaleza – Ceará,
foi realizada uma pesquisa de dados
secundários em 24 prontuários de pacientes atendidos no ambulatório de leishmaniose do
referido hospital que utilizaram Glucantime®, de julho a dezembro de 2005. Dentre os dados
mais relevantes podemos destacar a equivalência entre homens e mulheres, com idade média
de 43 anos e ausência de indivíduos negros, com equivalência entre brancos e pardos. A
maioria foi procedente da MR1 (Fortaleza), com 45,8% do total, seguida das MR2 (Caucaia),
MR3 (Maracanaú) e MR6 (Itapipoca), notadamente de áreas rurais. O predomínio de baixa
escolaridade, com 66,6% possuindo apenas ensino fundamental incompleto; a maioria
mantenedora de atividades não agrícolas de baixa remuneração (33,3%), seguidos pela
categoria “estudantes” (29,1%) e poucos indivíduos (apenas 3, ou 12,5%) intitularam-se
agricultores. A intradermorreação de Montenegro foi a principal modalidade de confirmação
diagnóstica (91,6%); todos eram portadores de lesões cutâneas sem acometimento mucoso, a
maioria com lesão única (62,5%) ou 2 a 3 lesões (29,1%), localizadas principalmente em
membros inferiores (50%), e seis pacientes (25%) apresentavam outras patologias
concomitantes. A ocorrência de efeitos colaterais deu-se em sete pacientes (29,1%) do total e
deste, houve freqüência de 16,6% de efeitos colaterais relacionados ao sistema músculoesquelético; 8,3% considerados de ordem “geral”; 8,3% ligados a pele; 8,3% hepáticos; 4,1%
de alterações cardíacas confirmadas; 4,1% de alterações renais; 4,1% relacionadas ao sistema
gastro-intestinal e 4,1% de alterações pancreáticas. As queixas ocorreram principalmente a
partir da segunda metade do 1º ciclo do antimonial. Nenhum dos pacientes necessitou de um
segundo ciclo. A presença de doenças concomitantes pareceu favorecer a ocorrência de
efeitos colaterais da droga. Constatamos, pois, grande eficácia da droga avaliada, com índice
de cura compatível aos mais satisfatórios ensaios descritos na literatura, associados a elevada
freqüência de efeitos colaterais, no entanto, bem menos expressiva que a descrita na
literatura consultada.
8
ABSTRACT
The American Tegumentar Leishmaniosis (ATL) is constituted in important endemic
infectious disease in Brazil and in the world, and the pentavalent antimonials like the
-metilglucamine antomoniate (Glucantime®) consist of drugs high effectiveness, possessing,
however, close therapeutic concentration of the letal threshold. The objective of this study is
verifying the collateral effects of the metilglucamine antomoniate (Glucantime®) in the
treatment of the American Tegumentar Leishmaniosis. This research was accomplished in 24
medical charts of patients assisted in specialized clinic in leishmaniosis, at Hospital São José
of Infectious Diseases (HSJ), Fortaleza – Ceará, from July to December in 2005. From most
important data, we can show the equivalence between men and women, with medium age 43
years old and black individuals' absence, with equivalence among whites and brown. Most
was coming from MR1 (Fortaleza), with 45,8% of the total, followed by MR2 (Caucaia),
MR3 (Maracanaú) and MR6 (Itapipoca), especially of rural areas. Most of patients have low
education (66,6%), who possess incomplete fundamental studies and the principal work
activity was non-agricultural of low remuneration (33,3%), followed for the category "
students " (29,1%) and few individuals (only 3, or 12,5%) were entitled farmers. The
diagnosis of American Tegumentar Leishmaniosis was mainly done by Montenegro's skin test
(91,6%). The most frequent clinical findings was cutaneous lesions, with only one lesion
(62,5%) or 02 to 03 lesions (29,1%), located mainly in inferior members (50%), and six
patient (25%) presented other concomitant diseases associated. The collateral effects occurred
in seven patient (29,1%)
the muscle-skeletal system was prevalent in 16,6% of them,
following by general (8,3%), skin (8,3%); hepatic (8,3%) collateral effects. It’s important
inform the 4,1% of patients has confirmed heart alterations; 4,1% renal alterations; 4,1%
gastro-intestinal system and 4,1% pancreatic alterations. The most frequent clinical symptoms
happened mainly starting from the second half of the 1st cycle of the antimonial. None of the
patients needed a second cycle.. The presence of concomitant diseases seemed to favor the
occurrence of collateral effects of the drug. We verified, therefore, great effectiveness of the
appraised drug, with index of compatible cure to the most satisfactory rehearsals described in
the literature, associated the high frequency of collateral effects, however, well less expressive
than described in the consulted literature.
9
LISTA DE GRÁFICOS
Pág
Gráfico 01
Distribuição do número de casos confirmados em LTA anualmente por
Gráfico 02
microrregião no Estado do Ceará, de 2002 a 2005..................................... 37
Representação da distribuição da amostra de acordo com a variável
raça/cor em prontuários de pacientes acometidos por LTA atendidos
ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a
Gráfico 03
dezembro de 2005....................................................................................... 88
Representação da distribuição da amostra, procedente exclusivamente
da microrregião 1, em prontuários de pacientes acometidos por LTA
atendidos ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho
Gráfico 04
a dezembro de 2005.................................................................................... 89
Representação da distribuição da amostra de acordo com a variável
procedência por microrregião, em prontuários de pacientes acometidos
por LTA atendidos ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no
Gráfico 05
período de julho a dezembro de 2005......................................................... 90
Representação da distribuição da amostra de acordo com as variáveis
procedência por microrregião e zona de procedência, em prontuários de
pacientes acometidos por LTA atendidos ambulatorialmente no HSJ -
Gráfico 06
Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005............................. 90
Representação da distribuição da amostra de acordo com a variável
nível educacional, em prontuários de pacientes acometidos por LTA
atendidos ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho
Gráfico 07
a dezembro de 2005.................................................................................... 92
Representação da distribuição da amostra de acordo com as variáveis
número de pacientes conforme a localização das lesões por segmento
corporal (individual) e multiplicidade de lesões, incluindo os pacientes
com e sem multiplicidade do segmento corporal acometido, segundo
descrito em prontuários dos pacientes acometidos por LTA atendidos
ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a
dezembro de 2005....................................................................................... 97
Gráfico 08
Representação da distribuição da amostra de acordo com as variáveis
modalidade de confirmação diagnóstica, considerando cada variável
citada individualmente, em prontuários de pacientes acometidos por
10
LTA atendidos ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de
Gráfico 09
julho a dezembro de 2005........................................................................... 100
Representação da distribuição da amostra de acordo com a variável
ocorrência de efeitos colaterais de caráter músculo-esquelético, em
prontuários
de
pacientes
acometidos
por
LTA
atendidos
ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a
Gráfico 10
dezembro de 2005....................................................................................... 103
Representação da distribuição da amostra de acordo com a variável
ocorrência de efeitos colaterais relacionados à pele, em prontuários de
pacientes acometidos por LTA atendidos ambulatorialmente no HSJ -
Gráfico 11
Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005............................. 105
Representação da distribuição da amostra de acordo com a variável
ocorrência de efeitos colaterais cardíacos, em prontuários de pacientes
acometidos
por LTA
atendidos ambulatorialmente no
HSJ
-
Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005.............................
106
LISTA DE QUADROS E FIGURAS
Pág
Quadro 01
Distribuição do número de casos confirmados em LTA anualmente
Quadro 02
por microrregião no Estado do Ceará, de 2002 a 2005........................... 36
Classificação taxonômica das leishmanias.............................................. 38
11
Quadro 03
Classificação dos subgêneros Leishmania e Viannia em complexos e
Quadro 04
subespécies............................................................................................. 39
Distribuição da amostra de acordo com as variáveis procedência por
microrregião, zona de procedência e município, em prontuários de
pacientes acometidos por LTA, atendidos ambulatorialmente no HSJ -
Quadro 05
Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005.......................... 91
Distribuição da amostra de acordo com as variáveis idade, sexo,
modalidade de efeito colateral identificado, momento do tratamento
quando da ocorrência dos mesmos e outras doenças associadas, em
prontuários
de
pacientes
acometidos
por
LTA,
atendidos
ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a
Figura 01
Figura 02
Figura 03
Figura 04
dezembro de 2005...................................................................................
Leishmaniose cutânea localizada............................................................
Leishmaniose mucosa.............................................................................
Leishmaniose tegumentar difusa.............................................................
Huaco peruano (emblema da Sociedade Peruana de Dermatologia)
109
19
20
21
Figura 05
Figura 06
Figura 07
demonstrando mutilização de nariz e acomentimento de lábio...............
Leishmania na forma promastigota.........................................................
Classificação toxonômica da Leishmania...............................................
Mosquito Flebotomíneo..........................................................................
25
38
40
42
12
LISTA DE TABELAS
Pág
Tabela 01
Distribuição da amostra de acordo com a variável sexo em prontuários
de pacientes acometidos por LTA, atendidos ambulatorialmente no
HSJ – Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de
Tabela 02
2005........................................................................................................ 88
Distribuição da amostra de acordo com a variável principal ocupação,
em prontuários de pacientes acometidos por LTA, atendidos
ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a
Tabela 03
dezembro de 2005................................................................................... 94
Distribuição da amostra de acordo com a variável número de lesões,
em prontuários de pacientes acometidos por LTA atendidos
ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a
Tabela 04
dezembro de 2005................................................................................... 96
Distribuição da amostra de acordo com a variável localização das
lesões, em prontuários de pacientes acometidos por LTA atendidos
ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a
Tabela 05
dezembro de 2005................................................................................... 96
Distribuição da amostra de acordo com a variável tempo de evolução
das lesões até o diagnóstico inicial, em prontuários de pacientes
acometidos por LTA, atendidos ambulatorialmente no HSJ -
Tabela 06
Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005.......................... 98
Distribuição da amostra de acordo com a variável modalidade de
confirmação disgnóstica, em prontuários de pacientes acometidos por
LTA, atendidos ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período
Tabela 07
de julho a dezembro de 2005................................................................... 99
Distribuição da amostra de acordo com a variável tempo de tratamento
quando da ocorrência de efeitos colaterais, em prontuários de
pacientes acometidos por LTA, atendidos ambulatorialmente no HSJ -
Tabela 08
Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005.......................... 101
Distribuição da amostra de acordo com a variável ocorrência de
efeitos colaterais de ordem geral, em prontuários de pacientes
acometidos por LTA, atendidos ambulatorialmente no HSJ Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005..........................
102
13
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ATP.........
Trifosfato de Adenosina
BCG.........
Bacilo de Calmette-Guérin
ECG.........
Eletrocardiograma
ELISA......
Enzyme Linked Immunosorbent Assay
FIOCRUZ
Fundação Instituto Oswaldo Cruz
g...............
Grama
IFI............
Imunofluorescência Indireta
IFN-g.......
Interferon Gama
IL.............
Interleucina
IDRM......
Intradermorreação de Montenegro
HSJ..........
Hospital São José
Kg............
Kilograma
L...............
Leishmania
LC............
Leishmaniose Cutânea
LCD.........
Leishmaniose Cutânea Difusa
LCM........
Leishmaniose Cutâneo-mucosa
LIT...........
Infuso de Fígado Triptose
LM...........
Leishmaniose Mucosa
LPG.........
Lipofosfoglicanos
LTA.........
Leishmaniose Tegumentar Americana
Lu.............
Lutzomyia
Mg...........
Miligrama
MR...........
Microrregião ou Microrregional
NNN........
Novy, Mc Neal e Nicole
OMS........
Organização Mundial de Saúde
PCR.........
Reação em Cadeia da Polimerase
Ps.............
Psychodopigus
SAME......
Serviço de Arquivo Médico-estatístico
14
Sb(+3)......
Antimônio Trivalente
Sb(+5)......
Antimônio Pentavalente
TGO.........
Transaminase Oxalacética
TGP.........
Transaminase Pirúvica
ui..............
Unidades Internacionais
uma
Unidade de Massa Atômica
V..............
Viannia
15
SUMÁRIO
1
2
3
4
5
RESUMO.....................................................................................................
ABSTRACT.................................................................................................
LISTA DE GRÁFICOS..............................................................................
LISTA DE QUADROS E FIGURAS........................................................
LISTA DE TABELAS................................................................................
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS................................................
INTRODUÇÃO...........................................................................................
1.1 Considerações gerais sobre a leishmaniose............................................
1.2 Considerações gerais sobre o Glucantime ®..........................................
1.3 Justificativa.............................................................................................
REVISTA DA LITERATURA..................................................................
2.1 Histórico da leishmaniose.......................................................................
2.1.1 Origens e dispersão mundial.......................................................
2.1.2 Origens e dispersão da LTA no continente americano...............
2.1.3 Origens e dispersão da LTA no Brasil........................................
2.2 Epidemiologia.........................................................................................
2.2.1 Generalidades..............................................................................
2.2.2 Dados estatísticos........................................................................
2.2.3 O agente etiológico e seus vetores..............................................
2.2.4 Histórico das pesquisas..............................................................
2.2.5 Panorama social da LTA...........................................................
2.3 A leishmaniose tegumentar americana...................................................
2.3.1 Aspectos clínicos.........................................................................
2.3.2 Imunologia das LTA..................................................................
2.3.3 Métodos auxiliares ao diagnóstico..............................................
2.4 Tratamento..............................................................................................
2.4.1 Medicamentos de primeira escolha: os antimoniais...................
2.4.2 Drogas de segunda escolha........................................................
2.4.3 Outros tratamentos.....................................................................
Pág
6
7
8
10
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17
17
21
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23
23
23
23
31
33
33
33
38
49
54
55
55
57
59
65
65
73
76
OBJETIVOS................................................................................................
3.1 Objetivo geral..........................................................................................
3.2 Objetivos específicos..............................................................................
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.............................................
4.1 Aspectos gerais.......................................................................................
4.2 Local da pesquisa....................................................................................
4.3 Amostra e critérios de inclusão...............................................................
4.4 Instrumento de pesquisa.........................................................................
4.5 Análise dos dados....................................................................................
4.6 Considerações éticas...............................................................................
RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................................
5.1 Considerações iniciais.............................................................................
5.2 Apresentação e análise dos dados...........................................................
5.2.1 Seção 1 - Identificação dos pacientes e procedência..................
5.2.2 Seção 2 - Dados sócio-econômicos.............................................
81
81
81
82
82
82
83
83
84
84
85
85
87
87
92
16
6
5.2.3 Seção 3 - Sobre a leishmaniose tegumentar americana..............
5.2.4 Seção 4 - Efeitos colaterais do Glucantime®.............................
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................
APÊNDICES................................................................................................
A – Microrregiões do Estado do Ceará ...............................................
B – Instrumento de coleta....................................................................
C – Diário de campo............................................................................
ANEXOS......................................................................................................
A – “Único remédio usado para salvar doentes de leishmaniose pode
95
101
112
114
122
123
125
127
132
ter matado dois brasileiros”.................................................................. 133
B – Termo de Fiel Depositário............................................................. 136
C – Aprovação do Comitê de Ética..................................................... 137
17
1 INTRODUÇÃO
1.1 Considerações gerais sobre a leishmaniose
As leishmanioses, mais corretamente leishmaníases, são infecções endêmicas de
difícil controle, crônicas e não contagiosas (SAMPAIO & DE PAULA, 1999; SAMPAIO &
RIVITTI, 2001 ), causadas por diversas espécies de protozoários da ordem Kinetoplastida,
família Trypanomastidae, e gênero Leishmania, que acometem diferentes espécies de animais
silvestres e domésticos, o que as caracterizam, desta forma, como zoonoses. Podem ainda
afetar o homem, sendo este considerado também como agente disseminador da doença, o que
as definem, simultaneamente, como antroponoses (AMATO et al., 1998; ALTAMIRANOENCISO et al., 2003). Estes protozoários são transmitidos pela picada de mosquitos
flebotomíneos fêmeas contaminados. Estes pertencem a ordem Diptera; família Psychodidae;
sub-família Phlebotominae (BASANO & CAMARGO, 2004).
São, desta forma, um conjunto de doenças parasitárias digenéticas causadas por
mais de vinte espécies de parasitas do gênero Leishmania, transmitidas pelos insetos vetores
flebotomíneos. Usamos o termo digenéticas porque o parasita tem duas formas evolutivas. A
primeira, ocorre no hospedeiro animal e/ou humano, e a outra, ocorre nos vetores (AMATO
et al., 1998; ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
As leishmanioses podem, de acordo com a forma de acometimento do homem,
dividir-se
em
dois
grandes
grupos:
as
leishmanioses
viscerotrópicas
e
as
dermotrópicas/mucotrópicas (tegumentares).
As formas viscerotrópicas são causadas por protozoários dotados de afinidade
(tropismo) especial pelos órgãos internos, notadamente baço, fígado, medula óssea, estômago,
pâncreas, dentre outros. É também conhecida como calazar ou kala-azar, febre dum-dum ou
barriga d’água (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003), e possui considerável índice de
morbidade e mortalidade.
As
leishmanioses dermotrópicas/mucotrópicas ou tegumentares, por sua vez,
recebem esta denominação porque afetam primariamente a estrutura da pele e das mucosas
superiores (face) (AMATO et al., 1998; ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003) com riscos de
mutilação para o corpo físico e psíquico dos pacientes acometidos.
18
Este estudo visa abordagem exclusiva da leishmaniose tegumentar, notadamente
da leishmaniose tegumentar americana, principal variedade da doença com acometimento da
pele e mucosas que assola o nosso país.
Segundo Sampaio e Rivitti (2001) as leishmanioses tegumentares podem ser
agrupadas em três denominações distintas:
•
Leishmaniose tegumentar oriental
Endêmica no Oriente Médio, Índia, Ásia Central e Norte da África. É limitada à pele e
benigna, embora eventualmente desfigurante. Pode ocorrer lesão única ou múltipla, por
várias inoculações, com cicatrização espontânea ou tornar-se nódulo sarcoídico, que
eventualmente se reativa (SAMPAIO & RIVITTI, 2001).
•
Leishmaniose tegumentar americana (LTA)
Ocorre em todos os países latino-americanos, do México à Argentina, exceto Chile e
Uruguai, e eventualmente no Sul dos Estados Unidos da América (Texas) (SAMPAIO &
RIVITTI, 2001). De acordo com o Manual de Controle da Leishmaniose Tegumentar
Americana (BRASIL, 2000), a LTA inclui a leishmaniose cutânea (LC) e a leishmaniose
mucosa (LM), sendo também conhecida como leishmaniose mucocutânea, úlcera de
Bauru, ferida brava, etc. Vejamos a seguir:
•
A leishmaniose cutânea (LC) - compreende as formas localizadas, únicas ou múltiplas,
assim como a leishmaniose cutânea disseminada (BRASIL, 2000). Nas formas
localizadas, a lesão ulcerada típica é a mais comum, representada por ulceração única
(ou múltipla), arredondada, de bordos elevados e fundo granuloso, localizada
principalmente em áreas expostas. É freqüente o aparecimento de adenomegalia
satélite no início do quadro, por vezes antes da lesão propriamente dita, que se inicia
após um período de incubação de 1 a 4 semanas (SAMPAIO & RIVITTI, 2001), com
uma ou múltiplas pápulas eritematosas que correspondem, geralmente, ao ponto de
inoculação. Estas evoluem então para um aspecto pápulo-pustuloso, pápulo-crostoso e
finalmente formam as úlceras características, podendo haver, no mesmo doente, lesões
em diferentes estágios de desenvolvimento e satelitose. Outros aspectos que as lesões
podem vir a assumir incluem o úlcero-crostoso, impetigóide, ectimatóide, úlcerovegetante e verrucoso-crostoso. A leishmaniose cutânea disseminada, por sua vez,
19
caracteriza-se por pequenas lesões ulceradas, às vezes acneiformes, distribuídas por
todo o corpo, por conta de disseminação hematogênica (BRASIL, 2000).
Figura 01 – Leishmaniose cutânea localizada
Fonte: Dermatology Atlas
•
A leishmaniose mucosa (LM) - é, na maioria das vezes, secundária às lesões cutâneas,
surgindo geralmente, meses ou anos após a resolução das lesões da pele. Às vezes,
porem, não se identifica a porta de entrada, supondo-se que as lesões sejam originadas
de infecção subclínica. Pode haver também o acometimento simultâneo, por lesões
cutâneas e mucosas, com lesões mucosas à distância da lesão de pele ativa, ou de
forma contígua, onde o acometimento mucoso ocorre por extensão da lesão de pele
situada próximo às mucosas. Poderá ocorrer destruição parcial ou total da pirâmide
nasal e de outras estruturas acometidas (BRASIL,2000).
A leishmaniose tegumentar americana (LTA) está entre as afecções
dermatológicas que merecem maior atenção, devido sua magnitude, assim como pelo
risco de ocorrência das deformidades que pode produzir no homem, como também
pelo envolvimento psicológico do doente, com reflexos no campo social e econômico
(BRASIL, 2000).
20
Figura 02 – Leishmaniose mucosa
Fonte: Dermatology Atlas
•
Leishmaniose tegumentar difusa
Também conhecida como leishmaniose cutânea difusa, cutânea anérgica e anérgica
hansenóide, foi relatada na África, no Oriente Médio e nas Américas (SAMPAIO &
RIVITTI, 2001). Esta variante da leishmaniose tegumentar, caracteriza-se por maciço
comprometimento dérmico e natureza crônica, com recaídas freqüentes e insucesso
terapêutico.
Apresenta
aspectos
clínicos,
imunológicos,
parasitológicos,
anatomopatológicos e terapêuticos diferentes das outras espécies de leishmaniose cutânea,
existindo duas possibilidades para explicar esta adversidade:
1. As diferenças seriam devidas a uma deficiência imunológica específica dos
hospedeiros;
ou
2. Representa uma entidade diversa, causada por subespécies diferentes de
leishmanias, capazes de induzir imunodepressão específica no hospedeiro
infectado (BRASIL, 2000).
É considerada no Manual de Controle da Leishmaniose Tegumentar Americana
como variante da LTA (BRASIL, 2000) e não um tipo de leishmaniose tegumentar à parte,
como classificada por Sampaio e Rivitti (2001).
21
Figura 03 – Leishmaniose tegumentar difusa
Fonte: Wunderlich, G.
1.2 Considerações gerais sobre o Glucantime® (antimoniato de N-metilglucamina), droga de
primeira escolha no tratamento da leishmaniose tegumentar americana no Brasil
Os antimoniais pentavalentes, drogas de primeira escolha no tratamento da LTA,
têm representado a base do tratamento das leishmanioses nas últimas décadas, com índices
de cura de 60 a 90%, sendo padronizado pela Organização Mundial de Saúde em dose de 10 a
20 mg/Sb+5/Kg/dia (Sb+5 significando antimônio pentavalente). Apresentam, no entanto,
inconvenientes ainda não superados. A necessidade de administração parenteral e a toxicidade
da droga, principalmente para idosos, cardiopatas e nefropatas dificultam o seu emprego (DE
PAULA et al., 2003). As reações adversas mais comuns descritas na literatura incluem:
náuseas, vômitos, tosse, artralgias, mialgias, elevação das transaminases, uréia, creatinina e
alterações aletrocardiográficas. Eventualmente foram descritas reações anafilactóides. Embora
raros, existem relatos de morte súbita desencadeada pela cardiotoxicidade dos antimoniais
(DE PAULA et al., 2003).
22
No Brasil, o antimonial utilizado e droga de escolha no tratamento da
leishmaniose tegumentar americana é o antimoniato de N-metilglucamina ou antimoniato de
meglumina, o Glucantime®, (Aventis Pharma - São Paulo - Brasil). Este se apresenta
comercialmente em frascos de 5 ml contendo 1,5 g do antimonial bruto, correspondente a 405
mg de antimônio pentavalente (81 mg/ml). O outro tipo de antimonial pentavalente que pode
ser utilizado para tratamento da leishmaniose chama-se stibogluconato de sódio (Pentostam®
ou Solustibosan®) e não é comercializado no Brasil (BRASIL, 2000; RATH et al., 2003).
1.3 Justificativa
De posse do conhecimentos dos fatos anteriormente mencionados, dentre outros a
serem ainda expostos, verificamos a necessidade de nos debruçarmos sobre o estudo dos
efeitos colaterais do Glucantime®, droga de eleição utilizada em nosso país para tratamento
da LTA, tentando focalizar nosso olhar especificamente sobre nossa população, a fim de
conhecê-la mais profundamente sob este aspecto, que envolve uma patologia de grande
importância para o Brasil e para o mundo.
Foi desta forma que nasceu-nos o desejo de conhecer os dados provenientes da
rotina de um ambulatório especializado em leishmaniose no Ceará, que viesse a traduzir a
realidade do nosso meio e da nossa gente, motivo pelo qual escolhemos o ambulatório
especializado do Hospital São José de Doenças Infecciosas, importante centro de referência
não só para LTA, mas para todas as doenças de etiologia infecciosa em nosso Estado. Por esse
motivo, realizamos neste ambulatório uma pesquisa voltada para a análise dos prontuários de
todos os pacientes usuários de Glucantime® no período de 6 meses, mais especificamente o
segundo semestre de 2005, na esperança de elucidar dúvidas e gerar conhecimentos quanto
aos efeitos colaterais desta ao mesmo tempo tão benéfica e perigosa droga utilizada no
tratamento da leishmaniose.
23
2 REVISTA DA LITERATURA
2.1 Histórico da leishmaniose
2.1.1 Origens e dispersão mundial
Estudos de fósseis de flebotomíneos revelam que um ancestral comum desses
insetos já era encontrado na época em que os continentes ainda formavam uma massa única
na Pangéia, cerca de 250 milhões de anos atrás. Quando essa massa se fragmentou, os
mosquitos começaram a se dispersar para cada continente, originando a ampla variedade de
gêneros e espécies que existe hoje, evoluídas através de especiação. Alguns gêneros atuais de
flebótomos já estavam presentes antes do período oligoceno, há 38 milhões de anos, segundo
José Dilermano Andrade Filho e Reinaldo Peçanha Brazil, do Laboratório de Leishmaniose
do Centro de Pesquisas René Rachou, unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em
Minas Gerais. Segundo os pesquisadores, o mesmo padrão de distribuição geográfica dos
flebótomos deve ter sido seguido pelos parasitas causadores da leishmaniose (MARQUES,
2006).
Recentemente, Thomas-Soccol et al. (1993 apud VALE & FURTADO, 2005)
formularam a teoria monofilogenética das leishmanias, baseando-se em estudos de DNA
mitocondrial de 20 diferentes espécies de leishmanias, teoria esta que considera a origem
comum dos troncos Viannia e Leishmania, que remontaria aos períodos cretáceo e jurássico,
há 120 milhões de anos, ainda na Pangéia. Entretanto, persiste polêmica a questão da região
de origem das espécies de leishmanias, se neotropical, como sugerido por Lainson et al. e
Noyes (1998), paleoártica, como considerado por Kern, (2000) ou africana, segundo Momen
et al., (2000) (VALE & FURTADO, 2005).
2.1.2 Origens e dispersão da LTA no continente americano
Em seu estudo “Sobre a origem e dispersão das leishmanioses cutânea e mucosa
com base em fontes históricas pré e pós colombianas”, Altamirano-Enciso e colaboradores
(2003) abordam possibilidades sobre a origem e difusão da LTA no continente americano,
fornecendo relatos sobre as três principais hipóteses conhecidas mundialmente no meio
científico, com ênfase para a alternativa da origem amazônica da leishmaniose tegumentar
24
americana. Este complexo trabalho, publicado em 2005 pela Fundação Instituto Oswaldo
Cruz (FIOCRUZ) , trata-se de uma coletânea única no gênero, adotando uma revista literária
de inúmeros documentos, incluindo obras que datam do século XVI, a fim de abordar a
história da doença na América desde o período pré-incaico. Pretendemos, desta forma,
apresentar um resumo dos conhecimentos contidos neste excelente estudo, ressaltando que,
por congregar obras muito antigas, dificilmente conseguimos nos eximir dos inúmeros
“apuds” , que o texto a seguir contém.
A primeira teoria formulada sobre as origens da LTA no continente americano
surgiu em 1890, quando Juliano Moreira e Aguiar Pupo propuseram a teoria da origem
mediterrânea. Estes enfatizaram que a leishmaniose da região Nordeste brasileira ou “botão da
Bahia”, teria se originado no Mediterrâneo, onde era conhecida como “botão do Oriente” 1, e
teria sido introduzida em tempos remotos. Esta hipótese, jamais confirmada histórica ou
arqueologicamente, de que grandes navegadores como egípcios, fenícios, gregos, sírios e
víquingues teriam chegado ao Brasil na antiguidade e introduzido a doença no país,
predominava na construção dos estudos que se voltavam para o aprofundamento do
conhecimento biomédico sobre o tema no século XIX.
Continuando seus relatos históricos, os autores citam que, em 1925, Eduardo
Rabello questionou a hipótese de Juliano Moreira (1906, 1895), elaborando a teoria da origem
andina. Rabello escreveu que as origens da LTA eram imprecisas e apresentou outras
hipóteses, sugerindo que as terras frias do Peru e da Bolívia poderiam ser o ponto de origem
dessa patologia, baseando-se em dois tipos distintos de fontes: documentos descritivos do
século XVI, quando da queda do império inca e conquista da América pelos espanhóis e as
representações antropomórficas da cerâmica mochica2 pré-colombiana ou “huacos” peruanos,
descobertos em 1895. Estas últimas, são obras artesanais representativas de figuras humanas
portadoras
de lesões
compatíveis
com
LTA,
em inúmeros
estados patológicos
(VIRCHOW,1895; NEIVA et al., 1917; RABELLO, 1925 apud ALTAMIRANO-ENCISO et
al., 2003).
1
Nota dos autores: Outras denominações locais e regionais das leishmanioses em regiões endêmicas, podem ser
divididas em dois grupos: no Novo Mundo, tem-se: botão da Bahia, espundia, feridas bravas, gallico, leshe,
marranas, pias bois, úlcera de Bauru, úlcera dos chicleros, uta, quepo, etc. No Velho Mundo registra-se botão de
Allepo, botão do Oriente, botão de Bagdá, botão de Deli, cancro do Saara, herpes do Nilo, úlcera de Sart, úlcera
de Jeddah e outros.
2
Povos que viveram cerca de mil anos antes dos incas nas regiões do Peru, Equador e Colômbia
(ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
25
Figura 04 - Huaco peruano (emblema da Sociedade Peruana de Dermatologia) demonstrando mutilação de nariz
e acometimento de lábio.
Fonte: Sociedade Peruana de Dermatologia.
De fato, segundo o médico e historiador peruano Juan B. Lastres (1951), desde a
época colonial, vários estudiosos registraram dados sobre uma estranha enfermidade da região
andina que eles conheciam como uta, que hoje sabemos tratar-se da leishmaniose cutânea.
Duas décadas depois, o cronista espanhol Pedro Pizarro (1571) relatou que, em 1533, os
povos situados nos vales quentes do Peru eram dizimados por um “mal do nariz”, associado
ao comércio da coca na vertente amazônica, que se tratava da espundia, nada mais que a
leishmaniose mucosa.
Contudo, Altamirano-Enciso et al. classificam a discussão sobre os dados
históricos como controversa, estando dividida ao longo do século XX entre dois grupos: uma
primeira corrente representada pelos defensores das chamadas “evidências históricas”
(JIMÉNEZ DE LA ESPADA, 1891/1897; TELLO,1908; LASTRES, 1951; PESCE,1951
apud ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003), cujos argumentos se reforçam pelos estudos das
representações das lesões feitas nos objetos de cerâmica e pelos relatos históricos do século
XVI, e um outro grupo de estudiosos, que se apresenta como cético em relação a isso,
alegando entre outros fatos, que os cronistas (autores dos documentos do século XVI) não
eram médicos de profissão, não conheciam esta nova doença e, portanto, fizeram vagas
descrições sobre o mal (HERRER, 1977, 1957, 1956 apud ALTAMIRANO-ENCISO et al.,
2003).
26
Passaram-se então mais de 80 anos desde que Eduardo Rabello (1925) propôs que
as origens da LTA estariam inicialmente focalizadas nos frios territórios andinos, sugerindo as
regiões da Bolívia e do Peru, predominando a partir deste momento esta teoria na literatura
biomédica.
Altamirano-Enciso et al. (2003) apresentam também a terceira e mais atual
hipótese sobre as origens da LTA na América, tomando por base a proposta de Marzochi et
al. (1994) sobre a origem amazônica da L. (V.) braziliensis, responsável por formas de
leishmaniose cutânea e mucosa: a interessante alternativa de que a doença, de fato muito
antiga, dispersou-se primeiro para a selva alta a partir da área amazônica ocidental (onde
poderá ter, na verdade, se originado) por intermédio de migrações humanas em períodos
arqueológicos, que interligaram as regiões andina e amazônica, posteriormente espalhando-se
nas terras quentes interandinas, através dos limites da Bolívia e do Peru com o Brasil. Os
antigos habitantes das regiões orientais de Ancash, Cajamarca, Huánuco e La Libertad (Peru),
parecem ter contribuído para essa disseminação
Citam ainda os autores que Dujardim et al. (2000 apud ALTAMIRANO-ENCISO
et al., 2003), através de estudos moleculares, sugeriram a hipótese de que a leishmaniose
cutânea causada por L. (V.) peruviana, causadora da tão conhecida uta, a forma cutânea da
LTA observada nos Andes peruanos (VALE & FURTADO, 2005), surgiu também na
Amazônia há cerca de quinhentos ou mil anos, penetrando na cordilheira andina sob a forma
zoonótica através de roedores, pela rota do Abra de Porculla (Cajamarca), finalmente
alcançando a costa norte. A arqueologia revela também que, entre o segundo e o terceiro
milênio antes da nossa era, toda essa região, em seu período formativo, estava coberta por
exuberante vegetação e
era uma das principais rotas humanas entre a costa e a selva
(ALTAMIRANO, 2000 apud ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003). Esses estudos
biológicos reforçam os dados etno-históricos e parecem confirmar a origem amazônica da
LTA.
Coincidentemente, tanto a L. (V.) braziliensis como a L. (V.) peruviana, infectam
com grande facilidade o cão doméstico, além do homem (MARZOCHI et al., 1999 apud
ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003), e são filogeneticamente muito próximas (THOMASSOCCOL et al., 1993; DAVIES et al., 2000; MOMEN et al., 2000 apud ALTAMIRANOENCISO et al., 2003); mas essa última não causa lesões secundárias em mucosas (LLANOSCUENTAS et al., 1999 apud ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003), parecendo haver entre
ambas uma origem comum mas com isolamento geográfico de longa duração.
27
Os documentos etno-históricos do século XVI também foram considerados nos
estudos de Altamirano-Enciso e seus colaboradores na elaboração das hipóteses que apóiam a
LTA como doença originada no continente sul-americano, mais especificamente na região
amazônica. Estes documentos, escritos pelos cronistas do século XVI, relataram a cultura e a
ecologia dos povos autóctones.
Tais cronistas podem ser agrupados em três conjuntos documentais, ou sejam: o
pré-toledano (1532-1570), o toledano (1570-1585) e o pós-toledano (1585-1600). Os
primeiros, também chamados “cronistas da conquista”, participaram do auge e da queda do
império inca; os segundos relataram os acontecimentos da colônia durante o vice-reinado de
Francisco de Toledo; e os terceiros repetiram as referências dos primeiros (ESPINOZA, 1990
apud ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003). Muitas crônicas deste terceiro período copiaram
fielmente documentos dos antecessores, rememorando os sucessos do apogeu e queda do
Tawantinsuyo3 para ser motivo de atenção da coroa espanhola e justificando, pela força
divina, as fundações das cidades, de igrejas cristãs, obras e trabalhos forçados nas fazendas e
minas, chamados mitas (PORRAS BARRENECHEA, 1986 apud ALTAMIRANO-ENCISO
et al., 2003). Por esta razão, os autores selecionaram apenas o material proveniente do
primeiro período, sendo utilizadas pelos autores as obras documentais de Pizarro (1571),
Santillán (1563 [1879]), Loayza (1586) e Ávila (1598). Estes documentos foram selecionados
porque relatam ocorrência de lesões cutâneo-faciais que se aproximam do diagnóstico de
LTA.
Através dessas fontes foi possível visualizar o panorama sócio-econômico no
período incaico e da conquista da América pelos espanhóis, intimamente ligado às origens da
doença e sua disseminação no continente, como vemos a seguir.
Durante o Tawantinsuyo, havia milhares de grupos humanos organizados através
de ayllus4. As classes sociais tinham uma origem divina e estavam hierarquizadas. A elite
governante, composta pela aristocracia cuzquenha, e cujo representante máximo era o inca,
contrapunha-se aos huaccha que constituíam a totalidade da população camponesa,
compreendendo os mitayos, yanacona, acclas, artesãos e recrutas para o exército. Alguns
3
Nota dos autores: O império inca também é conhecido como Tahuantinsuyo, Tahuantinsuyu ou Tawantinsuyu.
É uma palavra quíchua (idioma oficial dos incas) que quer dizer, as terras das quatro regiões. Estas divisões
políticas eram: Antisuyo, Contisuyo, Collasuyo e Chincaysuyo, sendo Cuzco a capital deste mundo andino
(Rostworowski, 1992; Pease, 1991; Espinoza, 1990).
4
Nota dos autores: Ayllu é um termo quíchua que significa família extensa. Poderiam dividir-se em famílias
nucleares simples e compostas. Esta era a estrutura social e produtiva do império inca, vinculada por parentesco
real e religioso. As uniões sexuais ocorriam no interior de cada ayllu, que era endogâmico e monogâmico. A
maioria deles eram agricultores.
28
alcançavam maior nível social que outros e isso dependia de sua capacidade laboral e de
demonstrações de fidelidade. Os mitmaq
ou mitimaes
se concentravam nos centros
administrativos ou tampus e nas cidades ou llactas. Ocupavam-se das áreas produtivas da
agricultura, mineração, pastoreio e da assistência social.
As fortes pressões políticas que exercia o exército inca sobre comunidades do
norte andino produziram tensão social e diversos choques. Por isso, segundo Santillán (1563
apud ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003) muitos ayllus rebelaram-se ao controle inca,
principalmente os povos cañar, carangue, cayambe e quito (hoje constituem províncias do
Equador), os pasto, na Colômbia, e os chacha-puyas no nordeste do Peru. Os sobreviventes
aos conflitos destas etnias foram convertidos em piña-mitmakuna5 ou prisioneiro de guerra,
cuja designação se estendia até os filhos e mulheres, e estavam incluídos na categoria social
mais baixa. Estavam destinados à escravidão e eram transferidos com suas famílias e chefes
ou “caciques”, para as terras quentes e profundas da selva alta ou Chaupiyunga da vertente
oriental, para viver do cultivo da coca (GADE,1979 apud ALTAMIRANO-ENCISO et al.,
2003). Estes cultivos eram terras privilegiadas pertencentes ao Estado.
O cenário das plantações estatais incaicas poderia estar localizado entre as
vertentes orientais da selva alta de Cajamarca, La Libertad e Ancash, incluindo Huánuco,
seguindo a versão de Pedro Pizarro, em 1533. Essa região é um piso ecológico tropical entre
500 e 2.500 metros acima do nível do mar e voltado para a extensa bacia amazônica.
Os índios a chamavam em quíchua (língua oficial dos incas) de Rupa-rupa. Ali, o
clima úmido com exuberante vegetação permitia
a proliferação de insetos vetores, os
flebotomíneos, a presença da uta (leishmaniose cutânea) e da espundia6 (leishmaniose
mucosa) que desfigurava os rostos dos piña-mitmakuna e os transformava psíquica e
socialmente em párias. Esses povos mitmaq que moravam em áreas endêmicas da LTA, ao
serem transferidos para o interior das serras ou para o litoral do Pacífico, quando da queda do
império inca, teriam disseminado a doença para a vasta área geográfica do mundo andino.
5
Nota dos autores: Os piña-mitmakuna pertenciam aos grupos humanos mitmaq convertidos em prisioneiros
condenados a trabalhos forçados num meio hostil. Era uma denominação depreciativa para comunidades
renegadas e subversivas, confinadas aos plantios de coca na região da selva amazônica (Espinoza, 1990).
6
Nota dos autores: Uta é um som quíchua de ut que significa roer, rasgar ou mutilar (Tejada, 1973). Em 1786,
Alcedo registra a palavra uta na língua kauki ou jakaru procedente da província de Huarochirí, na serra de Lima.
No entanto, os incas também chamavam assim ao inseto que transmitia a LTA (Alcedo, 1786). Por outro lado,
espundia é um termo espanhol que surge em meados do século XVI, relacionado com espúria ou espurícia, que
quer dizer imundície, horripilante, bastardo e ilegítimo.
29
Os incas conheciam o termo “andes”, que se originava do quíchua antis, que
significa homens da montanha, da selva ou do bosque oriental, sendo o Antisuyu uma das
quatro regiões do Tawantinsuyo que se localizava no nordeste de Cuzco, na saída do sol
(CIEZA DE LÉON, 1553 apud ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003). Portanto pode-se
concluir que nas referências de Loayza, de 1586, ande-ongo ou anti-ongoi (termos utilizados
para denominar a doença desfigurante que procedia do monte amazônico) quer dizer “doença
dos homens das montanhas” ou “mal dos narizes”, e consideramos que se referia a
leishmaniose mucosa. Na colônia espanhola, o termo “andes” foi generalizado erroneamente
como cadeia montanhosa, as serras, que os índios chamavam de Pariaqaqa. Então surgiu, em
1541, o conceito de Amazônia, quando o capitão espanhol Francisco de Orellana e Pedro de
Ursúa descobriram o imenso rio amazonas, nome atribuído por causa das tribos de mulheres
guerreiras de cabelos compridos e um só seio que habitavam a região, segundo as lendas
européias.
Nos séculos seguintes, generalizou-se o termo
floresta amazônica, ficando
esquecida a palavra Antisuyo.
Durante o Tawantinsuyo, havia uma grande festa oficial chamada Capac Situa ou
Coya Raymi que ocorria no mês de outubro e simbolizava a época dos cultos aos ancestrais, a
purificação do espírito e limpeza das doenças. Os indígenas acreditavam que as enfermidades
eram produzidas pelos espíritos guardiões dos morros, bosques sagrados, sol e raios (origem
divina) e pelos feitiços e invejas dos curandeiros de ayllus rivais (origem humana). A uta
(leishmaniose cutânea) da serra andina atribuía-se ao deus llapa ou raio. Para restabelecer a
ordem das leis sociais, lavavam as roupas e as armas, e elaboravam rituais e oferendas,
sacrificando lhamas e ofertando folhas de coca para os sítios sagrados.
Sobre este sentimento de religiosidade andina, Tello (1938) escreveu que os
ceramistas trocavam suas garrafas de argila periodicamente ao ritmo do calendário agrícola,
cujos desenhos representavam deuses, a vida quotidiana e outros temas e símbolos segundo a
destinação da homenagem cerimonial. E, graças àquelas representações, os mochicas, que
viveram mil anos antes dos incas, foram imortalizados com os “huacos retratos”, mantendo
latentes os mitos de origem ligados a determinadas plantas como batata e mandioca, alimentos
relacionados a uta e aos morros sagrados (WEISS et al., 1984 apud ALTAMIRANOENCISO et al., 2003). Esses rituais continuaram até os tempos incaicos, como a limpeza da
acéquia, a festa do Amaru e a Capac Situa.
Desta forma, segundo Lastres (1951 apud ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003),
o “controle” de doenças no Tawantinsuyo era praticado nas cidades ou llactas através de
30
festas oficiais de limpeza e purificação, tanto mental e corporal quanto social. Nestes festejos
rituais, os participantes jejuavam e se proibia continuamente o ingresso nas áreas endêmicas,
consideradas sagradas.
Os incas conheciam as funestas conseqüências econômicas e sociais que
causavam as picadas do que consideravam mosquitos transmissores da uta maligna das
florestas, da verruga, da malária ou paludismo e outras doenças infecciosas febris (GADE,
1979 apud ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003). Por este motivo, Le Moine et al. (1987
apud ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003), baseados em estudos etno-históricos,
fundamentam que muitos projetos da expansão inca no interior da Amazônia foram evitados.
Aliás existiam numerosos grupos humanos agressivos bem adaptados à Amazônia e
organizados em chefias nas várzeas, formando uma extensa fronteira constituída
principalmente por grupos de língua aruaque ou arawak e tupi, como os jívaros, omáguas e
tapajós (HECKENBERGER, 1996; MEGGERS, 1987 apud ALTAMIRANO-ENCISO et al.,
2003).
Torna-se, inclusive, de grande importância enfatizar as considerações dos autores
a respeito de que constantemente são feitas inferências errôneas sobre a questão da origem
amazônica das LTA, quando são levadas em conta as assertivas de que nas populações
indígenas amazônicas nunca foram observadas lesões compatíveis com LTA e, portanto, não
haveria LTA nas florestas até fins do século XIX. Oswaldo Cruz e Carlos Chagas em seus
relatórios sobre o vale do Amazonas, em 1913, relatam a existência de lesões mucosas na
população não autóctone, conhecida pela denominação gallico e associadas equivocadamente
à sífilis ou “bouba brasiliana” (RABELLO, 1925 apud ALTAMIRANO-ENCISO et al.,
2003). Assim, pelo fato de que os indígenas não apresentavam tal manifestação da doença,
eram considerados indenes (PESSOA et al., 1948 apud ALTAMIRANO-ENCISO et al.,
2003). Atualmente, utilizando o teste intradérmico de hipersensibilidade aos antígenos de
leishmania (intradermorreação de Montenegro), tem se verificado que os nativos das terras
baixas tropicais apresentam uma elevada percentagem de infecção por leishmania de forma
inaparente ou subclínica, adquirida desde a infância, manifestando poucos casos de lesões
cutâneas e com elevada freqüência de cura espontânea (BARBOSA, 2001; COIMBRA JR. et
al., 1996 apud ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003), revelando particularidade do perfil
imunológico destes povos, provavelmente desenvolvida em tempos remotos.
A despeito de todas as dificuldades, no entanto, os incas formaram um grande
império, cuja população alcançou quase 12 milhões de habitantes.
31
No período da conquista da América, muitos mitmaq voltaram a suas terras de
origem e outros continuaram trabalhando nas terras dadas pelos incas. A partir de 1540,
diversas vilas organizaram-se sob o controle espanhol através do sistema de “reduções” 7. As
vilas européias, fundadas nas áreas expostas e planas perto dos rios e vales, tinham condições
precárias de saneamento básico e higiene, o que causava muitas doenças infecciosas,
principalmente na população nativa e nos mestiços. Nesse período, os indígenas que
habitavam as terras altas incluindo os mestiços e brancos, intensificaram o contato com a
Amazônia, motivados pela procura do ouro, de madeiras, da coca, da pimenta, de penas de
araras, de macacos e de plantas medicinais, incrementando a ocorrência da LTA e
contribuindo para o esquecimento das recomendações expressas pelas leis da cultura e da
religião incaica.
Por todos estes fatores, os autores apóiam a hipótese sugerida em 1994 por
Marzochi et al., quando baseados em estudos epidemiológicos e na distribuição geográfica
dos parasitas identificados como L. (V.) brasiliensis em diferentes ecossistemas, envolvendo
vetores e reservatórios diversos, lançaram a teoria de que a origem e a difusão da doença
humana tenha se iniciado a partir da região ocidental da amazônica, principalmente ao sul do
rio Marañón-Solimões-Amazonas.
Hoje admite-se que a leishmaniose no continente americano seja uma doença
autóctone, tendo recebido por isso a denominação de leishmaniose tegumentar americana
(MARZOCHI et al., 1999; PESSOA et al., 1948; NEIVA et al., 1917 apud ALTAMIRANOENCISO et al., 2003).
2.1.3 Origens e dispersão da LTA no Brasil
Considerando que os estudos atuais têm revelado que a leishmaniose tegumentar
americana surgiu na Amazônia em tempos arqueológicos, Vale e Furtado (2005) apóiam a
hipótese de que a LTA já era endêmica na região amazônica no início do século XIX, de onde
se difundiu para o restante das regiões Norte e Nordeste do país, por meio de migrações
humanas iniciadas com o ciclo da borracha, sugerindo que a doença se tenha expandido às
demais regiões do país por meio de migrantes que, após o declínio da extração do látex na
Amazônia, retornaram às suas origens na região Nordeste ou se dirigiram para a região
sudeste, principalmente Minas Gerais e São Paulo, atraídos pelo desenvolvimento gerado pelo
7
Nota dos autores: As reduções eram resultado de uma política social colonialista que consistia em capturar e
transladar diversas populações indígenas na condição de escravas, para fundar vilas e cidades européias em
regiões planas como Cuzco e Lima, entre outras.
32
cultivo do café. No entanto, essa onda de migração na direção sul teria ocorrido
posteriormente à observação de casos na Região Sudeste no final do século XIX e à
ocorrência da epidemia de LTA no noroeste paulista durante a primeira década do século XX.
Sendo assim, poderia estar certo Rabello (1925), autor da proposta de que a LTA da região
sudeste teria sido inicialmente proveniente da região amazônica ou mesmo da Bolívia, tendo
chegado a São Paulo via Mato Grosso.
Outra possibilidade considerada pelos autores seria a importação do Paraguai, via
Mato Grosso ou Paraná. Ainda que importada da Bolívia ou do Paraguai, a doença seria
também originária da Amazônia, mas, decorrente de migrações mais antigas que aquelas
ocorridas após a decadência econômica da borracha. Certamente, como relatam, estas últimas
migrações poderiam ser responsáveis pela grande epidemia de LTA observada na região
Sudeste a partir da década de 1930, que se estendeu até 1950. Além disso, novas migrações
humanas para o sul da Amazônia, geradas pela construção de estradas, exploração mineral e
extração da madeira, nas décadas de 1960, 1970 e 1980, teriam colaborado para o surgimento
de vários surtos epidêmicos e a franca expansão da endemia nos últimos vinte anos em
diversas regiões do Brasil (VALE & FURTADO, 2005).
Este modelo é reforçado pela comparação entre a heterogeneidade genética do
parasita observada na região amazônica frente a homogeneidade genética deste parasita fora
desta região, sugerindo sua introdução posterior, longe de sua origem. A persistência da L.
(V.) brasiliensis demonstrada em cicatrizes de LTA em pacientes associados a atividades
rurais após vários anos de cura clínica, reforça a possibilidade de o homem servir como fonte
de infecção e, portanto, também carrear o parasita para outras áreas onde existem os
transmissores, fazendo surgir novos focos da doença (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
2.2 Epidemiologia
2.2.1 Generalidades
33
Quanto aos perfis epidemiológicos que a doença pode assumir, distinguem-se três
padrões distintos:
•
Leishmaniose tegumentar puramente silvestre: É um padrão clássico, ligado às
atividades florestais e ao desmatamento, tendo animais silvestres como reservatórios e
geralmente se verifica na forma de surtos epidêmicos junto às frentes pioneiras de
colonização. Ocorre geralmente atrelada à derrubada das matas durante a construção
de estradas e instalação de povoados (colonização recente) e à exploração desordenada
das florestas pela extração de madeira, agricultura e mineração; por isso, ela atinge
especialmente homens que se dedicam a profissões que exigem o contato silvestre.
•
Leishmaniose tegumentar silvestre modificada: ocorre através de surtos epidêmicos
sazonais, em áreas com pequenos focos residuais de mata primária. A infecção tem
lugar na interface da área peridomiciliar e nas áreas de mata, onde o homem costuma
desenvolver atividades ligadas à agricultura, estando ligada às flutuações da densidade
populacional de flebotomíneos adaptados tanto às matas quanto às áreas próximas dos
domicílios. A infecção pode ocorrer em casa ou, por exemplo, durante um
deslocamento em que se passa eventualmente por um pequeno bosque. É comum em
áreas rurais de ocupação antiga.
•
Leishmaniose
tegumentar
periurbana:
ocorre
de
forma
endemo-epidêmica,
endomiciliar ou peridomiciliar, em áreas de colonização antiga onde há participação
de animais domésticos como reservatórios, por exemplo, cães e equinos, envolvendo a
participação de flebotomíneos adaptados às áreas modificadas pelo homem. A
presença das leishmanioses tegumentares, porém, em bairros completamente urbanos
é praticamente impossível, ocorrendo geralmente em bairros periféricos com presença
de matas alteradas (BASANO & CAMARGO, 2004; FERREIRA. P. 2006A).
2.2.2 Dados estatísticos
A LTA já foi descrita em todos os continentes, exceto na Antártida e Oceania
(FRANÇA, 2006), tendo ocorrência registrada em 88 países, 22 do Novo Mundo e 66 do
Velho Mundo (WHO, 2006), dos quais, 72 são países em desenvolvimento, incluindo 13 dos
países com menor índice de desenvolvimento do mundo. Estima-se que 350 milhões de
pessoas estão atualmente em risco de contraí-la, e que aproximadamente 12 milhões de
pessoas estão afetadas neste momento pela leishmaniose tegumentar, sendo a sua incidência
34
de cerca de 1,5 milhão de casos novos por ano (TDR, 2004). É considerada, desde 1993, pela
Organização Mundial de Saúde, a segunda dentre as seis doenças parasitárias mais freqüentes
no mundo. Do total de casos já registrados de LTA, mais que 90% ocorreram em apenas seis
países: Afeganistão, Arábia Saudita, Irã e Síria, no Velho Mundo; Brasil e Peru, na América
do Sul (WHO, 2006; BRASIL, 2006).
Nas Américas, distribui-se amplamente, desde o sul dos Estados Unidos até o
norte da Argentina (BRASIL, 1998), sendo o foco mais importante o sul-americano, que
compreende todos os países, com exceção do Uruguai e do Chile (GONTIJO &
CARVALHO, 2003).
No Brasil a LTA é encontrada atualmente em todos os estados, sob diferentes
perfis epidemiológicos. Ao analisarmos a evolução da LTA no Brasil, podemos observar que
houve uma expansão geográfica. No início da década de 80 foram registrados casos em 20
unidades federadas (UF) e a partir de 2001 todas as UF registraram casos autóctones da
doença. No ano de 1994 houve um registro de casos autóctones em 1.861 municípios, o que
representa 36,9% dos municípios do país; em 2002 houve uma expansão da doença para 2.302
municípios, ou seja, 41,1% do total.
Estima-se que ocorreram, entre 1980 e 2004, 585.965 casos autóctones
confirmados. Destes, a maior parte nas regiões Norte, com 216.359 casos, e Nordeste, com
212.762, havendo crescimento estatístico progressivo e registros ocasionais de surtos
epidêmicos. Ainda neste período (1980 a 2004), a LTA no Brasil apresentou coeficientes
médios de detecção que oscilam entre 3,8 a 22,9 por 100.000 habitantes, sendo registrados
coeficientes mais elevados nos anos de 1994 e 1995, quando atingiram níveis de 22,83 e
22,94 por 100.000 habitantes, respectivamente.
Salientamos que, até 2003, a região Nordeste estava em primeiro lugar na
ocorrência de casos confirmados de LTA, com 205.030 casos, superando os 203.062 casos
ocorridos na região Norte até então. Desta forma, as regiões Norte e Nordeste vêm
contribuindo com o maior número de casos registrados no intervalo de 1980 a 2004 (cerca de
36,9% e 36,3% do total de casos, respectivamente). A região Norte possui também, na
atualidade, os coeficientes de detecção mais elevados (99,8/100.000 habitantes), sendo
seguida pela região Centro-Oeste (41,8/100.000 habitantes) e Nordeste (26,5/100.000
habitantes). No Nordeste, o Ceará ocupa a terceira posição em casos confirmados de LTA
(dados de 1980 a 2004), ficando em primeiro lugar o estado do Maranhão com 72.677 casos, a
Bahia em segundo com 64.315 casos e o Ceará, com 52.713 casos, é seguido pelo Estado de
Pernambuco, com 11.922 casos (BRASIL, 2006).
35
Em nosso Estado foi registrado, em 2003, número absoluto de casos novos de
leishmaniose tegumentar de 1.413, com incidência expressivamente mais elevada na
microrregião de número 13, que corresponde a MR de Tianguá, com 570 casos registrados,
seguida pela MR número 4, de Baturité, com 157 casos, ocupando o terceiro lugar a MR 11,
de Sobral, com 139 casos, seguida da MR 21, de Juazeiro do Norte e MR 20, do Crato, com
125 e 71 casos registrados, respectivamente. Em 2004, houve aumento significativo no
número absoluto de casos novos confirmados, com registro de 2.085 casos, continuando a
microrregião de Tianguá ( MR 13) em primeiro lugar, com importante aumento para 1.048
casos, seguida da MR de Caucaia (MR 2), com 203 casos confirmados (onde haviam ocorrido
apenas 85 casos em 2003), ficando em terceiro lugar a MR de Fortaleza, com 149 casos (onde
haviam sido registrados apenas 65 casos no ano anterior), seguida da MR de Sobral (MR4) e
da MR de Crato (MR 20), com 147 e 122 casos, respectivamente. É importante observar que
ao analisarmos séries históricas de estatísticas em áreas endêmicas de LTA, podemos
constatar que há momentos de redução e recrudescimento da incidência de casos novos, o que
pode estar relacionado a inúmeros fatores, dentre eles as mudanças no padrão sócioeconômico da população, intensidade de atividades preventivas desenvolvidas, dentre elas as
educativas, além do estado imunológico das populações de uma determinada área endêmica
(sendo que a imunidade é conferida, em grande parte, através da infecção - manifesta ou
subclínica). Isto poderia, ao menos parcialmente, explicar a instabilidade dos dados ano a ano,
com elevações e reduções aparentemente inesperadas, como as que observamos. Melhor
compreensão destes dados podem ser obtidas através da visualização da quadro e do gráfico
seguinte, onde estão inclusos também, dados referentes a 2002 e 2005 (CEARÁ, 2005a;
2005b; 2005c; 2006). Vale salientar que se encontra no Apêndice A a distribuição
administrativa do Estado do Ceará em microrregiões os municípios que as integram.
36
Quadro 01 - Distribuição do número de casos confirmados em LTA anualmente por microrregião no
Estado do Ceará, de 2002 a 2005.
MR 1-Fortaleza
MR 2-Caucaia
MR 3-Maracanaú
MR 4-Baturité
MR 5-Canindé
MR 6-Itapipoca
MR 7-Aracati
MR 8-Quixadá
MR 9-Russas
MR 10-Lim. Norte
MR 11-Sobral
MR 12-Acaraú
MR 13-Tianguá
MR 14-Tauá
MR 15-Crateús
MR 16-Camocim
MR 17-Icó
MR 18-Iguatu
MR 19-B.Santo
MR 20-Crato
MR 21-Juazeiro
TOTAL
2002
85
161
104
297
1
174
2
4
3
152
3
879
2
31
13
4
13
24
70
94
2.116
2003
65
85
39
157
6
73
2
11
139
3
570
1
12
20
5
10
19
71
125
1.413
2004
149
203
30
113
8
78
2
2
1
147
1
1.048
1
16
27
8
21
12
122
96
2.085
2005
50
101
27
124
6
138
7
1
3
246
4
1.063
1
16
11
5
16
7
91
166
2.083
TOTAL
349
550
200
691
21
463
04
15
01
18
684
11
3560
05
75
71
22
60
62
354
481
7697
37
MR 21
MR 20
MR 19
MR 18
MR 17
MR 16
MR 15
MR 14
MR 13
MR 12
MR 11
MR 10
MR 9
MR 8
MR 7
2005
MR 6
2004
MR 5
2003
MR 4
2002
MR 3
MR 2
MR 1
0
200
400
600
800
1000
1200
Gráfico 01 - Distribuição do número de casos confirmados em LTA anualmente por microrregião no
Estado do Ceará, de 2002 a 2005.
38
2.2.3 -O agente etiológico e seus vetores
Figura 05 – Leishmania na forma promastigota
Fonte: FIOCRUZ
Das cerca de 30 espécies de leishmania que parasitam os mamíferos,
aproximadamente 21 delas são capazes de causar infecção em seres humanos, apresentando
profundas semelhanças morfológicas, podendo no entanto, serem diferenciadas através de
análises isoenzimáticas, métodos de estudo molecular, de anticorpos monoclonais e
hibridização de DNA, além da observação dos aspectos morfológicos, epidemiológicos e
clínicos, únicos recursos disponíveis no passado (SAMPAIO & RIVITTI, 2001; DPDx,
2006). Vejamos a seguir a classificação taxonômica das leishmanias como ponto de partida
para o estudo das espécies de interesse para a doença humana, particularmente da
leishmaniose tegumentar americana (LTA).
Quadro 02: Classificação taxonômica das leishmanias.
CLASSIFICAÇÃO
Reino
Sub-reino
Filo
Sub-filo
Classe
Ordem
Sub-ordem
Família
Gênero
Sub-gênero
TAXONOMIA
Protista
Protozoa
Sarcomastigophora
Mastigophora
Zoomastigophorea
Kinetoplastida
Trypanosomatina
Trypanosomatidae
Leishmania
Leishmania (L.)
PESQUISADORES
Haeckel, 1866
Goldfuss, 1817
Honigberg & Balamuth, 1963
Deising, 1866
Calkins, 1909
Hornigberg, 1963; Vickerman, 1976
Kent, 1880
Doflein, 1901; Grobben, 1905
Ross, 1903
Saf yanova, 1982
39
Viannia (V.)
Lainson & Shaw, 1972, 1974
FONTE: ALTAMIRANO-ENCISO, 2000; GONTIJO & CARVALHO, 2003
Atualmente são, pois, conhecidos, mais de vinte parasitas do gênero leishmania,
divididos nos troncos (sub-gêneros) Viannia, na América do Sul, e Leishmania, ao norte do
rio Amazonas-Solimões e no Velho Mundo (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003). Estes
podem ser diferenciados entre si pelas porções que ocupam no lúmen do trato digestivo do
inseto vetor, a saber: intestino anterior e médio, para o subgênero Leishmania; intestino
anterior, médio e posterior, para o subgênero Viannia (WUNDERLICH, G. 2006).
Segundo Sampaio e Rivitti (2001), os protozoários do sub-gêneros Leishmania e
Viannia compreendem várias espécies e subespécies que são incluídas em quatro complexos
principais: tropica, mexicana e braziliensis, que incluem os mais importantes agentes das
leishmanioses tegumentares, e o complexo donovani, que abrange os agentes das
leishmanioses viscerais. Vejamos o quadro a seguir:
Quadro 03 - Classificação dos subgêneros Leishmania e Viannia em complexos e subespécies.
Subgêneros
Leishmani
a
Viannia
Complexos
Leishmania tropica
Subespécies
tropica, major, minor e aethiopica
Leishmania mexicana
mexicana, amazonensis, pifanoi e
venezuelensis
Leishmania donovani
*
Leishmania
braziliensis
*
donovani, infantun, chagasi, sinesis e
nilótica
braziliensis, guyanensis, peruviana, lainsoni, naiffi e
shawi
*O termo Leishmania aqui se refere à citação do gênero.
FONTE: SAMPAIO & RIVITTI, 2001; VALE & FURTADO, 2005
Segundo o Manual de Controle da Leishmaniose Tegumentar Americana
(BRASIL, 2000), o subgênero Leishmania inclui, além dos complexos tropica, mexicana e
donovani, os complexos major (no qual está incluída a L. major) e aethiopica (no qual estão a
L. aethiopica e a L. garnhami). Quanto ao subgênero Viannia, este inclui os complexos
braziliensis (que engloba a L. braziliensis e L. peruviana) e guyanensis (que inclui a L.
guyanensis e L. panamensis). A L. lainsoni e a L. naiffi, estão descritas como pertencentes ao
subgênero Viannia, porém, não recebem especificação quanto ao complexo a que pertencem.
Vejamos esquematicamente a seguir:
40
Figura 06 - Classificação taxonômica da Leishmania.
A denominação das espécies de leishmania pode ser trinominal ou binominal.
Assim, pode-se usar a denominação Leishmania (V.) braziliensis braziliensis ou L.
(V.)braziliensis. Da mesma maneira, Leishmania (L.) mexicana amazonensis ou Leishmania
(L.) amazonensis e Leishmania (L.) donovani chagasi ou Leishmania (L.) chagasi
(SAMPAIO & RIVITTI, 2001).
No Brasil são reconhecidas pelo menos sete espécies de Leishmania responsáveis
pela doença humana, sendo a forma tegumenter causada principalmente pela L. (V.)
braziliensis, L. (V.) guyanensis e L. (L.) amazonensis e, mais raramente, pela L. (V.) lainsoni,
L. (V.) naiffi e L. (V.) shawi. Cada espécie apresenta particularidades concernentes às
manifestações clínicas, vetores, reservatórios e padrões epidemiológicos, à distribuição
geográfica e até mesmo à resposta terapêutica (VALE & FURTADO, 2005).
41
O gênero Leishmania, como já dito anteriormente (Introdução), compreende
protozoários com ciclo de vida digenético. Usa-se este termo porque o parasita tem duas
formas evolutivas. A primeira no hospedeiro animal e/ou humano. A outra ocorre nos vetores
invertebrados, os mosquitos flebotomíneos (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003), vivendo
alternadamente nos hospedeiros vertebrados e nos insetos vetores, estes últimos sendo
responsáveis pela transmissão dos parasitas de um mamífero a outro.
Nos hospedeiros mamíferos, representados na natureza por várias ordens e
espécies, os parasitas assumem a forma amastigota, arredondada e imóvel (GONTIJO &
CARVALHO, 2003), um corpúsculo oval ou circular de 2 a 5 micra de diâmetro, que se
alimenta das células sanguíneas do sistema retículo endotelial: os macrófagos, histiócitos,
monócitos e glóbulos brancos. (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003). À medida que as
formas amastigotas vão se multiplicando, as células parasitadas se rompem, liberando
leishmanias que são fagocitadas por outros macrófagos, reiniciando o ciclo, que pode evoluir
para a cura, quando prevalece o sistema fagocítico-imunitário do hospedeiro ou, do contrário,
a infecção pode continuar sua marcha, surgindo lesões cutâneas que podem tornar-se
disseminadas com invasão ulterior da mucosa nasofaríngea (GONTIJO & CARVALHO,
2003), processo que poderá vir a ser interrompido em qualquer tempo pelo tratamento eficaz.
A outra parte do ciclo vital ocorre nos vetores, que sugam junto com o sangue as
formas amastigotas de um animal infectado, alojando-se estas em partes de seu intestino,
transformando-se então nas formas promastigotas, de forma alongada e possuidoras de um
longo flagelo livre (BASANO & CAMARGO, 2004) que lhes permite impulsarem-se no
sistema
digestivo dos flebotomíneos (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003). Passam a
viver, portanto, em meio extracelular, na luz do trato digestivo do inseto vetor, multiplicandose aparentemente por divisão simples e assexuada, migrando para a probóscide do inseto após
aproximadamente 4 a 5 dias. A esta altura, bloqueiam o proventrículo, de onde podem ser
inoculadas na pele de um hospedeiro vertebrado, junto com a saliva (BASANO &
CAMARGO, 2004). As formas promastigotas são morfológica e bioquimicamente distintas
das formas amastigotas (GONTIJO & CARVALHO, 2003).
De modo geral, as leishmanioses constituem-se em zoonoses de animais
silvestres, incluindo marsupiais, desdentados, carnívoros e mesmo primatas, mais raramente
acometendo animais domésticos. O homem representa hospedeiro acidental e parece não ter
um papel importante na manutenção dos parasitas na natureza (GONTIJO & CARVALHO,
2003).
42
Os
vetores
da leishmaniose tegumentar
americana
são
os
mosquitos
flebotomíneos (Ordem Díptera; Família Psychodidae; Sub-Família Phlebotominae)
(BASANO & CAMARGO, 2004), pertencentes ao gênero Phlebotomus (Velho Mundo),
Lutzomyia e Psychodopygus (Novo Mundo), com vasta distribuição nos climas quentes e
temperados (RATH et al., 2003).
O interesse dos cientistas pelos mosquitos flebotomíneos começou a crescer
quando algumas espécies desses insetos foram apontadas como vetores de doenças
importantes para o homem (MELO, 2006), como a bartonelose, que é restrita aos altiplanos
andinos, e várias arboviroses com ocorrência inclusive no Brasil, sendo que, de maior
importância, pela distribuição geográfica e número de casos, são as leishmanioses. Nenhum
país no mundo tem tantas espécies de flebotomíneos como o Brasil, abrigando 229 espécies
conhecidas desse mosquito, 28,6 % do total e 47,7 % das que ocorrem na região neotropical,
sendo que 19 delas transmitem comprovadamente leishmania ao homem. Essa variedade se
deve à extensão territorial e ao fato de grande parte da Amazônia, com sua riquíssima fauna,
localizar-se aqui, sendo as primeiras espécies do Brasil descritas em 1907 (FERREIRA,
2006b; MELO, 2006).
Figura 07 – Mosquito flebotomínio
Fonte: FIOCRUZ
Das 700 espécies de flebotomíneos conhecidas no mundo, cerca de 400 ocorrem
no continente americano (CAMARGO-NEVES, 2000/2001); destas, catalogadas e
distribuídas desde o Sul do Canadá até o Norte da Argentina, pelo menos 200 ocorrem na
bacia amazônica (BASANO & CAMARGO, 2004). Pertencem ao tipo dos dípteros de
atividade crepuscular e pós-crepuscular. São pequenos, menores que os pernilongos comuns;
43
cobertos de pêlos e em sua maioria de coloração clara, cor de palha ou castanho claro
(CAMARGO-NEVES, 2000/2001), sendo possuidores de estrutura física muito frágil, com
fina cutícula, daí procurarem locais protegidos da luminosidade e da movimentação dos
ventos para se abrigarem (FERREIRA, 2006b), vivendo preferencialmente ao nível do solo,
próximos à vegetação, em raízes tubulares das árvores, depressões, buracos e ocos de troncos
ou bambus, abrigando-se durante o dia nestes lugares úmidos, sombrios e bem protegidos, que
tenham alimento por perto, podendo ser encontrados também em tocas de animais silvestres,
entre e sob as rochas e fendas. No ambiente domiciliar e peridomiciliar abrigam-se em
chiqueiros de porcos, galinheiros, paióis e bananais, tendo algumas espécies grande
capacidade de se adaptarem ao ambiente domiciliar humano, quando ocorre destruição do seu
habitat natural. Ele é facilmente reconhecível pelo seu comportamento ao voar em saltitos e
pousar com as asas entreabertas e eretas, ao invés de as cruzarem sobre o dorso (CAMARGONEVES, 2000/2001; FERREIRA, 2006b).
De um modo geral, para seu desenvolvimento requerem temperaturas entre 20° e
30°C, umidade superior a 80% e matéria orgânica. Ambos os sexos necessitam de
carboidratos, que são extraídos da seiva de plantas e néctar de flores e frutas, como fonte
energética. As fêmeas precisam ingerir também sangue para o desenvolvimento dos ovos
(CAMARGO-NEVES, 2000/2001). Por essa razão, só elas são hematófagas e dotadas de
aparelho bucal e probócide adequado para sugar o sangue e, conseqüentemente, estão
envolvidas na transmissão de doenças aos humanos e animais (FERREIRA, 2006b).
Costumam então picar do pôr do sol (crepúsculo) até a madrugada, preferencialmente a partir
das 20:00 horas (CAMARGO-NEVES, 2000/2001; FERREIRA, 2006b). Elas geralmente
realizam um repasto sanguíneo completo para se dar um ciclo gonotrófico, e após realizarem
o primeiro repasto sanguíneo em um reservatório natural do parasita, podem se infectar, ou
seja, adquirir os protozoários. Estes irão então sofrer os processos de diferenciação e
multiplicação no trato digestivo da fêmea (FERREIRA, 2006b).
A digestão do sangue dura em torno de 72 horas em média, dependendo da
espécie, porém após o sangue ser digerido e os ovos estarem madurecidos, a grande maioria
das fêmeas morre após a postura dos ovos, já que há um desgaste energético extremo. As
poucas fêmeas sobreviventes necessitam realizar uma segunda alimentação sanguínea, para da
mesma forma maturarem seus ovos. É neste momento que elas transmitem a leishmaniose,
pois no ato da picada injetam as formas flageladas da leishmania na corrente sanguínea de sua
vítima.
44
Ao contrário dos mosquitos que colocam seus ovos em meios aquáticos, a fêmea
do flebotomíneo põe seus ovos no solo das floretas ou em ambientes modificados pela ação
humana. As larvas provenientes da eclosão dos ovos alimentam-se da matéria orgânica
presente no solo e passam por quatro estágios ou fases no decorrer de seu desenvolvimento:
ovo, larva, pupa e inseto adulto (FERREIRA, 2006b).
A oviposição é feita em número de 40 a 70 ovos, sendo que estes agrupam-se em
lugares úmidos e com presença da matéria orgânica que servirá de alimento para as larvas,
ficando aderentes ao substrato, graças a substâncias viscosas que acompanham as desovas. O
período de incubação estende-se de 6 a 17 dias, variando conforme a temperatura. A eclosão,
geralmente se dá entre 7 a 10 dias após a postura. Então surgem as larvas que passarão por 2
mudas, variando no seu período de desenvolvimento, conforme a espécie, o alimento
disponível e o clima, podendo durar de 18 dias até meses nas épocas frias e secas. Após esta
fase evoluem as pupas. As pupas não se alimentam e permanecem imóveis. A duração do
período pupal varia de 7 a 12 dias, dependentes também da temperatura e de fatores genéticos.
Após a fase de pupa evoluem para a fase adulta (USSUI & NEVES, 2000/2001).
A eclosão dos machos inicia-se antes das fêmeas, ocorrendo preferencialmente à
noite. A cópula ocorre em superfície, mesmo quando a fêmea está se alimentando. A duração
do ciclo de vida total varia em torno de 28 a 75 dias, alcançando aproximadamente 30 dias o
desenvolvimento do avo ao adulto, cuja longevidade é de cerca de 20 dias, à temperaturas de
20° C em meio natural. As temperaturas inferiores afetam o crescimento larvário e a atividade
do inseto adulto torna-se diminuída, aumentando portanto o tempo de desenvolvimento do
ovo ao adulto A longevidade da forma adulta, em laboratório, é de cerca de 1 mês, com dieta
de açúcares e sangue (CAMARGO-NEVES, 2000/2001; USSUI & NEVES, 2000/2001).
A sazonalidade e a densidade são dependentes de alguns fatores, como
temperatura, umidade (chuvas) e
velocidade dos ventos, podendo aumentar nos meses
quentes e úmidos, diminuindo seu número nos meses frios e secos (USSUI & NEVES,
2000/2001).
Para melhor compreensão da ocorrência das diferentes espécies de flebotomíneos
implicados na cadeia de transmissão das LTA no Brasil, serão apresentadas suas relações com
os respectivos tipos de leishmanias nas diferentes regiões do país, na sessão que segue abaixo.
Leishmania (Viannia) braziliensis
Esta forma apresenta distribuição em todo território nacional, além de vários
países da América Central e do Sul (de Belize até a Argentina), sendo provável que nem todas
45
correspondam exatamente ao mesmo parasita, mas que exista um complexo de subespécies.
Podem ser citados como vetores relacionados o Psychodopygus wellcomei, a Lutzomyia
whitmani, Lu. migonei, Lu. pessoai, Lu. intermédia e Lu. carrerai. Causa no homem a
leishmaniose cutânea e cutâneo-mucosa (BASANO & CAMARGO, 2004).
Na Amazônia, a infecção é usualmente encontrada em áreas de terra firme, ou
seja, que não alagam-se nos períodos chuvosos. Os hospedeiros naturais são desconhecidos e
o único vetor que pode der identificado é o Psychodopygus wellcomei, na Serra dos Carajás,
altamente antropofílico. Tem como hábito picar o homem mesmo durante o dia e apresenta
grande atividade na estação das chuvas.
Em outras regiões do país, em áreas de colonização antiga, onde o ambiente se
encontra profundamente modificado, ainda é a L. (V.) braziliensis o agente mais
freqüentemente encontrado, assumindo características epidemiológicas distintas no decorrer
do tempo, de acordo com a distribuição das diversas espécies de flebotomíneos envolvidos na
sua transmissão.
No passado, nas décadas de 30 e 40, durante o processo de colonização das
regiões Sul e Sudeste, a transmissão esteve associada aos vetores Lutzomyia whitmani, Lu.
pessoai e Lu. migonei, de comportamentos silvestres.
Atualmente, nessas regiões, coincidindo com a antiga distribuição da Mata
Atlântica, a L. (V.) braziliensis encontra-se associada à Lutzomyia intermedia nas áreas
endêmicas litorâneas dos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, assim como
nos vales dos grandes rios do interior de São Paulo e Paraná, onde o vetor é encontrado dentro
e ao redor das habitações e em abrigos de animais domésticos.
No Estado de Minas Gerais e em áreas do interior da Bahia, o flebotomíneo
implicado é o Lutzomyia whitmani, encontrado nas imediações dos domicílios, em plantações
de bananeiras e em áreas de florestas.
No estado do Ceará, a principal forma de transmissão é a periurbana. Na serra de
Baturité o flebotomíneo é o Psychodopigus wellcomei e está relacionado com áreas de
florestas (BRASIL, 2000).
Nas áreas de domínio do Lutzomyia
whitmani e, principalmente, Lutzomyia
intermedia, a endemia perde seu caráter de transmissão em região de floresta e sua ligação
com as atividades ocupacionais, atingindo indivíduos de ambos os sexos e todos os grupos
etários, com tendência a concentração familiar dos casos nas residências situadas próximas às
encostas dos morros. Crianças e mulheres são atingidas com freqüência. As lesões podem
acontecer em pálpebras ou em áreas normalmente cobertas pelo vestuário, sugerindo que a
46
transmissão com grande freqüência, ocorre no interior das habitações. As populações
atingidas são, em geral, de baixo padrão sócio-econômico.
O Lutzomyia intermedia é o flebotomíneo mais freqüente encontrado dentro do
domicílio e nos abrigos de animais domésticos dessas áreas endêmicas, devido à sua grande
adaptação a ecótopos artificiais, principalmente quando próximos a áreas com cobertura
vegetal (efeito marginal), sendo sua presença no ambiente florestal bastante rara. A
característica focal de transmissão sugere uma adaptação do agente etiológico aos ciclos que
se completam em micro ambientes modificados pelo homem, tanto em áreas rurais, como na
periferia de grandes cidades, fazendo crer que o saneamento ambiental, o controle de vetores
e a diminuição das possíveis fontes de infecção possam ser procedimentos eficazes no seu
controle (BRASIL, 2000).
Existem poucas informações sobre seus hospedeiros silvestres, tendo sido
relatados parasitas semelhantes em roedores como Akodon sp., Proechimys sp., Rattus sp.,
Oryzomys sp. e Rhipidomys sp. e no marsupial Didelphis sp. Na transmissão peridoméstica,
apresentam-se como hospedeiros: cavalos, cães, jumentos e até gatos (BASANO &
CAMARGO, 2004).
De acordo com o Manual de Controle da Leishmaniose Tegumentar Americana
(BRASIL, 2000), é freqüente em nosso país, o encontro de várias espécies domésticas, como
o cão (Ceará, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo), eqüinos e mulas (Ceará,
Bahia e Rio de Janeiro) e roedores domésticos ou sinantrópicos (Ceará e Minas Gerais),
albergando em proporção excessiva o parasita.
A existência de animais silvestres como fonte natural de infecção, ainda
insuficientemente estudada, parece incapaz de explicar a totalidade dos casos humanos
encontrados. Este aspecto leva a supor que outros ciclos, dos quais o homem e animais
domésticos participam, estariam sendo instalados com risco de acometer populações bem
mais numerosas do que aquelas que eventualmente penetram nas matas.
A doença cutânea causada pela L. (V.) braziliensis é caracterizada por úlcera única
ou múltipla, cuja principal complicação é a metástase por via hematogênica para as mucosas
da nasofaringe, com destruição desses tecidos.
Felizmente, a freqüência desta complicação vem sendo reduzida, não excedendo a
2% dos casos nas áreas endêmicas conhecidas. Provavelmente esta redução relaciona-se com
o diagnóstico e tratamento precoces (BRASIL, 2000).
Leishmania (Viannia) guyanensis
47
Ela é encontrada, na América do Sul, distribuída no Brasil, Guianas, Peru,
Equador e Venezuela (BASANO & CAMARGO, 2004).
No Brasil, está aparentemente limitada ao norte da Bacia Amazônica (Amapá,
Roraima, Amazonas e Pará), sendo encontrada principalmente em florestas de terra firme.
Vários mamíferos silvestres foram identificados como hospedeiros naturais, tais como: a
preguiça (Choloepus didactylus), o tamanduá (Tamandua tetradactyla) (BRASIL, 2000),
além do marsupial Didelphis sp. e do roedor Proechymis sp. (BASANO E CAMARGO,
2004). A infecção animal é geralmente inaparente, com parasitas encontrados na pele e
vísceras (BRASIL, 2000).
Os vetores são Lutzomyia anduzei, Lu. whitmani e Lu. umbratilis, sendo este
último o principal vetor, costumando pousar durante o dia em troncos de árvores e atacar o
homem em grande quantidade quando perturbado (BRASIL, 2000). Durante o dia
(principalmente) ou à noite, ao atacarem em grande número, dão origem a inúmeras lesões
(disseminadas também pela via linfática), quadro denominado pian-bois. Causam no homem a
leishmaniose cutânea, com múltiplas lesões, e raramente lesões nas mucosas (BASANO &
CAMARGO, 2004), podendo manifestar-se menos comumente através de lesão única
(BRASIL, 2000; BASANO & CAMARGO, 2004).
A doença atinge principalmente indivíduos do sexo masculino, jovens e adultos
em fase produtiva, o que caracteriza a ocorrência ocupacional nas frentes de trabalho,
associada ao desflorestamento, penetração em áreas de florestas virgens e exercícios militares.
Em áreas endêmicas pode haver percentuais expressivos de crianças acometidas pela doença
(BRASIL, 2000).
Leishmania (Leishmania) amazonensis
Por sua vez, esta forma se distribui no Brasil principalmente pelas florestas
primárias e secundárias da Amazônia (Amazonas, Pará, Rondônia, Tocantins e sudoeste do
Maranhão), particularmente em áreas de igapó e de floresta tipo várzea. Sua presença ampliase para o Nordeste (Bahia), Sudeste (Minas Gerais e São Paulo) e Centro-Oeste (Goiás). Está
presente também em outros países como Colômbia, Paraguai, Bolívia e Guiana Francesa
(BRASIL, 2000; BASANO & CAMARGO, 2004).
Tem como hospedeiros naturais várias espécies, principalmente o roedor ”ratosoiá” (Proechymis) e o Oryzomys, que às vezes, apresenta o parasita na pele sem lesões
(BRASIL, 2000), além de outras como: Neacomys sp., Nectomys sp. e Dasyprocta sp.; os
48
marsupiais Metachirus sp., Philander sp., Didelphis sp. e Marmosa sp., assim como a raposa
Cerdocyon thous (BASANO & CAMARGO, 2004).
Seus principais vetores são a Lutzomyia flaviscutellata, que é o mais importante
(BASANO & CAMARGO, 2004), Lu. reducta e Lu. olmeca nociva, encontrados no Estado
do Amazonas e em Rondônia. Têm hábitos noturnos e vôo baixo, sendo pouco antropofílicos
(BRASIL, 2000).
A doença humana é relativamente rara, podendo ocorrer lesão ulcerada,
geralmente única. Alguns indivíduos podem desenvolver o quadro da leishmaniose cutânea
difusa, caracterizado por infiltrações, pápulas e tubérculos, envolvendo extensas áreas
cutâneas. No exame direto ou à histopatologia, verifica-se grande quantidade de leishmanias.
Esta forma da doença, até o momento, é apenas controlável, sem ocorrer cura. Representa a
variedade anérgica da leishmaniose tegumentar (BRASIL, 2000).
Leishmania (Viannia) lainsoni
Distribui-se pela região amazônica, sendo descrita até então no Pará, e em recente
estudo em Rondônia. Tem como hospedeiro a paca (Agouti paca), e como único vetor
conhecido e de baixa antropofilia a Lutzomyia ubiquitalis, causando com pouca freqüência a
leishmaniose cutânea (BASANO & CAMARGO, 2004).
Leishmania (Viannia) naiffi
Sua presença é verificada, no Brasil, nos Estados do Amazonas e Pará, estando
presente também na Guiana Francesa. Tem como hospedeiro natural o tatu (Dasypus
novemcinctus), sendo transmitido provavelmente por três espécies de flebotomíneos:
Psychodopigus paraensis, Ps. Ayrozay, Ps. Squamiventris; que apresentam alta antropofilia e
cujos hábitos zoofílicos são pouco conhecidos. Causa no homem principalmente a
leishmaniose cutânea (BASANO & CAMARGO, 2004) com evolução caracteristicamente
benigna (GONTIJO & CARVALHO, 2003).
.Leishmania (Viannia) shawi
Responsável por casos esporádicos no Amazonas e no Pará (GONTIJO &
CARVALHO, 2003), tem como hospedeiro os macacos Cebus apella e Chiropotes satanas; a
preguiça “real”, Choloepus didactylus; o “bentinha” Bradypus tridactylus e o quati Nasua
nasua. O vetores pertencem ao complexo Lutzomyia whitmani, que têm como habitat natural
troncos de árvores das florestas primárias, atacando avidamente quando molestados
49
(BASANO & CAMARGO, 2004) e a Lutzomyia intermédia (GONTIJO & CARVALHO,
2003).
2.2.4 Histórico das pesquisas
Durante muitos anos, as lesões cutâneo-mucosas manifestas pela leishmaniose
tegumentar, assim como a variante visceral da doença, instigaram vários pesquisadores,
originando estudos que impulsionaram a elucidação de importantes questões ligadas à
leishmaniose. Relacionamos alguns desses estudos de forma bastante resumida a seguir:
1571
Pedro Pizarro relatou que povos situados nos vales quentes do Peru eram
dizimados por uma doença que desfigurava o nariz, que veio a ser, muito tempo
depois, caracterizada como leishmaniose tegumentar americana (RATH et al.,
2003).
Século
Conhecimento do “botão d’Alep” (botão de Aleppo, na Síria) (ALTAMIRANO-
XVIII
ENCISO et al., 2003).
1835
Médicos gregos assinalaram a existência na ilha de Hidra, próximo à Creta, de
uma esplenomegalia infantil que, segundo os registros, assemelhava-se ao calazar
(ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
1844
Descrição do “botão de Biskra”, durante a ocupação militar em Biskra, no Irã, pelo
exército Francês (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
1884
Breda, na Itália, descreve casos de “buba brasiliana” em imigrantes italianos que
retornavam de São Paulo, e que, na verdade, tratavam-se de casos de leishmaniose
tegumentar ( RABELLO,1925 apud VALE & FURTADO, 2005).
1885
Cunningham, na Índia, observa formas amastigotas em casos de leishmaniose
visceral (calazar). Primeiro relato na história de descoberta do parasita da
leishmaniose (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
1885
Alexandre Cerqueira, na Bahia, foi o primeiro a identificar a moléstia cutânea no
Brasil (GONTIJO & CARVALHO, 2003).
1891
Firth fez observações semelhantes às de Cunningham, e propôs o nome de
Esporozoa furunculosa para as grandes células que continham os “esporos”. Como
o nome foi dado a células que supõe a presença de amebas e que, como hoje
sabemos, são na verdade células de tecido, a denominação de Firth não foi aceita
para o protozoário (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
50
1895
Juliano Moreira, estudando o “botão da Bahia”, o relaciona pela primeira vez ao
botão endêmico dos países quentes (“botão do Oriente”), quando é então sugerida
a possível importação da doença, por meio de incursões sírias ao Novo Mundo em
tempos remotos (RABELLO, 1925 apud VALE & FURTADO, 2005),
possibilidade pouco aceita posteriormente no meio científico. Rabello (1925)
atribuiu essa correlação a Moreira e não a Cerqueira. Este último, na verdade teria
estudado anteriormente doentes com “botão da Bahia”, sem entretanto, estabelecer
qualquer associação entre essa patologia e a doença oriental (VALE &
FURTADO, 2005).
1898
Peter Fokitsch Borovsky demonstrou ser um protozoário o agente etiológico do
“botão d’Aleppo”, “botão de Deli” ou “botão do Oriente”, publicando a primeira
descrição clara do parasita em uma revista militar russa, mas sem lhe dar nome.
Estas pesquisas esclareceram questões ligadas à etiologia do calazar e do botão do
Oriente, mas a referência não foi conhecida no Ocidente até depois da Segunda
Guerra Mundial. Assim, o crédito de suas descobertas sobre o parasita é
freqüentemente dado a James Homer Wright, pela Leishmania tropica, em 1903
(ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
1900
William Leishman, médico inglês, pesquisando em Nettley, teria começado a
estudar as formas amastigotas, dando origem a um grande ciclo de descobertas
sobre o parasita (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
1903
William Leishman, em 30 de maio deste ano, noticia a semelhança do agente
causador da leishmaniose visceral com as formas arredondadas do tripanossomo,
anunciando que um protozoário de formas tripanossomatídeas era o causador do
calazar. Inicia-se desta forma, a resolução das dúvidas a respeito do agente
etiológico da moléstia tratar-se de um esporozoário ou um protozoário,
questionamento sempre presente nas discussões da época (ALTAMIRANOENCISO et al., 2003).
1903
Charles Donovan, outro médico inglês, também realiza, em 11 de julho, descrições
do parasita causador do calazar indiano, conhecido mais tarde como Leishmania
donovani (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003; FIOCRUZ, 2006).
1903
Laveran e Mesnil, ao examinar alguns preparados de Donovan, propuseram o
nome de Piroplasma donovani, uma forma de esporozoário; contudo, foram eles
próprios que, mais tarde, chamaram o agente das infecções viscerais da Índia de
Leishmania donovani (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003; FIOCRUZ, 2006).
51
1903
Ronald Ross, outro destacado médico inglês, demonstrando que os organismos
evidenciados na preparação de Donovan não eram esporozoários como este havia
pensado, estabeleceu para eles um novo gênero, o Leishmania, agente causal das
leishmanioses, em honra à Leishman (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003;
FIOCRUZ, 2006).
1903
James Homer Wright, descreve o parasita do botão do Oriente, conhecido hoje
com o nome de Leishmania tropica (FIOCRUZ, 2006). Enquanto trabalhava em
Boston, obteve amostras retiradas das úlceras de uma criança procedente da Síria
(Armênia) e observou as formas parasitárias do botão do Oriente, propondo um
nome para o agente causal: Welcozoma tropicum ou Helcosoma tropicum
(ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
1904
Rogers constatou que o parasita de Leishman e Donovan desenvolvia-se no sangue
humano sob a forma de flagelados que se assemelhavam, em sua evolução,
primeiro aos tripanossomas e depois aos herpetemomas, organismos pertencentes à
família Trypanosomatidae, onde foram também inseridas posteriormente as
leishmanias, porém, em um gênero diverso (BRASIL, 2000; ALTAMIRANOENCISO et al., 2003).
1904
Marzinowsky e Bogroff, Entre 1904 e 1908, confirmaram a existência, no botão
do Oriente, do parasita que Wright (1903) havia encontrado nos focos endêmicos
dessa dermatose (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
1904
Diferentes pesquisadores afirmaram que o calazar não era exclusivo da Índia, pois
haviam sido constatados vários casos também na China (ALTAMIRANOENCISO et al., 2003).
1904
Laveran e Cathoire publicaram estudos sobre os primeiros casos de calazar
registrados na Tunísia (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
1906
As dúvidas de que a L. donovani e a L. tropica fossem tripanossomatídeos e não
piroplasmas (esporozoários) foram dissipadas totalmente quando Carlos Chagas
demonstrou as formas flageladas de ambos os parasitas em meio agar-sangue de
coelho in vitro (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
1908
Rogers e Nicolle reproduziram o experimento de Carlos Chagas, confirmando sua
descoberta (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
1908
Nicolle, tecendo comentários a respeito de que Wright, tendo incluído, em 1903, o
parasita por ele identificado num caso de leishmaniose tegumentar num grupo
52
especial, por ele denominado Welcozoma, criando a espécie Welcozoma tropica, e
sendo observada depois grande proximidade morfológica entre este e o agente do
calazar indiano, sugeriu que a distinção genérica não poderia permanecer, devendo
o parasita ser também incluído no gênero Leishmania, dele se fazendo a espécie
Leishmania tropica (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
1908
Nicolle propõe o estabelecimento de uma nova espécie de leishmania, além das
variedades Leishmania donovani (agente causador do calazar indiano) e
Leishmania tropica (agente responsável pelo botão do Oriente): a Leishmania
infantum. Apoiou-se, para isso, na observação de que o calazar na região do mar
mediterrâneo apresentava a característica distinta de acometer particularmente as
crianças, o que evidenciava diferenças entre o organismo causador da doença entre
uma região e outra e justificaria sua proposta. Observou ainda que a Leishmania
infantum era facilmente cultivada no meio Novy-Mac Neal, um composto líquido
de algas agar e sangue de coelho, verificando em estudos sobre o calazar um novo
elemento estrutural da leishmania, que denominou rizoplasta. Nicolle demonstrou
também, entre 1908 e 1910, que o calazar infantil podia ser inoculado em
cachorros e alguns macacos, e que os cães da Tunísia eram portadores de uma
leishmaniose muito próxima à humana. Surgiu então a hipótese de que a doença
poderia ser transmitida para as crianças através das pulgas (ALTAMIRANOENCISO et al., 2003).
1908
Carlos Chagas acentuou os aspectos morfológicos da Leishmania tropica, visto
que observou um filamento cromático, denominado impropriamente rizoplasta por
Nicolle, pois se tratava, na verdade, da estrutura flagelar do parasita. Estes
organismos munidos de flagelos foram amplamente observados por Wright, no
Velho Mundo, e no Brasil, por Gaspar de Oliveira Vianna (ALTAMIRANOENCISO et al., 2003).
1908
Laveran obteve infecções generalizadas da doença inoculando Leishmania tropica
de Botão do Oriente em pequenos roedores. Os primeiros resultados da
experimentação em cachorros e macacos, obtidos com parasita tunisiano e com o
indiano, pareciam confirmar a existência de duas espécies de leishmaniose, como
admitido por Nicolle (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
1909
Os primeiros casos de identificação dos parasitas da leishmaniose cutânea nas
Américas foram descritos por Carini e Paranhos, no Sul do Brasil
(ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003), quase simultaneamente às descobertas de
53
Lindenberg (VALE & FURTADO, 2005), que encontrou formas de leishmania,
idênticas à Leishmania tropica (Wright, 1903) da leishmaniose do Velho Mundo,
em lesões cutâneas de indivíduos que trabalhavam nas matas do interior do Estado
de São Paulo (BASANO & CAMARGO, 2004).
1909
A leishmaniose mucosa é descrita como uma doença distinta também no Brasil
(ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
1910
Splendore identifica o agente em lesões mucosas (VALE & FURTADO, 2005).
1911
Gaspar de Oliveira Vianna, por considerar o agente etiológico descrito no Brasil
diferente da Leishmania tropica (Wright, 1903), o denomina Leishmania
brasiliensis (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003), ficando assim designado o
agente etiológico da “úlcera de Bauru”, “ferida brava” ou “nariz de tapir”
(BASANO & CAMARGO, 2004). Atualmente, a forma adotada é a inglesa,
Leishmania braziliensis (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
1911
Gaspar Vianna realiza o descobrimento do tártaro emético como tratamento para a
leishmaniose, embora só o comunique no ano seguinte durante o Congresso de
Dermatologia, realizado em Belo Horizonte (VALE & FURTADO, 2005).
1913
Rabello propõe a expressão “leishmaniose tegumentar”, que abrangendo as lesões
cutâneas e mucosas de diversas morfologias, permite sua distinção da forma
visceral da leishmaniose (VALE & FURTADO, 2005).
1922
Aragão demonstra pele primeira vez o papel do flebotomíneo na transmissão da
leishmaniose tegumentar (USSUI & NEVES, 2000/2001), apesar de que, desde
1911, já se suspeitava de que os Phlebotomus fossem os transmissores da doença
(ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
1925
No primeiro e segundo fascículos do volume 1 dos Annaes Brasileiros de
Dermatologia e Syphilografia, Eduardo Rabello publica na seção de “Memórias
originais” o trabalho intitulado “Contribuições ao estudo da leishmaniose
tegumentar no Brasil”, que tratava do histórico e sinonímia da doença, importante
obra até hoje freqüentemente citada pelos estudiosos da leishmaniose tegumentar
americana (VALE & FURTADO, 2005).
2.2.5 Panorama social da LTA
Tejada (1973), que estudou 219 pacientes com leishmaniose mucosa nas regiões
amazônicas de Madre de Dios e Cusco, no Peru, revela que os doentes com este mal eram
54
pobres, humildes, tidos como hediondos, vivendo em péssimas condições de higiene.
Desconfiados e ariscos, consideravam-se repudiados pela sociedade por possuírem rostos
desfigurados. Psiquicamente sentiam-se incuráveis, horríveis e escondiam-se, às vezes com
desejos de suicídio. Enfim, caracterizavam-se por serem solitários, excluídos, frustrados e
deprimidos, com enorme complexo coletivo de inferioridade. Quando os chefes de família
adoeciam, eram as mulheres que assumiam o sustento do grupo através do trabalho. Os filhos
do doente também eram vítimas da exclusão e do preconceito promovido pelos próprios
companheiros da comunidade. O estigma e as humilhações também se estendiam a outras
doenças que produziam lesões semelhantes à leishmaniose mucosa, como a lepra, sífilis,
tuberculose, câncer, esporotricose e traumatismos faciais. Este dado etnográfico reforça o
problema psico-social da espundia na atualidade (ALTAMIRANO-ENCISO et al., 2003).
Por estes e por todos os aspectos demonstrados até agora, constatamos a
importância de nos determos sobre o estudo da leishmaniose tegumentar americana e seu
tratamento, realizado principalmente através dos antimoniais pentavalentes, fazendo-se
necessária a estimativa da prevalência real dos inúmeros efeitos colaterais deste fármaco em
nosso meio, tanto para verificar a concordância destes dados com a nossa realidade sócioepidemiológica, quanto para proporcionar aos nossos profissionais de saúde este
conhecimento, levando em consideração que a consciência dos efeitos colaterais mais
freqüentes em nosso panorama social, econômico e cultural, pode contribuir na formação de
uma estrutura mais eficaz para evitá-los e/ou combatê-los, assim como no aprimoramento de
recursos humanos e materiais, com conseqüente facilitação da criação e execução de rotinas
apropriadas no manejo destas intercorrências, considerando que muito freqüentemente estes
profissionais se encontram realizando o tratamento da LTA com recursos precários
(notadamente nas zonas rurais e distritais), submetidos a morosidade na realização e entrega
de exames complementares para avaliação dos efeitos colaterais do medicamento e tantos
outros fatores que impossibilitam uma avaliação adequada dos pacientes (tão comuns nos
países em desenvolvimento, como o Brasil), gerando riscos para ambos, profissionais e
doentes.
A própria relevância da leishmaniose tegumentar americana em nosso Estado e
região, vista anteriormente através de sua incidência e alastramento progressivo, constitui-se
em importante justificativa social para a realização deste estudo.
2.3 A Leishmaniose Tegumentar Americana
55
2.3.1 Aspectos clínicos
As lesões de pele podem traduzir a forma localizada (única ou múltipla), a forma
disseminada (lesões muito numerosas em várias partes do corpo) e a forma difusa. Na maioria
das vezes, a doença apresenta-se como uma lesão ulcerada única. Nas formas localizada e
disseminada, a lesão ulcerada franca é a mais comum e se caracteriza por úlcera com bordas
elevadas, em moldura. O fundo é granuloso, com ou sem exsudação. Em geral, as úlceras são
indolores. Observam-se também outros tipos de lesão como o úlcero-crostoso, impetigóide,
ectimatóide, úlcero-vegetante, verrucoso, tuberoso, liquenóide e outros. Nestas formas, na
fase inicial, é freqüente a linfangite e/ou adenopatia satélite, que pode preceder a lesão de
pele. Ás vezes, no cordão linfático, podem se desenvolver nódulos que se ulceram, lembrando
a esporotricose. As formas localizada e disseminada costumam responder bem à terapêutica
tradicional (BRASIL, 2000).
Na apresentação mucosa da LTA as lesões são, mais comumente, secundárias às
lesões cutâneas, surgindo meses ou anos após a resolução das lesões de pele. Às vezes, não se
identifica a porta de entrada, supondo-se que as lesões sejam originadas de uma infecção
subclínica (BRASIL, 2000). No entanto, as lesões mucosas também podem aparecer
precocemente, mas surgem, na maioria dos casos, um ou dois anos após o início da infecção e
são devidas geralmente à disseminação hematogênica. Há primeiramente eritema e discreta
infiltração do septo nasal, seguindo-se processo ulcerativo que se desenvolve acometendo a
mucosa das faces laterais das asas nasais e elementos contíguos (SAMPAIO & RIVITTI,
2001). Desta forma, são mais freqüentemente acometidas as cavidades nasais, seguidas da
faringe, laringe e cavidade oral. As queixas mais comuns no acometimento nasal são:
obstrução, epistaxe, rinorréia e crostas; da faringe, odinofagia; da laringe, rouquidão e tosse;
da cavidade oral, feridas na boca. As lesões podem ser discretas e com poucos sintomas, daí a
necessidade de sempre se buscar a identificação da doença nas mucosas. Ao exame clínico,
podem ser observadas nas áreas atingidas: infiltração, ulceração, perfuração do septo nasal,
lesões úlcero-vegetantes, úlcero-crostosas ou úlcero-destrutivas. A evolução da doença e a
infecção secundária podem atingir a estrutura cartilaginosa do nariz e comprometer os ossos
da face, produzindo quadros de severo acometimento do maciço centro-facial, com destruição
parcial ou total da pirâmide nasal e outras estruturas afetadas da boca e vias aéreas superiores
(BRASIL, 1998; SAMPAIO & RIVITTI, 2001).
Outras mucosas, como língua e órgãos genitais, são raramente atingidas. A
presença de uma ou várias cicatrizes atróficas em pele ou história de úlcera cutânea com
56
evolução prolongada, ao lado das queixas acima referidas, reforçam o diagnóstico clínico de
leishmaniose mucosa. A ausência de cicatrizes não afasta a suspeita clínica de acometimento
mucoso por leishmaniose (BRASIL, 1998).
A apresentação mucocutânea da LTA, em que se verifica a presença de lesões
associadas na pele e mucosas, pode apresentar-se na concomitante, ou seja, o acometimento
mucoso é concomitante à lesão ativa da pele, mas à distância; ou na forma contígua, onde o
comprometimento mucoso ocorre por extensão da lesão de pele situada próxima às mucosas.
O diagnóstico precoce da lesão mucosa é essencial para que a resposta terapêutica seja mais
efetiva e sejam evitadas as seqüelas deformantes e/ou funcionais (BRASIL, 1998).
Quanto ao comprometimento ganglionar, este pode ser primário, com
enfartamento de gânglios precedendo a lesão de pele; ou secundário, com o enfartamento da
cadeia ganglionar na região da lesão de pele, após a identificação desta (BRASIL, 2006).
Na forma difusa, rara, as lesões são papulosas ou nodulares, deformantes e muito
graves, distribuindo-se amplamente na superfície corporal, podendo assemelhar-se à
hanseníase virchowiana. Evolui mal por não responder adequadamente à terapêutica.
São diagnósticos diferenciais da LTA: as úlceras traumáticas, as úlceras de estase,
úlceras tropicais, úlceras de membros inferiores por anemia falciforme, piodermites,
paracoccidioidomicose, esporotricose, cromomicose, neoplasias cutâneas, sífilis e tuberculose
cutânea. A hanseníase virchowiana deverá ser excluída, principalmente no diagnóstico
diferencial da leishmaniose cutânea difusa. Nas lesões mucosas, o diagnóstico diferencial
deve ser feito com a paracoccidioidomicose, hanseníase virchowiana, rinoscleroma, bouba,
sífilis terciária, granuloma médio facial e neoplasias (BRASIL, 1998).
2.3.2 Imunologia da LTA
O desfecho da relação parasita-hospedeiro, seja no sentido da cura ou na produção
de formas clínicas as mais diversas, depende de fatores genéticos do parasita e do hospedeiro,
bem como das interações que se desenvolvem entre as populações de células hospedeiras
(macrófagos) e outras células imunocompetentes (linfócitos T e B) envolvidas nos
mecanismos de estimulação e/ou de modulação das reações imunológicas (SILVA, 2003).
O parasita, uma vez inoculado no organismo vertebrado, é fagocitado pelos
macrófagos através de interação entre os receptores CR3 destas células com glicoconjugados
e lectinas da leishmania, como a Gp63 (proteinase dependente de zinco) e os
57
lipofosfoglicanos (LPG), glicolipídios presentes na membrana deste parasita, iniciando assim
seu estágio de desenvolvimento intracelular. O parasita produz então alterações nas células
infectadas, nas quais eventualmente sobrevivem, multiplicando-se no organismo do
hospedeiro, que paralelamente desenvolve suas respostas à infecção. O encontro dos
antígenos parasitários com as células imunocompetentes, provavelmente se dá durante os
breves períodos extracelulares do parasita, quando inoculados, ou no momento da ruptura dos
macrófagos infectados, com liberação parasitária. Os antígenos processados, ao serem
apresentados às células T, dependendo da espécie de leishmania e da susceptibilidade do
hospedeiro, determinarão a resposta do tipo TH1 ou TH2, que podem ser diferenciadas pelo
seu padrão de produção de linfocinas (PINHEIRO, 2004; SILVA, 2003).
As células TH1 estão envolvidas principalmente na eliminação de patógenos
intracelulares e nas respostas imunológicas do tipo celular, predominando no pólo
representado pela doença cutânea localizada, onde há melhor prognóstico. Por outro lado, os
linfócitos tipo TH2 estão envolvidos na indução da resposta humoral e fenômenos de
eosinofilia, ineficazes no combate à leishmania. No pólo anérgico da doença, representado
pela leishmaniose tegumentar difusa, não há resposta imuno-celular eficaz, caracterizando-se
esta forma por má evolução e elevado índice de recidivas, mesmo após sucessivas tentativas
de tratamento. As células do tipo TH1 são caracterizadas pela secreção de IL2, IFN-g, e TNF.
Já as células do tipo TH2 produzem IL4, IL5, IL6, IL9, IL10 e IL13. As subpopulações TH1 e
TH2 também induzem à síntese de anticorpos de isotipos diferentes (PINHEIRO, 2004).
Em leishmaniose visceral, tem sido bem caracterizado o padrão TH2, evidenciado
pela forte depressão da imunidade celular e baixa produção de citocinas pró-inflamatórias
como interferon gama (IFN-g) e interleucina 2 (IL2), assim como pelo aumento da produção
das citocinas IL4 E IL5, ativação policlonal de células B e hipergamaglobulinemia.
Em leishmaniose tegumentar americana, fica difícil estabelecer um padrão
específico de resposta imune, pois as mais diversas apresentações da doença traduzem
diferentes combinações entre os padrões TH1 e TH2 de resposta, manifestações complexas
que se aproximam ou se distanciam dos pólos da doença. Desta forma, muitos aspectos da
imunidade humana anti-leishmania permanecem desconhecidos (SOUZA et al., 2005).
De acordo com o Manual de Controle da Leishmaniose Tegumentar (BRASIL,
2000), admite-se a inexistência de imunidade cruzada entre os parasitas do subgênero
Leishmania. A imunidade pode ocorrer entre os parasitas do subgênero Viannia, porém é
incompleta. As reinfecções parecem ser raras.
58
Populações indígenas que habitam a floresta e populações periurbanas e rurais de
áreas endêmicas, são freqüentemente infectadas por picadas de flebotomíneos, o que
explicaria uma elevada taxa de positividade à reação de Montenegro ou a testes sorológicos,
com manifestações inaparentes ou críticas da doença, principalmente em crianças, nestes
grupos populacionais.
Em indígenas do baixo amazonas, a infecção é comumente subclínica e raramente
são observadas lesões ulceradas. Foram descritos surtos de leishmanise tegumentar americana
em tribos indígenas como os Wuará do Parque Nacional do Xingu, quando deslocados para
outra região. Este fato tem sido explicado pela falta de contato prévio coma a LTA ou pela
inexistência de imunidade cruzada para um novo agente.
Inquéritos epidemiológicos, realizados com o teste intradérmico de Montenegro
em índios Tyrios, do norte do Pará, mostraram que a positividade aumenta com a idade,
ocorrendo com maior freqüência no sexo masculino. A doença entre esses índios é rara. No
entanto, missionários e militares que entram em contato com a tribo são freqüentemente
acometidos.
Na Bolívia têm sido descritas as formas cutânea e mucosa em indígenas, o que
tem sido explicado por uma incapacidade imunológica inata para o agente ou pela mudança
nos hábitos tribais ocasionados pelos deslocamentos populacionais (BRASIL, 2000).
Quanto a anergia observada na leishmaniose cutânea difusa, cujo principal agente
etiológico é a Leishmania amazonensis, consideramos importante o estudo realizado por
Pinheiro et al. (2004), no qual foi demonstrado que o extrato bruto de Leishmania
amazonensis, mas não o de Leishmania braziliensis, contém substâncias que suprimem
respostas proliferativas espontâneas e mitogênicas das células T. Estas substâncias são
termorresistentes e parcialmente dependentes da atividade de proteases. A anergia das células
T não foi devida à diminuição na produção de fatores do crescimento, uma vez que não foi
revertida pela adição de interleucina 2, interleucina 4, interleucina 12 ou interferon gama. O
antígeno de Leishmania amazonensis não inibiu a ativação de células T induzida por antiCD3, sugerindo que a anergia é devida a um defeito na apresentação de antígenos. Esta
anergia não foi devida à necrose celular, mas foi acompanhada de uma expressiva
fragmentação do DNA em células de linfonodos, indicativa de apoptose. Apesar da préincubação de macrófagos com antígeno de L. amazonensis ter inibido sua capacidade de
apresentação de antígenos, este efeito não foi devido a apoptose dos primeiros. Estes
resultados sugerem que a anergia de células T encontrada na leishmaniose difusa deve ser
59
devida a apoptose dessas células que se segue à apresentação defeituosa de antígenos induzida
pelo antígeno do parasito (PINHEIRO et al., 2004).
2.3.3 Métodos auxiliares ao diagnóstico
Baseiam-se na evidenciação do parasita e em provas imunológicas. O material
utilizado nos diversos exames diretos ou indiretos pode ser a pele, mucosa ou gânglios
acometidos (BRASIL, 1998).
O diagnóstico laboratorial direto da leishmaniose, emprega principalmente a
pesquisa de parasitas em esfregaço das lesões após coloração por Giemsa. Utiliza-se para
coleta do material a escarificação do bordo da lesão, biópsia do bordo com impressão por
aposição em lâminas de vidro e/ou punção aspirativa da lesão.
Pode-se realizar o diagnóstico também de forma indireta, através da mensuração
da resposta imune celular após injeção intradérmica de antígenos do parasita, a
intradermorreação de Montenegro (IDRM). Em laboratórios de maior complexidade, podem
ser realizados outros exames, tais como histopatológico (coloração pela hematoxilina-eosina e
uso de anticorpos marcados com imunoperoxidase para detecção do parasita), cultivo in vitro
(NNN), in vivo (hamster), sorologias (imunofluorescência, ELISA e aglutinação direta) e
PCR (reação em cadeia da polimerase), com resultados em geral satisfatórios, porém de pouco
valor na prática diagnóstica das áreas endêmicas. Na prática, a conduta mais utilizada é a
pesquisa direta do parasita e a intradermorreação, aliadas aos aspectos clínicos da lesão e aos
antecedentes epidemiológico (BASANO & CAMARGO, 2004).
Exame Parasitológico
O diagnóstico de certeza somente se obtém pela demonstração do parasita, que
pode ser conseguida através de diferentes técnicas parasitológicas de pesquisa direta e
indireta. Os exames diretos são os procedimentos de primeira escolha, por serem mais
rápidos, de menor custo e de fácil execução. O exame mais simples, e por essa razão
geralmente o primeiro a ser realizado, é a pesquisa direta das formas amastigotas em material
obtido da lesão por escarificação, aspiração ou biópsia da borda com impressão por aposição,
corado pelo Giemsa ou Leishman.
A chance de encontrar o parasita é inversamente proporcional ao tempo de
evolução da lesão cutânea, sendo raro após um ano. A sensibilidade do método nos casos
produzidos por L. braziliensis está em torno de 100% nos dois primeiros meses de evolução,
60
75% aos seis meses e 20% acima de doze meses (BRASIL, 1998; GONTIJO & CARVALHO,
2003; BRASIL, 1998).
A escarificação pode ser realizada na borda da lesão ulcerada mais recente sem
secreção purulenta ou na superfície da lesão não ulcerada, utilizando-se um estilete
descartável, lâmina de bisturi estéril ou palito de madeira, com extremidade em bisel,
previamente esterilizado. Com o material coletado, realiza-se um esfregaço em lâmina. A
coleta deve ser abundante, na medida do possível, para aumentar a chance de positividade
(BRASIL, 1998).
A punção aspirativa pode ser realizada utilizando-se uma seringa de 5 ml e agulha
de calibre 25 x 8, com 3 ml de solução salina estéril. Em centros de referência este
procedimento pode ser realizado na investigação de comprometimento ganglionar primário.
A impressão por aposição é realizada através da compressão de um fragmento de
tecido obtido por biópsia, sobre lâmina de microscópio, após retirada do exsudato em uma
superfície absorvente. Tanto o esfregaço como a impressão devem ser realizados sobre lâmina
de vidro previamente desengordurada e seca. O material coletado deve ser fixado em metanol
durante 3 minutos e corado pelas técnicas de Giemsa ou Leishman (BRASIL, 1998).
Basano e Camargo (2004), em estudo realizado com 1.418 pacientes portadores de
lesão cutânea ou mucosa, sob suspeita clínica de LTA, observaram positividade do exame
parasitológico realizado isoladamente em 59,4% dos pacientes. Observaram também que o
exame parasitológico aumentou a sensibilidade do diagnóstico através da IDRM realizada
isoladamente de 95,1% para 97,2% de positividade.
Histopatologia
A biópsia pode ser feita com “punch” de 4 a 7 mm de diâmetro, ou em cunha,
com uso de bisturi. Nas lesões ulceradas deve-se preferir a borda da lesão que, em geral,
mostra aspecto tumefeito e hiperêmico. O local a ser biopsiado deve ser limpo com a água e
sabão, álcool iodado ou álcool a 95%. Os parasitas, quando presentes, são encontrados em
vacúolos intracitoplasmáticos dos macrófagos ou nos espaços intercelulares, geralmente
isolados. O diagnóstico de certeza pela histopatologia somente é dado quando se identifica
nos tecidos a leishmania. A experiência brasileira, em termos globais, revelou não ser alta a
sensibilidade deste método. Indiscutivelmente a sensibilidade aumenta quanto mais recente
for o caso (BRASIL, 1998).
Em um extenso estudo sobre LTA no Brasil, foram analisadas biópsias de 378
pacientes infectados com L. braziliensis que, através das alterações dérmicas ou do córion da
61
mucosa, permitiram identificar a existência de cinco padrões histológicos: 1- reação
exsudativa celular; 2- reação exsudativa e necrótica; 3- reação exsudativa e necróticagranulomatosa; 4- reação exsudativa e granulomatosa e 5- reação exsudativa e tuberculóide.
Os parasitas, embora escassos, foram encontrados em 63,7% dos casos de forma cutânea e
37,5% dos casos de leishmaniose mucosa. Através desse estudo, foi possível afirmar que o
padrão de reação exsudativa celular constitui o quadro inicial e final da lesão, com os demais
padrões aparecendo interpostos durante a evolução da doença. Caso não sejam encontrados
parasitas, as alterações histopatológicas passam a ser, no máximo, sugestivas do diagnóstico
de LTA (GONTIJO & CARVALHO, 2003).
Cultivo
É um método de confirmação etiológica que permite a definição da espécie de
leishmania envolvida. O parasita cresce relativamente bem em diversos meios de cultura à
temperatura ambiente de 24 a 26 °C. O meio mais empregado para isolamento é o agarsangue de Novy e Mc Neal modificado por Nicolle, o NNN, além de suas modificações. Para
manter o parasita por longo tempo, o meio de escolha é o NNN enriquecido com uma fase
líquida de LIT-BHI. O material pode ser obtido por punção aspirativa ou por biópsia. O
material de punção aspirativa pode ser inoculado diretamente no meio de cultivo, enquanto
que o obtido por biópsia deve ser colocado em solução salina com antibióticos (5.000.000 UI
de Penicilina e 1g de Estreptomicina ou 2g de Garamicina, por ml de solução salina) durante
24 horas, à temperatura de 4°C. Após este procedimento, coloca-se o material no meio de
cultivo. Após o quinto dia já podem ser encontradas formas promastigotas do parasita. A
sensibilidade global do método está em torno de 50% para L. braziliensis (GONTIJO &
CARVALHO, 2003; BRASIL, 1998).
Inoculação em animais de laboratório
O animal de escolha é o hamster (Mesocricetus auratus) e os locais de preferência
são as extremidades, principalmente as patas posteriores. O inóculo deve ser obtido a partir de
uma suspensão homogeneizada do material de biópsia em solução salina estéril. Além do
longo tempo necessário para a evolução da lesão no modelo animal (2 a 9 meses, em média),
a eficácia do isolamento apresenta grande variação conforme a espécie de leishmania. Sendo
as lesões no hamster de desnvolvimento tardio, este método é empregado principalmente para
fins de pesquisa. A Leishmania (L.) amazonensis e a Leishmania (V.) guyanensis são os
62
parasitas mais fáceis de serem detectados pelo método parasitológico descrito (GONTIJO &
CARVALHO, 2003; BRASIL, 1998).
Diagnóstico imunológico
•
Intradermorreação de Montenegro (IDRM)
Em 1926, Montenegro realizou pela primeira vez a reação intradérmica com
antígeno preparado de formas de cultura de Leishmania sp para diagnóstico da moléstia,
sendo ainda hoje um método amplamente empregado. A IDRM detecta a presença de
hipersensibilidade tardia, uma vez que, imunologicamente, a LTA se caracteriza pelo
aparecimento de uma resposta celular durante a doença e após a cura da infecção, seja esta
última espontânea ou após tratamento. A técnica consiste na inoculação intradérmica de 0,1
ml do antígeno padronizado em 40 ug N/ml ou 40 mg de nitrogênio protéico por ml
(GONTIJO & CARVALHO, 2003), na face anterior do antebraço esquerdo, em pele sadia, 2
a 3 cm abaixo da borda antecubital. A leitura deve ser feita após 48 a 72 horas. A reação é
considerada positiva quando a enduração resultante for igual ou maior que 5 milímetros
(BRASIL, 1998).
O teste se torna positivo em maior escala por volta de quatro meses após o início
da lesão cutânea, mas não diferencia doença atual e pregressa (pois na maioria das vezes
permanece positivo após o tratamento), nem distingue doença de infecção (GONTIJO &
CARVALHO, 2003), podendo ser positiva por exposição prévia ao parasita, sem aquisição
da doença. Em população de área endêmica, na ausência de lesão ativa ou cicatriz, a
positividade do Montenegro varia entre 20 e 30%. A positividade ao teste de Montenegro tem
maior expressão no diagnóstico em pacientes recentemente introduzidos em áreas endêmicas.
Nas lesões mucosas a positividade ao teste de Montenegro é mais intensa, podendo acorrer até
ulceração e necrose local (BRASIL, 1998). Esta maior freqüência de necrose no local de
inoculação do antígeno, nos pacientes com leishmaniose mucosa, pode se dever a uma
resposta imune celular exacerbada pela maior duração da doença e pela estimulação
prolongada de linfócitos, na ausência de uma modulação eficiente (PASSOS et al., 2001).
A intradermorreação é de grande valor presuntivo no diagnóstico de LTA,
constituindo valioso recurso diagnóstico nos casos em que os parasitas na lesão são escassos
ou ausentes, sendo também bastante útil nos inquéritos epidemiológicos de áreas endêmicas.
Estima-se positividade de 84 a 100% nas formas cutânea e mucocutânea, respectivamente
(GONTIJO & CARVALHO, 2003). Nas áreas onde predomina a Leishmania (L.)
63
amazonensis, a positividade pode ser bem mais baixa. Podendo apresentar-se negativa nos
seguintes casos:
•
Nos primeiros 30 dias após o início das lesões, excepcionalmente se prolongando;
•
Nos casos de leishmaniose disseminada pode ser negativa também, positivando-se no
decorrer do tratamento;
•
Na leishmaniose cutânea difusa;
•
Na leishmaniose visceral;
•
Em pacientes imunodeprimidos (BRASIL, 1998).
A IDRM, além de constituir-se em importante método de investigação
diagnóstica, também representa um indicativo prognóstico na evolução da leishmaniose
tegumentar americana, sugerindo casos de maior resistência ao tratamento quando negativo,
porquanto evidencia uma baixa imunidade do tipo celular (TH1), assim como aumento dos
índices de recidiva em mais de 3 vezes, segundo estudo realizado por Passos et al. (2001).
Exemplo disto é o fato de que os portadores de leishmaniose cutânea difusa apresentam
IDRM geralmente negativa, tornando-se positiva nos raros períodos de melhora da doença.
•
Imunofluorescência indireta (IFI) e testes imunoenzimáticos (ELISA)
Expressam os níveis de anticorpos circulantes, sendo realizadas em centros de
referência. A positividade destes exames está associada ao tempo de evolução da doença,
sendo mais freqüente em presença de comprometimento de mucosas (BRASIL, 2006).
Dentre os métodos sorológicos, a reação de imunofluorescência indireta é o mais
utilizado. É uma técnica sensível, porém com possibilidade de reações cruzadas especialmente
coma a doença de Chagas e o calazar. A IFI apresenta resultados variáveis na LTA, quer pela
reduzida antigenicidade de alguns parasitas ou pelos baixos níveis de anticorpos circulantes,
sendo habitualmente negativa na forma cutânea difusa. Em pacientes com lesões recentes (um
a seis meses de evolução), é freqüente a negatividade sorológica. Nos casos positivos, os
títulos médios são significativamente mais elevados naqueles que apresentam múltiplas
lesões, refletindo a maior antigenicidade induzida pelo maior número de parasitas. Além
disso, o número de reações sorológicas negativas é maior entre os que possuem o exame
parasitológico positivo, quando comparado àqueles em que a pesquisa direta do parasita
revela-se negativa. Após o tratamento e cura, os títulos podem cair ou desaparecer em alguns
meses (GONTIJO & CARVALHO, 2003).
64
Basano e Camargo (2004), em estudo realizado com 1418 pacientes portadores de
lesão cutânea ou mucosa, sob suspeita clínica de leishmaniose tegumentar, observaram
positividade da IFI realizada isoladamente em 64,4% dos pacientes. Observaram também que
a IFI aumentou a sensibilidade do diagnóstico através da IDRM realizada isoladamente de
95,1% para 98,8% de positividade.
A imunofluorescência indireta pode apresentar-se positiva em até 71% dos
pacientes acometidos pela leishmaniose cutânea e em até 100%, naqueles portadores de
leishmaniose com acometimento de mucosas (VELOZO et al., 1999).
Reação em cadeia da polimerase (PCR)
A reação em cadeia da polimerase (polymerase chain reaction) ou PCR, é um
exame que permite amplificar em escala exponencial seqüências de DNA. Dotada de alta
sensibilidade, é capaz de detectar quantidades tão pequenas quanto 1 fentograma (1
fentograma = 10-15 de 1 grama) do DNA de uma leishmania, o que equivale a 1/10 do DNA
do parasita. Entretanto, as exigências técnicas e o custo relativamente elevado ainda limitam
seu emprego rotineiro. Em nosso meio foi determinada uma sensibilidade de 98,41% e
especificidade de 95,59% no diagnóstico da LTA (GONTIJO & CARVALHO, 2003), sendo
que a presença da forma cutâneo-mucosa contribui para menor positividade da PCR, em
relação aos dados da literatura (GARCIA et al., 2005).
Desta forma, o exame de PCR, a fresco, é isoladamente mais sensível do que
qualquer outro método convencional. No entanto, quando realizada (com checagem para
inibição) através de material colhido para biópsia em bloco de parafina, apresenta positividade
de 75% e 69%, quando acoplada à hibridização ou somente pelo gel agarose, respectivamente,
podendo ser de grande valia para o diagnóstico de casos com IDRM e/ou IFI negativa
(VELOZO et al., 1999).
Utilizando-se DNA de leishmania obtido de produtos de PCR, tem sido realizado
o sequenciamento desse DNA, para identificação e caracterização genômica das espécies de
leishmania. Mais recentemente, pelo método PRC-RFLP (PCR-restriction fragment length
polymorfism ou restrição enzimática), empregando-se enzimas de restrição nas amostras cujos
exames de PCR foram positivos, é possível identificar as espécies Leishmania (V.)
braziliensis e Leishmania (L.) amazonensis, de forma mais rápida e econômica, sem a
necessidade de realizar o sequenciamento, porém, com iguais segurança e eficácia. Garcia et
al., em estudo sobre métodos auxiliares ao diagnóstico da LTA, comparando resultados
laboratoriais de 152 pacientes, constataram real superioridade em relação ao exame
65
histopatológico, à IFI e à IDRM, na detecção de casos de LTA, porém não houve
significância estatística quando comparada a este último método (GARCIA et al., 2005).
2.4 TRATAMENTO
2.4.1 Medicamentos de primeira escolha: os antimoniais
Histórico
Apesar do uso medicinal de compostos de antimônio já ser conhecido desde a
Antigüidade, séculos antes da era cristã, para diversos fins terapêuticos (RATH et al., 2003),
coube a um cientista brasileiro, Gaspar de Oliveira Vianna, a vanguarda de utilizar um
composto antimonial trivalente, o tártaro emético, para o tratamento da leishmaniose
tegumentar americana (AMATO, 2006), tendo anunciado sua eficácia para este fim em 1912.
Em 1915, Chistina e Caronia na Itália e Rogers, no mesmo ano, na Índia, introduziram os
antimoniais trivalentes no tratamento do calazar (FIOCRUZ, 1997).
Devido aos efeitos tóxicos e graves efeitos colaterais indesejáveis associados ao
emprego do tártaro emético, como intolerância gastrintestinal e efeitos cardiotóxicos, os
antimoniais trivalentes foram sendo substituídos por compostos estibiados pentavalentes.
Bramachari, em 1920, desenvolveu o primeiro composto à base de antimônio pentavalente, o
uréia estibamina, derivado uréico do ácido p-aminofenil estibínico. Em 1936, Schmidt
introduziu na terapia médica o gluconato de antimônio(+5) sódico (+5 significando
pentavalente), conhecido comercialmente como Solustibosan® (Bayer) ou Pentostan® (Glaxo
wellcome) (RATH et al., 2003). Em 1945, durante a segunda guerra mundial, surgiu na
França um medicamento alternativo ao até então gluconato de antimônio(+5) sódico, o
antimoniato de N-metilglucamina, antimoniato de meglumina ou ainda, antimoniato de
metilglucamina, comercializado como Glucantime® (Rhône-Poulenc-Rohrer). Enquanto o
Pentostan® (gluconato de antimônio(+5) sódico) é distribuído até hoje nos países de língua
inglesa, o Glucantime® é comercializado nos países de línguas francesa e espanhola (RATH
et al., 2003; AMATO, 2006).
Apresentação, dose terapêutica.
No Brasil, o medicamento a base de antimônio pentavalente utilizado como
primeira escolha na terapêutica de todas as formas de leishmaniose, é o antimoniato de Nmetilglucamina ou Glucantime® (Aventis Pharma), apresentado em ampolas de 5ml contendo
66
1,5g de antimoniato de metilglucamina, o que corresponde a
405 mg de antimônio
pentavalente, ou seja, 81mg de antimônio pentavalente por ml. Visando padronizar o esquema
terapêutico, a OMS recomenda que a dose deste antimonial seja calculada em
mg/Sb+5/Kg/dia, Sb+5 significando antimonial pentavalente, sendo utilizado para tratamento
da leishmaniose na dosagem de 10 a 20 mg/Sb+5/kg/dia, nunca ultrapassando o limite de 3
ampolas/dia (15ml) para o adulto, segundo as normas vigentes no Brasil. O antimoniato de
metilglucamina é especialmente eficaz no tratamento da leishmaniose, embora as formas
mucosa e mucocutânea exijam maior cuidado, por apresentarem respostas mais lentas e maior
possibilidade de recidivas. O medicamento provoca regressão rápida das manifestações
clínicas e hematológicas da doença, bem como provoca a esterilização do parasita (RATH et
al., 2003; BRASIL, 1998).
Eficácia
Segundo Laguna-Torres et al. (1999), os antimoniais pentavalentes são eficazes
em 80% dos pacientes. No entanto, o índice de sucesso obtido com um primeiro esquema de
20 dias de tratamento, segundo a dose recomendada pela OMS, é muito variável na literatura,
estando entre 26 e 100%, segundo diversos autores e em estudos conduzidos em diferentes
locais e serviços (RODRIGUES et al., 2006), com ocorrência de recidiva e/ou
comprometimento mucoso posterior por volta de 2%, mesmo com o tratamento adequado
(BASANO & CAMARGO, 2004; LAGUNA-TORRES et al., 1999), sendo este percentual
ainda maior segundo a casuística de outros autores.
Diversos casos de insucesso na quimioterapia com antimoniais pentavalentes vêm
sendo relatados em leishmaniose cutânea e visceral, provavelmente influenciados por baixas
dosagens e tratamentos descontínuos, o que contribui para a ocorrência de falhas na terapia e
aumento das formas resistentes do parasita. No entanto, a refratariedade ao tratamento, parece
estar também intimamente relacionada ao estado imunitário deficiente de alguns pacientes,
mas, apesar da resposta imune do hospedeiro ser importante no processo de cura da LTA,
dados recentes sugerem que a falha terapêutica pode estar em certos casos estreitamente
relacionada a fatores mediados pelo próprio parasita (FIOCRUZ, 1997; RATH et al., 2003).
Farmacocinética
Após administração endovenosa ou intramuscular, a excreção em humanos é
realizada preferencialmente por via renal e mais de 80% da dose administrada é excretada no
período de 24 horas de forma inalterada através da urina. A eliminação é feita em duas fases:
67
na primeira fase, a meia vida é pequena e aproximadamente de 2 horas e na segunda fase, a
meia vida é mais lenta, cerca de 76 horas. Em conseqüência, faz-se necessária a administração
de doses elevadas do fármaco em regime contínuo, para garantir um elevado teor de
antimônio nos tecidos e assim obter eficácia no tratamento (RATH et al., 2003; AVENTIS
PHARMA, 2006).
Toxicidade
Um ou mais efeitos colaterais podem ocorrer, na seguinte ordem de freqüência:
artralgia, mialgia, inapetência, náuseas, vômitos, plenitude gástrica, epigastralgia, pirose, dor
abdominal, prurido, febre, fraqueza, cefaléia, tontura, palpitação, insônia, nervosismo, choque
pirogênico, edema e insuficiência renal aguda. Pode ocorrer ainda erupção de herpes zoster.
Essas queixas são geralmente discretas ou moderadas e raramente exigem a suspensão do
tratamento. Porém, nas doses de 20mg/Sb+5/Kg/dia, o antimonial pode atingir o limiar de
toxicidade, podendo levar a alterações cardíacas e/ou renais que obriguem a interrupção do
tratamento, existindo na literatura casos descritos de êxito letal. Por isso, deve-se proceder ao
acompanhamento eletrocardiográfico semanal e avaliação da função renal, especialmente em
pacientes acima de 50 anos (BRASIL, 2000; BRASIL, 1998). Mesmo assim, os antimoniais
pentavalentes são geralmente 10 vezes menos tóxicos, em células de mamíferos, que o
antimonial trivalente utilizado primeiramente por Vianna em 1912, o tártaro emético
(BRASIL, 2000; BRASIL, 1998; RATH et al., 2003).
Os antimoniais são considerados agentes clastogênicos, ou seja, danosos para o
DNA celular, podendo causar fragmentação em segmentos do mesmo, mas não mutagênicos
no seu estado trivalente, sendo esta espécie responsável pelos principais efeitos tóxicos. Ainda
não foi comprovada a carcinogenicidade do antimônio em humanos, embora o Sb(2)O(3)
(trióxido de antimônio) seja classificado pela IARC (“International Agency for Research on
Cancer”), como possível carcinógeno humano. Estudos epidemiológicos ocupacionais não
comprovam nos humanos, a ocorrência de câncer de pulmão observada em animais de
experimentação, particularmente ratos fêmeas. As poucas informações existentes sobre os
aspectos toxicológicos do antimônio são provenientes de estudos de compostos orgânicos à
base de antimônio de uso farmacológico (RATH et al., 2003).
Algumas vezes, no início do tratamento, há uma exacerbação do quadro clínico,
com aumento do infiltrado, da secreção nasal e faríngea e do eritema das lesões. Presume-se
que isto ocorra devido a uma resposta aos antígenos liberados com a morte do parasita (reação
de tipo Jarich-Herxheimer). Em casos de lesões de laringe, podem ocorrer edema e
68
insuficiência respiratória aguda. Por isso é aconselhável que a medicação seja administrada
por equipe especializada, em nível hospitalar e com possibilidade de se realizar traqueostomia
de urgência (BRASIL, 2000; BRASIL, 1998).
A importância da especiação de antimônios, ou seja, quantificação das formas
trivalentes e pentavalentes presentes na preparação terapêutica, no controle de qualidade do
fármaco é muito relevante, visto que o efeito terapêutico x toxicidade está intimamente
relacionado ao estado de oxidação do elemento (Sb+3 ou Sb+5). A contaminação do
antimoniato de N-metilglucamina por antimônio trivalente já foi relatada por Franco et al. e
Rath et al. Diversos pesquisadores têm encontrado outros contaminantes tóxicos, como metais
pesados. Infelizmente, o antimonial disponível no Brasil ainda tem apresentado problemas
quanto a sua qualidade (RATH et al., 2003).
Segue no anexo A, interessante reportagem publicada no Jornal Correio
Brasiliense, em fevereiro de 2001, sobre graves efeitos adversos ocorridos pelo uso do
antimoniato de N-metilglucamina, quando da sua fabricação no Brasil pelo laboratório
Eurofarma. Vale salientar que atualmente, sua fabricação é realizada pelo laboratório Rhodia
Pharma, mais especificamente pelo segmento Aventis Pharma.
Caracterização química dos antimoniais.
Por conta da utilização de uma linguagem extremamente técnica na abordagem
desta seção, decidimos realizar citação direta do principal texto consultado concernente a este
item, com o objetivo de evitar prejuízo das informações; citação esta proveniente do artigo
“Antimoniais empregados no tratamento da leishmaniose: estado da arte”, de Rath et al.
(2003), notável pelo excelente conteúdo sobre o tema.
O composto é obtido sinteticamente a partir do ácido antimônico e da N-metil
glucamina, sendo a última obtida previamente a partir da aminação redutora da
glicose em presença de metilamina. O composto, de fórmula estrutural não
definida, é solúvel em água e pouco solúvel em solventes orgânicos. (...) Apesar do
emprego do antimoniato de metilglucamina no tratamento da leishmaniose por mais
de 50 anos, a estrutura
e composição do antimoniato de N-metilglucamina
(Glucantime®), igualmente ao gluconato de antimônio(+5) sódico (Pentostan®),
ainda permanecem indeterminadas. Os dados mais recentes sobre a tentativa de
caracterização do antimoniato de metilglucamina foram reportados por Roberts et
al. (1998). Segundo os autores, a razão molar antimônio:N-metil-D-glucamina é de
1:1,37 e várias espécies complexas entre o antimônio e N-metil glucamina
coexistem em solução. Oligômeros foram observados, sendo a maior massa molar
encontrada de 507 uma. Espécies de forma geral (NMG-SB)n-NMG, onde NMG =
69
N-metil-D-glucamina, foram identificadas. Demicheli et al.(1999), sintetizaram o
antimoniato de metilglucamina e sugeriram que o antimônio se liga na
metilglucamina através do oxigênio do carbono C-3. No entanto, a eficácia
terapêutica destas formas poliméricas ou mesmo do antimônio pentavalente ainda
não foi esclarecida (RATH et al., 2003. p. 552).
Possíveis mecanismos de ação
O antimoniato de N-metilglucamina apresenta atividade leishmanicida. O
mecanismo de ação preciso dos antimoniais pentavalentes, como dito anteriormente,
permanece incerto. Supõe-se que várias enzimas da Leishmania sp sejam inibidas
seletivamente. Esses agentes podem inibir a fosfofrutoquinase, com subseqüente bloqueio da
produção de adenosina trifosfato (ATP) do parasita (AVENTIS PHARMA, 2006),
interferindo no mecanismo bioenergético das formas amastigotas da leishmania possivelmente
através da glicólise e beta-oxidação que ocorrem nas organelas denominadas glicossomas.
Outro mecanismo aventado é o de ligação com sítios sulfidrílicos, deflagrando a morte dos
protozoários (AMATO, 2006).
Há indícios de que o Sb(+3) (antimômio tivalente) é substancialmente mais
potente do que o Sb(+5) (antimônio pentavalente) contra promastigotas e amastigotas de, pelo
menos, três espécies de Leishmania. Esses resultados poderiam reforçar a hipótese de uma
conversão metabólica intramacrofágica do Sb(+5) em Sb(+3) sendo, neste caso, o Sb(+3) o
elemento tóxico às leishmanias no estado intracelular. Como pouco se compreende ainda
sobre o mecanismo de ação deste fármaco, sugere-se que o antimônio pentavalente possa ser
desta forma uma pró-droga, sendo convertido em antimônio trivalente após sua administração,
e que assim venha a interferir no processo de beta-oxidação de ácidos graxos e glicólise do
parasita, levando à uma depleção dos níveis de ATP intracelular. Poderia-se supor, de acordo
com esta hipótese que a bio-redução in vivo dos compostos antimoniais pentavalentes em
trivalentes seria responsável, pelo menos em grande parte, tanto pelos efeitos terapêuticos
quanto pelos efeitos tóxicos do medicamento. Além disso, também existe na forma amastigota
uma metaloprotease zinco dependente, que poderia ser inativada se o antimônio substituísse o
zinco nesta enzima, essencial para o desenvolvimento do parasita, o que representaria também
um possível mecanismo de ação destas drogas (RATH et al., 2003).
Esquemas de tratamento
De acordo com o Manual de Controle da Leishmaniose Tegumentar Americana
(BRASIL, 2000), utiliza-se, em lesões cutâneas nas formas localizada e disseminada, dose
70
variável entre 10 e 20mg Sb(+5)/Kg/dia. Sugere-se 15mg Sb(+5)/Kg/dia, tanto para adultos
quanto para crianças durante 20 dias seguidos, nunca ultrapassando a dose máxima de
1215mg de antimônio (3 ampolas) para o adulto, sendo a dose máxima para crianças até 12
anos estimada em metade da dose máxima para adultos. Se não houver cicatrização completa
após três meses (12 semanas) do término do tratamento, o esquema deverá ser repetido apenas
uma vez, prolongando-se a duração da série para 30 dias. Em caso de ausência de resposta,
utilizar uma das drogas de segunda escolha.
Na forma difusa a dose recomendada é de 20mg Sb(+5)/Kg/dia, durante 20 dias
seguidos. Na fase inicial, pode responder ao antimonial, porém são freqüentes as múltiplas
recidivas, sendo necessário encaminhar o paciente para serviços especializados.
Nas lesões mucosas (em todas as formas de acometimento mucoso), a dose
recomendada é de 20mg Sb(+5)/Kg/dia, durante 30 dias seguidos, de preferência em ambiente
hospitalar. Se não houver cicatrização completa após três meses (12 semanas) do término do
tratamento, o esquema deverá ser repetido também apenas uma vez. Em caso de ausência de
resposta, deverá ser utilizada uma das drogas de segunda escolha (BRASIL, 2000).
Um interessante estudo realizado por Azeredo-Coutinho e Mendonça (2002),
apresenta a revisão de uma série de pacientes com leishmaniose cutânea, diagnosticados e
tratados em Centros Municipais de Saúde do Rio de Janeiro, quando o esquema intermitente
antes utilizado como rotina de tratamento antimonial, foi substituído pelo esquema contínuo
atualmente recomendado pelo Ministério da Saúde.
Ambos os esquemas terapêuticos foram baseados em injeções intramusculares
diárias de antimonial pentavalente. Quarenta e nove indivíduos receberam o esquema
intermitente, constituído de três séries de dez dias, alternados com intervalos de dez dias de
“descanso”; enquanto que setenta e um indivíduos receberam o esquema contínuo durante 20
dias consecutivos. Os dois grupos tinham composição semelhante quanto à idade, sexo e
quadro clínico. A taxa de cura descrita foi significativamente maior no grupo que recebeu o
tratamento intermitente, quando comparado ao que recebeu o esquema contínuo: 89,8% e
63,3%, respectivamente. Além disto, a perda do acompanhamento dos pacientes foi
significativamente maior no grupo que recebeu o tratamento contínuo (19,7%) em relação ao
grupo de terapia intermitente (4,1%). Nessas condições, o tratamento intermitente
proporcionou maior efetividade e adesão do que o esquema contínuo (AZEREDOCOUTINHO & MENDONÇA, 2002), fato corroborado por Passos et al. (2001): estes
constataram que com relação ao tratamento em ciclos de 10 dias, o tratamento de 20 dias
71
seguidos apresentou maior freqüência de abandono e por conseqüência, possível aumento da
necessidade de tratamento adicional, além de maior incidência de efeitos colaterais.
O ciclo de 10 dias, no entanto, pode ter contribuído para o aparecimento de uma
maior freqüência de recidivas, observada em cerca de 10% dos 300 pacientes portadores de
leishmaniose cutânea avaliados por estes últimos autores, 90% destas recidivas ocorridas
dentro de até um ano após concluído o tratamento (PASSOS et al., 2001), índice bem superior
aos 2% de recidiva relativo ao esquema contínuo, percentual descrito por Basano e Camargo
(2004). Segundo estes autores, a ocorrência de recidivas em pacientes não tratados (com cura
espontânea das lesões) seria da ordem de 10%, índice semelhante ao observado com o
esquema de tratamento intermitente descrito anteriormente, o que vem a despertar
controvérsias, pois na atualidade busca-se intensamente a melhor forma de uso da droga,
visando a eficácia terapêutica e especialmente a prevenção do aparecimento de formas
resistentes do parasita.
As aplicações devem ser realizadas por via parenteral: intramuscular ou
endovenosa, preferencialmente no final do dia, para possibilitar o repouso após a aplicação.
Por via intramuscular pode apresentar o inconveniente da dor local. Sugere-se então
alternância dos locais de aplicação. Por via endovenosa, não há necessidade de diluição e a
aplicação, com agulha de fino calibre (25x8), deve ser lenta (duração de 5 minutos). Esta é a
melhor via, pois permite a aplicação de doses mais adequadas sem o inconveniente da dor
local (BRASIL, 2000; AVENTIS PHARMA, 2006).
Tem sido utilizado de modo experimental com índices animadores de remissão da
leishmaniose tegumentar, esquemas de infiltração local intra e perilesional de antimoniais
pentavalentes (antimoniato de N-metilglucamina e estibogluconato de sódio), descritos por
vários autores, alcançando índices de até 100% de eficácia, como observado em estudo
realizado por Torres e Caminos (2000), onde utilizaram uma mistura de Glucantime® e
lidocaína para infiltração de lesões de LTA, obtendo a cura em 128 pacientes (TORRES &
CAMINOS, 2000; OLIVEIRA-NETO, 2005).
Contra-indicações
Não existem dados pertinentes atualizados sobre o potencial fetotóxico ou
teratogênico do antimoniato de meglumina. Portanto, não é recomendada a administração de
Glucantime® em gestantes, cujo tratamento deve consistir em cuidados locais, observação
clínica e sorológica, se possível. Nas formas graves cutâneas ou mucosas, discute-se a
possibilidade de tratamento a partir do 6º mês, com doses de antimônio mais baixas e controle
laboratorial. Na ausência de estudos, a amamentação não é recomendada durante o tratamento
72
com antimoniais. No entanto, o profissional médico deve avaliar o risco/benefício da
suspensão da amamentação (BRASIL, 2000; AVENTIS PHARMA, 2006).
Em portadores de tuberculose, esquistossomose ou malária, associadas à LTA,
deve ser efetuado o tratamento destas patologias primeiro e posteriormente o tratamento da
leishmaniose tegumentar.
Há restrições para o tratamento de portadores de cardiopatias, nefropatias e
doença de Chagas, havendo necessidade de avaliação e monitorização rigorosa para
orientação da conduta terapêutica. Quando for necessária a administração em pacientes
portadores dessas patologias, realizar acompanhamento eletrocardiográfico ao menos duas
vezes por semana e exame bioquímico do sangue: hemograma, avaliação da função renal,
hepática e pancreática semanalmente (BRASIL, 1998; BRASIL, 2000).
Quanto às nefropatias, deve ser ressaltado que os antimoniais pentavalentes não
são dialisáveis, ocorrendo acúmulo em indivíduos com clearance de creatinina rebaixado e,
portanto, podendo levar a arritmias graves (AMATO, 2006).
Em pacientes acima de 50 anos, durante todo o tratamento devem ser
intensificados os cuidados de monitorização das funções cardíaca, hepática, renal e
pancreática, devendo estes indivíduos realizarem eletrocardiograma e avaliação laboratorial
semanalmente (BRASIL, 2000; AVENTIS PHARMA, 2006).
Precauções/Recomendações
É necessária a abstinência de bebidas alcoólicas durante o período de tratamento,
devido a possibilidade de alterações hepáticas, sendo também recomendável o repouso físico
durante o tratamento.
Não havendo resposta satisfatória com o tratamento pelos antimoniais
pentavalentes, as drogas de segunda escolha são: anfotericina B e pentamidina (BRASIL,
1998).
2.4.2 Medicamentos de segunda escolha
Anfotericina B (Desoxicolato - Fungizon® / Lipossomal - AmBisome®)
A anfotericina B é um antibiótico antifúngico derivado de uma cepa de
Streptomyces nodosus (RATH et al., 2003) e os primeiros relatos da eficiência da anfotericina
B no tratamento da LTA foram de Lacaz e Sampaio, no início da década de 60.
73
Este fármaco interage especificamente com o ergosterol, esteróide da membrana
das leishmanias, causando aumento de permeabilidade e morte do parasita (AMATO, 2006).
Pode ser incorporada em lipossomas carreadores sendo absorvida pelo sistema reticuloendotelial onde o parasita reside, e é assim pouco absorvido pelos rins, o maior órgão alvo
para a toxicidade desta droga. Estudos de fase II em pequena escala, determinaram a dose
mínima efetiva e os resultados comfirmaram que o AmBisome® é consideravelmente menos
tóxico que a anfotericina B convencional (Fungison®) (RATH et al., 2003), por agir
especificamente sobre as células alvo (macrófagos), sendo incorporada ao meio intracelular,
reduzindo os efeitos colaterais com maior índice de eficácia terapêutica. Seu uso, no entanto,
é limitado pelo alto custo, necessidade de pessoal capacitado e ambiente hospitalar (DE
PAULA et al., 2003).
É a medicação de segunda escolha empregada quando não se obtém resposta ao
tratamento com antimonial pentavalente ou na impossibilidade de seu uso. É a mais eficaz nas
manifestações mucosas da leishmaniose tegumentar, sendo as recidivas menos freqüentes.
Deve ser administrada obrigatoriamente sob vigilância, em serviços especializados, com o
paciente hospitalizado (BRASIL, 1998).
A dose inicial é de 0,5 mg/Kg/dia, aumentando gradualmente ate 1 mg/Kg/dia, em
dias alternados, sem contudo ultrapassar a dose total de 50 mg em cada aplicação. Deve ser
administrada até atingir as seguintes doses totais:
•
na forma cutânea: 1 a 1,5 g
•
nas formas mucosa e mucocutânea: 2,5 a 3 g
Se necessário, a dose total poderá ser elevada, desde que o paciente esteja sob
vigilância clínica rigorosa, acompanhada de provas laboratoriais (uréia, creatinina e potássio),
que permitam avaliar principalmente a função renal. O eletrocardiograma (ECG) também
deverá ser realizado, assim como avaliação da função hepática (dosagem de bilirrubinas,
transaminases e fosfatase alcalina) e hemograma, exames a serem realizados por ocasião do
início do tratamento, seguindo-se reavaliações semanais durante o tratamento. Em idosos, a
reavaliação da função renal e cardíaca deve ser feita duas vezes por semana (BRASIL, 1998).
A anfotericina B deve ser administrada por via endovenosa lentamente, gota a
gota, em 4 horas de infusão, diluída em soro glicosado a 5%, pois o soro fisiológico provoca
inativação da droga, utilizando equipo em “Y”, sendo um frasco com anfotericina B e outro
com 50 a 100 mg de hidrocortisona, para prevenção de flebite (GONTIJO & CARVALHO,
2003; BRASIL, 1998).
74
É contra-indicada a administração de anfotericina B em gestantes, cardiopatas,
nefropatas e hapatopatas.
Os efeitos colaterais são de ocorrência muito freqüente: febre, anorexia, náuseas,
vômitos e flebite, que podem ser atenuados ou evitados usando-se antipiréticos ou
hidrocortisona. Outros efeitos colaterais que geralmente surgem no decorrer do tratamento
são: hipopotassemia eventualmente severa, insuficiência renal, anemia, leucopenia e
alterações cardíacas (BRASIL, 1998).
Pentamidina
Parece ter sido empregada pela primeira vez para tratamento da leishmaniose na
forma visceral, em 1940, por Kirt e MacDonald (DE PAULA et al., 2003)
Em 1952, Orsini e Silva obtiveram sucesso terapêutico no tratamento de alguns
casos da forma cutânea da LTA. Trabalhos posteriores de Pradinaud na Guiana Francesa, na
década de 80 e início dos anos 90, estimularam maiores estudos para o tratamento de diversas
formas de LTA (AMATO, 2006).
É também uma droga usada como tratamento alternativo nos casos em que não há
resposta aos antimoniais pentavalentes ou na impossibilidade de seu uso. Tem-se obtido bons
resultados com baixas doses na Leishmania (V.) guyanensis (BRASIL, 1998).
Quanto ao seu mecanismo de ação, sabe-se que interfere com o transporte de
aminoácidos e compete com poliaminas pelos ácidos nucléicos, interferindo na síntese do
DNA e fragmentando a membrana mitocondrial. Pode também ligar-se ao DNA do
cinetoplasto, alterando-o morfologicamente (DE PAULA et al., 2003; AMATO, 2006).
Há dois sais de pentamidina, o isotionato de pentamidina (Pentamidina®),
disponível nos Estados Unidos e Europa, e o mesilato de pentamidina, disponível na Europa
(Lomidine®), diferindo entre si quanto à dose e efeito diabetogênico (DE PAULA et al.,
2003).
Classicamente, a dose recomendada é de 4mg/Kg/dia, por via intramuscular
profunda, de 2 em 2 dias, recomendando-se não ultrapassar a dose total de 2 g. O paciente
deverá ficar em repouso 15 minutos antes e após as injeções. Face a sua ação hipoglicemiante,
a pentamidina deve ser administrada após a alimentação. Na região amazônica, em portadores
de Leishmania (V.) guyanensis, tem-se obtido bons resultados terapêuticos com a dose total
de 720 mg, cujos efeitos colaterais são mínimos. Cada frasco ampola contém 300 mg. Quanto
a escolha entre os dois sais, mesilato e isotionato, tem-se dado preferência ao último, pelas
vantagens que possui em relação ao outro quanto aos efeitos colaterais (BRASIL, 1998).
75
Têm sido implicados à pentamidina efeitos colaterais que são divididos em
imediatos e tardios. Os efeitos imediatos incluem principalmente hipotensão, náuseas,
vômitos e síncope. Já são bem conhecidos os efeitos sistêmicos sobre o metabolismo da
glicose, tais como hipoglicemia, que chega a 8% dos casos, e o efeito diabetogênico, em fase
mais tardia, atingindo 5% dos casos, sendo testado inclusive no tratamento do insulinoma
maligno. A alteração mais freqüente, entretanto, é a renal, chegando a 23%. Em estudo
realizado por De Paula et al. (2003), em que foram avaliados 79 pacientes portadores de
leishmaniose tegumentar americana na sua forma cutânea, foi constatada eficácia semelhante
da pentamidina quando comparada ao antimoniato de N-metilglucamina, apresentando
algumas vantagens, como duração reduzida do esquema terapêutico e baixa toxicidade
cardiológica (DE PAULA et al., 2003).
Segundo o Guia de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde (1998), as
reações adversas mais freqüentes são: dor, enduração e abscessos estéreis nos locais da
aplicação, além de náuseas, vômitos, tontura, adinamia, mialgia, cefaléia, hipotensão,
lipotímia, síncopes, hipo e hiperglicemia. O Diabetes mellitus pode se manifestar a partir da
dose total de 1 grama. Recomenda-se o acompanhamento clínico e a realização de exame
bioquímico do sangue para avaliação das funções renal (dosagem de uréia e creatinina) e
hepática (dosagem das transaminases, bilirrubinas e fosfatase alcalina) periodicamente no
curso do tratamento, bem como a dosagem da glicemia e o acompanhamento
eletrocardiográfico antes, durante e ao final deste. A glicemia deve ser acompanhada
mensalmente durante um período de seis meses, quando ultrapassar a dose total de 1 g, sendo
contra-indicada em gestantes e portadores de diabetes, insuficiência renal, hepática e doenças
cardíacas, assim como em crianças com peso inferior a 8 Kg (BRASIL, 1998).
2.4.3 Outros tratamentos
Alopurinol
O alopurinol se mostra vantajoso especialmente por sua administração oral e baixa
toxicidade sistêmica, porém, há diversos casos relatados em que este fármaco não foi eficaz
76
no controle da infecção (RATH et al.,2003). Estudos in vitro revelam que o alopurinol
ribosídeo é incorporado dentro do ácido ribonucléico da leishmania, interferindo na síntese do
parasita. Pode ser utilizado associado ou não ao antimonial, na dose de 21mg/Kg/dia
(PINHEIRO, 2003)
Fluconazol / Itraconazol / Cetoconazol
Estudos preliminares com fluconazol no tratamento da leishmaniose causada por
Leishmania major (que não ocorre no Brasil), indicam uma eficácia de 79% quando
comparado ao placebo, este último, com 34% de eficácia(BASANO & CAMARGO, 2004).
Santos, Berbert e Menezes, realizaram em 1988 estudo sobre a eficácia terapêutica
do cetoconazol na leishmaniose tegumentar. Dentre os 21 pacientes que utilizaram a droga (a
maioria acometida por Leishmania braziliensis), na dosagem de 10mg/Kg/dia, por 60 dias em
média, 03 indivíduos não apresentaram resposta ao tratamento, enquanto os demais obtiveram
cura num prazo variável entre 32 e 120 dias (média de 64 dias). Dos pacientes que obtiveram
cura, um desenvolveu recidiva da lesão 2 anos após o tratamento. 03 pacientes (14,2%)
apresentaram elevação das provas de função hepática, um deles de forma sintomática, com
náuseas e vômitos. Por estes motivos, os autores consideraram o cetoconazol como droga
apenas razoável no tratamento da LTA, não parecendo uma alternativa segura e eficaz no
tratamento desta patologia quando comparado às medicações injetáveis (SANTOS,
BERBERT & MENEZES, 1988).
Miltefosine
Foi verificado que esta medicação, uma droga anti-câncer alquilfosfolipídica, é
ativa contra Leishmania sp, in vitro e in vivo (RATH et al., 2003). Foi a primeira medicação
de uso oral utilizada no tratamento da leishmaniose visceral. Na leishmaniose causada por
Leishmania donovani, na Índia, os resultados foram bastante promissores.
Os mecanismos de ação da miltefosine contra a leishmania ainda não são bem
entendidos. Sabe-se que esta droga é capaz de bloquear a síntese e alterar a composição da
membrana do parasita (AMATO, 2006), podendo tornar-se o primeiro tratamento oral
considerado eficaz para a leishmaniose visceral. Resultados de estudos de fase II, na Índia,
indicam que quando o miltefosine é oralmente administrado há uma boa tolerância. Em todas
as doses testadas, a droga produziu excelentes resultados de cura parasitológica (RATH et al.,
2003). Utilizado por via oral em doses de 133 e 150 mg ao dia por quatro semanas, obteve
índices de cura da ordem de 89 e 100%, respectivamente (BASANO & CAMARGO, 2004).
77
Mefloquina
A mefloquina é uma droga de administração oral, com comprovada eficácia na
malária, meia vida prolongada (21 dias) e efeitos colaterais diversos e pouco freqüentes.
Gómez et al. (1995 apud LAGUNA-TORRES et al., 1999), no Equador, trataram 16
pacientes com mefloquina, demonstrando 100% de cura antes de 6 semanas. No entanto, em
estudo realizado em Corte de Pedra, na Bahia, por Laguna-Torres et al. (1999), não foi
possível reproduzir o sucesso de Gómez et al., uma vez que apenas um paciente, num grupo
de 5, apresentou cicatrização completa da lesão, possivelmente por cura espontânea. O
sucesso relatado por Gómez et al. poderia ser explicado pelo fato deste ter trabalhado com
outra cepa diferente, a Leishmania (Viannia) panamensis, que sabidamente responde melhor
ao tratamento que a Leishmania (Viannia) braziliensis, avaliada no estudo de Laguna-Torres
et al. (LAGUNA-TORRES et al., 1999).
Azitromicina
Em seu artigo “Eficácia da azitromicina no tratamento da leishmaniose cutânea” ,
Prata et al. (2003), constataram durante seu estudo realizado com 24 pacientes portadores de
LTA (diagnosticada como tal após realização de exame clínico, teste de Montenegro e
biópsia), cura completa em 17 pacientes, dos 20 que concluíram o estudo (85% deste total).
Foram utilizados 4 tipos de esquemas da droga, a saber: I- 500mg/dia por 3 dias;
II- 500mg/dia por 5 dias; III- 500mg/dia por 10 dias e IV- 1000mg/dia por 2 dias.
Mensalmente foi realizado controle clínico e quando necessário, repetidos ciclos do
medicamento, até reepitelização completa das lesões. 09 pacientes foram incluídos no
esquema I, com cicatrização em todos, no período de até 4 ciclos. 06 pacientes foram
incluídos no esquema II, com falha declarada em um dos pacientes deste grupo, que realizou o
esquema 2 vezes. 3 pacientes utilizaram o esquema III, com falha registrada em um indivíduo,
que chegou a realizar 5 séries do esquema. Quanto ao esquema IV, foram incluídos apenas 02
pacientes, um obtendo cura com 4 séries e outro sem resposta, apesar de 2 ciclos de
tratamento. O tempo de cura foi de 60 dias para 06 pacientes (30% dos pacientes que
concluíram o estudo), de 90 dias em 07 (35%) e de 120 dias para 04 pacientes (20%).
Estes resultados sugerem que a azitromicina pode ser uma boa opção terapêutica
para o tratamento da leishmaniose cutânea.
Além da eficácia sobre infecções bacterianas associadas à LTA, recentes estudos
têm demonstrado que esta droga possui propriedade de estimulação da fagocitose, da
78
quimiotaxia e da atividade celular citotóxica, além de ação imunomoduladora (PRATA,
SILVA-VERGARA & COSTA et al., 2003).
Pentoxifilina
Valdir Sabbaga Amato, em seu artigo “Tratamento da Leishmaniose Tegumentar
Americana” relata que em casos de falha terapêutica do antimonial usado isoladamente,
podem ser produzidos bons resultados com associação de um inibidor do fator de necrose
tumoral, a pentoxifilina. A posologia nestes casos é de 20mg/Sb(+5)/dia de antimônio
pentavalente, com 400 mg de pentoxifilina três vezes ao dia por 30 dias (AMATO, 2006).
Paromomicina
Outro medicamento que tem se mostrado eficaz contra a leishmaniose visceral é a
paromonicina, também chamada aminosidine. É um antibiótico aminoglicosídeo, ativo contra
espécies de leishmania in vitro e in vivo. Estudos clínicos, para testar a eficácia da
paromomicina injetável contra leishmaniose visceral têm sido realizados na Índia, onde o
tratamento antimonial padrão não é muito efetivo e as taxas de mortalidade são altas (RATH
et al., 2003). O uso tópico desta droga também tem obtido resultados preliminares
satisfatórios, com índices de cura variando entre 74 e 85% (BASANO & CAMARGO, 2004).
O sulfato de paromonicina de uso oral (Gabbrox®), foi utilizado por Costa et al
(1999), juntamente ao antimoniato de N-metilglucamina, para tratamento de dois casos de
leishmaniose tegumentar difusa por Leishmania amazonensis no Estado do Maranhão, onde
foi demonstrada boa tolerância e resposta terapêutica favorável, constituindo-se a
paromomicina em mais uma opção terapêutica nesta forma de difícil tratamento da
leishmaniose.
Imiquimod
O uso de produtos tópicos, como o imiquimod, assim como o anteriormente
descrito, a paromonicina, associados ou não à medicação parenteral, têm apresentado
resultados satisfatórios, com índices de cura específicos de até 90% para o imiquimod
(BASANO & CAMARGO, 2004).
Termoterapia
Constitui-se em alternativa desprovida de contra-indicações, posto que, sem uso
de substâncias químicas utiliza freqüências de rádio que, quando aplicadas localmente sobre
79
as lesões, geram calor no interior dos tecidos até cerca de 50° Celsius por volta de 30
segundos, expondo as formas amastigotas à alta temperatura sem lesão dos tecidos
subjacentes e sadios em volta, vindo a promover incremento nas respostas imunocelulares do
hospedeiro, provavelmente por maior exposição antigênica originada nos parasitas mortos.
Reithinger et al., realizaram estudo envolvendo 401 pacientes e três esquemas
distintos de tratamento: 1- termoterapia; 2- termoterapia e antimonial intralesional e 3antimonial intramuscular (o antimonial utilizado foi o estibogluconato de sódio). A
termoterapia isolada foi mais eficaz que o antimonial isolado, com índices de cura de 69,4% e
44,8%, respectivamente, enquanto o esquema 2 (termoterapia e antimonial intralesional),
alcaçou 75,3% de cura. Temos que considerar, no entanto que os pacientes incluídos neste
estudo eram portadores de lesão única e relativamente pequena, não sabendo-se ainda que
níveis de resultados seriam obtidos em lesões maiores (REITHINGER et al., 2005).
Imunoterapia
Desde que Nicolle e Manceaux realizaram a primeira experiência em 1910, na
Europa, utilizando parasitas vivos, muitos estudos surgiram através dos anos, na tentativa de
desenvolver um método de imunização seguro contra a leishmaniose.
Diferentes substratos tem sido utilizados além dos parasitas vivos atenuados ou
mortos, como componentes protêicos e glicoconjugados (LPG) específicos do parasito,
revelados após estudos como detentores de alto poder de estimulação antigênica, conjugados
ou não a adjuvantes supostamente capazes de amplificar a resposta imunológica natural do
hospedeiro humano, como o BCG, o Corynebacterium parvum, interleucinas 1 e 2 assim
como o PCG (Betafectin®), uma droga produzida por engenharia genética e empregada em
caráter experimental para prevenção e controle de doenças infecciosas em indivíduos
imunodeprimidos.
Infelizmente, os resultados são extremamente variáveis, sendo observado desde o
incremento da capacidade imunológica (com reforço importante das reações celulares tipo
TH1 e grande contribuição para a cura), à ausência total de respostas, e em alguns casos até
mesmo uma inusitada imunossupressão, com decréscimo na atividade da população de células
TH1, estímulo direcionado para a população do tipo TH2 e conseqüente piora do quadro e/ou
disseminação da patologia, fato que parece estar relacionado não apenas à parâmetros
qualitativos, mas também quantitativos dos agentes antigênicos empregados (FIOCRUZ,
1997).
80
Por estes motivos o capítulo da história da imunoterapia para tratamento da
leishmaniose ainda permanece obscuro. No entanto, constitui-se em promissor campo de
estudos, onde os cientistas sem dúvida virão a lograr o tão buscado êxito, como fruto de sua
persistência.
81
3 OBJETIVOS
3.1 Geral
Verificar
os
efeitos
colaterais
do
antimoniato
de
N-metilglucamina
(Glucantime®) no tratamento da leishmaniose tegumentar americana descritos em prontuários
de pacientes provenientes do ambulatório especializado em leishmaniose do Hospital São José
de Doenças Infecciosas (HSJ), Fortaleza - Ceará.
3.2 Específicos
•
Determinar os efeitos colaterais mais prevalentes no tratamento da
leishmaniose
tegumentar
americana,
realizado
com
o
antimoniato
de
N-
metilglucamina (Glucantime®), descritos em prontuários de pacientes provenientes do
ambulatório especializado em leishmaniose do Hospital São José (HSJ), no período de
julho a dezembro de 2005.
•
Comparar os dados encontrados aos observados na literatura revisada.
•
Determinar o perfil sócio-demográfico dos pacientes provenientes do
ambulatório especializado em leishmaniose do Hospital São José de Doenças
Infecciosas (HSJ) e estabelecer possíveis associações entre este e os efeitos colaterais
verificados.
82
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
4.1 Aspectos gerais
A pesquisa foi realizada através de um estudo de prevalência retrospectivo por
meio de um questionário estruturado, a fim de coletar os dados pertinentes oriundos dos
prontuários de pacientes portadores de leishmaniose tegumentar americana, tratados no
Hospital São José de Doenças Infecciosas, no ambulatório especializado em leishmaniose, no
período de Julho a Dezembro de 2005.
4.2 Local da pesquisa
O Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ) está localizado à rua Nestor
Barbosa, número 315, no bairro Parquelândia, em Fortaleza-Ceará, sendo unidade de
referência em doenças infecciosas no Estado.
O HSJ foi criado em 31 de Julho de 1970 (Lei n° 9.378), apresentando uma área
construída de 4.700m² e uma capacidade de internamento de 118 leitos, dos quais, 76 leitos
pertencem à enfermaria de infectologia para adultos, 35 à enfermaria de infectologia
pediátrica e 07 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Tem como meta o diagnóstico,
tratamento, ensino e pesquisa das doenças infecciosas, sendo credenciado pelo Ministério da
Saúde (MS) e Ministério da Educação e Cultura (MEC), dispondo de residência médica e
estágio de formação multidisciplinar.
Dentre os serviços mais procurados, estão os ambulatórios especializados em
HIV/AIDS, hepatite e leishmaniose, assim como o ambulatório 24 horas, atuante no pronto
atendimento de intercorrências clínicas e investigação diagnóstica inicial das mais diversas
patologias de origem infecciosa, sendo porta de entrada para muitos dos pacientes que
necessitarão de internamento ou acompanhamento ambulatorial especializado.
O HSJ desenvolve também outros serviços complementares para portadores de
HIV, inclusive um “Hospital-Dia”, onde foram realizados em 2004, 10.508 atendimentos
(HOSPITAL, 2005)
Aos portadores de leishmaniose, especificamente, tanto na forma visceral quanto
tegumentar americana, provenientes de toda área metropolitana de Fortaleza e demais
83
municípios do Ceará, o Hospital São José oferece atendimento através do ambulatório
especializado em leishmaniose, seja através de encaminhamentos ou livre demanda.
4.3 Amostra e critérios de inclusão
Os sujeitos deste estudo são os prontuários dos pacientes portadores de
leishmaniose tegumentar americana acompanhados ambulatorialmente no Hospital São José
(HSJ), no período de julho a dezembro de 2005.
Foram analisados os prontuários de todos os pacientes portadores de LTA que
realizaram consultas no período acima citado, totalizando 72 prontuários, sendo utilizados
para preenchimento do instrumento de pesquisa apenas os que comprovadamente utilizaram
Glucantime® durante o tratamento, de acordo com as anotações de evolução realizadas pelos
profissionais médicos do ambulatório especializado.
4.4 Instrumento de pesquisa
Foi aplicado um formulário estruturado, composto por 35 questões, constituído
tanto de questões simples (apenas um quesito poderia ser marcado), quanto de questões com
possibilidade de múltiplas assertivas, sendo alguns itens dotados de possibilidade de
detalhamento em caráter “aberto” (modelo do formulário disponível no Apêndice B).
Este formulário foi construído visando um delineamento claro e abrangente de
cada um dos pacientes estudados, com ênfase substancial à grande variedade de possíveis
efeitos colaterais da droga alvo do estudo, o antimoniato de N-metilglucamina (Glucantime®)
vislumbrando os objetivos constantes neste estudo.
O instrumento foi dividido em quatro eixos temáticos: I - identificação do
paciente, que contemplou os dados relativos ao número do prontuário, sexo, idade, raça, status
marital e procedência; II - Dados sócio-econômicos, que relacionou itens como nível
educacional,
características
do
domicílio/peridomicílio,
ocupação,
renda
familiar,
características do local onde é desenvolvida a principal ocupação e dados sobre o local e
ocasião provável durante a contaminação; III - Dados ligados à história da doença, como o
tipo de apresentação, uso anterior de Glucantime®, número, localização, tipo e tempo de
evolução das lesões, modalidade de confirmação diagnóstica, tempo de tratamento com o
antimonial, presença de outras doenças concomitantes e, finalmente, o eixo temático IV,
relacionado especificamente à grande variedade de efeitos colaterais possivelmente causados
84
pela droga, divididos em oito sessões, a saber: efeitos colaterais de caráter geral, músculoesqueléticos, gastrointestinais, da pele, cardíacos, referentes a função hepática, renal e
pancreática.
4.5 Análise dos dados
Os dados foram classificados de forma sistemática. A distribuição de freqüências
foi utilizada para avaliar as características gerais da amostra e também para investigar
possíveis erros de digitação dos dados brutos, que foi realizada no programa Statistical
Package for Social Science (SPSS) versão 11.0.
4.6 Considerações éticas
O presente respeita todos os procedimentos éticos, em conformidade com a norma
do CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), respeitando a Resolução no. 196/96
do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (CNS, 1996).
Cabe esclarecer que o presente estudo é considerado uma investigação sem riscos,
já que não se realizará nenhuma intervenção que possa afetar fisiológica, psicológica ou
socialmente os pacientes.
Devido a implicações legais, e a fim de manter princípios éticos, as identidades
dos sujeitos serão mantidas em sigilo e as informações confidencialmente garantidas. A
solicitação e guarda dos prontuários foi feita através do Termo de Fiel Depositário (Anexo B),
tendo o projeto sido apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São
José (Anexo C).
85
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1 Considerações iniciais
Na trajetória de nossa pesquisa, tivemos que enfrentar inúmeros percalços, que
conseguimos superar graças a persistência em realizar este trabalho, esforçando-nos ao
máximo para que pudesse tornar-se proveitoso não apenas para nós, mas para todos aquele
que vierem a manuseá-lo em busca de conhecimento sobre a LTA e o fármaco de primeira
escolha em seu tratamento, o antimoniato de N-metilglucamina, alvos de nosso estudo.
Não pudemos, no entanto, livrar-nos de todo ônus causado pelos transtornos
durante o processo de coleta dos dados, pois as dificuldades nos forçaram a, além de
modificar nossos objetivos iniciais (por conta de nos depararmos com uma amostra muito
menor do que a que buscávamos inicialmente), um gasto excessivo de tempo, dentre outros
recursos empregados para concluí-lo.
A fim de não nos estendermos demasiadamente na descrição deste processo,
narramos toda a problemática de nossa pesquisa num diário de campo, que pode ser
encontrado no apêndice C do presente trabalho. Apresentamos então a seguir, de forma
resumida, as informações de maior interesse para esta seção.
Iniciamos nossa empreitada para realizar a coleta dos dados, em janeiro de 2006,
quando nos dirigimos ao SAME (Serviço de Arquivo Médico-Estatístico) do Hospital São
José de Doenças Infecciosas (HSJ), com o objetivo de nos tornar sabedores do número de
portadores de leishmaniose tegumentar americana que utilizaram o Glucantime® como
tratamento de sua patologia no ambulatório especializado em leishmaniose, no período de
janeiro a junho de 2005. Sem este dado, o cálculo da amostra populacional não poderia ser
realizado e, portanto, não poderíamos concluir o projeto para dar entrada na comissão de ética
do HSJ, trâmite essencial para sua aprovação. Desta forma, a coleta de dados dependia
estreitamente deste fator.
Foi então disponibilizado pelo SAME um relatório contendo o número total de
pacientes atendidos com LTA no 1º semestre de 2005, período inicialmente escolhido por nós
para a pesquisa, estimado em 777 pacientes, de acordo com os dados constantes no serviço de
informática do setor. Após percorrermos um longo caminho em busca do número de pacientes
que, dentre estes, realmente haviam utilizado o Glucantime® como tratamento, a fim de
delimitar nossa amostra, descobrimos que o dado era inexistente.
86
Após buscarmos ajuda em inúmeros setores e através de várias pessoas, uma das
profissionais médicas do ambulatório especializado em leishmaniose, ao tomar conhecimento
dos números expressos no relatório que recebemos do SAME, imediatamente os reconheceu
como equívocos. Levou-nos então ao departamento especificamente responsável pela
organização deste ambulatório, onde solicitamos novamente os dados necessários. Fomos
então informados de que, lamentavelmente, estes não poderiam ser recuperados, pois antes do
2º semestre de 2005 não havia qualquer controle organizado a fim de contabilizar estas
informações. No entanto, a partir do 2º semestre de 2005, alguns dados, que não incluíam
número de usuários de Glucantime®, poderia ser obtidos através da contagem das “fichas de
controle”, preenchidas manualmente na recepção quando da chegada do paciente. Não haviam
disponíveis, na ocasião, arquivos informatizados de onde estes dados pudessem ser
prontamente consultados.
Por conta destes fatores, tivemos que modificar o período estudado, do 1º para 2º
semestre de 2005, assim como a metodologia de realização da análise, pois de uma amostra
delimitada a partir de uma população bem mais numerosa, nos dispusemos a analisar toda a
população de pacientes do ambulatório especializado, portadores de LTA, do 2º semestre de
2005, mesmo porque, a contagem manual das fichas nos revelou ser esta população de apenas
72 pacientes.
Desta forma, finalizamos o projeto para dar entrada na comissão de ética do HSJ.
Considerando que a grande maioria destes pacientes deveria ter usado o Glucantime® como
tratamento de sua patologia, como nos havia sido anteriormente informado, teríamos uma
amostra razoável.
Adentramos então nos arquivos do Hospital São José, após aprovação do projeto
pelo Comitê de Ética em Pesquisa, 6 meses após nossa primeira visita ao SAME, em junho de
2006, a fim de ter em mãos os 72 prontuários que seriam o substrato de nosso estudo.
Infelizmente, ao solicitar ao SAME estes documentos, imediatamente constatamos
que, dos 72 prontuários requeridos, 22 deles(quase um terço do total) não foram encontrados,
não o sendo nem naqueles dias e nem em nenhuma outra ocasião que saibamos, tendo sido
dados após muitos dias de expectativa como extraviados ou inexistentes. Uma funcionária do
setor, explicou-nos que, ao chegar na recepção do HSJ, todo paciente destinado ao
ambulatório de leishmaniose preenche uma ficha antes do atendimento (a “ficha de controle”
anteriormente citada, onde fica registrado o número do prontuário), e, recebendo o
atendimento inicial, muitas vezes não permanece em acompanhamento no HSJ, sendo
devolvido para o local de origem, com o parecer do(a) médico(a) do ambulatório. Nestes
87
casos, segundo ela, o prontuário pode não existir, pois só é aberto de fato quando o paciente
permanece em acompanhamento no HSJ. Aos olhos do SAME, portanto, ele é um paciente
real, que tem ficha e número de prontuário, mas na realidade, nem tem prontuário, nem
tornou-se paciente acompanhado pelo ambulatório de leishmaniose do HSJ.
Após todo esse tempo, ainda não sabemos se esta é ou não realmente a razão para
o ocorrido, e ao buscarmos ajuda junto a responsável maior pelo SAME do ambulatório de
leishmaniose, esta nos respondeu apenas que se os prontuários existissem, estariam no SAME.
Quero então concluir, de forma embaraçosa, que da população estudada de 50
indivíduos, 16 deles não tinham, na realidade, uso de Glucantime® documentado em seu
prontuário, como esperávamos da grande maioria dos pacientes; 04 acabaram obtendo, após
investigação diagnóstica, outros diagnósticos que não LTA, como úlcera varicosa, por
exemplo; 04 estavam equivocadamente classificados pelo SAME como portadores de LTA,
sendo na verdade portadores de calazar; um era portador de HIV, tendo seu prontuário sido
também inadequadamente arquivado junto aos pacientes de LTA e um outro prontuário
encontrava-se totalmente em branco, perfazendo um total de apenas 24 prontuários válidos.
Ao compartilharmos todas essas dificuldades, dentre outras, com a Coordenação
do Curso de Especialização em Dermatoses de Interesse Sanitário, decidimos realizar o
estudo, lamentavelmente, apenas com estes 24 prontuários, modificando os objetivos da
pesquisa e passando a focalizar somente a rotina do ambulatório do HSJ, nos abstendo de
fazer qualquer inferência ou dedução a respeito de nossa realidade regional, como havíamos
proposto inicialmente no projeto.
5.2 Apresentação e análise dos dados
5.2.1 Seção 1 - Identificação dos pacientes e procedência
Através da análise dos dados, pudemos observar que a clientela do ambulatório
especializado em leishmaniose do HSJ, no que diz respeito aos pacientes portadores de LTA
tratados no período de julho a dezembro de 2005, não apresentou, quanto ao sexo,
predominância marcante de pacientes masculinos ou femininos, embora o sexo feminino
(n=13 pacientes ou 54,2%) tenha se sobressaído apenas discretamente sobre o sexo masculino
(n=11 pacientes ou 45,8%), exteriorizando um padrão de equivalência entre os sexos (Tabela
01).
88
Tabela 01 - Distribuição da amostra de acordo com a variável sexo, em prontuários de pacientes
acometidos por LTA atendidos ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a
dezembro de 2005.
Masculino
Feminino
total
N
11
13
24
%.
45,8%
54,1%
100%
Quanto a idade , esta variou entre a mínima de 6 anos e a máxima de 68 anos, com
média de 38,4 anos.
Com relação a raça e/ou cor não houve, no período estudado, presença
documentada de pacientes negros, embora o número de pardos (n=12 pacientes ou 50%) e de
brancos (n=11 pacientes ou 45,8%) tenha apresentado significativa equivalência, com
bastante discreta prevalência da cor parda (Gráfico 02).
01
11
Brancos
Pardos
12
Negros
Ignorado
Gráfico 02 - Representação da distribuição da amostra de acordo com a variável Raça/cor em prontuários
de pacientes acometidos por LTA atendidos ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de
julho a dezembro de 2005.
Através da análise da procedência dos pacientes do grupo estudado, verificamos
que quase metade deles, e também sua maioria, eram provenientes da MR 1 (Microrregião 1),
que engloba a capital cearense e municípios vizinhos, perfazendo o número de 11 indivíduos
ou 45,8% do total estudado (Gráfico 03).
89
8
N 7
6
8
5
4
3
2
1
0
Fortaleza
Aquiraz
2
Itaitinga
1
Municípios
Gráfico 03 - Representação da distribuição da amostra, procedente exclusivamente da microrregião 1, em
prontuários de pacientes acometidos por LTA atendidos ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no
período de julho a dezembro de 2005.
Dentre estes 11 indivíduos, 08 (33,3%) provinham da área urbana de Fortaleza, 02
(8,3%) da zona rural de Aquiraz e um paciente, da zona rural de Itaitinga (4,1%). Sendo que,
destes 08 pacientes provenientes da cidade de Fortaleza, 04 admitiram claramente, segundo
dados em prontuário, a possibilidade de terem contraído a doença através de deslocamentos a
áreas de maior endemicidade em LTA. Destes últimos, 03 indivíduos relatavam viagens a
cidades cearenses possuidoras de regiões serranas, como Ubajara, Pacoti e Itapipoca,
enquanto o quarto paciente afirmava (também através dos dados contidos em prontuário) ter
adquirido a doença após deslocamento para a localidade de Buriti, no Maranhão. Os demais
prontuários dos pacientes provenientes da MR 1, assim como os daqueles provenientes das
demais MRs estudadas, não continham informações a esse respeito em nenhum de seus
documentos.
Observamos em segundo lugar de freqüência, a ocorrência de 06 pacientes (25%
do total dos prontuários avaliados) provenientes da MR 2, que é a de Caucaia, todos
provenientes da zona rural deste município. Com o mesmo número de pacientes da MR 2,
encontramos a MR 3, que engloba o município de Maracanaú, com 06 pacientes, dentre os
quais constatamos: 03 pacientes da zona rural do município de Redenção (12,5% do total
estudado); 02 do município de Maracanaú (8,3%), um procedente da zona urbana e outro da
zona rural desta cidade; e o último deste grupo (4,1%), da zona rural do município de
Maranguape. Finalizando em último lugar de ocorrência, constatamos a MR 6, com um
paciente proveniente da zona rural do município de Trairi. A distribuição por microrregião
90
dos pacientes incluídos no estudo pode ser visualizada abaixo, no gráfico 04. Ressaltamos que
a subdivisão do Estado do Ceará em microrregiões e municípios encontra-se à disposição para
consultas no Apêndice A do presente estudo.
12
11
N
10
8
6
6
MR 1
MR 2
6
MR 3
MR 6
4
2
1
0
Microrregião
Gráfico 04 - Representação da distribuição da amostra de acordo com a variável procedência por
microrregião, em prontuários de pacientes acometidos por LTA atendidos ambulatorialmente no HSJ Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005.
Por todo o exposto, podemos verificar que a maioria dos pacientes estudados
provém da zona rural, ou seja, 15 deles, perfazendo 62,5% do total de indivíduos avaliados,
enquanto 09 pacientes foram oriundos da zona urbana, perfazendo 37,5% deste total (Gráfico
05).
Zona Urbana
Zona Rural
12
10
8
N
8
6
4
2
0
1
6
5
3
0
1
0
MR 1
MR 2
MR 3
MR 6
Microrregiões
Gráfico 05 - Representação da distribuição da amostra de acordo com as variáveis procedência por
microrregião e zona de procedência,
em prontuários de pacientes acometidos por LTA atendidos
ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005.
91
Queremos acrescentar que, dos 24 pacientes avaliados, 03 enquadraram-se na
categoria de zona rural segundo dados em prontuário, mas especificaram, no entanto,
endereço detalhado com nome de rua, número da residência e bairro, o que geralmente não
ocorre em domicílios de zona rural, gerando algumas controvérsias. Estes fatos são melhor
detalhados no quadro a seguir, produzido a partir dos dados anteriormente comentados, a fim
de tornar de fácil acesso a compreensão do cruzamento dos dados relativos a procedência por
MR e município versus zona de procedência (Quadro 04).
Quadro 04 - Distribuição da amostra de acordo com as variáveis procedência por microrregião, zona de
procedência e município, em prontuários de pacientes acometidos por LTA, atendidos ambulatorialmente
no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005.
Microrregião
(MR)
MR 1 – Fortaleza
MR 2 – Caucaia
MR 3 – Maracanaú
MR 6 – Itapipoca
Total
Município
Fortaleza
Aquiraz
Itaitinga
Caucaia
Redenção
Maracananaú
Maranguape
Trairi
Zona de
Procedência
Urbana
Rural
08
01
09
02
01*
06*
03
01*
01
01
15
Total
11
06
06
01
24
* significa que 1 paciente forneceu endereço com nome de rua, nº da casa e bairro, a despeito de ter-se intitulado como proveniente de zona
rural
Verificamos ainda que a clientela do período estudado constituiu-se basicamente
de indivíduos residentes na própria capital e sua área metropolitana, assim como municípios
próximos, pois não houve registro de pacientes procedentes de municípios distantes, como
poderíamos esperar que ocorresse num centro de referência como o HSJ. Isso poderia
significar que, com relação ao manejo da LTA nos municípios distantes da capital, o acesso
ao tratamento gratuito, a organização destes municípios em microrregiões, cada uma com sua
cidade pólo, e os altos índices de cura da doença com o tratamento de escolha, estão
assegurando a permanência dos pacientes em suas localidades de origem, aliviando a
demanda enviada ao Hospital São José. Observamos, inclusive, que a clientela do ambulatório
de leishmaniose do HSJ, no que diz respeito a LTA, parece ser constituída principalmente
daqueles indivíduos que, por iniciativa e informação própria procuram o serviço,
aparentemente sem a necessária visita a unidade de saúde mais próxima do domicílio, já que
92
não constam nos prontuários analisados, qualquer guia de referência ou carta de
encaminhamento, o que poderia sugerir que este comportamento faz parte de um “hábito”
cultivado por esses grupos ou, talvez, falta de informação sobre a descentralização da
assistência à saúde, por parte dos pacientes que se vêem supostamente acometidos pela
“ferida brava” ou leishmaniose cutânea, residentes na capital e municípios próximos.
5.2.2 Seção 2 - Dados sócio-econômicos
Sobre o grau de escolaridade dos pacientes atendidos durante o período do estudo,
podemos asseverar que a grande maioria enquadrou-se em níveis de baixa escolaridade, sendo
representada por 16 indivíduos ou 66,6% do total, que haviam cursado, até aquele momento,
apenas parte do ensino fundamental. Nas demais categorias figuram ainda: 03 indivíduos
(12,5%) não alfabetizados; 02 (8,3%) com ensino médio completo; um (4,1%) possuidor
apenas do ensino básico (4,1%); um (4,1%) com o ensino fundamental completo e apenas um
indivíduo (4,1%) detentor de nível educacional superior. Nenhum paciente foi incluído na
categoria ensino médio incompleto (Gráfico 06).
N
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
16
Superior
Médio Compl.
Médio Incompl.
Fund. Compl.
1
3
2
0
1
1
Fund Incompl.
Básico
Não Alf.
Nível Educacional
Gráfico 06 - Representação da distribuição da amostra de acordo com a variável nível educacional, em
prontuários de pacientes acometidos por LTA atendidos ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no
período de julho a dezembro de 2005.
Isto vem a corroborar que a LTA continua sendo doença predominante na classe
menos favorecida, inclusive educacionalmente; aliás, como a grande maioria das doenças
infecciosas endêmicas no Brasil.
93
Infelizmente, o modo como é expresso o nível de escolaridade dos pacientes nos
prontuário gera várias controvérsias, posto que é registrado em duas fontes de maneiras
diferentes: a ficha de notificação, que utiliza o fator “anos de estudo completos”, como por
exemplo, 1 a 3 anos de estudo completo, ou 4 a 7 anos de estudo completo etc., sem alusão às
denominações: ensino básico, fundamental, médio e superior. A outra fonte são as fichas de
controle ambulatorial emitidas pelo SAME, preenchidas manualmente utilizando termos
vagos, como “primário” e “segundo grau”. Do cruzamento destes dados surgiram aqueles
anteriormente apresentados, muito provavelmente, carentes de perfeita acurácia.
Após apreciação da variável “principal ocupação”, percebemos que a maioria,
constituída por 08, dos 24 indivíduos estudados, tinha como principal ocupação a
classificação “atividades trabalhistas não agrícolas”, perfazendo um percentual de 33,3%
deste total, representando a maioria dentre as categorias indicadas. Constatamos que todos
estes indivíduos eram mulheres, e dentre elas figuravam: 05 pacientes (20,8%) que foram
classificadas, segundo dados documentais como “domésticas”; 02 pacientes (8,3%) que
tiveram como qualificação identificada a profissão de costureira, e a última (4,1%), como
funcionária pública, o que sugere, neste grupo, a prevalência de atividades profissionais de
baixa remuneração. Cremos, no entanto, ser importante considerar o fato de que,
provavelmente, dentre as pacientes classificadas como domésticas, poderiam estar algumas
que seriam melhor classificadas como praticantes de “prendas do lar”, posto que o termo
“doméstica”, em nosso meio, torna dúbia a compreensão do dado quanto a exercer atividade
profissional remunerada ou apenas cuidar do próprio domicílio e família. Dentre os 24
indivíduos analisados, a única paciente realmente classificada como praticante de “prendas do
lar”, por exemplo, apresenta em outros componentes documentais também a denominação
“doméstica”. Nossa intenção foi, no entanto, separar aquelas pacientes com atividade
profissional remunerada daquelas que não a exerciam, estas últimas, sob a denominação
“prendas do lar”. Em segundo lugar de ocorrência, detectamos 07 pacientes inclusos na
categoria “estudante”, traduzindo percentual de 29,2% do total. Apenas 03 pacientes (12,5%)
foram classificados como mantenedores de atividades agrícolas como principal ocupação.
Além destes, foram registrados 04 pacientes (16,6%) identificados como aposentados, não
sendo registrada a profissão anterior quando em atividade e ainda um outro (4,1%) descrito
como pensionista (Tabela 02).
94
Tabela 02 - Distribuição da amostra de acordo com a variável principal ocupação, em prontuários de
pacientes acometidos por LTA, atendidos ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a
dezembro de 2005.
N
Atividade não agrícola 8
Estudante
7
Aposentado
4
Atividade agrícola
3
Do lar
1
Pensionista
1
Total
24
%
33,3%
29,2%
16,6%
12,5%
4,1%
4,1%
100%
Passos et al. (2001) relacionam o maior atendimento em LTA a homens adultos
numa unidade de saúde, à transmissão extradomiciliar em população economicamente ativa,
enquanto que o atendimento de mulheres, crianças e pessoas com ocupação não agrícola
sugere transmissão intra e/ou peridomiciliar.
Através destes dados, podemos então deduzir que o padrão epidemiológico
provável de transmissão da leishmaniose tegumentar americana, para pelo menos a grande
maioria da clientela avaliada, não esteve ligado a atividades agrícolas, extrativistas ou de
colonização recente, que envolvem contato com áreas florestais, mas, que a clientela atendida
no HSJ no período estudado, diz respeito a praticantes de atividades não agrícolas
provenientes de áreas de colonização antiga, sendo contaminados mais provavelmente no
domicílio, peridomicílio ou em áreas rurais e de periferia dos centros urbanos, através da
proximidade de nichos de área verde modificada pelo homem, onde proliferam flebotomíneos,
ou ainda, por ocasião viagens a localidades de maior endemicidade, notadamente áreas
serranas, por motivo de lazer.
Quanto a particularidades ambientais e sociais investigadas através do instrumento
de coleta, como características do domicílio e peridomicílio, da renda familiar específica,
zona de realização da principal ocupação, características do local onde é desenvolvida a
principal ocupação e a zona do local provável onde ocorreu a contaminação, pontos
importantes para traçar o perfil epidemiológico dos pacientes acometidos, não foram
encontrados, infelizmente, registros suficientes nos prontuários para realizar qualquer análise
válida com relação a estes aspectos, motivo pelo qual foram excluídos do estudo.
5.2.3 Seção 3 - Sobre a leishmaniose tegumentar americana
95
Sobre o estudo da doença propriamente dita, verificamos que 19 pacientes
(79,1%) apresentavam a doença pela primeira vez; apenas um paciente (4,1%) já a havia
apresentado anteriormente, enquanto 04 deles (16,6%), não apresentavam o dado disponível
em prontuário, o que veio a reduzir a acurácia da investigação neste item. Quanto ao uso
anterior de Glucantime®, apenas o paciente anteriormente citado com antecedentes de LTA,
possuía relato anterior de uso da droga, tratando-se de indivíduo de 52 anos, sexo feminino,
residente na área urbana de Fortaleza (MR 1), e que não apresentou, a despeito de estar
utilizando o antimonial pela segunda vez, qualquer relato de efeito colateral descrito em
prontuário, sendo que neste, não haviam também dados sobre o possível local de
contaminação em ambas as ocasiões da apresentação da doença.
Todos os pacientes inclusos na análise apresentavam apenas lesões tegumentares,
ou seja, ausência de acometimento de mucosas. Com relação ao número de lesões, a maioria,
representada por 15 dos 24 indivíduos analisados, apresentava lesão única, perfazendo 62,5%
deste total. A seguir figuraram aqueles com 2 a 3 lesões, com uma freqüência de 07 pacientes
(29,1%). Apenas um paciente (4,1% do total) enquadrou-se na categoria de 4 a 6 lesões, assim
como um outro (4,1%), que registrou presença de mais de 6 lesões. A presença de lesão única
na maioria da população estudada sugere que estas lesões foram originadas apenas através das
picadas infectantes e não através de disseminação linfática e/ou hematogênica, como pode
ocorrer nos casos com múltiplas lesões (Tabela 03). No entanto, segundo Marsden (1985,
apud AMPUERO, MACÊDO & MARSDEN, 2006) duas ou mais lesões no mesmo segmento
corporal, notadamente em adultos, também podem ser ocasionadas exclusivamente através de
picadas infectantes múltiplas, pois os segmentos corporais nestes indivíduos detém uma área
maior, quando comparada à área dos mesmos segmentos em crianças, o que seria um fator de
proteção contra a disseminação linfática.
Tabela 03 - Distribuição da amostra de acordo com a variável número de lesões, em prontuários de
pacientes acometidos por LTA atendidos ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a
dezembro de 2005.
96
Número de
lesões
Lesão única
2 a 3 lesões
4 a 6 lesões
Mais de 6 lesões
Total
N.
%.
15 62,5%
7 29,1%
1 4,1%
1 4,1%
24 100%
Quanto à localização das lesões, pudemos constatar que apenas 02 pacientes
(8,3%) apresentavam multiplicidade de localização das lesões: um portava 01 lesão em tronco
e 01 em membro inferior, e o outro indivíduo, 01 lesão em tronco e 05 lesões em membros
superiores (Tabela 04).
Tabela 04 - Distribuição da amostra de acordo com a variável localização das lesões, em prontuários de
pacientes acometidos por LTA atendidos ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a
dezembro de 2005.
Localização
Somente membros inferiores
Somente tronco
Somente membros superiores
Tronco e membros superiores
Tronco e membros inferiores
Ignorada
Total
N
10
3
1
1
1
8
24
%
41,6%
12,5%
4,1%
4,1%
4,1%
33,3%
100%
Dos demais, 10 pacientes (41,6%) apresentavam lesões somente em membros
inferiores: 08 indivíduos com lesão única e 02 com lesões múltiplas (de 2 a 3 lesões); 03
(12,5%) apresentavam lesões apenas em tronco, todos estes com úlcera única; e um paciente
(4,1%) com lesão única em membro superior, perfazendo 14 pacientes acometidos sem
multiplicidade do local de lesões (58,3%). Infelizmente 08 pacientes, integrando 33,3% do
total, não continham o dado disponível em prontuário (Gráfico 07).
97
N
Lesões Múltiplas
Lesão Única
12
10
2
8
6
9
4
0
5
2
0
MI
TR
1
1
MS
Localização das Lesões
Gráfico 07 - Representação da distribuição da amostra de acordo com as variáveis número de pacientes
conforme a localização das lesões por segmento corporal (individual) e multiplicidade de lesões, incluindo
os pacientes com e sem multiplicidade do segmento corporal acometido, segundo descrito em prontuários
dos pacientes acometidos por LTA atendidos ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de
julho a dezembro de 2005.
Sabe-se que os flebotomíneos vivem preferencialmente ao nível do solo,
possuindo vôo curto, em saltitos sobre a superfície de pouso (CAMARGO-NEVES,
2000/2001, FERREIRA, 2006b), de forma que a localização das lesões acima da cintura
pélvica, notadamente em tronco e face, sugerem um padrão de transmissão provavelmente
intra ou peridomiciliar, notadamente entre as crianças, pois existe coincidência do horário de
maior atividade endofágica do mosquito com o momento em que estas encontram-se no leito,
com maior exposição da parte superior do corpo, área também comumente exposta em
ambiente intradomiciliar durante a vigília, notadamente por adultos do sexo masculino e
crianças. Em ambiente extradomiciliar, comumente o corpo encontra-se mais protegido pelas
vestimentas, com exposição mais freqüente de membros inferiores, tornando-se este segmento
corporal alvo principal dos vetores nestas condições, como observamos em nosso estudo,
onde 11, dos 16 prontuários válidos para a questão demonstraram lesões nesta localização.
Tivemos também a intenção de avaliar o tempo que cada paciente levaria, uma
vez obtido o diagnostico inicial da doença, supostamente em unidade de saúde próxima do
domicílio, até ser encaminhado ao HSJ, provavelmente por esta unidade local, ou ainda, até
que tivesse a iniciativa própria de procurar o atendimento do ambulatório especializado em
leishmaniose deste hospital, a fim de mensurar o grau de dificuldade para obtenção de cura,
através da apreciação do espaço de tempo percorrido, que estes enfrentariam desde o
98
aparecimento das lesões até o desfecho final, com necessidade de acompanhamento em
serviço de referência. Por isso, foram incluídos no instrumento de pesquisa os quesitos: tempo
de evolução das lesões até o diagnóstico inicial e tempo de evolução das lesões até a primeira
consulta no HSJ. Através do primeiro, constatamos que dos 24 pacientes analisados, 18 deles
(75%) tinha menos de 3 meses de evolução da doença até o momento do diagnóstico; 05
pacientes (20,8%) possuíam evolução de 3 a 5 meses; e apenas um (4,1%) tinha evolução de 6
a 11 meses (Tabela 05).
Tabela 05 - Distribuição da amostra de acordo com a variável tempo de evolução das lesões até o
diagnóstico inicial, em prontuários de pacientes acometidos por LTA, atendidos ambulatorialmente no
HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005.
Menos de 3 meses
De 03 a 05 meses
De 06 11 meses
Total
N
18
5
1
24
%
75,0%
20,8%
4,1%
100%
Sobre o tempo de evolução das lesões até a primeira consulta no HSJ, os dados
coletados revelaram ausência de diferenças entre os resultados desta questão e da anterior
(tempo de evolução das lesões até o diagnóstico inicial), uma vez que observamos, em cada
um dos prontuários estudados, perfeita concordância do espaço de tempo demarcado para
ambas, levando a crer que estes indivíduos talvez não tenham sido encaminhados pelas
unidades de saúde próximas de seu domicílio em virtude de dificuldades relativas ao
diagnóstico e/ou ao tratamento (como ausência de cura com o tratamento de escolha). Na
verdade, como já dito anteriormente, nenhum dos prontuários avaliados continha carta ou guia
de encaminhamento, o que reforçaria a hipótese de que a ausência de diferenças entre o tempo
de evolução da doença até o diagnóstico inicial versus tempo de evolução das lesões até a
primeira consulta no HSJ, poderia significar que a maioria destes pacientes, por sua iniciativa
própria e independentemente do serviço de saúde que assiste sua área de procedência,
procurou o ambulatório especializado do HSJ, realizando na mesma ocasião, sua primeira
consulta neste estabelecimento e também o diagnóstico inicial da doença, revelando um ponto
de fragilidade das unidades de saúde locais, com relação ao manejo da LTA.
Com relação a modalidade de confirmação diagnóstica, observamos que a mais
utilizada no ambulatório especializado em leishmaniose do HSJ no período estudado, foi a
99
intradermorreação de Montenegro (IDRM), citada em 22 dos 24 prontuários (91,6%), sendo
mencionada 16 vezes como elemento de diagnóstico exclusivo (66,6%) e 06 vezes (25%) em
associação aos aspectos clínico-epidemiológicos.
Sabemos que os critérios clínico-epidemiológicos estão sempre presentes no
momento do diagnóstico da LTA e que este pode ser firmado a partir de uma boa anamnese
associada a um exame clínico e epidemiológico criteriosos, auxiliados ou não por exames
complementares. No entanto, estes foram citados somente em 08 dos 24 prontuários (33,3%)
como modalidade de confirmação diagnóstica utilizada: 06 vezes (25%) associados à IDRM,
como já ressaltamos anteriormente, e 02 vezes (8,3%) descritos como única modalidade de
confirmação. Não foram citadas outras formas de confirmação diagnóstica (Tabela 06 e
Gráfico 08).
Tabela 06 - Distribuição da amostra de acordo com a variável modalidade de confirmação diagnóstica, em
prontuários de pacientes acometidos por LTA, atendidos ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no
período de julho a dezembro de 2005.
N
IDRM
IDRM+Clín./Epid.
Clínica/Epidemiologia
Total
N
25
16
6
2
24
%
66,6%
25%
8,3%
100%
22
20
15
10
8
IDRM
Clín. / Epidem.
5
0
Modalidade de
Confirmação Diagnóstica
Gráfico 08 - Representação da distribuição da amostra de acordo com a variável modalidade de
confirmação diagnóstica, considerando cada variável citada individualmente, em prontuários de pacientes
acometidos por LTA atendidos ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a
dezembro de 2005.
100
Quanto a presença de outras doenças de ocorrência simultânea à LTA, a maioria
representada por 18 pacientes (75%), não as apresentava, enquanto 06 indivíduos (25%)
assinalaram concomitância de outras entidades patológicas. Com relação a estes últimos, 04
prontuários (16,6%) possuíam registros de hipertensão arterial sistêmica, sendo um dos
integrante deste grupo (4,1% do total avaliado), portador também de coronariopatia. Os dois
pacientes restantes apresentavam relato de anemia, que não se mostrou importante
laboratorialmente em um deles (4,1%), mas revelou-se bastante expressiva no outro indivíduo
incluído como portador desta patologia.
Levando-se em consideração a investigação sobre o período de tratamento quando
da ocorrência de efeitos colaterais associados ao Glucantime®, observamos que 07 pacientes
(29,1% do total) vieram a apresentar efeitos indesejáveis, e destes, 03 o fizeram
exclusivamente na 2ª metade do 1º ciclo do antimonial, 02 os manifestaram tanto na 1ª quanto
na 2ª metade do 1º ciclo da medicação e o último deste grupo os apresentou somente na 1ª
metade do ciclo. Concluímos então que o período mais prevalente em ocorrência de efeitos
colaterais
foi a 2ª metade do 1º ciclo, fato possivelmente relacionado à concentração
cumulativa da droga. Alterações ocorridas durante a primeira metade do tratamento
demonstram a existência de outros fatores determinantes, mais relacionados à toxicidade
intrínseca dos antimoniais (SALDANHA et al., 1999). Ressaltamos que nenhum dos
pacientes realizou, segundo dados em prontuário, um segundo ciclo de Glucantime® (Tabela
07), tendo todos estes obtido alta por cura sem recorrência das lesões até o momento da
realização da coleta de dados deste estudo, revelando excelente eficácia terapêutica do
medicamento no tratamento da leishmaniose cutânea.
Tabela 07 - Distribuição da amostra de acordo com a variável Tempo de tratamento quando da
ocorrência de efeitos colaterais, em prontuários de pacientes acometidos por LTA, atendidos
ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005
N.
Inexistem efeitos colaterais
17
1ª metade do 1º ciclo
1
1ª e 2ª metades do 1º ciclo
2
2ª metade do 1º ciclo
3
Ignorado
1
Total
24
5.2.4 Seção 4 – Efeitos colaterais do Glucantime®
%
70,8%
4,1%
8,3%
12,5%
4,1%
100%
101
Como já dito anteriormente, 07 dos 24 pacientes avaliados (29,1%) manifestaram
efeitos colaterais, índice bem inferior ao encontrado por Passos et al. (2001), que obteve
58,7% de ocorrência de efeitos indesejáveis, numa população de 383 indivíduos, dentre estes,
358 portadores de leishmaniose cutânea e 25 de leishmaniose mucosa. Este percentual foi
semelhante ao encontrado em recente estudo realizado por Rodrigues et al. (2006), que
demonstraram 59,6% de ocorrência de efeitos colaterais num universo composto por 151
indivíduos portadores de leishmaniose cutânea. Saldanha et al. (1999) observaram percentuais
ainda mais elevados, com ocorrência de efeitos colaterais em 70,7%, numa amostra de 58
pacientes, enquanto outro grupo de pesquisadores observou ainda ocorrência de alterações a
nível laboratorial (como alteração de creatinina sérica, piúria, leucopenia, eosinofilia e
elevação de tansaminases) em 42,2% de 41 pacientes acompanhados durante tratamento com
o Glucantime® (DE PAULA et al, 2003).
Veremos que esse menor índice de detecção de efeitos indesejáveis verificado em
nosso estudo se repetirá sucessivamente no decorrer de nossa explanação, fato que viremos a
questionar posteriormente.
Foram investigadas 8 categorias de efeitos colaterais relacionados ao antimoniato
de N-metilglucamina, a saber: efeitos colaterais de ordem geral; músculo-esqueléticos;
gastrintestinais; relacionados à pele; cardíacos; relacionados à função hepática; renal e
pancreática.
Observamos que, quanto aos efeitos colaterais de ordem geral, 22 pacientes, ou
seja, 91,6% do total, não os citaram, contudo, 02 indivíduos (8,3%) o fizeram: um (4,1%)
relatou hiporexia e lipotímia, fato ocorrido ainda na 1ª metade do 1º ciclo de Glucantime®, e
o outro (4,1%), relatou parestesias em membros e mal-estar geral durante a aplicação da
droga, fato ocorrido também na 1ª metade do 1º ciclo do antimonial. (Tabela 08)
Tabela 08 - Distribuição da amostra de acordo com a variável ocorrência de efeitos colaterais de ordem
geral, em prontuários de pacientes acometidos por LTA, atendidos ambulatorialmente no HSJ Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005.
Efetios
Colaterais N
Gerais
Hiporexia e lipotímia
Parestesias e mal-estar
Não foram citados
Total
%
1
1
22
24
4,1%
4,1%
91,6%
100%
102
Romero et al. (2003) encontraram em seu estudo sobre os efeitos colaterais do
antimoniato de N-metilglucamina, percentuais de distúrbios de ordem geral como anorexia,
entre 10,5 % e 25,9%; fadiga, entre 3,7 e 10,5%; febre, entre 15,8 e 29,6% e cefaléia entre
10,5% e 20,4% (n = 73 pacientes divididos em dois grupos, conforme o ano de tratamento:
1996 ou 2000). Outros autores observaram a ocorrência de alterações como cefaléia em
15,5% da população avaliada, assim febre em 8% desta, numa amostra composta por 58
pacientes portadores de leishmaniose cutânea (SALDANHA et al., 1999). Por sua vez,
Rodrigues et al. (2006) demonstraram índices de efeitos de ordem geral como fraqueza, em
7,9% de seus pacientes, cefaléia em 13,3% destes e febre em 6,6%, num universo de 151
pacientes. Nossos índices, como constatamos, mostram-se visivelmente inferiores aos que
constatamos na literatura consultada e ainda verificamos que, algumas queixas de incidência
considerável na literatura revisada nem sequer foram citadas nos prontuários dos pacientes
que avaliamos.
Quanto aos efeitos indesejáveis relacionados ao sistema músculo-esquelético, 20
indivíduos, ou 83,3% do total, não os relataram. Dos 04 pacientes (16,6%) assinalados como
portadores de queixas neste item, um (4,1%) relatou artralgia e mialgia, fato ocorrido no final
da 2ª metade do 1º ciclo; um outro (4,1%) informou presença de dores ósseas, também na 2ª
metade do 1º ciclo. Entre os dois pacientes restantes, um (4,1%) apresentou relato de dor
lombar já na 1ª metade do 1º ciclo e o último paciente do grupo, referiu dor monoarticular em
joelho esquerdo, de padrão pouco sugestivo de efeito ligado aos antimoniais, motivo pelo
qual veio a ser finalmente desconsiderado neste quesito, que concluímos com 21 indivíduos
isentos de feitos colaterais nesta categoria (87,5%) e 03 indivíduos (12,5 %) inclusos. As
queixas relacionadas ao sistema músculo-esquelético são freqüentemente citadas pelos
estudiosos do assunto como as de freqüência mais elevada durante o tratamento com
antimoniais (Gráfico 09).
103
Outros
25
20
Artralgia/Mialgia
1
1
1
Dor Óssea
Inexistente
15
10
21
5
0
Ocorrência de
Efeitos Colaterais
Gráfico 09 - Representação da distribuição da amostra de acordo com a variável ocorrência de efeitos
colaterais de caráter músculo-esquelético, em prontuários de pacientes acometidos por LTA atendidos
ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005.
Rodrigues et al. (2006) demonstraram ocorrência de mialgia em 22,5% dos
pacientes de seu estudo, e artralgia em 25,8% destes, num universo de 151 indivíduos.
Romero et al. (2003), em sua casuística, encontraram percentuais semelhantes, com índices de
mialgia que variaram entre 24,1% e 26,3% e de artralgia entre 10,5% e 35,2%, numa amostra
de 73 pacientes. Saldanha et al. (1999) descreveram ao 20º dia de tratamento com o
antimoniato de N-metilglucamina, ocorrência de 46,5% de acometimento por mialgia e/ou
artralgia, com n = 58. Novamente, índices mais elevados foram encontrados na literatura
consultada, em relação àqueles encontrados em nosso estudo.
Verificamos quanto aos efeitos relacionados ao sistema gastrintestinal, que 23
pacientes (95,8%) não os manifestaram segundo registros em prontuário, enquanto um
104
apresentou queixa de epigastralgia, correspondendo a 4,1% do total de indivíduos analisados,
evento ocorrido na 1ª metade do 1º ciclo.
Rodrigues et al. (2006) descreveram percentual de 6,6% em queixas de dor
epigástrica, numa população de 151 indivíduos, índice ligeiramente superior ao que
encontramos. O item “dor abdominal”, que pode ser sugestivo tanto de alterações
gastrintestinais quanto hepatopancreáticas, foi descrito por Saldanha et al. (1999) em 31% de
seus pacientes, sendo n= 58.
Com relação aos efeitos indesejáveis ligados à pele , 02 pacientes (8,3% do total)
assinalaram eventos nesta categoria: um deles (4,1% do total analisado), com relato de prurido
corporal e o outro (4,1%), com flebite no local de infusão da droga; fatos ocorridos, em ambos
os casos, em momento desconhecido durante a administração do antimonial. Todos os demais
22 pacientes (91,6%) não registraram ocorrência neste item (Gráfico 10).
1
Inexistentes
1
Prurido Corporal
Flebite
22
Gráfico 10- Representação da distribuição da amostra de acordo com a variável ocorrência de efeitos
colaterais relacionados à pele, em prontuários de pacientes acometidos por LTA atendidos
ambulatorialmente no HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005.
Segundo estudo realizado por Romero et al. (2003) a freqüência de rash cutâneo
em usuários de antimoniato de N-metilglucamina variou de 1,9 a 36,8%, com n = 73
pacientes, que foram divididos em dois grupos conforme o ano de realização do tratamento:
1996 para o primeiro grupo ou 2000, para o segundo grupo. O índice bastante elevado do
segundo grupo (36,8%), pareceu estar intimamente relacionado à contaminação por metais
pesados, como chumbo, cádmio e arsênio, presentes no medicamento fabricado pelo
105
laboratório Eurofarma, então utilizado no tratamento deste segmento. As variações de pH nas
diferentes formulações dos antimoniais pode estar ligado à incidência de reações locais (como
flebite), ocorrendo mais freqüentemente quanto maior a acidez da preparação (ROMERO et
al., 2003).
Ao enfocarmos os importantes efeitos indesejáveis de ordem cardíaca,
observamos que apenas um paciente (4,1%) pareceu apresentar, de fato, alterações nesta
categoria relacionadas ao Glucantime®. Esta, uma senhora de 65 anos de idade, acompanhada
em regime de internamento, passou a apresentar queixas de palpitações já no 3º dia do 1º ciclo
do medicamento, com taquicardia no final da 1ª metade deste, evoluindo com inversão de
onda T no final da 2ª metade do 1º ciclo, quando a medicação foi suspensa. Chegou a usar
ainda o Glucantime® por 22 dias, sob observação rigorosa e com períodos de dosagem
reduzida a até meia ampola da droga (cerca de ¼ da dose indicada para seu peso), quando a
medicação foi retirada definitivamente do tratamento. As alterações documentadas foram
todas revertidas após a interrupção do antimonial. Uma outra paciente (4,1%) relatou dor
retroesternal, possivelmente não relacionada ao uso do Glucantime®, uma vez que continuou
sintomática meses após a interrupção do medicamento e não apresentando qualquer alteração
eletrocardiográfica (ECG) durante o uso da droga. Portanto, consideramos que no mínimo
91,6% da população estudada, ou seja, 22 pacientes, e muito provavelmente 23 (95,8%), não
apresentaram efeitos colaterais de natureza cardíaca relacionadas ao Glucantime® durante seu
tratamento. Salientamos que, em ambos os casos, a medicação foi suspensa, a fim de evitar
maiores riscos às pacientes (Gráfico 11).
1 1
Inexistentes
Alterações ECG
Dor Retroesternal (?)
22
106
Gráfico 11 - Representação da distribuição da amostra de acordo com a variável Ocorrência de efeitos
colaterais cardíacos, em prontuários de pacientes acometidos por LTA atendidos ambulatorialmente no
HSJ - Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005.
Segundo a casuística de Saldanha et al. (2000), foram encontradas alterações
eletrocardiográficas em 43% dos pacientes, com n = 47, sendo as alterações do intervalo QT
as mais freqüentes com ocorrência em de cerca de 23% da população avaliada. Alterações
isquêmicas foram também observadas em 11% desta população. Rodrigues et al. (2006)
encontraram resultados semelhantes, com aumento significativo do intervalo QT (nos quais
este intervalo ultrapassou 0,44 segundos) em 22,5% dos indivíduos, com n = 151. Em ambos
os estudos, as alterações observadas foram de modo geral pouco graves, não influenciando o
desfecho do tratamento. Em um estudo realizado por De Paula et al. (2003), foi iniciado
acompanhamento eletrocardiográfico semanal em 41 pacientes portadores de leishmaniose
tegumentar americana, em tratamento com antimoniato de N-metilglucamina. Destes,
somente 19 se mativeram constantes na rotina semanal de realização da avaliação
eletrocardiografia até o final do tratamento. Dentre esses últimos foram detectadas alterações
ao ECG em 11 indivíduos (57,8%), sendo em 10 pacientes caracterizados distúrbios da
repolarização ventricular e em um taquicardia sinusal.
Por vezes nos interrogamos a respeito das razões pelas quais os percentuais por
nós encontrados mostraram-se repetidamente inferiores aos descritos na literatura consultada
e passamos a considerar, além da possível subnotificação em prontuários, especificamente
neste caso, por exemplo, a escassez de acompanhamento semanal eletrocardiográfico, levando
em conta que muitos pacientes possuíam ECGs em seus prontuários, mas não realizados com
esta periodicidade, e quando realizados, provavelmente podem não ter tido alterações menos
importantes descritas manualmente nas evoluções, posto que tivemos oportunidade de nos
depararmos até com um prontuário sem evolução alguma. Sabemos também que a rotina de
exame eletrocardiográfico semanal é seguida mais firmemente nos protocolos de pesquisa que
no dia-a-dia do tratamento ambulatorial, principalmente em casos de pacientes jovens, hígidos
e sem fatores de risco, que comumente não exigem essa freqüência de realização de exame
eletrocardiográfico. Cremos que os ECGs nos estudos citados, em sua maioria, devem ter sido
minuciosamente interpretados por especialistas da área, o que teria contribuído também para
um melhor discernimento de alterações. Qualquer inferência, no entanto, carece das devidas
confirmações.
107
Após análise das alterações laboratoriais relacionadas à função hepática, foi
detectada a presença de 02 pacientes (8,3% do total), que apresentaram alterações leves,
inferiores a três vezes os valores considerados normais de TGO e TGP, registrados a partir da
segunda metade do 1º ciclo de Glucantime, enquanto os 22 indivíduos restantes (91,6%), não
possuíam relato de alterações neste quesito, com ressalva, porém, ao fato de que nem todos
estes pacientes possuíam, incluídos em seus documentos, exames específicos para avaliação
da função hepática.
Saldanha et al. (2000), em estudo comparativo entre o estibogluconato de sódio e
o antimoniato de N-metilglucamina (Glucantime®), encontraram nos indivíduos tratados com
esta última alternativa, alterações enzimática de TGO em 15% dos pacientes, de TGP em 2 %
e de fosfatase alcalina em 8,5% destes, com n= 47.
Com relação a função renal, apenas um paciente (4,1%) apresentou alteração do
nível de uréia, sem ultrapassar, no entanto, 56 mg/dl, ao final do 1º ciclo de Glucantime®,
concomitantemente á redução nos níveis de creatinina inicialmente obtidos, de 1,5 mg/dl, o
que torna controverso o dado. Não houve, neste caso, relato de outras alterações ligadas à
função renal. Os 23 pacientes restantes (95,8%), não apresentaram alterações laboratoriais
nesta área, mas observamos, assim como no quesito anterior, deficiência de dados relacionada
à escassez na realização de exames necessários a acurácia desta afirmativa, nem sempre
solicitados para todos os pacientes avaliados neste estudo. Com relação à literatura
consultada, observamos com maior freqüência apenas relatos de raros casos isolados de
insuficiência renal aguda e descrições de alterações leves, sem progressão mesmo com a
continuidade do tratamento e de regressão completa após a suspensão do antimonial.
Apenas um paciente (4,1%) apresentou alterações em provas de função
pancreática, com discreta elevação de amilase para 123 ui/dl, considerando os níveis de
normalidade entre 25 e 115 ui/dl, fato documentado cerca de sete dias após iniciado o uso do
antimonial. Os demais pacientes (95,8%) não apresentaram alterações registradas em seus
prontuários neste quesito, persistindo mais uma vez, também neste último, a deficiência de
dados observada nas questões anteriores, ocasionada pela escassez de solicitações de provas
laboratoriais
Saldanha et al. (2000) obtiveram índice de alteração na dosagem de amilase
pancreática em 36% dos pacientes tratados com o Glucantime®, em sua maior parte
assintomática, em estudo realizado com 47 pacientes portadores de leishmaniose tegumentar
americana.
108
Após a verificação de todos os dados apresentados, elaboramos o quadro a seguir
(Quadro 05) em que realizamos um cruzamento dos dados relativos à idade, sexo, tipo de
feitos colaterais, momento de ocorrência destes durante o tratamento e presença de doenças
concomitantes, com o objetivo de gerar uma visão panorâmica do grupo constituído por
aqueles indivíduos que protagonizaram a ocorrência destes efeitos indesejáveis durante o uso
do Glucantime®.
Quadro 05 - Distribuição da amostra de acordo com as variáveis idade, sexo, modalidade de efeito
colateral identificado, momento do tratamento quando da ocorrência dos mesmos e outras doenças
associadas, em prontuários de pacientes acometidos por LTA, atendidos ambulatorialmente no HSJ Fortaleza/Ce, no período de julho a dezembro de 2005.
No.
Idade
Sexo
Modalidades
01
10
Masc.
Função hepática
02
19
Masc.
Função hepática
Músculo -esquelético
Aumento discreto
de TGO e TGP
Aumento discreto
de TGO e TGP
Parestesias em
membros e malestar geral
Dor lombar
Cardíacos
Dor retroesternal
Músculo -esquelético
Artralgia
Mialgia
Aumento discreto
de uréia
Geral
03*
04
52
55
Fem.
Efeitos Colaterais
Fem.
Função renal
05
65
Masc.
Músculo -esquelético
Dores ósseas
06*
65
Fem.
Gerais
Hiporexia
Momento de
Oconência
2ª metade do 1º
ciclo
2ª metade do 1º
ciclo
1ª metade do
1º ciclo
Outras
doenças
Anemia
importante
1ª metade do
1º ciclo
1ª metade do
1º ciclo
2ª metade do 1º
ciclo
1ª metade do 1º
ciclo
2ª metade do 1º
ciclo
1ª metade do 1º
Não
Não
Não
HAS
Coronariopatia
HAS
109
Lipotímia
Gastrointestinais
Pele
Epigastralgia
Flebite no local de
infusão
Palpitações
Cardíacos
Taquicardia
Inversão da onda T
07
68
Masc.
Pele
Prurido corporal
ciclo
1ª metade do 1º
ciclo
Dado impreciso
1ª metade do 1º
ciclo
(início)
1ª metade do 1º
ciclo
(final)
2ª metade do 1º
ciclo
Dado impreciso
HAS
* Vieram a ter o antimonial suspenso por risco de complicações
Após a observação cuidadosa dos dados sintetizados no quadro anterior, podemos
discernir com mais clareza importantes considerações a respeito do perfil dos pacientes
acometidos por efeitos indesejáveis durante o uso do Glucantime® dentro de nosso universo
de estudo.
Evidenciamos, por exemplo, que 05 (71,4% dos 07 pacientes acometidos por
efeitos indesejáveis), tinham mais de 50 anos, situando-se entre as idades mínima e máxima
de 52 e 68 anos, respectivamente; corroborando que a idade mais avançada pode ser um
importante fator para o desenvolvimento de efeitos colaterais mediante uso dos antimoniais,
associação que não observamos, no entanto, quando o fator observado é o sexo dos pacientes,
uma vez que 04 homens e 03 mulheres foram relacionados como portadores de efeitos
indesejáveis, não havendo predominância significativa de um sexo sobre o outro.
Ressaltamos, no entanto, que o tamanho reduzido da população estudada, interfere na acurácia
desta inferência. Por outro lado, o sexo parece interferir de outro modo na ocorrência dos
efeitos colaterais, a partir do momento que observamos o fato de que, entre os homens,
predomina um padrão de queixa única (fato ocorrido em todos os pacientes masculinos), ao
passo que, nas mulheres, predomina o padrão de multiplicidade de queixas e ocorrência
simultânea de diferentes modalidades de feitos colaterais (fato ocorrido com todas as
pacientes citadas como manifestantes de efeitos colaterais). Seria então o sexo feminino, mais
sensível à toxicidade dos antimoniais que os homens? É o que os dados parecem sugerir. Com
relação ao sexo, identificamos também através dos dados obtidos que os homens tenderam a
apresentar feitos colaterais mais tardiamente que as mulheres, uma vez que todas estas
iniciaram alterações já na 1ª metade do 1º ciclo, ao contrário dos homens, que apresentaram
alterações caracteristicamente na 2ª metade do 1º ciclo, o que parece confirmar a assertiva
anterior.
110
Pudemos também notar que os efeitos colaterais mais prevalentes foram aqueles
relacionados ao sistema músculo-esquelético, com 03 citações, mas não muito mais
freqüentes que os efeitos indesejáveis ligados à alterações discretas da função hepática, da
pele e transtornos de ordem geral, todos com 02 citações cada. Outros transtornos citados,
como os de ordem gastrintestinal, de função renal e cardíaca, obtiveram, cada um, apenas uma
citação confirmada.
Dos 07 pacientes acometidos por efeitos indesejáveis, somente 02 tiveram que
interromper o uso de Glucantime®: uma paciente de 52 anos, com multiplicidade de queixas e
ocorrência de dor retroesternal, acompanhada de dispnéia principalmente aos esforços, sem
alterações eletrocardiográficas a despeito de inúmeros exames realizados, continuando
sintomática por meses após a suspensão da droga (motivo que nos levou a desvincular a
queixa do uso do antimonial), sendo esta utilizada apenas por 10 dias, mas com sucesso
terapêutico. No segundo caso, considerado o único com necessidade de interrupção do
tratamento por alterações realmente relacionadas ao uso do antimonial, diz respeito a uma
senhora idosa de 65 anos que desenvolveu transtornos de ordem cardíaca, inclusive com
alterações eletrocardiográficas descritas. Encontrava-se, no entanto, já no final do 1º ciclo
quando a droga foi suspensa.
Quanto a presença de doenças concomitantes à LTA, verificamos anteriormente
que 06 pacientes, ou seja, 25% dos 24 indivíduos estudados, as citaram. Destes 6 pacientes,
04, totalizando 66,6% dos acometidos por outras entidades patológicas concomitantes a LTA,
estão presentes dentre os 07 configurados como portadores de efeitos colaterais do
Glucantime®, traduzindo que 57,1% dos indivíduos que manifestaram estes efeitos colaterais,
eram também portadores de outras patologias concomitantes à LTA. Observamos, por
exemplo, que a criança portadora de anemia importante apresentou elevação discreta das
provas de função hepática, e que o paciente hipertenso e coronariopata manifestou severas
dores ósseas, fatos aparentemente sem nexo, mas, os dados parecem demonstrar que as
desordens orgânicas e metabólicas de modo geral parecem influenciar negativamente,
aumentando a sensibilidade dos indivíduos à toxicidade dos antimoniais e portanto a
freqüência de efeitos indesejáveis naqueles que portam tais alterações.
111
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através de todo o exposto anteriormente, podemos concluir em última análise que
o antimoniato de N-metilglucamina, o Glucantime®, trata-se de uma droga de extrema
eficácia no tratamento da leishmaniose tegumentar, demonstrando alto índice terapêutico na
população avaliada. Lamentavelmente, corrobora-se a característica de possuir um limiar
terapêutico próximo da toxicidade, com elevada freqüência de efeitos colaterais, visto que
constatamos registro destes em 29,1% dos prontuários analisados, índice próximo a um terço
da totalidade dos indivíduos incluídos em nosso estudo. Felizmente, estes efeitos indesejáveis
manifestam-se predominantemente em caráter discreto, não exigindo, na maioria dos casos,
interrupção precoce da droga. Consideramos, no entanto, que se faz necessário o devido
acompanhamento, tanto laboratorial quanto eletrocardiográfico, a fim de detectar e monitorar
a evolução desses efeitos colaterais, no sentido de discernir quem são aqueles indivíduos que
não suportarão por algum motivo a terapêutica, notadamente aqueles de idade mais avançada,
lembrando que o fator idade pode traduzir, muitas vezes, contra-indicação relativa ou absoluta
ao uso de antimoniais. Com pesar, verificamos que o acompanhamento laboratorial no HSJ,
no que se refere aos pacientes ambulatoriais portadores de leishmaniose tegumentar
americana, mostra-se insuficiente para dar-nos subsídios para diferenciar se os menores
índices de efeitos colaterais encontrados neste trabalho representariam uma característica de
nossa população ou mera subnotificação destes efeitos. Tememos muito pela segunda
alternativa.
Realizar um estudo como este veio aclarar a necessidade de outros estudos
semelhantes, que ajudem a desvendar importantes questionamentos, como o detalhamento
epidemiológico da leishmaniose tegumentar em nosso Estado, mutável com o decorrer dos
tempos, e um delineamento mais completo daqueles indivíduos passíveis de maior
sensibilidade à toxicidade dos antimoniais, corroborando fatos apenas suspeitados, como a
importância do sexo e de patologias concomitantes, mesmo as de menor gravidade, no
desenvolvimento de efeitos indesejáveis do Glucantime®.
Faz-se necessário considerar que esta avaliação abriu-nos os olhos para visualizar
condições ideais, a fim de solucionar nossos questionamentos de modo ainda mais
satisfatório, como a realização de um estudo multicêntrico, onde pudéssemos adentrar em
diferentes instituições de referência ligadas ao ensino médico, onde é mais fácil a implantação
de protocolos de pesquisa, nos quais esteja incluída a realização regular de exames
112
laboratoriais e eletrocardiográficos, tão importantes e tão escassos na rotina de tratamento da
LTA nas unidades básicas de saúde do Ceará; assim como uma abordagem direta ao paciente,
uma vez que a exploração dos dados contidos em prontuário revelou-se deficiente para extrair
um grande montante de informações das quais carecíamos, notadamente aquelas relacionadas
aos aspectos sócio-epidemiológicos dos doentes, grandemente negligenciados durante o
preenchimento destes documentos.
Poderíamos tornar possível, desta forma, um extenso estudo acerca do tema, num
universo mais numeroso e propício para colher os valiosos frutos que, por ocasião da
realização deste estudo, passamos a almejar a partir de agora.
Ao ser concluído o presente trabalho, encaminharemos cópia do mesmo ao
Hospital São José de doenças Infecciosas - HSJ - Ceará, local onde foi realizada a pesquisa,
pois recomendamos o devido conhecimento de seus resultados por parte desta instituição, na
esperança de que possa contribuir para benefício de seus profissionais e usuários.
113
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121
APÊNDICES
APÊNDICE A – MICRORREGIÕES DO ESTADO DO CEARÁ
122
Microrregião 1
FORTALEZA
Aquiraz
Cascavel
Chorozinho
Eusébio
Fortaleza
Horizonte
Itaitinga
Ocara
Pacajus
Pindoretama
Microrregião 2
CAUCAIA
Apuiarés
Caucaia
Gen. Sampaio
Itapagé
Paracuru
Paraipaba
Pentecoste
S.G. Amarante
S.Luís do Curu
Tejuçuoca
Umirim
Microrregião 7
ARACATI
Microrregião 3
MARACANAÚ
Acarape
Barreira
Guaiúba
Maracanaú
Maranguape
Pacatuba
Palmácia
Redenção
Microrregião 4
BATURITÉ
Aracoiaba
Aratuba
Baturité
Capistrano
Guaramiranga
Itapiúna
Mulungu
Pacoti
Microrregão 8
QUIXADÁ
Microrregião 9
RUSSAS
Amontada
Itapipoca
Miraíma
Trairi
Tururu
Uruburetama
Aracati
Beberibe
Fortim
Icapuí
Itaiçaba
Banabuiu
Choró
Ibaretama
Milha
Pedra Branca
Quixadá
Quixeramobim
Sen. Pompeu
Solonópole
Ibicuitinga
Jaguaretama
Jaguaruana
Morada Nova
Palhano
Russas
Microrregião 11
SOBRAL
Alcântaras
Cariré
Catunda
Coreau
Forquilha
Frecheirinha
Graça
Groaíras
Hidrolândia
Ipu
Irauçuba
Massapê
Microrregião 11
SOBRAL Cont.
Meruoca
Moraújo
Mucambo
Pacujá
Pires Ferreira
Reriutaba
Sta. Quitéria
Sant. Acarau
Senador Sá
Sobral
Uruoca
Varjota
Microrregião 12
ACARAÚ
Acaraú
Bela Cruz
Cruz
Itarema
Jijoca
Marco
Morrinhos
Microrregião 13
TIANGUÁ
Carnaubal
Croata
Guar. do Norte
Ibiapina
S. Benedito
Tianguá
Ubajara
Viçosa do CE
Microrregião 15
CRATEÚS
Ararendá
Crateús
Independência
Ipaporanga
Ipueiras
Mons. Tabosa
Nova Russas
Novo Oriente
Poranga
Quiterianópolis
Tamboril
Microrregião 16
CAMOCIM
Barroquinha
Camocim
Chaval
Granja
Martinópole
Microrregião 17
ICÓ
Baixio
Cedro
Iço
Ipaumirim
Lavr.Mangabeira
Orós
Umari
Microrregião 18
IGUATU
Acopiara
Cariús
Catarina
Dep. Ir.Pinheiro
Iguatu
Jucás
Mombaça
Piquet Carneiro
Quixelô
Saboeiro
Microrregião 20
CRATO
Microrregião 21
JUAZEIRO
Microrregião 6
ITAPIPOCA
Microrregião 5
CANINDÉ
Boa Viajem
Canindé
Caridade
Itatira
Madalena
Paramoti
Microrregião 10
LIM. DO
NORTE
Alto Santo
Ererê
Iracema
Jaguaribara
Jaguaribe
Lim. do Norte
Pereiro
Potiretama
Quixeré
S. J. Jaguaribe
Tab. Do Norte
Microrregião 14
TAUÁ
Aiuaba
Arneiroz
Parambu
Tauá
Microrregião 19
BREJO SANTO
Abaiara
Aurora
Barro
Brejo Santo
Jati
Mauriti
Milagres
Penaforte
Porteiras
123
Altaneira
Anton. do Norte
Araripe
Assaré
Campos Sales
Crato
Farias Brito
Nova Olinda
Potengi
Salitre
Sant. do Cariri
Tarrafas
Várzea Alegre
Barbalha
Caririaçu
Granjeiro
Jardim
Juazeiro do N.
Missão Velha
124
APÊNDICE B – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
Nº
I - Identificação do paciente
01
Número do prontuário
02
Gênero
1.Masculino
2.Feminino
3 Ignorado
03
Idade no momento do 1º atendimento no período de julho a dezembro de 2005
04
Cor/ Raça
1.Branca
2.Parada
3.Negra
4.Ignorado
1.Casado
2.Solteiro
3.Divorciado/Separado
05
Status Marital
4.viúvo
5.Ignorado
Procedência por microrregião (Uma das 21 microrregiões do Estado / Lista em anexo ou código 22
06
= Ignorado)
07
Procedência por município (ou Ignorado)
08
Endereço (ou Ignorado)
II - Dados sócio-econômicos
1.Não alfabetizado 2.Ensino básico 3.Ensino fundamental (incompleto)
09
Educação
3.Ensino fundamental (completo)
5.Ensino médio (incompleto)
6.Esino médio (completo) 7.Nível superior
8.Ignorado
10
Zona de localização do domicílio
1.Urbana
2.Rural
3.Ignorado
1.Próximo de matas
2.Próximo de bananais
Características do domicílio /
11
3.Possue cão de estimação 4.Presença de outros animais
Peridomicílio
domésticos próximos ao domicílio 5.Ignorado
1.Agrícola
2.Não agrícola
3.Estudante
12
Principal ocupação
4.Do lar
5.pensionista
6.Desmpregado
7.Pensionista 8.Aposentado
9.Ignorado
1.<1 salário mínimo
2. 1 a 2 salários mínimos
13
Renda familiar
3. 3 a 4 salários mínimos 4.>5 salários mínimos
5. Ignorado
Zona de realização
14
1.Urbana
2.Rural
3.Ignorado
da principal ocupação
Características
do
local
onde 1.Próximo de matas
2.Próximo de bananais
15
desenvolve a principal ocupação
3.Não há matas/bananais 4.Ignorado
1.Trabalho distante do domicílio
2.Atividade recreativa distante do domicílio
Ocasião provável
3.Atividade doméstica no peridomicílio
16
no momento da contaminação
4.Descanso ou atividade no interior do domicílio
5.Viajem
6.Outro
7.Ignorado
Zona do local provável
17
1.Urbana
2.Rural
3.Ignorado
de contaminação
III - Sobre a doença
18
Apresentação
1.Caso novo
2.Recidiva
3.Ignorado
Uso anterior de Glucantime®
1.sim
2.Não
3.Não se aplica (caso novo)
19
(em caso de recidiva)
4.Ignorado
1.Única
2. 2 a 3 lesões
3. 4 a 6 lesões
20
Número de lesões
4.> 6 lesões 5.Ignorado
1.Membros inferiores
2.Membros superiores
21
Localização das lesões
3.Tronco
4.Face / pele
5.Face / mucosas
6.Ignorado
1.Cutânea
2.Mucosa
3.Cutâneo-mucosa
22
Tipo de lesão
4.Ignorado
Tempo de evolução das lesões
1.< 3 meses
2. 3 a 5 meses
3. 6 a 11 meses
23
até o diagnóstico inicial
4. 12 ou mais meses
5.Ignorado
Tempo de evolução das lesões
1.< 3 meses
2. 3 a 5 meses
3. 6 a 11 meses
24
Até a 1ª consulta no HSJ
4. 12 ou mais meses
5.Ignorado
Obs.:
125
25
Modalidade de
confirmação diagnóstica
26
Tempo de tratamento quando
ocorrência dos efeitos colaterais
27
Presença de outras
doenças simultâneas
da
1.IDRM (Intradermo reação de Montenegro)
2.Exame direto do raspado do bordo interno
3.Exame direto por aposição de fragmento colhido por
biópsia
4.Imunofluorescência indireta
5.Histopatologia
6.Cultura
7.Inoculação em hamster
8.Clínica
9.Outro
10.Ignorado
1.1ª metade do 1° ciclo de Glucantime®
2.2ª metade do 1° ciclo de Glucantime®
3.1ª metade do 2° ciclo de Glucantime®
4.2ª metade do 2° ciclo de Glucantime®
5.Não se aplica (não foram citados ef. colaterais)
6.Ignorado
1.Doenças agudas de etiologia infecciosa / Qual?
2.Doenças agudas de outras etiologias / Qual?
3.Hipertensão arterial sistêmica
4.Diabetes melitus
5.Outras doenças cardiovasculares crônicas/Qual
6.Doeças crônicas de caráter infeccioso / Qual?
7.Outras crônicas de caráter degenerativo/Qual?
8.Outras doenças crônicas
9.Não foram citadas
IV - Dos efeitos colaterais
(sintomas e sinais inexistentes antes do tratamento com Glucantime®)
1.Hiporexia
2.Cefaléia
3.Febre
4.Calafrios
5.Fadiga
6.Sonolência
28
Gerais
7.Vertigens
8.Choque pirogênico
9.Outros (Quais?) 10.Não foram citados
1.Mialgia
2.Artralgia
3.Outros (Quais?)
29
Músculo-esqueléticos
4.Não foram citados
1.Náuseas/vômitos 2.Dor abdominal 3.Diarréia
30
Gastrointestinais
4.Outros (Quais?)
5.Não foram citados
1.Rash cutâneo 2.Prurido 3.Outros (Quais?)
31
Pele
4.Não foram citados
1.Palpitações
2.Precordialgia
3.Arritmia cardíaca detectada à ausculta
32
Cardíacos
4.Alterações eletrocardiográficas
5.Outros (Quais?)
6.Não foram citados
1.Icterícia
2.Alterações laboratoriais ( até 3 vezes val. norm.)
33
Função hepática
3.Alterações laboratoriais ( > 3 vezes val. norm.)
4.Outros
5.Não foram citados
1.Alterações laboratoriais sem insuf. renal (Quais?)
2.Alterações laboratoriais com insuf. renal (Quais?)
34
Função renal
3.Outros
4.Não foram citadas
1.Alterações laboratoriais (Quais?)
35
Função pancreática
2.Não foram citadas
Obs.:
126
APÊNDICE C – DIÁRIO DE CAMPO
Após o prazo de apresentação das monografias ter sido estendido por várias vezes,
para benefício dos alunos, tivemos a aprovação através da Dra. Eni Fleck (coordenadora do
curso juntamente com Dra. Tânia Poti), para preparar nosso trabalho até o mês de junho de
2005. Iniciamos então nossa empreitada para realizar a coleta dos dados no mês de janeiro
deste ano, quando nos dirigimos ao SAME (Serviço de Arquivo Médico - Estatístico) do
Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ), a fim de nos tornar sabedores do número de
pacientes atendidos no ambulatório de leishmaniose de janeiro a junho de 2005, portadores de
leishmaniose tegumentar, que utilizaram o Glucantime® como tratamento de sua patologia,
pois este dado seria fundamental para a conclusão do projeto, uma vez que, sem ele, seria
impossível delimitar a população a ser estudada e por conseguinte, a amostra. Levando-se em
consideração que sem esse item o projeto não poderia ser concluído e, portanto, não poderia
dar entrada na comissão de ética do HSJ para aprovação, a coleta dos dados dependia
diretamente deste fator.
Portando então o ofício de solicitação, fomos gentilmente recebidos pela sra.
Núbia, que nos foi apresentada como gerente do SAME. Esta nos assegurou que dentro de
alguns dias nos disponibilizaria os dados necessários, e assim foi realizado: dentro de alguns
dias ela nos repassou o número constante nos dados computados no SAME, que era de 777
pacientes atendidos com LTA, no ambulatório especializado em leishmaniose, no primeiro
semestre de 2005. No entanto, deparamo-nos com o fato de não havia nenhuma possibilidade,
através dos arquivos do SAME, de distinguir, dentre estes pacientes, quais teriam realmente
utilizado o Glucantime® em seu tratamento. Entrei então em contato com a Dra. Lourdes,
médica do ambulatório de LTA, ainda em janeiro, a fim de pedir orientações de como
conseguir este dado. A mesma sugeriu procurar as informações no departamento de farmácia
do HSJ, ou ainda no setor de vigilância epidemiológica, ou ainda falar diretamente com Dr.
Érico Arruda, diretor clínico do HSJ, para conseguir as orientações necessárias. Após
percorrermos todos esses trâmites, chegamos a conclusão de que o dado (quantos pacientes
portadores de LTA - do ambulatório de leishmaniose do HSJ, no 1º semestre de 2005 - dentre
os 777, realmente haviam usado Glucantime®) simplesmente não existia.
Considerando todas as dificuldades, principalmente quanto ao deslocamento, pois
não morando em Fortaleza e necessitando muitas vezes comparecer pessoalmente ao HSJ para
tratar diretamente com a pessoa indicada, inclusive pela necessidade de apresentação de novo
ofício a cada setor visitado, e nem sempre obtendo liberação da parte da secretaria de meu
127
município para ausentar-me do trabalho (tendo já que negociar, por vezes, dias a descontar de
meu período de férias), lamentamos todo o gasto de tempo infrutífero, que veio a postergar
mais a conclusão do projeto.
Havia ainda mais um agravante: sendo o número elevado de pacientes,
demandaria um tempo demasiadamente prolongado para que fossem analisados os supostos
777 prontuários a fim de distinguir os usuários de Glucantime®, e além de tudo, nos era
terminantemente proibido o acesso a eles, pois não tínhamos, por parte da comissão de ética,
permissão para tal, uma vez que o projeto não havia sido analisado e aprovado para este tipo
de atividade. Foi quando numa segunda visita ao setor de farmácia, nos foi sugerido um
encontro com Dra. Evangelina, também médica do ambulatório de leishmaniose do HSJ.
Inicialmente tivemos um diálogo rápido, mas ela, que nos foi extremamente atenciosa,
marcou um segundo encontro, onde analisaria pessoalmente os relatórios recebidos do SAME,
que não estavam conosco na ocasião, pois tínhamos conhecimento exato dos números destes
relatórios, mas, era necessário, segundo ela, que os visse literalmente, pois suspeitava da
veracidade destes dados, e queria interpretá-los segundo a sua visão pessoal.
Obtendo neste ínterim, liberação para ausentar-me do trabalho apenas uma vez
por mês para fins de resolução de assuntos relativos à monografia, compareci algumas
semanas depois para realizar a devida análise dos dados provenientes do SAME junto à Dra.
Evangelina, e só aí então, é que pudemos saber o que até agora ninguém havia suspeitado ou
nos dito: era impossível, por parte do ambulatório de leishmaniose, atender aquela demanda
no período de seis meses, ou seja, aqueles dados não tinham, na verdade, nenhuma validade
para o fim a que foram destinados desde o início, pois não traduziam a realidade da rotina do
ambulatório de leishmaniose do HSJ. Mas ela fez por nós ainda mais: levou-nos até o setor do
SAME que trata especificamente do ambulatório de leishmaniose e nos apresentou a sra.
Magali, encarregada do setor, que tentou inúmeras vezes retirar algum dado do arquivo
informatizado, que segundo ela funcionava precariamente e, de fato, por todas as vezes que
pudemos presenciar, rejeitava a senha digitada por ela, para entrar nos arquivos. Magali então
nos explicou que não havia de fato, em todo o HSJ, o dado que precisávamos, mas quanto ao
número de pacientes atendidos, era possível contar manualmente, através das “fichas de
atendimento” (pequenos cartões que eram preenchidos na recepção com dados do paciente na
primeira consulta) quantos pacientes realmente haviam passado pelo ambulatório,
especificamente com LTA, a partir do segundo semestre de 2005, pois neste período havia
sido iniciada uma nova tentativa de organização do setor (já iniciada em outros anos, sem
continuidade). Antes desse período, infelizmente, nada era possível fazer, pois não existiam
128
para o primeiro semestre de 2005 (e anteriormente), nem as fichas de controle manual. Até
mesmo os números dos prontuários estavam sendo expedidos a partir da segunda metade de
2005, no ato do retorno dos pacientes a partir daquele momento, pois anteriormente, também
não existiam.
Foi por conta de todos esses fatores que modificamos o período do estudo, do 1º
para 2º semestre de 2005, assim como a metodologia de realização da análise, pois de uma
amostra delimitada a partir de uma população bem mais numerosa, nos dispusemos a analisar
toda a população de pacientes do ambulatório especializado, portadores de LTA, do 2º
semestre de 2005, mesmo porque a contagem manual das fichas nos revelou ser esta
população de apenas 72 pacientes.
Desta forma, finalizamos então o projeto para dar entrada na comissão de ética do
HSJ. Considerando que a grande maioria destes pacientes deveria ter usado o Glucantime®
como tratamento (como nos referiu a própria Dra. Evangelina, que assim costumava acontecer
em mais de 90 % dos pacientes do ambulatório), teríamos uma amostra razoável. E assim o
fizemos em abril de 2006. No entanto, uma vez que o prazo para que o projeto fosse recebido
para análise neste mesmo mês já havia expirado, reunimos toda documentação necessária e
formulários de acordo com orientações recebidas no próprio setor de ética e pesquisa do HSJ,
para realizar a entrega no mês seguinte. Retornamos desta forma no mês de maio, e fomos
recebidos pela sra. Lurdes, que nos foi apresentada como a responsável pelo recebimento do
material. Ao revisar a documentação, fomos surpreendidos pela informação de que os
formulários e a documentação não eram adequadas, assim como vários itens que deveriam ser
revistos no projeto, para que o mesmo fosse aceito. Ao argumentarmos que aquelas
orientações haviam sido recebidas no próprio setor e os formulários copiados em disquete
para nós pela própria funcionária que nos recebeu, ela respondeu-nos que a funcionária
responsável por estas atividades era ela própria, que estava no mês anterior de férias, e a que
nos recebeu, certamente nos repassou formulários obsoletos e informações equivocadas na
tentativa de ajudar-nos, mas não estava capacitada para isso.
Infelizmente, não houve tempo hábil para realizar todas as modificações
necessárias no material até o fim do prazo indicado para entrada do projeto no mês de maio,
inclusive porque era necessária coleta de assinaturas para alguns documentos, o que exigiria
mais tempo e permissão para afastamento do trabalho, o que já não era mais possível. No mês
seguinte, que foi junho, retornamos nos primeiros dias do prazo para realizar a entrega da
documentação e, apesar de sermos informados nesta ocasião da necessidade de alguns outros
129
itens não especificados anteriormente, tivemos, desta vez, tempo hábil para entregar todo o
material exigido antes do final do prazo.
Adentramos então, em pleno mês de junho, no SAME do Hospital São José, para
ter em mãos os 72 prontuários que seriam nosso alvo de estudo.
É, na verdade, difícil para nós, anunciar o desfecho de nossa labuta, pois ao
solicitar no SAME os tão desejados documentos, imediatamente constatamos que, dos 72
prontuários requeridos, 22 (quase um terço do total) não foram encontrados, nem naqueles
dias e em nenhuma outra ocasião que saibamos, pois aguardamos durante muito tempo um
parecer definitivo sobre os mesmos até sermos informados pela sra. Socorro Braga,
funcionária do setor, que estes haviam sido dados como extraviados ou inexistentes. Outra
funcionária explicou-nos, que ao chegar na recepção do HSJ, todo paciente destinado ao
ambulatório de leishmaniose preenche uma ficha (exatamente aquela do controle manual a
que nos referimos anteriormente) antes do atendimento, e ao receber o atendimento inicial,
muitas vezes não permanece em acompanhamento no HSJ (por não haver necessidade), sendo
devolvido para o local de origem, com o parecer do(a) médico(a) do ambulatório. Nestes
casos, segundo ela, o prontuário pode não existir, pois só é aberto de fato quando o paciente
permanece em acompanhamento no HSJ. Aos olhos do SAME, portanto, ele é um paciente
real, que tem ficha e número de prontuário, mas na realidade, nem tem prontuário, nem
tornou-se paciente do HSJ. Após todo esse tempo, ainda não sabemos se esta é ou não
realmente a razão para o ocorrido, e ao buscarmos ajuda junto a responsável maior pelo
SAME do ambulatório de leishmaniose, que segundo informações descobrirmos trata-se da
Dra. Heloísa Helena Oliveira, para tentarmos localizar mais algum desses prontuários talvez
“extraviados”, ela apenas nos respondeu que se os prontuários existissem, estariam no SAME.
Quero então concluir, de forma muito embaraçosa, que da população estudada, de
50 pacientes, 16 não tinham, na realidade, uso de Glucantime documentado em seu
prontuário, como esperávamos da grande maioria dos pacientes; 04 acabaram obtendo outros
diagnósticos que não LTA, como úlcera varicosa, por exemplo; outros 04 estavam
equivocadamente classificados pelo SAME como portadores de LTA, pois eram na verdade
portadores de calazar, tendo o mesmo acontecido com um outro paciente HIV positivo; e um
prontuário estava totalmente em branco, perfazendo um total de apenas 24 prontuários
válidos.
Ao compartilharmos todas essas dificuldades, dentre outras (como a
impossibilidade de negociar mais dias de afastamento do trabalho com a secretaria de meu
município) com Dra Eni, decidimos realizar o estudo, lamentavelmente, apenas com estes 24
130
questionários válidos, modificando os objetivos da pesquisa e passando a focalizar somente a
rotina do ambulatório do HSJ, nos abstendo de fazer qualquer inferência ou dedução a
respeito de nossa realidade regional, como havíamos proposto inicialmente no projeto.
131
ANEXOS
132
ANEXO A
“Único remédio usado para salvar doentes de leishmaniose pode ter matado
dois brasileiros”
Com arsênio e chumbo:
No ano passado, milhares de brasileiros correram um sério risco de saúde. Ao procurar o
tratamento da leishmaniose, mal que ataca em média 40 mil pessoas todos os anos, eles
receberam remédio contaminado com altas doses de metais pesados. Antes de chegar aos
hospitais públicos de todo o país, a droga, fornecida pelo Ministério da Saúde, passou pelo
aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Fundação Nacional de Saúde
(Funasa). E nenhum desses órgãos fez qualquer teste para verificar alterações no remédio.
Segundo afirmam seus diretores, esperavam que o fabricante o fizesse. Impotentes diante de
um jogo em que ninguém assume a responsabilidade, ficam os doentes. Muitos deles
receberam a medicação e sofreram com ela. Há uma semana, todos os secretários estaduais de
Saúde do país receberam uma ordem direta da Funasa. Deveriam suspender de imediato o uso
do remédio antimoniato de meglumina, fabricado pelo laboratório Eurofarma. Esse
medicamento, usado contra leishmaniose (veja quadro) desde maio de 2000, causou reações
alérgicas em pacientes de diversos locais do país. O remédio ainda é suspeito de ter causado a
morte de, pelo menos, duas pessoas. A hipótese foi levantada, mas os exames não são
conclusivos. Logo depois das primeiras notificações de problemas com o uso do antimoniato,
a Funasa recolheu, em outubro passado, sete lotes (05/00A, 05/00B, 10/00A, 10/00B, 16/00,
17/00A e 23/00B) do medicamento para estudo. O resultado, divulgado no início desta
semana, foi assustador: em todas as amostras analisadas, foram verificados altos teores de
dois metais pesados — arsênio e chumbo. Em um dos lotes, por exemplo, havia 65,8 vezes
mais arsênio do que a dose considerada normal para esse tipo de droga. E até 1,7 vez mais
chumbo que a dose máxima recomendável. ‘‘Quanto ao somatório dos resultados dos metais
pesados, os lotes da Eurofarma apresentaram 4,4 e 5,5 vezes mais metais pesados que o maior
valor de referência’’, reconhece a própria Funasa, em nota técnica enviada às Secretarias
Estaduais de Saúde. Ambos os metais, em excesso no corpo, provocam problemas no coração,
no fígado, nos rins, nos sistemas nervoso central e imunológico. Em casos extremos, podem
levar à morte. A droga é também a provável explicação de um grande número de reações
alérgicas ao antimoniato distribuído em 2000 pelo Ministério da Saúde. A Funasa investigou
99 pacientes do Piauí que apresentaram problemas depois de receber o medicamento, injetado
no músculo. A ocorrência de abscessos, uma inflamação que provoca morte do tecido
133
muscular na área em que é aplicado o remédio, foi de 8%. ‘‘Esse tipo de reação adversa não é
esperado de ocorrer nessas proporções’’, diz a nota técnica. Os problemas com o antimoniato
começaram a aparecer em outubro do ano passado — cinco meses depois da compra do
medicamento da Eurofarma pelo Ministério da Saúde. A aquisição foi por meio de licitação
pública. A Eurofarma ganhou a concorrência com um produto R$ 0,04 mais barato que a
droga usada anteriormente. Vale lembrar que em um processo licitatório, os critérios de
escolha do medicamento são o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
e a oferta do menor preço. Os especialistas criticam essa forma de compra. ‘‘Para o governo,
o melhor é o que pesa menos no bolso e não o que tem melhor preço e qualidade’’, diz o
pesquisador José Angelo Lindolfo, do Laboratório de Medicina Tropical da Universidade de
São Paulo (USP). Para a Funasa, responsável pela distribuição do medicamento, não houve
erros de sua parte. Ela apenas repassa os produtos licitados pelo Ministério da Saúde e
devidamente registrados na Anvisa. Quanto a testes de qualidade prévios, o diretor do Centro
Nacional de Epidemiologia (Cenepi), Jarbas Barbosa, afirma que eles não são feitos em
medicamentos, apenas em vacinas. Segundo ele, a licitação transcorreu como manda a lei.
Além de mais barato, o antimoniato tinha registro na Anvisa. Para isso, o Eurofarma teve que
provar a qualidade de seu produto, porém não precisou informar a quantidade de metais
pesados. ‘‘Nós testamos a qualidade do medicamento, mas não analisamos os níveis de metais
pesados. Faz parte das boas práticas de fabricação que a indústria se responsabilize por esse
controle’’, explica o presidente da Anvisa, Gonzalo Vecina. Única droga contra o mal O
antimoniato de meglumina é um medicamento tóxico por natureza. A droga foi usada pela
primeira vez no Brasil com eficácia em 1909 pelo médico paraense Gaspar Viana. Naquela
época, o remédio era muito mais concentrado e letal. Na década de 40, surgiu uma fórmula
mais suave, porém ainda tóxica. O princípio ativo — Antimoniato de N-metil Glucamina — é
a única droga para o combate da leishmaniose usada no mundo
Eurofarma se defende:
Em nota oficial enviada ao Correio, a diretoria da Eurofarma Laboratórios admite estar ciente
da suspensão do uso do medicamento antimoniato de meglumina na rede pública. Mas
discorda da decisão. ‘‘Os lotes fabricados passaram por todos os testes em laboratórios
oficiais credenciados pelo Ministério da Saúde e foram aprovados’’, diz. Segundo a empresa,
mais de 2,2 milhões de ampolas foram produzidas desde outubro de 1998, sem registros de
reações adversas, a não ser as próprias do antimoniato. Mas, como a Anvisa já reconheceu,
não são feitas análises para medir a presença de chumbo e arsênio. Para o presidente do
Cenepi, Jarbas Barbosa, um motivo para que o antimoniato não tenha sido testado antes de
134
seguir para o resto do país é a falta de parâmetros científicos, no Brasil ou no exterior, que
determinem quantidades seguras de metais pesados. O bioquímico José Dória, coordenador de
Pós-Graduação da Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília (UnB), alega que já tentou
estabelecer tais parâmetros, anos antes do problema surgido agora. ‘‘Há seis anos, pedimos
financiamento junto à Funasa para estudar o antimoniato. Fomos simplesmente
ridicularizados’’, lembra o professor, autor de seis estudos científicos sobre o remédio,
publicados em revistas internacionais.
Possíveis vítimas:
As reações atribuídas ao antimoniato de meglumina contaminado — notificadas em pacientes
do Piauí, Paraná, Rio de Janeiro e Mato Grosso — vão desde alergias a convulsões e graves
abscessos cutâneos. Isomar Campos, 21 anos, foi uma das vítimas. Ele contraiu a doença
numa das idas à fazendo do avô no interior do Piauí, mas só recebeu o diagnóstico ao procurar
explicação para uma ferida na mão esquerda. Isomar deveria tomar 20 doses do remédio, mas,
antes da oitava dose, foi internado em estado grave. Nos dois braços de Isomar surgiram
abscessos graves (feridas internas com pus) de onde foram retirados cerca de 400 ml de
secreção. ‘‘Achei que iria morrer. A dor era insuportável’’, diz. O rapaz perdeu parte dos
movimentos nos braços e faz, todos os dias, fisioterapia. Ele pretende, na próxima semana,
entrar com uma ação contra o laboratório Eurofarma. As mortes continuam sob investigação.
O que se sabe é que uma mulher de 20 anos, do Piauí, e um homem de 45 anos, do Paraná,
morreram durante o tratamento com o remédio. ‘‘Ainda não está clara a relação dessa droga
com os problemas e as mortes que têm ocorrido durante seu uso. Mas não vou me arriscar a
continuar aplicando esse remédio em meus pacientes’’, afirma o diretor do Hospital de
Doenças Infecto-Contagiosas (HDIC) do Piauí, Carlos Henrique Nery Costa (ÚNICO, 2001).
Data: 09/02/2001
Fonte: Correio Braziliense
Local: Brasília - DF
Link: http://www.correioweb.com.br/
135
ANEXO B
136
ANEXO C
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