INTERLOCUÇÕES ENTRE APRENDIZAGEM, DESENVOLVIMENTO CULTURAL E EDUCAÇÃO ESCOLAR: UM TEMA NECESSÁRIO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES LAZARETTI, Lucinéia Maria – UFSCar-SP [email protected] VIEIRA, Renata de Almeida – UEM-PR [email protected] Área Temática: Formação de Professores e Profissionalização Docente Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo O presente texto, de caráter teórico-bibliográfico, interessa-se pelas interlocuções entre aprendizagem, desenvolvimento cultural e educação escolar, entendendo-as como um tema de importância na formação de professores. Tem como propósito central discutir o papel da educação escolar na aprendizagem do indivíduo, com vistas ao seu desenvolvimento cultural. Para isso, é tomado como referência estudos da abordagem Histórico-Cultural, os quais podem contribuir para a compreensão acerca da lei geral do desenvolvimento (natural e cultural), a relação entre ensino e aprendizagem e o papel da educação escolar e do professor nesse processo. Entende como desenvolvimento cultural, os processos socialmente mediados que alteram a condição natural do indivíduo ao nascer. Este se torna humanizado por meio da apropriação dos bens culturais, alterando sua condição biológica para cultural. Os processos de aprendizagem conscientemente dirigidos pelo professor, são concebidos, nessa perspectiva, como qualitativamente diferentes e, até mesmo, superiores, aos processos espontâneos de aprendizagem. Nesse sentido, a educação escolar pode ser um espaço de promoção desse desenvolvimento cultural que ocorre por meio do ensino e aprendizagem intencionalmente dirigidos. O professor, por essa ótica, tem função mediadora, que se realiza por meio de ações intencionais e dirigidas para um fim específico. Trata-se de propiciar ao aluno sua instrumentalização, de modo que permita que este conheça a realidade na qual está inserido e, a partir desse conhecimento, desenvolva-se em outros patamares. Por fim, considera que o professor, agente imprescindível na educação escolar, precisa ter clareza sobre as interlocuções entre aprendizagem, desenvolvimento e escolarização. Daí tratar-se de um tema relevante e necessário na formação de professores, seja na formação inicial, seja na formação continuada. Palavras-chave: Aprendizagem. Desenvolvimento Cultural. Educação Escolar. Formação de Professores. 3101 1. Introdução Assiste-se, atualmente, a uma infinidade de transformações em diversas esferas da vida social, o que tem provocado mudanças tanto no âmbito político, econômico, cultural, como na instituição escolar e, em seu interior, no exercício da profissão docente. Em face das mudanças em curso, torna-se cada vez mais necessário buscar elementos teórico-reflexivos que ajudem a pensar a formação e a profissionalização docente para a escola atual e seus desafios. Em diálogo com autores da abordagem Histórico-Cultural, tais como Vigotski (1896-1934), Luria (1902-1977), Leontiev (1903-1979) e Elkonin (1904-1984), busca-se assinalar o papel imprescindível do professor no processo de ensino, aprendizagem e desenvolvimento, que precisa ser promovido pela escola. Este ensaio tem como propósito central discutir o papel da educação escolar na aprendizagem para o desenvolvimento cultural. Sua produção justifica-se pela necessidade de se entender o processo de desenvolvimento humano teorizado pela abordagem HistóricoCultural, que tem como ponto de partida a superação da condição natural rumo a cultural. Essa superação se dá por meio das relações sociais vivenciadas pelo indivíduo desde o nascer. Tais relações, entretanto, precisam ter uma carga de intencionalidade educativa, pois se deixado ao sabor da espontaneidade cotidiana, esse desenvolvimento fica limitado. É preciso frisar, nesse sentido, a importância de se conhecer como se processa esse desenvolvimento do natural ao cultural, por meio da mediação dos signos, ferramentas e das relações humanas, especialmente as travadas na educação escolar, depositando nela uma carga intencional como promotora de um outro tipo de aprendizagem e desenvolvimento, para além das relações estabelecidas no cotidiano. Para abordar tais questões, este texto está organizado em quatro momentos, sendo o primeiro deles esta introdução. Na sequência, é discutido acerca do desenvolvimento cultural, enquanto responsável pela alteração da condição biológica do homem. Já em um terceiro momento, busca-se apontar como a educação escolar, por meio do ensino e aprendizagem intencionalmente dirigidos, pode ser um espaço de promoção do desenvolvimento cultural. Por fim, na última parte, são apresentadas as considerações finais. 3102 2. Como o desenvolvimento cultural altera a condição biológica do homem Vygotski (1995), ao tratar sobre o desenvolvimento natural, biológico, dado ao nascer em todo o indivíduo da espécie humana, investiga o processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores, já que no processo de domínio dos meios externos, do historicamente acumulado, altera esse estado natural ao cultural. No estudo das funções psicológicas superiores, Vygotski (1995) explicou que no processo de desenvolvimento cultural de cada indivíduo, o desenvolvimento de cada uma dessas funções ultrapassa as condições determinadas biologicamente. Portanto, o processo de desenvolvimento cultural tem dois momentos constitutivos: o primitivo e o superior. O primitivo, diz respeito ao desenvolvimento natural, determinado pelas peculiaridades biológicas da psique. Já o superior, surge durante o processo de desenvolvimento cultural. Esse processo começa, conforme ilustrado por Vygotski e Luria (1996, p. 215), “[...] com a mobilização das funções mais primitivas (inatas), com seu uso natural”. Sob a influência de condições externas, converte-se de um processo natural em um “processo cultural” complexo. Para Vygotski (1995, p. 36, trad. nossa), Ambos os planos de desenvolvimento – o natural e cultural – coincidem e se amalgamam em um com outro. As mudanças que acontecem em ambos planos se intercomunicam e constituem na realidade um processo único de formação biológico-social da personalidade da criança. Na medida em que o desenvolvimento orgânico se produz em um meio cultural, passa a ser um processo biológico historicamente condicionado. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento cultural adquire um caráter muito peculiar que se produz simultaneamente e conjuntamente com o processo de maduração orgânica e considerando que seu portador é o cambiante organismo infantil em vias de crescimento e maduração. Complementando, Leontiev (1978) explica que cada indivíduo aprende a ser homem. Isso esclarece essa relação entre natural e cultural, haja vista que o que natureza oferece ao homem não é suficiente para viver em sociedade. Nesse sentido, é necessário que o homem aproprie “[...] o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana” (LEONTIEV, 1978, p. 106). Esse desenvolvimento histórico da humanidade permitiu ao homem criar e desenvolver sistemas complexos de relação psicológica como signos e ferramentas. Vygotski (1995, p. 82, trad. nossa) conceitua como signos, os estímulos artificiais introduzidos pelo e 3103 para o homem na situação psicológica, a fim de utilizar como meio de domínio da conduta: “A criação e o emprego de estímulos artificiais, na qualidade de meios auxiliares para dominar as reações próprias, precisamente, é a base daquela nova forma de determinar o comportamento que diferencia a conduta superior da elementar”. Um dos signos de maior influência no desenvolvimento humano é a linguagem. Outra mudança fundamental nesse processo de relação com o meio circundante, que modifica a criança por completo, destaca-se, também, o desenvolvimento dos órgãos artificiais – as ferramentas, que a eleva a um patamar superior àquela da mera adaptação biológica seguida das leis naturais. O domínio dos órgãos artificiais pela criança possibilita a essa o domínio desse meio circundante e sobre si mesma. Nesse sentido, o emprego dos signos, na qualidade de meios auxiliares para a solução de alguma tarefa psicológica planejada pelo homem, traz consigo as relações com uso de ferramentas na atividade do homem e, portanto, ambas têm uma função mediadora na atividade humana. Embora o emprego dos signos e o uso de ferramentas estejam subordinados na atividade mediadora, isso não significa que ambos desempenham o mesmo papel, pelo contrário, há diferenças essenciais entre eles. É como se a ferramenta fosse orientada ao exterior e o signo orientado ao interior. Vygotski (1995, p. 94, trad. Nossa) explica que, Por meio da ferramenta, o homem influi sobre o objeto de sua atividade, a ferramenta está dirigida para fora: deve provocar algumas ou outras mudanças no objeto. É o meio da atividade exterior do homem, orientado a modificar a natureza. O signo não modifica nada no objeto da operação psicológica: é o meio de que se vale o homem para influir psicologicamente, em sua própria conduta e na dos demais; é um meio para sua atividade interior, dirigida a dominar o próprio ser humano: o signo está orientado para dentro. O que se expôs até agora foi o processo investigativo de Vigotski sobre a dialética entre desenvolvimento natural e cultural, por meio do entendimento das funções psicológicas superiores e a relação entre signos e ferramentas. Em resumo, foi intenção, até aqui, mostrar, que se a condição biológica, natural, do indivíduo não é suficiente para viver em sociedade, é ela, a vida social, que cria novas necessidades. Na realidade, a vida social cria a necessidade de subordinar a conduta instintiva 3104 do indivíduo às exigências externas, logo, é a sociedade e não a natureza que deve figurar como o fator determinante da conduta do homem. É nisso que consiste toda a premissa do desenvolvimento cultural da criança. Por isso, os signos, as ferramentas, a linguagem e as relações humanas vão alterando a condição natural na medida em que esse novo ser (humano) apropria-se dessas conquistas humanas acumuladas. De acordo com Vygotski e Luria (1996, p. 91), [...] o desenvolvimento do comportamento do homem é sempre desenvolvimento condicionado primordialmente não pelas leis da evolução biológica, mas pelas leis do desenvolvimento histórico da sociedade. Aperfeiçoar os “meios de trabalho” e os “meios de comportamento” sob a forma de linguagem e de outros sistemas de signos, ou seja, de instrumentos auxiliares no processo de dominar o comportamento [...]. Nesse sentido, cada uma das funções psicológicas superiores passam por uma etapa externa de desenvolvimento, justamente, porque toda função a princípio é social. Quer dizer, “toda função psíquica superior foi externa por haver sido social antes que interna; a função psíquica propriamente dita era antes uma relação social de duas pessoas” ou mais! Isso porque, os signos, em especial, a linguagem, e as ferramentas, são meios auxiliares sociais com fim de provocar esse desenvolvimento. Assim, todas as funções psíquicas superiores são relações interiorizadas de ordem social. Essas proposições sintetizam, por assim dizer, a lei geral do desenvolvimento cultural: “toda função no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes, em dois planos: primeiro no plano social e depois no psicológico, a princípio entre os homens como categoria interpsíquica e logo no interior da criança como categoria intrapsíquica” (VYGOTSKI, 1995, p. 150, trad. nossa). Diante disso, como esse cultural que é social, produto da vida social e da atividade social do ser humano “[...] se torna ativa, como ela [a cultura] se torna meio para dar forma ao comportamento e, desse modo, meio para superar as formas naturais do comportamento” (ELKONIN apud B. D. ELKONIN, 2001, p. 10, trad. nossa). Para Vygotski (1995, p. 34, trad. nossa), “[...] a cultura origina formas especiais de conduta, modifica a atividade das funções psíquicas, edifica novos níveis no sistema do comportamento humano no desenvolvimento”. Essa cultura objetivada na história humana precisa ser apropriada por cada indivíduo singular para tornar-se homem. 3105 É preciso questionar, diante dessas colocações, qual o papel da educação escolar nesse processo de alteração do biológico ao cultural, que ocorre por meio das apropriações humanas. 3. Apontamentos sobre aprendizagem, desenvolvimento e educação escolar A partir de agora, busca-se entender como a educação escolar, por meio do ensino e aprendizagem intencionalmente dirigidos, pode ser um espaço de promoção do desenvolvimento cultural. Na abordagem Histórico-Cultural, os processos de aprendizagem conscientemente dirigidos pelo educador apresentam-se como qualitativamente diferentes e, até mesmo, superiores, aos processos espontâneos de aprendizagem (DUARTE, 2001). Nesse sentido, a educação escolar tem a tarefa de apresentar à criança, ao jovem e ao adulto, estudantes, os conteúdos historicamente produzidos e socialmente necessários à época vigente. Para que o ensino viabilizado pela educação escolar provoque processos de desenvolvimento, os quais se acham na zona de desenvolvimento próximo, conforme será visto mais adiante, deve orientar-se para aquilo que o aluno não realiza por si mesmo. Vygotsky (1988) teoriza sobre a importância das mediações com vista a gerar aprendizagem e concretizar o desenvolvimento. Considera que a relação entre aprendizagem e desenvolvimento é dialética e que o aprender não se restringe à escola, ocorrendo no interior das relações estabelecidas com o meio social. De acordo com suas palavras “quando a criança, com as suas perguntas, consegue apoderar-se dos nomes dos objetos que a rodeiam, já está inserida numa etapa específica de aprendizagem. [...] desde os primeiros dias de vida” (VYGOTSKY, 1988, p. 110). A aprendizagem escolar, no entanto, para Vygotsky (1988, p. 110) “[...] dá algo de completamente novo ao curso do desenvolvimento da criança”, não se tratando somente de uma aprendizagem mais sistematizada em relação à aprendizagem que precede a idade escolar. Na realidade, “pela sua importância, este processo de aprendizagem, que se produz antes que a criança entre na escola, difere de modo essencial do domínio de noções que se adquirem durante o ensino escolar”. Nessa perspectiva, o professor, responsável pelo ensino escolar, precisa atuar naquilo que o autor denomina de zona de desenvolvimento próximo, ou proximal, do aluno, possibilitando-lhe tornar efetivo seu desenvolvimento potencial. 3106 Sobre a zona de desenvolvimento próximo, Oliveira (1993) esclarece que na teoria de Vygotsky estabelece-se a existência de dois níveis de desenvolvimento, o real e o potencial. O primeiro nível refere-se às atividades que a criança realiza com independência, enquanto o segundo liga-se a tudo aquilo que a criança é capaz de fazer com o auxílio dos adultos. Oliveira (1993, p. 60) destaca que o “[...] caminho que o indivíduo vai percorrer para desenvolver funções que estão em processo”, é definido como desenvolvimento próximo que, grosso modo, significa a distância entre o desenvolvimento real e o potencial, porém que ainda não foi atingido. De acordo com Vygotsky (1988, p. 115): [...] a característica essencial da aprendizagem é que engendra a área de desenvolvimento potencial, ou seja, que faz nascer, estimula e ativa na criança um grupo de processos internos de desenvolvimento no âmbito das inter-relações com outros que, na continuação, são absorvidos pelo curso interior de desenvolvimento e se convertem em aquisições internas da criança. Considerando dentro deste ponto de vista, a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-se sem a aprendizagem. No que se refere à relação entre desenvolvimento e aprendizagem escolar, o autor em questão destaca que o bom ensino é aquele que trabalha com a zona de desenvolvimento próximo, isto é, situa-se no âmbito daquilo que a criança não consegue fazer sozinha, mas com a mediação do adulto. A respeito das diferentes atividades aprendidas pelo indivíduo, algumas mais difíceis, outras menos, que suscitam o desenvolvimento, Vygotsky (1988) apresenta dois exemplos esclarecedores acerca das diferenças encontradas nos processos de aprendizagem. Trata-se da aprendizagem da linguagem escrita e do uso de uma máquina de escrever. Vale destacar as palavras do autor: Aprender a usar uma máquina de escrever significa, na realidade, estabelecer um certo número de hábitos que, por si sós, não alteram absolutamente as características psicointelectuais do homem. Uma aprendizagem deste gênero aproveita um desenvolvimento já elaborado e completo, e justamente por isso contribui muito pouco para o desenvolvimento geral. O processo de aprender a escrever é muito diferente. [...] este processo ativa uma fase de desenvolvimento dos processos psicointelectuais inteiramente novo e muito complexo (VYGOTSKY, 1988, p. 116). 3107 A educação escolar é entendida, por essa ótica, como um processo mediador do desenvolvimento do indivíduo, sendo ela uma via socialmente constituída de acesso da criança a conhecimentos culturais sistematicamente organizados. Para Vigotski (2001), somente a tomada de consciência sobre os conteúdos formais adquiridos torna possível a inter-relação entre o já conhecido e as apropriações recentes. Afirma o autor que “todas as funções básicas envolvidas na aprendizagem escolar giram em torno do eixo de novas formações essenciais da idade escolar: da tomada de consciência e da arbitrariedade” (VIGOTSKI, 2001, p. 337). Nota-se, com essa afirmação, que esses dois momentos são os traços essenciais de todas as funções psicológicas superiores que se formam nos anos de escolarização. Tendo em vista estas características, o autor salienta que a idade escolar seria o melhor período para o desenvolvimento das funções conscientizadas e arbitrárias que levariam o aprendiz a realizar a apropriação dos novos conceitos adquiridos por meio da aprendizagem escolar, mas isso somente se dará se forem oferecidas aos indivíduos condições para a efetivação deste processo. Dessa maneira o fundamental da aprendizagem é adquirir o novo, mas este deve estar dentro das possibilidades do aprendiz, ou seja, deve estar coerente com o nível de desenvolvimento próximo. Nessa linha de entendimento, o professor contribui para a aprendizagem e desenvolvimento do aluno, sendo sua tarefa ensinar à criança aquilo que ela não é ainda capaz de aprender sozinha. A aprendizagem pela via educação escolar tem, por conseguinte, um papel importante no sistema de organização da vida da criança, de modo a promover o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Para Vygotsky (1991, p.15), “[...] a aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características humanas não naturais, mas formadas historicamente”. O desenvolvimento cultural de qualquer função – como a percepção, atenção voluntária, a memória lógica, a formação de conceitos, desenvolvimento da vontade – “[...] consiste em que o ser social no processo de sua vida e atividade elabora uma série de estímulos e signos artificiais [...] que permite ao indivíduo dominar seus próprios processos de comportamento”. A escola, como uma desses processos de vida e de atividade, gera formas mediadoras que conduz o indivíduo a desenvolver as funções psicológicas superiores. 3108 O desenvolvimento da atenção, por exemplo, depende da mediação dos meios auxiliares externos na situação psicológica, que a partir daí serão internalizados. Nesse ponto, Vygotski destaca o papel do adulto, ou seja, do professor nesse processo: Sabemos que a continuidade do desenvolvimento cultural da criança é a seguinte: primeiro outras pessoas atuam sobre a criança, se produz então a interação da criança com seu entorno e, finalmente, é a própria criança quem atua sobre os demais e tão somente ao final começa a atual em relação consigo mesma. Assim como se desenvolve a linguagem, o pensamento e todos os demais processos superiores de conduta (VYGOTSKI, 1995, p. 232). Esse preceito, Elkonin transporta para as relações da criança com o adulto, e como as ações desse último pode organizar o comportamento da criança. Essa relação é denominada por ele de ação conjunta, que inclui o aspecto operacional e prático de uma ação com algum objeto ou ferramenta, que não pode ser apreendido pela adaptação direta dos movimentos às propriedades da ferramenta, mas por meio da “[...] inclusão da ferramenta no planejamento de uma ação (modelo) e de seu desenvolvimento por meio da orientação às propriedades específicas do objeto ou da ferramenta”. O autor ainda reitera que esse processo de formação do modelo de uma ação deve ser um processo de apropriação, no qual a criança incorpore o sentido das relações, que tenderá a seguir esse modelo, de uma ação mostrada à criança pelo adulto. É a incorporação pela criança da ação planejada do adulto em sua própria ação (ELKONIN, apud B. D. ELKONIN, 2001, p. 12). Sob essa ótica, o professor tem por função possibilitar a apropriação do conhecimento objetivo pelo aluno. O ensino intencionalmente organizado e dirigido pelo professor tem um papel central em todo o sistema de organização da criança e de sua aprendizagem, determinando seu desenvolvimento psíquico para um plano cultural em superação ao natural. Como bem nos lembra Vygotsky (1991, p.15), “[...] a aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características humanas não naturais, mas formadas historicamente”. O professor contribui, pois, para a aprendizagem e, conseqüentemente, para o desenvolvimento cultural do aluno. 3109 4. Considerações finais Diante da exposição realizada, reafirma-se a contribuição da educação escolar na aprendizagem para o desenvolvimento cultural, uma vez que da perspectiva HistóricoCultural fica marcado que cada membro da espécie humana torna-se humanizado por meio da apropriação dos bens culturais, fato que altera sua condição de biológica para cultural. Ao tomar como base as contribuições do enfoque Histórico-Cultural, é possível perceber como o indivíduo altera-se nesse processo que engloba desenvolvimento natural e cultural. Fica evidenciado, à luz desse enfoque teórico, que é por meio da apropriação, em especial aquela que é suscitada no interior da escola, que se inaugura algo de completamente novo ao curso do desenvolvimento do sujeito, haja vista o ensino escolar possibilitar um domínio de noções que diferem de outras adquiridas no cotidiano. Destaca-se, por fim, o importante papel desenvolvido pelo professor, o qual tem função mediadora, a qual se realiza por meio de ações intencionais e dirigidas para um fim específico. Trata-se de propiciar ao aluno sua instrumentalização, de modo que permita que este conheça a realidade na qual está inserido e, a partir desse conhecimento, desenvolva-se a outros patamares. Como agente imprescindível na educação escolar, o professor precisa ter clareza sobre as interlocuções entre aprendizagem, desenvolvimento e escolarização. Daí tratar-se de um tema relevante e necessário na formação de professores, seja na formação inicial, seja na formação continuada. REFERÊNCIAS DUARTE, N. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. 3. ed. rev. e ampl. Campinas, SP: Autores Associados, 2001. ELKONIN, B. D. L.S. Vygotsky and D. B. Elkonin: Symbolic mediation and joint action. In: Journal of Russian and East European Psychology, Armonk/NY. v. 39, n. 4, p. 9-19, jul./aug. 2001. LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. :Lisboa: Livros Horizonte, 1978. OLIVEIRA, M. K. de. Desenvolvimento e aprendizado. IN: ________. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1993. p. 55-65. 3110 VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001. VYGOTSKI, Liev Semiónovich. Obras escogidas. Tomo III. Trad. Lydia Kuper. Madrid: Visor, 1995. VYGOTSKI, L. S.; LURIA, A. R. Estudos sobre a história do comportamento: símios, homem primitivo e criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. VYGOTSKY, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. IN: _________; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone: Editora Universidade de São Paulo, 1988, p. 103-117. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.