A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A TEORIA HISTÓRICO

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A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL
Cristina Cerezuela1 - UEM
Nerli Nonato Ribeiro Mori2 - UEM
Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: CAPES/Obeduc
Resumo
O estudo apresenta a corrente da psicologia soviética autodenominada Histórico-Cultural e
destaca os principais conceitos correlatos à educação na contemporaneidade. A teoria
elaborada pelo pensador russo Lev Semiónovich Vigotski (1896-1934) com a colaboração de
seus compatriotas Alexei Nikolaievich Leontiev (1903-1979) e Alexander Romanovich Luria
(1902-1977) é de base materialista e parte do entendimento de que o homem é um ser
histórico e social e que, pelo processo de aprendizagem e desenvolvimento, participa da
coletividade. Diante do exposto, o presente texto busca responder ao seguinte
questionamento: em quais aspectos a teoria histórico-cultural, elaborada no início do século
XX por estudiosos soviéticos, implica na educação escolar da contemporaneidade no Brasil?
Para tanto, propõe como objetivos de estudo: descrever o contexto histórico da origem e
elaboração da teoria de Vigotski, enfatizando a necessidade de se conhecer as condições
sociais, culturais e históricas na qual a teoria foi consolidada, para a compreensão do tipo de
homem e sociedade a que se destina. Problematizar a função da escola e, de forma breve,
mencionar as principais teorias educacionais que se sucederam na história da educação do
Brasil no século XX. E, apontar a Teoria Histórico-Cultural como aquela que assume a
valorização da função da escola e do papel do professor na formação dos indivíduos. Por fim,
conclui que é por meio da educação escolar, de forma organizada, sistêmica e intencional de
ensino, que é possível promover ao indivíduo singular o domínio sobre os saberes construídos
e o mundo material elaborado pela coletividade, porque quando a aprendizagem ocorre, de
fato, a educação não apenas revoluciona um ou outro aspecto do indivíduo, ela reestrutura as
funções do comportamento e transforma a amplitude de atuação em sociedade.
Palavras-chave: Educação Escolar. Teoria Histórico-Cultural. Lev Semiónovich Vigotski.
Função Social da Linguagem. Formação dos Conceitos Espontâneos e Científicos.
1
Doutoranda em Educação pela UEM. Mestre em Educação pela UEM. Professora da Educação Básica da
Secretaria de Estado da Educação do Paraná na modalidade Educação Especial e professora de pós-graduação do
Instituto Paranaense de Ensino. Participante do Grupo de Pesquisa Desenvolvimento, Aprendizagem e Educação
do CNPq. E-mail: [email protected].
2
Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo e realizou
estágio pós-doutoral pela Universidade Federal de São Carlos. Professora do Departamento de Teoria e Prática
da Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação. Diretora do Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes. Pesquisadora CAPES – Observatório da Educação. E-mail: [email protected].
ISSN 2176-1396
1252
Introdução
A complexidade da educação como prática social não permite tratá-la como fenômeno
abstrato e natural, mas sim, imerso num sistema educacional situado em uma dada sociedade
e em um tempo histórico determinado. A análise levada a efeito, neste texto, propõe discutir,
ainda que brevemente, sobre a corrente da psicologia soviética autodenominada Históricocultural e sua contribuição para a educação e busca responder ao seguinte questionamento: em
quais aspectos a teoria histórico-cultural, elaborada no início do século XX por estudiosos
soviéticos, implica na educação escolar da contemporaneidade no Brasil?
A resposta para essa questão se dará mediante a dissertação dos seguintes pontos: os
aspectos sociais, históricos e culturais da elaboração da teoria de Vigotski 3; a relação do
pensamento e da linguagem e sua função social; a formação dos conceitos espontâneos e
científicos; e a relação entre trabalho, educação e práticas educativas.
Ao afirmarmos que não podemos discutir a educação alijada das questões que formam
a sociedade, dialogamos com Gasparin (2007, p. 1-2) que enfatiza que “a escola, em cada
momento histórico, constitui uma expressão e uma resposta à sociedade na qual está inserida.
Nesse sentido, ela nunca é neutra, mas sempre ideológica e politicamente comprometida. Por
isso, cumpre uma função específica”, e tem sua função política.
Esta citação nos remete à discussão da função da escola no processo de formação do
homem. Pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) Lei nº 9394/96
(BRASIL, 1996, p. 1) a educação tem por finalidade o “pleno desenvolvimento do educando,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Para atingir a
formação indicada pela legislação, partimos da ideia de que a escola tem um pressuposto
teórico e filosófico que determina sua dinâmica e seu desenvolvimento. Isto porque, temos o
entendimento defendido por Duarte (2007) o qual seria impossível analisar histórica e
criticamente a educação sem a fundamentação em uma teoria que a sustente. Ao nosso ver,
essa deve definir a formação do indivíduo como um processo, em essência, histórico e social.
Ao nos posicionarmos desta forma, justificamos a escolha da base teórica e anunciamos a
importância do aprofundamento nos aspectos históricos em que se originou e como ela se
desenvolve na contemporaneidade educacional do início do século XXI.
3
Segundo as explicações de Duarte (2004) o idioma russo possui um alfabeto divergente do nosso idioma. Com
isso, o nome do psicólogo russo tem se apresentado com diferentes grafias nas traduções e interpretações dos
idiomas ocidentais, por exemplo: Vygotsky, Vigotsky, Vigotskii e Vigotski. Escolhemos para este texto a grafia
Vigotski, que está sendo adotadas em publicações recentes no Brasil, mas preservaremos, nas referências
bibliográficas e citações, a grafia empregada em cada edição referenciada.
1253
Vigotski e a Teoria Histórico-Cultural
A teoria Histórico-Cultural é uma corrente da psicologia soviética de base materialista
que parte do entendimento de que o homem é um ser histórico e social e que, pelo processo de
aprendizagem e desenvolvimento, participa da coletividade. A teoria foi elaborada pelo
pensador russo Vigotski com a colaboração de seus compatriotas Leontiev 4 (1904-1979) e
Luria5 (1902-1977).
Lev Semyonovich Vygodsky6 nasceu em 05 de novembro de 1896 em Orsha, cidade
provinciana da Bielo-Rússia e faleceu em 11 de junho de 1934, em decorrência de
complicações causadas pela tuberculose. Sua vida foi muito breve, mas, em seus 37 anos teve
uma singular contribuição para a compreensão da natureza humana e seu desenvolvimento.
De acordo com Blanck (1996), a produção intelectual do insigne psicólogo apresenta
mais de 180 trabalhos e alguns manuscritos importantes os quais ainda não foram publicados.
Seus estudos traduzidos e ou interpretados são fontes de consultas de pesquisadores das
diversas áreas das ciências humanas, em principal: da psicologia e da educação. É necessário
evidenciar que não é possível se apropriar da teoria descontextualizada do tempo em que ele
viveu e os fatos históricos que vivenciou tais como a revolução popular contra o czar (1905);
a crise social (1905-1917); a Revolução Russa (1917-1929); a morte de Lênin (1924); e, o
início da ditadura de Stalin (1929).
Vigotski nasceu em uma família judia de boa instrução e situação financeira favorável
para uma excelente formação. De acordo com Van Der Veer e Valsiner (2006) e Blanck
(1996) foi o segundo filho de uma família de oito irmãos. Com um ano de idade, mudou-se
para Gomel, localizada no sudoeste da Bielo-Rússia.Tinha acesso à boa biblioteca e estudou
até 15 anos com tutores particulares. Blanck (1996) relata que com essa idade ele era
chamado de “pequeno professor”, porque realizava debates e estudos com seus amigos. Foi
4
Alexei Nikolaievich Leontiev (1903-1979) foi um dos importantes psicólogos russos. Seu maior interesse foi
com a pesquisa das relações entre o desenvolvimento do psiquismo humano e a cultura, ou seja, entre a evolução
do psiquismo humano a apropriação individual da experiência histórica da humanidade. É considerado com
Alexander Romanovich Luria (1902-1977) os principais colaboradores de Vigotski na constituição da Teoria
Histórico-Cultural (VIGOTSKII; LURIA; LEONTIEV, 2006).
5
Alexander Romanovich Luria nasceu em 1902, em Kazan. Filho de pais socialistas, defrontou-se, aos 15 anos
com a revolução soviética. Matriculou-se no Departamento de Ciências Sociais, mas seu interesse voltava-se
para a psicologia. Luria foi convidado, em 1924 – mesmo ano que Vigotski – a se juntar ao corpo de jovens
cientistas do Instituto de Psicologia de Moscou. Lá associaram-se à Leontiev e estudaram as bases materiais do
desenvolvimento psicológico humano (VIGOTSKII; LURIA; LEONTIEV, 2006).
6
Conforme Van Der Veer e Valsiner (2006, p. 17) “Lev Vygodsky mudou seu nome para Vygotski porque
acreditava – depois de algumas pesquisas pessoais – que sua família tivesse vindo originariamente de uma aldeia
chamada Vygotovo. Os autores não conseguiram estabelecer sua localização”.
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nessa época que teve contato e interesse pelas ideias de Karl Marx (1812-1883) e Friedrich
Engels (1820-1895).
Após os quinze anos de instrução com professores particulares, Vigotski foi um dos
melhores alunos do Gymnasium judeu particular de Gomel. Em 1913, aos 17 anos já tinha
concluído os estudos básicos com medalha de ouro. Devido à sua religião, essa láurea, era o
seu acesso ao ensino universitário, já que apenas três por cento dos estudantes podiam ser
judeus. Todavia, Vigotski precisou mais do que capacidade para entrar na universidade,
precisou de sorte, porque:
[...] quando Vygotsky estava fazendo seus exames, o ministro da educação divulgou
uma circular declarando que estudantes judeus deveriam ser matriculados por
sorteio. Esse foi um golpe violento para Vygotsky, cuja medalha de ouro tornara-se
praticamente sem valor. Por sorte, ele foi um dos poucos felizardos e começou a
estudar na Universidade de Moscou (VAN DER VEER; VALSINER, 2006, p. 19).
O objetivo da mudança no critério de seleção era de diminuir a qualidade dos
estudantes judeus nas melhores universidades, já que a cota de três por cento estava mantida.
Sobre esse dado biográfico Blanck (1996) relata que Vigotski, favorecido pela boa sorte,
ingressou no curso de medicina. A escolha foi determinada por influência de seus pais. Com
um mês de estudos trocou pelo Direito formando-se em 1917, e ainda se formou em História e
Filosofia.
Vygotsky estava interessado em estudar história ou filologia, mas estas áreas de
estudo o levariam a uma carreira de professor, e como judeu ele não poderia ser um
empregado do Estado. Consequentemente, ingressou no curso de medicina, uma
opção encorajada por seus pais por garantir uma vida profissional modesta, porém
segura. Depois de um mês; todavia, transferiu-se para a escola de direito, uma opção
mais adequada a seus interesses nas humanidades. Ironicamente, anos mais tarde, já
como um psicólogo renomado, Vygotsky entrou uma vez mais na escola de
medicina como um modesto estudante de primeiro ano. A vida é uma estrada com
muitas curvas (BLANCK, 1996, p. 34).
O preconceito que sua origem judaica sofreu esteve presente em muitos momentos da
vida de Vigotski, entre eles: na obrigatoriedade de viver no Território de Assentamento
durante o governo czarista; no ingresso à universidade e na escolha e exercício da profissão.
Em relação à formação profissional como trazemos no texto supracitado, a opção inicial não
era viável porque na época, professores judeus não tinham permissão para serem funcionários
públicos, restaria então lecionar no Gymnasium judeu particular, o mesmo em que ele tinha se
formado. Enquanto que o curso de Direito poderia possibilitar sua mudança para fora do
Território de Assentamento onde morava.
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Conforme Blanck (1996) e Van Der Veer e Valsiner (2006), Vigotski casou-se em
1924 com Rosa Noevna Smekhova 7. Foi nesse ano que participou do II Congresso de
Psiconeurologia de Leningrado, marco importante em sua vida profissional, porque determina
a segunda fase da sua produção biográfica. Nesse mais importante evento da Rússia, estavam
presentes Luria e Kornilov, diretor do Instituto de Psicologia de Moscou. Em pouco tempo,
Kornilov, suficientemente impressionado com a genialidade de Vigotski, convida-lhe para
ingressar ao Instituto como pesquisador. Em algumas semanas, ele e sua família se
estabelecem em Moscou.
Na literatura, podemos identificar que é nesse momento que Vigotski se associa à
Luria e Leontiev para iniciar sua teoria revolucionária:
[...] Na manhã seguinte de sua chegada, ele se reuniu com Luria e Leontiev para
planejar um projeto ambicioso que contrastava notavelmente com a posição modesta
de assistente de segunda classe com a qual Vygotsky iniciava sua carreira: a criação
de uma nova psicologia. [...] Foi assim que a famosa troika Vygotsky – Luria –
Leontiev foi formada, com Vygotsky assumindo a liderança natural. Cada um dos
principais conceitos de psicologia cognitiva foram revisados radicalmente. No
início, eles reuniram-se duas vezes por semana no quarto de Vygotsky para
organizar as pesquisas necessárias ao desenvolvimento de suas idéias. Em cerca de
dois anos a eles se agregaram estudantes como Alexandre Zaporovhets, Liya
Slavina, Lidia Bozhovich, Natália Morova e Rosa Levina. Os ‘oito’, como eles eram
chamados por seus colegas, encontravam-se no apartamento de uma peça da rua
Bolshaya Serpukhova, onde Vygotsky passara a viver, e onde passaria o resto de sua
vida. Mais tarde, eles continuariam suas investigações no laboratório da Academia
Krupskaya, sob a direção de Luria (BLANCK, 1996, p. 38).
O contexto histórico em que estava inserido exigia uma revolução na forma de
entender e desenvolver seu país. A União Soviética apresentava sérios problemas sociais,
entre eles, a educação. Havia nesse momento histórico pós-revolução um alto índice de
analfabetismo, e ainda, o descaso com as pessoas com deficiência. O objetivo de Vigotski e
seus colaboradores era construir uma psicologia marxista para atender e solucionar as
contradições sociais. A psicologia burguesa não apresentava condições de superar e
revolucionar o status quo. Aceitá-la seria negar a revolução e o comunismo. Era necessário
criar um novo conceito de homem para uma nova sociedade.
De acordo com Tuleski (2008, p. 91) a nova compreensão da especificidade humana
precisaria ser comprovada cientificamente, pois não se reduzia a noções subjetivistas ou
mecanicistas. A nova psicologia deveria tratar a “relação homem e natureza de uma
7
Vigotski e Rosa Noevna Smekhova tiveram duas filhas: Asya e Gita Levovna Vygodskaja. Segundo Blanck
(1996, p. 37) Rosa Noevna Smekhova foi “[...] uma mulher determinada que manteve seu ânimo durante os
tempos difíceis que compartilhou com Vygotsky [...] morreu em Moscou, em 1979”.
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perspectiva histórica, na qual o homem fosse produto e produtor de si e da própria natureza”.
Em outras palavras, era necessária a negação das bases filosóficas empregadas até então, para
a compreensão do indivíduo como um ser histórico, complexo e dinâmico. A presença de
Marx é o determinante para a elaboração de uma teoria sobre essa temática, em principal, pela
visão de totalidade e síntese de homem. Mas, não intentava utilizar-se do método existente e
adaptar às condições da sociedade, o objetivo era empregar a metodologia marxista para
desenvolver uma nova psicologia. Os interesses da troika e de seus colaboradores parece-nos
explícitos na seguinte passagem das Obras Escogidas, tomo 1:
Não se trata de adaptar o indivíduo ao sábado, mas sim, o sábado ao indivíduo; o
que necessitamos encontrar em nossos autores é uma teoria que ajude a conhecer a
psique, mas em modo algum a solução do problema da psique, a fórmula que fecha e
resume a totalidade da verdade científica. [...] O que se pode buscar previamente nos
mestres do marxismo não é a solução da questão, e nem sequer uma hipótese de
trabalho (porque esta se obtém sobre a base da própria ciência), mas o método de
construção. [...] o que eu quero é aprender a totalidade do método de Marx, como a
ciência é construída, a forma de abordar a análise da psique. [...] O que falta não são
opiniões pontuais, mas um método: e não o materialismo dialético, mas o
materialismo histórico (VYGOTSKI, 1997, p. 390-391, grifo do autor, tradução
nossa).
É possível estabelecermos, por meio dessa citação, duas condições essenciais para
compreender a complexidade em que esses pensadores pretendiam estruturar a nova teoria.
Sinalizamos como primeira, a clareza de que não bastava utilizar-se de uma metodologia que
adaptasse á ideia, o interesse vogava em estruturar uma teoria, que obedecesse o conjunto do
método de análise do fenômeno. E para isso, eis aqui a segunda, o materialismo dialético, por
buscar compreender os fenômenos naturais e sociais em termos da lógica dialética do filósofo
alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), seria incompleto. Faltava a essência da
tese marxista, a qual estabelece que a história da humanidade é impulsionada pelos avanços
tecnológicos (meios para a produção de bens materiais) e pelas mudanças na organização
social, política e econômica. Portanto, como afirma Duarte (2007, p. 79) “para se
compreender o pensamento de Vigotski e sua escola é indispensável o estudo dos
fundamentos filosóficos marxistas dessa escola psicológica”.
É inevitável pesquisar sobre Vigotski e não referenciar a questão pontual sobre as
apropriações neoliberais e pós-moderna da teoria vigotskiana que entre outros aspectos
cruciais exclui a concepção marxista da teoria, a qual tem como princípio fundamental do ser
social, o trabalho. Essa corrente teórica nega a existência de uma cultura de valor universal e
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retira da escola sua função de transmitir e garantir a apropriação da cultura pelos indivíduos e
que, por conta de sua ideologia, secundariza o papel do professor nesse processo.
Isto posto, evidenciamos a importância de se conhecer o contexto da produção de uma
teoria; pois assim, entendemos o todo maior da qual ela faz parte. Ao percebermos que o
momento pessoal de elaboração da teoria era de pós-revolução e que para o homem daquela
época era imprescindível à apropriação do saber, compreendemos a importância que a teoria
vigotskiana atribui à apropriação do indivíduo, da experiência histórica e social e, dos
conhecimentos produzidos e acumulados historicamente pela humanidade.
Relação do Pensamento e Linguagem
Para compreendermos a relação entre o pensamento e a linguagem é mister
considerarmos a questão do trabalho no desenvolvimento do homem de acordo com a teoria
de Marx, Engels (2007) e Leontiev (2004). Para os autores, a transformação da natureza foi a
essência do desenvolvimento do homem e do seu trabalho, ou seja, o trabalho constituiu o
homem como ser social. Para Leontiev (2004) o trabalho só poderia nascer entre os homens
que vivessem em grupo, porque ele nasce pela necessidade coletiva de sobrevivência, do uso
e do fabrico de instrumentos.
Da mesma forma, a linguagem se estabelece por uma essencialidade coletiva. Isto é,
pela necessidade de transmissão de informações, possuindo uma ação produtiva sobre os
objetos e sobre outros homens. Para Marx e Engels (2007), o marco do desenvolvimento
humano, o que diferenciou o homem do macaco, se deu pelo fabrico e pelo uso de
instrumentos (trabalho) e pela linguagem (signos, meios auxiliares). Portanto, podemos inferir
que, tanto a linguagem, quanto a consciência se desenvolveram devido a uma atividade
produtiva.
A questão do desenvolvimento da linguagem e sua relação com o pensamento é uma
das questões centrais dos estudos de Vigotski. Para ele, essa relação redimensiona todas as
funções psicológicas que passam de primitivas às funções psicológicas superiores (FPS). Não
há diferenças entre o homem primitivo, moderno ou cultural em relação aos aspectos
biológicos, mas há diferenças psicológicas e comportamentais. No primeiro, as funções
psicológicas estão em estado primitivo ou natural; enquanto no segundo, são superiores ou
culturais, isto é, controladas por mediadores externos e internos (signos).
Seus estudos denotam duas funções básicas: a interação com outros homens, e, o
pensamento generalizante. A primeira função da linguagem diz respeito à necessidade de
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comunicação entre os homens e nesse caso, pelas crianças. Em todas as traduções do
pesquisador russo, fica-nos claro que “a função inicial da linguagem é a comunicativa. A
linguagem é antes de tudo um meio de comunicação social, um meio de expressão e
compreensão” (VYGOTSKI, 2001, p. 22, grifo do autor, tradução nossa). Essa função é
estabelecida desde o nascimento através do choro, dos diversos sons, dos gestos e das
expressões. É no desenvolvimento dessa necessidade de comunicação que se inicia a
utilização de signos compreensíveis.
Linguagem para Luria (1986, p. 25) é “um complexo sistema de códigos que designa
objetos, características, ações ou relações; códigos que possuem a função de codificar e
transmitir a informação, introduzi-la em determinados sistemas [...]”. Podemos inferir que
cada indivíduo se comunica da forma que se possa fazer entender, dessa maneira, a
comunicação deve ter um significado entendido coletivamente, mesmo que as vivências de
cada um apresentem sentido individual e diferenciado.
A segunda função da linguagem, a de pensamento generalizante é determinada pelo
fornecimento que a linguagem oferece à criança em relação à organização do real que ela
vivencia, convertendo em linguagem interna. A linguagem transforma o pensamento prático
em verbal e revoluciona todas as operações intelectuais que passam de primitivas a
superiores. E esse é um processo absolutamente humano.
Em síntese, a primeira função da linguagem é social, a segunda função é individual.
Esta função é interior, sua aquisição aciona o nível intrapsicológico, isto é, a organização da
própria linguagem. Com efeito, os estudos de Luria (2005) afirmam que:
A função de generalização é a função principal da linguagem, sem a qual seria
impossível adquirir a experiência das gerações anteriores. Mas seria errado julgar
que esta é a única função fundamental da linguagem. A linguagem não é apenas um
meio de generalização; é, ao mesmo tempo, a base do pensamento. Quando a criança
assimila a linguagem, fica apta a organizar de nova maneira a percepção e a
memória; assimila formas mais complexas de reflexão sobre os objetos do mundo
exterior; adquire a capacidade de tirar conclusões das suas próprias observações, de
fazer deduções, conquista todas as potencialidades do pensamento (LURIA, 2005, p.
110).
Vygotsky e Luria (1996) sinalizam que o estudo da linguagem apresenta uma enorme
significação pedagógica, porque esse estudo e esse entendimento podem ajudar a resolver
uma série de questões práticas relacionadas ao cotidiano escolar, da criação e da educação das
crianças. Dessa maneira, podemos inferir que se a linguagem desempenha um papel decisivo
no pensamento, e se por qualquer motivo as duas funções da linguagem não forem
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apropriadas pela criança podemos comprometer o desempenho social e intelectual de sua fase
educacional.
A Formação dos Conceitos Científicos
Interessa-nos trazer essa discussão porque a apropriação dos conceitos científicos
segundo essa perspectiva teórica é “[...] a chave de toda a história do desenvolvimento mental
da criança [...]” (VYGOTSKI, 2001, p. 181, tradução nossa). E, nesse sentido, é muito
importante, no que diz respeito às atividades que a escola desenvolve, porque as relações que
a criança estabelece em idade escolar desenvolvem e revolucionam seu pensamento cognitivo.
[...] é sabido que o conceito não é simplesmente um conjunto de conexões
associativas que é adquirida com a ajuda da memória, e não um hábito automático
da mente, mas um autêntico e complexo ato de pensamento. Como tal, ele não pode
ser dominado com a ajuda de simples aprendizagem, mas, inevitavelmente, exige
que o pensamento da criança seja criada em seu próprio desenvolvimento interno em
um nível superior mais elevado para que o conceito possa surgir na consciência. A
pesquisa ensina-nos que, em qualquer fase do desenvolvimento do conceito é, do
ponto de vista psicológico, um ato de generalização. O resultado mais importante de
todas as investigações, neste campo, constitui a tese, firmemente estabelecida, de
que os conceitos representados psicologicamente como significados das palavras se
desenvolvem. A essência do seu desenvolvimento consiste em primeiro lugar na
transição de uma estrutura de generalização para outra. Em qualquer idade, os
significados das palavras se constituem uma generalização. Mas os significados das
palavras evoluem. No momento, em que a criança assimila uma nova palavra
relacionada com um significado, o desenvolvimento do significado da palavra não
termina, mas apenas se inicia. A palavra é no início uma generalização do tipo mais
elementar, e unicamente à medida que a criança se desenvolve é substituída por
generalizações mais complexas [...] (VYGOTSKI, 2001, p. 246, grifo do autor,
tradução nossa).
O significado da palavra está relacionado à abstração e à generalização, que são uma
das operações racionais do pensamento. A primeira está relacionada à separação mental dos
traços essenciais, e a segunda, à atribuição a um grupo com certa categoria idêntica. Para
Menchinskaia, Shemiakin e Smirnov (1969), a generalização se sustenta em diferentes
aspectos ou qualidades de objetos ou fenômenos semelhantes. Entretanto, sua propriedade
mais importante é estabelecida na separação dos aspectos que, apesar de ser comuns entre
determinados objetos ou fenômenos, são essenciais para sua categorização. Esta operação
racional é que determina a formação de conceitos.
A classificação de um objeto ou um fenômeno implica um pensamento verbal-lógico
que abrange muitos elementos e que percorre toda a possibilidade da linguagem em formular
abstrações e generalizações. Em resumo, quando separamos mentalmente um ou mais
elementos de um objeto ou fenômeno, os quais só mentalmente podemos manter fora dessa
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totalidade, estamos abstraindo. E generalizamos quando reconhecemos caracteres comuns a
vários objetos singulares, formando assim um novo conceito ou ideia.
Há dois tipos de conceitos: o espontâneo e o científico. O primeiro são formas
rudimentares de construção de significados que foram assimilados na vida cotidiana do
indivíduo, caracteriza-se pela ausência de uma percepção consciente de suas relações, é
orientado pelas semelhanças concretas e por generalizações isoladas. Também conhecidos
como conceitos cotidianos, eles são a base dos conceitos científicos e permitem a formação de
novos conceitos espontâneos.
Os conceitos científicos se constituem em formas de categorização e generalização
avançadas. São assimilados por meio da colaboração sistemática, organizada entre os
indivíduos, em essência, entre o professor e o aluno, no contexto escolar. Apropriados com a
formalização de regras lógicas, sua assimilação envolve análise, que se inicia com uma
definição verbal e operações mentais de abstração e generalização.
O segundo apoia-se em conceitos espontâneos já apropriados, mas o seu
desenvolvimento não repete o mesmo caminho. O seu processo de desenvolvimento requer:
atenção arbitrária, memória lógica, abstração, comparação e discriminação. Logo, como nos
ensina Vygotski (2001), o ensino direto de conceitos se mostra impossível e pedagogicamente
estéril. Desta maneira,
Quanto mais progride a humanidade, mais rica é a prática sócio-histórica acumulada
por ela, mais cresce o papel específico da educação e mais complexa é a sua tarefa.
Razão por que toda etapa nova no desenvolvimento da humanidade, bem como os
diferentes povos, apela forçosamente para uma nova etapa no desenvolvimento da
educação: o tempo que a sociedade consagra à educação das gerações aumenta;
criam-se estabelecimentos de ensino, a instrução toma formas especializadas,
diferencia-se o trabalho do educador do professor, os programas de estudo
enriquecem-se, os métodos pedagógicos aperfeiçoam-se, desenvolve-se a ciência
pedagógica. Em relação entre o progresso histórico e o progresso da educação é tão
estreita que se pode sem risco de errar julgar o nível geral do desenvolvimento
histórico da sociedade pelo nível de desenvolvimento do seu sistema educativo e
inversamente (LEONTIEV, 2004, p. 291-292).
É notório o enfoque que a teoria histórico-cultural determina à educação. A escola é o
espaço privilegiado para se aprender. Sua função se inicia e se encerra em promover o
aprendizado, mediado pelo ensino do professor e pelas relações humanas que ali se
desenvolvem.
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O Homem, o Trabalho e a Escola
A história da evolução humana é um reflexo das relações sociais que os homens
estabeleceram através dos tempos entre si e com a natureza. Essa possibilidade dialética de
transformação do meio faz com que ele se torne sujeito da ação do mundo, pois o homem é
homem pelas relações organizadas socialmente.
O trabalho é uma ação fundamentalmente humana sobre a natureza, ou objeto, a fim
de transformá-los em algo em seu próprio benefício. Tanto no trabalho intelectual quanto no
trabalho material, sua função primordial é transformar. O trabalho educativo é o ato de
produzir, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente
pelo conjunto de homens (SAVIANI, 2008).
A educação é a forma pela qual o homem assimila o mundo para se tornar humano, o
homem aprende a ser homem o que implica o trabalho educativo (SAVIANI, 2008). O
homem é o único animal que nasce inacabado. Ele precisa aprender a ser homem. Esse
processo de hominização vincula-se à organização social (todas as instâncias sociais educam).
Já o processo de humanização vincula-se ao processo dialético entre o homem e a cultura.
A sociedade capitalista é historicamente constituída por duas classes antagônicas: a
elite composta pela minoria que detém o capital e, a dominada que é a maioria da população a
qual lhe é negada o poder financeiro. Para manter essa ordem social, a escola em seu
desenvolvimento histórico atende aos ideais dominantes. Saviani (2003) pontua que a
educação dualista é aquela que mantém dois tipos de escolas: uma que avança nos
conhecimentos produzidos pela sociedade destinada à elite, e outra que forma o homem para o
trabalho, destinado obviamente, para a classe dominada.
Esse dualismo de paradigmas é assumido pela escola em todo desenvolvimento
histórico, em principal, após a consolidação da sociedade capitalista. Saviani (2003), ao
analisar as teorias educacionais, classifica-as em três grupos: teoria não-crítica da educação;
teorias crítico-reprodutivistas; e, teoria crítica da educação.
O primeiro grupo compreende a pedagogia Tradicional, a Nova e a Tecnicista. São
consideradas teorias acríticas por conceber a educação autônoma e buscar a compreensão por
ela mesma. A questão central na tendência pedagógica Tradicional é aprender, e o foco está
no professor. Para a Nova, o foco passa a ser o aluno e a questão central é aprender a
aprender. A última desse rol, a Tecnicista, o foco está nos meios e a questão central é
aprender a fazer.
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O grupo das teorias crítico-reprodutivistas concebe o problema do elitismo da
educação, e tem como função corrigir o problema, o que não é possível de se realizar. Ao
partir do pressuposto ideológico que o norteia percebemos que ele apenas explica o
funcionamento da escola como está constituída, e não apresenta perspectivas de mudança.
Enquanto o primeiro grupo pretende resolver o problema da educação sem conseguir; o
segundo, igualmente estéril, apenas explica os seus fracassos.
O terceiro grupo, por sua vez, revela segundo Saviani (2003) a teoria histórico-crítica
que explica a educação como um processo intencional e sistematizado de transmissão de
conteúdos e de conhecimentos científicos que foram produzidos pela história da humanidade.
Apresenta como ponto inicial a prática social, e se desenvolve pela problematização,
instrumentalização, e catarse, e retorna na prática social, constituindo-se como um novo ponto
de partida. É nesse princípio da teoria crítica que se desenvolve a pedagogia histórico-crítica
que para Gasparin (2007) é uma prática revolucionária e dialética da educação, que se
constitui em uma atividade mediadora no interior da prática social.
Para Facci (2004, p. 229), Vigotski e Saviani “compartilham da ideia de que é a
educação que leva os homens a se apropriarem dos conteúdos já elaborados pela humanidade
e, dessa forma, se humanizarem”. Segundo Duarte (2004, p. 4), a pedagogia histórico-crítica
“é a concepção pedagógica que entendemos ser compatível com nossa fundamentação
filosófica e nosso compromisso político [...]”. Logo, podemos concluir que a teoria históricocrítica é a leitura pedagógica que devemos ter ao nos referirmos à perspectiva históricocultural.
Considerações Finais
Ao indagarmos em quais aspectos a teoria histórico-cultural, elaborada no início do
século XX por estudiosos soviéticos, implica na educação escolar da contemporaneidade no
Brasil, chamamos a atenção que essa teoria apresenta fundamentos que possam atender a
demanda educacional, mas entre eles o principal que queremos destacar é a valorização da
escola e do trabalho do professor no processo ontogenético de humanização do homem. É por
meio do trabalho educativo que existe a possibilidade da formação de intelectuais.
Para Gramsci (1989), todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer então, mas
nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais. Não podemos falar
de “não-intelectuais”, a intelectualidade é um aspecto essencialmente humano, não existe
atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual, não se pode separar o
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Homo Faber do Homo Sapiens e educar. Para o filósofo italiano, é necessário por um fim a
esta dicotomia. Educar é resgatar o sentido estruturante da educação e de sua relação com o
trabalho, as suas possibilidades criativas e emancipatórias.
A escola tem papel fundamental na formação dos intelectuais, é nela que se transmite
cultura. A classe dominada precisa desse espaço de formação cultural. Neste caso, com o
entendimento de cultura como instrumento pela transformação social, formar indivíduos que
fazem a distinção entre o senso comum e a “filosofia da práxis”. Cidadãos que consigam,
conforme Kosik (2002), compreender e destruir o mundo da pseudoconcreticidade.
Para finalizar, trazemos Saviani (2003, p. 88) que ao analisar a dimensão política da
educação e a dimensão educacional da política, conclui que “[...] a importância política da
educação reside na sua função de socialização do conhecimento. É realizando-se na
especificidade que lhe é própria, que a educação cumpre sua função política”. Em síntese, ela
só poderá desenvolver sua função política de humanização se fundamentar sua prática na sua
função pedagógica de promover o ensino e a apropriação dos conhecimentos elaborados e
acumulados pela sociedade.
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