Fonte: O Globo Bernanke e os protestos Ilan Goldfajn

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Fonte: O Globo
Bernanke e os protestos
Ilan Goldfajn
Tudo está mudando ao mesmo tempo. Choque internacional, protestos no País. Até a seleção brasileira
mudou e voltou a jogar como campeã.
Parece obra do acaso. Mas não acredito em coincidências, o choque externo sinaliza proximidade do fim de
um ciclo global e, através de caminhos diversos, desperta a insatisfação local já existente. Por isso
acontecem ao mesmo tempo. A economia global certamente está mudando de rumo. E pressionando a
economia brasileira. Após anos de juros zero, fluxos de capitais abundantes para países emergentes e
pressão para apreciação do real, a maré esta mudando. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano)
deixou claro que já está preparando a diminuição dos estímulos dos últimos anos e, no futuro, a subida de
juros. Agora os fluxos de capitais estão voltando aos EUA e o real deprecia, pressionando a inflação e
requerendo políticas mais austeras.
Ao mesmo tempo, os protestos indicam necessidade de mudanças: melhores serviços públicos, mais
crescimento, menos inflação e, de uma forma geral, aumento do bem-estar. Essa situação reduz o espaco de
manobra da política econômica, no curto prazo. Mas a dificuldade abre espaço para a oportunidade que, se
bem aproveitada, pode melhorar a economia no longo prazo.
São vários protestos no mundo, cada um diferente do outro. O que têm em comum é que ocorrem no fim de
um longo ciclo global, que começou com uma década de crescimento forte e passou por uma crise financeira
global. O fim do ciclo está próximo, pelo menos nos EUA, onde o desemprego cai e aproxima-se do patamar
de 6,5%, ponto focal para reversão das políticas de estímulo. O excesso de estímulo fica para trás, o que
assusta o mundo.
A princípio não haveria por que temer a nova realidade nos EUA. Se, por um lado, juros mais altos nos EUA e
reversão dos fluxos de capitais têm consequências negativas, como a liquidação de ativos nos países
desenvolvidos, queda nas bolsas e nos outros ativos, sem falar na depreciação cambial, por outro lado, o país
que primeiro entrou em crise, com o problema dos empréstimos subprime , está começando a sair dela. E a
volta do crescimento nos EUA pode significar, com alguma defasagem de tempo, o começo do fim da
recessão na Europa e a desaceleração no mundo.
A subida dos juros no mundo é a outra face da volta do crescimento global. Uma não vai ocorrer sem a outra.
O impacto em cada uma das economias no mundo emergente vai depender da combinação do impacto
financeiro negativo com o impacto da volta do crescimento global.
que primeiro entrou em crise, com o problema dos empréstimos subprime , está começando a sair dela. E a
volta do crescimento nos EUA pode significar, com alguma defasagem de tempo, o começo do fim da
recessão na Europa e a desaceleração no mundo.
A subida dos juros no mundo é a outra face da volta do crescimento global. Uma não vai ocorrer sem a outra.
O impacto em cada uma das economias no mundo emergente vai depender da combinação do impacto
financeiro negativo com o impacto da volta do crescimento global.
Na América Latina acredito que existam defesas bem construídas para choques financeiros. A grande maioria
dos países (inclusive o Brasil) construiu grandes (e custosos) estoques de reservas internacionais que servem
de defesa, pois podem ser usados para suavizar qualquer ajuste necessário na economia, sem grandes
traumas. Muitos governos tornaram-se credores em moeda forte, os passivos externos são menos rígidos e a
maturidade da dívida pública é mais longa. Acredito que após o choque inicial e o ajuste aos tremores que se
seguem, haverá reversão dos eventuais exageros e a volta da calmaria.
A vulnerabilidade maior na América Latina hoje é a um choque real. Uma desaceleração mais forte da China,
que venha a impactar negativamente as commodities e os termos de troca e, portanto, a renda na região teria
um impacto maior que o choque de juros de Bernanke. Qual a probabilidade desse cenário? Num contexto
em que a economia global se recupera lentamente, uma desaceleração mais forte da China seria
consequência do estouro da bolha de crédito e de investimento, estímulos usados para revitalizar a economia
depois da quebra do Lehman Brothers.
O impacto do novo ciclo mundial no Brasil depende, portanto, das idiossincrasias na China, mas também de
suas próprias. O que temos de específico no Brasil em relação ao resto do mundo? Em que divergimos mais?
Entramos nesta nova fase com inflação mais alta que nossos vizinhos, muitos com inflação abaixo das suas
metas. Isso coloca limites na depreciação do câmbio que pode ser absorvida. Também adotamos política
fiscal mais estimulativa do que os outros. Precisamos agora fazer ajuste fiscal e ao mesmo tempo atender às
novas demandas de velhos problemas. Está claro que a dificuldade de hoje é também a oportunidade de
rebalancear a economia. Precisamos voltar a investir em infraestrutura, mas também em serviços públicos
consistentes com a alta carga tributária. Reformas que privilegiem a educação são muito bem-vindas, há que
se olhar o longo prazo. Só assim reagiremos à altura ao choque externo combinado aos protestos.
Fonte: O Globo
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