condenada

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14ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO
AGRAVO INOMINADO NA APELAÇÃO CÍVEL Nº 8246/08
AGRAVANTE: VIVO S/A
AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
RELATOR: DESEMBARGADOR JOSÉ CARLOS PAES
AGRAVO INOMINADO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO.
1. A alegação da ocorrência de
cerceamento de defesa não prospera,
visto que, conforme expresso na
sentença, basta a verificação da
documentação acostada para que o
Juízo possa aferir se houve violação
ao Código de Proteção e Defesa do
Consumidor,
não
dependendo,
portanto, de conhecimento técnico
para tal. Assim, a hipótese se
enquadra no art. 420, parágrafo único,
I, do CPC.
2. O argumento de que nas
promoções realizadas não havia
qualquer condição de consumo dos
minutos do plano de franquia é
facilmente afastado, diante de suas
próprias alegações de que as
publicidades ofertadas foram claras
em informar que dependia do
consumo dos minutos da franquia.
3. Da mesma forma, as afirmativas de
que informou expressamente em seu
material publicitário que a tarifa
promocional somente seria válida
após o consumo da franquia e do
pacote
principal
não
merecem
amparo, uma que dispostas de forma
difícil de ler, em letras miúdas, que
1
não
chamam
a
atenção
do
consumidor, dificulta-lhe a leitura.
4. O dano moral coletivo é direito
básico do consumidor. Art. 6º, VI, da
lei 8078/90. Precedentes do STJ,
TJ/MG e TJ/RS.
5. Todavia, não há de se falar em
condenação da ré em honorários ao
Ministério Público. Precedente do
STJ.
6. Negado provimento ao recurso.
Vistos, relatados e discutidos este Agravo
Inominado nos autos da Apelação Cível nº 2008.001.08246, em
que é agravante VIVO S/A e agravado MINISTÉRIO PÚBLICO.
Acordam os Desembargadores que integram a 14ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,
por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso.
Trata-se de Agravo Inominado visando modificar a
decisão de fls. 395-403, que conheceu o recurso e negou-lhe
seguimento, nos termos do art. 557, caput, do CPC, fixando, de
oficio, o valor da indenização em Cz$ 38.592,00.
Aduz a recorrente que a não realização da prova
pericial requerida revela-se como cerceamento de defesa e que
não ocorreu violação ao art. 31 do CPDC. A seguir, sustentou
quanto à ausência de lei que especifique a forma das
publicidades e à inexistência de dano moral a ser ressarcido.
É o Relatório.
O que se traz ao colegiado, por força de Agravo
Inominado, é a ação civil pública proposta pelo Ministério Público
contra Telerj Celular S/A (Vivo), alegando que no mês de
junho/04, para incrementar suas vendas decorrentes do dia dos
2
namorados, a ré realizou a promoção “Te Quero Muito”, em que
se alardeava a possibilidade de o consumidor que comprasse
novo aparelho celular indicar um assinante para que efetuassem
entre si chamadas locais por R$ 0,01 o minuto, durante um ano.
Afirmou que havia uma restrição relevante: tal tarifa só era
aplicada depois do consumo dos minutos contratados no
respectivo Plano, mas a ré veiculou peças publicitárias em que a
restrição não era informada ao consumidor.
Aduziu que em novembro e dezembro de 2004 a ré
ainda realizou a promoção Vivo Pós Top, em que o consumidor,
além do pacote básico de minutos de seu plano de serviços, fazia
jus a 500 minutos suplementares de ligações locais de Vivo para
Vivo. Alegou que, de novo, havia uma restrição relevante: os 500
minutos só podiam ser aplicados depois do consumo dos minutos
contratados no respectivo Plano, não tendo a ré informado
adequadamente tal circunstância ao consumidor.
Assim, requereu seja a ré condenada a devolver os
valores recebidos indevidamente, repetindo o indébito em valor
igual ao dobro do que recebeu em excesso, assim como seja
reconhecida a obrigação de indenizar, da forma mais ampla e
completa possível, os danos materiais e morais de que tenha
padecido o consumidor; a condenação da ré a indenizar os
interesses difusos dos consumidores que restaram lesados, no
valor mínimo de R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais), cujo
valor reverterá ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados
mencionado no art. 13 da Lei nº 7347/85; a publicação do edital a
que se refere o art. 94 do CPDC; a condenação da ré nos ônus
da sucumbência, aí incluídos os honorários advocatícios a favor
do Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria do Estado; e,
liminarmente, a determinação para que a ré informe de forma
ostensiva, adequada e dotada de clareza, em todas as ofertas e
publicidades, veiculadas por qualquer meio, qualquer vantagem
que conceda condicionada ao consumo prévio de minutos do
respectivo plano de serviços, sob pena de multa diária de R$
50.000,00.
Na sentença, o Juízo a quo, às fls. 288-295, julgou
parcialmente procedente o pedido, para que a ré cumpra o seu
dever de informar de forma clara, em destaque e adequadamente
3
os consumidores em todas as ofertas e publicidades, veiculadas
por qualquer meio, em que conceda qualquer vantagem
condicionada ao consumo prévio da franquia de minutos do
respectivo plano de serviços, sob pena de multa diária de R$
1.000,00, na forma do parágrafo único do art. 14 do CPDC, bem
como condená-la a título de dano moral coletivo ao pagamento
correspondente a R$ 70.000,00, na forma do art. 13 da lei
7347/85, e, por fim, condená-la ao pagamento das custas e
honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da
condenação, que serão revertidos ao Centro de Estudos Jurídicos
da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado.
Embargos de declaração às fls. 299-300 e 303-305,
rejeitados às fls. 306.
Na apelação, a ré, às fls. 309-334, alegou que as
publicidades veiculadas atendem a todos os requisitos impostos
pela lei e que houve flagrante cerceamento de defesa, pois foi
proferida sem a realização da prova pericial requerida. Afirmou
que nas promoções realizadas não havia qualquer condição de
consumo dos minutos do plano de franquia para a fruição da
tarifa promocional anunciada e que o consumidor, usuário de um
plano de franquia, tem plenas condições de entender que o custo
de uma tarifa promocional não será, por óbvio, válido desde o
primeiro minuto em que fizer chamadas, tendo condições de
saber que a tarifa promocional somente será válida para as
chamadas que excederem ao seu plano de franquia de minutos.
Asseverou a ré, ora apelante, que informou
expressamente em seu material publicitário (fl. 83), que a tarifa
promocional somente valeria após o consumo da franquia de
minutos e, quanto à promoção Vivo Pós Top, as propagandas
constantes de fls. 42 e 45 também constam expressamente que o
bônus só valeria após o consumo do pacote principal. Aduziu que
inexiste lei disciplinando a forma das publicidades, não podendo a
sentença atacada, sem fundamento legal algum, pretender imporlhe um enorme ônus, sendo certo que as publicidades efetivadas
trouxeram todas as informações necessárias ao conhecimento
adequado dos produtos comercializados e que as suas
publicidades não contêm letras miúdas. Afirmou que a sentença
atacada violou o princípio da isonomia na medida em que
4
conferiu tratamento desigual à operadoras de telefonia celular,
uma vez que as publicidades de suas concorrentes em nada
diferem das publicidades por ela lançadas.
Por fim, disse que não há incidência de dano moral,
não podendo a sentença ter abraçado a tese de dano moral
coletivo, eis que incabível na espécie, sendo que o art. 13 da lei
7347/85 determina que a indenização reverterá a um fundo
destinado à reconstituição dos bens lesados, o que não é o caso
dos autos, mormente porque a própria sentença reconheceu a
inexistência de dano a ser reparado e que, caso não sejam
acolhidos seus argumentos, a sentença deve ser reformada no
que diz respeito à condenação pelos ônus da sucumbência, uma
vez que esta foi recíproca. Assim, requereu a reforma da
sentença para julgar improcedentes os pedidos ou, caso assim
não seja entendido, a reforma para reconhecer-se a sucumbência
recíproca.
Contra-razões do Ministério Público, às fls. 341-352,
prestigiando a sentença.
Às fls. 389-393 verso, a Douta Procuradoria de
Justiça manifesta-se pelo não provimento do apelo.
Examina-se o pleito.
A alegação da ocorrência de cerceamento de defesa
não prospera, visto que, conforme expresso na sentença basta a
verificação da documentação de fls. 41-45 para que o Juízo possa
aferir se houve violação ao Código de Proteção e Defesa do
Consumidor, não dependendo, portanto, de conhecimento técnico
para tal. Assim, a hipótese se enquadra no art. 420, parágrafo
único, I, do CPC.
O argumento de que nas promoções realizadas não
havia qualquer condição de consumo dos minutos do plano de
franquia é facilmente afastado, diante de suas próprias alegações
de que as publicidades de fls. 42-43 e 45 foram claras em
informar que dependia do consumo dos minutos da franquia.
5
Da mesma forma, as afirmativas de que informou
expressamente em seu material publicitário de fls. 83, 42 e 45 que
a tarifa promocional somente seria válida após o consumo da
franquia e do pacote principal não merecem amparo, eis que
dispostas de forma difícil de ler, em letras miúdas, que não
chamam a atenção do consumidor, ao contrário, dificulta-lhe a
leitura.
A alegação de que inexiste lei disciplinando a forma
das publicidades não vinga, uma vez que, como é cediço, a oferta
e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar
informações, no mínimo, claras e ostensivas, o que, in casu, da
simples visualização das publicidades ofertadas, não se verifica,
sendo inverídica a sustentação de que tais publicidades não
contêm letras miúdas.
A tese de que a sentença monocrática violou o
princípio da isonomia porque a publicidade de suas concorrentes
em nada difere das suas não se sustenta, tendo em vista o
princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, inserido no art.
5º, XXXV, da Constituição da República.
A afirmativa de que não é cabível dano moral
coletivo não procede diante da redação do art. 6º, VI, da lei
8078/90, onde está expresso que a efetiva reparação de danos
morais coletivos é direito básico do consumidor.
Veja-se o entendimento de Gabriel A. Stiglitz sobre o
tema:
Luego de uma década de formulaciones
doctrinarias los ordenamentos jurídicos de
Brasil y Argentina, incorporaron regímenes de
prevención y resarcimiento, en orden a la
dañosidad colectiva, especialmente em lo
referente a menoscabos al medioambiente y al
consumidor, y em general a los intereses
difusos. Em Brasil, las reformas a la Ley 7347
(sobre acción civil pública para la tutela de los
intereses difusos), incorporan la noción de daño
moral colectivo (art. 1º), dentro del sistema
rescitorio diseñado. Y el Código de Defensa del
6
Consumidor (1991), reconoce a las víctimas, el
derecho de accionar judicialmente em defensa
de sus intereses colectivos (art. 81 y ss). Por
ejemplo, los daños colectivos provocados por
publicidades abusivas (art. 37-2, CDC),
substancialmente masivos, pues afectan
indivisiblemente la moral del público, de los
consumidores
em
general
(publicidad
1
discrimatoria, antiambiental etc).
A propósito, vale trazer à colação o seguinte
acórdão:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MINISTÉRIO
PÚBLICO
LEGITIMIDADE
ATIVA
INTERESSE
DIFUSO
PUBLICIDADE
ENGANOSA
- HOTEL
- DIÁRIAS PROMOÇÃO - DANO MORAL COLETIVO
Ação
civil
pública.
Ministério
Público.
Legitimidade. Direito difuso. Propaganda
enganosa. Viagens para qualquer lugar do País.
Dano moral coletivo.
- A propaganda enganosa, consistente na falsa
promessa a consumidores, de que teriam direito
de se hospedar em rede de hotéis durante
vários dias por ano, sem nada pagar, mediante
a única aquisição de título da empresa, legitima
o Ministério Público a propor a ação civil
pública, na defesa coletiva de direito difuso,
para que a ré seja condenada, em caráter
pedagógico, a indenizar pelo dano moral
coletivo, valor a ser recolhido ao Fundo de
Defesa de Direitos Difusos, nos termos do
art. 13 da Lei nº 7.347/85.2
1
STIGLITZ, Gabriel A. Dano moral individual y colectivo meioambiente, consumidor y
dañosidad colectiva. In Revista de Direito do Consumidor, n. 19.
2 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível nº
1.0702.02.029297- 6/001 - Comarca de Uberlândia - Apelante: Ministério Público do Estado
de Minas Gerais - Apelado: Solemar Hotéis Camping Club -Relator: Des. Guilherme Luciano
Baeta Nunes
7
Ademais, ao contrário do entendimento do
agravante, a reparabilidade do dano moral em face da
coletividade é perfeitamente aceitável, pois apesar de ente
despersonalizado, a coletividade possui valores morais e um
patrimônio ideal a receber proteção do Direito.
Ora, se a reparabilidade do dano moral em face das
pessoas jurídicas é aceitável quanto à honra objetiva, a fortiori,
deverá ser aceita tal tese em face da coletividade. Confira-se a
lição de André Ramos:
Tal entendimento dos Tribunais com relação às
pessoas jurídicas é o primeiro passo para que
se aceite a reparabilidade do dano moral em
face de uma coletividade, que, apesar de ente
despersonalizado, possui valores morais e um
patrimônio ideal que merece proteção. Destarte,
com a aceitação da reparabilidade do dano
moral em face de entes diversos das pessoas
físicas, verifica-se a possibilidade de sua
extensão ao campo dos chamados interesses
difusos e coletivos. As lesões aos interesses
difusos e coletivos não somente geram danos
materiais, mas também podem gerar danos
morais. O ponto-chave para a aceitação do
chamado dano moral coletivo está na ampliação
de seu conceito, deixando de ser o dano moral
um equivalente da dor psíquica, que seria
exclusividade de pessoas físicas. (...) Pelo
contrário, não somente a dor psíquica que pode
gerar danos morais. Qualquer abalo no
patrimônio moral de uma coletividade também
merece reparação. (...) Imagine-se o dano
moral gerado por propaganda enganosa ou
abusiva. O consumidor em potencial sentese lesionado e vê aumentar seu sentimento
de desconfiança na proteção legal do
consumidor, bem como no seu sentimento
de cidadania. 3
Verifica-se, portanto, que o dano moral pode não ter
como pressuposto indispensável qualquer espécie de dor, uma
3
RAMOS, André de Carvalho. A ação civil pública e o dano moral coletivo. Revista de Direito
do Consumidor, São Paulo, nº 25, p. 80-89.
8
vez que, sendo uma lesão extrapatrimonial pode referir a
qualquer bem jurídico.
Cite-se, como exemplo, o prejuízo ecológico que
guarda um estrito caráter patrimonial, pois embora seja dano
moral coletivo não se funda na dor, mas numa lesão de caráter
não econômico, recaindo sobre bens de caráter cultural ou
ecológico.
Dito isso, importante verificar o conteúdo ontológico
do dano moral coletivo, pois o quadro de direitos subjetivos como
possibilidade de exercício de uma pretensão foi construído a
partir de uma teoria do dano própria do Estado Liberal,
tipicamente clássico, baseado num sistema constitucional de
divisão de poderes.
De toda sorte, há atualmente a realidade dos direitos
subjetivos públicos4 e um Estado diverso do Estado liberal, onde
a preocupação se alicerçava no mérito da limitação do Poder
político.
O tipo histórico do Estado de Direito moderno
diferencia-se dos demais por reconhecer nos seus súditos
pessoas com direitos a reivindicar a proteção do Estado, cuja
personalidade o limita juridicamente, pois sujeita-se a direitos e
deveres.
Assim, a função de direitos de defesa contra os
poderes públicos pode ser reconduzida à doutrina dos quatro
status de Georg Jellinek5, onde formulou a concepção original em
que o indivíduo, vinculado a determinado Estado, encontra sua
posição relativamente a este dividida por quatro espécies de
situações jurídicas, ou, por assim dizer, dividida por quatro status
que seriam uma espécie de estado no qual se encontra o
indivíduo e qualifica sua relação com o Estado.
Os quatro status podem ser assim classificados:
4
Deve-se a JELLINEK a elaboração da teoria dos direitos subjetivos públicos (System der
subjektiven öffentliche Rechte, 1892).
5 JELLINEK, Georg. System der Subjektiven Öffentlichen Rechte, p. 83 apud SARLET, Ingo.
A eficácia dos direitos fundamentais, 2004, p. 166-169.
9
1) Status passivo (status subjectionis): o indivíduo
estaria subordinado aos poderes estatais, sendo,
nesse contexto, meramente detentor de deveres,
e não de direitos, significando, por outro lado,
que o Estado possui a competência de vincular o
cidadão
juridicamente
por
meio
de
mandamentos e proibições.
2) Status negativus: é reconhecido ao indivíduo por
ser dotado de personalidade e consiste numa
esfera individual de liberdade imune ao jus
imperii do Estado, que, na verdade, é poder
juridicamente limitado.
3) Status positivus (ou status civitatis): é aquele no
qual ao indivíduo seria assegurada juridicamente
a possibilidade de utilizar-se das instituições
estatais e de exigir do Estado determinadas
ações positivas.
4) Status activis: neste o cidadão passa a ser
considerado titular de competências que lhe
garantem
a
possibilidade
de
participar
ativamente da formação da vontade estatal.
Para Ingo6, faz-se necessária uma releitura do status
negativus (ou status libertatis), pois é preciso ter em mente que,
na visão de Jellinek, as liberdades do indivíduo, nesse estado,
são exercidas apenas no âmbito da lei, encontrando-se, portanto,
à disposição do legislador. Nessa ordem, há que se adaptar tal
concepção aos tempos atuais, quando não se concebe mais uma
sujeição
das
liberdades
individuais
à
legislação
infraconstitucional.
O moderno Estado Democrático de Direito reclama
uma Democracia Participativa aberta, dentro de uma Constituição
aberta a todas as instâncias de participação permanente.
É certo que os esquemas político-institucionais
baseados em estruturas antigas, do tipo liberal-individualista, não
se adaptam às novas exigências da ordem coletiva.
6
SARLET, Ingo Wolfang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2004, p. 168.
10
O Estado tem o dever de zelar pela saúde, a
educação, a segurança, o meio ambiente e pela proteção ao
consumidor. Assim, há dano moral coletivo em lesão a interesses
difusos ou coletivos, tais como o meio ambiente, a qualidade da
vida e saúde da coletividade e aos consumidores. Veja-se a
doutrina de Carlos Alberto Bittar Filho:
(...) Mas o Direito vem passando por profundas
transformações, que podem ser sintetizadas
pela palavra “socialização”. Efetivamente, o
Direito como um todo – e o Direito Civil não tem
sido uma exceção – está sofrendo, ao longo do
século, profundas e paulatinas mudanças, sob o
impacto da evolução da tecnologia em geral e
das alterações havidas no tecido social. Todas
essas mutações têm direção e sentido certos:
conduzem o Direito ao primado insofismável do
coletivo sobre o individual. Como não poderia
deixar de ser, os reflexos desse panorama
estão fazendo-se sentir na teoria do dano moral,
dando origem à novel figura do dano moral
coletivo, objeto desse estudo. Ora, se o
indivíduo pode ser vítima de dano moral, por
que a coletividade não poderia sê-lo? Consiste
o dano moral coletivo na injusta lesão da
esfera moral de uma dada comunidade, ou
seja, na violação antijurídica de um
determinado círculo de valores coletivos.
Quando se fala em dano moral coletivo, estáse fazendo menção ao fato de que o
patrimônio
valorativo
de
uma
certa
comunidade (maior ou menor), idealmente
considerado
agredido
de
maneira
absolutamente injustificável do ponto de
vista jurídico. Tal como se dá na seara do
dano moral individual, aqui também não há que
se cogitar de prova da culpa, devendo-se
responsabilizar o agente pelo simples fato da
violação (damnun in re ipsa). (...)7
7
BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Coletividade também pode ser vítima de dano moral.
Consultor
Jurídico.
Disponível
em:
http://conjur.estadao.com.br
/static/text/447?display_mode=print. Acesso e: 11 out. 2005.
11
O reconhecimento do direito de indenização em
decorrência de danos morais coletivos é recente e não há
orientação doutrinária e jurisprudencial consolidada a esse
respeito, o que pode ser observado na posição que a Primeira
Turma do Superior Tribunal de Justiça adotou em 02.05.2006 ao
julgar o REsp 598.281, no qual se discutia a ofensa ao meio
ambiente por conduta de empresa do setor imobiliário, pois para a
maioria dos Ministros que participaram do julgamento a vítima do
dano moral, deve, necessariamente, ser uma pessoa.
No entanto, de modo divergente, o Ministro Luiz
Fux, em voto vencido, consignou que “o meio ambitente ostenta
na modernidade valor inestimável para a humanidade, tendo por
isso alcançado a eminência de garantia constitucional”. Ainda, de
acordo com o Ministro Fux, a leitura do dano moral a partir da
Constituição da República de 1988 resume ultrapassada a
barreira do indivíduo, para abranger o dano moral à pessoa
jurídica e à coletividade.
Dessa forma, o voto vencedor, negando a
ocorrência de dano moral coletivo, não representa a melhor
compreensão da matéria, uma vez que a discussão do dano
moral coletivo exige a interpretação dos direitos coletivos e seus
respectivos instrumentos de tutela com o objetivo de prevenir a
ofensa a direitos transindividuais, como elucida STIGLITZ 8:
La disciplina de la responsabilidad civil debe
tender prioritariamente a la prevención y
cesación de los perjuicios colectivos, em una
actitud dinâmica acorde com el imperativo de
eficácia del derecho y guiada por el propósito
último – sustentado en princípios de justicia y
solidaridad social – de mantener a la
colectividad a resguardo de padecimientos,
intranqüilidades y angustias generalizadas,
resultantes de una actividad o conductas
desequilibrantes de la pacífica convivência
comunitária. Ello implica la edificación de
mecanismos que conbinen la tradicional técnica
resarcitoria con procesos de control directo
8
STIGLITZ, Gabriel A. Dano moral individual y colectivo medioambiente, consumidor y
dañosidad colectiva, in Revista de Direito do Consumidor, n. 19.
12
sobre lãs situaciones de mero peligro o de
daños ya realizados y susceptibles de
prolongarse.
Nesta seara, impende salientar que os direitos
transindividuais, sejam eles ligados à ordem econômica ou ao
consumidor ou ainda à proteção do meio ambiente, estão
reconhecidos e classificados no art. 81 do Código de Proteção e
Defesa do Consumidor e há uma tendência moderna para o
fortalecimento dos direitos coletivos.
Em outro posicionamento o STJ admitiu o dano
moral coletivo ao manter acórdão do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul. Veja-se:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535
DO
CÓDIGO
DE
PROCESSO
CIVIL.
REGULAR ANÁLISE E JULGAMENTO DO
LITÍGIO PELO TRIBUNAL RECORRIDO.
RECONHECIMENTO DE DANO MORAL
REGULARMENTE FUNDAMENTADO. Tratase de recurso especial que tem origem em
agravo de instrumento interposto em sede de
ação civil pública movida pelo Ministério Público
do Estado do Rio Grande do Sul em desfavor de
AGIP do Brasil S/A, sob o argumento de
poluição sonora causada pela veiculação pública
de jingle que anuncia produtos por ela
comercializados. O acórdão impugnado pelo
recurso especial declarou a perda de objeto da
ação no que se refere à obrigação de fazer, isto
porque lei superveniente à instalação do litígio
regulou e solucionou a prática que se procurava
coibir. O aresto pronunciado pelo Tribunal a quo,
de outro vértice, reconheceu caracterizado o
dano moral causado pela empresa agravante –
em razão da poluição sonora ensejadora de
dano ambiental – e a decorrente obrigação de
reparação dos prejuízos causados à população.
Daí então a interposição do recurso especial que
ora se aprecia, no qual se alega, em resumo, ter
havido violação do artigo 535 do Código de
Processo Civil. Todavia, constata-se que o
acórdão recorrido considerou todos os aspectos
de relevância para o julgamento do litígio,
13
manifestando-se de forma precisa e objetiva
sobre as questões essenciais à solução da
causa. Realmente, informam os autos que, a
partir dos elementos probatórios trazidos a
exame, inclusive laudos periciais, a Corte a quo
entendeu estar sobejamente caracterizada a
ação danosa ao meio ambiente perpetrada pela
recorrente sob a forma de poluição sonora, na
medida em que os decibéis utilizados na
atividade publicitária foram comprovadamente,
excessivos. Por essa razão, como antes
registrado, foi estabelecida a obrigação de a
empresa postulante reparar o prejuízo
provocado à população. A regular prestação da
jurisdição, pelo julgador, não exige que todo e
qualquer tema indicado pelas partes seja
particularizadamente analisado, sendo suficiente
a consideração das questões de relevo e
essencialidade para o desate da controvérsia.
Na espécie, atendeu-se com exatidão a esse
desiderato. Recurso especial conhecido e nãoprovido. (REsp 791653/RS, Rel. Ministro JOSÉ
DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em
06.02.2007, DJ 15.02.2007, p. 218).
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO SONORA.
OBRIGAÇÃO DE FAZER. PERDA DE OBJETO.
DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. Trata-se de
ação civil pública aforada pelo Ministério Público
objetivando que a ré se abstenha de utilizar o
jingle de anúncio de seu produto, o qual seria
gerador de poluição sonora no meio ambiente, o
que ensejaria danos morais difusos à
coletividade. Com relação à obrigação de fazer,
a ação perdeu seu objeto por fato
superveniente, decorrente de criação de lei nova
regulando a questão. No entanto, em relação
aos danos morais, prospera a pretensão do
Ministério Público, pois restou amplamente
comprovado que, durante o período em que a
legislação anterior estava em vigor, a requerida
a descumpria, causando poluição sonora e, por
conseguinte,
danos
morais
difusos
à
coletividade. APELO PROVIDO. (Apelação Cível
nº 70005093406, Décima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ary
Vessini de Lima, julgado em 19/02/2004).
14
Para corroborar, confira-se o que ensina Luiz
Gustavo Grandinette:
Em conseqüência, é perfeitamente possível que
o ordenamento jurídico, protegendo um
interesse público deduzível de seus princípios,
imponha, à sua violação, uma sanção de
natureza não-penal. Em outros termos, o
ordenamento jurídico pode tutelar diretamente o
interesse público com outras formas de sanções,
como a sanção peculiar do direito privado: o
ressarcimento ou a reintegração específica. E
não há necessidade de existir norma específica
determinando a reparação, mas basta que o
interesse esteja protegido pelo sistema
normativo, que compreende não só a norma,
mas também os princípios gerais. 9
Ressalte-se também a lição de Medeiros Neto:
No dano moral coletivo, da mesma forma que o
dano moral de natureza individual, a
responsabilidade do ofensor, em regra,
independe
da
configuração
da
culpa,
decorrendo, pois, do próprio fato da violação, ou
seja: revela-se com o dammum in re ipsa. É isso
expressão do desenvolvimento da teoria da
responsabilidade objetiva, em compasso com a
evolução da vida de relações, verificada na
sociedade atual. 10
Dito isso, a demonstração do dano moral coletivo
deve limitar-se à verificação da antijuridicidade da conduta,
conjugada com a ofensa ao bem jurídico por ela protegido,
exsurgindo a constatação do dano moral a partir dessa lesão,
porquanto é da ofensa ao bem jurídico (coletivo) que se detecta o
dano moral coletivo.
No caso em discussão, a ofensa é o sofrimento
imposto aos consumidores da Vivo, que se infere do psiquismo
9
CASTANHO DE CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti. Responsabilidade por dano nãopatrimonial a interesse difuso (dano moral coletivo), Revista da EMERJ, v. 3, 2000, p. 29.
10 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo: fundamentos e características,
Revista do Ministério Público do Trabalho, 2002, p. 96.
15
coletivo, sendo desnecessária, portanto, a averiguação da efetiva
ocorrência do dano na esfera moral de cada indivíduo, na medida
em que a prática abusiva atingiu a toda uma coletividade de
pessoas em sua vulnerabilidade.
Todavia, assiste razão à apelante com relação à
sucumbência.
Saliente-se que o art. 18 da lei 7347/85 preceitua o
não adiantamento de custas e quaisquer outras despesas, nem
condenação, salvo má fé, em honorários de advogado, custas e
despesas processuais.
Assim, não há de se falar em condenação da ré
nas custas, nem, muito menos, em pagar honorários ao Ministério
Público. Vejam-se, inclusive, os seguintes precedentes do
Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA –
HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS
–
MINISTÉRIO PÚBLICO AUTOR E VENCEDOR.
1. Na ação civil pública, a questão da verba
honorária foge inteiramente das regras do
CPC, sendo disciplinada pelas normas
próprias da Lei 7.347/85, com a redação
dada ao art. 17 pela Lei
8.078/90.
2. Somente há condenação em honorários,
na ação civil pública, quando o autor for
considerado
litigante
de
má-fé,
posicionando-se o STJ no sentido de não
impor ao Ministério Público condenação em
honorários.
3. Dentro de absoluta simetria de tratamento,
não pode o parquet beneficiar-se de
honorários, quando for vencedor na ação
civil pública.
4. Recurso especial improvido.11
11
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo REsp 493823/DF. RECURSO ESPECIAL
2002/0166958-0, Relator(a) Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, Data do
Julgamento 09/12/2003, Data da Publicação/Fonte DJ 15.03.2004, p. 237.
16
ADMINISTRATIVO.
PROCESSUAL
CIVIL.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
ÔNUS DE
SUCUMBÊNCIA. PARTE RÉ. ARTS. 18 E 19
DA
LEI
Nº
7.347/85.
ISENÇÃO.
DESCABIMENTO.
1. O ônus da sucumbência na Ação Civil
Pública subordina-se a um duplo regime a
saber: (a) Vencida a parte autora, aplica-se a
lex specialis (Lei 7.347/85), especificamente
os arts. 17 e 18, cuja ratio essendi é evitar a
inibição dos legitimados ativos na defesa
dos interesses transindividuais e (b) Vencida
a parte ré, aplica-se in totum o art. 20 do
CPC, na medida em que, à míngua de regra
especial, emprega-se a lex generalis, in
casu, o Código de Processo Civil.
2. É assente na doutrina do tema que: "(...)Até
agora, procuramos examinar a questão da
sucumbência da parte autora na ação civil
pública. Verifiquemos como ficam os ônus dela
decorrentes no que toca à parte ré. Em relação
ao réu, faz-se aplicável a regra do art. 20 do
CP Civil, uma vez que inexiste regra
específica na Lei nº 7.347/85, e ainda em
razão da incidência do diploma processual
geral,
quando
não
contraria
suas
disposições (art. 19). Sendo procedente a
ação, deve o réu, vencido na demanda, arcar
com os ônus da sucumbência, cabendo-lhe,
em conseqüência, pagar ao vencedor as
despesas processuais e os honorários
advocatícios. Como o vencedor não terá
antecipado
o
valor
das
despesas
processuais, o ônus se limitará ao
pagamento da verba honorária. Com esse
entendimento, decidiu o Tribunal de Justiça de
Minas Gerais: Ação civil pública. Ônus da
sucumbência. Parte ré. Isenção. Descabimento.
Não há como estender à parte ré a norma
contida no art. 18 da Lei nº 7.347/85, que
isenta, de forma expressa, tão-somente a
associação autora do pagamento de honorários
de advogado, custas e despesas processuais.
Se tiver sido qualificado como litigante de máfé, caber-lhe-ão, da mesma forma, os ônus
decorrentes de sua responsabilidade por dano
processual, tudo na forma do previsto no
17
Código de Processo Civil. Havendo condenação
na sentença, o réu fica obrigado a pagar as
despesas processuais e os honorários de
advogado, mesmo se veio a cumprir suas
obrigações no curso do processo. Como já
decidiu o STJ, a condenação subsistiria mesmo
se fosse extinto o processo sem julgamento do
mérito, pois que haveria sucumbência da parte
que deu causa à demanda. No que respeita ao
Ministério Público, porém, não incide tal
disciplina. Como parte autora, não terá
adiantado qualquer valor correspondente a
despesas processuais; assim sendo, o réu
nada terá a reembolsar. Por outro lado,
tendo em vista que a propositura da ação
civil
pública
constitui
função
institucionalizadora, uma das razões porque
dispensa patrocínio por advogado, não cabe
também o ônus do pagamento de
honorários. Aliás, essa orientação tem
norteado alguns dos órgãos de execução do
Ministério Público do Rio de Janeiro, os
quais, quando propõem a ação civil pública,
limitam-se a postular a condenação do réu
ao cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer, ou ao pagamento de indenização,
sem formular requerimento a respeito de
despesas
processuais
e
honorários
advocatícios." José dos Santos Carvalho Filho,
in Ação Civil Pública, Comentários por Artigo, 6ª
ed; Lúmen Juris; Rio de Janeiro, 2007, p.
485/486)
3. Ademais, a jurisprudência desta Corte já
assentou
que:
"PROCESSO
CIVIL.
HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
Ação civil pública que perdeu o objeto no curso
do processo, em razão de diligências
assumidas pelo réu. Responsabilidade deste
pelos honorários de advogado, porque deu
causa à demanda. Recurso especial não
conhecido."
(RESP
237.767/SP,
Relator
Ministro Ari Pargendler, publicado no DJ de
30.10.2000)
18
4. Recurso especial desprovido, mantendo
incólume a condenação ao pagamento de
honorários advocatícios imposta à recorrente.12
Por tais fundamentos, conhece-se o recurso e negase provimento.
Rio de Janeiro, 02 de julho de 2008.
DESEMBARGADOR JOSE CARLOS PAES
RELATOR
12
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo REsp 845339/TO. RECURSO ESPECIAL
2006/0093791-0. Relator(a) Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, Data do Julgamento
18/09/2007, Data da Publicação/Fonte DJ 15.10.2007, p. 237.
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