O ENSINO DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS: CAMINHOS E POSSIBILIDADES Andressa Vieira Ferreira Faculdade Católica de Uberlândia [email protected] Prof. Silvano Severino Dias1 Faculdade Católica de Uberlândia [email protected] Resumo: O objetivo da pesquisa é analisar como o programa de filosofia para crianças, desenvolvido por Mathews Lipman, pode levar as crianças das series iniciais, do Ensino Fundamental, a construírem com autonomia o conhecimento acerca da realidade. A reflexão centra-se na seguinte questão: como as crianças constroem seu conhecimento, a partir do diálogo filosófico? Metodologicamente, esta pesquisa tomou como referencial as obras de Mattew Lipman. Também tem como enfoque as obras de comentadores sobre a Filosofia para Crianças. Opondo-se à ideia de uma concepção de educação centrada no indivíduo, do desenvolvimento de habilidades individuais, tendo em vista a sua participação futura na sociedade, Lipman a ponta que a sala de aula é o lugar do diálogo. A sala de aula é também denominada de comunidade de investigação, por ser o espaço em que as crianças exercitam a liberdade. Ao aprenderem a vez de falarem, de ouvirem e de reelaborem as suas falas, elas desenvolvem, a partir das interações com outras crianças e o professor, a prática dialógica, que as possibilitam construírem os seus conhecimentos. Portanto, o projeto visa, apresentar a importância da filosofia para os discentes das séries iniciais. Essa é a forma de educar de maneira mais humanizada, com o objetivo de desenvolver no aluno o senso crítico reflexivo, uma autonomia no seu pensamento. O meio para transformar essa educação alienante é a Filosofia, pois essa disciplina tem o objetivo de estimulara à consciência, porque evidencia os problemas que existem no mundo. Palavras – chaves: Diálogo; Comunidade de Investigação; Filosofia; Infância; Educação Introdução A investigação sobre o programa de filosofia para crianças, será desenvolvido baseados nos trabalhos de Mathew Lipman, pois este é o precursor da idéia Filosofia Para Crianças . Teve como objetivo evidenciar os fundamentos filosófico – pedagógicos de seu ensino. Não se trata de negar a importância dessa modalidade de ensino, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, mas de esclarecer como os alunos constroem seu conhecimento neste programa. 1 A filosofia para crianças nasceu com Mathew Lipman em 1973 nos Estados Unidos e, nos anos de 1984 ela chegou ao Brasil. Diferentemente de outros países essa modalidade de ensino ganhou relevância no cenário nacional pela absorção que teve em vários estados brasileiros, dentre os quais se destaca: São Paulo, Minas Gerais, Brasília, Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Maranhão, Mato Grosso do Sul e outros. Percebe - se que o fenômeno de expansão do Programa de Filosofia para Crianças no Brasil aconteceu concomitante ao processo de abertura política, ao processo de democratização do país, pós 1988. A campanha a esse movimento de democratização a difusão de ideário democrático, que se pautava na proposta de uma educação crítica e que teve como objetivo formar a criança, o adolescente o adulto para a cidadania. No Brasil, após o período em que ascendeu no poder uma junta militar e depois se instaurou um “regime militar” incentivou reformas na Constituição Brasileira com o ideário democrático; implantaram na área educacional princípios educacionais, em consonância com este ideário, criou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) reafirmando os princípios democráticos, e criou os Parâmetros Curriculares Nacional (PCN’S), tendo em vista orientar a pratica pedagógica no cotidiano escolar. É neste contexto que ocorre a expansão do ensino de filosofia para crianças, desde as series iniciais. O idealizador desse programa compreende a sala de aula como sendo uma “comunidade de investigação”, pois é, neste espaço que os alunos são incentivados a dialogar, a fazer e responder perguntas filosóficas. Metodologicamente, a nossa pesquisa se pautará em algumas análises das obras de Lipman e de alguns comentados do autor. Esta terá como objetivo responder as seguintes questões: a prática dialógica, que compreende a sala de aula como uma comunidade de investigação pode ser compreendida como uma metodologia válida para ensino “dito” filosófico a construção do conhecimento? As crianças desenvolvem que habilidades neste programa de ensino de filosofia? Passamos assim a nossa análise. Origem do Conhecimento A organização do trabalho pedagógico ocorre a partir das concepções que o professor tem sobre a origem do conhecimento. O docente deve compreender o processo que engloba a construção do conhecimento, para mediar da melhor forma, a aprendizagem do aluno. A explicação da Teoria do conhecimento vem para justificar a presença da prática filosófica na escola. O conhecimento ocorre a todo tempo e em todo espaço, é um processo contínuo que resulta na aprendizagem, é uma aquisição do próprio sujeito pela sua experiência, pesquisa e descoberta, conhecer é inovar conceitos, trocar informações. Apesar de todo espaço ocorrer aprendizagem, a escola é um ambiente privilegiado, pois ela potencializa e sistematiza as habilidades requeridas pela experiência e vivência dos alunos. A partir desse estudo realizado compreende- se que o processo da construção do conhecimento é uma dialética, ou seja, é um movimento que envolve a síncrese, a análise e a síntese. A primeira fase no processo de conhecer é a fase da síncrese, que é o primeiro contato. É uma visão inicial, superficial. Essa seria a visão inicial onde o professor apresenta o tema, e motiva o aluno. A próxima fase será a análise, que parte do todo para as partes, ou seja, são as observações detalhadas, o confronto de idéias. Assim segue a síntese é o conhecimento construído, este conhecimento é provisório, individual, que cada aluno constrói a cada dia, não sendo nunca definitivo. Para discutir sobre o desenvolvimento do conhecimento a partir de uma visão em que o sujeito do conhecimento é ativo, o presente artigo se apoiará em Lev Vygotsky, apesar de que Lipman, o criador do programa de filosofia para crianças, embasou seus estudos em John Dewey. A escolha por Vygotsky ocorre por este ser um psicólogo pioneiro em estudos sobre o desenvolvimento intelectual na criança, a partir das interações e condições de vida, enquanto, que Dewey, não desenvolveu um estudo, explicando a teoria do conhecimento, para ele a educação e a escola não seriam apenas espaços e lugares do aprendizado da democracia, mas também uma forma de vida que seria levada para a vida em comunidade. Isso significaria que a educação deveria ser considerada como um processo de formação de atitudes fundamentais, de natureza intelectual e sentimental, perante a natureza e os outros homens. Com isso, a escola seria o campo privilegiado para a aplicação e experimentação da filosofia, ou seja, um laboratório. Para Dewey, é na instituição escola o lugar que em que devem ser testados não somente os saberes e as técnicas necessárias aos fazeres humanos, as habilidades daqueles que executam e suas competências, como também, e principalmente, ensaiados os valores ético-morais e as posturas políticas que conduzirão a vida do indivíduo em sociedade. Mais do que isso, no presente, a comunidade poderia vislumbrar na escola as possibilidades para tornar melhor a sua vida moral e social, no futuro, possibilitando que as suas novas gerações aí experimentassem os valores e as atitudes mais adequadas para a condução de suas vidas no mundo, enquanto que os mais velhos preparariam o caminho, atenta e democraticamente, para a sociedade vindoura. Nesse sentido a escola é o lugar em que o diálogo deve ser exercido por todos. Porém Vygotsky, já realiza um trabalho onde explica o processo que engloba a construção do conhecimento. Para ele o desenvolvimento de um ambiente social, rico em estímulos é favorável para a aprendizagem da criança. Dessa forma, o desenvolvimento de cada criança varia de acordo com o ambiente, por isso Vygotsky não concorda com os estágios estabelecidos por Jean Piaget. Vygostky, em suas pesquisas, mostra a importância da interação, pois através da mediação a criança internaliza. Assim um espaço fundamental para a construção do conhecimento é um ambiente que valoriza a interação, pois dessa forma a criança evolui a forma de pensar, pois a internalizarão (a construção do conhecimento) envolve primeiro entre pessoas, isto é, no nível social e depois no intrapsicológico, a criança internaliza. Dessa forma a elaboração cognitiva se constrói na relação com o outro. A filosofia para crianças das séries iniciais do ensino fundamental abre espaço para a interação das crianças, para a troca e experiências e vivências, através do diálogo. A criança evolui a forma de pensar, quando socializa depois internaliza o novo conhecimento. A criança também usa a fala para pensar. A linguagem possibilita pensarmos sobre mais coisas, pois nos dá acesso a algo que não esta concretamente presente, mas pode ser pensado e elaborado enquanto palavra, enquanto conceito. É interessante imaginar o pensamento como um dialogo internalizado. [...]. Falar e pensar, portanto, não se aprende sozinho, mas na interação com os outros. Assim falar sobre as coisa com os outros ajuda a criança a pensar sobre elas e a desenvolver sua linguagem e seu pensamento. Nesse processo, nós, educadores, devemos buscar ouvi –lás e dar – lhes oportunidades para que, brincando, explorando e interagindo, construam sua própria linguagem, cada uma a seu tempo. ( FERREIRA – ROSSETTI, et. al., 1998, p. 79) Para Lipman o programa de filosofia para crianças tem o objetivo de desenvolver essa habilidade de pensamento no educando, Lipmam define o pensar bem como o Pensar de Ordem Superior. Essa forma de pensar é caracterizada por ser criativo, crítico, criador, cuidadoso, compreensivo. O conhecimento é aprimorado a cada dia, se desenvolve através da educação. Quando a criança desenvolve a habilidade do Pensamento de Ordem Superior, ela passa a construir, ser sujeito de seu conhecimento, de forma coerente, organizada e investigativa. O conhecimento oferece condições para o ser humano analisar situações, e não apenas reproduzir. A escola que desenvolve um pensar alienado, não esta educando, mas está adestrando os alunos, o papel da professora nessa escola é transferir uma verdade absoluta, inquestionável. O conhecimento só é valido quando evita essa alienação. Por esse motivo é autocorretivo, conduz a um julgamento, e busca pensar o novo que ainda não existe. Assim a filosofia, contribui para a construção do conhecimento, pois se baseia na lógica e na razão, transforma a educação em um espaço para a reflexão. A ferramenta utilizada pela filosofia é o dialogo, pois o pensamento é particular, ao dialogar o aluno encontra alternativas, que leva a reflexão. Conhecer através do diálogo: A Prática Dialógica como Processo de Aprendizagem Conhecer significa ter noção, informação, apreender, compreender através da confrontação da realidade. É um processo de relação entre sujeito e objeto. É um processo que se faz em parte individual e parte em coletivo, constituindo uma nova consciência social. Assim conhecimento é a síntese que resulta da relação entre o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido, ou seja, é a síntese da sincríse e análise. Esse modo de conhecer é a dialética. O diálogo, portanto é o confronto das idéias, que se chega a uma conclusão. O diálogo é uma arte que pouco se pratica, todo dialogo é uma conversa, mas nem todo conversa é um dialogo. Estamos sempre falando e discutindo, porém o dialogo causa uma transformação. É possível conhecer através do dialogo, pois esta é uma relação que se estabelece para superar a opinião presente e estabelecer o conhecimento. O dialogo permite ao discente expor seu conhecimento prévio, mostrar sua opinião e confronta- la com novas analises e chegar a um conceito. O principal objetivo do dialogo é colocar as idéias, sugestões, para construir um novo conhecimento. Quando a conversa se transforma em uma investigação, seguindo uma lógica, estamos filosofando, dialogando. Esse processo é natural nas crianças, pois elas possuem a curiosidade necessária, são questionadoras, flexíveis em suas definições. A dialética é baseada no respeito e disciplinada pela lógica, Kohan (2000) faz uma relação entre Lipman e Freire, sobre o conceito diálogo: para ambos os autores, o consideram como a essência para o conhecer, para o processo de aprendizagem, além do diálogo despertar a autonomia do ser para o pensar, também exige que o educando desperte outras habilidades como a humildade para reconhecer que somos seres inacabados e devemos escutar a opinião do outro, esperança, confiança e cuidado. A filosofia se ocupa sobre o pensar e reconhece a sua importância, como fundamento para o processo educacional, tornando cada sujeito um cidadão. Quando o aluno dialoga com o outro ele reflete sobre sua realidade e questiona. Por esse motivo não existe diálogo em uma educação tradicional, definida por Paulo Freire. NA educação bancária, o aluno apenas recebe a informação e não tem condições/ meios para investigar, refletir. O diálogo acontece em um ambiente democrático, é uma relação horizontal, onde está presente a autoridade do professor, porém ele não exerce o autoritarismo. Quando o professor exerce a autoridade significa que os alunos criam o respeitam pelo professor, e o autoritarismo é quando o professor impõe sobre pressão o respeito, que se torna medo. O diálogo exige um ambiente participativo, onde se houve e é ouvido, é uma troca de experiências, que desenvolve a autonomia no estudante. O teor da discussão dialética é uma devolutiva aos alunos, pois trabalha os conteúdos de maneira sistematizada, onde a vivencia e as experiências de cada indivíduo são valorizadas. Assim a educação se faz de uma pessoa com a outra, em uma troca, e não é uma transferência de uma pessoa para outra. Em seu livro Lipman (2001) relata uma experiência feita em uma sala de aula, onde estabeleceu o diálogo como metodologia. No início das observações percebeu – se que os alunos, utilizavam a linguagem não verbal da ação física, para mostrar a insatisfação com a aula, ou problemas pessoais. Durante a exposição das aulas eles levantavam e saiam da sala a todo o momento. Também brigavam, conversavam constantemente. Quando os alunos experimentaram a prática dialógica, aprenderam a falar com a linguagem simbólica, que é estrutural e racional. Isso contribuiu para a disciplina na sala, quando queriam sair da sala sabiam argumentar os motivos par sair da sala. Assim a aula acontecia de maneira mais tranqüila. O pensamento é uma habilidade. A todo tempo temos pensamentos rápidos, mas o objetivo do diálogo é o confronto das idéias, a refletir para se chegar a um pensamento superior. O objetivo do Programa de Filosofia para Crianças de Lipman não era tornar os alunos filósofos, mas desenvolver na criança um sujeito reflexivo, criterioso, vinculara a ação e o pensamento, sabendo avaliar, criticar a realidade. O diálogo leva a aprendizagem, pois vincula ao pensamento a interação de várias experiências e o conhecimento. O pensamento é particular. Quando expomos ele em sala de aula por meio da discussão, gera a reflexão. Assim, estaremos desenvolvendo o conhecimento dialético. Para fundamentar essa idéia Lipman (2001, pg. 45) trouxe a contribuição de Lev Vygotsky, um importante psicólogo, que estudou sobre a noção de desenvolvimento intelectual das crianças por meio da interação social. “Vygotsky, por exemplo, reconhece clara e abertamente a existência de uma diferença entre a capacidade que as crianças têm para solucionar problemas individualmente e a capacidade de resolverem tais problemas com a colaboração de seus professores e colegas.” Nessa interação o aluno aprende que tem o direito de falar e o dever de escutar e respeitar o outro. O dialogo é um estágio desse difícil e árduo processo da experiência que é necessário para que a experiência bruta seja convertida em expressão acabada. Para as crianças de qualquer estagio, o diálogo é uma fase indispensável do processo. Os professores deveriam ter em mente as poderosas relações que existem entre leitura e fala, por um lado, e entre a escrita e a fala, por outro lado. (LIPMAN, 2001, pg. 47). O conhecimento só é elaborado quando estabelece relação com o outro. Não fica apenas no conhecimento prévio do aluno, deve desafiá – lo. Considerações Finais O presente trabalho não pretende fazer uma reflexão conclusiva sobre o tema “Filosofia Para Crianças”, pois este é um assunto de grande complexidade, e exige maiores pesquisas. Porém permite que se faça algumas considerações sobre as habilidades que o aluno adquirir quando, o aluno tem contato com a filosofia, desde os primeiros anos do ensino fundamental. A filosofia que se pretende estabelecer na sala de aula deveria ser interdisciplinar, ou seja, estar presente em todos os conteúdos como metodologia. Mas importante também ter uma disciplina orientada somente para o assunto. Vale ressaltar que o ensino de filosofia para esse público, não se faz com o ensino da historia da filosofia, mas através de conversas que se transformam em uma inquietação, e assim surge o diálogo. O diálogo proporciona ao aluno ferramentas para, adquirir habilidades cognitivas importantes para a construção do seu conhecimento. Através da filosofia o professor reconhece que o aluno é um sujeito autônomo. O currículo proposto por Matthew Lipman precisa ser reformulado par se adequar a realidade brasileira. Não é correto também oferecer um programa, onde esta tudo pronto, par o professor. Pois como cobrar do aluno para ser sujeito crítico, reflexivo, se o próprio educador, não reflete sobre o conteúdo da proposta. As orientações são importantes para a orientação do professor, mas cada um deve analisar e elaborar sua proposta, conforme a realidade de sua escola. O atual desafio é pensar a filosofia como um caminho e possibilidade par a construção do conhecimento e valores. Referência: LOUREIRO, Stefânie Arca Garrido. Alfabetização: Uma perspectiva humanista e progressista. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. KOHAN, Walter Omar. Filosofia para Crianças. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. FACULDADE CATOLICA DE UBERLÂNDIA, MG. Caderno de Estudos Filosóficos, v.1- nº1, 55 – Set/Dez. 2005. Uberlândia: Edicat, 2005. THOMAL, Alberto. O desafio de pensar sobre o pensar: investigando sobre teoria do conhecimento. Florianópolis: Sophos, 2001. KOHAN, Walter Omar. Pensando a Prática da Filosofia na Escola. Disponível em:< http://e-groups.unb.br/fe/tef/filoesco/fundamentos.html>. Acesso em: 14 março de 2011. WUENSCH, Ana Míriam. Notas para uma História do movimento filosofia para crianças no Brasil. Disponível em:< http://e-groups.unb.br/fe/tef/filoesco/ histbrasil.html. Acesso em: 14 março de 2011. LIPMAN, Matthew; SHARP, Ann Margaret; OSCANYAN, Frederick. A filosofia na sala de aula. Tradução de Ana Luiza Fernandes Marcondes. São Paulo: Nova Alexandria, 2001. VALLE, Lilían Do. Castoriadis: Uma filosofia para a educação. Disponível em: </ http://www.scielo.br/pdf/es/v29n103/10.pdf> Acesso em: 07 fev. 2011. FERREIRA – ROSSETTI, Maria Clotilde. Os Fazeres na Educação Infantil. São Paulo: Cortez,1998.