_>>> Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 29/6/2011 (20:53) - Página 15- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW Enxerto Quarta-feira, 29 de junho de 2011 | Valor | A15 Opinião Crise do euro e unificação política José Luis Oreiro e L. C. Bresser-Pereira P assados mais de 10 anos da introdução do euro surgem dúvidas cada vez maiores sobre sua sustentabilidade a médio prazo. Além de faltar ao euro um Estado para garanti-lo, coube a ele unificar o sistema monetário de países muito diferentes. Podemos identificar dois grupos de países na área do euro. No primeiro, liderado pela Alemanha, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) é orientado para as exportações, a taxa real de câmbio permanece em patamares razoavelmente competitivos e a situação permite o uso moderado da política fiscal por vários anos como instrumento de política anticíclica. Num contexto de forte apreciação do euro, a competitividade externa da economia alemã foi mantida nos últimos 10 anos graças a uma política de “moderação salarial” adotada pelos sindicatos alemães, os quais, em tro- ca da manutenção dos empregos industriais na Alemanha, aceitaram um crescimento do salário real muito abaixo da produtividade do trabalho. Essa política salarial permitiu uma queda acentuada do custo unitário do trabalho na Alemanha relativamente aos demais países da área do euro, viabilizando a manutenção da competitividade da economia alemã e a importância da indústria e das exportações como motor do crescimento de longo prazo da maior economia da Europa. O segundo grupo de países é constituído pelos Piigs: Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha. Nesses países não houve um acordo salarial semelhante, sua taxa de câmbio implícita se apreciou, e tanto o setor público quanto o privado se endividaram. Assim agravou-se o seu problema crônico de competitividade externa, o qual se reflete em grandes déficits em conta corrente (no caso da Espanha quase 10% do PIB em 2008) somado com desequilíbrios fiscais que variam de moderado (no caso da Espanha) a gravíssimo (o caso da Grécia). O regime de crescimento desses países nos últimos anos foi, em larga medida, finance-led, ou seja, liderado pelo aumento do consumo (e investimento imobiliário) financiado com endividamento e aumento dos preços dos ativos. A combinação entre desequilíbrios nos balanços do setor privado e desequilíbrios nas contas públicas nos Piigs cria importantes dilemas de política econômica. Com efeito, o retorno ao crescimento sustentado exige um aumento da demanda doméstica, o que demandaria um forte aumento dos gastos do governo; mas o desequilíbrio fiscal não só torna impossível o uso de uma expansão fiscal como exige, pelo contrário, uma contração fiscal significativa para impedir que a dívida pública como proporção do PIB entre numa trajetória explosiva, o que levaria a um inevitável calote nas dívidas soberanas nesses países com consequências imprevisíveis sobre o combalido sistema bancário europeu. Uma alternativa a esse quadro sombrio seria o Banco Central Europeu (BCE) adotar uma política monetária altamente expansionista com o objetivo explicito de desvalorizar o euro e assim permitir uma elevação da competitividade de todos os países da União Monetária. No entanto, essa alternativa esbarra em duas dificuldades. A primeira é que uma forte expansão monetária provavelmente resultaria em elevação dos índices de inflação naquele grupo de países que não tem problemas de competitividade externa, ou seja, a Alemanha. Dado o peso da economia alemã na área do Euro parece pouco provável que esse tipo de solução possa ser aprovado no âmbito da União Monetária. A segunda dificuldade, ainda mais grave, é de natureza “genética”. O euro é provavelmente o único caso na história da humanidade em que uma unificação monetária precedeu a uma unificação política. Isso cria importante dilema para a administração da política monetária. Isso porque, com base na abordagem Cartalista, a moeda é criação do Estado (não do mercado), tendo o seu valor atrelado à capacidade do Estado em impor determinado instrumento como unidade de conta e meio de pagamento. O problema genético do euro é que ele é uma moeda sem Estado. Isso cria um dilema para a política monetária Sendo assim, o problema “genético” do euro é que o mesmo é uma “moeda sem Estado”: não há uma autoridade estatal central que imponha o uso do Euro como unidade de conta e meio de pagamento, essa tarefa é exercida pelos governos soberanos dos países que compõe a União Monetária, os quais podem, se assim o desejarem, abandonar a União Monetária. Na ausência de uma autoridade estatal supra-nacional, o valor do Euro tem que ser mantido com base apenas na confiança que o público tem no órgão emissor, ou seja, no BCE. Essa confiança, por sua vez, exige um alto grau de conservadorismo por parte da autoridade monetária europeia, ou seja, exige que o BCE mantenha o valor da moeda por intermédio de uma forte restrição na disponibilidade da mesma, conduzindo assim uma política monetária estruturalmente apertada. Neste quadro, ou se dá um passo atrás, os países endividados saem do Euro, depreciam sua moeda, reduzindo assim os salários e recuperando a competitividade, ou se dá um passo à frente para resolver a o defeito “genético” do euro, qual seja, os países europeus aceleram o processo de unificação política, com a criação dos Estados Unidos da Europa. A segunda alternativa não é fácil, mas foi sempre o objetivo dos países que aderiram ao Euro. Muitas vezes os momentos de crise são momentos de inovação e de avanço. Quem sabe isto poderá ser verdade também desta vez. Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. José Luis Oreiro é professor do departamento de Economia da Universidade de Brasília. É preciso lembrar que tempos incomuns exigem políticas incomuns. Por Martin Wolf Só austeridade traz risco de desastre P reparem-se para curtir a próxima depressão. Não é isso que o Banco de Compensações Internacionais (BIS) diz sobre os Estados Unidos e outras economias muito endividadas, mas é o que seu relatório anual mais recente dá a entender. Admirei os alertas sobre os excessos monetários e financeiros que o BIS emitiu sob o comando de William White, seu ex-consultor econômico. Respeito seu sucessor, Stephen Cecchetti, mas discordo da essência do último relatório. O informe subestima os obstáculos à austeridade generalizada. Persistir com a política acomodatícia fiscal e monetária é desconfortável, mas tempos incomuns exigem políticas incomuns. O que torna os tempos incomuns? A resposta é que várias economias encontram-se no que o Jerome Levy Forecasting Center chama de “depressão contida” — um período de desalavancagem prolongada do setor privado. De forma implícita, o informe do BIS rejeita essa visão. Argumenta a favor de um aperto monetário e fiscal por todo o mundo. O argumento apoia-se sobre duas crenças. A primeira, de que a economia mundial está próxima a sua capacidade total. A segunda é a de que “resolver o excesso de endividamento, tanto privado como público, é chave para construir uma fundação sólida para um sistema financeiro estável e um crescimento elevado, real e equilibrado”. “Isso significa impulsionar a poupança privada e adotar ações substanciais agora para reduzir os déficits nos países que estiveram no centro da crise.” Considerem, primeiro, a política monetária. Suponham que tivéssemos um banco central com metas de inflação para o mundo. Como reagiria à elevação das commodities quando as expectativas inflacionárias estão sob controle? Tal banco reconheceria que se trata de uma mudança nos preços relativos, que reduz a capacidade e os salários reais. Não saberia se se trata de uma tendência duradoura ou de um caso isolado. Tentaria evitar a alta das expectativas inflacionárias ou uma “espiral salários-preços”. Porém, será que também tentaria reduzir o aumento nos salários nominais, para compensar o impacto inflacionário da alta das commodities, mesmo se isso significasse uma desaceleração significativa? Acho que não. Se tentasse, A normalização da política fiscal e monetária é necessária. É impossível, no entanto, eliminar déficits fiscais estruturais até que se complete o ajuste do setor privado ou até que vejamos grandes mudanças nos equilíbrios externos transmitiria instabilidade à economia real, como resposta a movimentos erráticos e imprevisíveis de preços das commodities. Na prática, não apenas inexiste um banco central mundial, como as condições inflacionárias são divergentes. Nos países de alta renda, a inflação está razoavelmente sob controle. Em muitos países emergentes dispara para cima, em parte porque consomem commodities mais intensamente, em parte porque suas economias expandem-se com mais força. A política monetária adequada também seria diferente. Isso, felizmente, é justamente o que nosso mundo permite: os países emergentes deveriam promover um aperto; e os países de alta renda deveriam promover um aperto mais lentamente. É isso o que vem ocorrendo, mas não de forma suficiente, porque muitos países emergentes estão desesperados para evitar a valorização de suas moedas. O que os países de alta renda deveriam fazer? Quanto a isso, o relatório do BIS cumpre a tarefa de sinalização: demonstra que a histeria quanto ao impacto de balanços patrimoniais maiores nos bancos centrais é injustificada. Argumenta, no entanto, que a ociosidade na economia desapareceu. Que isso seja verdade para os países emergentes, parece algo plausível. O BIS também aponta para o erro cometido nos anos 70, quando o impacto do choque nos preços do petróleo sobre a capacidade foi subestimado. Argumenta que hoje, também, o volume de capacidade ociosa é superestimado. O custo unitário do trabalho e as expectativas, no entanto, estão muito mais sob controle do que na época. Agora, diria eu, é o momento em que os bancos centrais deveriam usar sua credibilidade. Eles precisam vigiar as expectativas inflacionárias, mas não precisam agir de forma preventiva. Voltem-se, agora, para a questão ainda mais debatida da política fiscal. Minha questão é: será que o BIS sabe que todos os setores não podem ter superávits financeiros ao mesmo tempo? Poucos duvidam que há endividamento excessivo do setor privado em vários países de alta renda, mas como reduzi-lo? O BIS ressalta quatro respostas: pagamento das dívidas; inadimplência; rendas reais maiores; e inflação. Vamos descartar a última e focar-nos na primeira. Pagar dívidas significa gastar abaixo de sua renda. É o que vem acontecendo no setor privado dos EUA. As famílias tinham um déficit financeiro (gastos superiores à renda) de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre de 2005. Isso passou a um superávit de 3,3% no primeiro trimestre de 2011. O setor empresarial também exibe um superávit, modesto. Como os EUA têm déficit em conta corrente, o resto do mundo, por definição, está gastando abaixo de sua renda. Quem está do lado oposto? Resposta: é o governo. Isso é o que uma depressão controlada significa: todos os setores, com exceção do governo, tentam fortalecer seu balanço patrimonial ao mesmo tempo. O BIS insiste que isso não é bom o suficiente: países altamente alavancados estão com déficits fiscais estruturais, que precisam ser eliminados o mais breve possível. Faz sentido, mas onde ocorrerão os ajustes de compensação? A evidência sugere que os superávits estrangeiros são estruturais ou, no mínimo, altamente persistentes. Tendo em vista o excesso de dívidas, os superávits das famílias provavelmente também serão prolongados. Uma grande redução nesses déficits fiscais, portanto, provavelmente exige, como contrapeso, a redução nos superávits financeiros do setor empresarial. Isso pode ocorrer de duas formas: por meio do aumento nos investimentos das empresas ou da redução nos lucros retidos. O BIS está certo: a normalização da política fiscal e monetária é necessária. É impossível, no entanto, eliminar déficits fiscais estruturais até que se complete o ajuste estrutural do setor privado ou até que vejamos grandes mudanças nos equilíbrios externos. É impossível, por fim, que esse ajuste externo ocorra sem grandes mudanças nas economias superavitárias. O BIS defende a desalavancagem simultânea, pública e privada. Mas quais seriam os contrapesos? Eis a questão. O BIS não dá uma resposta convincente. Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT Frase do dia “O destino da Grécia depende disso ” Christine Lagarde, recém-eleita diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), pedindo à oposição grega que chegue a um acordo e aprove as medidas de austeridade propostas pelo governo. Ministra de Finanças da França, Lagarde será a primeira mulher a comandar o FMI, em substituição ao também francês Dominique Strauss-Kahn, que renunciou após escândalo sexual. Cartas de Leitores União Europeia “Desde Sir Thomaz Morus (‘A Utopia’) e Tomazio Campanella (‘A Cidade do Sol’), o mundo da filosofia, da sociologia e da economia aprendeu a distinguir entre o mero ideal, invariavelmente inatingível, e o factível. A análise do ex-primeiro ministro belga Guy Verhofstadt (edição de ontem, página A 13) demonstra que jamais houve uma união econômica europeia verdadeira, mas uma simples união monetária. Daí a crise atual. O nosso Mercosul atingiu objetivos ainda mais modestos. O nacionalismo é insuperável e os conflitos entre países de um mesmo bloco inevitáveis. A proposta de uma Lei Comunitária nos fez lembrar as mencionadas utopias, pelas quais torcemos, mas sabemos que o tempo é que dirá.” Amadeu Garrido [email protected] Bolsa no exterior “A presidente Dilma Rousseff prometeu lançar um programa para levar 70 mil estudantes brasileiros ao exterior com bolsas de graduação, mestrado e doutorado. Isso é ótimo. Só que é preciso olhar também para as regras de revalidação dos diplomas estrangeiros. O que se quer é o certificado obtido valha aqui. Hoje esse processo é burocrático e longo, dificultando a atuação profissional. Pela lei, as universidades públicas é que são responsáveis pela validação desses diplomas – de graduação, mestrado ou doutorado. Cada universidade estabelece seus próprios critérios tornando esse processo ainda mais confuso. Enquanto umas apenas fazem a análise do currículo e provas, outras exigem que o aluno curse disciplinas extras. É muito boa a iniciativa da presidente, mas ela fica melhor ainda se essas regras forem revistas”. Ana Luiza das Graças [email protected] Informalidade “O país cresceu para todos os lados. O crescimento da renda levou ao aumento do consumo também daqueles produtos comercializados na economia subterrânea, a economia informal. Em 2010 essa economia movimentou R$ 663 bilhões, o equivalente a 18,3% do PIB do período. Estamos falando dos gastos com o lanche vendido no trabalho, na roupa feita pela vizinha costureira e do contrabando vendido nas ruas das capitais. Talvez a gente chegue a uma situação de pleno emprego e bons salários onde esse dinheiro ‘informal’ não seja mais importante”. Abimael Castro [email protected] Lagarde “A eleição de Christine Lagarde mantem a tradição que designa um europeu para o comando do FMI e um americano para o Banco Mundial. Os países emergentes que não estiverem satisfeitos com isso fazem o quê?”. João Guilherme de Assis [email protected] Correspondências para Av. Francisco Matarazzo, 1.500 Torre New York - CEP 05001-100 Água Branca - SP ou para [email protected], com nome, endereço e telefone. Os textos poderão ser editados.