ID: 46296004 22-02-2013 Tiragem: 14700 Pág: 45 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 10,19 x 25,10 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 1 de 1 DIOGO SERRAS LOPES diretor de investimentos do Banco BEST Os limites da complacência 2013 começou sob o signo da complacência, com a generalidade dos mercados acionistas a registar performances positivas muito significativas. A realocação típica a ativos de maior risco, que normalmente acontece todos os inícios de ano, foi ajudada por uma sensação de alívio – que já vinha do final do ano passado – relativamente a dois temas que assombravam os mercados: o risco de dissolução da zona euro e o denominado “fiscal cliff” nos Estados Unidos. A atuação do Banco Central Europeu (BCE) foi decisiva durante o ano 2012. Primeiro através dos LTRO – empréstimos colateralizados de longo prazo a taxas de juro historicamente baixas às instituições financeiras da zona euro – e, a partir do verão, com o já famoso discurso de Mario Draghi (presidente do BCE) no qual afirmou que a moeda única era irreversível e que a instituição a que preside fará o que for necessário para assegurar essa mesma irreversibilidade. Essa vontade seria ainda demonstrada pelo anúncio das OMT (Outright Monetary Transactions) em setembro de 2012, um mecanismo que se propõe comprar montantes ilimitados de dívida soberana de países que reúnam simultaneamente duas condições: estarem sob um programa de ajustamento das instituições internacionais e tenham demonstrado que dispõem de acesso aos mercados financeiros de dívida, através de diversas emissões ao longo das diversas maturidades da curva de taxa de juro. Estas ações tiveram como resultado o afastar do risco sistémico do continente europeu, permitindo aos investidores voltar a olhar para os ativos financeiros dos países do euro mais pelos seus fundamentais do que pelo medo de alterações estruturais destrutivas. É impossível, no entanto, não ver as medidas tomadas até agora mais como paliativos – mesmo que sejam potentes – do que como soluções para o problema efetivo da zona euro: as diversas falhas estruturais na forma como foi construída a moeda única, bem demonstradas desde o início da crise financeira global em 2008. O problema do excesso de utilização de crédito na economia, uma tendência que se veio agravando ao longo das últimas décadas, foi particularmente visível nos setores privados da economia e, em particular, no sistema financeiro. A desalavancagem que qualquer crise financeira pressupõe não pode ser feita sem dor – isto é, sem impactar de maior ou menor forma o nível de atividade económica dos países envolvidos. A dimensão da crise financeira global de 2008, pós-falência da Lehman Brothers, obrigou a maior parte dos estados a níveis de intervenção que poucos se atreveriam a achar possíveis antes da crise. Essa intervenção foi feita através da utilização da política monetária, incluindo medidas não-convencionais, como o “quantitative easing”, mas também através da política orçamental. A generalidade dos países desenvolvidos registaram défices orçamentais de dois dígitos em relação aos respetivos PIB, numa tentativa de contrabalançar a súbita desaceleração da atividade económica privada, cuja dimensão ameaçava transformar um cenário recessivo numa depressão económica apenas comparável à sofrida pelos EUA na década de 30 do século passado. O resto da história é conhecido. A crise financeira global acabou por evoluir para uma crise de dívidas soberanas, que atingiu por diferentes razões os países mais vulneráveis da zona euro, a hoje comummente chamada “periferia”. Infelizmente, a não-existência de um verdadeiro banco central na Europa, que escolheu (e continua a escolher) limitar os objetivos e capacidade de intervenção do BCE ao seu atual estatuto, torna virtualmente impossível a opção dominante de uma rápida consolidação orçamental e diminuição dos níveis de dívida pública dos países atualmente em risco. Existe efetivamente o risco de, ao longo de 2013, os dados económicos continuarem a ser tão negativos como os divulgados recentemente, deitando assim por terra tanto os esforços gigantescos impostos às populações destes países como a injeção de confiança que foi dada aos mercados financeiros ao longo da segunda metade de 2012.