UNIVERSIDADE DE MARÍLIA EMANUELLE ARAÚJO CORREIA A EFETIVIDADE DOS INCENTIVOS FISCAIS AMBIENTAIS POR MEIO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES REGIONAIS MARÍLIA 2010 EMANUELLE ARAÚJO CORREIA A EFETIVIDADE DOS INCENTIVOS FISCAIS AMBIENTAIS POR MEIO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES REGIONAIS Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a orientação da Profª. Drª. Maria de Fátima Ribeiro. MARÍLIA 2010 EMANUELLE ARAÚJO CORREIA A EFETIVIDADE DOS INCENTIVOS FISCAIS AMBIENTAIS POR MEIO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES REGIONAIS Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob orientação da Profª. Drª. Maria de Fátima Ribeiro. . COMISSÃO EXAMINADORA ________________________________________________ Profª. Drª. Maria de Fátima Ribeiro Universidade de Marília ________________________________________________ Profª. Drª. Soraya Regina Gasparetto Lunardi _________________________________________________ Profº. Drº. Eduardo Henrique Lopes Figueiredo Marília, 28 de Abril de 2010 Dedico este trabalho aos meus pais, verdadeiros amores da minha vida, que não mediram esforços para que eu conseguisse concretizar mais esta formação essencial ao meu desenvolvimento e maturidade, tendo sempre uma palavra de estímulo e braços fortes para levantar-me quando precisei. Ao meu lindo irmão que tanto amo, sempre me protegendo com seu jeito sui generis de ser. Aos meus queridos amigos de jornada, Ana Paula, Allan, Angélica, Pedro Geraldo, Ricardo, Leo, Israel e Jaquiel que abrilhantaram o meu caminho com amizades verdadeiras e fraternas. As minhas tias, Izaura, Terezinha, Linamar e minha querida madrinha Neila, pela dedicação, companheirismo e orações que fortalecem sempre o meu ser. AGRADECIMENTOS Agradeço ao papai do céu pela dádiva da vida e por sua proteção infinita. Agradeço ao amigo José Raphael Silvério pela solidariedade em compartilhar o seu saber nas horas de dúvidas quanto ao conteúdo, e pelo cuidado dispensado a mim durante o curso. Agradeço com o meu coração e com minha eterna gratidão à minha professora e orientadora Dra. Maria de Fátima Ribeiro, que com dedicação fraternal, carinho e firmeza mostrou-me que posso vencer os obstáculos que surgem no percorrer do caminho. Obrigada, por acreditar em mim, por fazer-me sentir capaz e realizada com a finalização de tão almejada dissertação. Agradeço também, pela dedicação e atenção a mim dispensada, à Prof. Dra. Adriana M. Kiechofer, Prof. Dra. Marlene k. Bassoli, Prof. Dr. Paulo Roberto de Souza, Prof. Dr. Ruy de Jesus M. Carneiro, Prof. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser, Prof. Dra. Soraya Lunardi, enfim, agradeço a todos que contribuíram de alguma forma, para a feitura deste trabalho, direta ou indiretamente. CORREIA, Emanuelle Araújo. A Efetividade dos Incentivos Fiscais Ambientais Por meio de Políticas Públicas para a Redução das Desigualdades Regionais. 135 p. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Marília, Marília. RESUMO O presente estudo parte das desigualdades regionais, para explorar o campo da tributação, oriunda da União, Estados e Municípios, e das concessões de incentivos fiscais e políticas públicas, pode buscar-se reduzir as diferenças regionais. Nesta senda, o Art. 151, inciso I da Constituição Federal estabelece que é vedada à União instituir tributo que não seja uniforme em todo território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estados, ao Distrito Federal ou a Municípios, em detrimento de outro, admitindo a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócioeconômico entre as diferentes regiões do País. A partir desta afirmativa, reafirma-se que a tributação deve privilegiar as necessidades essenciais da sociedade. O Brasil vive um problema de desigualdade social entre as diferentes regiões do país. Enquanto algumas regiões concentram a maior parte da riqueza nacional, outras enfrentam difíceis problemas de subdesenvolvimento, demonstrando a deficiência junto à educação, na saúde, sem oportunidades de empregos e outros fatores determinantes para o bem estar social. O Estado é um ente designado para o atendimento do bem comum em prol de toda a sociedade que a compõe. A Constituição Federal em seu Art. 3º dispõem sobre vários valores estabelecidos pela sociedade brasileira, como construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, e em seu Art. 225 radica a proteção ecológica, sendo que estes se destacam por se encontrar no topo da hierarquia dos valores indicados pelo Estado. Para que o Estado alcance seus objetivos socioeconômicos e desenvolva uma política governamental, em função dessas finalidades, necessário instituir políticas públicas, destinando para cada região recursos específicos às suas necessidades, haja vista serem necessidades diferenciadas, conquanto, com o mesmo objetivo, que é o de oferecer ao cidadão o mínimo necessário à sua sobrevivência com dignidade. Para conseguir a efetivação das políticas públicas ambientais, desenvolvidas tanto pelo Estado, como pela população, é imperativo fazer com que o homem valorize a natureza, e o direito exerce papel ativo no cunho cultural e econômico. Em busca do desenvolvimento econômico e progresso tecnológico, a humanidade devasta o planeta. Portanto, é imprescindível que a sociedade direcione o desenvolvimento tecnológico e econômico para a preservação ambiental, desta forma, efetivando as políticas públicas direcionadas ao fim específico. Palavras-chave: Desigualdades Regionais, Incentivos Fiscais, Políticas Públicas 7 CORREIA, Emanuelle Araújo. The Effectiveness of Fiscal Incentives Through Environmental Public Policies for Reducing Regional Inequalities 135 p. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Marília, Marília. ABSTRACT The present study is mirrored in regional inequalities, to show that by taxing originally from Union, states and municipalities through grants tax incentives and public policies, can fight to regional differences. In this vein, the Article 151, paragraph I of the Constitution states that it is forbidden to set the taxes that are not uniform throughout the national territory or that imply a distinction or preference in relation to a State or the Federal District or the municipalities, rather than another, even the granting of tax incentives aimed at promoting balanced socioeconomic development between different regions of the country From this statement, it is clear that taxation should focus on the essential needs of society. Brazil is going through a problem of social inequality between different regions of the country. While some regions have most of the national wealth, others have faced difficult problems of underdevelopment, demonstrating with disabilities to education, health, no job opportunities and other determinants of social welfare. The state is an entity designated for the care of the common good in favor of the whole society that compose it. The Federal Constitution provides for various desired values by Brazilian society as citizenship, recognition of the work, free enterprise and human dignity (which is ultimately rooted in the ecological protection), and they stand to be in the top of the hierarchy of values given by the State. For the State to achieve its socio-economic objectives and develop a government policy, according to those purposes, should be set public policy, allocating resources to each region specific to their needs, due to be differentiated needs, albeit with the same goal, which is to offer citizens the minimum necessary for survival with dignity. To achieve the realization of environmental public policies developed by both the state and the population, it is imperative to make sure the man values the nature and the right has an active role in economic and cultural nature. In search of economic development and technological progress, humanity devastates the planet. Therefore, it is imperative that society direct the technological and economic development to environmental conservation, thereby making effective public policies directed to specific purpose. Keywords: Regional Inequalities, Incentives, Public Policy. 8 LISTA DE ABREVIATURAS ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade Art. – Artigo. Arts. – Artigos. BASA – Banco da Amazônia S.A. BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento CF – Constituição Federal CIP – Contribuição para Custeio do Serviços de Iluminação Pública CTN – Código Tributário Nacional EC – Emenda Constitucional FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador FDA – Fundo de Desenvolvimento da Amazônia FNO – Fundo Constitucional de Financiamento do Norte ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços Inc. – Inciso. INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IOF – Imposto sobre Operação Financeira IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados IPMF – Imposto Provisória sobre a Movimentação Financeira IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IRPJ – imposto de Renda Pessoa Jurídica ISS – Imposto Sobre Serviços LC – Lei complementar LDO – Lei das Diretrizes Orçamentárias LOA – Lei Orçamentária Anual LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal ONU – Organização das Nações Unidas PIB – Produto Interno Bruto STF – Supremo Tribunal Federal SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento do Norte SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste WWF – World Wildlife Fund. 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................ 10 1 O PAPEL DO ESTADO NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL 13 1.1 O ESTADO LIBERAL E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO..................................... 26 1.2 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO POR MEIO DA TRIBUTAÇÃO.... 35 1.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SUSTENTÁVEL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 44 1.4 O PAPEL DO ESTADO NA DESTINAÇÃO DA RECEITA PÚBLICA....................................... 52 2 SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL E A FUNÇÃO SOCIAL DO TRIBUTO 58 2.1 SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO: ASPECTOS RELEVANTES 68 2.2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA EAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR............................................................................................................................. 73 2.3 O TRIBUTO E SUA FUNÇÃO SOCIAL................................................................................ 83 3 A EFETIVIDADE DOS INCENTIVOS FISCAIS AMBIENTAIS POR MEIO DE PÓLITICAS PÚBLICAS PARA A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES 89 REGIONAIS 3.1 A EXTRAFISCALIDADE E AS POLÍTICAS DE INCENTIVOS FISCAIS NO BRASIL.................. 3.2 A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E REGIONAIS COM A CONCESSÃO 100 DOS INCENTIVOS FISCAIS............................................................................................................. 106 3.3 A EFETIVAÇÃO DOS INCENTIVOS FISCAIS AMBIENTAIS POR MEIO DE POLÍTICAS PÚBLICAS............................................................................................................................. 115 CONCLUSÃO.................................................................................................................. 122 REFERÊNCIAS................................................................................................................ 127 10 INTRODUÇÃO Este estudo concentra-se nas diferenças socioeconômicas regionais, para demonstrar que, por intermédio das políticas públicas instituídas pela União, Estados e Municípios, amparadas na tributação constitucional, tendo como finalidade o desenvolvimento às peculiaridades que cada região oferece, podem combater-se as diferenças sociais das regiões brasileiras. Nesse diapasão, o Art. 151, inciso I, da Constituição Federal ressalta que, é vedada à União, instituir tributo que não seja uniforme em todo território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação ao Estado, ao Distrito Federal e aos Municípios, em detrimento de outro. No entanto, admite a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País. Assim, a partir dessa previsão constitucional trazendo os incentivos fiscais como uma exceção ao tratamento tributário igualitário entre os entes federativos em todo o território nacional, deduz-se que por mandamento da Carta Magna uma das finalidades do sistema tributário é privilegiar as necessidades essenciais da sociedade rumo ao equilíbrio socioeconômico entre as diversas regiões do país. Nessa senda, observa-se que a regra esculpida no art. 151, I, CRFB é o tratamento tributário igualitário entre os entes da federação, vez que a própria natureza federativa do Estado brasileiro pressupõe que todos devam ser tratados de forma igual pelas normas tributárias. Porém, a exceção é o Princípio da Isonomia, ou seja, os entes federativos devem ser tratados desigualmente na medida em que se desigualam, para obter a igualdade material, e, o constituinte originário elegeu os incentivos fiscais como um meio para que se atinja, gradativamente, a redução das desigualdades socioeconômicas que atualmente existem entre os entes federativos, a depender da região em que estejam inseridos. O Brasil vivencia um problema de desigualdade social entre as diferentes regiões. Enquanto algumas regiões concentram a maior parte de riqueza nacional, outras enfrentam difíceis problemas de subdesenvolvimento. O Estado é um ente designado para o atendimento do bem comum em prol de toda a sociedade. A Constituição dispõe sobre vários valores pretendidos pela sociedade, como a cidadania, a valorização do trabalho e a livre iniciativa, a 11 dignidade da pessoa humana, nesse último arraigado à proteção ecológica. Referidos valores se destacam por se encontrar no topo da hierarquia dos valores eleitos pelo Estado. E para cumprir com as funções sociais indicadas na Constituição, o Estado deve possuir recursos para executá-las e sustentá-las. Assim, ao auferir receita por intermédio da tributação, que nada mais é do que o recolhimento de uma prestação pecuniária da esfera privada para o público, esse obtém condições para sustentar suas funções socioeconômicas. Nesse contexto, impende salientar que a tributação imposta pelo Estado não tem somente condão de servir de instrumento arrecadador para a manutenção geral do Estado, também é dotada de função extrafiscal, que tem por natureza estimular ou desestimular determinadas atividades. Para que o Estado alcance seus objetivos socioeconômicos e desenvolva uma política governamental em função dessas finalidades, necessário se faz o respeito ao princípio da justiça social que só será obtido por meio da obediência dos princípios como o da igualdade, o da dignidade da pessoa humana, inserido o da proteção ecológica, conjugados com o princípio da função social do tributo. Desta feita, permitindo que a distribuição de renda seja efetuada de conformidade às necessidades de cada região. Para isso, a Constituição dispõe de dispositivos jurídicos para tributar, porém, o poder de tributar tem que observar limites a serem respeitados, conforme os instituídos nos Arts. 150 e 151. As normas tributárias indutoras no cumprimento de seu desiderato sujeitam-se aos princípios constitucionais econômicos, não se admitindo condensação tributária que contrarie os objetivos constitucionais. É dever do Estado, por força constitucional, reduzir as desigualdades econômicas e sociais, promovendo o bem comum. E, para que o Estado cumpra seu papel de provedor e direcionador do bem comum, faz-se necessário instituir políticas públicas, destinando para cada região recursos específicos às suas necessidades, haja vista, serem necessidades diversificadas, conquanto, com a mesma finalidade, que é oferecer ao cidadão o mínimo necessário a sua sobrevivência com dignidade. É sabido que o território brasileiro tem diferentes regiões, e cada uma com suas especificidades e riquezas. Algumas possuem tantas riquezas naturais, que podem, muitas vezes aproveitá-las para seu desenvolvimento. No entanto, para que consigam desenvolver é 12 necessário serem estruturadas e muitas vezes, reestruturadas. E é aí que o Estado aparece apregoando e efetivando as políticas públicas. Para conseguir a efetivação das políticas públicas ambientais desenvolvidas tanto pelo Estado, como pela população, é necessário em primeiro plano, fazer com que o homem valorize a natureza, e o direito exerce papel essencial nessa relação, especialmente, naquelas de cunho econômico. Daí a comprovação que se obriga a reavaliar as encostas do desenvolvimento econômico, para assim, introduzir uma nova forma, de modo a conscientizar, ou seja, reformular a educação dos cidadãos da importância vital que tem o meio ambiente, e, de quanto é importante a preservação deste para as futuras gerações. Se, continuar a devastação da natureza nesse ritmo, objetivando o desenvolvimento sem pensar nas consequências, os futuros habitantes não mais encontrarão um planeta em condições sustentáveis para habitar. Em busca do desenvolvimento econômico e progresso tecnológico a humanidade devasta o planeta, em especial o Brasil, o país de maior biodiversidade, abriga a maior rede hidrográfica do mundo e muitas outras riquezas. Por tal motivo há movimentos pressionando, principalmente, internacionais, no sentido de que o país preserve seu meio ambiente. Existe enorme atenção voltada para a Amazônia, por causa do efeito estufa e suas consequências para o clima, mas há também grande preocupação com os centros urbanos e suas periferias. Nessa direção, conclui-se que o desenvolvimento é fundamental, no entanto, tem de incluir no seu contexto a preservação ambiental. É necessário estabelecer um padrão de desenvolvimento sustentável para a sobrevivência das futuras gerações, impulsionando o desenvolvimento econômico, porém, combatendo a degradação ambiental, assim, levando a sociedade ao entendimento e ao compromisso de direcionar o desenvolvimento, interagindo-o com a preservação ambiental, oportunizando a efetivação das políticas públicas direcionadas ao seu fim específico, que é o desenvolvimento socioeconômico sustentável, e a preservação do planeta. 13 1 – O PAPEL DO ESTADO NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL A perspectiva histórica é um dos recursos necessários à compreensão do Estado como uma unidade jurídica e soberana, organizada politicamente, social e juridicamente com o fim de prover e garantir o bem comum da sociedade que o compõe, bem como do papel que desempenha no desenvolvimento econômico e social de seu conjunto. O termo ―Estado‖ não foi sempre empregado para designar a sociedade política. Foi evoluindo com o tempo em função da dinâmica social dos povos no tempo e no espaço. Derivou do latim “status” e era utilizado pelos romanos, significando situação ou condição da pessoa, para se referir à capacidade das pessoas, já que sua organização social sustentava posições sociais e políticas diferenciadas, para se referir ao “status familiae” “status liberalis” e “status civitatis” que constituíam em prerrogativas do cidadão romanos em razão de lhe conferir a posição de chefe de família e não dependente, de homem livre e não escravo, de cidadão romano e não estrangeiro.1 Foi associando o termo “status” à ideia que representava a expressão “res publica”, para designar a coisa pública. Os romanos se aproximaram da atual concepção de Estado, utilizando a expressão “status republicae‖ para designar a ordem permanente da coisa pública. Contudo, foi com Maquiavel em sua obra clássica O príncipe, que o termo ―lo stato‖ foi introduzido na literatura científica, para designar as novas relações entre o povo e o soberano, tomando como referência as cidadesestado gregas e os “status rei publicae romanae”,daí se denominar a unidade formada entre o povo e o rei de ―Estado‖2. É inegável que o Estado como resultado da instituição do poder político de uma sociedade visa atender seus fins jurídicos e sociais. Os fins jurídicos se concentram no objetivo de garantir a ordem interna por meio do exercício do poder de polícia e promover a defesa da soberania na esfera internacional, e ainda promover a edição normativa e realizar a distribuição de justiça por meio da tutela jurisdicional. Os fins sociais são todos aqueles que correspondem às atividades concernentes ao Estado, quer diretamente, quer em parceria com 1 RIBEIRO JUNIOR, João. Curso de teoria geral do Estado. São Paulo: Editora acadêmica, 1995, p. 112. FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria geral do Estado. Colaboração de Peter Hãnni; tradução de Marlene Holzhausen; revisão técnica de Flávia Portella Puschel. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 181. 2 14 a iniciativa privada, a exemplo da saúde, educação, previdência social e ainda funções assistenciais3 O processo evolutivo do Estado não encerra uma sucessão cronológica e progressiva como se fosse uma jornada contínua e progressiva, porque, suas diversas feições apresentadas no curso da história refletem seus caracteres em diferentes épocas e em diferentes locais. 4 Em que pese tal observação, é necessário destacar em linhas gerais, mesmo que superficialmente, a classificação evolutiva do Estado desenvolvida a partir de Jellinek, que dividiu os tipos históricos fundamentais: Estado Antigo, Estado Grego, Estado Romano, Estado Medieval e Estado Moderno, adotada tradicionalmente pelos teóricos do Estado, por permitir identificar os tipos de Estado que tenham relação histórica com o Estado Atual, decorrente da influência que um proporciona ao outro.5 Como uma preparação à compreensão do modelo atual de Estado e sua importância para perquirir sobre o modelo ideal ao desenvolvimento do País, necessário, ao menos, evidenciar as características fundamentais do Estado em suas formas mais diferenciadas a partir de tais modelos. O Estado Antigo se apresenta sob a justificação de poder absoluto e teocrático, no qual os monarcas se identificavam com uma divindade. O poder se justificava por sua natureza divina e era a crença religiosa dos súditos que o sustentava. A família, a religião, o Estado e a organização econômica, formavam um conjunto confuso, sem diferenciação aparente, em razão do que não se distinguia o pensamento político da religião, da moral, da filosofia ou do pensamento econômico6 e, sua única forma de governo era a monarquia absoluta, exercida em nome de Divindades. Os Estados Antigos eram formados e mantidos pela força da armas. Viviam em constantes guerras, pelas quais se apropriavam das riquezas dos povos conquistados, anexavam os territórios ocupados e escravizavam a população vencida. Seus territórios, ora aumentavam, ora diminuíam em virtudes das vitórias ou das derrotas, em razão de que não possuíam uma base territorial. Não se constituíam em Estados nacionais, também, porque 3 FRIED, Reis. Ciência política e teoria geral do Estado. São Paulo: Forense Universitária, 2007, p. 37. MENEZES, Anderson. Teoria geral do Estado. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 105-106. 5 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 60-62. 6 GETTEL. Raimundo G. História de las ideas políticas. México: Ed. Nacional, 1951, v. I, p. 61. 4 15 reuniam povos de diferentes raças, conquistados e escravizados. Eram, em regra, agrupamentos humanos heterogêneos.7 Não se deve perder de vistas a contribuição cultural do Egito e da Mesopotâmia, de onde nasceram a matemática e a astronomia, bem como a significativa contribuição legada ao progresso moral da humanidade ressaltando, apenas a título exemplificativo, o Código de Hamurabi, vigente na Babilônia antes da era cristã, que imprimiu princípios basilares da vida em sociedade, os quais serviram de fontes para a legislação moderna. Contudo, politicamente nenhum legado foi deixado ao Estado Moderno, certamente porque não possuíam um conceito de liberdade como tiveram os gregos e os romanos. O Estado Grego, mais precisamente, a Grécia Antiga, caracterizou-se pela formação e desenvolvimento das cidades-estados, estabelecidas sob um governo e leis proprias e sem qualquer estrutura política acima dela, funcionando como se fosse um pequeno país. Embora não houvesse um Estado Grego ou um governo unitário em comum, havia uma relativa identidade de cultura e religião caracterizada pelo politeísmo e grande parte das cidades continham em sua formação os mesmos elementos étnicos, postos que formados basicamente pelos Jônios, Aqueus e Eólios, derivados do mesmo contexto histórico resultante da crise do sistema gentílico. Os tempos homéricos têm como fonte histórica sobretudo as obras Ilíada e Odisséia. Naquele período (séculos XII a VIII a.C.) predomina o sistema gentílico, cuja célula básica é o “génos”, formados por pessoas ligadas entre si por laços religiosos ou de nascimento. Esses grupos reconhecem sua origem comum a partir de um ascendente divino, venerado em cultos coletivos. Com a desintegração lenta da ordem gentílica, aumentam as diferenças sociais: a desigual divisão de terras privilegia alguns, gerando uma aristocracia baseada na riqueza decorrente da propriedade da terra. Em contrapartida, os que perdem seus lotes passam a trabalhar para os ricos, e aos poucos se desenvolve o sistema escravista. 8 O Estado Grego Antigo era monárquico e tipicamente patriarcal, em que cada cidade tinha seu rei e o seu Conselho de Anciãos, que por sua vez já desempenhava importante papel de contenção do poder real. Isto facilitou a transição de monarquia patriarcal para república democrática direta de fundo aristocrático, como bem expressa Sahid Maluf: 7 MALUF, Said. Teoria geral do Estado. São Paulo: Sugestões Literárias, 1986, p. 110 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. MARTINS. Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à filosofia. 3 ed. São Paulo: Moderna, 2003, p. 220. 8 16 Em fins do século IV a.C., completou-se a evolução, surgindo a constituição clássica da Cidade helênica. O Estado atenienese, com seu magnífico corpo de leis, foi sem dúvida, a mais bela expressão da democracia grega. O conselho de Anciãos deixara de ser o órgão principal do Estado: torna-se eletivo e subordinado à Assembleia dos Cidadãos. As magistraturas tornaram-se temporárias; as pessoas eram escolhidas e nomeadas pela Assembléia Geral com mandato por um ano. Os cidadãos investidos em funções públicas eram obrigados a prestar contas periódicas, e quando assim procedessem, eram citados diante da Assembléia popular. 9 Constituem características peculiares do Estado Grego, a ausência de uma unidade política, decorrente da auto-suficiência das cidades Estados. Ao contrário do Estado Antigo, os gregos separaram as questões de Estado das questões religiosas, que por sua vez, não mais direcionavam as decisões políticas, permitindo que os governantes fossem escolhidos pelos cidadãos e as decisões políticas expressassem os anseios da sociedade grega. Em que pese o Estado Grego possa ser considerado como a fonte da democracia, pela prática democrática de deliberação sobre a questões de Estado por parte dos cidadãos gregos, jamais chegou a ser um Estado Democrático na acepção do direito público moderno, porque os cidadãos gregos que detinham direito ao voto eram minoria, uma vez que a maior parte da população grega era composta de escravos e estrangeiros.10 Neste particular, apesar dessa contradição, o ideal democrático surge como proposta de poder que, daí em diante, irá orientar as aspirações humanas por sociedades mais justas, o que se permite dizer que esta foi a grande contribuição do Estado Grego nesse processo evolutivo do Estado. A inauguração do processo democrático. O Estado Romano foi inagurado de forma semelhante ao Estado Grego. Começou pela cidade, a ―civitas‖, formada por famílias e tribos, que constituíam as gentes. As colônias gregras estabelecidas ao longo da Itália meridional influenciaram predominantemente na formação da civitas, tanto que primitivamente o Estado Romano era monárquico patriarcal, como também o era o Estado Grego, e evoluiu como aquele, da realeza hereditária para república. A Família constituiu a base de formação do Estado Romano, o que veio a justificar, ao menos em sua primeira fase, os privilégios que detinham os membros das famílias patriarcais. 9 MALUF, Said. Op. cit., p. 114. Idem, ibidem, p. 113 10 17 A atividade econômica do Estado Romano, desde a Roma antiga esteve voltada para a política. Tanto, que a excelente malha viária, os aquedutos, os magníficos trabalhos de arte, tinham sempre em vista o fim político, nunca o econômico, uma vez que o mais importante era garantir de forma rápida e segura, o transporte e o abastecimento das tropas e exercer vigilância e fiscalização em todos os pontos do império romano. Contudo, a ―Pax Romana‖ (29 a.C a 180), contribuiu decisivamente na expansão das trocas e fez de Roma um grande e importante mercado para onde convergiam produtos de todas as províncias, proporcionando o surgimento de poderosas companhias mercantis e sociedades por ações.11 Na antiguidade, sobrevieram ao Estado Romano, dificuldades no abastecimento, que foram se acentuando durante certo lapso temporal, levando o Estado romano a, de certa forma, inaugurar uma política intervencionista, a exemplo da Lei Semprônia de 123 a.C., encarregando o Estado da distribuição de cereais abaixo do preço de mercado, medida esta, que do ponto de vista das finanças públicas, concorreu para aumentar o déficit orçamentário; da Lei Aureliana do ano 270 de nossa era, determinando fosse feita a distribuição do pão diretamente pelo Estado. Fato que constituiu em uma das causas mais prováveis da decadência da agricultura na Itália e, principalmente, levou o Estado a regulamentar a produção agrícola e a troca de produtos. Por outro lado, os jurisconsultos romanos responderam a uma tendência individualista que assentou as bases doutrinárias do direito de propriedade e instituição do direito das obrigações, que embora não tenha feito sentido imediato na economia política romana, mas que serviram como base ao desenvolvimento do liberalismo, séculos depois.12 Embora a tributação possa fazer parte da história das civilizações, desde as mais antigas, a exemplo da mesopotâmica ou da egípcia, foi no Estado Romano, que se desenvolveu um Sistema Tributário tão significativo, que contribuiu para o surgimento de muitos tributos ainda vigentes nos dias atuais. A princípio, os encargos públicos cingiam-se a cobrança de serviços prestados pelo governo, semelhantes às taxas dos dias de hoje. Mas com o fortalecimento do Estado, as taxas e contribuições se transformam em impostos aduaneiros, inaugurando se assim, o que veio a se consagrar como impostos indiretos, onerando heranças, vendas, litígios, minas, além de outros negócios. Com estes, coexistiam os impostos diretos, 11 12 HUGON, Paul. História das doutrinas econômicas. São Paulo: Atlas, 1986, p. 40-41. HUGON, Paul. Op. cit., p. 42-43. 18 que por sua vez, recaíam sobre as pessoas, a exemplo da “capitatio humana” ou ―capitatio plebéia” e sobre bens diversos, a exemplos dos que incidiam sobre terras.13 Dificuldades de sobrevivência e crises que se apresentaram no contexto social, político e econômico contribuíram de forma decisiva na criação, evolução e extinção de tributos, atingindo diversas categorias econômicas, levando à criação de vários e diversificados impostos e taxas, a exemplo de impostos sobre colunas, portas, janelas de casa, até mesmo sobre as urinas e matérias fecais e ainda sobre bens e serviços. A capacidade contributiva no Estado Romano era apurada por meio da atividade dos “censores”, que realizavam o “census capitis” que tinha por finalidade levantar a população romana e o “Census solis” que levantava e identificava as propriedades territoriais.14 Além da contribuição no desenvolvimento expressivo do sistema tributário, o povo romano desenvolveu invejável cultura jurídica, respondendo pela criação de inúmeros institutos jurídicos apropriados por inúmeras nações do mundo, inclusive dos dias atuais. Evidencia-se ainda a riquíssima herança cultural e a rica fonte legislativa adotada em vários países do mundo, sem olvidar sua responsabilidade pela distinção do direito público e do direito privado e ainda desenvolveu o conceito de personalidade jurídica do Estado. A despeito do sucesso e do insucesso do Estado Romano, ainda se pode dizer que ―não há mal que sempre dure e nem bem que nunca acabe‖, tudo que nasce, fenece. Também foi assim com o glorioso Estado Romano. Por volta do século IV, uma grave crise econômica enfraqueceu o Estado Romano de tal maneira que levou suas fronteiras a ficarem desprotegidas, permitindo invasões bárbaras no império romano do ocidente, consagrado como último dos grandes impérios da antiguidade, marcando o fim do império romano e do que chamou os historiadores de Idade Antiga e, o início a Idade Média. Com a queda do império romano, ocorrida no ano 476, teve início uma importante fase da história da humanidade, conhecida por Idade Média. Esse longo período perdurou por dez séculos, compreendidos entre os anos 500 e 1.500. A Idade Média, caracterizada por um 13 TONETO, Jorge Luiz. O direito tributário em Roma. Monografia do curso de doutorado em direito. Porto Alegre: Universidade do Museo Argentino, 2002, p. 6-8. Disponível em: <http://www.sindaf.com.br/Downloads/ Arquivo/Artigos/O%20Direito%20Tribut%C3%A1rio%20em%20Roma.pdf > Acesso: 29/09/2009. 14 BAEZ, Narciso Leandro Xavier. Curso de excelência em direito tributário. Disponível em: <http://www.unoescxxe.edu.br/unoesc/extensao/arquivos/09%20TRIBUTARIO%20(PROCESSO%20A‘DMINI STRATIVO%20TRIBUTARIO). doc. > Acesso em: 28 out. 2009. 19 estado de desagregação da antiga ordem jurídica, política e social e pela divisão do império romano em diversos reinos bárbaros, nos quais, cada soberano fragmentava o poder por meio da distribuição de terras, cargos e vantagens a seus chefes guerreiros, que se comprometiam a defender o território, prestar ajuda militar, pagar impostos e manter a fidelidade de todos os súditos aos respectivos reis, como bem observa Said Maluf: O Estado medieval que se ergue sobre os escombros das invasões bárbaras, como já foi dito, recebeu a influência preponderante dos costumes germânicos. As tradições romanas pouco ou nada influíram. Os reis bárbaros, francos, godos, lombardos e vândalos, uma vez completada a dominação dos vastos territórios que integravam a órbita de hegemonia do extinto império cesarista, passaram a distribuir cargos, vantagens e privilégios, aos seus chefes guerreiros, resultando daí a fragmentação do poder. E como fossem imensos os territórios e impossível a manutenção da sua unidade sob o comando central único, criaram uma hierarquia imperial de condes, marqueses, barões e duques, os quais dominavam determinadas zonas territoriais, como concessionários do poder jurisdicional do Rei. Em compensação, tais concessionários se comprometiam a defender o território, prestar ajuda militar, pagar tributos e manter o princípio da fidelidade de todos os súditos ao Rei.15 Funda-se o sistema feudal, caracterizado como um sistema de dependência territorial e de uma economia baseada na agricultura e utilização do trabalho de servos, no qual a pessoas e suas famílias se colocavam debaixo da proteção dos senhores feudais, que eram os proprietários das terras. Em troca eram obrigados a cultivar a terra necessária para si e também para o senhor feudal.16 Os primeiros séculos da era medieval foram impróprios para elaboração de qualquer conceito de Estado, pois a convulsão social e política que sucedeu à fragmentação do império romano não propiciava o esboço de qualquer teorização a respeito de uma organização unitária de poder17. A produção era quase que exclusivamente rural e voltada à subsistência e a economia, significativamente retraída, limitava-se a pequenas trocas no âmbito dos feudos, apesar da existência de moedas, porém pouco utilizadas. As grandiosas estradas romanas, não 15 MALUF, Said. Op. cit., p. 125. STRECK, Lênio Luiz. MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência política e teoria geral do Estado. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 22. 17 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. São Paulo: Globo, 2005, p. 143. 16 20 mais conservadas se tornaram intransitáveis, favorecendo a estagnação da já combalida economia.18 A história política da Idade Média girava em torno das relações entre o Estado e a Igreja romana. A Igreja romana centrada na força do cristianismo sobreviveu à queda do império romano e se fortaleceu por meio da conservação dos bárbaros ao cristianismo, pelo poder dos bispos e pela influência da fé cristã sobre os guerreiros convertidos passando a exercer grande influência civilizadora, uma vez que o cristianismo ao condenar a escravidão, a acumulação de riquezas, e a exploração das pessoas menos afortunadas e, a defender a fraternidade entre os homens, trazia um novo conceito de dignidade humana, contrariando a prática e o pensamento gregos e romanos.19 Consolidado o Estado Medieval, por volta do fim do século V, o papa Gelásio I formulou a teoria da separação e coexistência dos poderes temporal e religioso, sustentando que Deus quis separar o poder espiritual do poder temporal, para evitar os abusos que decorreriam da acumulação de tais poderes, vindo posteriormente a devolver a teoria de supremacia do poder espiritual sobre o poder temporal, levando a Igreja a afirmar sua superioridade sobre os reis medievais convertidos ao cristianismo.20 A partir do final do século XI, os servos libertos, inicialmente nômades, instalaram-se nos arredores das cidades, adjetivadas de burgos, estabelecendo relações entre iguais, diferentemente da hierarquia entre os senhores e os servos.21 Tais cidades se ampliavam, mas como estavam estabelecidas em terras de senhores feudais (nobres, clero e do próprio rei) tinham de se sujeitar ao pagamento de impostos e de elevados pedágios, situações que oneravam a prática comercial em franco desenvolvimento. Para se livrarem do pagamento de impostos e das demais situações de usura, levadas a efeitos pelos proprietários das terras, começaram a lutar pela libertação de suas cidades, estabelecendo governos próprios. Em alguns casos, essa liberdade era obtida gratuitamente ou comprada; mas em outros casos, era conseguida por intermédio de batalhas entre exércitos formados pelos moradores dos burgos e pelo nobre dominador.22 18 HUGON, Paul. Op. cit., p.45. GASTALDI, Jose Petrelli. Elementos da economia política. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 43. 20 MALUF, Said. Op. cit., p. 127. 21 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. MARTINS, Maria Helena Pires. Op. cit., p. 230. 22 SANTOS, Maria Januária Vilela. História antiga e medieval. 18 ed. São Paulo: Ática. 1990, p. 161. 19 21 Com o renascimento das cidades, inicia-se o processo de laicização23 da sociedade, expressa na oposição explícita ao poder religioso e acentuando-se os debates nas universidades em torno da natureza do poder e das leis sob a influência dos textos de Aristóteles e de São Tomás. Por conseguinte, a Igreja reage, criando o que chamou de ―Santa Inquisição‖, instalando tribunais inquisitivos para julgar o que chamavam de ―desvios da fé‘. Recorrem-se à delação anônima, tortura e a julgamentos sem defesa e sem defensor, cujas penas variavam de prisão perpétua à morte na fogueira.24 No período compreendido entre o século XI e XIV, em virtude de esmerado esforço da Igreja e do Estado em torno do estabelecimento da ordem no campo social, e da organização no campo político, a economia agrária volta a se desenvolver e o comércio começa a se fortalecer, principalmente a partir das Cruzadas, iniciadas por volta de 1096, representando a reação dos países católicos que pretendiam a reconquista de Jerusalém e a abertura do sul do Mediterrâneo aos povos ocidentais, antes fechados pelos muçulmanos islamitas. As Cruzadas, embora mal sucedidas sob o ponto de vista político-religioso, propiciaram a abertura de novos mercados e o restabelecimento do vigor das atividades de comércio e da economia urbana e ainda marcaram o início do declínio dos senhores feudais. Contudo, sob o aspecto econômico, as Cruzadas foram responsáveis pela reabertura do Mar Mediterrâneo para a navegação e por consequência favoreceram o comércio da Europa, porque possibilitaram o reatamento das relações de comércio entre o Ocidente e Oriente, interrompido pela expansão muçulmana. Isto acelerou o renascimento comercial no ocidente da Europa.25 [...] A economia das cidades atingia altos níveis. Surgiam os grandes centros comerciais, traduzidos inicialmente nas famosas feiras medievais, realizadas ao lado dos castelos feudais ou dos mosteiros, atraindo mercadores de todas as regiões, as mais distantes, apesar da precariedade dos transportes e do perigo dos salteadores. Nasciam as regras e leis.[...]26 Vários outros acontecimentos foram surgindo a partir do Século XIV, que culminaram com uma profunda crise, marcada por baixa produtividade agrícola, estagnação do comércio, fome, pestes, guerras e rebeliões. 23 Por laicização deve se entender como sendo o ato de tornar leigo. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. MARTINS, Maria Helena Pires. Op. cit., p. 230. 25 MELLO, Leonel Itaussu A. COSTA, Luís César Amad. História Antiga e Medieval. São Paulo: Editora Scipione, 1993, p. 270. 26 GASTALDI, Jose Petrelli. Op. cit., p. 44. 24 22 A crise do século XIV desestruturou o sistema feudal, anunciando o fim da Idade Média. Vários fatores conjugados foram responsáveis pelo término do período medieval. Agravaram-se as contradições entre o campo e a cidade. [...] A partir do século XIII, a produção caiu proporcionalmente ao aumento demográfico. Por outro lado a atividade comercial se estagnou devido, principalmente, à falta de moedas e à insuficiência de mercados. Sucessivos períodos de fome assolaram a Europa, sendo o de maior proporção o que se deu entre 1315 a 1317, conhecida como a grande fome. Entre 1347 e 1350, a Peste Negra dizimou um terço da população européia. Também foram muitas as guerras entre senhores feudais e mesmo entre as nações que se consolidavam. [...]27 O certo é que durante a Idade Média os senhores feudais, verdadeiros soberanos em suas terras, aplicavam a justiça sobre seus servos, possuíam seus próprios exércitos, faziam guerras e até cunhavam moedas em seus domínios. Isto implicava em limitação da autoridade do rei, que por sua vez lhe competia apenas controlar algumas cidades e a governar seu próprio feudo como qualquer outro senhor feudal. Contudo, em consequência da crise vivida no final do século XIV, do crescente confronto entre os poderes da Igreja e da nobreza e do inconformismo dos burgueses, o feudalismo foi morrendo aos poucos, dando lugar ao capitalismo comercial, em virtude do que, os reis, para centralizar o poder político, criaram exércitos reais permanentes, mantidos com recursos oriundos de novos impostos, arrecadados do povo por funcionários reais, e mediante empréstimos e doações do burgueses, que por sua vez, tinham interesse em apoiar o rei, porque desejavam acabar com o poder dos nobres que cobravam taxas e pedágios e criar por consequência um único poder.28 Nessa mesma esteira, os poderes do rei foram se fortalecendo na medida em que os poderes da Igreja iam diminuindo, fulminando de morte o já combalido poder político feudal e com isto, fazendo surgir o que se chamou de ―Estado Moderno‖ , monárquico e absolutista, concentrando os poderes do Estado na pessoa do soberano, como uma solução capaz de, pelo governo centralizador, enfeixar territórios separados e dominar populações dispersas pelas contingências feudais religiosas. O desenvolvimento do Estado Moderno iria aperfeiçoar o regime político do absolutismo monárquico, vale dizer, a soma de todos os poderes nas mãos do monarca. Baseado na doutrina de que a realeza era fruto da vontade divina, o rei mantinha domínio absoluto sobre seus súditos. Ele decretava lei, 27 28 MELLO, Leonel Itaussu A. COSTA, Luís César Amad. Op. cit., p. 305. SANTOS, Maria Januária Vilela. Op. cit., p. 171-172. 23 distribuía a justiça, instituía impostos, controlava as finanças, decidia sobre a guerra e sobre a paz.29 O Estado Moderno é resultado da busca pela concentração de todos os poderes do Estado na mãos dos monarcas. Fato que originou o surgimento das chamadas monarquias absolutistas, como fundamento da passagem do modelo feudal para o moderno, assegurando a unidade territorial dos reinos por meio da implementação de dois elementos essenciais à formação do Estado Moderno: a soberania e o território. Em síntese, como bem observa Norberto Elias: ―O Estado Moderno surge, como Estado burguês, quando o poder real, monopolizante consolidado, nele se transforma.‖ Momento em que o poder militar centraliza-se nas mãos de uma única autoridade, o monarca, que se apoia na renda tributária permitindo-lhe impor-se com o maior exército, o que permitiu a grande parte da nobreza passar de guerreiros para oficiais assalariados a serviço do suserano.30 O Estado Moderno passa a ser um poder civil, estranho à religiosidade do Estado Medieval. É um Estado de direito, porque limitado ao princípio da legalidade, em que a personalidade privada dos governantes é distinta da condição dos detentores do poder, contrariamente ao que ocorria na Idade Média, em que o governo era exercido como um direito de propriedade. Contudo não se pode olvidar a observação de João Ribeiro Júnior: Não se pode confundir o Estado moderno, que surgiu com o absolutismo da monarquia, na Europa continental, com o Estado democrático moderno, que derivou realmente, daquele, e mediante um processo de transferência da soberania do rei para o povo ou melhor, para a Nação.31 Não é demasiada a advertência de que o Estado Moderno não deve ser confundido com a monarquia absoluta, pois esta, foi simplesmente a forma com que ela se apresentou na Europa continental, principalmente na França. Contudo, o Estado Moderno, na Inglaterra se apresentou numa forma parlamentarista, cuja evolução culminou com o sistema britânico de governo. 29 SARONI, Fernando. DARÓS, Vital. História das civilizações. São Paulo: FTD, 1979, p.10. ELIAS, Norberto. O processo civilizador. v. I. Trad. Ruy Jungman, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994, p. 21-22. 31 RIBEIRO JÚNIOR, João. Op. cit., p.177. 30 24 O surgimento das monarquias permitiu o início das grandes descobertas marítimas, responsáveis pelo acesso da Europa às riquezas das Índias e da China e pela descoberta de novas terras, fazendo crepitar a vida econômica por meio da afluência para a Europa de metais preciosos procedentes dos novos continentes e por consequência, deslocando os grandes centros comerciais do mar Mediterrâneo para o Atlântico, iniciando-se uma fase de prosperidade em Londres, Amsterdã, Bordéus e Lisboa. Com isto, traçaram-se novos rumos à economia, de onde se originaram novas ideias econômicas centradas no desenvolvimento da moeda e a possibilidade de elaboração da concepção metalista, que constituiu a base dos sistemas mercantilistas.32 As monarquias absolutistas tendiam a não conhecer qualquer limitação de poder ao ponto de alguns Estados sob esta forma de governo, chegarem a reduzir a ideia de soberania a um conceito simplista de ―senhoria real‖, próprio do sistema feudal em que o senhor feudal é proprietário da terra. Se comparada com a Monarquia absoluta, nesta o rei equivale ao ―senhor do Estado‖. Assim, como a propriedade seria direito exclusivo do dono sobre a coisa, o poder do império seria direito absoltuo do Rei sobre o Estado.33 A inegável característica da sociedade moderna, conforme observa Eros Grau, permitiu ― [...] o aparecimento do Estado Moderno é por um lado a divisão do trabalho, por outro a monopolização da tributação e da violência física‖.34 Vez que o Soberano detinha o monopólio da força e da tributação. Em que pese o soberano, no Estado absolutista, pudesse exercer, como o fez Luiz XIV simbolizando a monarquia em sua unipersonalidade exagerada com sua celebre frase “L’État c’est moi”,35 via de regra, a autoridade monarca entre o século XVI e XVIII, por força de costumes e leis, sofria de certas limitações, conforme observa Pedro Calmon: [...] os soberanos foram menos absolutos do que se imagina: dependiam da própria legislação, por eles mantida ou criada; eram instrumentos da tradição, curvavam-se diante das resistências legítimas que derivavam de leis e costumes.36 32 HUGON, Paul. Op. cit., p. 63-64. BERLOFFA. Ricardo Ribas da Costa. Introdução ao curso de teoria geral do Estado e ciências políticas. São Paulo: Bookseller, 2004, p.141. 34 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação crítica. 10 ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 16. 35 MENEZES, Anderson. Op. cit., p. 117. 36 CALMON, Pedro. Curso de teoria geral do estado, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1942, p. 84 33 25 O Estado Moderno somente se consolidou com a Revolução Francesa. Contudo, tem sido exaltado como potência plena desde Maquiavel (1469-1527), que rompe com o tradicionalismo, assumindo completa independência estatal com a religião e a Igreja , até Hobbes (1712-1778), passando por Jean Bodin (1530-1596) e Hugo Gróccio (1583-1645), em que pese alguns outros atores tenham a ele se oposto, denunciando os perigos do poder absoluto, este, no contexto histórico de sua existência serviu aos interesses da sociedade burguesa, como bem explica Streck e Bolzan de Moraes: Com efeito, enquanto instituição centralizada, o Estado, em sua primeira versão absolutista foi fundamental para os propósitos da burguesia no nascedouro do capitalismo, quando esta, por razões econômicas, ―abriu mão‖ do poder político, delegando-o ao soberano, concretizando-se mutatis-mutandis, aquilo de Hobbes sustentou no Leviatã. Na virada do século XVIII, entretanto, essa mesma classe não mais se contentava em ter o poder econômico; queria, sim, agora, tomar para si o poder político, até então privilégio da aristocracia.37 Enquanto na França, o absolutismo triunfava, na Inglaterra sofria revoluções lideradas pela burguesia, com a finalidade de limitar os poderes e as funções dos reis. Foi movimento revolucionário conhecido por Revolução Gloriosa, ocorrida em 1668, que marcou o fim do absolutismo na Inglaterra, resultando na proclamação do Rei Guilherme III, após ter aceitado a Declaração de Direito que limitou muito sua autoridade e dava mais poderes ao parlamento, subordinando dessa forma o poder executivo ao legislativo.38 Tal conquista burguesa na Inglaterra, somada à necessidade de limitação da autoridade real, repercutiu por todos os continentes, no século XVII e XVIII, sob a justificação das teorias contratualistas de Locke, que pugnou pelo reconhecimento do direito natural do indivíduo à vida e à propriedade e pela divisão de poderes voltada para combater a centralização absolutista; Montesquieu, que definiu a configuração clássica dos poderes anteriormente concebidos por Locke; Hobbes que embora tenha justificado o absolutismo, estabeleceu as bases teóricas do moderno contrato social que foi posteriormente desenvolvido por Rousseau; além de Voltaire, pseudônimo de François-Marie Arouet, e outros, ao ponto de estimular movimentos vitoriosos de emancipação de colônias, a exemplo dos Estados Unidos e da vitoriosa Revolução Francesa com a queda da dinastia dos Bourbon, 37 38 STRECK, Lênio Luiz. MORAIS, José Luiz Bolzan de. Op. cit., p. 46. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. MARTINS, Maria Helena Pires. Op. cit.,, p. 245. 26 representando o grande marco de luta contra os privilégios da nobreza na defesa dos princípios de igualdade, liberdade e fraternidade. Nasce portanto, o Estado de Direito, fruto do movimento revolucionário da burguesia, que naquele momento se opunha ao absolutismo monárquico e tinha como objetivo subjugar os governantes à vontade geral, mais precisamente à vontade da Lei, editada por meio de um processo pelo qual a vontade da burguesia estivesse consignada. O Estado passa a ter sua atuação limitada basicamente à manutenção da ordem, à proteção da liberdade e da propriedade individual, deixando a economia fluir livremente segundo as regras do mercado inclusive a livre contratação. É sem dúvida, a ideia de um ―Estado Mínimo‖ que de forma alguma interviesse na vida dos indivíduos, a não ser para o cumprimento de suas funções básicas. O Poder do Estado passa a ser legitimado pelo direito, por uma regra jurídica capaz de enunciar e tutelar os direitos de cada cidadão e ao mesmo tempo proteger o cidadão das arbitrariedades do Estado. Isto vale dizer que o Estado de Direito está subordinado ao direito e tem como objetivo regular não só a vida, mas também a atividade estatal, o funcionamento de seus órgãos e as relações entre o Estado e seus integrantes. 39 1.1 O ESTADO LIBERAL E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO O ideal liberal surgiu como uma doutrina que foi se consolidando no movimento das marchas contra o absolutismo40, buscando limitar a autoridade do monarca governante, caracterizado por Norberto Bobbio como sendo ―a ideia de limite‖, para sustentar que ―[...] o liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto com respeito aos seus poderes quanto às suas funções.‖41 Teve-se no absolutismo monárquico a primeira versão do Estado Moderno e no Estado Liberal a sua segunda versão, consagrando o pensamento liberal como um conjunto de ideias éticas, políticas e econômicas da burguesia que se opunha, a princípio, ao sistema feudal e ao, depois, ao absolutismo monárquico, sintetizando o pensamento burguês que buscava a separação entre as questões que caberiam ao Estado e os cuidados com as atividades 39 BASTOS, Celso Ribeiro. Teoria do Estado e ciência política. 5 ed. São Paulo: Celso Bastos, 2002, p.161. STRECK, Lênio Luiz. MORAIS, José Luiz Bolzan de. Op. cit., .p. 50 41 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 17. 40 27 particulares, sobretudo econômicas que competiam apenas à sociedade, reduzindo a intervenção do Estado na vida do indivíduo.42 O ideário liberal formou-se em face do anseio de não intervenção do Estado na economia, da aspiração social da igualdade formal entre os homens com o propósito de eliminar os estamentos sociais, bem como seus privilégios e da limitação do poder governamental por meio da edição normativa constitucional e garantidora de direitos individuais fundamentais.43 A concepção do Estado Liberal pressupõe que o bem estar comum somente é atingido em todos os campos da atividade humana com a menor presença do Estado. Sua máxima principal cinge-se na expressão francesa “Laisse faire, laissez passer, Le monde va de luimême” (Deixa fazer, deixai passar, o mundo caminha por si mesmo) para justificar no âmbito das relações econômicas que a lei natural da oferta e da procura é que deve colocar os preços em níveis justos sem deixar de estimular o empresário (comerciante) a produzir cada vez mais, com preços menores. Com este entendimento, procurava-se suprimir toda interferência no Estado na regulação econômica.44 A não intervenção do Estado na economia, no contexto liberal fundava-se na busca pela separação do Estado do conjunto de atividades particulares desenvolvidas pelos indivíduos, sobretudo as de natureza econômica, separando o público do privado, porque a burguesia procurava evitar a ingerência dos antigos monarcas e dos senhores feudais nas estruturas econômicas da época, garantindo a liberdade individual para a expansão de seus negócios. O Estado liberal teve, dentre outros como objetivo assegurar o princípio da legalidade, segundo o qual toda atividade desenvolvida pelo Estado haveria de submeter-se à Lei, em si considerada como ato emanado formalmente por um poder próprio composto de 42 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de filosofia. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2002, p. 163. 43 BRADBURY, Leonardo Cacau Santos La. Estado liberal, social e democrático de direito: noções, afinidades e fundamentos. Disponível: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp.?id=9241 > Acesso em: 10 jun. 2009. 44 BASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit., p.213. 28 representantes do povo, destinados a legislar para o povo45, isto é, para o cidadão, uma vez que com o Estado Liberal, o homem deixa a condição estamental de súdito, para assumir o papel de cidadão, ante as garantias de direitos individuais de que passou a ser detentor, principalmente dos direitos inerentes à igualdade e à liberdade. Também buscava o Estado liberal dividir os poderes do Estado em legislativo, executivo e judiciário, assegurando a cada um deles atuação independente e harmônica, conforme bem assevera Norberto Bobbio: A passagem da esfera da legitimidade para a esfera da legalidade assinalou, dessa forma, uma fase ulterior do Estado moderno, a do Estado de direito, fundado sobre a liberdade política (não apenas privada) e sobre a igualdade de participação (e não apenas pré-estatal) dos cidadãos (não mais súditos) frente ao poder, mas gerenciado pela burguesia como classes dominantes, com instrumentos científicos fornecidos pelo direito e pela economia na idade triunfal da Revolução Industrial.46 A defesa do princípio da igualdade buscava o tratamento igualitário em relação a todas as classes sociais, a submissão de todos à lei, de modo a evitar discriminação social e eliminar uma série histórica de privilégios na realeza e da nobreza. Razão pela qual se buscava a criação de um único ordenamento que assegurasse a igualdade de todos aos olhos da lei, de modo a se aplicar a todos os grupos sociais, não admitindo o estabelecimento de prerrogativas para determinadas classes em prejuízo de outras, surgindo daí, o conceito de Estado de Direito e a figura da Constituição que passava a limitar os poderes do governante.47 Sob o fundamento de ―só o poder freia o poder‖ Montesquieu ressaltou a necessidade de cada poder: executivo, legislativo e judiciário, manter-se autônomo e constituído por pessoas diferentes, de modo a realçar a relação de forças e necessidade de harmonia entre os três poderes antes prenunciados por Locke. Assim, observa Carlos Ari Sunfeld: [...] como o criado é regulado por uma Constituição (isto é, por norma jurídica superior às demais), onde o exercício do poder político seja dividido entre órgãos independentes e harmônicos, que controlem uns aos outros, de modo que a lei produzida por um deles tenha de ser necessariamente observada pelos demais e que os cidadãos sendo titulares de direitos, possam opô-los ao próprio Estado.‖48 45 SILVA, Jose Afonso da. O Estado democrático de direito. in: Revista do IAB, São Paulo: ano XXXIV, n. 93, 2000, p. 43. 46 BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília-DF, Editora UnB, 2009, vol. I, p. 430. 47 BRADBURY, Leonardo Cacau Santos La. Estado liberal, social e democrático de direito: noções, afinidades e fundamentos. Disponível: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp.?id=9241 > Acesso em: 10.06.2009 48 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos do direito público. 4 ed. São Paulo> Malheiros, p. 56 29 O Estado de Direito passou a ser uma das garantias da constituição liberal burguesa ao ter como objetivo fundamental assegurar o princípio da legalidade, segundo o qual toda atividade havia de submeter-se à lei. Em razão do que criou o direito subjetivo público do indivíduo, impediu o exercício arbitrário do poder por parte do governante e garantir direitos individuais fundamentais, como o direito à liberdade, criando-se desta forma, o que se chamou de ―direitos de primeira geração‖. [...] na doutrina liberal, Estado de direito significa não só subordinação dos poderes públicos de qualquer grau às leis gerais do país, limite que é puramente formal, mas também subordinação das leis ao limite material do reconhecimento de alguns direitos fundamentais considerados constitucionalmente, e portanto em linha de princípios invioláveis.‖49 Enfim, o Estado liberal decorre de uma vitória do conceito de ―direito natural‖ e dos princípios do individualismo referindo-se à condição humana e do igualitarismo político, apresentando-se, na prática, ora sob a forma de monarquia, ora sob a forma de república, mas em sua essência norteando-se pelos mesmos princípios básicos. Várias Constituições liberais foram promulgadas entre os fins do século XVIII e o começo do Século XIX, nos moldes da Constituição Francesa de 1791, Todas elas destacando o direito à liberdade. Embora as teorias e os ideais liberais do século XIX tenham representado significativo avanço em torno das ideias de liberdade e igualdade, ainda persistiam inúmeras contradições em torno de questões econômicas e sociais decorrentes do modelo liberal, principalmente, com o advento da Revolução Industrial que por sua vez, contribuiu significativamente com o aumento da população urbana de modo a influenciar nas exigências democráticas, não apenas por parte da burguesia, mas também por parte dos operários e, afligindo de forma incisiva grande massa de operários cada vez mais explorados em razão da jornada excessiva de trabalho, da baixa remuneração e exploração do trabalho de mulheres e crianças, o que gerou um passivo social inquietante. Avaliando o Estado Liberal, Celso Ribeiro Bastos, assim manifesta: A experiência histórica não confirmou todas as previsões do ideário liberal. Pelo livre jogo das forças econômicas não foi possível atingir o bem-estar da classe trabalhadora. Logo se constatou que a liberdade para contratar, reinante entre o empregado e o empregador era uma mera aparência, já que o desnível de força sócio-economica era muito acentuado. Em muitos outros 49 BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 19. 30 aspectos a presença do Estado se fez necessária para suprir omissões, para coibir abusos e para empreender objetivos não atingíveis pela livre iniciativa. Tudo isso vai dar lugar ao nascimento do Estado Social, que examinaremos no tópico seguinte. Por ora vale a pena frisar dois pontos: o liberalismo econômico foi responsável por um surto de desenvolvimento material sem precedentes na História. Toda Revolução Industrial de fins do século XVIII e todo o século XIX se deu sob sua égide. Nesse sentido o ideário iluminista foi correspondido pelos fatos. De outro lado, embora tenha ele falhado em muitos outros pontos, o que obrigou atenuar as suas postulações iniciais, de certa forma até ingênuas, o certo é que o liberalismo é uma ideologia viva até hoje sob as vestes de uma mensagem atualizada e própria para enfrentar os desafios do século XX.50 Os impostos, no âmbito liberal constituem-se em meio de obtenção de recursos para fazer face às despesas do aparato estatal, cujos gastos devem conter nos limites de sua arrecadação, somados a sua fixação pelo Poder legislativo, de forma clara, amplamente conhecida, e com o cuidado de dificultar a sonegação e de evitar a bitributação, incidindo preferencialmente sobre o consumo e não sobre os investimentos sobre a renda e nem sobre a renda poupada. O individualismo e o abstencionismo do Estado liberal serviram para expandir o capitalismo. Contudo, provocaram imensas injustiças, agravando a situação da classe trabalhadora e fazendo nascer a necessidade de uma justiça social, como também observa Lucas Verdi. Mas o Estado de Direito, que já não poderia justificar-se como liberal, necessitou, para enfrentar a maré social, despojar-se de uma neutralidade, integrar, em seu seio, a sociedade, sem renunciar ao primado do Direito. O Estado de Direito, na atualidade, deixou de ser formal, neutro e individualista, para transformar-se em Estado material de Direito, enquanto adota uma dogmática e pretende deixar realizar a justiça social.51 O distanciamento do ideal liberal com o aspecto social, agravado pelo advento da Revolução Industrial, mormente, na União Soviética, culminou com a Revolução Russa de 1917, levando os trabalhadores a se organizarem com o propósito de resistir à exploração e com isto permitindo o surgimento do Estado Socialista. Daí, o surgimento de dois sistemas que disputavam o privilégio de ser adotado na organização econômica. O sistema socialista, fundamentado na propriedade coletiva dos meios de produção e implantado nos países 50 BASTOS. Celso Ribeiro. Op. cit., p.213. VERDU, Pablo Lucas. La lucha por el estado de derecho. Bolonha: Publicaciones Del Real Colégio de Espana, 1975, p. 94, apud, SILVA, Jose Afonso da. O Estado democrático de direito. Revista da Procuradoria Geral do Estado de SãoPaulo. São Paulo, v. 30, dez. 1988, p. 61. 51 31 marxistas e, o outro, fundado na propriedade privada dos meios de produção, na iniciativa privada e na livre concorrência, de um modo geral aceito em todos os países que não optaram por uma economia coletivizada.52 Na França, a burguesia, já afeita ao capitalismo e procurando preservar a forma liberal e, afastar os trabalhadores da via revolucionária, fez nascer o Estado Social, marcado por um viés de intervenção do Estado na Economia, para realização de uma justiça social decorrente da aplicação do princípio da igualdade material sentida nas críticas ao modelo liberal e, por consequência elidir os efeitos nefastos do liberalismo clássico.53 O Estado Social busca assegurar aos cidadãos os direitos mínimos necessários a uma existência digna, situa-se no plano do ser, possui conteúdo econômico e social e busca melhorar as condições de vida do cidadão, impondo ao Estado uma conduta positiva de modo a garantir-lhe direitos básicos como, trabalho, saúde, educação e moradia, entre outros. Tais direitos sociais, tidos como ―direitos de segunda geração‖ alteraram o princípio da autonomia da vontade, conferindo aos economicamente fracos proteção legal em suas obrigações laborativas. No Estado Social, o seu papel não mais se limita à manutenção da ordem, a garantir a segurança a distribuição de justiça e a feitura e aplicação das leis, adentra no seio dos conflitos sociais para equilibrar as relações entre os desiguais na economia, não só regulando a atividade econômica, mas também realizando atividade, como bem observa Celso Ribeiro Bastos: O Estado passou, pois, a assumir um papel, de início, regulador da economia, o que era feito mediante a edição de normas disciplinadoras da conduta dos agentes econômicos. Num segundo momento, passou ele a protagonizar a própria atividade econômica, criando empresas com tal finalidade, ou participando, em sociedades, dos capitais de empresas privadas. Tornou-se ele, em conseqüência, um grande empregador. Sua burocracia agigantou-se. A vida social ganhou em complexidade.; Aos segmentos sociais já existentes vem-se agregar uma poderosa burocracia estatal.54 52 BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 461. BRADBURY, Leonardo Cacau Santos La. Estado liberal, social e democrático de direito: noções, afinidades e fundamentos. Disponível: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp.?id=9241 > Acesso em: 10.06.2009 54 BASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit., p. 167. 53 32 Observa Lenio Streck e Bolzan de Morais que o Estado Liberal começou a intervir por duas razões. A uma, porque o a burguesia sentindo-se ameaça pelas tensões sociais existentes tornou possível uma maior flexibilização do regime liberal. Outra, porque a própria burguesia passou a se beneficiar da intervenção estatal em virtude da infra-estrutura básica necessária ao desenvolvimento das atividades de acumulação e expansão do capital foram implementadas com verbas públicas constituídas pela poupança e pela taxação generalizada.55 Enquanto que no Estado liberal se buscava a separação entre o Estado e sociedade civil, o Estado Social vem reclamando uma atuação intervencionista do Estado para solucionar os problemas sociais decorrentes da Revolução Industrial, mormente em favor do trabalhador, a exemplo, de seguro saúde, aposentadoria e desemprego. A queda da bolsa de Nova York marcou a crise de 1929, provocando a falência de empresa, gerando desequilíbrio econômico, altas taxas de inflação, desemprego, tensões sociais e diminuição da confiança no sistema, tanto nos países da América, quanto da Europa.56 Várias foram as formas de reação contra tal crise. A Itália e a Alemanha viveram as experiências totalitárias do fascismo e do nazismo, enquanto que nos Estados Unidos e na Inglaterra o governo promoveu rigorosos ajustes para fazer surgir o Estado do Bem Estar Social. Merece registro a resposta ofertada pelo Presidente Roosevelt dos Estados Unidos, por meio do programa denominado “New Deal”, segundo o qual o Estado se torna o principal agente do reativamento econômico, sem sucumbir à tentação totalitária experimentada pela Itália e Alemanha, fomentando a economia por meio da construção de grande obras públicas, aumentando, por consequência, a taxa de emprego, a concessão de créditos a empresas, além de várias outras medidas assistenciais de atendimento aos trabalhadores, a exemplo de auxílios para doenças, desemprego, invalidez, maternidade, entre outros.57 Pode se afirmar que o Estado do bem estar social emergiu como consequência geral das políticas definidas a partir das grandes guerras e da crise da década de 30, embora sua formulação constitucional tenha se dado originalmente na segunda década do século XX, por 55 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Op. cit., p. 69. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. MARTINS, Maria Helena Pires. Op. cit., p. 164 57 Idem, ibidem, p. 165. 56 33 meio da Constituição Mexicana de 1917 e da Alemã em 1919. Assim é que novamente, recorrendo às lições de Streck e Morais, para dizer que o desenvolvimento do Estado do BemEstar se atribui à duas razões: Uma de ordem política, através da luta dos direitos individuais (Terceira Geração), pelos direitos políticos e, finalmente, pelos direitos sociais, e. Outra de natureza econômica, em razão da transformação da sociedade agrária em industrial, pois, o desenvolvimento industrial parece a única constante capaz de ocasionar o surgimento do problema da segurança social.58 Observa Mário Lúcio Quintão, que a finalidade do Estado social de direito foi a de obter o Bem-Estar social, por meio de ações fiscais, limitações e intervenções na propriedade privada, expropriações por razões de utilidade pública e escolha consciente e deliberada de prioridades públicas, acentuando a coerção em detrimento da liberdade como princípio do Estado de Direito. Razão pela qual o Estado do bem-estar social, com suas intervenções, preservou a estrutura capitalista, mantendo, artificialmente, a livre iniciativa e a livre concorrência e compensando as desigualdades sociais, mediante a prestação estatal de serviços e a concessão de direitos sociais.59 O Estado do bem-estar social terminou por provocar uma intensa crise fiscal provocada pelo aumento do déficit público, da inflação e da instabilidade social, fazendo despontar o pensamento neoliberal, sustentado na ideia de que o Estado não deve participar da economia, porque o mercado deve permanecer livre para atuar segundo suas próprias leis e que deve deixar o mercado livre para atuar segundo suas próprias leis, como condição de garantia do crescimento e desenvolvimento social do país.60 O Estado neoliberal surge como uma nova proposta, a desonerar o Estado de uma série de funções sociais, ao mesmo tempo em que parece, se diferencia do liberalismo clássico. São semelhantes na medida em que utilizam a palavra ―liberdade‖ como fundamento de existência. Mas se diferenciam na medida em que o antigo liberalismo empregava essa mesma 58 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Op. cit., p. 71. SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do estado: O substrato clássico e os novos paradigmas como précompreensão para o direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 294. 60 SOARES, Mário Lúcio Quintão. Op. cit., p. 298. 59 34 palavra de maneira abrangente, referindo-se a todas as manifestações humanas, da liberdade e da propriedade. Ao passo em que no Neoliberalismo a palavra ―liberdade‖ é empregada essencialmente quando se trata de comércio e de circulação ampliada de capital, como bem explica Celso Ribeiro Bastos: [...] No antigo liberalismo o Estado, por essência, não deve se intrometer na vida de seus cidadãos, a não ser dentro de certos limites. Esses limites podem ser definidos como as obrigações que o Estado chama para si, como o oferecimento de previdência social, assistência social, educação, saúde e desporto. Já o neoliberalismo, apregoa a não intervenção do Estado na vida de seus cidadãos, nem sob certos limites. Em vez das atenções do Estado estarem voltadas para o social, elas estarão voltadas para o mercado e para atribuições menores. O Estado neoliberal se caracteriza por buscar uma economia de mercado sem limites, por dedicar especial atenção à atividade econômica em detrimento da atividade social e política.61 Além do não intervencionismo do Estado na Economia e nas relações de trabalho, a política neoliberal defendia a privatização das empresas estatais, a livre circulação de capitais internacionais sob o manto da globalização, abertura da economia para a entrada de capital e empresas multinacionais, combate ao protecionismo econômico, a diminuição do Estado com o fim de torná-lo mais eficiente, acreditando que assim poder-se-ia proporcionar o desenvolvimento econômico e social ao deixar a economia mais competitiva e, por consequência, estimulando o desenvolvimento tecnológico, além de concorrer com a baixa de preços e da inflação por meio da livre concorrência. Neoliberalismo equivocou-se em seus propósitos porque permitiu prevalência dos interesses das grandes potências e das empresas multinacionais, gerando desemprego, salários baixos, aumento significativo das diferenças sociais e dependência do capital estrangeiro. Estado Democrático de Direito ―concilia duas das principais máximas do Estado Contemporâneo, quais sejam a origem popular do poder e a providência da legalidade‖62, fundindo-se assim, no dizer de Norberto Bobbio, as diretrizes do Estado Democrático com as do Estado de Direito: Estado Liberal e Estado democrático são interdependentes em dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de 61 62 BASTOS. Celso Ribeiro. Op. cit., p. 219. DANTAS, Ivo. Da defesa e das Instituições Democráticas. Rio de Janeiro, 1989, p. 27. 35 que são necessários certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais. Em outras palavras: é provável que um estado não liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte é pouco provável que um estado não democrático seja capaz de garantir liberdades fundamentais.63 Daí, sua denominação surge como uma tentativa de corrigir algumas falhas do Estado social, em razão do que procura realizar uma integração conciliadora dos valores da liberdade, da igualdade, da democracia e do socialismo. Centrado no Estado de Direito, o Estado Democrático de Direito, procura regular o exercício democrático e, passando a tutelar, além dos direitos individuais, também os direitos coletivos comuns a uma determinada categoria de pessoas e, também os direitos difusos comuns a toda a espécie humana, a exemplo do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Direitos estes consagrados como de terceira geração.64 O Estado democrático de direito é o sistema político constitucional vigente no Brasil, consagrado pela Constituição Federal de 1988, tendo como fundamento ou princípios fundantes: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. 1.2 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO POR MEIO DA TRIBUTAÇÃO Embora antagônicos, o ideal liberal e a intervenção estatal no âmbito privado atualmente coexistem no mesmo contexto, prevalecendo o liberalismo. No Brasil, a Constituição de 1988 passou a impor um regime liberal limitado por valores constitucionais que impedem os excessos e efeitos nocivos à sociedade. Para compreensão do processo histórico da intervenção no domínio econômico no Brasil, necessário observar que dentre as Constituições Brasileiras até aqui promulgadas foi a Constituição de 1934 a primeira a tratar do fato econômico de maneira apartada, 63 BOBBIO. Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Trad. Brasileira de Marco Aurélio Nogueira, 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 20. 64 LEMBO, Claúdio. A pessoa e seus direitos. Barueri: Manole, 2007, p. 17. 36 demonstrando preocupação com a questão social, traduzida por disparidades existentes entre os setores produtivos trazidos como consequência do advento do capitalismo decorrente da revolução industrial, que por sua vez, impulsionou a intervenção do Estado, principalmente nas relações de trabalho.65 A Constituição de 1937, promulgada por Getulio Vargas, procurou substituir o capitalismo por uma ordem corporativa, segundo a qual a economia de produção deveria ser organizada em corporações, consideradas como órgãos do Estado e exercendo funções delegadas pelo poder público.66 Esta Constituição, conforme apontam os registro de Uadi Lammêgo Bulos, foi apelidada de Constituição Polaca, porque Getúlio Vargas se achava descrente da democracia, inspirou na Carta ditatorial da Polônia, de 1935.67 Por sua vez, a Constituição de 1946, restabeleceu o sistema da economia capitalista ao mesmo tempo em que consagrava a intervenção do Estado no domínio econômico, tendo como fundamento o interesse público, limitado pelos direitos fundamentais nela consagrados. No mesmo sentido, com singulares variações, posicionaram-se as Constituições de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1 de 1969. Conforme se constata, até então era forte o dirigismo econômico, embora o mesmo fosse praticado em homenagem da economia de mercado e da livre concorrência.68 A ordem econômica sempre esteve associada aos direitos sociais, tanto que a Constituição Federal de 1988, ao tratar da Ordem Econômica, ao impor como seu fundamento a valorização do trabalho, inovou, a restringir o conceito de intervenção do Estado na economia à valorização do trabalho humano e à livre iniciativa com o fim de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social contextualizados com os princípios da soberania nacional, da propriedade privada, da função social da propriedade, da livre concorrência, da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, da redução das desigualdades regionais e sociais, da busca do pleno emprego e do tratamento diferenciado às empresas nacionais de pequeno porte. Desta forma, ao mesmo tempo em que consagra a livre iniciativa, limita-a aos preceitos por ela contemplados na esfera dos direitos sociais, 65 AFONSO, Túlio Augusto Tayano. Evolução constitucional do trabalho na ordem econômica jurídica brasileira. Disponível: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/salvador/tulio_augusto_tayano_afonso. pdf >. Acesso em: 02 nov. 2009. 66 BASTOS, Celso Ribeiro Bastos. Op. cit., p. 464. 67 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p.373. 68 BASTOS, Celso Ribeiro Bastos. Op. cit., p. 464. 37 vínculados a efetivação de outro princípio fundante da república, o da dignidade da pessoa humana.69 Mesmo que sujeita a tais limites de ordem social, a livre iniciativa apontada pelo artigo 170 da Constituição Federal de 1988 como fundamento da ordem econômica e financeira ao lado da valorização do trabalho tem um sentido de confirmação da adoção de uma estrutura capitalista da economia70, ao levar-se em consideração a afirmação de José Afonso da Silva no sentido de que a ―constituição consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, uma vez que a iniciativa privada é um princípio básico do capitalismo.71 A livre iniciativa aponta para a adoção da produção capitalista como meio para atingir os fins sociais do Estado brasileiro, como afirma Manuel Gonçalves Ferreira Filho: A consagração da liberdade de iniciativa, como primeira das bases da ordem econômica e social, significa que é através da atividade socialmente útil que se dedicam livremente os indivíduos, segundo suas inclinações, que se procurará a realização da justiça social e, portanto, do bem-estar social.72 O fato é que a intervenção estatal no domínio econômico visa mitigar os conflitos experimentados pelo Estado Liberal, atenuando os efeitos do capitalismo liberal, a exemplo da limitação à liberdade contratual justificada pela função social e do dirigismo econômico facultado às partes, conforme acentua Eros Roberto Grau: A atual estatal no campo da atividade econômica em sentido estrito acarretou uma série de transformações no direito. Um dos flancos mais atingidos foi justamente o do regime dos contratos. [...] Partindo de um modelo ideal do liberalismo econômico, verificaremos que, nele, as partes na relação contratual transformavam em ato toda a potência de suas vontades. Imperava então o voluntarismo contratual, caracterizado por um largo poder de autoregulação no negócio jurídico, apenas não irrestrito porque restringido pela necessidade de submissão da vontade das partes ao interesse coletivo. A construção contratual, então surgia como manifestação da prerrogativa, das partes, de criar o seu próprio direito.73 69 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2 ed. São Paulo: Método, 2006, p. 276. TAVARES, André Ramos. Intervenção estatal no domínio econômico. in, Contribuições de intervenção no domínio econômico. Coord. Ives Gandra da Silva Martins. Conferência inaugural Jose Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 216/217. 71 SILVA, Jose Afonso. Curso de direito constitucional. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 742. 72 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1.988. São Paulo, Saraiva, 1990, p. 3. 73 GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 94 e 95. 70 38 Assim é que com a ampliação das funções do Estado, mormente as contempladas na Constituição Federal de 1988, o próprio Estado passa a condicionar e a direcionar o exercício daquela prerrogativa, passando, assim, do voluntarismo ao dirigismo contratual. Em razão do que, os contratos se transformam nas palavras de Eros Grau: ―[...] em condutos de ordenação dos mercados, impactados por normas jurídicas que não se contêm nos limites do Direito Civil: preceitos que instrumentam a intervenção do Estado sobre o domínio econômico, na busca de soluções de desenvolvimento e justiça social, passam ser sobre eles apostos.‖74 A intervenção do Estado na economia é motivada pela necessidade de correção de falhas no mecanismo de mercado ou, ainda pela necessidade de adoção de medidas planejadas no âmbito da política econômica75 e, se legitima na busca de satisfação do interesse publico diante da necessidade de desenvolvimento de determinada atividade econômica. Daí se pode dizer que tal intervenção pode ocorrer de maneira direta ou indireta, conforme preceituam os artigos 173 e 174 da Constituição Federal, respectivamente. Na modalidade de intervenção direta o Estado participa ativamente na atividade econômica como agente econômico. Isto é, o Estado exerce atividade econômica assumindo a condição de parceiro dos agentes privados. Esta intervenção pode ocorrer para regulamentação do mercado, ou no capital das empresas. A Constituição Federal ao tratar da intervenção direta no artigo 173, refere-se à exploração da atividade econômica pelo Estado. Na intervenção indireta, como bem observa Fernando Facury Scaff, o ―Estado age dirigindo ou controlando as atividades econômicas privadas. Não como partícipe, mas como legislador. É o Estado enquanto ordenamento que atua, podendo fazê-lo no âmbito do fomento econômico, da polícia econômica ou por meio da criação de infra-estruturas.‖76 Tal modalidade se refere à cobrança de tributos, concessão de subsídios, subvenções, benefícios fiscais e creditícios e à regulamentação de atividade econômicas desenvolvidas por particulares. O Estado age como agente normativo e regulador da atividade econômica.77 74 GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 95. TAVARES, André Ramos. Op. cit., p. 218. 76 SCAFF, Fernando Facury. Contribuições de intervenção e direitos humanos. in: Contribuições de intervenção no domínio econômico. Coord. Ives Gandra da Silva Martins. Conferência inaugural Jose Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 412-413. 77 TAVARES, André Ramos. Op. cit., p. 218 75 39 Além das atividades próprias do Estado, este intervém no âmbito do domínio econômico, quer exercendo o poder de polícia, fiscalizando e regulando as atividades econômicas privadas, quer exercendo ele próprio atividade econômica sob a motivação de relevante interesse público e imperativo de segurança nacional, quanto por meio da instituição de incentivos à iniciativa privada como também por meio de incentivos fiscais e crédito facilitado.78 Isto é, o Estado tanto pode exercer atividade econômica diretamente, o que não é regra no Brasil de hoje, ou apenas atuar de forma indireta regulando as atividades.79 Neste sentido, Celso Ribeiro Bastos, leciona: [...] Assim é que cabe ao Estado fiscalizar. É um poder amplo que desfruta o ente estatal, denominado poder de polícia. Por seu intermédio objetiva-se manter a atividade privada dentro do estabelecido pela Constituição e pelas leis. Mas o Estado também pode incentivar a determinados ramos da economia que para um mais rápido desenvolvimento estejam a demandar uma política de fomento e estímulo. É o que acontece, sobretudo, nas regiões norte e nordeste, onde de há muito aplica-se uma política visando à redução das desigualdades regionais. [...]80 Como se vê a atuação indireta do Estado na seara econômica se apresenta como agente normativo e regulador, em razão do que exerce uma tríplice função: fiscalizadora, incentivadora e planejadora, embora a função planejadora tenha no âmbito privado o caráter impositivo minimizado. A função fiscalizadora impõe ao Estado a atividade pela qual se realiza o controle da legalidade e do exercício econômico pelos particulares, via da fiscalização das práticas empresariais, de modo a perceber se há adequação entre estas e as normas jurídicas de conteúdo econômico. A Função incentivadora ocorre quando o Estado estimula por meio de atos normativos específicos, o implemento de determinada atividade econômica. E, a função planejadora se apresenta por meio de um processo instrumentalizado na elaboração de planos para organização de atividades econômicas com a finalidade de obter resultados previamente desejados Esta função no âmbito privado se apresenta como mero indicador do Estado, uma vez que este pode sugerir metas e caminhos para o exercício econômico, mas não pode, de forma alguma vincular coercitivamente a iniciativa privada a tais indicações.81 78 MELLO. Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito Administrativo. 2 0 ed . S ão P au lo : Mal h eiro s, 2 0 0 6 , p .7 4 9 . 79 ELALI, André. Tributação e regulação econômica: um exame da tributação como instrumento de regulação econômica na busca da redução das desigualdades regionais. São Paulo: MP editora, 2007, p. 103. 80 BASTOS, Celso Ribeiro Bastos Op. cit., p. 462. 81 TAVARES, André Ramos. Op. cit., p. 221-223. 40 Sob a inspiração da doutrina portuguesa Eros Roberto Grau concebe que a intervenção do Estado no domínio Econômico se dá quando atua ―no domínio econômico‖ e ―sobre o domínio econômico‖. Quando atua no domínio econômico o faz sob a forma de absorção ou participação e, quando atua sobre o domínio econômico o faz sob a forma de indução ou de direção da atividade econômica. Isto é, ocorre intervenção no domínio econômico quando o Estado atua como agente econômico, assumindo papel dentro do domínio econômico, sobre regime da iniciativa privada, tanto por absorção, quando a atividade seja monopolizada pelo Estado ou por participação quando o Estado participa de igual para igual no mercado. Por sua vez, diz-se que ocorre intervenção sobre o domínio econômico quando o Estado assume a função reguladora, por indução ou por direção. Neste caso, o Estado atua como emanador de normas para ordenar o processo econômico, não para dele participar como agente econômico. Na hipótese do Estado regular por indução, não são impostos comportamentos, mas privilégios, aqueles mais desejáveis. Já ao fazê-lo por direção, o Estado impõe a forma pela qual os agentes econômicos exercerão suas atividades sob pena de sanções.82 Nesse sentido ainda explica André Elali: Objetivando o equilíbrio das relações sociais e econômicas, o Estado intervém de modo direto ou indireto, referindo-se grande parte da doutrina à intervenção no domínio econômico e/ou sobre o domínio econômico, expressões utilizadas pelo professor Eros Grau, que sustenta três espécies de intervenção: i) por absorção ou participação, quando o Estado exerce diretamente alguma participação nas atividades econômicas; ii) por direção, quando impõe comportamentos; e iii) por indução, quando estimula e/ou desestimula determinados comportamentos, mas não de forma impositiva. 83 O principal papel do Estado no desenvolvimento econômico do País, por meio da intervenção na atividade econômica é o de indutor do desenvolvimento, ora estimulando condutas desejáveis, ora desestimulando outras indesejadas. Contudo, tal ação indutora não se dá de forma padronizada, pode ocorrer de diversas formas, ora sob a forma de maior ou menor regulamentação de determinado setor, ora diminuindo a burocracia e/ou as exigências legais para a instalação de novos empreendimentos, observando, nem sempre ser possível a diminuição de exigências legais para a implantação de determinada atividade, mormente aquelas em que repercutem nos interesses difusos e coletivos, a exemplo das questões ligadas à preservação ambiental e manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado. 82 83 ELALI, André. Op. cit., p. 104. Idem, ibidem, p. 103. 41 As normas indutoras não impõem um único comportamento como o fazem as normas de direção. E os agentes econômicos, por consequência, podem não aderir ao comportamento nelas previsto, fazendo um exame de seus efeitos. Nem por isso, deve se atribuir caráter ilícito, porque o agente tem como escolher entre praticar ou não o comportamento indutor, a partir de uma ponderação de interesses e valores.84 José Afonso da Silva aponta a atuação do Estado no domínio econômico sobre duas modalidades: a participação e a intervenção. Segundo ensina o autor em referência, a participação do Estado se dá com arrimo nos artigos 173 e 177 da Constituição Federal, caracterizando o Estado administrador da atividade econômica e, a intervenção sob o fundamento do artigo 174, em razão do que o Estado aparece como agente normativo e regulador da atividade econômica, cuja atuação se dá no desempenho das funções de fiscalização, que por sua vez, pressupõe o poder de regulamentação, uma vez que ela visa precisamente controlar o cumprimento de determinações estatais, apurando responsabilidades e aplicando penalidades. Também aparece como agente promotor da atividade econômica sob a forma de incentivo, atuando como promotor da economia, protegendo, estimulando, promovendo, apoiando, favorecendo e auxiliando sem o emprego de qualquer meio coercitivo, as atividades particulares que satisfaçam necessidades ou conveniências de caráter geral, e, por fim, como planejador da atividade econômica, valendo-se do planejamento, como instrumento de organização da atividade econômica em vista à obtenção de resultados desejados, caracterizando ao mesmo tempo e por sua vez, por consequência: o Estado regulador, o Estado promotor e o Estado planejador da atividade econômica.85 Ressalta-se que o disposto no artigo 174, que contempla a possibilidade de intervenção do Estado na economia, por parte dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, não engloba a possibilidade da União de criar contribuição de intervenção no domínio econômico, vez que esta, somente pode ser instituída por competência exclusiva da União, nos termos do que dispõe o artigo 149 da Constituição Federal. Em razão do que, a Lei nº 10.168/2000 veio a criar a contribuição de intervenção no domínio econômico – CIDE, para financiar o Programa de Estímulo à Interação 84 85 ELALI. André. Op.cit., p. 105. SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 807. 42 Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, com o objetivo principal de estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo. Referida Lei impõe às pessoas jurídicas detentoras de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como às signatárias de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior, a contribuição financeira sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada mês, a residentes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração decorrente das obrigações contextualizadas aos contratos que se refiram à transferência tecnologica. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico arrecadada pelo Tesouro Nacional tem vinculação legal para sua distribuição ao Programa de ciência e tecnologia para o agronegócio; ao programa de fomento à pesquisa em saúde; ao Programa de biotecnologia e recursos genéticos- Genoma; ao Programa de ciência e tecnologia para o setor aeronáutico; ao Programa de inovação para competitividade, e para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT. Pela via tributária, a modalidade de intervenção dá-se por meio da desoneração tributária quando o interesse público centrar na necessidade de desenvolvimento regional ou de determinada atividade e, por meio da oneração tributária, quando tal interesse pretender desestimular atividades indesejadas. Vê-se, pois, que o tributo é, e pode ser utilizado, como elemento de aumento ou diminuição de custo, de forma a induzir o destinatário da intervenção estatal à prática de determinado comportamento desejado pelo Estado. O tributo tem se mantido presente em todas as formas de Estado manifestadas deste a antiguidade, em razão do que tem se aperfeiçoado sob o ponto de vista moral, adaptando-se às diversas formulações políticas e influências diretamente na economia e nos seus reflexos, filtra-se em princípios ou regra jurídicas e utiliza diferentes técnicas para execução prática. 86 Segundo o critério da finalidade, pode se dizer que os tributos no Brasil se distinguem, em: a) fiscais, quando têm por finalidade a arrecadação de recursos financeiros destinados à composição do erário e fazer face ao custeio das atribuições do Estado, ou seja, dos serviços 86 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 128. 43 públicos; b) parafiscais, quando se destinam aos custeio de atividades paralelas à da administração direta, como por exemplo a seguridade social; e, c) extrafiscais, quando visam atender outros fins que não a arrecadação, mas, geralmente, à correção de situações sociais indesejadas e à condução da economia, por meio de estímulo ou desestímulo de certas atividades.87 São os tributos meios hábeis para efetivar a intervenção no econômico, em razão do que se percebe que a intervenção estatal por indução relaciona-se com a extrafiscalidade, porque não busca a captação de recursos para o erário, mas a promoção do desenvolvimento regional ou setorial, influindo no comportamento dos entes econômicos, de maneira a incentivar iniciativas positivas e desestimular as nocivas ao bem comum. Razão pela qual não ocupa espaço a observação de Érico Hack: Então mesmo um tributo concebido para ser extrafiscal acaba arrecadando valores. E, motivado pela justificativa extrafiscal há sempre a tentação de se obter o efeito fiscal, aumentando a arrecadação indevidamente. Ocorre então a corrupção de finalidade extrafiscal, que é desviada de sua função principal para mascarar o aumento de tributos que não sei possível de outra forma.88 O Estado intervém sobre o domínio econômico por meio de tributos quando se utiliza do aspecto extrafiscal do tributo pra regular a economia, a exemplo, dentre outros, o da tributação incidente sobre a importação de bens, em que se constata uma indução negativa, uma vez que apesar de não vedada a importação de bens, esta se vê onerada de forma tal que inviabilize a comercialização de produtos importados e, com isto, contribuindo para o fortalecimento do mercado interno, diante da redução da concorrência com os produtos oriundos do exterior.89 Conforme observado alhures, os mecanismos de intervenção não devem se dar de forma aleatória, mas de forma planejada e sob um certo padrão de racionalidade. Razão pela qual o artigo 174 da Constituição Federal é incisivo ao determinar que ―Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções 87 OLIVEIRA. José Marcos Domingues,. Direito Tributário e meio ambiente. Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 38. 88 HACK, Erico. Controle dos resultados da intervenção do Estado por meio da tributação (publicado em agosto de 2009) <disponível: http://www.satz.com.br/erico_hack/index.html >. Acesso: 26 out. 2009 89 MARINHO, Karoline Lins Câmara. FRANÇA, Vladimir da Rocha. Tributação como instrumento de intervenção do estado no domínio econômico. Disponível em: http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/ brasilia/09_93.pdf . >. Acesso em 26 out. 2009. 44 de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado‖. Como bem explica Eros Grau: ―O planejamento apenas qualifica a intervenção do Estado sobre e no domínio econômico, na medida em que esta, quando consequente ao prévio exercício dele, resulta mais racional‖90. Por fim, observa André Elali: As normas tributárias indutoras, ao instituírem incentivos fiscais para a finalidade de fomentar atividades econômicas consideradas prioritárias para a redução das desigualdades regionais e sociais, em cumprimento à Constituição Econômica, devem observar, também, o pacto federativo, respeitando-se os limites conferidos no plano constitucional a cada pessoa jurídica de direito público interno. Assim constitui matéria obrigatória, para o exame do tema, a fiel observância das competências reguladora e tributária, uma vez que as normas tributárias indutoras devem limitar-se em face da unidade nacional.91 Por fim, impende evidenciar que as normas tributárias indutoras no cumprimento de seu desiderato sujeitam-se aos princípios constitucionais econômicos, não se admitindo qualquer incentivo e/ou agravamento tributário que contrarie os objetivos constitucionais. É dever do Estado, por força constitucional, reduzir as desigualdades econômicas e sociais, promovendo o bem comum. 1.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA CONSTITUTIÇÃO FEDERAL ECONÔMICO Antes de tecer considerações sobre o desenvolvimento sustentável serão apresentados alguns posicionamentos sobre o direito ao desenvolvimento de forma mais abrangente. A Organização das Nações Unidas - ONU em 1986, aprovou a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, uma conquista de todos os povos excluídos, considerando-o como direito humano inalienável, com voto contrário dos EUA, 8 abstenções, mas com 146 votos favoráveis dos países com menor índice de desenvolvimento humano. Assim, se tem que o direito do desenvolvimento é considerado na categoria de direito de solidariedade que pertence à terceira geração dos direitos fundamentais, adotada na 90 91 GRAU. Eros Roberto. Op. cit., p. 151. ELALI, André. Op. cit., p. 176 45 Declaração e Programa de Ação de Viena, sendo confirmado na Conferência de Viena sobre Direitos Humanos de 25 de julho de 1993. São direitos representativos dessa categoria: a fraternidade, a paz, o meio ambiente, o respeito ao patrimônio histórico e cultural, e, ainda, a nova ordem econômica mundial, com valores redefinidos pelo respeito dos países ao pleno desenvolvimento interno, quando reafirmou, na parte I, n. 10, o direito ao desenvolvimento como um direito universal e inalienável e parte integral dos direitos humanos fundamentais. De acordo com a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável (art. 1º), confirmando que a liberdade de oportunidades para o desenvolvimento é uma prerrogativa tanto das nações quanto dos indivíduos que compõem as nações (art. 2º). Ao Estado foi destacada a obrigação da formulação de políticas nacionais adequadas para o desenvolvimento, impondo-se a eles a necessidade de assegurarem igualdade de oportunidade para todos no acesso aos recursos básicos, educação, serviços de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição equitativa de renda (art. 8º). Pode-se afirmar que o direito ao desenvolvimento é uma síntese dos direitos fundamentais, na exata medida em que aglutina a possibilidade do ser humano realizar integralmente as suas potencialidades em todas as áreas do conhecimento.92 Sendo assim, as normas que derivam do direito fundamental ao desenvolvimento são todas diretivas materiais que atuam como imposições que vinculam o legislador, como diretiva material vinculadora dos órgãos concretizadores e como limites negativos em relação a certos atos.93 A Constituição Federal, desde seu preâmbulo, destaca a importância do desenvolvimento nacional, como pode ser observado: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução 92 SILVA, Guilherme Amorim Campos da. Direito ao Desenvolvimento. São Paulo: Método, 2004, p. 73. CANOTILHO, J. J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra, 2000, p. 315. 93 46 pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. O direito ao desenvolvimento é um direito fundamental inalienável que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil. Verifica-se que os objetivos descritos no seu artigo 3º da Constituição Federal (Art. 3°. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: ... III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais) norteiam a interpretação e aplicação das demais normas constitucionais, da legislação infraconstitucional e impõem diretrizes cogentes às ações públicas, uma vez que o Estado tem o dever de efetivar os poderes constitucionalmente constituídos. Daí a importância da consagração do desenvolvimento como um princípio norteador da interpretação e da aplicação das demais normas constitucionais, assim como princípio norteador das ações dos órgãos públicos. Welber Barral observa que em todos os modelos, desde Smith, Marx a Keynes, ―os conceitos de poder e de desenvolvimento encontram-se relacionados e centrados na questão da economia.‖94 Celso Furtado, em busca de outro conceito de desenvolvimento, destaca que é importante o fator não econômico para o funcionamento e para a transformação dos sistemas econômicos. Defende que o que interessa para o desenvolvimento não são apenas os fatores econômicos, mas o crescimento econômico como finalidade, destacando que existem fatores não econômicos que influenciam o desenvolvimento, destacando: O conceito de desenvolvimento compreende a ideia de crescimento, superando-a. Com efeito: ele se refere ao crescimento de um conjunto de estrutura complexa. Essa complexidade estrutural não é uma questão de nível tecnológico. Na verdade, traduz a diversidade das formas sociais e econômicas engendrada pela divisão do trabalho social. Porque deve satisfazer às múltiplas necessidades de uma coletividade é que o conjunto econômico nacional apresenta sua grande complexidade de estrutura. Esta sofre a ação permanente de uma multiplicidade de fatores sociais e institucionais que escapam à análise econômica corrente.95 O artigo 3º da Carta Constitucional, não determina quais os contornos do desenvolvimento almejado pelo constituinte originário, ou ainda, quais os instrumentos para 94 BARRAL, Welber (org.) Direito e Desenvolvimento: Análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Ed. Singular. 2005, p. 35. 95 FURTADO, Celso. Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 103. 47 efetivá-lo e nem como os cidadãos podem exigir-lhe o cumprimento. Desta forma, os demais dispositivos constitucionais podem auxiliar na análise de quais valores o legislador considera relevantes neste processo de busca do desenvolvimento.96 Este objetivo fundamental representa uma norma programática, a qual tem os princípios como norteadores de toda a interpretação das demais normas constitucionais, criando um conjunto de preceitos fundamentais que, conjugados com a interpretação de normas jurídicas e com programas concretos de políticas públicas, objetivam alcançar o pleno desenvolvimento nacional. Em diversas passagens, a Constituição Federal ressalta direcionamentos para o desenvolvimento. O inciso IX do artigo 21, por sua vez, dispõe que a União deve elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social. O inciso XX prevê a competência para instituir diretrizes ao desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos. Assim, a União pode englobar regiões econômicas e sociais que visem à promoção do desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais, conforme disposto no art. 43. Essas regiões poderão receber os seguintes incentivos: I - igualdade de tarifas, fretes, seguros e outros itens de custos e preços de responsabilidade do Poder Público; II - juros favorecidos para financiamento de atividades prioritárias; III - isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas; IV - prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas periódicas. O parágrafo primeiro do referido artigo estabelece que Lei Complementar irá dispor sobre as condições para integração de regiões em desenvolvimento, bem como da composição de órgãos regionais que executarão os planos regionais que integrarão o plano nacional de desenvolvimento econômico e social, e a previsão de criação de incentivos fiscais. O art. 48 prevê a competência do Congresso Nacional para dispor sobre planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento (inciso IV). 96 PEIXINHO, Manoel Messias e FERRARO, Suzani Andrade. Direito ao desenvolvimento como direito fundamental. Disponível em: < http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/bh/manoel_messias_peixinho. pdf,>. Acesso em: 25 nov. 2009. 48 A União deverá obrigatoriamente repassar parcelas significativas de sua arrecadação com imposto de renda e com imposto sobre produtos industrializados para compor o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e o Fundo de Participação dos Municípios (Art. 159, incisos I, ―a‖, ―b‖ e ―d‖ e II), bem como ―programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, por meio de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer (Art. 159, inciso I, ―c‖)‖. A União também deverá repassar aos Estados e ao Distrito Federal o percentual de 29% do que arrecada com a contribuição de intervenção no domínio econômico (Art. 159, inciso III). Ao mesmo tempo, deve ser ressaltado também que pertencem aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal as parcelas de tributos instituídos e cobrados pela União, conforme dispõe os Arts. 157 e 158 da Carta Constitucional. O orçamento fiscal da União e o orçamento de investimento de suas empresas terão como uma de suas funções reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional (Art. 165, § 7°). A redução das desigualdades sociais é um dos princípios da atividade econômica (Art. 170, inciso VII), assim destacado: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Não há dúvidas que a Constituição Federal, ao direcionar título específico para a Ordem Econômica e Financeira teve, com escopo nas mudanças de paradigmas anteriormente destacados, legitimidade na conformação do conjunto de regras constitucionais que objetiva amparar a Ordem Econômica. O art. 171 trata da possibilidade de se conceder benefícios fiscais às empresas nacionais que desenvolvam atividade considerada estratégica ou de criação e 49 desenvolvimento de tecnologia, determinando controles acionários especiais e algumas outras regras restritivas, de maneira a possibilitar melhor controle e acompanhamento pelos órgãos oficiais incumbidos de fazê-lo. O art. 174 dispõe sobre o planejamento econômico. O parágrafo primeiro remete para a Lei o encontro das diretrizes e bases do aludido planejamento econômico, com vistas ao desenvolvimento nacional equilibrado, como assim o qualifica, para incorporar e compatibilizar os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. É nesta base constitucional que nascem as parcerias público privadas, dando ensejo à consecução estatal de sua atuação normativa e reguladora da atividade econômica, incentivando o pleno desenvolvimento nacional com a participação do setor público e do setor privado. Já o art. 180, estabelece que o turismo deverá ser objeto de ações de estímulo, por parte dos governos federal, estadual e municipal uma vez qualificados como fator de desenvolvimento social e econômico. O art. 182 prevê a obrigatoriedade da política de desenvolvimento urbano, como uma das condições de integração jurídica para o harmônico desenvolvimento nacional. O art. 192 destaca que o sistema financeiro nacional é estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e servir aos interesses da coletividade. De igual modo, os recursos da União vinculados à saúde, destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como os recursos de saúde dos Estados destinados aos respectivos Municípios devem objetivar a progressiva redução das disparidades regionais (Art. 198, § 3°, inciso II). O desenvolvimento sustentável econômico, qualidade de vida e justiça social. exige três situações: crescimento Para o crescimento econômico, deve-se procurar alternativas e formas de crescimento econômico que não sejam degradadoras do meio ambiente, que não sejam impactantes, e, se o forem, devem ser procuradas fórmulas a fim de neutralizar os efeitos nocivos, para que o crescimento econômico continue proporcionando as duas outras situações acima mencionadas: Qualidade de vida e Justiça 50 social. E qualidade de vida e justiça social só se conseguem com a garantia do direito a cidades sustentáveis.97 Para Antonio Carlos Wolkmer e Maria de Fátima Wolkmer: ―[...] o novo Direito ao desenvolvimento está fundado na solidariedade, na superação da miséria, na melhoria das condições socioeconômicas, na força criadora do poder comunitário e no favorecimento da realização integral da pessoa humana com dignidade.‖98 A conceituação do desenvolvimento sustentável tem como marco o ano de 1987, quando o então presidente da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, Gro Harlem Brundtland, apresentou para a Assembléia Geral da ONU o documento Nosso Futuro Comum, que ficou conhecido como Relatório Brundtland 99 . Nesse Relatório, o desenvolvimento sustentável foi conceituado como sendo aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades.100 No âmbito internacional o desenvolvimento sustentável encontra eco na Conferência de Estocolmo (1972), na Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e na Declaração Rio 92, na medida em que: Princípio 4 - Para se alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não ser considerada isoladamente em relação a ele. Princípio 5 – todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável, devem cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, de forma a reduzir as disparidades nos padrões de vida e melhor atender às necessidades da população do mundo. 97 KIRZNER, Vânia. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (Estatuto da Cidade Lei 10.257/01). Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3899> Acesso em: 12 set. 2009. 98 WOLKMER, Antonio Carlos. RIBEIRO, Maria de Fátima. Direitos humanos e desenvolvimento. In: BARRAL, Welber (Org.). Direito e desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Singular, 2005, p. 61. 99 VEIGA, J. E. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro, Garamond, 2005, p. 191. 100 A ambivalência do discurso do desenvolvimento sustentado/sustentável se expressa já na polissemia do termo sustaintability, que integra dois significados: o primeiro, traduzível como sustentabilidade, implica a incorporação das condições ecológicas – renovabilidade da natureza, diluição de contaminadores, dispersão de dejetos – do processo econômico; o segundo, que se traduz como desenvolvimento sustentado, implica a perdurabilidade no tempo do progresso econômico (LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 137). 51 Conforme ensina Edis Milaré101, o reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer sob o enfoque da dignidade desta existência – a qualidade de vida -, que faz com que valha a pena viver. No Brasil, deve-se ter em vista as razões que fundamentam a atuação do Estado no domínio econômico. A Constituição Federal no art. 170 trata da atividade da ordem econômica, destacando os princípios da propriedade privada, função social da propriedade, defesa do consumidor e do meio ambiente, entre outros. De outro lado, o art. 225 da mesma Carta estabelece sobre a proteção do meio ambiente. O artigo 3º da Constituição Federal, no inciso II assegura que o Estado deve garantir o desenvolvimento. E ao garantir o desenvolvimento, deve o Estado promover a combinação de crescimento econômico com as condições básicas de vida. Referido dispositivo deve ser analisado à luz dos artigos 170 e 225 da Carta Constitucional. Assim, o conceito jurídico de desenvolvimento pode ser entendido como sendo o princípio que informa as demais regras do ordenamento jurídico, no sentido de orientá-las à efetivação dos direitos sociais, os quais encontram sua base nas necessidades públicas.102 O art.170 da Constituição Federal, ao referir sobre os princípios da ordem econômica, tratou de uma das finalidades que é a defesa do meio ambiente, ao lado das demais. Entre os princípios ambientais, interessa neste estudo a apresentação temática sobre o princípio do desenvolvimento sustentável. A título ilustrativo merece destaque o recente acórdão do Supremo Tribunal Federal, envolvendo a conjugação dos princípios da atividade econômica de um lado e de outro os princípios ambientais: ―Suspensão de tutela antecipada. Importação de pneumáticos usados. Manifesto interesse público. Grave lesão à ordem e à saúde públicas. (...) Importação de pneumáticos usados. Manifesto interesse público. Dano 101 MILARÉ. Edis. Direito do Ambiente. 4ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 158. ALMEIDA, Maria Cecília Ladeira de. A tutela ambiental como instrumento da garantia do desenvolvimento na ordem constitucional, in: Revista da Faculdade de Direito – Fundação Armando Alvares Penteado, FAAP, Ano 1, n. 1, 1002, SP, p. 232-233. 102 52 Ambiental. Demonstração de grave lesão à ordem pública, considerada em termos de ordem administrativa, tendo em conta a proibição geral de não importação de bens de consumo ou matéria-prima usada. Precedentes. Ponderação entre as exigências para preservação da saúde e do meio ambiente e o livre exercício da atividade econômica (art. 170 da Constituição Federal). Grave lesão à ordem pública, diante do manifesto e inafastável interesse público à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da Constituição Federal). Precedentes. Questão de mérito. Constitucionalidade formal e material do conjunto de normas (ambientais e de comércio exterior) que proíbem a importação de pneumáticos usados. Pedido suspensivo de antecipação de tutela recursal. (...) Impossibilidade de discussão na presente medida de contracautela.‖ (STA 171-AgR, Rel. Min. Presidente Ellen Gracie, julgamento em 12-12-07, DJE de 29-2-08). No mesmo sentido: STA 118-AgR, Rel. Min. Presidente Ellen Gracie, julgamento em 12-12-07, DJE de 29-2-08 Em linhas gerais, o princípio do desenvolvimento sustentável deve ser compatibilizado com a atuação da economia na preservação do equilíbrio ecológico. Nessa perspectiva, foi conceituado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento desenvolvimento sustentável - como aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades. Assim, um dos princípios do Direito Ambiental, consagrado pela doutrina, refere-se ao princípio da prevenção que pode ser visto, como um quadro orientador de qualquer política moderna do ambiente. Deve ser dada prioridade, para as medidas que evitam agressões ao meio ambiente103. No Brasil, a política tributária com fins meramente arrecadatórios é regra, e o volume de recursos obtidos sempre é denunciado pelo governo como insuficiente. No entanto, mesmo possuindo todos os mecanismos tributários, os recursos obtidos não são aplicados na satisfação dos anseios da comunidade. 1.4 O PAPEL DO ESTADO NA DESTINAÇÃO DA RECEITA PÚBLICA O Estado tem o dever de instituir e cobrar tributos para poder fazer frente às despesas necessárias para a sua manutenção, e também custear as necessidades imediatas e mediatas da população. O ideal é que a tributação contribua para otimizar a distribuição de renda da população, inibindo, pelo peso do tributo, a formação de grandes fortunas individuais. 103 CORREIA, Fernando Alves apud Toshio Mukai, direito ambiental sistematizado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, p. 29. 53 A tributação deve ser realizada considerando as garantias protetoras da função social do tributo, com relação aos contribuintes, dispostas no texto constitucional. Tributo constitui-se em uma contribuição pecuniária e compulsória, com amparo em lei, exigida pelo Estado, calculada com base na renda do contribuinte, ou pelo fato deste possuir uma propriedade, ou ainda a partir de seu consumo de produtos ou serviços, devendo guardar respeito à sua capacidade contributiva, a fim de que o ente estatal reúna recursos financeiros necessários para proporcionar o bem-estar social a todos que vivem sob aquela jurisdição. O Estado tomou para si a função de pugnar pela prosperidade material e moral das pessoas que vivem sob a sua jurisdição, bem como a responsabilidade de proporcionar-lhes bem-estar social, razão pela qual arrecada o tributo, porque nele vê o seu sustentáculo financeiro para fazer frente às necessidades de investimento e de manutenção das necessidades de uma sociedade organizada e de sua máquina administrativa. Para tanto, o Estado deve utilizar o produto da arrecadação do tributo como instrumento para realizar uma justa distribuição de riquezas e para promover a paz social. Esse objetivo é perpetrado mediante o emprego de uma ação econômica, porém de cunho eminentemente social, vez que tem por escopo compensar as desigualdades sociais, por meio da taxação evolutiva do tributo, visando a inibir o crescimento vertiginoso das riquezas individuais de uma classe minoritária, para que ocorra o fortalecimento econômico de uma grande maioria desfavorecida. O Estado deve utilizar a receita originária da arrecadação do tributo para regular a produção, como medida econômica para atingir benefícios sociais, para preservar a livre concorrência interna, garantir o direito da livre iniciativa e impedir a especulação das economias externas que visem debelar a economia interna. O Estado deve, ainda, empregar os recursos arrecadados da receita tributária para agilizar a circulação econômica, atuando como agente alavancador da economia em situações pontuais em que se detectam esmorecimentos ou mesmo estagnação dos meios circulantes, concedendo, para tanto, subsídios fiscais ou financeiros, isenções ou até mesmo imunidades tributárias (estas últimas, mediante emendas constitucionais). No que diz respeito à destinação de verbas para diminuição dos desequilíbrios regionais, a Constituição Federal prevê a participação em fundos. Isto é, as receitas ingressam nesses fundos, inicialmente, para depois serem distribuídas de acordo com critérios 54 estabelecidos por lei. O Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e o Fundo de Participação dos Municípios são formados por parcela da arrecadação da União pelos impostos cobrados sobre a renda e sobre produtos industrializados (art.159, I da CF). Assim, 47% da arrecadação da União devem ser distribuídos aos beneficiados, sendo que 21, 5% são para o fundo dos Estados e 22,5% para o dos Municípios. O parágrafo 1º da Constiuição Federal, assevera que os 3% restantes devem ser destinados pela União, aos programas de financiamento ao setor produtivos das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, por intermédio de suas instituições financeiras de caráter regional e de acordo com os planos de desenvolvimento regional. No que toca à região Nordeste, destaca-se mais uma exigência: deve ser assegurada ao semi-árido nordestino a metade dos recursos destinados a essa Região. A Carta Constitucional prevê como combate às desigualdades regionais, além da criação desses fundos de participação (repartição de rendas) e do Federalismo Cooperativo, o planejamento. Trata-se de uma programação das políticas públicas de longo prazo, com sua proposta de racionalização da atuação federal para o equilíbrio das regiões. O orçamento é considerado instrumento do planejamento público. Necessário se faz observar que este orçamento (planejamento) deve produzir mudanças significativas no plano sócio-ambiental. Não pode ser interpretado unicamente no sentido de equacionar a receita e a despesa. Como o orçamento deve ser formado principalmente pelo pagamento de tributos pelo contribuinte, salienta-se aqui a necessidade da comunidade conhecer este orçamento e a efetiva aplicação do mesmo. Por meio dos orçamentos públicos é que se decidem onde os recursos públicos devem ser aplicados. Ou seja, a criação de uma área de preservação ambiental municipal e o aumento dos recursos na área do saneamento básico, são alguns exemplos de iniciativas que requerem a previsão orçamentária. Os munícipes demonstram o exercício de cidadania e atuação democrática quando exercem o direito garantido pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), de participar da vida social de seu município, por meio do orçamento participativo, das audiências públicas entre outras manifestações inerentes. Por intermédio desta lei foi criada a garantia do direito às 55 cidades sustentáveis, quando estabelece a previsão de utilizar incentivos e benefícios fiscais e financeiros, como instrumentos do planejamento urbano (art. 4º, IV), contemplando a participação da população no desenvolvimento da política urbana. A implantação dos instrumentos de política urbana prevista no Estatuto da Cidade deve ser desenvolvida, contando com a participação do Poder Público e da sociedade, mediante as diretrizes estabelecidas naquele estatuto. A perspectiva da participação popular não assume caráter meramente opinativo, mas de intervenção, com a efetiva participação da sociedade na formulação, execução e acompanhamento dos planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.104 A ênfase dada ao planejamento municipal, por meio do Estatuto da Cidade, diz respeito ao equilíbrio ambiental. O inciso IV do art. 2º do referido Estatuto,105 traz como diretriz básica o planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente. O Plano Diretor assume sua função essencial no implemento destas políticas, sendo inclusive obrigatória a inclusão de metas e diretrizes tratadas pelo diploma urbanístico, como de execução nas leis orçamentárias do município. Assim, uma cidade bem planejada poderá fazer uso de forma correta destes instrumentos de política urbana, sem distorções, o que favorecerá a implementação de um desenvolvimento urbano sustentável. Referido artigo demonstra a importância fundamental que o legislador deu à questão ambiental, à preocupação com as presentes e futuras gerações, e à afirmação de que as cidades devem ser sustentáveis. 104 O Estatuto da Cidade (Lei 10.251/01) incorpora a ideia da participação direta e universal dos cidadãos nos processos decisórios da política urbana, tornando obrigatória a participação popular na definição da política urbana (artigos 43 a 45). Estão previstos instrumentos como conferências e conselhos de política urbana nos âmbitos nacional, estadual e municipal audiências e consultas públicas, além da obrigatoriedade de implementação do Orçamento Participativo. Estes instrumentos devem ser utilizados pelos municípios para abrir espaço para os interesses dos cidadãos em momentos de tomada de decisão a respeito de intervenções sobre o território, e são obrigatórios nos Planos Diretores. (Lei 10.257/01) 105 - Dispõe o artigo 2º do Estatuto da Cidade: Art. 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações. 56 Cabe ao Poder Público municipal a implantação do Estatuto da Cidade. Mas, o mais importante que deve ser destacado é a participação da sociedade civil organizada nessa nova política, que se dará com a gestão democrática. De igual modo, terá conhecimento dos incentivos fiscais concedidos pelo município e suas peculiaridades. Hely Lopes Meirelles escreveu que ―a atuação municipal será, principalmente, executiva, fiscalizadora e complementar das normas superiores da União e do Estadomembro, no que concerne ao peculiar interesse local, especialmente na proteção do ambiente urbano‖.106 Assim, a execução da política urbana determinada pelo Estatuto da Cidade, deverá ser orientada em decorrência dos principais objetivos do direito ambiental constitucional, estatuídos no Plano Diretor. Para tanto, é necessário que o município tenha seu plano diretor. E este, deve definir todos os aspectos dispostos no Estatuto da Cidade e nas atividades do desenvolvimento urbano estabelecidas na Constituição Federal. Vale salientar neste ponto os escritos de Edis Milaré, quando ensina que: [...] a variável ambiental vem sendo, cada vez mais, introduzida na realidade municipal, para assegurar a sadia qualidade de vida ao homem e ao desenvolvimento de suas atividades produtivas. Isto é sentido sobretudo na legislação, com a inserção de princípios ambientais em Planos diretores e leis de uso do solo e, principalmente, com a instituição de sistemas Municipais de Meio Ambiente, e a edição de Códigos Ambientais Municipais. 107 Neste mesmo caminho o Estatuto da Cidade ressalta (art. 2º, incisos X e XI) a adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais. A lei108 destaca a adequação dos instrumentos de política, econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano. Assim, entende-se que deva existir, previamente, um planejamento de desenvolvimento urbano, para que haja uma adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira. E essa adequação seja de modo a privilegiar os 106 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 5ed. São Paulo: RT, 1981, p. 424. MILARÉ, Edis. Op. cit., p. 223. 108 Lei 10.251/01 – Estatuto da Cidade. 107 57 investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição pelos diferentes segmentos sociais, considerando as isenções e incentivos fiscais necessários à implantação de políticas públicas.109 O Plano Diretor aparece como o instrumento básico de adimplemento das políticas públicas idealizadas no Estatuto da Cidade. Referido Plano, tem o condão de por em prática as previsões constantes do Art. 2o do Estatuto, estando aí inclusas as previsões quanto ao Meio Ambiente. Deve também delimitar as zonas industriais, comerciais, residenciais, criação de parques, praças, áreas de proteção ambiental dentro das cidades, além das demais áreas que deve mencionar. Assim, podem ser tomadas medidas de modo que aquilo que for de interesse local no tocante ao Meio Ambiente seja resguardado de modo a atender os anseios da população. Pela leitura dos artigos que versam sobre o Plano Diretor pode-se notar que deverá integrar cidade e campo, ou seja, tem como atuar muito mais eficazmente englobando o Meio Ambiente em seus diversos aspectos, atendendo assim à área urbana e zona rural no todo. Dessa forma, o Plano Diretor mostra-se como o instrumento primordial para que se tenha dentro do Município uma efetiva proteção ao Meio Ambiente, fazendo com que os preceitos mencionados no Estatuto da Cidade sejam postos em prática e assim, ocorra realmente o alcance do previsto na Constituição Federal no tocante ao direito que todos têm ao Meio Ambiente sustentável, de forma equilibrada. Assim, deve o Município aprovar as isenções e incentivos fiscais, considerando as disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal, o desenvolvimento econômico e social, devendo o legislador considerar, em primeiro plano os princípios constitucionais tributários, especialmente o da igualdade entre os contribuintes que se encontram na mesma situação. 109 KIRZNER, Vânia. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Disponível em:< www.jus.com.br/doutrina.> Acesso: 12 nov. 2009. 58 2- SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL E A FUNÇÃO SOCIAL DO TRIBUTO Foi na pré-história, no período neolítico, também conhecido como idade da pedra polida, que o homem começou a cultivar a terra, domesticar e criar animais e ainda a estocar alimentos. Nesse período formaram-se as primeiras aldeias. O homem se torna gregário. Aos poucos surge em tais comunidades a necessidade de união de todos para satisfação de interesses comum como a busca de proteção e defesa contra os predadores e tribos inimigas, assim, surgindo as figuras dos primeiros líderes, geralmente, escolhido o mais respeitado por todos, por sua força, ou por sua coragem, sabedoria, ou, pela magia da crença. Cabiam aos líderes as funções de administrar, liderar o grupo, solucionar os conflitos e garantir a paz. Provavelmente, aí se encontra a mais primitiva ideia de Estado, surgida no momento em que um indivíduo coloca-se, ou são colocados a serviço do interesse coletivo. Por consequência, os membros dos grupos a princípio, voluntariamente, procuravam retribuir ao líder os favores prestados em torno do interesse de todos, oferecendo presente ou garantindo seu sustento. Nesse sentido, primariamente, fazendo aparecer a ideia de tributo, por intermédio dos recursos que entregavam ao chefe110. Em outro momento primitivo da historia da humanidade, verifica-se novamente a ideia de tributo, quando os líderes tribais governantes, procuram legitimar a cobrança de valores, vinculando o caráter divino do poder político, ou de outro modo, justificando a necessidade de captação de recursos para fazer face à proteção que o soberano oferecia aos seus súditos em caso de conflitos armados com outros povos111. Assim, aparece a expressão tributo que deriva do latim “tributum”, que significa dividir ou repartir entre a tribo. Nesse sentido, seguindo o curso da história, necessário se faz salientar, que os tributos eram cobrados também, dos povos vencidos nas batalhas, ou saqueados em guerras, e por consequência, tidos como conquistas. Impende ainda ressaltar que a evolução histórica dos tributos passou pelas diversas formas de Estado, ora como oferendas em homenagem ou sacrifício à divindade, ou como 110 SILVA, Edson Luís da. PIEDADE, Francelena Santos Arruda. Um convite à cidadania. Porto Velho: Editora Leonora, 2003, p. 29-30. 111 SINDICATO DOS AGENSTES FISCAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO. A história dos Tributos no Brasil. São Paulo: SINAFRESP, 2000, p. 12. 59 indenização de guerras ou imposição do vencedor ao vencido, satisfazendo interesses e necessidades do soberano, ou financiando determinadas atividades indispensáveis à coletividade. Assim, a compreensão rudimentar de que o Estado decorre do pacto realizado entre indivíduos, os quais delegam uma parte de sua liberdade a um determinado ente que assume a responsabilidade de gerência e manutenção da sociedade, exige uma movimentação de despesas, em razão do que se impõe a geração de receitas para fazer jus a tais despesas. E é nesse contexto, que a tributação passa a ser instituída112. Nessa trajetória secular, o sistema tributário sofre transformações, por meio dos quais aparecem os impostos, taxas e contribuições da atualidade. Em artigo sobre a função social do tributo, Francisco Pablo Feitosa Gonçalves, acentua a vinculação do tributo com o direito e o estado nos seguintes termos: [...] Com o passar do tempo, à medida que as relações humanas se desenvolviam e o direito se separava da moral e da religião, suplantando-as como o melhor sistema de normas — coercitivo — capaz de reger a convivência humana. Conforme a societas se desenvolvia e ganhava ares de Estado e os socius se tornavam cidadãos, também o tributo confluía rumo ao direito e ao Estado, sendo instituído por este e regido por aquele, como que tencionando assumir ares de uma instituição justa e democrática.[...]113 Nesse diapasão, impera enfatizar que na antiguidade, o tributo cobrado como imposição dos vencedores aos vencidos, o qual visava arrecadar para a nação vencedora os recursos retirados dos vencidos, não constituía na única forma de tributo. No Egito, o agricultor era obrigado a entregar parte das colheitas, bem como, trabalhar nas construções de templos, palácios ou algo no gênero da construção civil. Desta forma, observa-se que além de contribuir coercitivamente com o produto adquirido pelo trabalho, tinha de empreender esforços para a construção de monumentos, visando o enriquecimento da nação vencedora. 112 NICÁCIO, Antonio. Primórdio do direito tributário brasileiro. São Paulo: LTr, 1999. p.45. apud, BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. A resistência ao pagamento de tributos no Brasil: Uma breve análise histórica e humanística. Disponível em: http://www.fiscosoft.com.br/main_index.php?home=home_artigos&m=_&nx_= &viewid=121815 . Acesso: 06 jul. 2009. 113 GONÇALVES, Francysco Pablo Feitosa Gonçalves. A função social do tributo: a necessidade de uma abordagem sociológica da tributação. Disponível em: < http://www.jusvi.com/artigos/37512 >. Acesso em: 22 jul. 2009. 60 Foi na antiga Grécia em 477 a.C., o surgimento a que hoje denominamos de imposto com finalidade social. Evidenciando que o tributo deixava de ser usado para atender às necessidades e conveniências de um governante, para ser usado em benefício do povo.114 Nesse contexto, observa-se que os gregos, precocemente, administravam em conformidade com o que denominamos hoje de sistema tributário, de forma muito intuitiva e primária, mas procurando manter equilíbrio contábil entre a receita e a despesa, identificando assim o modelo ateniense. Não determinaram a natureza do tributo, das taxas, e das contribuições levada a efeitos pelos cidadãos, apesar de as arrecadarem. Arnaldo Moraes Godoy, ressalta que ―os cidadãos contribuíam para a mantença do Estado, mediante doações voluntárias (epidóseis), cuja natureza não se afina ao conceito de tributos, de nosso sistema, como consignado no artigo 3º do Código Tributário‖115. É fato merecedor de destaque que foi a Grécia que instituiu o tributo administrado pelo Estado como conhecemos hoje116, nessa dicção, para melhor compreensão deste estudo faz-se necessário acentuar as conclusões de Moraes Godoy sobre a contribuição da Grécia no contexto evolutivo do tributo: Aparentemente não há racionalidade no modelo tributário helênico, que não alcançou objetivamente patrimônio, renda, serviços. Verifica-se uma prática intuitiva. Não há gritantes problemas de aceitação (exceto nas imposições de guerra, bem entendido), o que indica provável sintonia entre a arrecadação e a despesa, embora convém que se lembre tratar-se de uma sociedade escravocrata. Mesmo na época dos tiranos (cujo conceito diverge do sentindo moderno da expressão), não há claras referências à tributação excessiva. O equilíbrio contábil entre a entrada e a saída parece informar a essência do modelo tributário ateniense. E, a adotarmos uma posição ciceroniana117 (historia magistra vita est118), esse equilíbrio faz as vezes de lição da história, um exemplo a ser seguido119 Assim, importa também esclarecer que a civilização romana ficou famosa pelo seu esmerado senso de organização e pelo dinamismo de suas instituições, marcada por inúmeras conquistas e ampliação territorial de seu domínio. Após conquistar os gregos, descobriram 114 SILVA, Edson Luís da e PIEDADE, Francelena Santos Arruda. Um convite à cidadania. Porto Velho: Editora Leonora, 2003, p. 31. 115 GODOY, Arnaldo Moraes. Notas sobre o direito tributário na Grécia Clássica. Revista de Informação Legislativa. Ano 36, n.142, Brasília: Senado Federal, 1999, p. 5. 116 Programa Nacional de Educação Fiscal (Brasil). Sistema tributário nacional. Programa Nacional de Educação Fiscal. Brasília: 2004. p. 20. 117 Referencia ―a uma posição ciceroniana‖, significa dizer sobre a tendência de Marco Túlio Cícero, ilustre filósofo,orador, escritor, advogado e político romano, para mudar a sua posição em resposta a mudanças no clima político e no curso da história. 118 História magistra vita est, significa dizer que a ―história é professora da vida‖. 119 GODOY, Arnaldo Moraes. Op. cit., p. 5. 61 que poderia conquistar outros povos sem impor a eles sua cultura, crenças e costume, utilizando da instituição e cobrança de impostos para sustentar suas legiões de soldados e conquistar mais terras e povos. Tal atividade expansionista do império romano veio a ocasionar gastos de tal magnitude que, ao serem repassados aos contribuintes, tornavam a carga tributária excessiva e até certo ponto espoliativa, provocando significativa rejeição social e estimulando a sonegação, que passaram a exigir mecanismos inibitórios. Os romanos cobravam impostos diretos sobre as pessoas, a propriedade incluindo sobre as terras conquistadas e, também cobravam impostos indiretos incidentes sobre as heranças, as vendas, os litígios, e ainda sobre as indústrias, as profissões, e, outras atividades humanas produtivas. Enfim, criaram diversos impostos e taxas, inclusive, sobre colunas, portas, janelas, ruínas bens e serviços entre outros. Contudo, cada um dos tributos e taxas teve sua própria história, sua origem, evolução e dificuldades de sustentabilidade.120 Em que pese o exemplo da prática intuitiva grega de imprimir aos tributos, mesmo que de forma incipiente um fim socialmente justo, ―o processo de transformação do tributo no instituto justo não foi exatamente contínuo e progressivo, uma vez que consistem na forma mais prática e efetiva de arrecadação de numerários para o Estado, os governantes não raro tendiam a tributar em excesso e de forma arbitrária‖121. Com a queda do império romano, a noção de Estado, ainda rudimentar, na Europa medieval perdeu-se completamente. Os nobres detentores de grandes extensões de terras constituíram-se em feudos, onde se fizeram senhores absolutos, fazendo surgir o que se chamou de sistema feudal, que segundo a cátedra de Anderson Menezes foi assim definido: [...] é um sistema de dependência territorial nas relações entre os homens, associado, na prática, à autoridade política e à influência religiosa. Os homens punham-se debaixo da proteção dos proprietários, ficando, em troca, ligados ao solo e sujeitos à prestação de serviços. Assim faziam camponeses, guerreiros e até nobres e reis, que concediam terras a seus servidores, mediante o cumprimento de certas obrigações, especialmente militares [...].122 120 BOUCHER, Hércules. Estudo da mais-valia no direito tributário brasileiro. Tomo I, Parte Geral. São \Paulo: Freitas Bastos, 1964, apud, TONETTO, Jorge Luís. O direito tributário em Roma . Disponível em: <http://www.sindaf.com.br/Downloads/Arquivo/Artigos/O%20Direito%20Tributário%20em%20Roma.pdf> . Acesso em: 26 jul.2009. 121 GONÇALVES, Francysco Pablo Feitosa Gonçalves. A função social do tributo: a necessidade de uma abordagem sociológica da tributação. Disponível em: <http://www.jusvi.com/artigos/37512>. Acesso em: 22 jul. 2009. 122 MENEZES, Aderson de. Op. cit., p.115. 62 Os feudos possuíam cercas que davam segurança a quem vivesse dentro, em virtude do que era cobrado do servo ou camponês o período de 3 dias de serviços em favor do senhor feudal. Essa forma de imposto era denominada de corvéia, e quem não pagava, era colocado para fora do feudo, ou podia ser preso, ou morto. O senhor feudal detinha poder de vida e morte sobre seus vassalos. Como não havia Estado, a circulação de moedas era escassa. Desse modo, os servos sujeitavam-se ao pagamento de tributos, quer por meio da corvéia ou, entregando ao senhor feudal a melhor parte de suas colheitas.123 Num primeiro momento da Idade Média houve um significativo declínio das atividades produtivas, uma vez que a produção se restringia às atividades exclusivamente rurais, suficientes apenas para garantir a subsistência das famílias. O comércio ou sistema de trocas era insignificante, uma vez que não havia excesso de produção. A moeda era precária, e as estradas romanas, outrora bem conservadas tornaram-se intransitáveis, a partir do aparecimento dos feudos124. Após um longo período de estagnação, o comércio renasce, fazendo aparecer mascates que aos poucos iam se estabelecendo e formando núcleos comerciais integrados por artesões de família que abandonavam o campo, de servos fugitivos ou libertos e também de homens livres, atraídos pelo comércio e pelo sonho de melhoria da qualidade de vida. Embora coexistindo relações feudais e relações capitalistas mercantis, ainda assim, persistia o sistema feudal, pois admitiam os senhores feudais a cobrança de impostos elevados e pedágios, sob o fundamento de que as cidades que se formaram, estabeleceram-se dentro de seus feudos. Isto favoreceu o surgimento de lutas pela libertação de suas cidades, também denominadas de burgos, estabelecendo governos próprios. Em alguns casos, essa liberdade era obtida gratuitamente ou comprada, mas em outros casos, era conseguida por intermédio de batalhas entre exércitos formados pelos seus moradores, e pelo nobre dominador.125 Tal necessidade de formação de um mercado nacional liberto dos entraves feudais levou os burgueses a apoiar a realeza em suas pretensões centralizadoras contra a poderosa nobreza 123 Programa Nacional de Educação Fiscal (Brasil) Sistema tributário nacional / Programa Nacional de Educação Fiscal. Brasília: 2004, p. 23. 124 HUGON, Paul. Op. cit., p.45 125 SANTOS, Maria Januária Vilela. Op. cit., p. 161. 63 feudal, possuidora de privilégios seculares,126 dando lugar ao surgimento do que se chamou de Estado Moderno. A ideia do poder unitário e soberano surgiu com o aparecimento do Estado moderno, mesmo que monárquico, conforme esclarece a doutrina, quando salienta, que o disciplinamento legal do tributo volta à carta magna da Inglaterra assinada por João Sem Terra em 1215, a qual instituiu deveres do soberano para com seus súditos e admitiu a possibilidade do monarca em instituir tributos e ao mesmo tempo impor limites ao poder soberano e trazer garantias ao contribuinte, ainda que minimamente. Vê-se ai, o surgimento do princípio da legalidade tributária. A expansão do comércio e, como conseqüência, as pressões de uma emergente classe social urbana na Europa exigiram, a partir do século XV, a intervenção de um Estado sólido e unificado. Para o pleno desenvolvimento das novas forças produtivas, era necessário um poder político forte e centralizado, capaz de suprimir boa parte das limitações ao tráfego interno de pessoas e bens (tais como tributos cobrados pelos inúmeros principados à passagem destes e daqueles) e de patrocinar tanto a exploração colonial como a guerra contra potências estrangeiras, que competiam no cenário comercial.127 Como a história já demonstrou que ―não há mal que sempre dure e nem bem que nunca acabe‖, o sistema monárquico começou a sofrer significativos desgastes, porque sua sustentação reclamava recursos além da capacidade patrimonial do monarca, levando progressivamente à proliferação de tributos e como consequência a insatisfação das classes urbanas contribuintes nunca poupadas pela tributação, mormente, considerando que a nobreza e clero gozavam de privilégios fiscais. Quando a relação custo-benefício da monarquia absoluta começou a se revelar negativa para novas classes urbanas – que não desfrutavam de privilégios fiscais e arcava com boa parte de uma tributação cada vez mais usada para sustentar as excentricidades de um establishment decadente -, teve início o movimento que, ao longo dos séculos XVIII e XIX, varreria o ancien regime e instalaria o modelo do Estado Liberal, supostamente dedicado às funções mínimas de segurança (interna e externa), jurisdição e normatização. Um modelo que permitiria à burguesia maior liberdade para acumular riquezas.128 126 AQUINO, Rubim Santos Leão de. et all. História das sociedades modernas às atuais. 24 ed. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1988, p. 23. 127 AGUIAR, Andre Brugni. Parafiscalidade, regulação e Estado na economia globalizada. in: DOMINGUES, José Marcos. Direito Tributário e políticas públicas. São Paulo: MP, 2008, p. 29. 128 AGUIAR, Andre Brugni. Op. cit., p.30. 64 Instituído o Estado liberal a partir da vitoriosa Revolução Francesa, surge como um terceiro desdobramento do Estado Moderno, representando um conjunto de ideias éticas, políticas e econômicas da burguesia que resistia ao sistema feudal e ao absolutismo monárquico, buscando a separação entre os assuntos do Estado e os da sociedade civil. O Estado liberal apresenta-se sob três dimensões: o liberalismo ético garantindo direito individuais e a liberdade de expressão; o liberalismo político, buscando nas teorias contratualistas as formas de legitimação do poder fundado no consentimento dos cidadãos e, o liberalismo econômico, opondo-se à intervenção do Estado nos negócios privados, pugnando pela máxima do “laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui-même” (deixai fazer, deixai passar, que o mundo anda por si mesmo). 129 A diversidade de situações que decorreram do liberalismo econômico levou, no século seguinte, ao surgimento, segundo André Brugni de Aguiar, ao que chamou de Era do Estado. Isto é, o surgimento de três modelos estatais, reclamando maior influência governamental na economia, digladiando na arena política mundial: o fascismo, o comunismo e o democráticointerventor. [...] Ao final da segunda guerra mundial, em que os dois últimos ganharam terreno, o modelo democrático, em sua vertente Keynesiana (alavancar o crescimento econômico por meio dos gastos públicos), incorporaria preocupação maior também com intervenção social, resultando no paradigma do Welfare State.130 Orçamento cíclico, previdência, assistência, seguro-desemprego, subsídios a saúde e à educação foram alguns do ingredientes que se tornaram onipresentes nos discursos tanto da esquerda como da direita da nações ocidentais, pouco importando quem estiver no poder. [...]131 A influência liberal estimulou o investimento privado na atividade industrial que gerava valor agregado superior ao do comércio e, consequentemente, um grande avanço industrial, que aos poucos foi revelando nocivo ao âmbito social, porque passou a apresentar um significativo passivo social, gerando desemprego e multiplicando a pobreza. ―A 129 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. MARTINS, Maria Helena Pires. Op. cit., p. 217. Welfare State deve ser compreendida como sendo um conjunto ações, serviços e benefícios sociais promovidos pelo Estado para garantia ao cidadão o mínimo de estabilidade social como mecanismo de minimização dos efeitos negativos da produção capitalista. 131 AGUIAR, Andre Brugni. Op. cit., p.31 130 65 tributação, nessa época, era vista sob uma perspectiva de troca: era o preço que a sociedade civil devia pagar pelas reduzidas funções do gendarme estatal‖.132 Em que pese o tributo tenha suas origens centradas tanto na contribuição voluntária do indivíduo à sociedade, decorrente da convivência humana, a exemplo da sociedade grega, como também tenha sua existência justificada pela violência, a exemplo da cobrança de tributos no império romano, no Estado Medieval e ainda no Estado Moderno, mesmo no período contemporâneo constata-se a exação de impostos, provocando descontentamentos e revoltas populares, a exemplo da rejeição de taxas nos EUA, que permitiu desencadear a luta pela Independência norte-americana e no Brasil, a exemplo da revolta tributária motivadora da Inconfidência Mineira, de modo a concluir que a regulação do tributo deve dar-se tão somente pelo direito.133 A tributação no Brasil iniciou a partir dos primeiros anos de colonização, a princípio incidindo sobre a exploração da madeira denominada de pau-brasil. Os exploradores se obrigavam a pagar à coroa portuguesa, o quinto do pau-brasil134. Este imposto era pago geralmente em espécie, uma vez que não havia circulação de moeda na colônia. Em virtude da instalação das capitanias hereditárias, novos impostos surgiram, geralmente, cobrados e pagos em espécie, incidindo sobre o monopólio do pau-brasil, sobre metais e pedras preciosas, pescados, colheitas e produtos fabricados, instituídos por meios de atos dos reis de Portugal.135 A falha do sistema de capitanias hereditárias, somado à baixa arrecadação fiscal, levou o reino português a instituir uma administração centralizada na colônia, instalando o governo geral. Nesse período da colônia, verifica-se a existência de dois tipos de tributos. Um de natureza ordinária, denominado de ―rendas da real fazenda‖ e, incidia sobre o monopólio do comércio, direitos de alfândega, quinto dos metais e pedras preciosas; e a dízima, e, outro de 132 AGUIAR, Andre Brugni. Op. cit., p.31. GONÇALVES, Francysco Pablo Feitosa Gonçalves. A função social do tributo: a necessidade de uma abordagem sociológica da tributação. Disponível em: < http://www.jusvi.com/artigos/37512 >. Acesso em: 22 jul. 2009 134 MORAES, Bernardo R. Compêndio de direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2000. 6 ed.p. 108. 135 BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. A resistência ao pagamento de tributos no Brasil Uma breve análise histórica e humanística. Disponível em: < http://www.fiscosoft.com.br/main_index.php?home=home_artigos&m=_&nx_ =&viewid=121815 >. Acesso em 22 jul. 2009. 133 66 natureza extraordinária denominado de ―renda do governo geral‖ incidia sobre o monopólio de quaisquer engenhos, direitos de passagem dos rios, direitos dos escravos, quinto do paubrasil, fintas e contribuições. Continuavam sendo cobrados e pagos in natura, ante a inexistência de moeda.136 Com a chegada da família real ao Brasil e sua transformação em capital do reino, dentre outros avanços significativos para o Brasil, foi instituído o uso de moedas de ouro, prata e cobre nas transações negociais. Um novo tributo foi instituído com a finalidade de custear as despesas acarretadas com a mudança da família real. Fato que ressalta o uso de tributo para aumentar a receita pública com finalidades alienígenas de cobrir despesas alheias às necessidades e aos interesses públicos. Em março de 1824, a primeira Constituição Brasileira foi outorgada, sob a denominação de Constituição Política do Império do Brasil, influenciada pela Constituição Francesa de 1791 e pela Espanhola de 1812, consagrava o império do Brasil, uma nação livre e independente. A forma de governo estabelecida era monárquica, hereditária, constitucional e representativa, e o poder político era exercido por quatro unidades de poder: Os poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador.137 A Constituição do Império já consagrava também no âmbito da tributação o princípio da legalidade, quando decretou que nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei, e o princípio da irretroatividade ao dispor que nenhuma disposição legal poderia produzir efeito retroativo. Ainda se referindo à Constituição do Império, Maria Lúcia Bastos Saraiva Matos, em seu artigo sobre a evolução histórica do direito tributário, acentua: Mais especificamente em Direito Tributário, destaca-se a letra da carta magna que ninguém será isento de contribuir com as despesas do Estado e definia também que: a iniciativa sobre impostos era privativa da Câmara dos Deputados, que as contribuições diretas seriam estabelecidas anualmente pela Assembléia Geral, o Tesouro Nacional administraria a área e cuidaria da arrecadação e da contabilidade, cada província teria a sua Assembléia 136 MATOS Maria Lúcia Bastos Saraiva. A evolução histórica do direito tributário. Descrição histórica do Direito Tributário, sua evolução e surgimento de alguns tributos até a Constituição de 1988. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3931/A-evolucao-historica-do-Direito-Tributario>. Acesso em: 22 jul. 2009. 137 Idem, ibidem. 67 Legislativa para legislar sobre a repartição da contribuição direta pelos municípios, bem como a fiscalização do uso de suas rendas.138 A proclamação da República em 1889 trouxe como consequência imediata o rompimento das relações entre a Igreja e Estado, proporcionando significativa redução de despesas. A Constituição da República, promulgada em 1891, consagrou o federalismo e no âmbito tributário fixou a competência fiscal da União e dos Estados, estabelecendo concorrência tributária entre União e Estado e a exclusão dos Municípios da competência fiscal, sujeitando-os à competência do Estado.139 E, é nesse contexto, que este estudo ressalta que a primeira regulamentação tributária brasileira deu-se próxima à Abolição da Escravatura e tinha característica do Imposto de Renda. Fiscalizava-se em nome do Estado, não nessa qualidade, pois os denunciantes objetivavam receber metade dos valores cobrados aos infratores, a título de sanção.140 A primeira disposição no Brasil sobre o imposto de renda, não especificamente com este nome, surgiu no início do segundo reinado com a Lei nº 317 de 21 de outubro de 1843, que fixou a despesa e orçou a receita. No ano de 1844, a cobrança da contribuição extraordinária sobre os vencimentos foi regulamentada pelo Decreto de n. 349 de 20 de abril de 1844. Assim, só contribuíam aqueles que recebiam vencimentos dos cofres públicos. Durante muito tempo, referida contribuição teve sua trajetória conturbada, pois em um momento era extinta, logo após retomava seu lugar. No entanto, só em 1922 foi criado o Imposto de Renda, por meio da Lei n. 4.625 de 31/12/1922, ―lei de orçamento‖. Assim, surge o Estado Novo, no governo de Getúlio Vargas, e é promulgada a Constituição de 1934, e, a partir daí, o Imposto de Renda passou a ter condão Constitucional. Nessa senda, aparece a tributação brasileira e sua função social. 138 MATOS Maria Lúcia Bastos Saraiva. A evolução histórica do direito tributário. Descrição histórica do Direito Tributário, sua evolução e surgimento de alguns tributos até a Constituição de 88. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3931/A-evolucao-historica-do-Direito-Tributario>. Acesso em: 22 jul. 2009. 139 BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. A resistência ao pagamento de tributos no Brasil. Uma breve análise histórica e humanística. Disponível em: Fiscosoft < http://www.fiscosoft.com.br/main_index.php?home=home _artigos&m=_&nx_=&viewid=121815 > acesso em 22 jul.2009. 140 Decreto n° 9.870, de 22 de fevereiro de 1988. 68 2.1 SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO: ASPECTOS RELEVANTES Foi a Constituição de 1934 que prestigiou os Municípios, quando definiu seus tributos próprios, aperfeiçoou a discriminação de tributos por competência, ampliando o elenco dos tributos da União e contemplando os Estados com impostos de vendas e consignações, vedando a bitributação e a impossibilidade do exercício cumulativo de competências, bem como manteve o princípio da legalidade e estabeleceu o princípio da liberdade de tráfego, introduziu um sistema mais rígido e foi considerada o embrião do ICMS, ao instituir o imposto sobre vendas e consignações. 141 Quanto à Constituição de 1937, esta manteve a rigidez da Constituição de 1934, conquanto, introduziu o imposto único sobre a produção e o comércio, de competência dos Estados. E a Constituição de 1946, foi o alicerce da EC 18/65, ao permitir o seu aperfeiçoamento por meio da implementação do Sistema Tributário Nacional. Além de ter apresentado representativas mudanças no sistema tributário nacional, transferiu para os municípios os impostos da indústria e profissões, antes competência dos Estados, levando os Municípios a participar da arrecadação de diversos tributos. Na década de 1950, foi elaborado um anteprojeto do Código Tributário Nacional sob o encargo do tributarista Rubens Gomes de Souza. Durante anos, o anteprojeto foi avaliado e discutido. A Lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966, deu origem à Legislação Tributária Nacional como decorrência da reforma iniciada pela Emenda Constitucional nº 18 de 1º de dezembro de 1965, pela qual se instituiu o Sistema Tributário Nacional. A Emenda Constitucional veio carregada de grandes modificações, trouxe um sistema único e nacional econômico e jurídico, em vez do sistema anterior, de origem política, com autônomos sistemas tributários federal, estadual e municipal. A legislação dos Estados e Municípios não tinha liame com a nacional e era arquitetada para aumentar as suas competências e alcançar mais receita. E, em consequência dessa mudança, o Brasil passou a ter um sistema tributário nacional. 142 141 CARNEIRO, Claudio. Curso de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009, p. 268. Memoria. Receita Federal. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/irpf/historia/ hist1964a1967.asp>. Acesso em: 16 set.2009. 142 69 As principais modificações com a publicação da Emenda Constitucional 18 de 1965 foram: Imposto de Consumo, que foi transformado no Imposto sobre Produtos Industrializados, o Imposto do Selo que foi extinto e criado o Imposto sobre Operações Financeiras. Também, foram instituídos impostos especiais sobre operações relativas a combustíveis, lubrificantes, energias elétricas e minerais do país. A Constituição de 1967 congregou a Emenda Constitucional nº 18 de 01 de dezembro de 1965, a qual estabeleceu uma autêntica reforma tributária do sistema, criando um capítulo singular na Constituição sobre o Sistema Tributário Nacional, o qual geriu o país até a promulgação da atual Constituição de 1988. A partir da Lei nº 5.172/1966 o Brasil sistematiza a tributação, por intermédio do Código Tributário Nacional, que ainda permanece em vigor, regulando junto à Constituição de 1988 a matéria tributária da nação. A Carta de 1988 acentuou a forma federativa do Estado brasileiro (art. 1º), em decorrência de tal postulado, os entes federativos tinham que receber normas que regessem a sua interação no que tange à garantia de receitas para as despesas existentes e às novas que lhes foram outorgadas. Para tanto, foi criado o Sistema Tributário, que encontra seu fundamento da validade na Constituição Federal, a qual pretendeu garantir a atuação harmônica dos entes federativos no trato da tributação. O Texto Constitucional trata do Sistema Tributário Nacional em seus artigos 145 a 162. Dispondo nos artigos 145 a 149-A a cerca dos ―Princípios Gerais‖, nos artigos 150 a 152 sobre as ―Limitações do Poder de Tributar‖, nos artigos 153 a 156 dispõe sobre a competência tributária dos diversos entes federados e, nos artigos 157 a 162 estebelece dispositivos a cerca da ―Repartição das Receitas Tributárias‖. Evidenciando de tal modo a autonomia do Direito Tributário, visto que possui institutos e princípios próprios (crédito tributário, lançamento, princípio da anterioridade), autonomia legal. A Constituição vigente reformulou o Sistema Tributário instituído pela Constituição anterior. Contudo não se pode dizer que houve uma reformulação profunda, uma vez que manteve grande parte dos preceitos já incorporados no ordenamento. Tanto que o Código Tributário Nacional foi recepcionado pela nova Constituição com status de Lei 70 Complementar, por estabelecer dispositivos gerais tributários compatíveis com a nova ordem tributária.143 Sacha Calmon Navarro Coelho assim descreve a estrutura normativa brasileira em matéria tributária: [...] Temos então, como ápice do sistema tributário, a Constituição. A partir dela, de cima para baixo, os entes normativos extraem os seus respectivos fundamentos de validez. O sistema é piramidal: União, Estados e Municípios recebem diretamente da Constituição as suas competências e as limitações a tais competências e exercitam-nas mediante a emissão de leis ordinárias (a União, em certas circunstâncias, mediante leis complementares tópicas). Todos, porém, devem obedecer às normas gerais veiculadas pelo Código Tributário Nacional e leis complementares subseqüentes. As leis complementares da Constituição condicionam as leis federais, estaduais e municipais nas matérias versadas pelas normas gerais.[...]144 Além da formação piramidal do sistema tributário, a qual decorre da própria característica rígida da Constituição Federal, também se detrai a ―dualidade‖ do aludido sistema, firmado em tributos propriamente ditos e contribuições sociais. Instituindo que os tributos convencionais têm que ser repartidos entre os entes da federação, submetem-se ao princípio da anualidade e não têm destinação específica. Conquanto que as contribuições sociais não têm que ser repartidas entre os entes da federação, não submetem ao princípio da anualidade e têm destinação específica. A incorporação da dualidade tributária não foi a única modificação da Constituição Federal de 1988 nas finanças públicas. Houve outras três mudanças importantes: O aumento da parcela do ―bolo tributário‖ destinada aos Estados e Municípios; os direitos sociais foram universalizados e ampliados com a criação da ―seguridade social‖ e o poder de criar novos impostos foi restrito à União. Essas três modificações foram decisivas. A primeira porque diminuiu respeitosamente os recursos à disposição da União quando da promulgação da Constituição; a segunda, porque ampliou expressivamente os encargos da última; e a terceira, porque deu condições à União 143 JAHA. Ali Mohamad. O sistema tributário nacional e a reforma tributária. Disponível em: <http:// faculdadeaprovacao.com.br/artigos/ALI_MOHAMAD_JAHA_o_sistema_tributario_nacional.pdf>. Acesso em: 16 nov. 2009. 144 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 7 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 70. 71 para remanejar os recursos que havia perdido. Assim, o método de recomposição das receitas da União não demorou em ocorrer. A Constituição Federal estabelece a autonomia política, administrativa e financeira dos entes federativos. A concessão destas três autonomias pressupõe a atribuição de competências tributárias privativas para os três níveis de governo (União, Estados/Distrito Federal e Municípios), a instituição de princípios tributários e de limitações ao poder de tributar, bem como a adoção de regras sobre a repartição de receitas tributárias. O conjunto de regras constitucionais que atribuem competências tributárias aos diversos entes federativos estabelece princípios tributários, limita o poder de tributar, e dispõe sobre repartição de receitas tributárias constitui a base do Sistema Tributário Nacional. Sobre o tema, ensina Sacha Calmon Navarro Coelho: ―Podemos estudar a Constituição Tributária em três grupos temáticos: a) o da repartição das competências tributárias entre a União, os Estados e os Municípios; b) o dos princípios tributários e das limitações ao poder de tributar; c) o da partilha direta e indireta do produto da arrecadação dos impostos entre as pessoas políticas da Federação (participação de uns na arrecadação de outros)‖. A concentração do poder político alçou o fortalecimento da Federação à condição de seu principal objetivo. Tal objetivo exigia, no que diz respeito às finanças públicas, o aumento do grau de autonomia fiscal dos Estados e Municípios, a desconcentração dos recursos tributários disponíveis e a transferência de encargos da União para aquelas unidades. A ampliação do grau de autonomia fiscal dos Estados e Municípios resultou de diversas alterações na tributação até então vigente, atribuiu-se competências a cada um. Quando o constituinte originário apresentou o Sistema Tributário Nacional, pretendia um sistema coerente e um tanto rígido. Essa noção do Sistema Tributário um tanto coerente e rígido acabou não imperando, à luz da jurisprudência do STF. Com a promulgação da Emenda Constitucional n.3, de 18 de março de 1993, o constituinte derivado acentuou modificações, no sistema originário. Dentre as modificações, supriu uma competência municipal e uma competência estadual para instituição de imposto e criou uma competência federal para a instituição do IPMF, demonstrando a necessidade de reformular o sistema. 72 Por todo esse contexto, percebe-se que a Reforma Tributária é imprescindível para criar condições para solidificar as melhorias, apressar ainda mais o crescimento econômico e a redução das desigualdades sociais e regionais. E é nesse diapasão que se insere o projeto de Reforma Tributária, respaldando os interesses dos Estados, Municípios, trabalhadores e empresários, tendo como objetivo central simplificar o Sistema Tributário e expandir o possível crescimento do País. A reforma tributária brasileira vem causando desconforto no panorama político e na sociedade. Especialistas no assunto debatem e demonstram a necessidade de mudanças no sistema. Para o professor Carlos Alberto Pereira, que participa de um grupo de estudo na área de tributação, a reforma tributária proposta pelo governo não é uma iniciativa integrada, mas sim um conjunto de ações isoladas. Afirma que: ―Não parece ser uma reforma que vise ações mais pontuais‖, considera o sistema tributário brasileiro muito complexo, pois é composto por poucas regras, muitas exceções, e, com frequentes mudanças.145 Além disso, ressalta: ―Essa complexidade acaba gerando muita dificuldade para as empresas atenderem à legislação fiscal e isso assusta o contribuinte. Acrescenta ainda o professor: Além da carga tributária que incide sobre as operações e renda das empresas, a produção, o consumo e a comercialização também são altamente tributados. De certa forma, isso é um impedimento para a economia se desenvolver‖. Assim, concorda que para uma reforma fiscal, o melhor caminho seria promover uma simplificação do sistema, que provocaria uma adesão espontânea do contribuinte, reduzindo, assim, a informalidade e a sonegação, bem como trazendo benefícios para a economia brasileira.146 A tributação aumentou consideravelmente. Atualmente, tem-se uma carga tributária que alcança aproximadamente 40% per capita do PIB (representando 160 dias de trabalho por ano). Portanto, demonstrando a obrigação da redução da carga tributária, a simplificação da escrituração, bem como a simplificação da cobrança, enfim, simplificando a quantidade de obrigações fiscais em que incorre o contribuinte, haja vista, termos uma das cargas tributárias mais elevadas do mundo.147 145 Painel: Reforma Tributária: Por um sistema mais justo e simplificado. Disponivel em: FEAUSP <www.fea.usp.br/noticias.php?i=106>. Acesso em: 27 nov. 2009. 146 Idem, ibidem.. 147 CARNEIRO, Claudio. Curso de Direito Tributário, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009, p. 272-273. 73 A obrigação de uma correção geral no complexo Sistema Tributário brasileiro é imprescindível. Ela impedirá os entraves para um cultivo mais eficiente e menos difícil, reduzirá a carga fiscal que incide sobre produtos e consumidores, estimulará a formalização e admitirá o desenvolvimento mais equilibrado dos Estados e Municípios, assim possibilitando aumento dos recursos da política de desenvolvimento regional. O sistema tributário brasileiro apresenta-se como um conjunto complexo, portanto, não surte efeito eficaz. É necessário um sistema mais simplificado, carecendo de uma reforma substancial e significativa para a sua efetivação. É intenso o questionamento sobre a carga tributária brasileira que incide sobre as pessoas físicas e jurídicas, bem como da necessidade de reformulá-la no sentido de reduzi-la. No entanto, pouco se questiona sobre a relevante necessidade de estabelecer a segurança jurídica como forma a permitir existência digna ao cidadão e, mormente, estimular o desenvolvimento econômico-social.148 2.2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR A Constituição Federal estabelece quais as espécies e as competências tributárias de cada ente político. Assim, os tributos estabelecidos na Carta Política devem ser instrumentos indicados para alcançar a arrecadação preconizada pela política financeira, sem contrariar os objetivos maiores da política econômica e social que orientam o destino do país. 149 É no campo tributário que as implicações atingem toda a sociedade e definem a estrutura econômica da nação. Devem ser pesquisados os próprios fundamentos da tributação para que ela atenda, já na sua origem, às razões de justiça em relação à oneração do tributo. No exercício de seu poder, o Estado determina que os indivíduos lhe aprovisionem os recursos de que necessita. Assim estabelece o tributo. A partir desta afirmativa, clarividente está que o poder de tributar nada mais é que uma característica da supremacia estatal ou uma porcentagem desta.150 148 CARNEIRO, Claudio. Curso de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009, p. 271. VINHA, Thiago Degelo. RIBEIRO, Maria de Fátima. Efeitos socioeconômicos dos tributos e sua utilização como instrumento de políticas governamentais.in Tributação, Justiça e Liberdade, coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Edison C. Fernandes, Curitiba: Ed. Juruá, 2005, p. 639. 150 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 53. 149 74 A Constituição traz em seu bojo o dispositivo jurídico para tributar, no entanto, o poder de tributar observará limites a serem respeitados. No Brasil, o poder de tributar é distribuído entre a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios. A este poder distribuído denomina-se de competência tributária, competência esta, estipulada pela Constituição Federal em seus Art. 150, e, Art. 151. As pessoas políticas, enquanto tributam, não podem agir de maneira arbitrária, sem obstáculo algum, diante dos contribuintes. Nas relações com eles, submetem-se a um rígido regime jurídico. Assim, ―regem suas condutas de acordo com as regras que veiculam os direitos fundamentais e que colimam, também, limitar o exercício da competência tributária, subordinando-o à ordem jurídica.‖151 Conforme foi observado, os direitos fundamentais do contribuinte devem merecer destaque não só no âmbito constitucional ou da legislação ordinária, e sim, a administração tributária deve fazer valer esses direitos, efetivamente em suas ações fiscalizadoras e aplicadoras das regras tributárias. Assim, para tributar, os legisladores ordinários deverão observar as imunidades dispostas na Constituição Federal. De acordo com o professor Hugo de Brito Machado, imunidade tributária é a limitação imposta pela Constituição quanto à incidência de tributos sobre determinados objetos a serem suportados por determinados sujeitos.152 Além das imunidades previstas na Constituição Federal, o legislador competente poderá prever as isenções tributárias. Esses dois institutos que não podem ser confundidos. A imunidade e a isenção são previstas no sentido de não pagamento de tributo. Pode-se, então, afirmar que a isenção é instituída por uma lei e a imunidade prevista na Constituição Federal. Sabe-se que a imunidade é uma forma de não incidência do tributo, pois impede que uma norma legal defina como fato gerador as matérias já imunes. Enquanto que a isenção não impede a instituição de tributo sobre os fatos previstos na norma isenta, assim, haverá a 151 CARRAZZA, Roque Antonio. Princípios constitucionais tributários e competência tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 140. 152 As imunidades podem ser: objetiva ou subjetiva. Um exemplo de imunidade objetiva é a do artigo 150, VI, "d", da Constituição, que veda a instituição de impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Exemplo de imunidade subjetiva é a do artigo 150, VI, "b", da Constituição, que veda a instituição de impostos sobre templos de qualquer culto. 75 ocorrência do fato gerador. No entanto, por ausência de previsão legal, haverá a sua exclusão. Nessa dicção, infere-se que a isenção, quando estabelecida por prazo indeterminado, pode ser revogada a qualquer momento, não restando alternativa ao contribuinte em questionar referido ato. Já a imunidade é garantida pela Constituição, não podendo ser revogada nem por emenda à Constituição. Quando tratar de imunidades protetoras dos direitos fundamentais, só poderá ser revogada perante uma nova Constituição. Segundo o entendimento majoritário, as imunidades tributárias são previsões constitucionais que limitam a competência tributária no sentido de impedir que as normas de tributação incidam sobre os fatos imunizados. Outrossim, calha notar que a imunidade a que alude o Art. 150, VI, da Constituição Federal refere-se, exclusivamente, para impostos, não sendo aplicável a taxas e contribuições. Contudo, necessário observar que existem imunidades para outros tributos que não sejam impostos. Conforme o qual se observa no Art.149, § 2º, I, no Art. 195, § 7º, e no Art. 5º, XXXIV, ―b‖, da Constituição Federal. Com referência aos princípios constitucionais, em destaque os princípios constitucionais tributários, de acordo com o professor Celso Antonio Bandeira de Mello, temse que: [...] princípio é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce deste, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo- lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.153 Vê-se, que a finalidade dos princípios é constituir a proteção ao cidadão contra os excessos do poder Estatal, busca a efetiva proteção ao contribuinte, sendo o Direito um instrumento de defesa contra o arbítrio, e a autoridade suprema constitucional que acolhe os mais admiráveis princípios jurídicos, é com primazia um instrumento do cidadão, contrapondo-se ao Estado. Não podendo ser chamado pelo Estado contra o cidadão.154 Os princípios constitucionais tributários norteiam a competência dos entes políticos, e junto com as imunidades, que são regras que impedem a tributação sobre certos bens, pessoas ou acontecimentos, determinam os limites ao poder de tributar destes entes políticos. O 153 154 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op. cit., p.747. MACHADO, Hugo de Brito.Op. cit., p. 56. 76 tributo é um modo irrefutável de limitação legal à liberdade e à propriedade privada, portanto, só o poder legislativo pode criar, modificar ou extinguir a espécie tributar. Necessário se faz uma breve análise dos mais representativos princípios constitucionais tributários como o da igualdade, da capacidade contributiva, da vedação do confisco, da legalidade tributária, da anterioridade e da irretroatividade, pois, é, estritamente, necessário que haja aplicabilidade de tais princípios para que se alcance tanto a justiça social, quanto a justiça fiscal. O princípio da igualdade ou da isonomia traz à baila o principal de todo o sistema tributário que, essencialmente, carecerá orientar as políticas governamentais, sendo que a estrutura tributária necessita ser conduzida no sentido da Justiça Fiscal, e os critérios deverão ter como finalidade alcançá-la. Ela tem de ser justa, de modo a fazer com que haja uma adequada distribuição do ônus tributário entre os indivíduos.155 De tal modo que, somente se alcançará a justiça fiscal, respeitando o princípio da igualdade, isto é, dividindo os encargos tributários entre os sujeitos de uma sociedade, resguardando as diferenças, como bem sustenta o artigo 5° da Constituição Federal ao dispor que: ―todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, estabelecendo uma garantia fundamental do cidadão.‖ No âmbito tributário, o princípio da igualdade apresenta-se determinante no art. 150, inciso II da Constituição Federal, vedando a qualquer ente federado instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. O princípio da igualdade não inquire uma igualdade tributária pura e simples, situa todos os contribuintes na mesma casta. O que ele realmente busca é a igualdade entre todos os sujeitos que estejam na mesma condição.156 Geraldo Ataliba afirma que: A igualdade é assim a primeira base de todos os princípios constitucionais e condiciona a própria função legislativa que é a mais nobre, alta e ampla de quantas funções o povo republicanamente decidiu criar. A isonomia há de se expressar, portanto em todas as manifestações do Estado, as quais, na sua 155 CONTI, José Mauricio. Princípios tributários da capacidade contributiva e da progressividade. São Paulo: Dialética, 1997, p.11. 156 RIBEIRO, Maria de Fátima. Considerações sobre o imposto de renda na Constituição de 1988. São Paulo: Resenha Tributária, 1990, p. 26. 77 maioria, se traduzem concretamente em atos de aplicação da lei, ou seu desdobramento. Não há ato ou forma de expressão estatal que possa escapar ou subtrair-se às exigências da igualdade.157 No entanto, para que se obtenha a igualdade entre os indivíduos, é necessário o acontecimento de mais um princípio, o da capacidade contributiva. Tal princípio, estabelecido no Art. 145,§ 1° da Constituição Federal institui que sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultando à administração tributária, especialmente, para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitando os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. Mizabel Derzi e Aliomar Baleeiro estabelecem que a capacidade contributiva: [...] é princípio que serve de critérios ou de instrumento à concretização dos direitos fundamentais individuais, qual sejam, a igualdade e o direito de propriedade ou vedação do confisco. [...] A capacidade contributiva é de fato, a espinha dorsal da justiça tributária.158 A partir dessa afirmação, depreende-se que o princípio da capacidade contributiva está inserido com a capacidade econômica do contribuinte que é revelada pela capacidade que esse possui de suportar o ônus tributário em razão de seus rendimentos. 159 O princípio da capacidade contributiva representa o desdobramento do princípio da igualdade, conjugado no campo tributário, tendo sempre como finalidade uma igualdade social onde os que tenham mais, paguem mais. O artigo 150, inciso IV da Constituição Federal afirma que o Estado não pode criar tributo que seja empregado como forma de confisco, o tributo não pode ser tão oneroso que atinja de forma acentuada o patrimônio do contribuinte. Tal dispositivo poderá ser evocado, sempre que o contribuinte sentir ameaçado, entender que seu patrimônio esteja sendo confiscado. Paulo Cesar Baria de Castilho destaca que, o confisco tributário consiste em uma ação do Estado empreendida pela utilização do tributo, a qual retira a totalidade ou parcela 157 ATALIBA, Geraldo. FOLGOSI, Roselea Miranda, República e Constituição. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.160. 158 BALEEIRO, Aliomar e DERZI, Misabel Abreu Machado. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 689 e 546. 159 CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit., p. 77. 78 considerável da propriedade do cidadão contribuinte, sem qualquer retribuição econômica ou financeira por tal ato.160 Para Luis Eduardo Schoueri: [...] o princípio da proibição de efeito de confisco implica um limite máximo para a tributação. Embora se encontrem tentativas, no direito comparado, de se localizarem limites quantitativos à tributação, no direito brasileiro hodierno inexiste semelhante indicação, cabendo ao aplicador da lei, valendo-se da razoabilidade, encontrar seus limites, tendo em vista os princípios da propriedade privada e da livre iniciativa.161 Para que o princípio do confisco tributário alcance seu fim, deve-se nortear pelo princípio da progressividade, uma vez, ser por meio deste o crescimento do percentual, pois a partir do momento que cresce a capacidade econômica contributiva cresce o imposto. Nesse sentido, haverá assim, um aumento mais que proporcional do imposto com o aumento da capacidade contributiva.162 O princípio da legalidade, por sua vez, garante que nenhum tributo será estabelecido, nem aumentado ou extinto, a não ser em virtude de Lei. Assim reza o Art. 150 da Constituição Federal, inciso I, que este determinado princípio é responsável pela limitação do poder de tributar, em razão da segurança jurídica dos contribuintes e da justiça. Não se pode conceber que a administração pública tivesse total liberdade na instituição e aumentos de tributos sem nenhuma garantia que protegesse o contribuinte. Alguns tributos podem ser acrescidos por meio de Decreto do Poder Executivo (IPI, Imposto de Importação, Imposto de Exportação e IOF), nos termos do § 1o do art. 153 da CF/88, assim implicando uma exceção ao princípio da legalidade. O princípio da anterioridade é um princípio especificamente tributário, pois, se estende apenas no âmbito dos tributos. Referido princípio, se encontra explicitado no Art.150, III, ―b‖ da Constituição Federal que afirma que: Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios [...] III – 160 CASTILHO, Paulo Cesar Baria de. Confisco tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 39. SCHOUERI, Luis Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 325. 162 CONTI, José Mauricio. Op. cit., p.75. 161 79 cobrar tributos [...]; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. No Brasil, o exercício financeiro inicia no dia 01 de janeiro e se estende até o dia 31 de dezembro. A finalidade do princípio da anterioridade é prevenir que os contribuintes não sejam surpreendidos com a instituição de novos tributos ou aumento de tributos existentes. É necessário que os contribuintes tenham tempo de conhecer as novas cobranças e se organizarem. As exceções a este princípio são os Impostos de Importação, os Impostos de Exportação, o IPI, o IOF, e os impostos extraordinários em caso de guerra. Neste sentido, Hugo de Brito Machado afirma que: A lei fiscal há de ser anterior ao exercício financeiro em que o Estado arrecada o tributo. Com isto se possibilita o planejamento anual das atividades econômicas, sem o inconveniente da insegurança, pela incerteza quanto ao ônus tributário a ser considerado. 163 O Supremo Tribunal Federal, por meio da ADIN 939164, afirmou que o princípio da anterioridade tributária é cláusula pétrea, pois incide em garantia individual do contribuinte, 163 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p. 59. EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direito de Natureza Financeira – I.P.M.F. Artigo 5º, § 2º, 6/, § 4º, incisos I e V, 150, incisos III, ―b‖, e VI, ―a‖, ―b‖, ―c‖ e ―d‖, d Constituição Federal. 1. A Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação e Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, I, ―a‖, da C.F.). 2. A Emenda Constitucional nº 3, de 1993, que no art. 2º, autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor no parágrafo 2º desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica ―o art. 150, III, ―b‖ e VI‖, da Constituição, porque, desse modo, viciou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, nãos outros): 1º - o princípio da anterioridade, que garantia individual do contribuinte (art. 5º, § 2º, art. 60, § 4º, inciso IV, e art. 150, III, ―b‖ da Constituição). 2º - o princípio da imunidade tributária recíproca (que veda a União, aos Estados , ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que é garantia da Federação (art. 60, § 4º, 5nc5s6 e art., 150, VI, ―a‖, da C. F.); 3º a norma que, estabelecendo outras imunidades, impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: ―b‖): templos de qualquer culto; ―c‖): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituiçõe3s de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e ―d‖): livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. 3. Em consequência, é inconstitucional, também a Lei Complementar nº 77, de 13.07.1993, sem redução9 de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28/ e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, ―a‖, ―b‖, ―c‖ e ―d‖ da C.F. (arts. 3º, 4º, e 8º do mesmo diploma, L. C. nº 77/93/. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator: , mantida com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar que suspendeu a cobrança do tributo no ano de 1993. 164 80 ratificando, o STF, a existência de direitos e garantias de caráter individual espalhados no texto constitucional. O princípio da anterioridade tributária não deve ser confundido com o princípio da irretroatividade que se encontra na posição de princípio geral do Direito e também no âmbito do Direito Tributário. O princípio da irretroatividade garante que a lei deve ser anterior ao fato que classifica juridicamente. O princípio da anterioridade também não se confunde com o princípio da anualidade, pois, este último além da lei da criação ou aumento do imposto, há necessidade de previsão da cobrança no orçamento de cada ano. Demonstrado está que a instituição e a criação de tributos são conduzidas pelos princípios constitucionais, uma vez, orientando e limitando o exercício do poder com a intenção de reduzir os excessos e abusos, no auxílio do cidadão contribuinte. Após a análise dos princípios fundamentais, um breve relato será feito sobre as espécies de tributos, isto é, dos impostos; das taxas; das contribuições de melhoria; das contribuições sociais e dos empréstimos compulsórios. Nessa acepção, impende salientar que antes da Constituição de 1988, só eram considerados como espécies de tributos os impostos, as taxas e a contribuição de melhoria, excluídos das espécies as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, além dos empréstimos compulsórios. O Art. 3° do CTN considera tributo ―toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.‖ Sob o ponto de vista do Professor Kiyoshi Harada ―tributos são prestações pecuniárias compulsórias, que o Estado exige de seus súditos em virtude do seu poder de império‖,165 conforme disciplina o art. 16 do CTN ao dispor que o imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. É, portanto, um tributo não vinculado, é devido pelo contribuinte livre de 165 HARADA, Kyoshi. Direito financeiro e tributário. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 313. 81 qualquer prestação por parte do Estado. Tem por objetivo atender os gastos gerais da administração. O Artigo 77 do Código Tributário Nacional refere sobre a taxa, como sendo um tributo que tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Geraldo Ataliba afirma em sua doutrina que a taxa, diferentemente dos impostos, tem o critério material da hipótese de incidência vinculado à atividade estatal, portanto, ela se classifica como um tributo vinculado. No que se refere às taxas, ela pode apresentar duas materialidades: serviço público ou atividade de polícia166. Portanto, quando a taxa for decorrente do serviço público, é necessária apenas a utilização potencial, conforme está expresso no texto constitucional quando se refere à atividade de polícia, tal atividade deve ser efetivamente usufruída. A contribuição de melhoria que é uma espécie de tributo vinculado é tributo cujo fato gerador está vinculado à atividade estatal. É um tributo do qual a obrigação tem como fato gerador a valorização de imóveis decorrente de obra pública. Referido tributo está disciplinado na Constituição Federal no Art. 145, bem como, no Art. 81 do CTN, e, no Decreto Lei N. 195/67. Há duas distinções fundamentais entre a taxa e contribuição de melhoria. A primeira, resulta na distinção entre obra e serviço, ao passo que a segunda implica que na contribuição de melhoria não basta a atividade, pois, é necessário que ocorra a valorização do imóvel do contribuinte.167 O artigo 148 da Constituição Federal aborda as hipóteses em que a União, por meio de lei complementar, pode instituir empréstimos compulsórios. O empréstimo compulsório também é considerado um tributo, e incide na cobrança compulsória de certa quantia de dinheiro a título de ―empréstimo‖, para que o contribuinte, posteriormente, faça o resgate em 166 167 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 146. MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p.451. 82 certo prazo instituído por lei. O empréstimo compulsório serve para auxiliar as situações excepcionais e só pode ser estabelecido pela União. Cumpre esclarecer que o artigo 149 da Constituição Federal estipula que é da competência da União fixar contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico de interesses das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas. E ainda mais, as contribuições sociais dividem-se em três subespécies, as que estão elencadas no Art. 149 da CF, que são as contribuições de intervenção no domínio econômico, as contribuições de interesse de categorias, e as do Art. 195 da CF, que são as contribuições de seguridade social. Diversamente dos outros tributos, as contribuições sociais não têm como finalidade abastecer o Tesouro Nacional de recursos financeiros, mas como bem assevera Luís Eduardo Shoueri, as contribuições sociais explicam-se pela necessidade de proverem à União os meios para sua atuação na área social.168 Portanto, as contribuições sociais não objetivam arrecadar, mas sim, prestar a finalidade a que se predestinam, que é, dar suporte à União em seu trabalho na área social. Na mesma dicção, dispõe o Art. 149-A que faculta aos municípios e ao Distrito Federal instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no Art. 155 inc. I e III no mesmo diploma, bem como faculta a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica. A cobrança para o custeio do serviço de iluminação pública- CIP, foi fruto da Emenda Constitucional – EC n. 39, de 19/12/02. A partir de então os Municípios da federação encontram base e fundamentação jurídica para a instituição da Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública, para desespero dos contribuintes, ainda mais porque o dispositivo constitucional deixou, a cargo dos Municípios, a instituição da CIP, por meio de Lei Complementar Municipal. Por força do parágrafo único, do art. 149-A, da CF, bem como pelo que for instituído nas respectivas Leis Complementares Municipais, estarão autorizados os Municípios a celebrarem contrato ou convênio com a empresa concessionária local para 168 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 223. 83 que a cobrança seja feita na fatura de consumo de energia elétrica, uma vez que a iluminação beneficia toda a coletividade, indistintamente. Por todo o contexto, evidenciada está a hegemonia do Estado face aos indivíduos, haja vista, possuir autoridade de regularizar as situações irregulares que se encontram no território. O Estado exerce sua vontade conforme a necessidade coletiva, sobrepondo-se às vontades individuais. 2.3 O TRIBUTO E SUA FUNÇÃO SOCIAL O Estado exerce várias atividades, tendo em vista a concretização do bem comum, e por sua vez essas atividades produzem despesas, e essas despesas têm que ser custeadas por alguém. O Estado, para arrecadar recursos extrai dos indivíduos de uma sociedade, prestações pecuniárias, para sua manutenção. Essa prestação pecuniária é denominada de tributo. Tomando o tributo como sendo ―toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa vinculada‖,169 tendo a finalidade, de servir como instrumento arrecadador de receitas para manutenção geral do Estado, cobrados da coletividade, observando a capacidade contributiva do cidadão contribuinte mediante critérios de dimensionamento e de preservação do mínimo vital e, da vedação do confisco. De outro norte, pode se destinar ao tributo, quanto a sua natureza, outro objetivo que não a mera arrecadação de recurso, mas o financiamento de determinada atividade, ou que sua cobrança estimule ou desestimule determinada atividade.170 Conquanto, quer de uma forma ou de outra, o tributo objetiva prover o Estado de recursos para o cumprimento de seus escopos fundamentais, dentre os quais se destaca a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Assim, deve ser considerada a delimitação constitucional da atuação do Estado. 169 Artigo 3º do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966). HACK, Érico. A sustentabilidade da tributação e a finalidade do tributo. Disponível em: < http://www.fae.edu/publicacoes/pdf/IIseminario/pdf_reflexoes/reflexoes_01.pdf >. Acesso em 28 jul. 2009 170 84 A cobrança de tributos tem como finalidade obter recursos para gerir as atividades do Estado. O cidadão, ao realizar o pagamento do tributo está contribuindo com o ente Estatal para que este realize os objetivos públicos em prol da sociedade. O contribuinte, em troca do pagamento dos tributos deve receber do Estado serviços que sanam as necessidades dos cidadãos, isto é, assentá-lo em ambiente saudável, rodeado do mínimo necessário para sua sobrevivência digna. Essa é a essência extraída dos princípios fundamentais. O contribuinte deve pagar os tributos respeitando sempre o princípio da capacidade contributiva inserida no art. 145 da Constituição Federal. Assim sendo, quem possuir maiores riquezas contribuirá em maior quantidade. A tributação social deve sempre respeitar a extensão individual e familiar, considerando a capacidade contributiva do contribuinte.171 Assim sendo, a política fiscal poderá ser dirigida no sentido de propiciar a evolução do país para objetivos puramente econômicos, como seu desenvolvimento e industrialização, ou também para alvos políticos e sociais, como maior intervenção do Estado no setor privado. A determinação do objeto da política fiscal integra as políticas governamentais. De igual modo, o Estado poderá atender suas finalidades por meio da distribuição de riqueza, satisfação das necessidades sociais, de políticas de investimentos, entre outras, que podem ser alcançadas por meio de uma política tributária e não necessariamente pela imposição tributária. A dificuldade de se estabelecer a justa medida, e as razões particularistas, tanto dos indivíduos como do Estado e de seus manipuladores, é que estão na raiz dos conflitos tributários e dos descompassos na justa distribuição dos encargos sobre os diversos segmentos da sociedade.172 A tributação social não destina apenas em atender ás necessidades mais elementares da população. A tributação deve respeitar a dimensão individual e familiar, considerando a capacidade contributiva entre outros princípios constitucionais de proteção ao contribuinte. 173 Sempre que a tributação impedir ou dificultar a realização do essencial em relação à sociedade ou parte dela e até mesmo a uma pessoa, será desmedida e poderá ter caráter 171 RIBEIRO, Maria de Fátima e GESTEIRO, Natalia Paludetto. A Busca da Cidadania Fiscal no Desenvolvimento Econômico: Função Social do Tributo. Disponível em:< http//www.diritto.it/archivio/1/20651/ pdf.>. Acesso em: 03 nov. 2009 172 Idem ibidem. 173 VINHA, Thiago Degelo. RIBEIRO, Maria de Fátima. Op. cit., p. 661. 85 confiscatório. Será desmedida também a tributação se os governos pretenderem arrecadar tributos, ultrapassando a soma necessária de dinheiro para o atendimento das necessidades sociais. Tal tributação provoca a transferência de valores dos contribuintes para o fisco, sem finalidade social. Enfim, é tributação social aquela que respeita o que é inerente à sociedade no contexto social dos ditames constitucionais.174 Por isso, referida tributação deve privilegiar as necessidades essenciais da população, destacando-se a alimentação, saúde, vestuário, moradia, educação, acesso ao trabalho, livre iniciativa, livre concorrência, diminuição das desigualdades regionais, entre outros aspectos. Na prática, tais posições devem ser efetivadas por meio de leis incentivadoras ou com tributações simbólicas para o atendimento à função social do tributo. O Estado, ao elaborar sua política tributária, deve levar em conta se o sistema tributário é justo, se trata de maneira igual todos os contribuintes que se encontram em situação idêntica, desigual os contribuintes em situações desiguais, e também se está adequado à distribuição de rendas, ao desenvolvimento econômico, principalmente, em determinadas regiões do país, favorecendo a política de estabilização da economia, ao combate do desemprego, ao controle da inflação, etc. Além da fundamental importância dos ditames das políticas tributária e social, deve ser destacado que o sistema tributário justo é aquele que contempla a sua implementação com base nos princípios constitucionais tributários, norteadores da conduta pública. Esta atuação insere-se no contexto da política tributária. Tem-se então que a política tributária é o processo que deve anteceder a imposição tributária. É, portanto a verificação da finalidade pela qual será efetivada ou não a imposição tributária. Deve ser ressaltado que a política tributária, embora consista em instrumento de arrecadação tributária, necessariamente, não precisa resultar em imposição. O governo pode fazer política tributária, utilizando-se de mecanismos fiscais por meio de incentivos fiscais, de 174 - WAGNER, José Carlos Graça. Penalidades e Acréscimos na Legislação Tributária. Resenha Tributária. SP, 1979, p. 310. Escreve o autor: A tributação social se atende ao que cumpre ao Estado, por força de sua própria razão de ser, não podendo este, sob a alegação de ser o anseio da sociedade, transcender ao seu fim natural, para ingressar na esfera das demais dimensões humanas. A própria lei tem um limite, que transcende. Esse limite é a natureza humana. 86 isenções, entre outros mecanismos que devem ser considerados com o objetivo de conter o aumento ou estabilidade da arrecadação de tributos. 175 Assim, necessário se faz a instituição do tributo para a realização de melhorias na vida social, alcançando dessa forma sua função social, mas desde que, o que foi arrecadado seja, realmente, aplicado pelas esferas estaduais, municipais e federais, sem nenhum desvio. A carga tributária imposta no Brasil é considerada elevada, isso faz com que haja um grande número de sonegação e inadimplência, perdendo assim, o tributo sua função de existir. A elevada carga tributária proporciona um engessamento no poder de investimento, tanto na pessoa física como na jurídica, pois, as empresas deixam de investir na mão de obra, tecnologia para os equipamentos que ocasionariam maior produção e aumentaria o consumo.176 É natural os indivíduos buscarem sempre melhores condições de vida, e, é coerente que seja por meio de seu trabalho diário. Em consequência disto, vem se destacando uma economia informal, que tem como efeitos colaterais a sonegação fiscal, acarretando prejuízos a todos os entes detentores de competência para tributar. Como já foi mencionado, existe a tributação fiscal e a parafiscal, portanto, sem permissão para confundir referidos institutos. Encontra-se a parafiscalidade quando a tributação tende a sustentar as atividades de interesse público desenvolvidas por entidades paraestatais. Hugo de Brito Machado afirma que na atualidade não se pode afirmar que existe um tributo exclusivamente fiscal. Pode-se em determinado sistema tributário, marcar um tributo com papel predominantemente fiscal, ou extrafiscal. Mas o sistema, como o todo, prevalece 175 - Gustavo Miguez de Mello assevera que a política tributária deve ser analisada pelos seus fins, pela sua causa última, pela sua essência. Na medida em que o poder impositivo deve questionar: Por que tributar? O que tributar? Qual o grau de tributação? Atendendo as perspectivas e finalidades do Estado estar-se-á executando política tributária. MELLO, Gustavo Miguez de. Uma visão interdisciplinar dos problemas jurídicos, econômicos, sociais, políticos e administrativos relacionados com uma reforma tributária. In: Temas para uma nova estrutura tributária no Brasil. Rio de Janeiro: Mapa Fiscal Editora, Sup. Esp. I Congresso Bras. de Direito Financeiro, 1978, p. 5. 176 VINHA, Thiago Degelo. RIBEIRO, Maria de Fátima. Op. cit., p. 661. 87 sempre à função extrafiscal.177 É um fato inquestionável dentro da doutrina majoritária: não há tributo exclusivamente relacionado à função extrafiscal, porque sempre haverá um grau mesmo que mínimo de fiscalidade. Luis Eduardo Schoueri, afirma que não se deve falar em tributos indutores, mas em normas tributárias indutoras, que apesar de não apresentarem uma função de regulação, são também normas que têm importância sob o aspecto da fiscalidade. Observa o referido autor quando dá razão a Ollero, ao afirmar que seria uma utopia jurídica e financeira desprezar a fiscalidade que é veiculada por normas indutoras.178 Isso porque as funções fiscal e extrafiscal do tributo formam, nessa perspectiva, dois fenômenos que se apresentam como duas facetas de uma mesma realidade.179 Não há uma resistência em geral por parte dos cidadãos em pagar tributos a partir do momento que essa prestação pecuniária esteja de conformidade com a capacidade de cada um. Devendo sempre haver uma reciprocidade do Estado com a prestação de serviços em benefício da sociedade. A realidade que circunda o Brasil é muito diferente, pois, a maioria dos brasileiros paga alta carga tributária nos impostos encravados nos produtos, até em produtos que compõem a cesta básica. Para que a função social do tributo atinja seu objetivo é necessário que o Estado destine corretamente os tributos arrecadados, e que o cidadão tenha conhecimento da sua destinação em prol da sociedade, assim, introduzindo no seu dia-a-dia hábitos fiscalizatórios, bem como hábitos de questionar as atividades desempenhadas pelo poder público. Portanto, a consciência fiscal do Estado e do cidadão é o instrumento mais apropriado para o desenvolvimento social. 177 MACHADO, Hugo de Brito. A função do tributo nas ordens econômica, social e política. in Revista da Faculdade de Direito Fortaleza, 28(2): jul-dez, 1987, p.7. 178 OLLERO, Gabriel Casado. Los Fines no Fiscales de los Tributos, Comentarios a La Ley General Tributaria y líneas para su reforma, Libro- homenaje al professor Sainz de Bunjanda. VV.AA, vol. I, Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1991, p.103-152(103-104). Apud, SCHOUERI, Luis Eduardo. Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.16. 179 ELALI, André. Incentivos Fiscais, Neutralidade da Tributação e Desenvolvimento Econômico: A questão da redução das desigualdades regionais e sociais. In Incentivos: questões pontuais nas esferas federal, estadual e municipal. Coordenadores: MARTINS, Ives Gandra da Silva. ELALI, Andre. PEIXOTO, Marcelo Magalhães. São Paulo: MP, 2007, p. 41 88 O desenvolvimento econômico está aliado à atuação do Estado. Assim, o Estado poderá atuar por meio da política fiscal e extrafiscal. Merece destaque a política extra-fiscal que está aliada ao intervencionismo, conforme já referenciado no presente estudo. A busca constante da justiça fiscal é a tônica maior do princípio da função social do tributo. Fundado no capitalismo, o Estado brasileiro tem como direito fundamental a propriedade privada, possibilitando aos indivíduos o acúmulo de recursos necessários para a sua sobrevivência. Entretanto, também dispõe, em seu art. 5º, XXIII, que a propriedade atenderá a sua função social, como forma de se preservar o princípio da igualdade, presente no caput do art. 5º da Constituição Federal. Por conseguinte, embora se preserve o Estado capitalista, este ganha contornos sociais, no sentido de desenvolver políticas sociais como forma de alcançar seus objetivos sociais (art. 3º, 193 e seguintes da Constituição Federal). Assim, os tributos também precisam preservar a sua função social, como forma de alcançar a justiça fiscal, como um dos objetivos do Estado brasileiro. Para que o Estado alcance suas finalidades socioeconômicas e desenvolva uma política governamental em prol dessas finalidades, faz-se necessário o respeito ao princípio da justiça fiscal, o qual somente poderá ser alcançado mediante a conjugação dos princípios da igualdade e seus desdobramentos, em conjunto com o princípio da função social do tributo, permitindo aos cidadãos viver com dignidade, possibilitando o desenvolvimento econômico adequado ao contexto social. 89 3. A EFETIVIDADE DOS INCENTIVOS FISCAIS AMBIENTAIS POR MEIO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES REGIONAIS A Constituição de 1988 ao definir a base do sistema jurídico, englobou e concretizou valores que marcam as diferenças próprias de um Estado dotado de desigualdades, objetivando mudanças que venham a beneficiar a sociedade. Também estabeleceu que o Estado brasileiro fosse uma Federação, já que coexistem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, personalidades jurídicas que exercem o poder político.180 Com a descentralização do exercício do poder político, torna-se mais fácil a prática de políticas diferenciadas para cada região. Portanto, o poder político para ajustar as necessidades da estrutura social, é exercido na Federação de forma descentralizada. No Brasil, adotou-se uma forma de repartição com competências tributárias, isso para garantir a cada unidade o montante de ingressos necessários à manutenção de sua independência.181 Observa-se que para a manutenção do Estado e de consequência o bem estar da sociedade, necessário se faz estabelecer ordens jurídicas coercitivas e preventivas, bem como definir como deve ser a ordem econômica, por intermédio de comandos com força normativa. É por meio da arrecadação de tributos que o Estado obtém recursos financeiros, haja vista, ser esse o instrumento basilar utilizado pelos agentes econômicos, para a aplicabilidade dos direitos e das garantias fundamentais impostos na Constituição Federal. A imposição tradicional tributária tem como finalidade essencial o arrecadamento de recursos financeiros para munir o custeio dos serviços públicos. Já a nomeada tributação extrafiscal não tem como objetivo principal a captação de dinheiro para o erário, e sim a promoção do desenvolvimento regional ou setorial, a defesa da indústria nacional, etc.182 A extrafiscalidade, como afirma Bezerra Falcão é ―a atividade financeira que o Estado exercita sem o fim precípuo de obter recursos para o seu erário, para o fisco, mas sim com vista a ordenar ou reordenar a economia e as relações sociais.‖183 180 MARTINS, Ives Gandra da Silva. ELALI, André. PEIXOTO, Marcelo Magalhães. Incentivos Fiscais: questões pontuais nas esferas federal, estadual e municipal. São Paulo: MP editora, 2007, p. 43. 181 SCHOUERI, Luis Eduardo. Discriminação de competências e competências residual em direito tributário. In Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p.82. 182 OLIVEIRA, José Marcos Domingues. Direito Tributário e Meio Ambiente. 3 ed. Rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.47. 183 BEZERRA, Falcão. Tributação e Mudança Social. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.48. 90 A tributação extrafiscal e, especialmente, a tributação ambiental não têm o intuito de punir ilicitudes e sim de guiar o contribuinte a delinear o seu negócio lícito de acordo com uma política pública. Nesse sentido, o que se infere do contexto, é que o Estado por intermédio das normas jurídicas detém o poder de conduzir o comportamento da sociedade, e também de cautelar utilizando as normas próprias de prevenção face à desigualdade social. Cada região brasileira possui suas próprias peculiaridades e desigualdades socioeconômicas e culturais. A tributação tem demonstrado que é excelente instrumento para o direcionamento da economia, vez que permite que sejam alcançados os fins sociais. O tributo é instrumento da economia de mercado e da livre iniciativa econômica.184 Por isso dizer que deve ser estimulada a iniciativa de industrialização, de exportação, de atração de novos investimentos de capital. Tudo isto, ressalvando que pela efetiva aplicação dos princípios constitucionais, pode-se obter um maior resultado entre o desenvolvimento econômico e social, com maior tributação que alcance aqueles que suportam maior capacidade contributiva.185 Enfim, no tocante às implicações da tributação com o desenvolvimento econômico, é significativo afirmar que a questão essencial não reside, somente, na menor ou na maior carga tributária, mas no modo pelo qual a carga tributária é distribuída. Todo tributo incide, em última análise, sobre a riqueza. Daí os dizeres de Aliomar Baleeiro: ―Uma política tributária, para ser racional, há de manter o equilíbrio ótimo entre o consumo, a produção, a poupança, o investimento e o pleno emprego. Se houver hipertrofia de qualquer desses aspectos em detrimento dos outros, várias perturbações podem suceder com penosas conseqüências para a coletividade.‖ 186 E é neste patamar que o poder público deverá verificar se é possível aumentar ou diminuir a carga tributária, e a possibilidade de redistribuir a renda, sem prejuízo do 184 MACHADO, Hugo de Brito. Op.cit., p. 13-14. VINHA, Thiago Degelo. RIBEIRO, Maria de Fátima. Efeitos sócio-econômicos dos tributos e sua utilização como instrumento de políticas governamentais, in: Derecho & Cambio Social. Disponível em: http://www.derechoycambiosocial.com/revista002/tributos.htm. Acesso em: 16 nov. 2009 186 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 13 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 171. 185 91 desenvolvimento econômico. Nesta feita, sustenta Hugo de Brito Machado187 que o Estado deve intervir no processo de desenvolvimento econômico, pela tributação, não para conceder incentivos fiscais à formação de riqueza individual, mas para ensejar a formação de empresas cujo capital seja dividido por número significativo de pessoas, de sorte que a concentração de capital se faça, sem que necessariamente isto signifique concentração individual de riqueza. Na busca de uma sociedade que ofereça melhor qualidade de vida deve ser definitivamente afastado o caminho da estatização da economia. O Estado, como órgão do poder político institucionalizado, certamente, deve intervir na atividade econômica. Mas deve fazer com o mínimo de sacrifício para a liberdade. Ao lado das medidas de natureza tributárias são indispensáveis medidas no plano da despesa pública. Isto requer que o produto da arrecadação de tributos seja empregado preferentemente nos setores sociais, de saúde pública, entre outros interesses da sociedade. Isto porque um dos temas centrais da discussão da repercussão dos tributos está na justiça social, em cujo núcleo está o problema do justo tributário. A Constituição de 1988 ao conjecturar direitos sociais a todos os cidadãos, de modo universal, sem qualquer preconceito ou distinção, reconhece que as políticas públicas serão instrumentos essenciais para a efetivação destes direitos. Esta afirmação decorre da necessidade de ampliação de serviços que o Estado possui, por meio das políticas públicas para a efetivação dos direitos sociais. José Reinaldo de Lima Lopes afirma que existem diferentes tipos de políticas públicas: políticas sociais, de prestação de serviços essenciais e públicos (saúde, educação e segurança social); das políticas sociais compensatórias (previdência e assistência social, seguro desemprego, etc.); das políticas de fomento (créditos, incentivos, desenvolvimento industrial, etc.); das reformas de base e das políticas de estabilização monetária, sendo que toda espécie de políticas públicas tem o mesmo objetivo: alcançar a concretização dos direitos de uma vida digna e plena. 188 No Brasil, a utilização da política dos incentivos fiscais para alcançar determinados objetivos teve aumento considerável a partir de 1964. A cada dia, vem crescendo no Brasil a ação dos estímulos de natureza tributária para a concretização do desenvolvimento econômico sustentável. 189 187 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p.28. LOPES, José Reinaldo de Lima. Da Efetividade dos Direitos Econômicos, Culturais e Sociais. In: Direitos Humanos Visões Contemporâneas. São Paulo: Associação Juízes para a Democracia, 2001, p. 32. 189 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da imposição tributária. 2.ed. São Paulo: LTr, 1998, p.302-303. 188 92 Adilson Rodrigues Pires ensina que não obstante os incentivos fiscais serem instrumentos que visam ao desenvolvimento nacional, devem sempre estar em harmonia com os princípios que orientam a ordem fiscal e tributária brasileira, destacando a importância de se respeitar a capacidade contributiva. E que a concessão de incentivos fiscais deve ser entendida como algo mais que um mero instrumento de intervenção do Estado, deve ser entendido como um caminho para promover o desenvolvimento, associando qualidade de vida à população, seja por meio de empregos ou pela geração e redistribuição de renda.190 É evidente a importância da intervenção estatal por meio da tributação com intenção regulatória, já que tem como finalidade estimular ou desestimular atividades econômicas para que consiga alcançar a almejada ordem proposta pela Constituição. Os incentivos fiscais utilizados na forma como apetece à Constituição são considerados legítimos como destaca Heleno Taveira Torres: Todo incentivo fiscal (depénses fiscales, tax expenditures) concedido sob amparo constitucional é legitimo, enquanto nutre-se do desígnio de reduzir desigualdades e promover o bem comum, como o desenvolvimento nacional e regional. Não é odioso o incentivo que se invista na condição de meio para o atingimento de finalidades publicas ou privadas, mas coletivamente relevantes, sustentando em desígnio constitucional que se preste à promoção da quebra de desigualdades ou fortaleça os direitos individuais ou sociais ou ainda o próprio sentido de unidade econômica do federalismo, na condição de ―renúncia de receita‖ ou de ―gasto público‖, sob a égide das condições acima enumeradas. O papel promocional dos incentivos fiscais consiste no servir como medida pra impulsionar ações ou corretivos de distorções do sistema econômico, visando a atingir certos benefícios, cujo alcance poderia ser tanto ou mais dispendioso, em vista de planejamentos públicos previamente motivados.191 Neste sentido, os incentivos podem ser concedidos para gerar eficiência econômica, enfim, com a finalidade de obter o desenvolvimento econômico, obedecendo sempre à aspiração da Constituição, portanto, os incentivos devem sempre gerar a redução de desigualdades e não acentuá-las. Nesse diapasão, a Lei Complementar 101 de 04 de maio de 2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal - vem ao encontro com a norma constitucional, quando estabelece em seu Art. 14 a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorre renúncia de receita, conquanto, deverá estar acompanhado de estimativa do 190 PIRES, Adilson Rodrigues. Incentivos fiscais e o desenvolvimento econômico. in: SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Direito tributário: homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 1110. 191 TORRES, Heleno Taveira. Incentivos fiscais na Constituição e o “credito- prêmio de IPI”. in: Direito tributário atual, 18.São Paulo: Dialética/ IBDT, 2005, p. 79. 93 impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao dispositivo na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições. A LRF tem como origem política normativa o embate entre o ―ser‖ e o ―dever ser‖, assim, objetiva disciplinar a gestão dos recursos públicos, com exigências a serem cumpridas por todos os Administradores Públicos. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências, bem como amplia hipóteses de compreensão. É interessante observar os avanços trazidos pela lei, principalmente, quando se refere à renúncia de receita. O Art. 14 trata, especificamente, das possibilidades de atrair investimentos sem incorrer em infração que é um desafio para os administradores públicos. Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece a atitude a ser assumida pelos administradores públicos, uma vez que cria limites e estabelece condutas para a administração dos recursos. Elucidativa a observação de Hélio Saul Mileski: Este código de procedimentos fiscal-administrativos impõe um novo padrão na conduta fiscal, orientado pelo planejamento, transparência e controle dos gastos públicos, objetivando o estabelecimento de regras claras e duradouras de administração pública, notadamente no setor financeiro e fiscal.192 O artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal trata da renúncia de receita, determinando as medidas que devem ser tomadas quando o Poder Tributante decidir renunciar às mesmas, impondo condições à concessão ou ampliação de benefícios e incentivos tributários que importem em perdas orçamentárias para a Fazenda Pública Estadual. A disciplina da renúncia é um dos objetivos da responsabilidade fiscal, que visa o equilíbrio entre receita e despesa, servindo para evitar desvios que comprometem as contas públicas. Referida lei prevê medidas a serem cumpridas pelo sujeito ativo da tributação, quando decide renunciar ao ingresso de determinadas receitas aos cofres públicos do Estado, buscando coibir ações não planejadas de alguns governantes, cujo principal intuito é promover o desenvolvimento regional em detrimento de perdas orçamentárias ou ausência de arrecadação de tributos À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cabe 192 MILESKI, Hélio Saul. Novas regras para a gestão e a transparência fiscal: Lei de Responsabilidade Fiscal. Interesse Público. São Paulo: Notadez Informação, ano 2, nº 7, jul./set. 2000, p. 44-55. 94 instituir, prever e efetivamente arrecadar todos os tributos de sua competência constitucional. Significa dizer que cada esfera de governo deverá explorar adequadamente a sua base tributária e, dessa forma, ter capacidade de estimar qual a sua receita, visando ao nãocomprometimento das metas de resultados fiscais previamente estabelecidas. A renúncia fiscal, que pela LRF compreende a anistia, a remissão, o crédito presumido, a isenção de caráter não geral, a alteração de alíquota de algum tributo ou a modificação da base de cálculo, que tenha como impacto a diminuição da receita pública, bem como de outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado deverá estar acompanhada da estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar a sua vigência e nos dois exercícios seguintes. 193 Pela redação do Art. 14 da LC nº 101, qualquer benefício que implique redução de receita demanda a necessidade de estimativa do impacto orçamentário-financeiro. Além disso, para que se enquadrem nos termos da LRF, cada governante deverá demonstrar que a renúncia de receita foi considerada na elaboração da Lei Orçamentária Anual – LOA -, no momento das previsões de receita, sendo com ela compatível, e que não afetará as metas previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO -. Alternativamente, o governante poderá demonstrar que a renúncia de receita será compensada, indicando quais medidas serão adotadas nesse sentido.194 Assim, as renúncias fiscais apenas poderão ocorrer se houver uma compensação do crédito renunciado, ou, então, se for demonstrado que as metas fiscais pretendidas serão alcançadas, ainda que ocorra a renúncia da receita, incidindo, dessa forma, maiores exigências sobre o administrador público quanto à arrecadação tributária. Nesse diapasão, impende afirmar que o conteúdo do Art. 14, da lei mencionada contém objetivo não só de incentivar e possibilitar o desenvolvimento regional, mas também de moralizar o administrador público em suas ações junto à prestação de contas, bem como à sociedade que o elegeu. 193 PELICIOLI, Angela Cristina. A Lei de Responsabilidade na gestão fiscal. in: Revista de Informação Legislativa. Brasília: Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, vol. 37, nº 146, abr./jun.2000, p. 109-117. 194 DELGADO, José Augusto. A Lei de Responsabilidade Fiscal e os Tribunais de Contas. in: Revista Interesse Público, São Paulo: Notadez Informação, nº 7, 2000, p. 11-43. 95 Se por um lado, como já exposto no tópico supracitado, o instituto contido no Art. 14 é moralizador, uma vez que impede ações descabidas do Poder Público, por outro, reside no citado artigo, um conteúdo limitador. Se antes do advento da Lei de Responsabilidade Fiscal, a concessão de benefícios podia ser utilizada indistintamente na busca de crescimento dos Estados, hoje, tal prática não é mais tão simples. Resta aos administradores públicos conseguir identificar o melhor caminho para promover o crescimento e o desenvolvimento de suas regiões, sem, contudo, abusar das concessões. Pelo contexto, observa-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal obriga o administrador a elaborar planejamentos de curto e longo prazo, almejando enquadrar-se nos requisitos da lei. Apesar de vincular requisitos para a concessão, o Art. 14 privilegia o administrador público que consegue elaborar e executar seus projetos. Aquele que abraça a administração como profissão deve entender que a excelência no agir consiste também em ser capaz de prever. A LRF, na realidade, prima pela capacidade de planejamento e pela transparência no trabalho.195 O Art. 14 não impede a concessão dos benefícios, mas sim de privilégios e vantagens que distorcem o caráter público da ferramenta. Os elementos necessários para a viabilização do incentivo fiscal são inerentes a uma boa administração. Além disso, há inúmeras ações de promoção de investimento que podem ser assumidas pelo administrador em consonância com a LRF. Nesse norte têm-se: Redução ou eliminação gradativa de benefícios fiscais não integrantes de programa de incentivo (crédito outorgado, crédito presumido, redução da base de cálculo e outros.); incorporação de atividades econômicas que não são taxadas pelo ICMS, como o turismo e as exportações; Focalização nas pequenas e médias empresas, considerando a sua maior flexibilidade, ante as mudanças nos processos produtivos e mercados, além de serem intensivas em mão-de-obra. Medidas mais favoráveis para as pequenas e médias empresas estão presentes em quase todos os Estados brasileiros; Fortalecimento da questão tecnológica e modernização produtiva, em São Paulo e Bahia. Esta questão é destacada como um dos alicerces da política de incentivos, com linha de financiamento específica para o desenvolvimento científico e tecnológico; Definição de programas de incentivos mais abrangentes para a agropecuária, agroindustrialização e setor de serviços, eliminando a 195 195 DELGADO, José Augusto. Op. cit., p. 78. 96 fragmentação e pulverização e revisão do modelo de gestão dos Fundos públicos vinculados aos Programas de incentivos.196 Vale ressaltar que além da transparência nas contas, apresentação de contas de impacto da renúncia de receita e demais requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal, é condição sine qua non que as condições de infra-estrutura da região que almeja atrair investimentos apresentem viabilidade para sua implantação. Possibilidade de escoar a produção com facilidade, com construção e manutenção de estradas, portos, aquedutos, facilitando o contato com o mercado consumidor é um dos fatores estruturais que influencia na escolha da região em que será criado novo empreendimento. As condições sociais são também relevantes: uma população com nível educacional elevado, por exemplo, é garantia de mão-de-obra qualificada. 197 O objetivo da Lei de Responsabilidade Fiscal é correto e seu conteúdo deve ser enfrentado muito mais como entrave dos abusos cometidos pelos agentes políticos. A LRF, em especial o Art. 14, constitui ferramenta significativa de orientação. Instrumento norteador dos governantes ao gerenciar os recursos públicos, a Lei de Responsabilidade é capaz de prevenir riscos de investimentos inadequados e minimizar impactos porventura negativos. Extirpar atitudes desprezíveis como a concessão de incentivos com vistas ao enriquecimento pessoal. A renúncia de receita é entidade cordata e deve ser pautada pela ética, responsabilidade, transparência, planejamento e publicidade. 198 Para que o administrador público possa renunciar ao ingresso de receita na Fazenda Pública Estadual ou Municipal, deve guiar-se nos pareceres impostos pela LRF, sob pena de sofrer imputação de sanção administrativa. A LRF ao exigir que o sujeito ativo tributário demonstre o conflito orçamentário-financeiro que a renúncia venha a causar, gera para o Poder Tributante o dever de bem gerenciar a sua administração.199 196 MARTINS, Ives Gandra da Silva; NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2001. p.40. 197 DELGADO, José Augusto. Op. cit., p.79. 198 MOTTA, Carlos Pinto Coelho Motta. Lei de Responsabilidade Fiscal: abordagens pontuais:doutrina, legislação, lei complementar 101/2000. Flávio Régis Xavier de Moura e Castro, coord.,[et al]. 2 ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.76. 199 MOTTA, Carlos Pinto Coelho; FERNANDES, Jacoby Ulisses. Responsabilidade fiscal. Lei Complementar 101 de 4/5/2000. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 111. 97 Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal não parece ser por si só, suficiente para eliminar a guerra fiscal, pois os governantes poderão reduzir outras despesas, a fim de fazer frente às impostas pela atração de novas plantas industriais com a justificativa de que a implantação destas empresas acarretará melhor qualidade de vida à população. Este é um fato parcialmente verdadeiro, pois estes cortes nas despesas poderiam ocorrer via redução dos serviços prestados pelo Estado como: saúde, educação, moradia e outros mais que igualmente já estão sendo oferecidos em condições na maioria das vezes precárias.200 Em análise mais acirrada, percebe-se que o Art. 14 da LRF, apresenta além das questões já suscitadas, outras interessantes à reflexão no que se refere à função Estatal de fomento da economia, prevista no artigo 174 da Constituição Federal. No que tange à atividade Estatal de fomento, observa-se consumo de verbas públicas, tanto no que se refere a empréstimos subsidiados, quanto às isenções fiscais. E, em razão de importar em gastos de verbas públicas, necessário se faz salientar que está subordinado às amarras orçamentárias, uma vez que se apresenta acomodada a não pretensão de um Poder Público que consuma além da sua arrecadação. Revelando assim, não só norma geral de Direito Financeiro, sobretudo de Direito Econômico, decide que a permissão ou aumento de incentivo ou benefício de natureza tributária esteja seguida da avaliação do conflito orçamentário-financeiro no exercício em que deve iniciar e vigorar nos dois seguintes. No entanto, acatando o disposto na lei de diretrizes orçamentárias e acompanhada de esclarecimento pelo gestor de que a renúncia tenha sido considerada na estimativa de receita e de que não serão comprometidas as metas de resultados fiscais, ou ainda, que sejam seguidas de medidas de compensação por meio do aumento de receita, derivado do acesso de alíquotas, acréscimo da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. 200 AFFONSO, Rui de Brito Alves. Guerra fiscal no Brasil: Três estudos de caso – Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná. Série Estudos de Economia do Setor Público. FAPESP. Edições FUNDAP, 1999, p. 89. 98 Conquanto, esta última cobrança foi considerada como explicitadora, pois na Constituição Federal já se encontrava implícito pela maioria do Supremo Tribunal Federal, conforme se extrai do voto de lavra do Ministro Ilmar Galvão na ADI(MC) 2.238-DF: Por maioria, o Tribunal indeferiu o pedido de medida liminar quanto ao inciso II do art. 14 da citada Lei Complementar, o qual exige que a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita esteja acompanhada de medidas de compensação por meio do aumento de receita proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. O Tribunal afastou, à primeira vista, a alegada inconstitucionalidade por ofensa ao art. 167, III da CF ("Art. 167. São vedados: ... III - a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta;) por entender que o dispositivo impugnado refere-se a algo já implícito na própria Constituição, dizendo respeito à forma como terão de ser compensadas as renúncias de receita, com intuito de não onerar os governos subseqüentes. Vencidos os Ministros Ilmar Galvão, relator, e Sepúlveda Pertence, que deferiam o pedido de liminar por entender que o dispositivo inibe a concessão de incentivos fiscais, faculdade inerente ao ente que exerce competência tributária, de natureza constitucional, e que, por isso mesmo, somente poderia encontrar limite na própria Constituição.201 Nesse contexto, vale ratificar que estamos diante de um dispositivo que possui condão de erradicar costumes indignos como a concessão de incentivos com objetivo meramente pessoal. Assim, renúncia de receita é instituto que deve ser regulado pela responsabilidade, e, principalmente pela ética do agente político. Como já foi mencionado, a Lei de Responsabilidade Fiscal não parece ser satisfatória para extinguir a guerra fiscal, uma vez que o princípio da extrafiscalidade em matéria tributária encontra-se inserido nos dispositivos constitucionais e na própria legislação infraconstitucional. Assim, são dados a cada ente da federação subsídios da prática da extrafiscalidade tributária, pois nas alteradas condições tributárias e suas relativas normas regulamentadoras, mesmo indiretamente, a estrafiscalidade aparece como um princípio 201 Informativo n.297 do STF. Disponível em <: http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/ informativo297.htm.>. Acesso 12 nov. 2009. 99 constitucional que pode ser aplicado por qualquer ente da federação, no entanto, aliado às normas decorrentes, principalmente, no princípio da legalidade. Nesse norte, os Estados e os Municípios, entre si, poderão estipular alterados incentivos e/ou desincentivos fiscais, norteando o princípio da extrafiscalidade tributária como uma máquina a serviço da gestão pública, bem como do cumprimento da obrigação política do Estado, implementando as políticas públicas.202 Impende ratificar que em isenções tributárias apadrinhadas como atrativos para empresas e indústrias nos mais alterados campos férteis, grandes e pequenos empresários lucram com a atividade pública. Assim, a extrafiscalidade dirigiu-se para outros caminhos, sendo conceituada de guerra fiscal. E, é nessa acepção a forma de atrair novas empresas para uma determinada unidade da federação, de tal feito, ocorrendo a migração de empresas e de empregos de uma unidade federada para outra, acarretando o que se denomina de guerra fiscal.203 Nesse sentido, não demonstra progresso de vida para a sociedade local, essencialmente, no que se refere ao crescimento humano. Ela desenvolve junto à administração pública o escopo meramente de beneficiar tributariamente variadas empresas e indústrias, colocando-as em aguçada disputa local, assim, enfraquecendo os entes federados, e por consequente, cedendo à exploração econômica patrocinada em favor apenas do capital privado. Assim, fica evidenciado o efeito negativo da extrafiscalidade tributária, portanto, necessária altercação jurídica, político e social, com vistas a travar problemas que coíbem o desenvolvimento comunitário, uma vez ser esse o fim primordial esculpido na legislação. 202 RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas Tributárias e Federalismo: uma leitura possível no caso brasileiro. in: LEAL, Rogério Gesta. Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003, p. 902. 203 Rodrigues, Hugo Thamir. Op. cit., p. 903. 100 3.1 A EXTRAFISCALIDADE E AS POLÍTICAS DE INCENTIVOS FISCAIS NO BRASIL Cumpre ressaltar que o Estado não só conduz e acautela o comportamento da sociedade, mas, essencialmente, o mantém. E, para a efetivação de sua mantença, faz-se necessário a arrecadação de recursos financeiros, especificamente, cobrança de tributos. Quando se fala em tributos, fala-se em transferência de recursos da esfera privada à pública, aí, temos notícia de fiscalidade, portanto, obtenção de recursos financeiros para os cofres públicos. Além destas funções, o Estado tem também a de regular, daí falar-se da extrafiscalidade, que é a interferência do Estado na economia, exercendo influência nas relações de produção e circulação de riqueza. Como ponto de partida, impende assinalar a diferença entre função fiscal e extrafiscal do tributo. Nessa senda, temos objetivo fiscal, ou seja, função de arrecadar, e objetivo extrafiscal, que não tem escopo de arrecadar, mas sim, de controlar determinadas frações econômicas e sociais. Nesse espaço, encontra-se incorporada à função extrafiscal as políticas de incentivos fiscais, contrapondo com a desigualdade social, principalmente, as desigualdades entre as regiões. Estabelecida a diferenciação de função fiscal e extrafiscal do tributo, cumpre registrar que ainda existem tributos criados para exercer determinada função, e são utilizados com objetivos inteiramente diversos, como exemplo, tem-se o imposto sobre Produtos Industrializados, incidente sobre os cigarros. Referido imposto tem sido utilizado com o objetivo de aumentar a receita tributária, e, sua base de cálculo foi aumentada a partir da Emenda Constitucional n° 23/83, com a finalidade de aumentar a arrecadação. Impende salientar que, esse imposto tem função extrafiscal, e o intuito primordial, é desestimular o consumo de cigarros. Em consonância ainda com o exemplo, é importante relacionar que a tributação e os gastos públicos devem ser abordados em conjunto, como instrumento de Políticas Fiscais. Nesse diapasão, o papel do Estado é primordial para o desenvolvimento das regiões consideradas carentes de desenvolvimento, pois, é por intermédio dos incentivos fiscais que se abrem as portas para beneficiar, principalmente, regiões subdesenvolvidas. 101 O turismo nesse contexto é um dos maiores responsáveis pela atração de investimentos, haja vista, ter sido possível a instalação de diversas empresas no nordeste em face da concessão, pela União Federal e por parte de alguns Estados e Municípios, de incentivos fiscais, ou seja, por meio das normas tributárias indutoras.204 No entanto, observa se que o investimento refere-se à instalação de empresas localizadas nessas regiões e não propriamente ao desenvolvimento do turismo e/ou formação do cidadão para receber e conservar o turismo nestas regiões. Assim quando ocorrer a desinstalação das empresas, não acarretaria o desemprego, pois, a região e o cidadão estariam aptos a desenvolver projetos turísticos para a sua região, gerando renda e possibilidade de sobrevivência. Exemplo também de extrafiscalidade, tem-se a concessão a redução do IRPJ (Imposto de Renda da pessoa Jurídica), para as empresas que se instalem na região e que praticam determinadas atividades econômicas essenciais para o desenvolvimento regional gerando emprego e renda. Assim tem-se a Lei Federal n° 11.196, de 2005, que no mesmo sentido indica benefícios para empresas que se estabelecem nas áreas abrangidas pelas agências de desenvolvimento do Nordeste e Amazônia (Sudene e Sudam). Nesse caminho, alguns Estados concedem benefícios especiais de tributação no que se refere ao ICMS, imposto de sua competência constitucional, o que também foi feito por alguns Municípios, junto ao IPTU e ao ISS. 205 Portanto, é de se notar que as normas tributárias indutoras, que instituem benefícios fiscais para a redução das desigualdades sociais e regionais, na conquista do desenvolvimento econômico regional, não teria tido uma melhora sem os incentivos ora mencionados, evidenciados estão o direcionamento e o acautelamento Estatal junto aos investimentos públicos. Exemplificando, têm-se algumas exportações. No Nordeste, a política fiscal nacional é voltada para o fomento das exportações, possuindo imunidade conferida por intermédio da Emenda à Constituição n° 33, de 2001, por meio da qual obteve crescimento econômico representativo. 204 205 ELALI, André de Souza Dantas. Op. cit., p.142. Idem, ibidem, p.143. 102 Na Região Norte, tem-se política pública de fomento desenvolvida pelo banco da Amazônia S.A.206 Opera com exclusividade o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), e, ainda, atende com outras fontes como: BNDES, Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), Fundo da Marinha Mercante, Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA), Orçamento Geral da União e recursos próprios.207 O deputado Paulo Mourão lembrou a trajetória e a importância do Banco da Amazônia para a região, e, especialmente; para o seu Estado, o Tocantins, onde tal banco responde por 85,46% do crédito de fomento e por 66,11% de todo o volume de crédito na praça. Atualmente, segundo o deputado, o Banco da Amazônia alia o financiamento ao desenvolvimento econômico e social com a preservação da biodiversidade amazônica. Ele destacou, ainda, a geração de mais de 1 milhão de empregos diretos e indiretos, viabilizados pelo banco por meio dos créditos concedidos em 11 anos como gestor competente dos recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO). O deputado lembrou, ainda, que o FNO já propiciou um crescimento de R$ 7,3 bilhões no Valor Bruto da Produção (VPB) regional. Em todo o Norte, lembrou o deputado do Tocantins, o Basa responde por 83,40% do crédito de fomento e por 53,30% do volume total de empréstimos realizados pela rede bancária pública e privada. A propósito, Paulo Mourão salientou a capilaridade da atuação do banco na região, onde 420 dos 449 municípios são assistidos pelas 61 agências do Basa, que representam apenas 10% da malha bancária existente no Norte, mas têm presença predominante e determinante nos financiamentos de longo e de curto prazos. 208 Na extrafiscalidade ambiental, o instrumento mais eficaz para o incentivo de determinados setores da atividade econômica ambiental são os benefícios fiscais, que premiam aqueles que buscam efetivar a preservação ambiental e seus fundamentos constitucionalmente previstos. 206 O BASA é considerado o banco ecológico do Brasil, foi fundado no período da II Guerra Mundial, no governo de Getúlio Vargas, sob a denominação de Banco de Crédito da Borracha. Este tinha como principal objetivo financiar o reaquecimento da extração de látex no Estado do Pará. O BASA é na Região Norte a principal instituição financeira federal de fomento com o escopo de promover o desenvolvimento da região amazônica. Possui relevante expediente, tanto no apoio à pesquisa quanto no crédito de fomento, respondendo por mais de 60% do crédito de longo prazo naquela região. 207 BANCO DA AMAZÔNIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Banco_da_Amazônia_S.A>. Acesso em: 31 out. 2009. 208 BANCO DA AMAZÔNIA S/A. BASA é o banco ecológico do Brasil. Disponível em: <http://negocios.amazonia.org.br/?fuseaction=noticia Imprimir &id=10435>. Acesso em: 30 out. 2009. 103 José Casalta Nabis209 defende que a extrafiscalidade deverá ser aplicada de forma excepcional, mas não de forma anormal, assim os benefícios fiscais são instrumentos mais operacionais, para que os tributos ambientais alcancem os objetivos de incentivar comportamentos corretos para preservar o meio ambiente, tornando-se uma função promocional do direito. Os benefícios fiscais poderão ser divididos em duas categorias, como benefícios ―stricto sensu ou estáticos‖, ou seja, aqueles que visam somente beneficiar a economia e meio ambiente para os contribuintes que já realizaram suas ações; já os benefícios fiscais ―latu sensu ou dinâmicos‖ visam a incentivar ou estimular os contribuintes a desenvolverem suas ações positivas no âmbito econômico, social e ambiental, isto é, a relação entre as vantagens atribuídas e as atividades estimuladas, assumindo assim os incentivos o seu caráter seletivo e temporário. Como bem ensina José Casalta Nabis: [...] Com distinção que há a fazer em sede dos benefícios fiscais, separando os benefícios fiscais estáticos ou benefícios fiscais stricto sensu, dos benefícios fiscais dinâmicos, incentivos ou estímulos fiscais. [...] Os primeiros dirigem-se, em termos estáticos, a situações que, ou porque já se verificaram (encontrando-se portanto esgotadas), ou porque, ainda que não se tenham verificado ou verificado totalmente, não visam, ao menos directamente, a incentivar ou estimular, mas tão-só beneficiar por superiores razões de política geral de defesa, externa, econômica, social, cultural, religiosa etc. Por seu turno, os segundos visam incentivar ou estimular determinadas actividades, estabelecendo, para o efeito, uma relação entre as vantagens atribuídas idades e as actividades estimuladas em termo de causa efeito. 210 Desse modo, os benefícios fiscais estão inseridos na extrafiscalidade tributária que visa, principalmente, incentivar alguns setores da atividade econômica, para alcançar os objetivos da ordem econômica e do meio ambiente, em virtude desses objetivos serem superiores à arrecadação fiscal. Ensina Roque Antonio Carrazza que: Por meio de incentivos fiscais, a pessoa política tributante estimula os contribuintes a fazerem algo que a ordem jurídica considera conveniente, interessante ou oportuno (p. ex., instalar indústrias em região carente do País). Este objetivo é alcançado por intermédio da diminuição ou, até, da supressão da carga tributária. 211 A extrafiscalidade dos incentivos fiscais evidencia- se porque, geralmente, são concedidos na forma de imunidade ou isenção. Naturalmente, estas figuras não se coadunam com fiscalidade da tributação, uma vez que sua aplicação implica, normalmente, em queda da arrecadação diretamente relacionada com as atividades beneficiadas. De modo que o 209 NABIS, José Casalta. Direito Fiscal e Tutela do ambiente em Portugal. in: TÔRRES, Heleno Taveira. (coord.). Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 424. 210 NABIS, José Casalta. Op. cit., p. 426. 211 CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit., p. 514. 104 incremento da atividade econômica de uma região pode, indiretamente, aumentar a sua arrecadação, mas este não é (e nem pode ser, como visto acima) o objetivo principal da concessão dos incentivos fiscais que visem equilibrar o desenvolvimento regional. Assim, o interesse extrafiscal que deve informar a concessão dos incentivos fiscais ao desenvolvimento regional é o do equilíbrio do desenvolvimento das regiões brasileiras. Como já visto, a concessão dos incentivos pela União é exceção ao princípio da uniformidade geográfica, e como tal, deve ser interpretada restritivamente. A extrafiscalidade também deve ser vista em harmonia com a Constituição, sempre visando interesses e finalidades previstas no seu texto, não podendo a tributação ser utilizada como forma de manutenção de privilégios. Como bem observa Becker: "Por isso, cumpre lembrar que a tributação extrafiscal serve tanto para a reforma social, como para impedi-la." 212 Nesses termos, como elemento conceitual e limitador, a extrafiscalidade corresponde a todo objetivo que a Carta elege para o Estado brasileiro, desde que alcançável mediante manejo de tributos, isto é, pela política fiscal. Portanto, são os objetivos e valores constitucionais que dão o contorno e o conteúdo da extrafiscalidade no direito positivo brasileiro. O Sistema Constitucional Tributário destaca diversos tratamentos de imunidade e isenção, considerando ainda os princípios da legalidade, da isonomia, da capacidade contributiva e da vedação de confisco, apenas citando os principais. O Art. 170 da CF trata da ordem econômica, reiterando a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, e de seus princípios que definem parâmetros ao desenvolvimento, delineando o processo desenvolvimentista, e apresentando objetivos a serem alcançados. Com vistas no valor econômico, o legislador cria reduções de alíquotas, benefícios fiscais, incentivos à inovação tecnológica, entre outros. A Ordem Social também estabelece objetivos da maior relevância, tais como a proteção da família, do idoso, da criança e do adolescente; a promoção da seguridade social, da cultura e do desporto, dentre uma série de valores. O Art. 6° da CF ressalta como direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. 212 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3 ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 596. 105 Na legislação tributária é fácil encontrar normas que prestigiam tais valores, como a imunidade de entidades de educação e de assistência social sem fins lucrativos, benefícios fiscais vinculados ao imposto de renda em favor de crianças e adolescentes e as próprias contribuições para a previdência e a seguridade social. Nesse passo, influencia outra série de normas tributárias tais quais a contribuição para o INCRA, destinada à realização da reforma agrária, a denominada tributação ambiental, os benefícios fiscais em favor de atividades esportivas e culturais, etc. A extrafiscalidade pode, portanto, ser social, política ou econômica. Sendo social, será de proteção à família, de incentivo à cultura e ao desporto, de promoção da seguridade social etc. Sendo econômica, será desenvolvimentista, distributiva, estrutural ou conjuntural, entre outros. E a extrafiscalidade política se relacionará com o estado federado, com os Blocos Econômicos entre outros. A extrafiscalidade social é evidenciada no posicionamento do Supremo Tribunal Federal quando se posiciona no sentido de que o tributo extrafiscal prevalece, em alguns casos, face aos princípios tributário-constitucionais. ADI 1276/ SP- São Paulo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Relator(a): Min. ELLEN GRACIE Julgamento: 29/08/2002 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ DATA-29-11-2002 PP-00017 EMENT VOL-02093-01 PP- 00076. Ao instituir incentivos fiscais a empresa que contratam empregados com mais de quarenta anos, a Assembléia Legislativa Paulista usou o caráter extrafiscal que pode ser conferido aos tributos, para estimular conduta por parte do contribuinte, sem violar os princípios da igualdade e isonomia. Procede a alegação de inconstitucionalidade do item 1 do § 2° do Art. 1°, da Lei 9.085 de 12/02/95, do Estado de São Paulo, por violação ao disposto no Art. 155, § 2°, XII,g, da Constituição Federal. Em diversas ocasiões, este Supremo Tribunal já se manifestou no sentido de que isenções de ICMS dependem deliberações dos Estados e do Distrito Federal, não sendo possível a concessão unilateral de benefícios fiscais. Precedentes ADIMC 1.557( DJ 31/08/01), a ADIMC 2.439 (DJ 14/09/01) e a ADIMC 1.467 (DJ 14/03/97). Ante a declaração de inconstitucionalidade do incentivo dado ao ICMS, o disposto no §3° do Art.1° desta lei, deverá ter sua aplicação restrita ao IPVA. Procedência, em parte, da ação. (grifos editados) 106 Ressalta-se que essa Lei Estadual foi declarada inconstitucional em face de aspectos formais e não por causa do caráter extrafiscal, como se percebe com a leitura do acórdão. Na verdade, essa preponderância do aspecto extrafiscal sobre alguns princípios tributárioconstitucionais está respaldada sob o prisma de um princípio constitucional implícito, que é o princípio da proporcionalidade. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar a extrafiscalidade da lei paulista, adotou o princípio da proporcionalidade para condicionar o exercício da função legislativa, baseando-se em uma visão estrutural e funcional desse princípio na justificativa de sua qualidade heterônoma, impositiva de limites não somente negativos, mas especialmente positivos, à ação do legislador. Como são muitos os valores que a extrafiscalidade pode assumir, torna-se difícil limitá-la somente ao valor econômico, como poderá ser observado nos itens seguintes. 3.2 A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E REGIONAIS COM A CONCESSÃO DOS INCENTIVOS FISCAIS É vedado à União estabelecer tributo que não seja uniforme em todo território ou que aluda distinção ou preferência em relação ao Estado, ao Distrito Federal ou aos Municípios, em detrimento de outro, acolhida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do país, é o que determina o Art. 151, I da Constituição Federal. Em consonância com o artigo supramencionado, impera ressaltar a máxima Aristotélica. ―A verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais à medida que se desigualem". Aqui a igualdade se mostra acoplada à ideia de justiça, contando, inclusive, com intervenções Estatais no sentido de diminuir as desigualdades regionais e sociais. O princípio da isonomia está consagrado no art. 5º, caput, da CF ―todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza‖. Também está disperso por vários outros dispositivos constitucionais, tendo em vista a preocupação da Carta Magna em concretizar o direito à igualdade. Cabe citar os dispositivos constitucionais mais importantes: a) igualdade racial (art. 4º; VIII); b) igualdade entre os sexos (art. 5º, I); c) igualdade jurisdicional (art. 5º, 107 XXXVII); d) igualdade de credo religioso (art. 5º, VIII); e) igualdade trabalhista (art. 7º, XXXII); f) igualdade tributária (art. 150, II); g) nas relações internacionais (art. 4º, V); h) nas relações de trabalho (art. 7º, XXX, XXXI, XXXII e XXXIV); i) na organização política (art. 19, III); j) na administração pública (art. 37, I). A isonomia deve ser efetiva com a igualdade da lei, a lei não poderá fazer nenhuma discriminação e, (o da igualdade perante a lei) não deve haver discriminação na aplicação da lei. Todos nascem e vivem com os mesmos direitos e obrigações perante o Estado. Assim, o princípio da igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Neste diapasão, tem-se a distribuição de recursos para todos os Estados da Federação, e, junto disponibilizados incentivos fiscais, para assim, tentar contornar as desigualdades sociais e regionais. Nessa linha, importa registrar que o estudo direcionará para os incentivos fiscais do meio ambiente, pois se tornou um dos temas de maior incidência, uma vez ser preocupação mundial, haja vista, quando se fala em meio ambiente, vem à ideia do aquecimento global. Preocupadas com a situação, as legislações criam benefícios fiscais, não apenas pela arrecadação, mas também, por intermédio de políticas públicas que visam beneficiar a coletividade e preservar o meio ambiente. Como já mencionado, o direito, atualmente, não é apenas utilizado como meio de conduzir a sociedade por intermédio de ações punitivas, bem como de ações que resguardam o direito do cidadão, mas como instrumento de transformação e preservação, visando assegurar a todos uma existência digna, objetivando e efetivando a justiça social imposta e direcionada pelos princípios, dentre eles o da defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado, conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. (Art. 170 CF). O legislador ao instituir o Art. 170 inciso VI da Constituição Federal buscou proteger o desenvolvimento econômico saudável, procurou encontrar um ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente. A economia tem a função fundamental no desenvolvimento sustentável, como tentar compatibilizar a escassez dos recursos naturais com desenvolvimento econômico. A ligação do princípio da redução das desigualdades sociais e regionais (inc. VI, Art. 170 CF) dentre os princípios que regem a atividade econômica não causa surpresa, pois, aquele constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, que é, erradicar a pobreza e marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (Art.III, inc.III da 108 CF). Por tal razão, é competência da União elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território de desenvolvimento econômico e social (Art. 21, inc. IX da CF).213 Visando o desenvolvimento e a redução das desigualdades regionais, a União poderá pronunciar sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social (Art. 43 da CF). O inciso I do Art. 151 da Constituição Federal traz o princípio da uniformidade geográfica da tributação. Neste inciso, a regra geral é que os entes políticos não podem ter tratamento desigual, estabelecido pela União em matéria tributária. A tributação exercida pela União deve, portanto, ser igual em todo o País, para não contrariar o pacto federativo. Entretanto, admitindo que no Brasil há regiões menos desenvolvidas que outras, possibilitou ao constituinte fazer uma ressalva no texto, "...admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País (art. 151, I da CF)". Analisando o texto do inciso I do art. 151 da CF, nota-se que a regra é a uniformidade geográfica da tributação. A concessão de incentivos fiscais é exceção, só admitida se observados alguns requisitos contidos dentro do próprio texto. A concessão dos incentivos fiscais também está prevista no art. 43 e parágrafos da Constituição Federal, além de se harmonizar com os incisos III e IV do art. 3º. Entretanto, para a concessão de incentivos fiscais que acarretem em tributação desigual das regiões brasileiras pela União, o texto possibilita uma exceção ao princípio da uniformidade. Neste patamar, para diminuir as desigualdades regionais, atualmente é preciso ter em conta de que a tributação ambiental pode revelar-se um expediente importante também para atingir o objetivo de preservação do planeta. Ou seja, do meio ambiente, se tal atuação estiver associada a outros procedimentos administrativos e fiscalizadores. Tributação ambiental pode ser entendida como o emprego de instrumentos tributários com duas finalidades: a geração de recursos para o custeio de serviços públicos de natureza ambiental e a orientação do comportamento dos contribuintes para a preservação do meio ambiente. Assim, ao referir-se em tributação ambiental podem-se destacar dois aspectos: um sendo de natureza arrecadatória ou fiscal e outro a de caráter extrafiscal ou regulatório que 213 PETTER, Lafayete José. Princípios constitucionais da ordem econômica: O significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. 2 ed.rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 289. 109 tem como objetivo conduzir o comportamento dos contribuintes, incentivando-os a adotar condutas que estejam em sintonia com a ideia de preservação ambiental. No entanto, a maioria dos incentivos depende de leis estatuais e municipais, em que primordialmente, vê-se a iniciativa dos parlamentares e autoridades executivas em conjunto com a sociedade, e a mobilização da comunidade, para implantação e efetivação das iniciativas em prol do ambiente. Verifica-se que sobre o Imposto Territorial Rural (Lei nº 9393/96) que destaca a isenção do imposto nas áreas de reserva legal, de preservação permanente, reservas particulares do patrimônio natural e das áreas de servidão florestal. No IPI, o Decreto 755/93 estabeleceu alíquotas diferenciadas para veículos movidos a gasolina e álcool. Também pode verificar diferenças de cobranças nas transações comerciais de importação e exportação que possuam como preferência produtos ambientalmente recomendados. Para a preservação do meio ambiente, tem-se 75% de arrecadação de ICMS destinados ao Estado para a sua manutenção e investimento, e, 25% distribuído aos Municípios que incentivam a preservação ambiental, o ICMS ecológico. O ISS também pode ser beneficiado de acordo com as diversas formas de se estimular empreitadas na área ambiental, com a redução de ônus e a concessão de incentivos. Desta forma, a seletividade de alíquota nos tributos sobre circulação, produção e consumo, deveria ser, não somente em função de sua essencialidade, mas também, em consonância com os artigos ambientalistas (artigos 5 º, XXVII; 170 e 225 da Constituição Federal), em razão da degradação do meio ambiente, da retirada de recursos não-renováveis ou mesmo do tempo de duração do produto. Quanto às taxas e contribuições, estas também podem ter o mesmo incentivo, tudo dependendo da atividade a ser tributada, bem como o controle de atividades de empresas menos poluidoras. Enfim, o objetivo destas políticas econômico-fiscais é a obtenção de um meio ambiente mais equilibrado, para assim, obter uma nova dimensão ao direito fundamental à vida e ao princípio da dignidade da pessoa humana. 110 No que se referem às taxas ambientais, ensina Ricardo Lobo Torres: ―As chamadas taxas de fiscalização ambiental se caracterizam como tributos devidos em decorrência do exercício do poder de polícia ambiental e não em virtude da prestação de serviços.‖214 No entanto, tal definição precipitada justifica-se em parte ao estudo, ainda em fase embrionária do Direito Tributário Ambiental. Outra corrente doutrinária acorda que as taxas do meio ambiente envolvem tanto a materialidade do serviço público, quanto a atividade de polícia. Assim, afirma Heleno Taveira Tôrres que: ―Nesse caso, as taxas podem ser perfeitamente aplicadas, tanto na espécie de taxas de poder de polícia, a título de fiscalização do Estado e respectivo controle, quanto naquelas de prestação de serviço público.‖215 No acórdão seguinte, o STF afirmou que é constitucional a criação de taxa florestal consistente no pagamento de tributo pelo valor estimado do serviço de fiscalização (poder de polícia), como analisada a constitucionalidade de concessão de incentivo fiscal (diminuição do valor da taxa) ―para as indústrias que comprovarem a realização de reflorestamento proporcional ao seu consumo de carvão vegetal‖. O STF disse que é constitucional e não ofende o Princípio da Isonomia Tributária. EMENTA: TRIBUTÁRIO. ESTADO DE MINAS GERAIS. TAXA FLORESTAL. LEI N. 7.163/77. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 5º, CAPUT; 145, II E § 2º; 150, I E IV; E 152, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Exação fiscal que serve de contrapartida ao exercício do poder de polícia, cujos elementos básicos se encontram definidos em lei, possuindo base de cálculo distinta da de outros impostos, qual seja, o custo estimado do serviço de fiscalização. Efeito confiscatório insuscetível de ser apreciado pelo STF, em recurso extraordinário, em face da necessidade de reexame de prova. Súmula 279 do STF. Descabimento da alegação de ofensa ao princípio da isonomia, por razões óbvias, diante do incentivo fiscal, em forma de redução do tributo, previsto para as indústrias que comprovarem a realização de reflorestamento proporcional ao seu consumo de carvão vegetal. Recurso não conhecido. Decisão: A Turma não conheceu do recurso extraordinário. Unânime. 1ª. Turma, 21.03.2000. O incentivo dos referidos tributos evidencia a reformulação de valores ao meio ambiente, assim, demonstrados pelas verbas orçamentárias que beneficiam os que contribuem para com a melhoria da qualidade de vida da população, principalmente, das populações menos desenvolvidas. O substantivo desenvolvimento, e o adjetivo meio ambiente, não 214 TORRES, Ricardo Lobo. Valores e princípios no direito tributário ambiental. in: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 36. 215 TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., p. 107. 111 podem aparecer separados, visto que ambos estão interligados por uma razão essencial imposta no caput do artigo 225 da Constituição Federal, que assim, prescreve: ―Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.‖ Nesse aspecto, os projetos desenvolvidos pela WWF-Brasil em parceria com ONGs regionais, universidades e órgãos governamentais. Desenvolvem planos de apoio à pesquisa, legislação e políticas públicas, educação ambiental e comunicação, e, ainda mais, desenvolve também projetos de viabilização de unidade de conservação, por intermédio de estímulo a alternativas econômicas sustentáveis, envolvendo e beneficiando comunidades, como por exemplo, a região amazônica. A região amazônica apresenta índices socioeconômicos muito baixos e enfrenta dificuldades decorrentes da falta de infraestrutura urbana e serviços públicos, como transporte, água tratada e esgoto, energia, comunicação, escolas, bem como, de tecnologia. Tais deficiências se traduzem em baixa qualidade de vida e falta de oportunidades para a população, ao mesmo tempo elevam o custo da produção, dificultam a agregação de valor e o escoamento e, por isso, reduzem a rentabilidade econômica. Nos últimos 40 anos surgiram novas ameaças, como o desmatamento (principalmente devido a queimadas, conversão de terras para a agricultura), ocupação desordenada de terra, uso inadequado do solo e a execução de grandes obras (estradas, barragens, usinas entre outras), sem que tenham sido tomados os cuidados prévios para minimizar esse impacto.216 Para mudar esse cenário, a WWF-Brasil defende a adoção de uma agenda em prol do desenvolvimento sustentável e da conservação da biodiversidade. Para isso, baseia-se no conceito ecorregional, que leva em conta a grande diversidade de paisagens do bioma e o impacto que qualquer elemento físico ou biológico tem sobre os demais. As prioridades são as florestas, os rios e lagos, com sua flora, fauna e os povos que ali habitam. A ideia básica é valorizar a vocação florestal e aquática da região, conservando e utilizando os recursos naturais de forma racional e duradoura para beneficiar todos os segmentos sociais da região 216 Amazônia. Disponível: Acesso em: 01 out. 2009. <http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/meio_ambiente_brasil/amazonia>. 112 amazônica em particular e do Brasil em geral. Ou seja, assegurar o desenvolvimento econômico social da região e do país de forma continuada.217 Assim, WWF-Brasil desenvolve três linhas de trabalho que são a conservação da biodiversidade e parques, o uso sustentável dos recursos naturais e a educação ambiental e comunicação. Ao mesmo tempo, o WWF-Brasil utiliza uma abordagem ecorregional do bioma e o trabalho é desenvolvido prioritariamente em duas ecorregiões: Sudoeste da Amazônia – que abrange os Estados do Acre, Rondônia e parte do Amazonas – e Várzeas da Amazônia – terras baixas ao longo da calha dos rios Amazonas e Solimões, cobertas por florestas que ficam inundadas durante o período das cheias.218 Posto isso, acredita-se que os projetos do WWF-Brasil, têm como atividade primordial a educação ambiental, pois esses procuram envolver a comunidade no sentido de receber e ter os devidos cuidados ambientais, partindo da relação do ser humano com o meio ambiente, com o outro ser, e consigo. Nessa dicção, e, ao encontro daquilo que expõe Georgia Pessoa, assessora jurídica do WWF-Brasil, que integra a Ação para o IR Ecológico: [...] o incentivo fiscal representaria um grande avanço para a sociedade brasileira, pois facilitaria a dinâmica de captação de recursos para projetos na área ambiental. Ela diz que o projeto respeitam os limites determinados na legislação tributária em vigor, prevendo que pessoas físicas possam deduzir de seu imposto de renda devido até 80% do valor doado para projetos ambientais e empresas até 40% - contanto que as deduções não ultrapassem, respectivamente, 6% e 4% do total do IR.219 Neste sentido, ainda tem-se o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) na atividade ambiental. Como exemplo, pode-se citar o caso específico que ocorre no Estado do Rio de Janeiro, por via da Lei n. 948/85, os valores do IPVA são diferentes para carros a gasolina e a álcool, bem como, aqueles destinados a coleta de lixo e limpeza 217 Desenvolvimento sustentável. Disponível:<http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/meio_ambiente_brasil/ amazonia/acesso>. Acesso em: 01 out. 2009. 218 Idem, ibidem. 219 Incentivo Fiscal para a área ambiental tramita na Câmara dos Deputados; OSCs lançam manifesto de apoio à aprovação Disponível em: <http://www.idis.org.br/acontece/noticias/incentivo-fiscal-para-a-area-ambientaltramita-na-camara-dos-deputados-oscs-lancam-manifesto-de-apoio-a-sua-aprovacao/.>. Acesso 01 out. 2009. 113 urbana.220 Por ultimo, houve um desconto de 75% no imposto para os carros com equipamento de gás natural.221 Há, também, a possibilidade dos municípios utilizar do uso ambiental do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), haja vista, sua progressividade no tempo e a sua utilidade, em conformidade com a função social da propriedade disposta no Estatuto da Cidade.222 O tributo tem a função social de contribuir para com a ponderação das desigualdades sociais, de forma que os contribuintes recebam o retorno do Estado, em termos de serviços. Na verdade, os contribuintes cooperam com o sacrifício de parte de seu patrimônio, na medida de sua capacidade contributiva, para que o interesse coletivo seja prestigiado, buscando-se a instauração de um clima de paz, segurança e prosperidade, do qual todos são beneficiados, mesmo aqueles que nada contribuíram, por serem ‗isentos‘, ‗imunes‘ ou não deterem capacidade para tanto. Desta forma, o tributo tem o condão de fazer prevalecer o interesse social sobre o interesse particular. Todavia, pode-se afirmar que a tributação somente encontra foro de legalidade quando o produto de sua arrecadação (o tributo) é aplicado com o objetivo de se promover o desenvolvimento social e político de todos. Em outras palavras, tributo que não exerce a sua função social não é tributo legítimo, ainda que para o seu lançamento tenham sido rigorosamente respeitados os postulados do direito positivado. Não fosse isso, o ato de tributar consistir-se-ia num mero ato arrecadatório, eminentemente mecânico, calcado em singelos cálculos aritméticos, orçando previamente as despesas e os investimentos, para se chegar ao montante a ser arrecadado. Para esta sequência de atos simplistas, que na maioria das vezes não se leva em consideração a capacidade contributiva dos contribuintes, o que invariavelmente gera uma carga tributária, insuportável, sem que aquela coletividade seja beneficiada com um atendimento social compatível com o 220 Cf. jurisprudência do próprio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:IPVA. ISENÇÃO DO PAGAMENTO DO IMPOSTO. COMLURB. LEI ESTADUAL N. 948, DE 1985. LEI ESTADUAL N. 124S1, de 1987.A Comlurb goza IPVA relativamente à frota de veículos empregada na prestação do serviço público de coleta de lixo e limpeza urbana, nos termos do art. 3º, inc.VII, da Lei Estadual n. 948/85, na redação oriunda da Lei Estadual n. 124/87‖( Desembargador. Laerson Mauro, j. 19.8.1997, 8º Câmara Cível, Ap. Cív. 1997.001.02393). 221 ROCCO, Rogério. Dos instrumentos tributários para a sustentabilidade das cidades. in: ROCCO, Rogério e COUTINHO, Ronaldo (Orgs.) O Direito Ambiental das cidades. Rio de Janeiro: DP&A, 2004, p. 271. 222 TRENNEPOHL, Terence Dornelles. Incentivos fiscais no direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2008, p.85. 114 seu sacrifício financeiro, como é o caso típico da política tributária há muito instaurado no País. Parece lógico que a potente intervenção do Estado no processo econômico é fator preponderante e indispensável para que o tributo seja utilizado como ferramenta para se promover maior equidade na distribuição de rendas, especialmente no caso dos países periféricos. Por meio da racional tributação é que podem ser diminuídas as distâncias que separam a minoria de pessoas que detém grande concentração de riqueza individual, e a maioria dos que não têm praticamente nenhuma riqueza particular. Cabe ao Estado, portanto, a tarefa de indutor da economia, de forma a sinalizar os objetivos maiores de natureza sociais, econômicos e políticos a serem atingidos e corrigir as distorções de conduta, à medida que elas porventura ocorrerem. Entende-se que a busca do bem-estar social passa também pelo fortalecimento da economia do país, e que esta meta pode ser alcançada por meio da utilização do tributo como elemento que produza o perene fortalecimento da poupança interna, e instrumento que viabilize uma saudável distribuição de rendas em prol do desenvolvimento econômico sustentável regional e nacional. Outro conceito contido no texto constitucional é que o desenvolvimento que deve ser equilibrado é o sócio-econômico. Assim, entende-se que de nada adianta a concessão de um incentivo que equilibre, por exemplo, a renda per capita das regiões brasileiras. Ou que possibilite a criação de um pólo automotivo em cada região brasileira só porque no Sudeste e Sul está concentrada a maioria das montadoras de automóvel. É necessário, portanto, que o incentivo traga também um equilíbrio social das regiões. Deve-se buscar uma forma para que, com a sua concessão, além de um incremento na situação econômica da região beneficiada, exista também uma real melhora nas condições de vida da população. 223 223 HACK, Érico. Incentivos Fiscais ao Desenvolvimento Regional. in: Jus Navigandi, ano 11, n. 1561, 10 de outubro de 2007. 115 3.3 A EFETIVAÇÃO DOS INCENTIVOS FISCAIS AMBIENTAIS POR MEIO DE POLÍTICAS PÚBLICAS A apreensão com o meio ambiente era uma preocupação secundária até a década de 70. Em 1972 na cidade de Estocolmo foi organizada pela Organização das Nações Unidas a Conferência sobre Meio Ambiente. A poluição até então, era vista como um mal necessário do crescimento econômico. Referida Conferência teve como finalidade a conscientização das nações para um problema que ultrapassava fronteiras atingindo toda espécie humana. 224 A partir daí foram realizadas outras conferências para tratarem do assunto que aflige a humanidade: a preservação ambiental diante do desenvolvimento. De acordo com José Marcos Domingues Oliveira, os instrumentos econômicos para a proteção ambiental proporcionam um caminho interdisciplinar que propõe alternativas de mercado ou de intervenção estatal, mas tendo sempre o Direito como ―norte ordenador‖ e que o desenvolvimento econômico sustentável equivale ao progresso da atividade econômica, conciliado com a utilização racional de recursos ambientais, abandonando determinadas práticas como o desperdício e a ineficiência.225 Dentre as conferências, destaca-se a Conferência da Organização das Nações Unidas pelo meio Ambiente, realizada na cidade do Rio de Janeiro. A ECO-92, assim denominada, estabeleceu quatro critérios que deverão ser respeitados para que ocorra um tributo competente na questão ambiental: 1) Eficiência Ambiental: deve ocorrer uma imposição tributária correta para que se alcancem os limites da preservação ambiental; 2) Eficiência Econômica: o tributo deve refletir em baixo custo para a economia, mas que consiga atingir seu alvo, que é o incentivo a comportamentos ambientalmente corretos; 3) Administração barata e simples: não cabe a tributação ambiental onerar mais o Estado com a prática de políticas tributárias ambientais; 4) Ausência de efeitos nocivos ao comércio e à competitividade internacional: a tributação ambiental não pode provocar efeitos danosos na grade do consumo. Portanto, o Estado deverá criar um tributo que seja favorável ao meio 224 OLIVEIRA, José Marcos Domingues. Direito tributário e meio ambiente. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.2. 225 OLIVEIRA, José Marcos Domingues. Op. cit., p.4,6-8. 116 ambiente, mas que não crie perturbação para seu próprio agente implementador, isto é que não onere mais a carga tributária do contribuinte.226 O emprego da política de incentivos fiscais, como utensílio de política econômica para o desenvolvimento regional foi marcado, conforme Pedro Melo da Silva, com a sanção da Lei n° 3. 692, de 15 de dezembro de 1959, que trazia um sistema de incentivos fiscais, como ferramenta usada pelo governo com intuito de minimizar os problemas nordestinos, ampliando-se, em 1963, para a Amazônia Legal.227 A Constituição regente prevê no seu artigo 170, as maneiras de intervenção na ordem econômica e financeira e nomeia os valores e direitos difusos, coletivos e metaindividuais de grupos ou organizações na direção da proteção da propriedade privada e sua função social como elementos basilares das políticas públicas de desenvolvimento. 228 No rol de princípios do referido artigo destacam-se a defesa e a preocupação com o meio ambiente, evidenciadas no inciso VI. Portanto o Estado é agente regulador da atividade econômica, fiscalizando, incentivando, planejando, por fim, conduzindo a política de intervenção nessa atividade. As políticas públicas revelam ações governamentais que têm como objetivos gerais e específicos, articular a sociedade, Estado e mercado. Sendo assim, as políticas públicas nascem favoráveis e desfavoráveis e edificam um projeto de ação, visando centralizar a ação do Estado na sua solução.229 O Estado brasileiro quando realiza políticas econômicas deve estar atento à defesa do meio ambiente, deve buscar o pleno emprego, entre outros aspectos. Os princípios da ordem econômica aí estão para informar o Estado os valores da ordem econômica que ele tutela. 226 COSTA, Regina Helena. Apontamentos sobre a Tributação Ambiental. in: TÔRRES, Heleno Taveira.(coord.). Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 315-316. 227 SILVA, Pedro Melo da. Os incentivos fiscais como instrumento de desenvolvimento. Belem: Sudam,1978.p.44. apud SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 123. 228 AYALA, Patrick de Araújo. O princípio da precaução como impedimento constitucional à produção de impactos ambientais. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 40, mar. 2000. Disponível em: <http://www.1.jus.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1689>. Acesso em: 21 out. 2009. 229 DIAS, Jean Carlos. Políticas públicas e questão ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 8, n. 31, jul./set. 2003, p. 121-122 117 Estes valores são o da defesa do meio ambiente e o da função social da propriedade. A defesa do meio ambiente é um valor constitucional fundamental inerente com a dignidade da pessoa humana e também com o desenvolvimento econômico e social. Desta forma, não é possível considerar o meio ambiente como um valor isolado. O meio ambiente está em um conjunto de valores. Ou seja, está inserido na política econômicofinanceira tributária do Estado. O desenvolvimento econômico equilibrado implica em dispor de uma política ambiental a qual deve ser determinada pelo país, que organiza e efetiva diversas ações que visam à preservação e melhoramento da natureza e consequentemente da vida humana. Dentre as Diretrizes da Política Nacional de Meio Ambiente está compatibilização da proteção ambiental com o objetivo de desenvolvimento socioeconômico. Em um primeiro momento, pode ocorrer colisão entre as políticas de proteção ambiental com as políticas de desenvolvimento econômico, como já exposto anteriormente. A Lei nº 6.398/81, em seu artigo 4º, determina como meta da Política Nacional do Meio Ambiente, a compatibilização do desenvolvimento econômico e social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio e ecológico. No entanto, no Brasil pode ser observado que as políticas públicas no sentido de incentivo à proteção ambiental precisam ser intensificadas, mesmo considerando o meio ambiente positivamente inserido na ordem social. Qualquer política ambiental deve estar integrada com planejamento urbanístico, com a saúde pública, com o desenvolvimento, entre outros aspectos. Assim, é necessário que o governo, em todos os seus segmentos, disponha de política econômica, financeira e tributária que faça com que haja, efetivamente, esse desenvolvimento sustentado, destacado no Art. 225 da Constituição Federal. Embora a Constituição brasileira determine que o Estado e a sociedade sejam responsáveis pela preservação ambiental, poucos são os mecanismos para que essa preservação se efetive. Merecem aqui especial atenção as atividades do Poder Público nesse processo. A atuação do Estado é antes de tudo, uma atividade política de intervenção no domínio 118 econômico, de modo a orientá-lo e a reconduzi-lo aos valores informadores da atividade econômica e da propriedade privada eleitos pela Constituição Federal. Destas considerações, pode-se verificar que continua sendo um grande desafio, na ordem econômica, a implementação do princípio do desenvolvimento sustentável, disposto no artigo 225 da Carta constitucional brasileira. Por isso mesmo, é possível afirmar que as questões ambientais estão interligadas com as questões econômicas e sociais, e que a efetividade da proteção ambiental depende do tratamento globalizado e conjunto de todas elas, pelo Estado e pela sociedade. Nesta linha de entendimento, deve-se ter em conta, e adaptada à realidade brasileira de que a Política Nacional de Educação Ambiental estabelece, ao definir como um dos objetivos fundamentais da educação ambiental ―o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos.‖230 Neste contexto, deve ser observada a obrigatoriedade do Poder Público, nos termos dos Arts. 205 e 225 da Constituição Federal, definir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental. Daí destacar a importância da educação ambiental no ensino em todos os níveis de formação educacional. É imprescindível que se desenvolva a consciência ambiental em todos os setores e segmentos da sociedade e que a preservação ambiental seja incorporada amplamente ao modo de vida da sociedade capitalista contemporânea. Essa dimensão ambiental deve ser inserida não apenas nas políticas e ações de governo, mas também nas políticas e ações da iniciativa privada e de toda sociedade, e com a preocupação de que o desenvolvimento sustentável seja implementado no sentido do desenvolvimento humano. Outro aspecto importante é verificar se ainda estão em vigor as isenções concedidas pela União sobre os impostos dos Estados e Municípios (concedidas anteriormente à CF/88): Se as isenções heterônomas concedidas por prazo certo e condições prevaleceram até o final do prazo ou se desatenderam a condição do Art.178 do CTN. Eis a questão: Isenções que 230 Lei nº 9.795/99, art. 5º, I. 119 expressam os incentivos fiscais setoriais (Art. 41 do Ato das Disposições Transitórias) continuaram a vigorar por mais dois anos, salvo se houve manifestação expressa pela ordem de governo correspondente, mediante lei, antes dos dois anos. As demais isenções heterônomas, que não expressam incentivos fiscais setoriais sem prazo ou condição foram derrogadas pela atual Constituição. A Constituição Federal de 1988 fixou os casos de isenções heterônomas por lei complementar do Congresso Nacional. O princípio da isonomia deve ser interpretado em conjunto com o artigo 152 da Constituição Federal que veda aos Estados, Distrito Federal e aos municípios estabelecerem diferença tributária entre os bens e serviços de qualquer natureza em razão de sua procedência ou destino. O Brasil apresenta desequilíbrios regionais expressivos, sendo necessários instrumentos que viabilizem a correção desse cenário, estabelecendo mecanismos que promovam um novo equacionamento das vantagens comparativas para a realização de investimentos produtivos. Tal medida é importante para o equilíbrio regional, propiciando também a eliminação da guerra fiscal, incentivando o investimento e estimulando o crescimento e zonas menos desenvolvidas do País. O princípio da igualdade estatuído no artigo 5º da Constituição como direito e garantia fundamental, configura limitação constitucional ao poder de tributar. A igualdade se coloca como um dos pilares que sustentam o Estado Democrático de Direito. No entanto, as desigualdades existem e decorrem da própria natureza. Devem, porém, ser minimizadas pelo Estado no desempenho de suas funções, sempre à luz da Constituição Federal. O incentivo fiscal só será constitucional, se contemplar uma determinada região política (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul). Segundo Roque Antonio Carrazza: "Só na medida de suas desigualdades econômicas – e ainda assim por região – é que se admite que as pessoas políticas mais carentes venham a desfrutar de vantagens fiscais."231 Por sua vez, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. Prevê que a 231 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 527. 120 responsabilidade pressupõe a ação planejada e transparente, baseadas no cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange à renúncia de receita. Pela autonomia financeira atribuída ao Município, este pode implementar sua legislação tributária (Art. 165, § 2º da CF) de acordo com os limites concedidos na Constituição Federal, além de adequar suas metas de desenvolvimento, de acordo com o equilíbrio entre receitas e despesas. Pode ser contemporizado o desenvolvimento de uma política tributária municipal que fomente o desenvolvimento regional. Para tanto o projeto de lei orçamentária deve ser acompanhado de demonstrativo regionalizado dos efeitos decorrentes de isenções, anistias, remissões e outros benefícios de natureza tributária e financeira (art. 165, par. 6º da CF). Por exemplo, o Município tem a faculdade de renunciar receitas, concedendo ou implementando benefícios fiscais de natureza tributária, desde que elabore uma estimativa do impacto orçamentário-financeiro, conforme estabelece o art. 14 da Lei Complementar 101/2000. Quanto à descaracterização da conduta de renúncia de receita pela administração, é preciso demonstrar que tal renúncia foi considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentária e que não afetará as metas de resultados fiscais ou então, estar acompanhada de medidas de compensação, por meio do aumento de receita. Há fundamento constitucional, legal e doutrinário para a extrafiscalidade, no modelo federativo brasileiro, conforme já exposto. É necessária a interpretação dos mandamentos normativos e vontade política do Poder Público para propor medidas de impacto em matéria tributária sem a preocupação apenas de aumentar a receita, devendo observar que a principal finalidade dos tributos pode ser a intervenção estatal na economia privada e no meio social. É preciso realizar estudos regionalizados para analisar quais serviços, bens, ou renda, em função de sua essencialidade, função social ou carência de prestadores, devem ter alíquotas menores ou não ser tributados. Avaliar se estes incentivos realmente impulsionarão o desenvolvimento social e econômico, são de extrema importância ambiental e social, como reflorestamento, limpeza e drenagem de rios e lagos; serviços propícios a auxiliar a comunidade, como serviços de assistência social; entre outros serviços essenciais, que na maioria dos casos não estão disponíveis a grande parte da população, pelo alto custo ou pela não disponibilidade. Além disso, a instalação de indústrias de porte, melhoria de portos e 121 aeroportos são incentivos que possibilitarão o desenvolvimento regional e acarretará maior oferta de empregos com maior retorno social. Reforçando: A desoneração de tais atividades traria mais benefícios sociais do que a simples arrecadação pode oferecer. Os princípios da ordem econômica informam ao Estado os valores que ele tutela: defesa do meio ambiente, função social da propriedade, entre outros. O meio ambiente não pode ser considerado em separado. É inerente à qualidade de vida, dignidade da pessoa humana, e um conjunto de valores. É preciso ter em conta que a tributação ambiental, quer repressiva ou de preservação, deve estar associada a outros procedimentos administrativos e fiscalizadores. Bem sucedida será a política pública, se vier acompanhada de ações conjuntas da sociedade no controle e preservação ambiental, incluindo ações como a educação ambiental no ensino fundamental e médio, além de ações de toda a sociedade com políticas de iniciativas privadas de forma que o desenvolvimento sustentável seja implementado no sentido do desenvolvimento humano. 122 CONCLUSÃO: O Estado democrático de direito é o sistema político constitucional vigente no Brasil. É dever do Estado, por força constitucional, reduzir as desigualdades econômicas e sociais, promovendo o bem comum. A Constituição brasileira alberga dois princípios aparentemente conflitantes. O Art. 3º, inciso II, determina que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil garantir o desenvolvimento nacional e o Art. 225, por sua vez, prevê a proteção ambiental nos termos ali descritos. Convém ressaltar que o Estado tem como objetivo fundamental o desenvolvimento. O conceito de desenvolvimento adotado pelo constituinte é um conceito moderno, resguardado no Art. 225 da CF. Referido conceito apresenta o desenvolvimento como crescimento econômico, o desenvolvimento como desregulamentação e a redução do papel do Estado, e, o desenvolvimento com a globalização, desenvolvimento como direito humano inalienável. Nessa seara, o conceito estabelecido no Art. 225 da Constituição Federal, acresce ao conceito do Art. 3º, inciso II, pela importância da matéria, na construção do desenvolvimento e na contribuição da qualidade de vida da presente geração e para a preservação do meio ambiente das futuras gerações. Assim, o planejamento do desenvolvimento sustentável das cidades deve ser adequado, com a distribuição espacial da população e com as atividades econômicas do Município e do território sob a área de sua influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente. Por meio da atividade financeira do Estado é que se obtém parte da receita pública para atender as necessidades coletivas. Por isso, pode-se afirmar que o dever de pagar tributos é de fundamental importância para a sociedade. Com as novas funções econômicas do Estado intervencionista, alguns impostos ganham cada vez mais conteúdos de extrafiscalidade, regulando mercado, conforme as políticas monetárias, industriais, comerciais e redistributivas. O tributo deve ser lançado não apenas para financiar as despesas que a máquina estatal é obrigada a realizar para se manter, mas também como forma de contribuir para com a 123 efetivação de uma justa distribuição de riquezas, para que o progresso econômico não seja uma prerrogativa de poucos, e para que a paz, o bem-estar social e o fortalecimento do Estado Democrático de Direito sejam uma garantia de todos. Assim, o Estado age como fiscalizador (forma indireta), regulando ou estimulando atividades econômicas por meio de políticas econômicas, com objetivo de reprimir o abuso do poder econômico, assegurando a justiça social e a preservação do meio ambiente. A proteção ao meio ambiente, como já foi salientada, está inserida na Constituição Federal. É por meio da tributação que o Estado realiza essa atividade, uma tributação não acentuada, e sim com estímulos ou benefícios, entre eles, destacando projetos que contemplam planejamentos ambientais que preservem e recuperem o meio ambiente degradado. Seja qual for a proposta de instituição da tributação ambiental, a sua regulamentação deverá ser discutida em profundidade, analisando detalhadamente todos os aspectos econômicos e ambientais pertinentes, uma vez que a economia e o meio ambiente estão interligados, por ter papel fundamental no desenvolvimento sustentável, nesse aspecto, tem-se que compatibilizar a escassez dos recursos naturais com o desenvolvimento econômico. Assim, o Estado poderá atuar, buscando equilíbrio, pois a preservação ambiental não é função somente estatal é uma interação entre a sociedade e o Estado, buscando soluções sustentáveis, haja vista, ser o meio ambiente valor vital para as futuras gerações. O Estado se vale de meios indiretos econômico-financeiro da extrafiscalidade, como as políticas públicas que se dedica a matéria ambiental, conjugando com os tributos ambientais, para trazer novos incentivos e estímulos na preservação ambiental e no desenvolvimento econômico. Assim, os incentivos e estímulos fiscais poderão ser mais eficazes para a tributação ambiental, por atuarem na esfera da despesa pública e conduzirem os comportamentos empresariais, viabilizando a compatibilização entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente. A partir da interpretação que o desenvolvimento econômico conjuga com o meio ambiente, o legislador positivou que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, portanto, o direito possui papel fundamental na orientação e direcionamento das 124 condutas do homem, por meio da prevenção (por meio de prêmios) ou a repressão (cominação de sanções punitivas). O Estado, juntamente com a sociedade, deve implementar políticas públicas ambientais, e, terão sucesso se propagadas no sistema educacional, ou seja incluídas como disciplina, com o objetivo de reformular o conceito da sociedade sobre a preservação e proteção ao meio ambiente, bem como estimular a participação dos indivíduos junto às ações políticas governamentais e as de iniciativa privada, com o escopo do desenvolvimento sustentável. E para encontrar esse equilíbrio entre a economia e o meio ambiente é necessário aplicar os princípios ambientais da preservação, da precaução, do desenvolvimento sustentável e da cooperação para assegurar a vida humana. Para tanto, a formação dos indivíduos face ao desenvolvimento econômico relacionado à preservação do meio ambiente, é de fundamental importância, não só pensando no imediato, mas em construção e preservação para as futuras gerações, pois, se continuar a degradação da natureza, não mais encontrarão um planeta habitável. Outro ponto abordado foi que os Estados e Municípios fazem verdadeiras guerras para atrair determinadas indústrias, como por exemplo, a automobilística. Estes pontos nos levam a concluir que a concessão de incentivos fiscais contribui com a criação de emprego, com o aumento da renda, tanto dos Estados como dos Municípios. Esta situação, em muita vezes, acaba sendo prejudicial, uma vez que se o incentivo fiscal for revogado, haverá grande crise na região beneficiada, porque as indústrias não terão mais motivo para ficar nestes locais sem a existência de um incentivo fiscal, assim, ocorrendo desemprego, em consequência, crise financeira. Por outro lado, o incentivo fiscal não pode ser eternizado, já que o Estado não pode abrir mão da receita tributária para sempre, nem pode criar uma desigualdade perene entre os contribuintes, somente em razão do local onde estão instalados. No Brasil, os incentivos fiscais concedidos pela União geralmente se voltam para a criação de indústrias. Vê-se, porém, que a grande vocação das regiões é o turismo, assim, é imprescindível a implementação de políticas públicas voltadas para a criação de infraestrutura 125 e treinamento, direcionando o cidadão ao cumprimento das atividades que cada região pode desenvolver. Com certeza, as atividades turísticas aumentariam e continuariam mesmo após o fim do incentivo fiscal que promovesse o seu início nestas regiões como prevê a Constituição Federal em norma programática, "Art. 180. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico." Esta é apenas uma ideia de mais um requisito para a concessão de incentivos fiscais. As atividades por eles promovidas devem ter a capacidade de se manter mesmo sem a sua existência, em face de sua temporariedade, e não podem criar uma situação econômica artificial, em que subsista uma dependência do incentivo para existir. O incentivo não deve ser o motivo único de manutenção de determinado negócio ou atividade, mas deve sim ser uma ferramenta de incremento da atividade já existente e de fomento de vocação ainda não exploradas pela comunidade. Tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico, o incentivo fiscal concedido pela União com objetivo de equilibrar o desenvolvimento das regiões deve ser orientado no sentido de uma efetiva melhora nos indicadores econômicos, e, também sociais na região beneficiada, devendo ser exigido resultado de desenvolvimento dos beneficiários. O requisito da temporariedade do incentivo implica que a atividade estimulada por esse deve ter a capacidade de se manter após o fim do incentivo, sob pena de desenvolvimento artificial da região beneficiada e criação de privilégios tributários perenes para oligarquias regionais, o que a Constituição expressamente veda. Como sugestão de requisito e de orientação para a concessão do incentivo, deve ele respeitar a vocação local, estimulando a criação e desenvolvimento de atividades que se adaptem à região incentivada, entendendo que assim, a chance de êxito na busca dos objetivos de equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico das regiões será maior. O tributo ambiental como eficaz instrumento de justiça social pode apresentar duas finalidades que são: a criação de receitas para o custeio de serviços públicos ambientais e a 126 educação do contribuinte para a preservação ambiental, valendo-se de abstenção ou incentivos fiscais. A extrafiscalidade apresenta-se como base da implementação de uma política pública de controle do comportamento dos entes econômicos, de forma a arremessar iniciativas positivas para o interesse público ambiental. Portanto, a forma mais eficaz de equilíbrio socioeconômico e socioambiental dá-se por intermédio da intervenção estatal, com a implementação de políticas públicas ambientais, para que ambos possam adequar as necessidades existentes ao desenvolvimento sustentável e à preservação do meio ambiente. Desta feita, mitigando os embates existentes entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente, no entanto, mister se faz preparar o cidadão para conciliar o desenvolvimento tecnológico e econômico e a preservação ao meio ambiente. Não basta apenas o envolvimento das organizações governamentais direcionando esforços para a conservação do meio ambiente. As questões ambientais devem ser cada vez mais divulgadas, compreendidas e respeitadas pela população. Têm que ser vivenciadas em sua origem, momento em que ocorrem os danos e a partir dos quais podem ser sanados. Assim, para a concretização das políticas públicas é necessário a parceria do governo e da sociedade. É indispensável que cada um faça sua parte, mas para isso, os órgãos governamentais devem atuar de forma equilibrada e ter ao seu dispor, legislação materializada e pretensão política para conscientizar. E, mais que isso, cobrar ações da sociedade, não por meio coercitivo, mas sim, por intermédio da consciência rumo a um padrão socioambiental mais justo e sustentável. Desta feita, ressalva-se que as ações governamentais e as não governamentais podem valer-se do viés econômico-financeiro da extrafiscalidade em busca do desenvolvimento socioeconômico e do socioambiental. 127 REFERÊNCIAS AFFONSO, Rui de Brito Alves. Guerra fiscal no Brasil: Três – Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná. Série Estudos de Economia do Setor Público. FAPESP. Edições FUNDAP, 1999. AFONSO, Túlio Augusto Tayano. Evolução constitucional do trabalho na ordem econômica jurídica brasileira. Disponível: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/ anais/salvador/tulio_augusto_tayano_afonso. pdf >. 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