Influência do torque residual na deriva do eixo de rotação de satélites artificiais em órbitas circulares Maria Cecília Zanardi , Sheila Crisley de Assis, Isaura M. P. Quirelli Grupo de Planetologia e Dinâmica da UNESP, Depto de Matemática, FEG/UNESP 12516-410, Guaratinguetá, SP E-mail: [email protected] Hélio Koiti Kuga INPE, São José dos Campos,SP E-mail: [email protected] Introdução O objetivo principal deste trabalho é apresentar a influência do torque magnético residual no movimento do eixo de rotação de um satélite artificial. Na análise é considerado o satélite estabilizado por rotação em órbita circular e componentes médias do torque residual para um período orbital. O modelo de quadripolo é utilizado para descrever o campo geomagnético. A atitude do satélite é descrita por coordenadas esféricas: o módulo da velocidade de rotação (W) , ascensão reta (α) e declinação (δ) do eixo de rotação do satélite. Admite-se também que a órbita do satélite ao redor da Terra é conhecida, dada inicialmente pela órbita Kepleriana circular, sendo posteriormente incluídas as principais variações devido ao achatamento da Terra. Soluções analíticas são apresentadas para as equações do movimento que descrevem as variações do módulo da velocidade de rotação, da ascensão reta e da declinação do eixo de rotação do satélite, sendo válidas para um período orbital. A utilização do torque médio já inclui os principais efeitos associados com o torque magnético residual. Torque Magnético Residual O torque magnético residual ocorre devido ao momento magnético ao longo do eixo de rotação do satélite, contribui para uma lenta precessão do eixo de rotação e pode ser dado por (Wertz, 1978): r r r N r =m x B , (1) r r em que B é campo magnético terrestre local e m é a soma dos momentos magnéticos individuais do satélite. Quando a parcela principal do momento magnético do satélite se alinha ao longo do eixo de rotação, o torque magnético residual instantâneo é obtido por: r r N r = M s k̂ x B , (2) em que M s é o módulo do momento magnético do satélite ao longo do eixo de rotação, k̂ é o vetor r unitário ao longo do eixo de rotação do satélite , e B é o campo magnético terrestre local Pela Equação (2) é necessário expressar o campo r magnético B em um sistema fixo no satélite, aqui denominado de sistema do satélite, de modo a determinar as componentes do torque magnético r residual N r no sistema do satélite. O Campo Geomagnético O campo geomagnético é aqui descrito pelo modelo de quadripolo e pode ser expresso em termos da distância geográfica r, da co-latitude φ e da longitude θ de um ponto no espaço, sendo representado no sistema de coordenadas esféricas local por (Zanardi e Real., 2003): r B= B r r̂ + B φ φˆ + B θ θˆ , (3) com r B r = 2 T r 3 r f 1 (θ, φ) + 3 T r 3 4 f 2 ( θ, φ) , 4 r r Bφ = − T f3 (θ, φ) − T f 4 ( θ, φ) , r r 3 Bθ = − (5) 4 1 rT r { f 5 (θ, φ) + T f 6 ( θ, φ) + sen φ r r r + 2 T r sendo (4) 4 f 7 (φ, θ) } , (6) g10 c φ + f1 ( θ, φ) = ( g11 c θ ( ) f 2 ( θ, φ) = 1,5g 02 c 2 φ − 1 + [ + [g 3 + g12 c θ + h12 s θ 2 2 c 2θ + h11 s θ + ] h 22 s 3 4 2θ )s φ , (7) s 2φ + ] 3 4 ( r B = B x î + B y ĵ + B z k̂ , 2 s φ , (8) ) (9) f 3 (θ, φ) = −g 10 s φ + g 11 c θ + h 11 s θ c φ , ( f 4 (θ, φ) = −3g 02 cφsφ + g12 c θ + h12 sθ [g 2 2 c 2θ + h 22 s 2θ ( ] 3 4 ) 3 c 2φ + s 2φ , ) f 5 (θ, φ) = - g11s θ + h11 c θ s φ , [ f 6 ( θ, φ) = - g12 s θ + h 22 c θ ] f 7 (θ, φ) = { - g 22 s 2θ + h 22 c 2θ} Como conhece-se as componentes do campo r magnético ( B ) no Sistema Equatorial, dados pelas expressões (11) a (13), pode-se obter suas componentes no Sistema de Satélite (Zanardi et al,2003): (10) (17) em que î , ĵ, k̂ são os versores do sistema do satélite. Utilizando a matriz de rotação que relaciona o sistema do satélite com o sistema equatorial, as componentes do campo geomagnético no sistema do satélite são dadas por ( Assis, 2004) Bx = - BX senα + BY cos α , (18) B y = -BX senδ cos α − BY sen δ sen α + BZ cos δ , (19) (11) 3 4 s 2φ , (12) s 2φ , (13) 3 4 com os coeficientes gaussianos g 10 , g 11 , g 22 , g 22 , h 11 , h 12 , h 22 obtidos de Wertz (1978), cX e sX representando cos X e sen X respectivamente, e rT sendo o raio equatorial da Terra. Campo Geomagnético no Sistema Equatorial e no Sistema do Satélite Nas equações do movimento rotacional do satélite em geral é necessário determinar as componentes do campo magnético da Terra em um sistema fixo no satélite, aqui denominado sistema do satélite. Para determina-las, inicialmente obtém-se as componentes do campo geomagnético no sistema Equatorial, que são dados por (Wertz, 1978): BX = (Br cos δ + Bφ sen δ ) cos α − Bθ sen α , (14) BY = (Br cos δ + Bφ sen δ ) sen α − Bθ cos α , (15) B Z = B r sen δ + Bφ cos δ , (16) em que α e δ são a ascensão reta e a declinação do vetor posição do satélite, respectivamente, as quais podem ser determinadas a partir dos elementos orbitais do satélite. B z = -B X cos δ cos α − B Y cos δ sen α + B Z sen δ . (20) As componentes Bx, By e Bz serão utilizadas na determinação do torque magnético residual. Torque magnético Residual Médio com o Modelo de Quadripolo O torque residual médio é obtido através da integração do torque magnético residual instantâneo, dado por (2), em um período orbital (T). Considerase aqui o satélite em órbita circular, de modo que a média pode ser desenvolvida em termos do ângulo: w= w+υ, (21) sendo w o argumento do pericentro e υ a anomalia verdadeira. Assim o torque residual médio é dado por: r 1 t0 + T r 1 w i + 2π r N rm = ∫ N r dw = ∫ N r dw , T t0 2π w i (22) com w i sendo o valor do ângulo w no instante inicial t0. Sem perda de generalidade, é aqui considerado que w i = 0 , o que corresponde ao satélite estar cruzando o plano do Equador. Considerando o torque residual instantâneo, dado por (2), efetuando o produto vetorial, com campo r magnético terrestre B expresso no sistema do satélite e dado por (17), o torque residual médio é expresso por (Zanardi et al., 2004): [ ] r M N rm = S N rxm î + N rym ĵ , 2π (23) sendo 2π 2π 0 0 N rxm = − ∫ B y dw e N rym = ∫ Bx dw (24) As integrais (23) e (24) foram desenvolvidas com o auxilio do software MATLAB, obtendo as componentes do campo magnético Bx e By em termos do ângulo w , utilizando as matrizes de rotação que relacionam os sistemas de coordenadas envolvidos e propriedades de trigonometria esférica, como discutido em Assis (2004) e Zanardi et al.(2004). Após diversas manipulações algébricas, as parcelas N rxm e N rym foram determinadas em termos da ascensão reta e declinação do eixo de rotação, sendo expressas por: Equações (27), é possível observar que o torque residual não afeta o módulo da velocidade de rotação ( pois a componente do torque residual é nula no eixo Oz), enquanto: M S N rym dδ (28) = d t 2π I z W dα = d t M S N rxm . 2π I z W cos δ (29) As equações (28) e (29) podem ser integradas assumindo que que o raio orbital, a inclinação da órbita e a longitude do nodo ascendente permanecem constantes durante um perídodo orbital, do mesmo modo que a ascensão reta e declinação (α, δ) e velocidade de rotação (W) permanecem iguais aos valores iniciais (αo, δo, Wo). Assim as soluções analíticas de (28) e ( 29), válidas para um período orbital, são dadas por: Nrxm = A sen δ cos α + B sen δ sen α − C sen δ , (25) δ = k1t + δ 0 , (30) Nrym = −D sen α + E cos δ , (26) α = k 2t + α0 , (31) com A,B,C,D e E sendo funções que dependem do raio e da inclinação I da órbita do satélite (com limitações até tg 6 I/2), da longitude do nodo ascendente da órbita, do raio equatorial da Terra e do tempo sideral. Estes termos não podem ser aqui incluídos devido à limitações de espaço, mas estão apresentadas em Assis (2004). sendo Equações do Movimento e Soluções Analíticas Portanto o torque residual causa a deriva e precessão do eixo de rotação do satélite. Como as soluções (30) e (31) são válidas para um período orbital, os dados orbitais precisam ser atualizados a cada período, incluindo pelo menos a influência do achatamento da Terra. De modo similar, os valores iniciais do módulo da velocidade de rotação, da declinação e ascensão reta do eixo de rotação e momento magnético do satélite podem ser atualizados diariamente. Com esta abordagem a solução analítica para um longo período de tempo estará mais próxima do comportamento real da declinação e ascensão reta do eixo de rotação do satélite. As variações do módulo da velocidade de rotação, da declinação e ascensão reta do eixo de rotação são dadas pelas equações de Euler (Wertz, 1978, Zanardi et al., 2003) : & = 1 N , W z Iz δ& = α& = 1 Ny, Iz W Iz 1 Nx , W Cos δ (27a) (27b) (27c) em que I z é o momento principal de inércia em torno do eixo de rotação, N x , N y e N z são as componentes dos torques externos no sistema do r satélite. Substituindo N rm , dado por (23), nas k1 = k2 = M S N rym 2π I z Wo M S N rxm 2π I z Wo cos δ o (32) (33) Aplicações para os Satélites Brasileiros A teoria desenvolvida pode ser aplicada para os satélites brasileiros de coleta de dados, SCD1 e SCD2, visto que os mesmos são estabilizados por rotação, realizando-se a comparação entre os resultados obtidos com a teoria e os dados Ascensão Reta (graus) 300 280 260 Dados Calculados Dados CCS/INPE 240 220 0 10 20 Dias 30 40 50 Figura 1 – Comportamento da ascensão reta do eixo de rotação para o SCD1 84 Declinação (graus) fornecidos pelo Centro de Controle de satélites (CCS) do INPE. Na aplicação da teoria, a longitude do nodo ascendente foi atualizada a cada período orbital dentro do propagador de atitude, considerando as principais influências do achatamento da Terra. Os elementos orbitais assim como o módulo da velocidade de rotação, ascensão reta e declinação do eixo de rotação foram atualizados diariamente no propagador de atitude desenvolvido, utilizando os dados fornecidos pelo CCS/INPE. As condições iniciais para o SCD1 foram tomadas para 24 de julho de 1993, às 00:00:00 GMT. O comportamento da atitude do SCD1 por um período de 40 dias está apresentado nas Figuras 1 e 2. Em comparação com os dados fornecidos pelo CCS/INPE, a média de erro para a declinação foi de -0,001° e para a ascensão reta apresentou um erro médio de -1,104°. As condições iniciais para o SCD2 foram tomadas 01 de Fevereiro de 2002, às 00:00:00 GMT. O comportamento da atitude do SCD2 por um período de 40 dias está apresentado nas Figuras 3 e 4. De acordo com informações do CCS/INPE, neste período o SCD2 sofreu correções de atitude nos dias 4, 11, 23, 28, e 32, o que justifica as descontinuidades nos gráficos. Em comparação com os dados fornecidos pelo CCS, a média de erro para a declinação foi de 0,042 ° e para a ascensão reta apresentou um erro médio de 0,141°. Como o SCD2 possui controle de atitude, os erros obtidos foram menores do que para o SCD1. Os erros obtidos são satisfatórios e compatíveis com as precisões requeridas para a missão, principalmente levando em conta que a velocidade de rotação é considerada constante no propagador de atitude durante 24 horas, sendo atualizada apenas diariamente. 82 80 78 Dados Calculados Dados CCS/INPE 76 0 10 20 Dias 30 40 50 Figura2 – Comportamento da declinação do eixo de rotação para o SCD1. 284 Ascensão Reta (graus) 280 276 272 Dados Calculados Dados CCS/INPE 268 264 0 10 20 Dias 30 40 50 Figura 3 – Comportamento da ascensão reta do eixo de rotação para o SCD2. 64 Referências Bibliográficas [1] J. R. Wertz, Spacecraft attitude determination and control, London, Reidel, ,1978. [2] M. C. Zanardi, I. M. P. Quirelli, H. K. Kuga, Analytical Attitude Propagation of the Spin Stalized Earth Artifitial Satellite, Proceedings of the 17th International Symposium of Space Flight Dynamics, vol.2, pp. 218-227, Moscou - Rússia, 2003 . 62 Declinação (graus) resultados concordam com os obtidos por Zanardi et al. (2003), quando o modelo de dipolo inclinado é considerado para o campo magnético da Terra. A solução analítica obtida é válida ra um período orbital. Para aplicações com longos períodos de tempo são necessárias atualizações nos elementos orbitais e na atitude do satélite. A teoria foi aplicada para o satélites de coleta de dados brasileiros, SCD1 e SCD2, apresentando uma boa concordância entre a solução analítica e o comportamento real da atitude de cada satélite. Assim a abordagem aqui realizada é útil na propagação analítica da atitude de satélites estabilizados por rotação em órbita circular, na presença do torque residual, e podem ser utilizados nas análises de missão dos satélites de coleta de dados brasileiros. 60 [3] M. C. Zanardi, F. F. Real, Torques Magnéticos com Modelo de Dipolo e Quadripolo para o Campo Geomagnético, Anais do DINCON 2003, v. 2, pp. 758-767, Rio de Janeiro, 2003. 58 Dados Calculados Dados CCS/INPE 56 0 10 20 Dias 30 40 50 Figura 4 – Comportamento da declinação do eixo de rotação para o SCD2. Comentários Finais Um modelo para o torque magnético residual aplicado para satélites artificiais estabilizados por rotação foi aqui apresentado. As componentes médias deste torque em um sistema fixo no satélite foram determinadas, sendo que a teoria mostra que este torque não possui componente ao longo do eixo de rotação do satélite ( eixo z). Portanto, este torque não afeta a magnitude da velocidade de rotação do satélite, mas pode causar a deriva e a precessão do eixo de rotação. Os [4] M. C. Zanardi, S. C. de Assis, Kuga, H. K. Torque Magnético Residual com Modelo de Quadripolo, Anais do DINCON 2004, CD-ROM, pp. 1841-1851, Ilha Solteira, 2004. [5] S. C. Assis, Propagação da Atitude de Satélites Artificias Estabilizados por Rotação: Torque Residual com Modelo de quadripolo para o Campo geomagnético, Dissertação de Mestrado, FEG, UNESP, 2004.