FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO - PODERES DA INSPEÇÃO Dra. Rafaela Pereira Morais Advogada, pós graduada em Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Público, Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho, professora universitária da Universidade Católica de Goiás. PODERES DA INSPEÇÃO DO TRABALHO I – INTRODUÇÃO É competência privativa da União a inspeção do trabalho (art. 21, XXIV da CF), posto que suas atribuições estão intimamente ligadas ao Poder de Polícia. A inspeção do trabalho não é inerte como o Judiciário que necessita de ser provocado, através do direito de ação; o processo de inspeção fiscal, ao contrário, é dinâmico e pró-ativo, indo a campo buscar e averiguar o fiel cumprimento das normas trabalhistas através da orientação a empregados e empregadores sobre a correta aplicação das normas, a verificação in loco ou através de diligências indiretas do cumprimento das disposições legais e regulamentares de proteção ao trabalho, etc.. A Convenção 81 da OIT (ratificada pelo Brasil), em consonância com a legislação federal, estipula que os principais poderes da inspeção do trabalho são: livre acesso, investigação, injunção, poder de notificação para correção de irregularidade, poder de expedição de notificação de débito, poder de autuação, poder de autorização e autenticação, poder de mediação. II – PODERES DA INSPEÇÃO DO TRABALHO 2.1. Poder de livre acesso Efetiva a inspeção do trabalho, vez que, a inspeção por si, sem o poder de visita seria uma atividade meramente burocrática. À época da ratificação da Convenção 81 da OIT pelo Brasil, muito se discutiu sobre o eventual desrespeito à propriedade privada. Hoje em dia essa discussão está superada uma vez que se leva em conta o interesse coletivo, a fé pública e o dever de sigilo da autoridade fiscalizadora. Somente no caso de comprovada necessidade, não poderia o agente fiscal adentrar nas dependências da empresa posto ser o ato administrativo vinculado e não discricionário. 2.2. Poder de investigação Completa o poder de livre acesso. Está relacionado ao acesso que o inspetor do trabalho tem aos documentos da empresa e suas instalações. A inspeção do trabalho está vinculada não à verdade formal, mas à verdade real, que revela-se pela busca dos fatos. O inspetor do trabalho pode inspecionar os trabalhadores e empregadores, pode inspecionar o local da prestação de serviço, podendo buscar toda informação que o ajudará em seu convencimento que, dentro de seu critério de conveniência e oportunidade, irão guia-lo no sentido impor obrigações, sanções ou mesmo dar conselhos para o fiel cumprimento das normas legais. 2.3. Poder de injunção Injunção significa imposição. É o poder que o fiscal do trabalho tem de impor algumas obrigações ao inspecionado a fim de fazer cumprir as normas legais de proteção do trabalho ou, até mesmo, para prevenir ou interromper atividades ou situações que estejam colocando em risco a integridade física dos trabalhadores. 2.4. Poder de Notificação para Correção de Irregularidade O Auditor Fiscal do Ttrabalho poderá notificar a empresa para corrija irregularidades, referentes à saúde e segurança do trabalho, no prazo de até 60 (sessenta) dias; podendo, a empresa solicitar a prorrogação de tal prazo por mais 120 dias. 2.5. Poder de Expedição de Notificação de Débito Poder que o Auditor Fiscal do Trabalho tem de emitir contra infrator, Notificação Fiscal de Débito quando há mora no pagamento do FGTS ou do salário dos trabalhadores. Esta notificação será expedida após procedimento próprio de ação fiscal, sem prejuízo de lavratura de auto de infração. 2.6. Poder de autuação Está relacionado com o poder discricionário do Auditor Fiscal do Trabalho para lavrar auto de infração quando observar violação a preceito legal, sendo que, a não lavratura, poderá acarretar a configuração de crime de responsabilidade. 2.7. Poder de autorização e autenticação O poder de autorização são poderes conferidos ao Auditor Fiscal do Trabalho tais como autorização do trabalho aos domingos, autorização para redução do intervalo intrajornada. O poder de autenticação são poderes conferidos ao Auditor Fiscal do Trabalho tais como a autenticação dos Livros de Inspeção do Trabalho e das fichas ou livros de registro do empregado, os TRCT, etc. 2.8. Poder de mediação Famosa mesa redonda. Forma extrajudicial de solução e prevenção de conflitos. No âmbito da Superintendência Regional do Trabalho é possível solicitar uma mesa redonda que consistirá na mediação de um Auditor Fiscal do Trabalho entre representante de empresa e empregados em torno da discussão da negociação de acordo ou convenção coletiva de trabalho. III – LIMITES E PRINCÍPIOS DA FISCALIZAÇÃO O objetivo da fiscalização constitui-se na elevação da percepção do risco por parte do indivíduo recalcitrante como forma de se aumentar o nível do cumprimento voluntário das obrigações legais. O procedimento fiscal, por força dos princípios administrativos e do próprio caput do art. 37 da CF deve ser realizado dentro do mais estrito respeito às garantias individuais (art. 5° CF) respeitando-se, ainda, o direito à ampla defesa e ao contraditório que inicia-se com a chegada do fiscal nas dependências da empresa. O processo de fiscalização, no âmbito das Superintendências Regionais do Trabalho é realizado seguindo diretrizes internas e determinadas sendo que, uma fiscalização, regra geral, não se inicia de ofício, mas sim, através de procedimentos controlados pelo Sistema Federal de Inspeção do Trabalho e seus respectivos órgãos. No campo do Direito, os princípios são enunciados fundantes do sistema jurídica com função de aplicação e interpretação da norma. No procedimento administrativo, como é o caso da inspeção do trabalho, os princípios são as premissas básicas que irão nortear todo o processo, de forma a torna-lo compatível com o sistema jurídico a qual está vinculado sendo, portanto, de acatamento obrigatório pela Administração Pública, sob pena de nulidade do ato praticado em função do princípio não observado. i) Princípio da Lealdade e Boa-fé Diz respeito ao decoro e à probidade que devem nortear a conduta processual do administrador e do administrado, englobando a presunção de inocência do administrado. Vale ressaltar que agindo o administrado de boa fé, este não precisa ser desestimulado através da punição, uma vez que a orientação e a concessão de prazos já é suficiente para o atingimento do interesse público. ii) Princípio da Instrução Probatória São as condições que o agente fiscal deve propiciar ao fiscalizado para que este produza as provas que entender necessárias. É corolário dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. A formalidade do processo administrativo reclama sua redução a termo. iii) Princípio da verdade real Este princípio estabelece que a Administração deve buscar a veracidade dos fatos independentemente de formalismos burocráticos podendo-se valer de qualquer prova lícita de que tenha conhecimento no momento da atuação. iv) Princípio da Revisibilidade Imediata dos Atos Decorre da legalidade (legalidade administrativa é diferente da legalidade comum) e relaciona-se com o princípio da instrução probatória. Significa que, toda vez que o agente fiscal constatar alguma irregularidade por ocasião da inspeção, antes da lavratura do auto de infração, deverá oportunizar ao inspecionado que este demonstre sua regularidade. Neste caso levanta-se, também, a questão da lavratura do auto de infração fora do local de inspeção. Na prática, observa-se que na visita à empresa, o AFT solicita documentos a serem protocolizados em determinado prazo; passado este prazo, não há manifestação da empresa, fazendo com que o AFT emita o auto de infração via correio. v) Princípio da Preclusão dos Procedimentos É controvertido vez que, em tese, a autoridade administrativa não poderia rever uma fiscalização já encerrada. Não obstante a administração pública ter o poder legal de revisar seus atos de ofício, pelo Princípio da Segurança Jurídica, tal revisão não pode se dar ao bel-prazer da Administração, devendo, desta forma, ser fundamentado. vi) Princípio da audiência do fiscalizado Defende o direito do auditado de conversar com o auditor e o dever que este tem de ouvi-lo. vii) Princípio da objetividade ação fiscal Um dos critérios do processo administrativo deve ser a “objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades” (art. 2° da Lei n°9.784/99). IV – AÇÃO FISCAL A ação fiscal é um procedimento administrativo e, portanto, informado pelos Princípios da Administração Pública cuja finalidade é zelar pelo cumprimento da legislação de proteção ao trabalho através de orientações, notificações e até punições. A ação fiscal inicia-se com o primeiro ato oficial praticado pelo Auditor Fiscal do Trabalho no intuito de realizar suas diligências, seja com a sua presença nas dependências da empresa, seja com a notificação para apresentação de documentos, etc. Sempre que necessário, as inspeções serão efetuadas de forma imprevista, cercadas de todas as cautelas, em época e horário mais apropriados à sua eficácia, sendo que, as determinações para o cumprimento de ação fiscal são comunicadas por escrito pelas autoridades competentes por meio de ordens de serviço. É competência exclusiva da União legislar sobre a inspeção do trabalho (art. 21, XXIV CF). Disposições legais: arts. 626 a 642 da CLT; Decreto n. 4.552/02; Convenção 81 da OIT (ratificada pelo Brasil, dispõe sobre a fiscalização do trabalho). O processo da ação fiscal é gerido pela SIT – Secretaria Federal de Inspeção do Trabalho (coordena, organiza, avalia e controla as atividades de inspeção do trabalho; órgão de gestão) que é dividida em dois departamentos: o DEFIT – Departamento de Fiscalização do Trabalho – focado em legislação trabalhista e o DSST - Departamento de Saúde e Segurança do Trabalho – centrado nas normas de saúde e segurança do trabalho. Auditores Fiscais do Trabalho – agentes de inspeção do trabalho; suas atribuições estão dispostas no art. 11 da Lei nº 10.593/02 e no art. 18 do Decreto 4.552/02 (RIT – Regulamento de Inspeção do Trabalho). Exs.: verificação dos registros em CTPS; verificação do recolhimento do FGTS; cumprimento de acordos, convenções e contratos coletivos de trabalho; expedir notificação para apresentação de documento e para cumprimento de obrigações ou correções de irregularidades;propor interdição de estabelecimento; lavrar termos de compromisso (Mesas de Entendimento)... exercem o Poder de Polícia. São subordinados tecnicamente à SIT e funcionalmente à SRT. Jurisdição: Para efeito da atividade fiscal, cada Unidade da Federação é dividida em circunscrições fixando-se as correspondentes sedes (SRT) sendo que, as circunscrições que tiverem dois ou mais Auditor Fiscal do Trabalho poderão ser divididas em áreas de atuação. Processo de ação fiscal não se dá de ofício e sem planejamento, exceto no caso de fiscalização imediata (quando Auditor Fiscal do Trabalho depara com situação de grave e iminente risco à saúde e a segurança dos trabalhadores, independentemente de sua jurisdição ou ordem de serviço). Instrução Processual Administrativa: Está entre a fase introdutória (fase em que os AFT – utilizando-se da conveniência e oportunidade) lavram autos de infração, notificação de débito, termo de notificação, termos de apreensão, etc) e a fase decisória. Nesta fase há a averiguação dos fatos e o exercício do contraditório e ampla defesa. Procedimentos especiais: Além da ação fiscal tradicional (presença do agente fiscal nas dependências da empresa ou através de notificações de débito ou para apresentação de documentos) as autoridades competentes poderão atentar, ainda, para os seguintes meios de fiscalização: a) procedimento especial de ação fiscal: Procedimento extraordinário cujo objetivo é a orientação sobre o cumprimento de leis bem como, a prevenção e o saneamento de infrações à legislação, no âmbito de empresas ou até mesmo, de setor econômico. Não é aplicável às situações de grave e iminente risco à saúde ou integridade física do trabalhador. Está disciplinado no art. 627-A da CLT e no Capítulo IV do RIT (Decreto n. 4.552). O procedimento especial de ação fiscal objetiva a orientação sobre o cumprimento das leis de proteção ao trabalho, bem como a prevenção e o saneamento de infrações à legislação (art. 27 do RIT). Este procedimento poderá ser instaurado pelo Auditor Fiscal do Trabalho, com anuência da chefia imediata, quando concluir pela ocorrência de motivo grave ou relevante que impossibilite ou dificulte o cumprimento da legislação trabalhista por pessoas ou setor econômico sujeito à inspeção do trabalho. Inicia-se com a notificação expedida pela chefia de fiscalização para comparecimento das pessoas sujeitas à inspeção do trabalho, à sede da unidade descentralizada do Ministério do Trabalho e Emprego, podendo resultar num Termo de Ajuste de Conduta. No caso de o fiscalizado não comparecer à sede da Superintendência Regional do Ttrabalho, será lavrado auto de infração. b) fiscalização móvel – GEFM (Grupos Especiais de Fiscalização Móvel): É regulamentado pela Portaria 549/95 do MTE. Tipo de fiscalização especial muito comum no meio rural onde o DEFIT (Departamento de Fiscalização do Trabalho) e o DSST (Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho) podem convocar Auditor Fiscal do Trabalho para integrar Grupo Especial de Fiscalização Móvel, indicando o Coordenador de cada grupo, sendo que, o AFT convocado ficará diretamente subordinado ao DEFIT e não à Superintendência Regional do Trabalho pelo tempo necessário ao cumprimento da ação fiscal móvel e das atividades internas necessárias. São grupos que fazem atividade de campo, com atuação em todo território nacional. c) dupla visita: procedimento vinculado onde o Auditor Fiscal do Trabalho deverá, observando o critério da dupla visita, orientar e advertir as pessoas sujeitas à inspeção do trabalho e os trabalhadores quanto ao descumprimento da legislação trabalhista; a dupla visita é formalizada em notificação que fixará prazo para a visita seguinte. Apreensão e guarda: A IN SIT 28/08 estabeleceu os procedimentos para apreensão e guarda de documentos, livros, matérias e equipamentos apreendidos pelo Auditor Fiscal do Trabalho. Embargo ou interdição: A Superintendência Regional do Trabalho tem poder para determinar embargo ou interdição de empresa, através de laudo técnico, quando verificar-se a existência de qualquer situação no ambiente de trabalho que possa representar grave e iminente risco para os trabalhadores, sendo grave e iminente risco, toda condição ambiental de trabalho que possa causar acidente do trabalho ou doença profissional com lesão grave à integridade física do trabalhador. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS RENZO, Roberto. Fiscalização do Trabalho. Doutrina e Prática. São Paulo: LTR, 2007.