O Brasil precisa de uma Inspeção padrão FIFA As manifestações que vêm ocorrendo no país serviram para demonstrar com muita clareza o descontentamento da população com vários problemas que há anos vêm sendo deixados de lado, sem solução, principalmente por falta de uma gestão competente. Um dos temas mais reclamados, além da educação, segurança, mobilidade, é a saúde, esta que vem sendo tratada com muito descaso pelos poderes oficiais e que por isto tem causado danos irreversíveis em todos os extratos da população, principalmente aos mais carentes. Todo gestor com um mínimo de raciocínio lógico e conhecimento técnico sabe que quando se trata de saúde pública, os programas de prevenção de doenças são fundamentais para estabelecer uma base sólida para as ações de saúde. É exatamente neste contexto que se insere o trabalho que vem sendo realizado pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF) do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, pode-se dizer nos últimos cem anos. O SIF atua tecnicamente em uma área crucial para a saúde do consumidor que é a inspeção higiênico-sanitária dos alimentos, os de origem animal, que são considerados de maior risco, por serem perecíveis e poderem transmitir doenças, muitas delas de natureza grave. Este trabalho diuturno e permanente que é realizado por equipes oficiais de inspeção nas indústrias, pagas pelo contribuinte, é desconhecido pela população que muitas vezes prefere alimentos clandestinos, sem nenhum controle oficial, por ignorância mantida pela falta de divulgação desta importante atividade realizada pelo poder público. Logicamente se o gestor público desconhecendo a importância do serviço prestado e por isto não achando necessário divulgá-lo, não terá sensibilidade para destinar recursos suficientes para manter a estrutura ou mesmo fortalecê-la, situação verificada atualmente, quando a falta de Médicos Veterinários é atestada e notificada constantemente pelas chefias das Superintendências estaduais que através de relatórios solicitam novas contratações para atender as demandas originadas principalmente pelas aposentadorias de funcionários, instalação de novas empresas, adequação de indústrias para o comércio internacional de alimentos. A eficiência na prestação de um serviço de inspeção industrial depende de equipes de trabalho que precisam ser treinadas quando formadas e também no decorrer do cumprimento de suas tarefas, com cursos complementares melhorando constantemente a qualidade do exercício da atividade. O DIPOA tem uma estrutura organizacional importante para o país, mantendo um setor normativo em Brasília e fiscalizando o cumprimento da legislação, através de equipes próprias polvilhadas por todo território nacional, que em cada Inspeção Federal (IF) instalada nos diferentes tipos de estabelecimentos industriais, fazem cumprir os padrões mínimos de segurança dos alimentos. Esta estrutura vem sendo a co-responsável pela evolução das exportações provenientes do agronegócio brasileiro, que transformou o país no grande celeiro mundial de alimentos e que hoje tem papel fundamental no abastecimento destes produtos para grande parte da população mundial. A credibilidade desfrutada pelo país no exterior, pela qualidade do controle realizado pelo SIF e que foi obtida pelo conhecimento do seu corpo técnico e dedicação dos muitos profissionais Médicos Veterinários que nele prestaram relevantes serviços, não ressoa na esfera burocrática governamental, que pela sua miopia, enxerga mas não vê a importância desta forma de trabalho realizado nestes quase cem anos de existência. É verdade que se torna difícil avaliar do ponto de vista financeiro, qual é o tamanho da economia do trabalho preventivo na área de saúde, pois só a partir do dano causado é que se pode ter a verdadeira dimensão dos custos em dinheiro, social, sanitário e político. Entretanto, no caso da inspeção do SIF é possível verificar o tamanho do problema, através da análise dos dados registrados diariamente pelo país, resultado das condenações de matérias primas e produtos que foram considerados impróprios para o consumo. São toneladas de carnes, leite, pescado, que poderiam, se liberados para o comércio, contribuir para o aumento significativo de pessoas nas filas de atendimento do SUS ou dos convênios de assistência médica. A alegação muitas vezes expressa pela burocracia pública é que não existem recursos para contratação de Médicos Veterinários, porém a geração de bilhões de reais nas exportações de alimentos não serve para os burocratas justificarem a importância destas admissões, que sem dúvida serviriam não só para melhorar a qualidade do trabalho desenvolvido nas exportações, como também para o mercado interno, contemplando o contribuinte brasileiro que paga esta conta. O Serviço de Inspeção precisa ser planejado para que possa manter um mínimo de organização, que não fique a deriva por força das constantes mudanças de ministro, como vem ocorrendo atualmente, com três ministros em três anos e com a possibilidade de no próximo ano sofrer nova mudança. Esta situação política causa uma apatia, certo imobilismo dos funcionários do alto escalão que ficam sem saber qual será o rumo a ser tomado, gerando distenções e desagregação funcional por falta de lideranças consistentes. Cuidar da saúde da população é uma tarefa do poder público, prevista na Constituição Federal, uma obrigação do Estado, que precisa ser planejada, mas vem sendo relegada e que agora para demonstrar alguma atenção, surgem ações como a de importar médicos estrangeiros no “atacado” para fazer frente às necessidades reclamadas pela população nas ruas. Aliado a este fato, o Congresso Nacional aprovou aumento de verbas para saúde através dos royalties do petróleo, que provavelmente não resultará em melhorias substanciais, pois se a estrutura atual não for modificada, não será o aporte de mais recursos que irá resultar em um melhor atendimento às pessoas. Se os medicamentos continuarem a sumir dos almoxarifados, se o superfaturamento dos insumos hospitalares, se as consultas fantasmas continuarem sendo registradas como realizadas e cobradas do sistema público, se funcionários continuarem não cumprindo as suas jornadas de trabalho, se a formação profissional continuar empobrecendo como vem acontecendo, dificilmente mais dinheiro irá resolver os problemas da má gestão destes recursos, estes que irão ser diluídos e desaparecerão nos inúmeros ralos que vem abastecendo a ganância desenfreada dos incompetentes e corruptos. Tudo isto acontece porque a medicina curativa prevalece sobre a medicina preventiva, falta saneamento básico ( 50% dos domicílios brasileiros não tem acesso), falta rigor no controle de alimentos, estimulado pelo elevado índice de clandestinidade na produção. Por isto, o SIF precisa urgentemente retomar seus princípios básicos para os quais foi criado, como o de contribuir para que os consumidores possam ter alimentos seguros, através de uma inspeção presente, não apenas baseada em relatórios de visita de algumas horas, mas atuando constantemente na produção, orientando, contribuindo para evolução dos procedimentos na produção de alimentos, deixando por último a possibilidade de utilizar o poder fiscal, quando efetivamente a empresa não demonstrar interesse em seguir as posturas legais vigentes. Quem faz inspeção são pessoas, que devem ser profissionais qualificados e preparados para esta atividade que é complexa, por isto, a presença permanente destes agentes oficiais, facilita a percepção das dificuldades nas diferentes situações geradas nos processos produtivos, propiciando condições para uma atuação mais justa e colaborativa, porém não permitindo que ocorram abusos ou excessos que possam causar qualquer tipo de dano à saúde da população. Se o país foi capaz de construir belíssimos estádios de futebol, atendendo aos padrões internacionais, impostos pela FIFA, porque o país não pode ter uma fiscalização de alimentos que sirva para atender a todos os brasileiros e aos consumidores do exterior, obedecendo aos rígidos preceitos de organização e qualidade, à semelhança das exigências do padrão FIFA? Este que hoje tem servido como referencial para demonstrar a indignação expressa pela voz das ruas nas manifestações populares. Méd. Vet. Ricardo Moreira Calil Presidente Comissão Técnica de Alimentos CRMV-SP, FFA/MAPA, FMU