BRUNO HENRIQUE GRALIKE TRIGO CARLOS VENANCIO MANZOTI CAROLINA PINHEIRO CAROLINE ROCHA DELMONICO DANIELA AGUIAR DANIELE LAUERMANN VALADAO DE FREITAS ASPECTOS PENAIS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E ANÁLISE DO PROJETO DE LEI Nº 333/2015 Londrina/PR 2015 BRUNO HENRIQUE GRALIKE TRIGO CARLOS VENANCIO MANZOTI CAROLINA PINHEIRO CAROLINE ROCHA DELMONICO DANIELA AGUIAR DANIELE LAUERMANN VALADAO DE FREITAS ASPECTOS PENAIS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E ANÁLISE DO PROJETO DE LEI Nº 333/2015 Trabalho apresentado no I Colóquio de Direito de Família da Universidade Estadual de Londrina - 2015. LONDRINA/PR 2015 1 RESUMO O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.068/1990, emblematicamente, foi um grande marco para efetivação constitucional da proteção às crianças e aos adolescentes, produto histórico-cultural global que reside desde as pretensões contidas na Declaração de Genebra dos Direitos da Criança em 1924. O presente trabalho, entretanto, dentre todas as particularidades do diploma protetivo, delimitase ao microssistema sancionatório/pedagógico referente aos menores em conflito com a lei, bem como os crimes contra as crianças e adolescentes. Em um primeiro momento, destacam-se os princípios que regem o tratamento dispensado aos menores em conflito com a lei, limitando, para tanto, a análise aos metaprincípios, aqueles de prioridade absoluta e de proteção integral. Em seguida, trata-se da inimputabilidade penal e da responsabilização da criança e do adolescente, com ênfase na teoria biológica adotada pelo legislador, de sua presunção absoluta de inimputabilidade e do afastamento da ideia de não responsabilização aos menores infringentes. Ainda, distingue-se o ato infracional dos crimes e contravenções penais; as medidas de proteção como instrumentos de caráter assistencial e pedagógico aplicadas às crianças e o papel do Conselho Tutelar; as medidas socioeducativas, aos adolescentes, com caráter dúbio, sancionatório e pedagógico, porém com eminente predominância ao último; os crimes contra as crianças e os adolescentes, realçando o dever dos investigadores de evitar a “revitimização” dos menores; ao fim o parecer, remetendo ao caráter prático-fático do trabalho, acerca do Projeto de Lei do Senado nº 333 de 2015 que objetiva a alteração no estatuto, adicionado, aos instrumentos já dispostos, o regime especial de atendimento. Palavras-chaves: Estatuto da Criança e Adolescente; microssistema sancionatório/pedagógico; crimes contra crianças e adolescentes; Projeto de Lei do Senado nº 333/2015. 2 ABSTRACT The Statute of Children and Adolescents, Law No. 8,068 / 1990, emblematically, was a major milestone for constitutional effectiveness for the protection of children and adolescents, global historical and cultural product that has lived since the claims contained in the Geneva Declaration of the Rights of the Child in 1924. This work, however, of all the particularities of the protective diploma, is delimited to Sanctions / teaching microsystem relating to minors in conflict with the law, as well as crimes against children and adolescents. At first, we highlight the principles governing the treatment of minors in conflict with the law, limiting, therefore, the analysis of supreme principles, those of absolute priority and full protection. Then it is the criminal unaccountability and child* accountability and adolescents, with an emphasis on biological theory adopted by the legislator in its absolute presumption of unaccountability and departure from the idea of non-accountability to minors infringing. Still, it distinguished the offense of criminal offenses and misdemeanors; protective measures such as healthcare and pedagogical instruments applied to children and the role of the Guardian Council; the educational measures, adolescents with dubious character, sanctions and teaching, but with eminent weight to the latter; crimes against children and adolescents, enhancing the researchers' duty to avoid "re-victimization" of minors; after the opinion, referring to practical and factual character of labor, about Senate Bill’s project No. 333 of 2015 which aims to change the status, added to those that already instruments, the special arrangements for care. Key Words: The Statute of Children and Adolescents; Sanctions / teaching microsystem; crimes against children and adolescents; Senate Bill’s project No. 333 of 2015 3 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 4 2. DOS PRINCÍPIOS QUE REGEM O TRATAMENTO DISPENSADO ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI .................................................................... 4 3. DA INIMPUTABILIDADE PENAL E DA RESPONSABILIZAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE POR SEUS ATOS ....................................................................................... 7 4. DO ATO INFRACIONAL ...................................................................................................... 8 5. DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO ........................................................................................ 9 DO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL ............................................................................. 11 DA INCLUSÃO EM PROGRAMA DE ACOLHIMENTO FAMILIAR .............................. 12 DA COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA ............................................................... 13 6. DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS............................................................................. 14 DA ADVERTÊNCIA .............................................................................................................. 15 DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO ...................................................................... 16 DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE ..................................................... 16 DA LIBERDADE ASSISTIDA.............................................................................................. 16 DO REGIME DE SEMILIBERDADE .................................................................................. 17 DA INTERNAÇÃO ................................................................................................................ 17 7. DOS CRIMES CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE ...................................... 18 8. ANÁLISE DO PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 333, DE 2015 ............................. 19 9. CONCLUSÃO....................................................................................................................... 21 10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 22 4 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho objetiva apresentar a parte que trata do ato infracional e também dos crimes contra as crianças e adolescentes da Lei 8.069/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Para entender, no entanto, os motivos pelos quais tais seres têm seus direitos regidos por um Estatuto específico, faz-se imprescindível a compreensão de que o ECA não fora concebido no direito brasileiro "de um dia para o outro", como resultado do animus de um determinado momento, mas é fruto de uma longa luta internacionalmente travada em prol dos direitos das crianças e dos adolescentes, seres em peculiar situação de desenvolvimento. Deste modo, para elucidar a referida luta, destaca-se a Carta da Liga sobre a Criança (1924), a Declaração dos Direitos da Criança (1959), aprovada por unanimidade pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, as Regras mínimas das Nações Unidas para a administração da Justiça da Infância e da Juventude, recomendações proferidas no 7º Congresso das Nações Unidas (1985), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), adotada pela Organização das Nações Unidas, vigente desde 1990 e promulgada no Brasil neste mesmo ano, sendo todos estes documentos citados instrumentos que buscam a formalização e concretização dos direitos das crianças e adolescentes, vez que se desponta, no cenário internacional, ainda que gradativamente, a consciência da importância de tutela destes seres física, psíquica e moralmente vulneráveis. Na legislação nacional, cabe observar que a Constituição Federal de 1988 firmou o princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, cumprindo, assim, compromisso internacionalmente firmado, e o ECA trouxe as premissas necessárias à concretização de tal princípio, como será visto ao longo do artigo. Por fim, destaca-se que será feito, ao final deste trabalho, para instigar a análise da relação teoria/pratica do ECA, um estudo do Projeto de Lei nº 333 de 2015, de autoria do Senado José Serra (PSDB). 2. DOS PRINCÍPIOS QUE REGEM O TRATAMENTO DISPENSADO ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI 5 Inicialmente cumpre destacar que aqui não será feita uma análise taxativa e exauriente de todos os princípios que influenciam a parte da responsabilidade juvenil do ECA, mas sim um estudo exemplificativo, destacando os princípios mais relevantes e seus pontos principais. Devemos partir dos dois princípios basilares do ECA como um todo, que são os metaprincípios da prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente e o da proteção integral. O primeiro consubstancia-se no caput do art. 227 de nossa Carta Maior, ipsis verbis: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." (grifei) De acordo com esse artigo compreendemos que o nosso constituinte procurou demonstrar sua preocupação com a proteção dos interesses e dos direitos das crianças e adolescentes, de modo a atribuir a responsabilidade para tal entre a família, a sociedade e o Estado, de modo que fica evidenciada a prioridade estabelecida por força constitucional dos que ainda estão em desenvolvimento e a importância do amparo a esse desenvolvimento. Já o metaprincípio da proteção integral é formulado pelo artigo 3º do ECA e, em síntese, estende à criança e ao adolescente todos os direitos fundamentais de que gozam todas as pessoas humanas, e ainda adiciona mais garantias no tocante ao fornecimento de tudo o que for necessário para seu completo desenvolvimento físico, me ntal, moral, espiritual e social, com dignidade e liberdade. Consequentemente, portanto, toda a regulamentação possível referente à prática de ilícitos por esses cidadãos especiais deve tomar como paradigma, ponto de partida e finalidade, obrigatoriamente, esses dois princípios. Passemos agora à reflexão acerca dos demais princípios norteadores desse setor específico do Estatuto. Tendo em vista o que foi acima comentado, sabemos que todas as garantias e direitos assegurados à pessoa humana são igualmente assegurados às 6 crianças e aos adolescentes. Assim, todos os princípios aplicáveis ao Direito Penal são também aplicáveis à parte infracionária do ECA, no que for compatível. A distinção entre os dois reside essencialmente na qualidade da resposta. Enquanto no primeiro a resposta é mais severa, em forma de penas, nas retribuições do segundo predomina o caráter pedagógico, que visa, sobretudo, reabilitar o adolescente infrator, reeducá-lo. O art. 103 do ECA apregoa que "considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal". Temos aqui, portanto, implicitamente, um dos princípios essenciais do Direito Penal, que é o princípio da reserva legal, cristalizado pelo inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal: "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". Analogicamente, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, não haverá ato infracional sem prévia descrição daquela conduta como crime ou contravenção penal, por lei. No art. 106 do ECA, estatui-se que "nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente". Nesse artigo deslumbramos o princípio da motivação dos atos decisórios, constitucionalmente previsto no art. 93, inciso IX, bem como o princípio do juiz natural, perpetrado nos incisos XXXVII e LIII do art. 5º de nossa Carta Magna, que vedam o tribunal de exceção e o julgamento por autoridade incompetente e garantem a imparcialidade do juízo, o princípio da igualdade e também a segurança jurídica. Pela leitura, ainda, do art. 110 do Estatuto extraímos o princípio do devido processo legal, intrinsecamente conectado ao princípio do contraditório e da ampla defesa, também com força constitucional pelos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal. Finalmente, e especialmente quanto às medidas privativas de liberdade dispostas no ECA, temos os princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Trazidos pelo caput do art. 121 do ECA e pela Constituição Federal no art. 227, § 3º, inciso V, esses princípios preocupam-se em moldar essas medidas, consideradas as mais drásticas, para proteger os jovens e garantir que essas medidas cumpram seu papel sem excessos prejudiciais. O princípio da brevidade aduz que a medida tenha a mínima duração necessária à reabilitação do adolescente infrator. Revela-se de grande sensatez a adoção desse prazo máximo, pois, nessa fase especial do desenvolvimento 7 humano, um excesso de internação poderia acarretar sérias consequências e resultados negativos, o que não é o esperado das medidas socioeducativas. Por fim, em virtude do respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento, na determinação da internação, e das outras medidas como um todo, o aplicador deverá sempre considerar a situação especial em que se encontra o adolescente ou a criança, seu estado de desenvolvimento, suas necessidades, a proteção que lhe é garantida pelo Estado, e todos os demais princípios aqui expostos, com o fim de solucionar o caso, proporcionando, sempre àquela criança ou adolescente as melhores oportunidades de desenvolvimento. 3. DA INIMPUTABILIDADE PENAL E DA RESPONSABILIZAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE POR SEUS ATOS O art. 228 da Constituição Federal, com redação idêntica ao art. 27 do Código Penal, traz a fixação da idade para a inimputabilidade penal ao dispor: Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Segundo o doutrinador do Direito Penal, Nelson Hungria, a imputabilidade é capacidade de direito penal ou abstrata condição psíquica da punibilidade. Deste modo, a imputabilidade, elemento da culpabilidade, pode ser entendida como a capacidade de entender a ilicitude de seus atos e de guiar-se de acordo com tal entendimento. A intenção do legislador, neste aspecto tratado, foi criar uma ficção jurídica que determinasse o limiar de imputabilidade. A teoria adotada é biológica, pois, diferentemente de algumas legislações alienígenas, a fixação em 18 anos atende demandas lineares do tempo, e não levam em consideração o real discernimento do menor de 18 anos à época do crime, ou seja, há a presunção absoluta de inimputabilidade. 8 Faz-se imprescindível destacar que o legislador pátrio, ao firmar os 18 anos como marco para a imputabilidade penal, agiu em consonância com o compromisso assumido na Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), bem como acorde com a legislação de diversos países que adotam o mesmo marco. Tendo isto em vista, cumpre ressaltar que se consideram completados os dezoito anos no primeiro minuto do dia que se perfaz a idade, independente da hora de nascimento do agente. Para os mesmos fins, considera-se o tempo da prática do ato aquele no qual ele teve início, mesmo que o resultado ocorra a posteriori. No que tange à responsabilização das crianças e adolescentes, cabe destacar que estes, quando praticam ato infracional, em que pese não recebam o mesmo tratamento imposto aos adultos quando estes cometem crime, não há que se falar que crianças e adolescentes não são responsabilizados por seus atos. O que ocorre, de fato, é que, conforme já exposto, o ordenamento jurídico pátrio atribui-lhes, quando da prática do ato infracional, medida de proteção ou medida socioeducativa, sendo que esta última só pode ser aplicada a adolescentes, como será visto adiante, de modo que há a responsabilização penal juvenil, que difere-se da responsabilização penal de adultos, tendo em vista as crianças e adolescentes serem considerados seres em peculiar estado de desenvolvimento. 4. DO ATO INFRACIONAL A definição de ato infracional é, expressamente, disposta no art. 103 do ECA, ipsis litteris: Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Partindo de uma hermenêutica gramatical/literal, tem-se que o ato infracional seria simplesmente um eufemismo criado pelo legislador na tentativa de diferenciar as punições às crianças e aos adolescentes das aplicadas aos adultos. Entretanto, tal perspectiva torna-se eminentemente errônea ao analisá-la na forma teleológica/axiológica, cujo processo é basilar a todo ordenamento jurídico, conforme 9 Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Nesse sentido FERRAZ JÚNIOR (2003, pag. 285-286): “O pressuposto e, ao mesmo tempo, a regra básica dos métodos teleológicos é de que sempre é possível atribuir um propósito às normas. [...] No direito brasileiro, a própria Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu art. 5º, contém uma exigência teleológica: ‘Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. ’”. Com a apreciação do dispositivo à luz teleológica/axiológica, e até mesmo Constitucional, a qual se inclui em espécie nessa, o ato infracional descrito no art. 103 deve ser entendido como norma especial do Direito da Criança e Adolescente que procura enaltecer o caráter extrapenal da matéria, bem como uma introdução a um microssistema de responsabilização das crianças e adolescentes em conflito com a lei, com princípios e regrais próprias, as quais convergem na inviolabilidade e na perspectiva restaurativa dessas crianças e adolescentes. Em seguida, faz-se mister elucidar uma distinção, no campo ontológico, entre crime/contravenção e ato infracional. Segundo Luiz Regis Prado, o crime/contravenção constitui-se, na sua estrutura, por três elementos: tipicidade, ilicitude e culpabilidade. No que concerne ao dispensado às crianças e aos adolescentes, o aspecto mais importante é o da culpabilidade. Conforme destacado, os menores de 18 anos são inimputáveis, ou seja, a omissão ou ação que resultam em crime/contravenção descritos no Código Penal não lhes dão causa, a relação de causalidade, nesses termos, fica prejudicada, portanto, por uma ligação lógica, caindo à inimputabilidade não há que se sustentar a culpabilidade. Quando um dos três pilares que compõe o crime cai por terra, não podemos falar em crime, sob a ótica do Código Penal, mas, in causo, quando apenas persistem a tipicidade e a ilicitude, comete o agente, o menor em conflito com a lei, um ato infracional, previsto no art. 103 do ECA. 5. DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO 10 O ECA, em seu título II, capítulo I, da parte especial do estatuto, dispõe sobre as medidas de proteção à criança e ao adolescente, medidas estas que se revelam coerentes com a doutrina da proteção integral, já esmiuçada neste trabalho. Deste modo, dispõe o art. 98 do ECA que as medidas de proteção são aplicáveis às crianças e aos adolescentes quando os direitos destes seres forem ameaçados ou violados em razão de ação ou omissão do Estado, da sociedade ou de seus responsáveis, bem como em razão de sua própria conduta. Neste contexto, cabe elucidar que as medidas de proteção devem ser entendidas como instrumentos - ações ou programas - de caráter assistencial e com objetivo pedagógico, aplicáveis nas hipóteses acima mencionadas. Na aplicação das medidas de proteção, de acordo com o que estatuem os incisos do parágrafo único do art. 100 do ECA, devem ser observados princípios gerais, sobre os quais já foi dissertado neste trabalho, e também princípios intimamente relacionais à aplicação das medidas de proteção, como, por exemplo, intervenção mínima e precoce, proporcionalidade e atualidade da medida, obrigatoriedade de informação, da responsabilidade parental, além de oitiva e participação das crianças e adolescentes na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção que lhes será aplicada, respeitando, sempre, o estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão dos seres tutelados. Após a análise do conceito, objetivos e princípios que regem as medidas de proteção, cabe destacar o art. 101, caput, do ECA, que reza: Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; ou VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; 11 VII - acolhimento institucional; VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar; IX - colocação em família substituta. O caput do artigo acima transcrito apresenta um rol exemplificativo de medidas de proteção, que podem ser aplicadas e crianças e adolescentes, isoladas ou cumulativamente e substituídas a qualquer tempo, conforme art. 98 do ECA. Cumpre destacar, ainda, que a competência para aplicar as medidas previstas no art. 101, I ao VII do ECA é do Conselho Tutelar às crianças e aos adolescentes com seus direitos ameaçados de violação ou de fato violados, conforme art. 136, I do ECA e às crianças quando da prática do ato infracional, de acordo com art. 105 do Estatuto em estudo. Destaca-se, que o Juiz da Vara de Infância de Juventude poderá aplicar medidas protetivas nas hipóteses do art. 98 do ECA, bem como quando houver a prática de ato infracional por adolescente. Quanto à competência, cabe ressaltar que, conforme reza art. 137 do ECA, o Juiz da Vara de Infância e da Juventude poderá, a requerimento do interessado, revisar decisões do Conselho Tutelar, além de atuar como se este fosse nas Comarcas nas quais ainda não tenha sido instituído Conselho Tutelar, de acordo com art. 262 do ECA. Em relação às medidas específicas de proteção, ainda, entende-se que as dispostas do inciso I ao inciso VI do art. 101 do ECA são de fácil entendimento e não demandam minuciosas explicações. Cabem, no entanto, no que tange às medidas estatuídas nos demais incisos, as seguintes observações: DO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL O acolhimento institucional caracteriza-se pela permanência, pelo tempo estritamente necessário, da criança ou do adolescente junto a uma instituição de atendimento, governamental ou não, presidida por um dirigente, que será o guardião daqueles que estão sob os cuidados da entidade. Cumpre destacar que tal medida, conforme preconiza art. 101, §1º do ECA, deve ter caráter provisório e excepcional, bem como utilizada como forma de transição para reintegração familiar ou colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade. No que tange à competência para sua aplicação, destaca-se que a Lei Federal nº 12010/2009, popularmente conhecida como Nova Lei de Adoção, 12 acrescentou parágrafos ao art. 101 do ECA, dentre os quais, em atenção ao assunto em apreço, destaca-se: § 2o Sem prejuízo da tomada de medidas emergenciais para proteção de vítimas de violência ou abuso sexual e das providências a que alude o art. 130 desta Lei, o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade judiciária e importará na deflagração, a pedido do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, de procedimento judicial contencioso, no qual se garanta aos pais ou ao responsável legal o exercício do contraditório e da ampla defesa. Deste parágrafo infere-se que é competência exclusiva do Juiz da Infância e da Juventude o encaminhamento das crianças e dos adolescentes ao acolhimento institucional, mediante Guia de Acolhimento, ao passo que, aparentemente de encontro a tal dispositivo, o art. 136, I, atribui tal competência também ao Conselho Tutelar. De acordo com o professor Leandro Sarmento d'Ornellas, em seu artigo “Acolhimento Institucional no ECA”, tal conflito de normas é apenas aparente, sendo que, de acordo com o art. 93 do Estatuto em questão, as entidades que mantenham programa de acolhimento institucional poderão, em caráter excepcional, acolher crianças e adolescentes sem prévia determinação da autoridade competente, ou seja, há casos em que a urgência do caso demanda ações imediatas, de modo que, em tais casos, o Conselho Tutelar poderá encaminhar a criança ou o adolescente a acolhimento institucional e comunicar o fato em até 24 horas ao Juiz da Infância e da Juventude, sob pena de responsabilidade. Cumpre destacar, por fim, que em acolhimento institucional, a criança e o adolescente receberão da equipe do respectivo programa tratamento individualizado, que respeite, sobretudo, sua dignidade enquanto pessoa humana em plena formação. DA INCLUSÃO EM PROGRAMA DE ACOLHIMENTO FAMILIAR Por acolhimento familiar entende-se medida de proteção que deve ser aplicada exclusivamente pelo Juiz da Vara da Infância e da Juventude, de forma excepcional e provisória, quando necessária a retirada da criança ou do adolescente 13 de sua família natural e entrega aos cuidados de família acolhedora, previamente cadastrada para exercer tal função e que será supervisionada por assistente social do próprio Juízo ou do Conselho Tutelar. Destaca-se que não se deve perder de vista a reintegração familiar. DA COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA De acordo com o art. 19 do ECA e também com uma leitura sistemática do estatuto, a convivência familiar deve ser priorizada quando da aplicação de medidas de proteção. Visando à concretização de tal preceito, a Lei 12.010/2009 estabeleceu um período máximo de tempo no qual a criança ou o adolescente permanecerá em acolhimento institucional ou familiar, sendo tal tempo de, no máximo, 02 anos salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária, conforme art. 19, §2º do ECA. Prevê o §3º do artigo em apreço, ainda, que a situação da criança ou do adolescente nestes casos será reavaliada, no máximo, a cada 06 meses para que se decida pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta. Destaca-se que a manutenção ou reintegração da criança ou adolescente à sua família será medida prioritária, mas, não sendo possível, será a criança colocada em família substituta. A colocação em família substituta far-se-á de acordo com o art. 28 do ECA, mediante guarda, tutela ou adoção e, sendo tais institutos do direito civil, não esmiuçaremos estes temas, sendo importante ressaltar que, conforme parágrafos do artigo supracitado, a fim de minorar as consequências psicológicas, morais sofridas pela criança ou adolescente quando da aplicação de tal medida, haverá uma preparação gradativa, bem como será considerado o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade. Por fim, necessário se faz observar que o ECA prevê outras medidas, que podem ser aplicadas inclusive aos pais e responsáveis, sempre tendo em vista o melhor interesse da criança e do adolescente. 14 6. DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS As medidas socioeducativas são as medidas aplicáveis aos adolescentes autores de atos infracionais. Estão dispostas no art. 112 do ECA e objetivam reeducar o adolescente que praticou ato infracional, a fim de que este não se torne reincidente. As medidas em questão não se confundem com a pena imposta aos imputáveis que cometem algum tipo de crime, pois esta possui um eminente caráter punitivo, sendo que a medida socioeducativa, em que pese sancionatória, possui caráter predominantemente pedagógico, como já explicitado. Ainda, não há de se fazer qualquer relação entre a quantidade de pena in abstrato aplicada aos imputáveis e a medida socioeducativa aplicada ao adolescente que praticar a mesma conduta, vez que a aplicação de tais medidas não está sujeita a preceitos utilizados no Código Penal, em especial a análise das circunstâncias judiciais dispostas no art. 59 do referido código. Cumpre-se ressaltar que, no que tange à aplicação de medidas socioeducativas, a Lei 12.456/2012 instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Sócio Educativo (SINASE), coordenado pela União e entendido como um conjunto de princípios, normas e critérios relacionados à execução da medida socioeducativa, devendo ser aplicado em todo o território nacional. No que tange às medidas socioeducativas in especie, o art. 112 do ECA, em rol taxativo, dispõe: Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional. 15 A competência para se proferir sentenças socioeducativas será do Juiz da Infância e da Juventude, que irá analisar a utilidade e efetividade da medida no caso sub judice. Ademais, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração também serão levadas em consideração, sendo que na primeira deverão ser considerados todos os fatores que levaram o adolescente a cometer o ato infracional e na segunda ocorrerá a aplicação do principio da proporcionalidade entre a atitude praticada e a medida aplicada. Em que pese já tenha sido discorrido sobre os princípios que regem a aplicação de tais medidas, faz-se necessário recordar que para a aplicação da medida socioeducativa devem ser respeitas as necessidades pedagógicas do adolescente, bem como os princípios da celeridade processual, legalidade, segurança jurídica, excepcionalidade, brevidade, etc. Ressalta-se, ainda, a necessidade de envolvimento e fortalecimento do vínculo familiar e comunitário no processo de aplicação da medida, vez que essa relação é essencial ao sucesso do processo pedagógico. Tendo em vista o exposto, cabe, ainda, reiterar que, conforme exposto no art. 114 do ECA, é obrigatória a presença de prova inequívoca da autoria e materialidade da infração, assegurado, assim como no Código Penal, o princípio do contraditório, da ampla defesa e principalmente do in dubio pro reo. Explanadas as questões gerais acerca das medidas socioeducativas, passa-se a análise de suas espécies, dispostas nos tópicos a seguir: DA ADVERTÊNCIA A advertência prevista no ECA, em seu art. 115, possui caráter eminentemente pedagógico, mas deve-se levar em consideração que o ato de "advertir" terá também uma intenção sancionatória, vez que se valerá de um ato de uma autoridade em uma situação social, uma relação de poder específica. É, de todo modo, uma forma sutil e eficaz de repreensão pedagógica imposta pelo juiz da Vara da Infância e Juventude. A advertência é a única medida que poderá ser executada diretamente pela autoridade judiciária no curso da instrução do procedimento apuratório do ato infracional ou na sentença final. Poderá, se for o caso, ser aplicada pelo Ministério 16 Público antes da instauração do processo apuratório, inclusive com o benefício da remissão. DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO É medida aplicável aos atos infracionais que possuem reflexos patrimoniais e está disposta no art. 116 do ECA. Deve-se observar a capacidade do adolescente em cumprir a medida, sendo fundamental que seja feita a reparação pelo próprio adolescente para que esta cumpra seu caráter pedagógico. Por fim, sendo impossível a restituição da coisa, ocorrerá o seu ressarcimento do modo mais completo e viável. DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE A prestação de serviços à comunidade, como medida socioeducativa, consiste na realização, por um período não superior a seis meses, de tarefas gratuitas de interesse geral. Ressalta-se que tal medida não poderá servir de exploração de mão de obra do adolescente, atentando-se ao caráter pedagógico da questão. Além disso, a medida de prestação de serviços à comunidade pressupõe a criação de um programa socioeducativo que compreenda uma proposta pedagógica não somente ao adolescente, mas também para o meio, pois quando ocorre a integração do adolescente com o próprio meio, este estará contribuindo para o desenvolvimento total do adolescente, além de auxiliar na fiscalização e apoio do efetivo cumprimento da medida socioeducativa. DA LIBERDADE ASSISTIDA Disposta no art. 118 do Estatuto, a liberdade assistida ocorre em casos em que se mostre necessário acompanhar a vida do adolescente, garantindo-lhe aspectos de proteção, inserção comunitária, cotidiano, manutenção dos vínculos familiares, etc. É a medida que melhor expressa o sentido do sistema socioeducativo, vez que há uma intervenção positiva e efetiva na vida do adolescente, que terá uma pessoa capacitada para ser seu “orientador”, designado por autoridade competente para auxiliar, orientar e acompanhar o adolescente. 17 DO REGIME DE SEMILIBERDADE O regime de semiliberdade como medida socioeducativa se faz eminentemente pedagógico, ainda que haja a sanção no sentido em que há uma parcial restrição à liberdade e ao convívio do adolescente com sua família e comunidade. Em tal medida, há a necessidade de um programa socioeducativo de excelência, que compreenderá atividades externas de caráter pedagógico que auxiliarão o adolescente em sua ressocialização, como a inserção no mercado de trabalho, no ambiente escolar etc. É admissível como início ou progressão para o meio aberto e é possibilitada a realização de atividades externas, que serão realizadas na própria comunidade, independente de autorização judicial. Por fim, tal medida não comportará prazo pré-determinado, aplicando-se, no que couber, conforme art. 120, §2º do ECA, as disposições relativas à internação. DA INTERNAÇÃO A internação é, dentre as medidas socioeducativas, a considerada mais severa. Deve ser aplicada somente em ultima ratio, ou seja, deve ser usada apenas como último recurso mediante casos mais graves, sendo em caráter excepcional e atendendo a princípios como o do devido processo legal, brevidade e excepcionalidade. Tendo isto em vista, a privação da liberdade do adolescente deve ocorrer pelo menor período possível, pois retirá-lo do convívio da sociedade por mais tempo do que o necessário à sua reabilitação implicará em prejuízos à sua ressocialização, tornando ineficaz a medida, tendo em vista seu caráter preponderantemente pedagógico. Assim sendo, a medida de internação jamais poderá exceder 03 anos e, no máximo a cada 06 meses, serão realizadas avaliações com decisões fundamentadas, demonstrando-se a necessidade de continuidade ou não da referida medida. É importante mencionar que a internação ocorrerá nas hipóteses em que o ato infracional for cometido com violência ou grave ameaça, na reincidência em infrações graves ou no descumprimento reiterado e injustificável de outra medida imposta, sendo que nesta última hipótese a internação terá o prazo máximo de 03 18 meses. Tais situações estão dispostas no art. 122, incisos I a III do ECA e, portanto, há um rol taxativo para a aplicação da medida, que só ocorrerá caso não exista outra mais adequada ao caso em questão. Como bem dispõe o art. 123 do ECA, a internação será feita em local exclusivo, destinado aos adolescentes, e haverá uma rigorosa separação dos infratores por critérios como a idade, compleição física e gravidade da infração cometida. De acordo com a proposta pedagógica do adolescente, será possível que o mesmo realize atividades externas, salvo determinação em contrário, que deverá ser fundamentada pelo juiz competente. As atividades serão realizadas a fim de que se concedam direitos inerentes à dignidade do próprio indivíduo, como a escolarização, profissionalização, cultura, esporte e lazer. Outrossim, estão elencados no art. 124 do Estatuto os direitos e garantidas dos adolescentes internados em cumprimento à medida socioeducativa, sendo que o artigo em questão traz efetivamente as regras de Estado Democrático de Direito para o interior da medida de internação. Por fim, o art. 125 determina que seja dos órgãos públicos competentes a plena responsabilidade pela integridade dos adolescentes privados de liberdade, garantindo a contenção e segurança destes. Atenta-se que tal integridade abordada é tanto a física quanto a moral. Deste modo, faz-se necessário que o estabelecimento onde ocorrerá o cumprimento da medida, seja projetado para que atenda aos princípios inerentes à dignidade do adolescente, como a preservação da imagem, identidade, autonomia etc., bem como possibilite sua integral segurança. 7. DOS CRIMES CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE Em que pese o Código Penal tutelar os direitos de crianças e adolescentes agravando a pena, em diversos dispositivos, quando o crime é cometido em face destes seres em condição especial de desenvolvimento, o legislador entendeu prudente criminalizar determinadas condutas em que os sujeitos passivos são, em regra, crianças ou adolescentes, de modo a não deixar margem à impunidade. De tal forma, os crimes contra a criança e o adolescente estão elencados no ECA em seu título VII, capítulo I, e vão do art. 226 ao 244-B do Estatuto em 19 questão. Este capítulo foi criado, cumpre destacar, com o propósito de efetivar o art. 227 da Constituição Federal, o qual estipula como sendo responsabilidade da família, da sociedade e do Estado garantir que as crianças e adolescentes estejam a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Tendo esclarecido o exposto acima, destaca-se que a ação para tais crimes, devido ao caráter indisponível dos direitos das crianças e dos adolescentes, é pública incondicionada, conforme estatui art. 227 do ECA. Faz-se importante destacar que, na investigação e coleta de provas, a criança ou adolescente não poderá ser submetido a constrangimento, fazendo-se necessária a orientação à vítima por parte de profissionais de diferentes áreas. É função daqueles responsáveis pela investigação e pelo julgamento evitar o advento da “revitimização”, poupando a vítima de maiores prejuízos e, de preferência, coletando seu depoimento pessoal uma única vez. Diante do exposto é importante pontuar que o ECA, ao tipificar condutas geralmente dirigidas em face de crianças e adolescentes e que fere a dignidade destes enquanto seres humanos e, principalmente, enquanto seres humanos em desenvolvimento, cumpre com maestria sua função e missão de tutelar os direitos de todas as crianças e adolescentes. 8. ANÁLISE DO PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 333, DE 2015 Antes da análise do Projeto de Lei do Senado nº 333, de 2015 (PL Nº 333/2015), de autoria do Senador José Serra (PSDB), faz-se necessário destacar que, por ainda estar tramitando no Congresso Nacional, o projeto em apreço pode sofrer mudanças ao longo do procedimento legislativo, mas que o objetivo deste tópico é fazer uma breve análise do projeto inicial, tendo em vista que, ainda que sofra alterações, a razão de ser e a consonância do projeto com o ordenamento jurídico pátrio não serão modificados e estes são, em última análise, o que nos interessa no presente artigo. Deste modo, ressaltamos as duas principais alterações trazidas pelo PL nº 333/2015, quais sejam: a) a medida socioeducativa de internação dos atos infracionais equiparados aos crimes qualificados como hediondos seriam cumpridas 20 em um Regime Especial de Atendimento, que seria um estabelecimento educacional com maior contenção; b) quando neste Regime Especial de Atendimento, a medida de internação poderia ser estendida por até 10 anos. Pois bem, tendo em vista todo o exposto no presente trabalho e as propostas do PL nº 333/2015, questiona-se: Este projeto atende aos princípios constitucionais da prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente e o da proteção integral? Respeita o princípio constitucional da brevidade das medidas socioeducativas que impliquem em privação de liberdade? Respeita os objetivos das medidas socioeducativas? A resposta a todos os questionamentos expostos é não. Este projeto é flagrantemente contrário ao ordenamento jurídico pátrio, bem como contrário aos compromissos internacionalmente assumidos por nosso país. Em uma medida socioeducativa de internação de até 10 anos, certamente, as consequências negativas de qualquer medida de restrição de liberdade seriam sobrepostas ao caráter pedagógico da medida de internação, de modo que o objetivo desta, qual seja, o de ressocializar o indivíduo, ficaria prejudicado. Além disto, o ECA já prevê, como exposto ao longo do presente artigo, que os adolescente, quando internados, deverão ser separados por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração. Qual seria, então, a razão de ser de um Regime Especial de Atendimento? Como seria este Regime Especial de Atendimento? Justificar tal tratamento dizendo, conforme a justificativa do projeto em apreço, que "a aplicação ao jovem adulto do programa socioeducativo previsto no ECA mostra-se inadequada e ineficaz, tanto para a garantia da segurança e disciplina das unidades, como para o projeto de educação e inserção desses jovens na sociedade" e, então, explicar que este Regime Especial da Atendimento seria um "estabelecimento educacional com maior contenção" não faz sentido algum. Oras, se o objetivo é o projeto de ressocialização desses jovens na sociedade, quais são as propostas para tanto? A contenção, por si só, não é pedagógica. Ao relacionar seu projeto à redução da maioridade penal o Senador explicita "mas a eventual mudança desse artigo (art. 228 da CF) é improvável, [...] Há, porém, um caminho mais curto, eficaz e viável para punir os crimes violentos praticados por jovens que têm plena consciência dos seus atos." As leis, 21 principalmente quando tratam dos direitos da infância e da juventude, devem ser devidamente discutidas e tratadas com seriedade! Não há que se pensar em caminhos mais curtos, principalmente quando tais caminhos implicam na privação da liberdade e na redução das possibilidades de ressocialização de nossos adolescentes. A insinuação de que os jovens não são punidos é confundir inimputabilidade com impunidade e tal confusão, facilmente desfeita com a leitura do presente artigo, não pode ser admitida como justificativa em um projeto de lei de tal importância. 9. CONCLUSÃO A partir da exaustiva análise dos dispositivos legais e da doutrina relativas ao Estatuto da Criança e Adolescente, com enfoque ao microssistema sancionatório/pedagógico aos menores infratores, sua aplicação, bem como os crimes cometidos contra as crianças e adolescentes, tem-se que o legislador o elaborou à luz dos princípios constitucionais e dos compromissos assumidos em âmbito global. A criança e o adolescente são, indiscutivelmente, indivíduos em peculiar situação de desenvolvimento e ignorar tal prerrogativa quando da prática de crimes e contravenções, submetendo-os às mesmas penas impostas aos adultos seria, além de desrespeito as suas respectivas dignidades, desperdiçar a oportunidade restaurativa elevada desses casos. Ainda, ao fim, partindo do exame do Projeto de Lei nº 333/2015, percebese que os princípios constitucionais basilares ao ECA não foram totalmente assimilados à consciência social, pois segue, em grande parte com o apoio popular, o discurso da segurança social em detrimento aos direitos de crianças e adolescentes, refletindo, assim, a confusão existente no senso comum entre inimputabilidade e impunidade. A segurança social e os direitos das crianças e adolescentes não são excludentes, mas, ao contrário, as medidas aplicadas aos menores que cometem ato infracional objetivam redirecioná-los a fim de se evitar a reincidência e, portanto, mitigar os casos que afrontam a paz social. Foi, é e será tempo de luta pela concretização do ECA, dos princípios constitucionais de proteção 22 e resguardo das crianças a dos adolescentes e não pela busca de meios curtos e paliativos que afrontam tais conquistas. 10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DIGIÁCOMO, Murilo José. DIGIÁCOMO, Ildeara de Amorim. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado e Interpretado. Curitiba, SEDS, 2013. FONSECA, Antônio Cezar Lima da. Crimes contra a criança e o adolescente. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2003. ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: Lei 8.069/1990: artigo por artigo. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. CERQUEIRA, Thales Tácito Ponte Luz de Pádua. Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente – Teoria e Prática. 2. ed. Niterói: Impetus, 2010. SERRO, Dalilian Luiz. Et al. A Aplicabilidade dos Princípios e das Garantias do Processo Penal ao Direito Processual Penal Juvenil. Revista Processus de Estudos de Gestão, Jurídicos e Financeiros, ano 3, edição Nº 07, 2008. Disponível em <http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/artigos/2012/a-aplicabilidade-dos- 23 principios-e-das-garantias-do-processo-penal-ao-direito-processual-penal-juvenil>. Acesso em 13 ago. 2015. PINOTI, Antônio Jurandir. 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