COMO FAZER SEU PACIENTE DORMIR MELHOR FUNDAMENTOS DA MEDICINA DO SONO PARA PROFISSIONAIS DA SAÚDE CAIO BONADIO PSI QUI ATRA E MÉDI CO DO SONO SUMÁRIO 01 BOAS-VINDAS 34 COMO INVESTIGAR UMA QUEIXA DE SONO? 06 INTRODUÇÃO 41 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? 13 POR QUE ISSO É IMPORTANTE? 61 CONSIDERAÇÕES FINAIS 21 O QUE É O SONO NORMAL E COMO ELE FUNCIONA? 64 SOBRE O AUTOR BOAS-VINDAS BOAS-VINDAS Dormir é um comportamento tão primitivo quanto comer ou fugir de predadores. É um ato de sobrevivência. Nos primórdios da nossa espécie, convivíamos com escassez de alimentos, ameaça constante de predadores, brigas por territórios e temperaturas extremas... Nossa vida estava sempre por um fio... Mas os tempos são outros! Por que raios temos vivido como se estivéssemos em guerra diária pela sobrevivência? 1. os alimentos estão mais disponíveis. 2. temos aquecedores, ar condicionado e roupas sintéticas que nos protegem das variações climáticas. 3. há regras, leis e forças policiais que regem a convivência entre indivíduos e Estados. 4. a tecnologia proporciona conforto e velocidade de comunicação, bem como acesso facilitado a novos conhecimentos e menores barreiras sociais. Dormir mal pode acontecer. Afinal todos temos problemas e preocupações que tiram o sono... Mas isso não pode definitivamente ser uma regra. É nosso papel como profissionais da saúde promovermos essa consciência. Ignorar, relevar ou tratar incorretamente as queixas de sono de seus pacientes têm consequências perigosas para a saúde física e mental deles; para a sua atuação profissional e para a saúde pública do Brasil. 02 BOAS-VINDAS Sem falar nos efeitos nocivos para a produtividade no trabalho, para as relações familiares e amorosas, para o bem estar geral da sociedade e até para o PIB. Quem dorme mal morre mais cedo e vive com menos qualidade de vida. Saúde mental e boas noites de sono são minhas especialidades e é por isso que escrevo este eBook: Chegou sua hora de aprender a fazer o seu paciente reestabelecer uma relação saudável com o travesseiro. Sabia que o tempo médio de diagnóstico dos distúrbios do sono é inacreditavelmente alto? A hipersonia, por exemplo, demora mais ou menos 10 anos para ser identificada. Com frequência, atendo pacientes que já passaram por 5, 6, 7 até 10 profissionais da saúde diferentes! SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA... Ao desconfiar que suas noites de sono precisam de intervenção médica, o indivíduo vai ao Médico de Família. Ele relata que faz 4 anos que não dorme direito e é encaminhado ao endocrinologista. Além do tratamento hormonal, o profissional sugere consultar um educador físico e um nutricionista. Ao falhar na construção de bons hábitos, as noites de sono pioram e o ronco torna-se insuportável para o parceiro ou a parceira de cama, que o obriga a ir ao fonoaudiólogo. 03 BOAS-VINDAS Sem paciência para os exercícios, desenvolve ansiedade, compulsão alimentar, torna-se estressado e é demitido do emprego. Hora de buscar um psicólogo! Depois de 2 anos de psicoterapia, entre idas e vindas, é convencido pelos seus familiares a consultar um psiquiatra. Já com a consulta agendada, resolve passar o final de semana em um retiro espiritual. Então, depois de 3 anos da primeira ida ao Médico de Família, o indivíduo chega no consultório psiquiátrico. Além de insone, obeso, estressado, ansioso e sedentário, ele toma diariamente 10mg de melatonina que consegue comprar em qualquer farmácia. Para a sorte de nosso herói, o psiquiatra é espectador assíduo do DormeCast, o podcast semanal sobre sono e saúde mental deste médico que vos escreve, e resolve enviar um direct para debater o caso. Enfim, após 7 anos de guerra com seu relógio biológico, o paciente chega ao meu consultório: "Doutor, eu sequer lembro da última noite que dormi direito!" Legal, mas e daí? Qual a razão de eu contar essa história? Esta janela tem que ser encurtada. Com urgência! Todos os profissionais da saúde mencionados acima precisam e merecem ter acesso aos fundamentos da Medicina do Sono. O paciente ganha. A sua carreira ganha. A saúde pública ganha. 04 BOAS-VINDAS O meu objetivo com as próximas páginas é criar consciência sobre o funcionamento do sono e seu papel na saúde física, mental e emocional de seus pacientes. Quero que ao final do eBook você se sinta mais preparado para lidar com os tão frequentes relatos de noites mal dormidas. Afinal, um dos maiores prazeres da vida é acordar com a sensação de que dormiu bem, cheio de energia, disposição e clareza mental para enfrentar os desafios do dia. Você pode proporcionar isso ao seu paciente! Muitas vezes, o sono é aquela pecinha de dominó que falta para todas as outras caírem em sintonia. A jornada é longa, exige dedicação e muito estudo, mas eu garanto que é compensadora. Portanto, peço que esteja presente na leitura. Ative sua curiosidade, grife os trechos favoritos e anote suas dúvidas. Sou apaixonado por falar sobre esse assunto e faço questão de responder ao seu feedback. Seja bem-vindo! Caio Bonadio pra s dos e ú n e o t c con os í s n u e e Cliqu anhar m p acom 05 INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO O QUE É A MEDICINA DO SONO? Imagine um interruptor de luz, daqueles bem simples: ON ou OFF. Ao invés de iluminar seu quarto, ele serve para ligar ou desligar o seu cérebro, fazendo você acordar ou cair no sono. Agora pense em dedicar a vida para estudar este único interruptor durante longos anos em uma subespecialidade médica. Acredita que há centenas de médicos e cientistas pelos 5 continentes que vivem para isso? Então chegou a hora de parar de acreditar! O seu cérebro não desliga para você dormir. Ele trabalha de forma árdua para PRODUZIR o sono, ao ligar, desligar, pausar e religar milhares de interruptores. A Medicina do Sono, como diz um grande professor meu, é uma supraespecialidade, e não uma subespecialidade, porque estudar sono significa ir além de uma só parte do corpo... É mergulhar nos mistérios do cérebro quando dormimos e entender as entrelinhas da influência desta intensa atividade cerebral nos diversos sistemas do nosso organismo. Fique tranquilo se não sabia de nada disso, porque a descoberta da complexidade do funcionamento do sono é recente na história da Humanidade. Somente em 2011 o Conselho Federal de Medicina do Brasil a reconheceu como uma área de atuação. No resto do mundo não foi muito diferente. 07 INTRODUÇÃO A primeira pessoa que percebeu que o sono poderia ter relação com alguma atividade cerebral foi o neurologista romeno Constantin Von Economo, no início do século XX. Depois, na década de 30, dois cientistas americanos, Nathaniel Kleitman e Eugene Aserinsky, descobriram que o cérebro é capaz de gerar um ritmo biológico. Ambos passaram 40 dias em uma caverna sem estímulo luminoso e notaram que sentiam sono no mesmo horário que em condições normais. Vinte anos depois, o mesmo Aserinsky descobriu o sono REM ao realizar um polissonografia em seu próprio filho e verificar que os olhos do menino mexiam-se rapidamente de um lado para o outro por baixo das pálpebras. A partir daí, descobriu-se que o sono não era uma coisa só, que tinha várias fases e que diversos fenômenos ocorriam sincronicamente. Nos anos seguintes, diversos pesquisadores começaram a estudar o sono, motivados principalmente por descobertas em relação a uma só pergunta: "Por que dormimos?" Nas últimas décadas, importantes estudos foram publicados sobre o sono e preservação da memória, os efeitos maléficos da privação de sono, a relação da apneia do sono com o câncer e com as demências, as funções cognitivas, a produtividade no trabalho, a longevidade, entre outros. Quero que entenda que estudar o sono não é só aprender sobre insônia. Existem por volta de 50 transtornos do sono documentados! 08 INTRODUÇÃO Basicamente, dividimos a Medicina do Sono em dois: 1. distúrbios respiratórios do sono 2. doenças que englobam questões neuropsiquiátricas Além disso, entender como é o sono normal, quais são os bons hábitos de sono e como prevenir as doenças do sono são pontos chave na formação de qualquer profissional de saúde. Mas não se assuste! É um conhecimento fascinante que tenho certeza que você vai gostar de conhecer. Espero que aproveite o conteúdo. 09 INTRODUÇÃO COMO OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE PODEM ATUAR? "Nossa, nem sabia que isso existia!" Você não foi o primeiro e, certamente, não será o último a pensar isso. Não te culpo! O espanto é compreensível porque a Medicina do Sono como ciência é muito nova e ainda falta divulgação, especialmente nos cursos de graduação. Como pode um comportamento que é comum a TODOS os seres humanos ser tão desvalorizado na nossa formação? Esse é um paradoxo que deve deixar de existir. Entre nós, em 6 anos da graduação em Medicina, eu tive apenas uma aula de 45 minutos sobre Sono - e eu faltei. Este eBook é para você, profissional da saúde que já desconfia que entender a fundo sobre o Sono pode transformar a sua atuação e a vida de seus pacientes. Você está no lugar certo! Além do médico do sono, existem diversos outros profissionais que podem atuar nessa área. Os meus pacientes ainda ficam surpresos quando menciono os Dentistas do Sono, Fonoaudiólogos do Sono, Psicólogos do Sono ou Fisioterapeutas do Sono. Ou então quando recomendo passarem em Nutricionistas e Educadores Físicos. 10 INTRODUÇÃO Acredite: em muitos casos, os profissionais não médicos são até mais atuantes do que o próprio médico, exercendo uma grande importância no cuidado de doenças do sono. Para sanar sua curiosidade: PSICÓLOGOS Lidam com a terapia cognitica comportamental (TCC) para insônia, o tratamento mais eficaz conhecido até o momento. Além disso, ajudam nos casos de ansiedade e depressão que contribuem para a perpetuação da insônia. FONOAUDIÓLOGOS Aplicam a terapia miofuncional, uma espécie de musculação da via aérea superior, extremamente eficaz na diminuição do ronco. FISIOTERAPEUTAS Atuam na reabilitação pulmonar de pacientes com doenças pulmonares e apneia do sono, na adaptação do aparelho de CPAP para tratamento de apneia e hipoventilação obesidade, dentre outros. 11 INTRODUÇÃO DENTISTAS São responsáveis por confeccionar o aparelho intra oral de avanço mandibular, indicado para pacientes com apneia leve a moderada. Além disso, acompanham e tratam pacientes com bruxismo do sono. NUTRICIONISTAS E EDUCADORES FÍSICOS Trabalham na mudança de mentalidade sobre escolhas alimentares e atividades físicas, uma vez que o estilo de vida e hábitos de sono são fundamentais para o sucesso terapêutico. Gostou? Ainda vai além disso! Dormir bem é tão essencial na construção de saúde, prevenção de doenças, longevidade e produtividade no trabalho, que eu tenho convicção: A saúde no Brasil será transformada no dia em que todo profissional de saúde dominar os conceitos básicos sobre o funcionamento e as doenças do sono. Nas próximas páginas, darei a minha contribuição pra esse processo. Boa leitura! Caio Bonadio CRM-SP 157283 RQE 68077/68077-1 12 POR QUE ISSO É IMPORTANTE? POR QUE ISSO É IMPORTANTE? AUMENTO RECENTE DE TRANSTORNOS DE SONO Quem acostuma-se a dormir mal, além de viver pior, morre mais cedo. Doenças do coração, diminuição de expectativa de vida e obesidade, por exemplo, são altamente associadas à privação de sono. A vasta quantidade de estudos publicados sobre as consequências de noites mal dormidas para a saúde não nos deixa mais espaço para dúvidas. Está mais do que na hora de olharmos com o devido cuidado para o nosso sono. Pense na sua prática clínica: Qual porcentagem dos seus pacientes afirmam estarem satisfeitos com a qualidade de suas noites? Agora lembre de seus familiares, colegas de trabalho e amigos... Está todo mundo dormindo mal, ou estou com mania de perseguição? Apneia Obstrutiva do Sono: Estimativa de prevalência Insônia: Queixa espontânea 33% CIDADE DE SP 50% CIDADE DE SP 50% 67% Sim, é isso mesmo! Na maior cidade da América Latina, 4 milhões de habitantes (33%) tem apneia e 6 milhões (50%) se queixam de insônia. 14 POR QUE ISSO É IMPORTANTE? "Ahh! Mas, Caio, será que isso é fruto de uma maior consciência acerca do papel do sono em nossas vidas, ou só reflexo da maior capacidade de diagnosticar as doenças do sono?" Obrigado, ótima pergunta! Creio que as duas coisas influenciam, mas vamos deixar as crenças para outra ocasião. Por ora, tenha certeza: se o seu paciente luta com o travesseiro, você precisa saber como interferir. AUMENTO DA OBESIDADE Não é novidade que a obesidade é uma bomba relógio para a saúde do paciente. Hoje, sabemos que ela também diz muito sobre a qualidade do sono. A doença está intimamente relacionada com a apneia obstrutiva do sono, com a sonolência excessiva diurna e com transtornos psiquiátricos. A ansiedade e a depressão, que tem como sintomas insônia ou hipersonia, são bastante comuns em quem está acima do peso. O brasileiro está alcançando nossos amigos norte americanos, tão conhecidos pela quantidade enorme de obesos. Dados apresentados pelo Ministério da Saúde em 2016: 54% TÊM SOBREPESO 19% ESTÃO OBESOS É um problema de saúde pública gravíssimo que precisa ser combatido por cada um de nós, profissionais da saúde. Anote aí: o argumento de que irão voltar a ter ótimas noites de sono é excelente para inspirar o paciente obeso a dar o pontapé inicial na sua 15 transformação. POR QUE ISSO É IMPORTANTE? TRANSTORNOS DO SONO E AS DOENÇAS CRÔNICAS Você certamente sabe que as doenças crônicas são as causas de morte mais comuns no Brasil. Doenças cardiovasculares, câncer, diabetes e doenças respiratórias são as campeãs deste ranking. Talvez ainda não saiba que a qualidade do sono diminuída cronicamente está associada ao surgimento de todas essas enfermidades. Já falei e reforço: quem dorme mal por muito tempo tem a expectativa de vida reduzida. Aqui é importante esclarecer que: 1. Nem todo mundo que dorme mal tem alguma doença do sono. Falarei mais para frente sobre higiene do sono e controle de estímulos. 2. Quase todas as doenças do sono levam a noites mal dormidas. A apneia obstrutiva do sono, uma das mais frequentes, é fator de risco para várias doenças crônicas e, nos últimos anos, as evidências de sua associação com o câncer tem aumentado, principalmente em populações mais jovens. Por sua vez, os sintomas de insônia, quando cronicamente mantidos, podem resultar em obesidade e até rinite crônica. Mas o ser humano tem suas esquisitices, e não é raro encontrarmos pacientes que decidem assumir o risco de morrer cedo. 16 POR QUE ISSO É IMPORTANTE? Nesses casos, recomendo que você os oriente sobre os prejuízos na capacidade de trabalhar e de se relacionar: Dificuldades de concentração, de atenção e na linguagem Falhas de memória, de planejamento e nas tomadas de decisões Raciocínio lento e irritabilidade Sim, as funções cognitivas ficam prejudicadas e, no longo prazo, o caminho pode não ter volta e um estado demencial surgir. PREVENÇÃO DE DOENÇAS E A QUALIDADE DO SONO Fortalecer a função do sistema imunológico; Limpar substâncias nocivas acumuladas no cérebro; Renovar as energias; Preservar a memória. É por isso que não tem coisa melhor do que acordar e perceber que dormiu bem. O sono desempenha papéis centrais na nossa saúde física, mental e emocional. A sociedade está esquecendo disso e as consequências são graves. JÁ NOTOU QUE UM DOS MAIORES VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO PAÍS TEM COMO SLOGAN "NUNCA DESLIGA"? DIZ MUITO SOBRE A CULTURA NOCIVA 24 / 7* QUE ESTÁ SENDO CONSTRUÍDA *24 horas por dia, 7 dias por semana 17 POR QUE ISSO É IMPORTANTE? Convido você, meu colega profissional de saúde, a atuar comigo nesse resgate da consciência sobre a importância de dormir bem. O seu paciente precisa entender que agir contra comportamentos primitivos que nos são naturais é inútil. O sono está no nosso DNA, literalmente... é um jogo de cartas marcadas! Além de não ter chances de vitória, o seu paciente sofrerá na jornada e terá mais chances de desenvolver doenças crônicas. Além disso, as suas capacidades intelectuais estarão sempre abaixo do esperado. Dormir bem melhora as nossas relações sociais, nos torna mais bem humorados, produtivos e felizes. Indivíduos com mais felicidade, resiliência, relações sociais preservadas e energia têm menos chances de adoecerem. Cuidar do sono é cuidar da saúde mental! TRABALHO, PRODUTIVIDADE E O IMPACTO COLETIVO DE DORMIR MAL Privar-se de sono porque a carga de tarefas está alta é algo que todos iremos fazer um dia. Faz parte! A grande armadilha está em fazer disso um padrão. "Dormir é para os fracos! Durmo muito pouco e estou ótimo. A vida é agora, temos que aproveitar!" Já ouviu algo parecido no consultório? 18 POR QUE ISSO É IMPORTANTE? Tal discurso é perigoso e deve ligar um alerta em qualquer profissional de saúde que se preze. Por décadas, setores econômicos altamente competitivos estimularam essa cultura tóxica de "performance custe o que custar". Ao exigirem jornadas inflexíveis, 24h por dia e 7 dias por semana, criaram ambientes e relações profissionais contraproducentes, com reflexos na saúde coletiva: A saúde do trabalhador está indo de mal a pior em pleno século XXI. Os índices de incidência de doenças psiquiátricas (como depressão, ansiedade, burn out), bem como absenteísmo e presenteísmo (estar fisicamente no seu trabalho mas incapaz de produzir, pois a sua mente está fora do ar) têm assustado gestores em todo o mundo. Abaixo, listo dados de estudo de 2017 sobre o impacto econômico da privação de sono em países da OCDE. -> 680 BILHÕES DE DÓLARES SÃO PERDIDOS A CADA ANO NOS PAÍSES DA OCDE DEVIDO À PRIVAÇÃO DE SONO -> O JAPÃO PERDE CERCA DE 3% DO PIB, SEGUIDO PELOS EUA, QUE TEM PREJUÍZO ANUAL DE 2,28% -> DORMINDO MENOS DE 6H POR DIA, OS AMERICANOS PERDEM CERCA DE 18% DO TEMPO TOTAL DE TRABALHO POR ANO, SEGUIDO PELOS INGLESES E JAPONESES (16%) Felizmente, há sinais de que as empresas estão percebendo que essa conta não fecha! 19 POR QUE ISSO É IMPORTANTE? Ou elas dão um giro de 180º em direção à valorização e à promoção da saúde mental como pilares de sua política de recursos humanos, ou vão pagar um preço altíssimo por insistir na negligência. Enquanto isso, o que nós, profissionais da saúde, podemos fazer no dia a dia da prática clínica? Na minha visão, a nossa ferramenta número 01 é fazer o paciente acreditar que ele é o protagonista de sua própria saúde. Claro que os empregadores tem parcela de culpa, mas, em última instância, a decisão de buscar mais qualidade de vida e propósito naquilo que faz é do indivíduo. Autorresponsabilidade e construção de saúde são conceitos inseparáveis. 20 O QUE É O SONO NORMAL E COMO FUNCIONA? O QUE É O SONO NORMAL E COMO FUNCIONA? BASES NEURAIS DA FISIOLOGIA DO SONO Você já sabe que o cérebro tem inúmeros interruptores que controlam nosso ciclo sono/vigília. A combinação do ligar e do desligar deles é quem produz o sono. Este processo ativo precisa de combustível para ocorrer com eficiência, e aqui destaco a importância dos neurotransmissores: Histamina, dopamina, acetilcolina, noradrenalina, orexina/hipocretina, GABA, serotonina, adenosina. São eles os responsáveis por transmitir mensagens e passar diversos comandos para que o sono seja produzido pelo cérebro. Você certamente já conhece a maioria deles, né? Então se prepare: Núcleo supraquiasmático, Prosencéfalo basal, Núcleo túbero mamilar do hipotálamo, Núcleo pré óptico ventro lateral do hipotálamo Esses são alguns outros interruptores do sono. Não se assuste! Toda essa salada de palavras tem uma lógica e eu vou apresentá-la no decorrer dos próximos capítulos. 22 O QUE É O SONO NORMAL E COMO FUNCIONA? "Ué, Caio, e a melatonina?" Verdade, obrigado mais uma vez! A melatonina é nosso hormônio do sono, produzido na glândula pineal, que fica bem no meio do cérebro. Ela regula nosso relógio biológico, sobre o qual falarei mais para frente. Por enquanto, já fica o registro: A popularização do uso de melatonina é gravíssima e você deve parar de orientar seus pacientes a consumí-la imediatamente! Trata-se de um tratamento hormonal com indicações bem específicas, e adivinhe? Insônia não é uma delas. BASES NEURAIS DA FISIOLOGIA DO SONO Repita em voz alta: Sono REM não é sono profundo Sono REM não é sono profundo. Sono REM não é sono profundo. A partir de agora, você se junta a mim na luta por derrubar este mito, talvez o mais frequente erro sobre sono difundido por aí. Dito isso, vamos à estrutura básica? 23 O QUE É O SONO NORMAL E COMO FUNCIONA? O sono é dividido em dois: REM e Não REM. Cada um tem suas particularidades em relação à frequência cardíaca, ondas cerebrais, movimentos dos músculos, respiração, facilidade para despertar e lembrança de sonhos. Um sono normal no adulto é aquele em que alternamos Não REM e REM, por cerca de 4 a 5 ciclos. Cada ciclo tem sono REM e Não REM, com duração média de 60 a 120 minutos. A seguir, descrevo características gerais e disponibilizo uma tabela especial que recomendo que você imprima. SONO REM (sigla em inglês para movimento rápido dos olhos) Tem ondas cerebrais bem parecidas com as da vigília, mas neste sono nós não mexemos nada de músculo, com exceção dos músculos responsáveis pela respiração e pelo movimento dos olhos. A respiração fica bem irregular, assim como os batimentos cardíacos. SONO NÃO REM Divide-se em três estágios, que chamamos de 1, 2 e 3. Quanto maior o número, mais profundo é o sono. Nosso sono mais profundo, aquele do qual é mais difícil nós despertarmos, é o estágio 3. De 1 para 3, as ondas cerebrais vão ficando cada vez mais lentas, vamos relaxando mais os músculos, respirando mais regularmente e o coração bate de forma bem regular também. 24 RATREPSED LICÁF EDADILICAF SIAM MOC ARBMEL ODAXALER OTIUM ER RALUGERRI RALUGER A AÇEMOC RIUNIMID A AÇEMOC MM CO *SOHLO ALIGÍV AD SA E OÃÇARIPSER ETNELAVIUQE OTECXE ,OREZ E ADIPÁR RAXALER A AÇEMOC CF RALUGERRI RALUGER A AÇEMOC ADAREDOM ADAREDOM EDADICOLEV EDADIRALUGER ATNEL RALUGER OTIUM MER ONOS 1 - MER OÃN 2 - MER OÃN 3 - MER OÃN SOTUNIM 021 a 06 ?LAMRON ONOS ED OLCIC 1 ED ORTNED ECETNOCA EUQ O ED RATLUCIFID A AÇEMOC OS RALUGER OTIUM ratrepsed :ED oãçaripser :ER ADAREDOM ADAREDOM ODAREDOM EDADLUCIFID EDADIRALUGER OTNEMAXALER LICÍFID OTIUM RARBMEL EUGESNOC Ñ RARBMEL EUGESNOC Ñ RARBMEL EUGESNOC Ñ sohlo sod odipár otnemivom* sohnos :OS solucsúm sod otnemivom :MM siarberec sadno :CO acaídrac aicnêeuqerf :CF O QUE É O SONO NORMAL E COMO FUNCIONA? BASES BIOLÓGICAS DOS SONHOS Os sonhos talvez sejam o maior mistério da Medicina do Sono. Hoje sabe-se que todos sonhamos, durante toda a noite, e não só durante o sono REM. Também é certo que várias estruturas cerebrais estão envolvidas na geração dos sonhos, especialmente o sistema límbico, relacionado com a nossa memória. Por sua vez, o neurotransmissor mais importante na geração dos sonhos é a acetilcolina. A dopamina e a serotonina têm a sua função. Além disso, já são identificadas algumas diferenças entre os sonhos do sono REM e do sono Não REM. Por exemplo, se acordamos de um sonho no sono REM, é mais fácil de lembrar deles e, geralmente, ele é mais vívido e tem uma história. Já o do Não REM é mais improvável de conseguirmos nos lembrar, além de ter imagens desconexas. Mas por que sonhamos? Qual é a relação dos sonhos com os acontecimentos da vigília? Muitos estudos têm sido realizados, mas com poucas conclusões satisfatórias. Ainda temos muito o que descobrir sobre este fenômeno que intriga a humanidade há séculos. Recomende a seus pacientes que criem o hábito de escrever sobre os seus sonhos logo ao acordar. É um ótimo exercício de autoconhecimento! 26 O QUE É O SONO NORMAL E COMO FUNCIONA? CRONOBIOLOGIA E FISIOLOGIA DA MELATONINA Você nunca mais vai falar para o seu paciente que ele precisa dormir 8 horas, ok? A individualidade bioquímica do ser humano é impressionante e age também na nossa necessidade de sono. Cada indivíduo possui o seu ritmo, controlado por uma região localizada bem no centro do cérebro. De lá partem vários comandos para o funcionamento corporal no ciclo de 24 horas. É o famoso relógio biológico! Ele determina em seu paciente, dentre outras coisas: 1. horário que vai adormecer, 2. momento do despertar 3. necessidade de sono É o que chamamos de cronotipo: uns dormem tarde e acordam tarde, outros dormem cedo e acordam cedo. Há quem durma pouco e também quem precise de 10h diárias. Quem precisa de menos horas não se torna um gênio da produtividade por isso, assim como quem precisa de mais horas não é preguiçoso. Estes estigmas são nocivos e não podem ser perpetuados. 27 O QUE É O SONO NORMAL E COMO FUNCIONA? Claro que isto não é uma carta branca para deixar que seu paciente faça o que bem entender com sua rotina de sono, sob o pretexto: "Mas, Doutor, este é o meu ritmo!" A sua missão como profissional de saúde é orientá-lo a descobrir e respeitar o seu ritmo biológico, uma vez que viver fora de sintonia dele é muito prejudicial à saúde física e mental. Nesse sentido, as pistas ambientais são super importantes para sincronizar o relógio biológico com o ambiente: 1. quantidade de exposição à luz solar e à luz artificial, 2. horário de comer, horário de se exercitar, 3. rotina das relações sociais e de trabalho Atenção redobrada a esses pontos, porque é aqui que grande parte dos seus pacientes estará errando. Ao dar pistas falsas para o cérebro, eles tornam-se incapazes de avaliar corretamente como são o seu ritmo ideal e as suas necessidades. Em outras palavras, é preciso ajudar o cérebro a compreender que a hora de adormecer está chegando. Por exemplo, o hormônio do sono (melatonina), é produzido pela glândula pineal na ausência de luz, começando no pôr do sol. Utilizar celulares e tablets (que emitem luz artificial em suas telas) à noite inibe essa produção porque é uma pista falsa. Portanto, o ritmo biológico é geneticamente determinado, mas a interação harmônica com ele depende das ações do indivíduo. Esses fenômenos são objetos de estudo da Cronobiologia, que é uma parte da Medicina do Sono. 28 O QUE É O SONO NORMAL E COMO FUNCIONA? SONO E ENVELHECIMENTO O sono não é igual durante a vida toda. O seu paciente precisa saber disso! A idade é um parâmetro importantíssimo. O recém nascido, por exemplo, dorme em vários blocos durante o dia. Conforme cresce, o sono vai se consolidando. Ao chegar na adolescência, a tendência é precisar dormir por períodos mais longos, além de sugir o atraso de fase, caracterizado por sentir sono mais tarde e acordar mais tarde. Quando adulto, espera-se mais uniformidade na distribuição da necessidade de sono, bem como mais regularidade nos horários de adormecer e despertar. As mulheres na pós menopausa, por sua vez, começam a ficar vulneráveis aos transtornos de sono, muito por conta da queda dos hormônios. Insônia e apneia obstrutiva são frequentes neste grupo. 29 O QUE É O SONO NORMAL E COMO FUNCIONA? Já se o seu paciente for idoso, é esperado que as fases do sono não sejam perfeitamente distribuídas. É comum na 3ª idade haver menos sono de ondas lentas (estágio 3 do Não REM) e menos sono REM. Além disso, a tendência é dormir menos, sentindo sono mais cedo e acordando mais cedo. O sono volta a ficar mais fragmentado e a sensação de que está dormindo pouco aumenta. Idosos que tem demência tendem a perder a sincronização do relógio biológico com o ambiente, o que leva a um ritmo de sono muito irregular. Percebe que o envelhecimento não facilita o sono? Informar ao paciente que isso é um processo natural é o primeiro passo para juntos viabilizarem um sono de qualidade. Só assim ele estará preparado para contar com ajuda multiprofissional e para colocar em prática as medidas comportamentais que transformarão suas noites. 30 O QUE É O SONO NORMAL E COMO FUNCIONA? PSICOFARMACOLOGIA DO SONO A mudança no estilo de vida e de maus hábitos de sono são pílulas poderosas para tratar grande parte dos pacientes que dormem mal. Ao contrário de outras especialidades médicas, são poucas as medicações que usamos em Medicina do Sono. Basicamente, os remédios neste capítulo têm as funções básicas: 1. induzir ou manter o sono 2. diminuir comportamentos anormais durante a noite 3. ressincronizar o relógio biológico 4. controlar a sonolência excessiva diurna A intenção aqui não é aprofundar neste tema, então vou tentar ser breve. A sopa de letrinhas a seguir engloba mecanismos de ação e neurotransmissores e é bem complexa. Muitas vias neuroquímicas ainda são teóricas e não completamente elucidadas. BENZODIAZEPÍNICOS E DROGAS Z As medicações que induzem e/ou mantem o sono, da classe dos benzodiazepínicos e drogas Z, tem potencial de abuso e de dependência química e psicológica, e portanto não devem ser utilizadas por mais que 4 semanas. A abordagem medicamentosa, por exemplo, nunca deve ser a primeira escolha para o tratamento da insônia crônica. Essas drogas atuam no neurotransmissor GABA, que é inibitório, provocando sonolência. As principais comercializadas no Brasil são: clonazepam, zolpidem, zopiclona e diazepam. 31 O QUE É O SONO NORMAL E COMO FUNCIONA? Os benzodiazepínicos também podem ser utilizados no tratamento de algumas parassonias, como o transtorno comportamental do sono REM e o transtorno de pesadelo. AGONISTAS DOPAMINÉRGICOS A síndrome das pernas inquietas, o principal transtorno de movimento em Medicina do Sono, é tratada com medicações que atuam em receptores de dopamina, regularizando a neurotransmissão desta substância. Pramipexol e levodopa são as mais utilizadas. A pregabalina e a gabapentina* são medicações que atuam em canais de cálcio e são análogas ao GABA. Elas também podem ser utilizadas nesta doença. OPIOIDES Os opioides podem ser uma opção em pacientes refratários durante o tratamento de síndrome de pernas inquietas. Os principais utilizados são a metadona, morfina e a oxicodona. Essas medicações também tem potencial de abuso e de dependência. ANTIDEPRESSIVOS Os antidepressivos sedativos mais usados na Medicina do Sono são a trazodona, mirtazapina, doxepina e amitriptilina. Em doses baixas, o que predomina é o efeito anti histamínico e, como a histamina é um neurotransmissor excitatório cortical, o efeito anti histamínico provoca sonolência. *não são agonistas dopaminérgicos 32 O QUE É O SONO NORMAL E COMO FUNCIONA? CRONOBIOLÓGICOS A melatonina sintética pode ser utilizada no transtorno comportamental do sono REM e nos transtornos de ritmo circadiano. Nestes últimos, ela ajuda a ressincronizar o relógio biológico do paciente com a sua rotina e atua no núcleo supraquiasmático em receptores específicos. PSICOESTIMULANTES Por fim, os psicoestimulantes são utilizados para controlar a sonolência excessiva diurna das hipersonias. Essas medicações aumentam a disponibilidade dos neurotransmissores dopamina e noradrenalina, que são altamente excitatórios. Atenção, pois também têm um potencial de abuso e de dependência e o seu uso deve ser muito bem indicado. São elas: modafinila, metilfenidato, lisdexanfetamina, dentre outros. Ufa! Espero que ainda esteja comigo. Vamos tratar de anamnese e exames físicos e laboratoriais? 33 COMO INVESTIGAR UMA QUEIXA DE SONO? COMO INVESTIGAR UMA QUEIXA DE SONO? ANAMNESE EM MEDICINA DO SONO Em termos gerais, tem a mesma estrutura da anamnese convencional. É claro que, com a prática clínica, você deve naturalmente direcionar a avaliação a fim de maior eficiência, sem esquecer que todos os elementos da entrevista têm a sua importância. A começar pela identificação do seu paciente: idade, sexo, escolaridade, local de nascimento e de procedência, estado civil, local de moradia e profissão. Depois, você deve identificar: 1. qual é a queixa de sono, 2. há quanto tempo ela está presente, 3. se houve evento que causou o sintoma A seguir, pedir a ele que detalhe seu padrão de sono atual: 1. rotina de horários de sono 2. atividades diárias Também é fundamental questionar sobre o padrão de sono do paciente antes do aparecimento da queixa. Enfim, hora de investigar os sintomas, que gosto de dividir em 2 etapas: primeiro, os distúrbios respiratórios do sono e, depois, os distúrbios neuropsiquiátricos: RESPIRATÓRIOS - ronco - apneias presenciadas - despertares por engasgo - sonolência excessiva diurna - sensação de sono insuficiente - alterações de humor - falta de memória e de concentração - perda ou ganho de peso - diagnóstico recente de diabetes, hipertensão arterial sistêmica ou arritimias COMO INVESTIGAR UMA QUEIXA DE SONO? NEUROPSIQUIÁTRICOS - dificuldade em iniciar ou manter o sono, ou despertar precocemente - ansiedade noturna - cansaço diurno - dificuldade em cochilar ou relaxar durante o dia - ataques de sono repentinos durante o dia - perda de tônus muscular repentino durante o dia - necessidade urgente de mexer as pernas enquanto está parado ou deitado na cama antes de dormir - sono agitado: sonhos de conteúdo agressivo, mexer muito à noite, como se estivesse no sonho, chutar, gritar, bater no parceiro ou parceira de cama - episódios de sonambulismo ao longo da vida - uso de álcool, drogas ilícitas e estimulantes, principalmente cafeína e nicotina - uso de medicações para dormir - irritabilidade diurna - tristeza, falta de disposição ou falta de prazer em atividades diárias - prejuízo de memória - compulsão alimentar - alucinações hípnicas - paralisia do sono A presença e evolução ao longo do tempo dos transtornos de sono também devem ser abordados. O preenchimento de um diário de sono, por pelo menos 15 dias, é um instrumento importante na avaliação do padrão de sono e pode ajudar no diagnóstico e no tratamento das doenças do sono. Por último, investigue os antecedentes familiares de seu paciente de forma ativa, principalmente os parentes de 1º grau. 36 COMO INVESTIGAR UMA QUEIXA DE SONO? EXAME FÍSICO EM MEDICINA DO SONO O exame físico básico deve conter as auscultas pulmonar e cardíaca. Os sinais vitais são de extrema importância, principalmente a pressão arterial e a saturação de oxihemoglobina em ar ambiente. Deve-se calcular o IMC do paciente, bem como as cinturas abdominal e cervical. A via aérea deve ser inspecionada por meio do índice de Mallampatti modificado, com a língua para dentro da cavidade oral. A mordida do paciente, a dentição e a morfologia do palato duro também devem ser avaliadas. Pacientes que têm retrognatia têm maior risco para o desenvolvimento de apneia obstrutiva do sono. Geralmente, o paciente com queixas de sono não tem nenhuma alteração em seu exame físico. Já nos pacientes com apneia obstrutiva do sono, é comum encontrarmos indivíduos acima do peso, com cinturas abdominal e cervical aumentadas. É importante lembrar que nem todo paciente com apneia está acima do peso! Cuidado com generalizações. Classificação de Mallampatti 37 COMO INVESTIGAR UMA QUEIXA DE SONO? QUAIS SÃO OS EXAMES DISPONÍVEIS? POLISSONOGRAFIA É o principal exame que podemos solicitar na Medicina do Sono. Ao contrário do que muitos pensam, sua indicação é restrita! Em pacientes com suspeita de distúrbio respiratório do sono, narcolepsia, transtorno comportamental do sono REM e outras hipersonias, ela deve ser solicitada. Não são todos casos que exigem que se durma no laboratório do sono. Existem 4 formas de se montar um exame de polissonografia e hoje o paciente pode fazer o exame em casa, dependendo da suspeita. ACTIGRAFIA Pode ser solicitado quando se suspeita de distúrbios do ritmo circadiano e hipersonias, além do seu uso na investigação da insônia. Trata-se de um relógio que contém um acelerômetro, um sensor de luz e um sensor de temperatura. Por meio desses dados, nos fornece dados relevantes a respeito do padrão de sono do paciente. TESTE DE LATÊNCIAS MÚLTIPLAS Serve para medir a propensão para o sono do paciente e é solicitado quando se tem suspeita de narcolepsia e hipersonia idiopática. 38 COMO INVESTIGAR UMA QUEIXA DE SONO? TESTE DE MANUTENÇÃO DE VIGÍLIA Mede a capacidade do paciente permanecer acordado em situações que normalmente levariam ao sono. Serve mais como um acompanhamento do tratamento das hipersonias. POLISSONOGRAFIA COM TITULAÇÃO DE CPAP Exame que é feito com o aparelho de CPAP, usado para tratar apneia do sono. Ele é solicitado quando o paciente já tem o diagnóstico de apneia e serve para determinar a pressão de CPAP que o aparelho fornece. Hoje em dia, o racional é que se peça cada vez menos este exame, uma vez que os aparelhos de CPAP permitem uma titulação automática. Em algumas situações específicas, ele é fundamental, porém com menos frequência do que no passado. POLISSONOGRAFIA SPLIT-NIGHT É um exame em que na primeira metade da noite o paciente realiza a polissonografia usual e, na segunda metade, a titulação com o CPAP. Indica-se para pacientes com altas chances de terem apneia do sono, porém sua realização é extremamente trabalhosa e tem custo alto, tendo caído em desuso. 39 COMO INVESTIGAR UMA QUEIXA DE SONO? Além dos exames que estão diretamente relacionados ao sono, os exames laboratoriais abaixo também devem ser solicitados: 1. glicemia de jejum, 2. hemograma, 3. eletrólitos, 4. lipidograma e 5. perfil tireoideano Em pacientes com hipersonia ou com sintomas de sono que surgiram após trauma de crânio, é prudente que se peça um exame de imagem do sistema nervoso central. Nos casos de suspeita de epilepsia noturna, o eletroencefalograma é de fundamental importância. Por fim, prova de função pulmonar, radiografia de tórax e gasometria arterial são fundamentais na investigação do paciente com obesidade e suspeita de hipoventilação. 40 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? Há cerca de 50 distúrbios conhecidos na ICSD3 (Classificação Internacional dos Distúrbios de Sono). A seguir, listo os mais frequentes, para que você possa reconhecer as queixas de sono mais comuns do dia a dia da prática clínica. "DURMO POUCO..." 1. PRIVAÇÃO DE SONO Obesidade, depressão ou ansiedade: qual dos 3 transtornos é o verdadeiro "Mal do Século"? Para mim, nenhum deles... mas sim a privação de sono. Colocar o sono em segundo (terceiro, quarto, quinto...) plano já está refletindo em graves consequências para a saúde coletiva da nossa espécie. Ainda fico assustado como pessoas voluntariamente dormem menos do que precisam e sequer percebem. Ou, quando percebem, optam deliberadamente por trocas nocivas e muito pouco inteligentes, como jornadas improdutivas de trabalho ou noites de lazer destrutivas. Quem afirma que abrir mão de sono para produzir melhor vale a pena está mentindo. Não deixe que o seu paciente acredite nisso! Os estudos são sólidos sobre perda de produtividade e os malefícios para a saúde, tanto no curto quanto no longo prazo! Cansaço físico e mental, indisposição, irritação, sonolência, menor capacidade de tomar decisões, dificuldades de concentração e de memorização são algumas das consequências imediatas da privação. 42 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? Sem falar no aumento dos riscos de acidentes de trânsito e nas relações pessoais indo por água abaixo... Cronicamente, noites mal dormidas contribuem para o aumento de peso, para o surgimento de pressão alta e diversas doenças crônicas. É fundamental a investigação da rotina de sono e dos hábitos noturnos dos pacientes. Com frequência, queixas de insônia podem ser, na verdade, privação de sono, e são resolvidas com boas orientações de comportamento e de controle de estímulos. 2. PERNAS INQUIETAS A síndrome das pernas inquietas é uma doença neurológica que influencia diretamente o sono. Os sintomas aparecem quando o paciente está parado, se preparando para dormir. Formigamento, incômodo, dor, sensação de calor ou de frio são algumas das sensações descritas para os sintomas que surgem nas pernas. Por conta disso, existe uma urgência de mexer as pernas e é justamente o movimento que melhora os sintomas. Então, o paciente fica nessa bola de neve durante horas e isso aumenta a latência para o sono, que é o tempo que demoramos para adormecer a partir do momento em que deitamos. Com isso, o tempo total de sono é diminuído e o paciente tem repercussões no dia seguinte. O tratamento é feito com medicações que atuam no neurotransmissor dopamina e no GABA, além de medidas comportamentais de higiene do 43 sono e controle de estímulos. QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? 3. INSÔNIA Caracterizada pela dificuldade de iniciar ou de manter o sono, ou despertar precocemente, antes do horário habitual. O paciente tem repercussões no seu dia, como alterações de humor, falhas de memória e de concentração, e sonolência diurna. Isso evolui até que as preocupações com o próprio sono transformam o ato de dormir em um sofrimento para si, os familiares, os colegas de trabalho e todos que o cercam. Muita atenção para não confundí-la com maus hábitos de sono ou com falta de acesso a condições ideais para dormir. A causa da insônia ainda não foi descoberta, mas se acredita que esses pacientes têm um estado de hiperalerta que é promovido pela ativação inadequada do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. O tratamento que tem mais evidência para ser aplicado no insone é a terapia cognitiva comportamental (TCC) para insônia, uma técnica que abrange 5 pilares fundamentais, a saber: TERAPIA COGNITIVA HIGIENE DO SONO RESTRIÇÃO DE SONO TCC P/ INSÔNIA CONTROLE DE ESTÍMULOS RELAXAMENTO MUSCULAR 44 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? As medicações benzodiazepínicos e drogas Z podem ser utilizadas, mas nunca devem ser a primeira opção de tratamento, devido ao risco de abuso e de dependência química e psicológica. Não devem ser utilizadas por mais de 4 semanas. Os antidepressivos sedativos doxepina, trazodona, amitriptilina e mirtazapina também podem ser utilizados, mas as evidências são fracas e mais estudos são necessários para comprovar sua eficácia. O mesmo se aplica para os antipsicóticos quetiapina, clorpromazina, levomepromazina, e os anti histamínicos, como a prometazina, amplamente utilizados de forma "off label". Recentemente, foram lançados os antagonistas de orexina/hipocretina, ainda não disponíveis no Brasil. Suas vantagens seriam o baixo risco de abuso e de dependência, bem como o perfil restrito de efeitos colaterais. Para finalizar e reforçar o que já mencionei anteriormente: Melatonina NÃO é indicada para a insônia ! A prescrição indiscriminada é prejudicial à saúde. 45 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? "DURMO DEMAIS..." NARCOLEPSIA É uma doença rara e muitas vezes diagnosticada tardiamente, porque é confundida com outras condições clínicas. Caracteriza-se por ser uma hipersonia de origem central, causada pela lesão dos neurônios produtores de orexina/hipocretina, um dos neurotransmissores responsáveis por nos manterem alertas. Acredita-se que essa lesão tenha natureza auto imune, ou seja, algo acontece em nosso corpo que ele mesmo ataca suas próprias células. A doença costuma se manifestar na infância ou no início da idade adulta, e infelizmente ainda não tem cura. A narcolepsia é caracterizada por ataques de sono durante o dia e uma vontade irrepreensível de dormir. Durante os ataques de sono, elementos do sono REM entram na vigília, como paralisia do sono, alucinações hípnicas, sonhos e a atonia muscular. Ao contrário do que muitos pensam, a narcolepsia, apesar de ser uma hipersonia, não cursa com um sono noturno uniforme: os narcolépticos geralmente tem uma noite fragmentada e sono noturno não reparador. Existem 2 tipos de narcolepsia: Tipo I: os níveis de hipocretina no líquor estão baixos Tipo II: níveis estão normais. Na narcolepsia do tipo I, uma perda súbita do tônus muscular pode ocorrer: é a cataplexia. Esse sintoma pode ser potencialmente perigoso, pois pode levar a acidentes. 46 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? O diagnóstico da narcolepsia é feito com o teste de latências múltiplas de sono e o tratamento é feito com estimulantes, como a modafinila e o metilfenidato. Medidas comportamentais são extremamente importantes, como os cochilos programados durante o dia. A cataplexia pode ser controlada com antidepressivos, como a venlafaxina, e o oxibato de sódio, ainda não disponível no Brasil. HIPERSONIA IDIOPÁTICA É caracterizada por sonolência excessiva diurna e uma vontade irrepreensível de dormir, mesmo com longos períodos de sono noturno, geralmente mais do que 10 horas. Ao contrário da narcolepsia, os cochilos diurnos desses pacientes não são reparadores e são mais longos. O diagnóstico também é feito por meio do teste de latências múltiplas de sono. A polissonografia de 24h também pode ser solicitada, bem como a actigrafia, para auxiliar na investigação diagnóstica. Não existe uma causa definida para esta doença e o tratamento é feito com psicoestimulantes e medidas comportamentais. 47 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? SÍNDROME DE KLEINE LEVIN A hipersonia recorrente, mais conhecida como Síndrome de Kleine Levin (a "doença da Bela Adormecida"), é uma hipersonia extremamente rara, com cerca de mil casos descritos no mundo todo. É caracterizada por longos períodos de sono, algo em torno de 20 horas diárias, que se repetem por dias seguidos, e desaparecem subitamente. Esse ciclo volta a acontecer depois de meses, sem causa aparente. Nos períodos de sonolência, o paciente costuma acordar somente para comer ou ir ao banheiro, porém, quando acorda, seu humor está alterado, geralmente irritado. Pode ocorrer comportamentos de inadequação social e hiperssexualização, além de compulsão alimentar. Entre os períodos de crise, o paciente tem o comportamento normal e geralmente não se lembra muito bem do que aconteceu. A síndrome tipicamente se manifesta na infância e adolescência. Misteriosamente, os sintomas desaparecem na vida adulta. Ainda não existe um tratamento específico, mas o carbonato de lítio mostrou-se eficaz em alguns casos. 48 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? "RONCO MUITO..." APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO Nada mais é do que a interrupção do fluxo de ar pela via aérea superior que ocorre durante o sono. É uma doença extremamente comum e, mesmo assim, ainda é subdiagnosticada. O seu tempo médio de diagnóstico pode chegar a 10 anos. Em estudo publicado em 2011, estimou-se que a prevalência na cidade de São Paulo chegava a 33%. Em outro, de 2019, publicado na revista científica Lancet, os pesquisadores concluíram algo assustador: 1 BILHÃO DE PESSOAS TEM APNEIA Nossa garganta naturalmente é muito estreita, tanto é que é aceitável termos até 5 apneias por hora de sono. Enquanto dormimos, ocorre um relaxamento muscular, inclusive da musculatura da via aérea superior. Se as forças que mantem a via aérea aberta forem menores do que as forças externas, que contribuem para o seu fechamento, nós engasgamos e o fluxo de ar é interrompido. Como o ar não chega no pulmão, o oxigênio no sangue diminui. Toda vez que ocorre essa queda, o cérebro recebe uma mensagem para despertar. É como se fosse um sistema de defesa. O paciente não percebe a maioria desses despertares e o cérebro não descansa, consequentemente o corpo também não! Isso pode acontecer durante toda a noite e o resultado é uma perigosa 49 fragmentação do sono. QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? "Mas quais são as forças que contribuem para o fechamento da via aérea?" A principal causa da apneia é a obesidade. O acúmulo de gordura na região cervical e dentro da própria língua contribui para o surgimento da doença. Características anatômicas da região também podem ser a causa: não é toda pessoa que está acima do peso que tem apneia; pessoas magras também podem ter! Os principais sintomas são ronco, sonolência excessiva diurna, dificuldades de memória e de concentração, alterações de humor, apneias presenciadas pelo parceiro ou parceira de cama, despertares por engasgo (acordar com o próprio ronco) e sensação de sono insuficiente. A ampla gama de sintomas faz com que a apneia muitas vezes seja confundida com depressão, insônia e até preguiça. Quem teve diagnóstico recente de pressão alta, diabetes tipo 2 ou alguma arritimia precisa fazer a polissonografia para investigação de apneia: a doença pode estar envolvida na causa de todas essas enfermidades. Quem tem apneia tem mais chance de ter um derrame ou infartar. Ela também está relacionada com o prejuízo de funções cognitivas e com o câncer. A confirmação do diagnóstico é dada pela polissonografia. E a primeira medida que deve ser tomada no tratamento é a mudança do estilo de vida: Prática regular de atividade física, educação nutricional, higiene do sono e controle de estímulos. 50 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? O tratamento mais eficaz é o uso do aparelho de CPAP (continuous positive airway pressure). Ele é um pressurizador de ar que capta o ar do ambiente e joga sob pressão na via aérea superior através de uma traqueia conectada em uma máscara. O aparelho deve ser usado durante toda a noite de sono e mantém a via aérea aberta. A participação do fisioterapeuta do sono na adaptação de CPAP é fundamental para o sucesso terapêutico. Para apneias leves e moderadas, o aparelho intra oral de avanço mandibular pode ser utilizado. Ele é confeccionado pelo dentista do sono e provoca uma protrusão da mandíbula, abrindo a via aérea. A terapia miofuncional, uma espécie de musculação da via aérea superior, realizada pelo fonoaudiólogo do sono, também é uma modalidade terapêutica eficaz e contribui muito para a diminuição do ronco. O tratamento cirúrgico é indicado quando questões anatômicas são muito evidentes no curso da apneia e quando há dificuldade na adaptação aos tratamentos citados anteriormente. É de extrema importância a avaliação minuciosa de um otorrinolaringologista especialista em Medicina do Sono para a indicação da cirurgia. Hoje em dia, as mais realizadas são a uvulopalatofaringoplastia e a faringoplastia lateral. 51 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? APNEIA CENTRAL É bem menos comum do que a apneia obstrutiva, mas também pode ter consequencias nocivas para o organismo. Ela ocorre quando há interrupção do fluxo de ar na via aérea superior e não ocorre esforço respiratório torácico e nem abdominal durante o evento de apneia. É como se o cérebro perdesse a conexão com o corpo e não mandasse a mensagem para os músculos se mexerem. Diversas doenças podem estar relacionadas com a apneia central do sono, principalmente a insuficiência cardíaca congestiva, doenças neuromusculares e algumas síndromes genéticas. Porém, ela também pode não ter causa definida. O tratamento é realizado com o controle das doenças de base envolvidas e com ventilação não invasiva: CPAP, BiPAP ou servoventilador. A escolha da modalidade terapêutica depende da avaliação criteriosa do médico do sono. HIPOVENTILAÇÃO OBESIDADE É um distúrbio respiratório do sono e um diagnóstico de exclusão, ou seja, diversos outros distúrbios tem que ser descartados antes de fechar esse diagnóstico. Se o paciente tem alguma doença pulmonar, deformidade torácica, doença neurológica que pode levar à hipoventilação, fraqueza muscular, usa alguma medicação que pode provocar depressão respiratória e hipoventilação, ele não pode ser classificado como hipoventilação obesidade. 52 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? Duas características fundamentais devem estar presentes para fecharmos esse diagnóstico: pressão arterial de gás carbônico acima de 45mmHg, detectada pelo exame de gasometria arterial, e IMC acima de 30Kg/m2. O tratamento é bastante parecido com o da apneia obstrutiva do sono, com mudança de estilo de vida, ventilação não invasiva e perda de peso. A indicação de oxigenioterapia suplementar está sujeita ao julgamento clínico. 53 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? "ME MEXO DEMAIS..." Parassonia é qualquer evento anormal e indesejado que ocorre na transição sono vigília e/ou durante o sono. Ela consiste em movimentos complexos, comportamentos, sonhos, emoções, percepções e atividade do nosso sistema nervoso autônomo. As parassonias podem afetar a saúde física e mental do paciente e do seu parceiro ou parceira de cama, bem como provocar fragmentação do sono com consequentes sintomas diurnos. São basicamente divididas em 2 grupos: as parassonias do sono Não REM e as parassonias do sono REM. PARASSONIAS DO SONO NÃO-REM 1. DESPERTAR CONFUSIONAL: ocorre quando o paciente tem um despertar incompleto do sono Não REM, seus olhos estão abertos, há um estreitamento do nível de consciência, o paciente permanece na cama e sua aparência é a de alguém que acordou e não está entendendo nada do que acontece em sua volta. 2. SONAMBULISMO: assim como o despertar confusional, ocorre quando há um despertar incompleto do sono Não REM. Obrigatoriamente, o paciente assume um comportamento de deambulação, sua interação com o ambiente em volta é desordenada, os olhos estão abertos, e na grande maioria das vezes o paciente não se lembra de nada do que ocorreu. O sonambulismo pode expor o paciente a situações potencialmente fatais. 54 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? 3. TERROR NOTURNO: caracteriza-se por um evento em que ocorre um choro e/ou um grito muito fortes, após o despertar incompleto do sono Não REM. A postura do paciente é de medo intenso e há grande instabilidade autonômica (sudorese, alterações de pressão arterial e de frequências cardíaca e respiratória). É bastante comum em crianças, mas também pode ocorrer em adultos. 4. TRANSTORNO ALIMENTAR RELACIONADO AO SONO: não está formalmente classificado como um parassonia do sono Não REM, mas possui características clínicas bem parecidas: Falta de memória do ocorrido, despertar incompleto do sono Não REM, estreitamento do nível de consciência, deambulação e atitudes inadequadas em relação ao ambiente em volta, principalmente em relação ao ato de comer. O que o paciente come geralmente não tem muito sentido, podendo ocorrer a ingestão de produtos de limpeza e alimentos combinados que naturalmente a pessoa não comeria se estivesse em vigília (misturas como sorvete e feijão, por exemplo). O transtorno pode estar relacionado a desordens circadianas hormonais dos hormônios do apetite grelina e leptina, bem como do GH e da insulina. 55 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? PARASSONIAS DO SONO REM: 1. TRANSTORNO DE PESADELO: são eventos recorrentes de pesadelos muito ameaçadores, de conteúdo envolvendo morte e/ou ameaça, dos quais o paciente se lembra quando acorda. Ao acordar, o paciente está completamente orientado e lúcido, ao contrário do que ocorre nas parassonias do sono Não REM. O transtorno de pesadelo pode provocar preocupações com o próprio ato de dormir, e consequencias físicas e psicológicas graves, se não tratado. 2. TRANSTORNO COMPORTAMENTAL DO SONO REM: mais comum em idosos, o transtorno se caracteriza por atuação dos sonhos, que geralmente envolvem perigo extremo, morte, ameaça ou agressões. O paciente age como se estivesse no sonho, podendo machucar o parceiro ou parceira de cama, bem como a si mesmo. Ao acordar, se lembra do que ocorreu e está completamente orientado. O transtorno comportamental do sono REM pode ser um dos primeiros sinais clínicos da Doença de Parkinson e cerca de 90% dos pacientes que o tem irão desenvolver Parkinson. 3. PARALISIA DO SONO RECORRENTE: imagine você acordado, com plena consciência de si, mas não consegue abrir os olhos e nem se mexer. Desesperador, não? Isso se chama paralisia do sono. Ela nada mais é do que a preservação de algumas características do sono REM, especialmente a atonia muscular, dentro da vigília. 56 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? Pode ter uma causa genética, mas está muito relacionada também à privação de sono. O paciente tem a perfeita memória do ocorrido e, ao acordar, está orientado. TRATAMENTO DAS PARASSONIAS Em primeiro lugar, o ambiente de sono deve ser protegido para evitar que o paciente (ou parceiro(a) de cama) se machuque. Fatores que podem estar fragmentando o sono devem sempre ser investigados, principalmente distúrbios respiratórios do sono e privação do sono. Higiene do sono e controle de estímulos devem ser orientados para todos os pacientes. No caso das parassonias do sono Não REM, o tratamento medicamentoso ainda tem pouca evidência que funcione, mas alguns antidepressivos e benzodiazepínicos podem ajudar e nunca devem ser prescritos antes de uma avaliação do médico do sono. No transtorno comportamental do sono REM, a melatonina é bastante utilizada, bem como o benzodiazepínico clonazepam. 57 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? "ESTOU EM OUTRO FUSO..." Todos temos um relógio biológico dentro do nosso cérebro, composto por um grupo de células que comandam absolutamente tudo o que ocorre em nosso corpo que obedece um ciclo de 24 horas. É o tão falado ritmo circadiano. Muitos genes estão envolvidos nesse funcionamento e a melatonina também exerce um papel fundamental nessas células. Os transtornos de ritmo circadiano podem acontecer quando ocorrem desalinhamentos no funcionamento deste relógio com a rotina do indivíduo. 1. JET LAG: existe queixa de insônia ou sonolência excessiva diurna, acompanhadas de redução do tempo total de sono, quando o paciente viaja por pelo menos 2 fusos horários. O distúrbio é temporário e os sintomas desaparecem ao longo dos dias. Porém, em pacientes que viajam frequentemente, intervenções mais incisivas precisam ocorrer, como o uso de melatonina em horários adequados, para ressincronizar o relógio biológico com o ambiente durante as viagens. 2. ATRASO DE FASE: neste transtorno, a pessoa sente sono mais tarde e acorda mais tarde do que o habitual. Muito comum em adolescentes, fazendo parte do desenvolvimento do sistema nervoso central. É a famosa dificuldade de dormir cedo e de acordar cedo para ir à aula. 58 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? Mas pode ocorrer em todas as faixas etárias. Geralmente, resolvem o problema: Mudança de rotina, orientações comportamentais para atraso de fase, como evitar a exposição à luz artificial no período noturno, e o uso de melatonina para avançar a fase de sono. 3. AVANÇO DE FASE: ocorre dificuldade em permanecer acordado durante o horário habitual de vigília. Ocorre um despertar precoce, geralmente no meio da madrugada, e o paciente não consegue dormir mais. Ele sente sono mais cedo e acorda mais cedo. Bastante comum em pessoas idosas e, normalmente, nesta fase o transtorno é confundido com insônia. Orientações comportamentais para avanço de fase, fototerapia e o uso de melatonina costumam melhorar os sintomas. 4. TRABALHADOR DE TURNO: existe queixa de insônia ou sonolência excessiva diurna, acompanhadas de redução do tempo total de sono, quando o paciente tem horários de trabalho que se sobrepõem aos horários habituais de sono. O trabalhador de turno tem mais chances de doenças cardiovasculares por adotar esta rotina. Orientação comportamental, uso de óculos laranja e de melatonina, bem como o planejamento de mudança de emprego, em funções que respeitam os horários de sono do paciente, fazem parte da abordagem deste tipo de transtorno. 59 QUAIS OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO? 5. SONO IRREGULAR: comum em idosos ou pacientes institucionalizados. Caracterizado por vários blocos de sono ao longo das 24h, ou seja, o período de sono principal é totalmente fragmentado e, usualmente, o paciente dorme vários períodos de dia e não consegue conciliar o sono à noite. Estímulos ambientais bem determinados, orientação comportamental e o uso de melatonina podem resolver o problema. 6. SONO EM LIVRE CURSO: muito comum em pacientes cegos, este transtorno representa um desalinhamento entre o relógio biológico do paciente e o ciclo claro-escuro do ambiente. A cada dia, detecta-se um atraso no ritmo interno do paciente, é como se ele sentisse sono mais tarde e acordasse mais tarde a cada dia que passa. As queixas são de insônia ou sonolência excessiva diurna, intercaladas por períodos assintomáticos. PARA DIAGNOSTICAR ESSAS DOENÇAS DO RELÓGIO BIOLÓGICO, SÃO FUNDAMENTAIS: O PREENCHIMENTO DE UM DIÁRIO DE SONO, UMA BOA HISTÓRIA CLÍNICA E O USO DA ACTIGRAFIA POR PELO MENOS 2 SEMANAS. 60 CONSIDERAÇÕES FINAIS CONSIDERAÇÕES FINAIS Espero que ainda esteja acordado! Confesso que não estava em meu planejamento escrever tantas páginas, mas sou fascinado pela Medicina do Sono e a empolgação tomou conta. Quero agradecer profundamente a você que chegou até aqui pela confiança em meu trabalho. E parabenizá-lo pela dedicação na busca de se tornar um profissional de saúde mais completo e atualizado. Do ponto de vista do mercado brasileiro de saúde, essa via bidirecional de sono e comportamento é muito fértil e ainda inexplorada. As oportunidades para você transformar sua atuação são grandes e é por isso que desenvolvi o "Programa Caio no Sono", o meu curso online de aprofundamento em Medicina do Sono para profissionais da saúde. A 1ª turma terá número de vagas limitadas e uma entrevista comigo para admissão. Então, se o conteúdo deste eBook fez sentido para você e deseja ser meu aluno, peço que acesse o link abaixo: [PRÉ-INSCRIÇÃO GRATUITA NO CURSO ONLINE] No mais, reforço que vou adorar ler o seu feedback e responder as suas dúvidas, que podem ser enviadas: 62 CONSIDERAÇÕES FINAIS 1. por email para [email protected] 2. por direct no Instagram @caionosono Peço também que ao compartilhar este material, sempre o faça através do link do site (www.caionosono.com/ebook), e não do encaminhamento do pdf. Para agendamento de consulta médica, ligue no (11) 3042 1390 Foi uma honra falar com você e espero vê-lo novamente. Este é só o começo, Abraço, 63 SOBRE O AUTOR SOBRE O AUTOR Caio Macedo Athayde Bonadio é paulista de Ituverava, apaixonado por Rock'n'Roll, por gastronomia e pela arte de comunicar. Tem 31 anos de idade, muitos deles dedicados ao estudo e ao exercício da Medicina - e uns poucos à guitarra. Fez a graduação na Faculdade de Medicina do ABC e a sua 1ª residência em Psiquiatria na Santa Casa de São Paulo. A 2ª, em Medicina do Sono, foi na Universidade de São Paulo. Ficou mais um ano por lá, no Instituto do Coração, onde fez a complementação especializada em distúrbios respiratórios do sono. Também concluiu estágio internacional no Laboratório de Distúrbios do Sono da University of Michigan e é aluno do MBA em Gestão de Saúde do INSPER/Hospital Israelita Albert Einstein. É primeiro tenente médico da reserva da Marinha Brasileira, palestrante e apresentador do DormeCast, podcast semanal sobre sono e saúde mental que acontece, ao vivo, toda quarta-feira às 21h 30 no Instagram. Em 2019, tornou-se co-responsável pela pós graduação lato sensu em Medicina do Sono da Santa Casa de São Paulo e Professor Conteudista do Curso de Clínica Psiquiátrica do IPQHCFMUSP. Participa, com frequência, de quadros na televisão aberta, onde difunde sua visão de saúde focada em prevenção, na construção de bons hábitos e no protagonismo do indivíduo. Acredita que a transformação urgente da saúde pública do Brasil precisa ser impulsionada, entre outras coisas, pelo profundo conhecimento técnico e pela capacitação de seus profissionais. 65