Entrevista com Achim Steiner (ONU): “É preciso destravar o

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Entrevista com Achim Steiner (ONU): “É
preciso destravar o investimento privado na
economia verde”.
CHIARETTI, Daniela. “Entrevista com Achim Steiner (ONU): ‘É preciso destravar o
investimento privado na economia verde’”. Valor Econômico. São Paulo, 21 de
setembro de 2015.
Valor: O mundo parece estar em uma rota que não é mais do crescimento. A China
freou, a performance europeia está fraca e o desempenho dos Estados Unidos não
inspira confiança. Quem depende de commodities, como o Brasil, sofre com a queda
dos preços. Vai ter dinheiro para investir em clima?
Achim Steiner: Há poucos anos o mundo estava no meio de uma crise financeira
profunda, e a economia global começou a se recuperar. O que aconteceu nos
últimos meses na China e no Brasil é um revés, claro. E é desafiador não se olhar só
para o amanhã, mas projetar a economia para o médio e longo prazo. A economia
irá se movimentar de novo, e a questão é se irá receber só incentivos de curto prazo
ou se serão construídas estratégias com estímulos mais estáveis para o futuro. Não
são decisões fáceis, mas o que testemunhamos agora no mundo não se compara ao
que vimos em 2008.
Valor: O que quer dizer?
Steiner: Talvez em 6 ou 12 meses vejamos a economia global voltando aos trilhos.
Há bons sinais nos EUA, alguma recuperação na Europa, a China estabilizou-se no
momento. Na ótica da mudança do clima, a questão é não só prover estímulos para
a economia agora, mas colocar as bases também para o futuro.
Valor: É questão de escolha?
Steiner: Sim. Vivemos tempos estranhos. Há enormes desafios para mobilizar
investimentos, mas a ironia é que, ao mesmo tempo, o mercado financeiro e de
capitais está sentado sobre trilhões de dólares aguardando oportunidades. Os ativos
financeiros dos bancos somam mais de US$ 140 trilhões. Investidores institucionais,
como fundos de pensão, gerenciam mais de US$ 100 trilhões, e o mercado de
capitais, mais US$ 100 trilhões. Temos, na essência, uma economia financeira global
e uma economia real não alinhadas. A escolha da política econômica pode
desbloquear e mobilizar o capital, ou deixá-lo em um lugar conservador.
Valor: Como, por exemplo?
Steiner: Mudança do clima pode ser a oportunidade de se investir em mais eficiência
energética, em renováveis, em melhor transporte público. São setores da economia
que, se puderem ser estimulados com algum recurso público, podem desencadear
investimentos do mercado financeiro. Seria um duplo benefício: estimular a
economia no curto prazo e atrair o mercado financeiro para construir uma economia
resiliente. Pode parecer teoria para alguns, mas é o que está ocorrendo na China.
Valor: O que acontece na China?
Steiner: No seu novo plano quinquenal, que começa em 2016, a China estima que
serão necessários US$ 320 bilhões ao ano em "finanças verdes" para combater a
poluição e tornar a indústria, a infraestrutura e a energia mais limpas. Estudam, com
o Banco do Povo da China [o BC chinês], como enviar sinais corretos ao mercado.
Sabem que podem mobilizar 15% daqueles US$ 320 bilhões ao ano, mas o resto
terá que vir do setor privado e do mercado financeiro. Agir na mudança do clima
pode ser um estímulo para desenvolvimento e recuperação econômica.
Valor: Com tantas crises no mundo econômica, política, os refugiados que espaço
o sr. sente nos governos para priorizar este tema?
Steiner: Vejo movimentos em toda parte. Na China ou na Índia, onde o primeiro
ministro Narendra Modi acionou o maior investimento da história em renováveis, com
100 mil MW só em solar. Nos EUA, na gestão Obama, somas significativas de
dinheiro público estão sendo mobilizadas para estimular a transição para a economia
de baixo carbono. Na Europa há países gerando mais de 1/4 de sua eletricidade com
renováveis.
Valor: No Brasil, que passa por crise econômica e política séria, qual a sua
percepção do interesse do governo nesta pauta?
Steiner: Nos encontros da presidente Dilma com Barack Obama e Angela Merkel se
viu que, mesmo enfrentando desafios múltiplos, o Brasil está buscando ser parte do
esforço climático global e também fazer com que a transição para o baixo carbono
aconteça na economia. Acho que o Brasil pode fazer com que essa mudança ocorra,
mas não me cabe falar sobre as escolhas do governo. Posso apenas apontar as
oportunidades.
Valor: Qual sua expectativa para a conferência de Paris?
Steiner: Tenho esperanças ambiciosas e expectativas pragmáticas. A ambição é
que se mande sinais claros de que a resposta à mudança climática e à transição ao
baixo carbono é o futuro da nossa economia. O resultado da CoP 21 tem de ser um
acordo robusto nos sinais a investidores e empresas. Pragmático, porque sei que
Paris não irá resolver, em uma tacada, o desafio de limitar o aquecimento a 2°C. Mas
é crítico que se reconheça que se trata de um marco vital: a CoP 21 irá acelerar os
esforços do mundo ou torná-los mais lentos.
Valor: Que tipo de acordo o sr. acha que teremos neste Natal?
Steiner: Acredito que os entraves do processo de negociação serão superados, e
isso vai requerer que os chefes de Estado e governo digam aos seus negociadores
que têm que conseguir um acordo que reconheça, em primeiro lugar, que entramos
em uma nova era.
Valor: Qual nova era?
Steiner: Os INDC [planos que todos os países têm que fazer com sua contribuição
com o enfrentamento do problema] representam um grande passo à frente.
Significam que todos os países estão comprometidos com a mudança do clima.
Sabemos, pela análise das INDC anunciadas até agora, que não são ainda
suficientes para a meta dos 2°C, mas conseguimos mais do que teríamos sem elas.
É um ponto positivo que mostra que há uma ação significativa, no mundo, na
redução de gases-estufa.
Valor: Quais os outros pontos importantes o acordo deveria ter?
Steiner: Como o mundo irá lidar com a adaptação aos impactos da mudança do
clima. O Pnuma divulgou em 2014 um estudo que estima que, em 2050, podemos ter
que gastar US$ 500 bilhões ao ano em adaptação. Paris talvez não resolva isso,
mas tem de conseguir que o mundo se comprometa a investir junto na capacidade
de se adaptar. O compromisso de US$ 100 bilhões ao ano [acordado em 2009 pelos
países desenvolvidos] para adaptação, de 2020 em diante, é fundamental para se
aumentar a confiança no acordo de Paris. Finanças é um ponto crucial.
Valor: O que mais?
Steiner: É importante ter um compromisso de longo prazo que leve a economia a ter
emissões líquidas zero depois de 2050. A meta de longo prazo garantirá que a
ambição do acordo possa ser revista e fortalecida nos anos que virão.
Valor: Meta para 2050?
Steiner: Não é tanto uma questão de data específica, depende de quão rápido nos
mexermos. O espaço que ainda temos para emitir carbono na atmosfera indica que,
entre 2050 ou 2060, não poderemos emitir mais CO2 do que pudermos capturar e
estocar através de novas tecnologias. Então, os quatro elementos do acordo de
Paris, para mim, são: aumentar a ambição, porque as INDC são um passo adiante
mas não suficiente, um caminho global para adaptação, finanças e os US$ 100
bilhões ao ano como pré- condição para os países se sentirem seguros, e uma meta
de longo prazo.
Valor: Quando a CoP21 terminar, o que mudará na vida das pessoas, dos governos
e das empresas?
Steiner: Gostaria de reverter esta pergunta: o que significaria para a vida das
pessoas, governos e empresas se sairmos de Paris sem um acordo? Acho que a
vida será muito mais desafiadora do que podemos imaginar. Já vemos hoje no
mundo pessoas sendo forçadas a abandonar o lugar em que vivem em função de
secas, inundações, degradação da terra. Imagine que o mundo continue no ritmo de
emissões de agora, e os cenários do IPCC se tornem realidade. Seria um desastre,
principalmente para países em desenvolvimento e pequenas ilhas, mas também para
o resto do mundo. Como o mundo iria se parecer se a maioria das pessoas tivesse
que sair dos lugares onde viveram? Para os governos, isso pode ser um tema de
segurança nacional. Torna-se um tema de segurança global. Alguns dizem que um
dos fatores que contribuíram para o conflito na Síria foi a seca de quatro anos que
forçou pessoas a se deslocarem. Para as empresas, há o fenômeno dos ativos nos
quais os investidores não querem mais colocar dinheiro. Temos de entender as
implicações dramáticas de não se chegar a um acordo. E que, se chegarmos a um
acordo, também não é garantia que tudo ficará bem, mas ainda é nossa melhor
chance de levar o mundo ao limite da margem de 2º C.
Valor: Tem quem defenda que a eleição nos EUA é mais importante do que o acordo
de Paris.
Steiner: É um jeito muito estreito de pensar. O que acontece politicamente nos EUA
ultrapassa suas fronteiras e rebate na economia global, mas, por mais significativa
que seja sua influência, não é o único determinante. Hoje 50% dos novos
investimentos no mundo em infraestrutura de eletricidade são em renováveis,
excluindo grandes hidrelétricas. Os EUA importam, mas não são o único
determinante de que a comunidade global aja em desafios como a mudança do clima
ou outros.
Valor: Como evitar que o acordo saia em Paris, mas seja fraco?
Steiner: Parece-me importante que os líderes instruam os seus negociadores para
que mostrem flexibilidade sem abandonar princípios fundamentais. Há que haver boa
vontade para superar as diferenças que, claramente, estarão lá.
Valor: Como orientar o fluxo de capitais para a economia verde?
Steiner: A chave do que estudamos no Pnuma há dois anos é que a transição para a
nova economia começou. Descolar o crescimento da poluição e da degradação dos
recursos ficará mais forte no mundo. Mas colocar a economia na rota do baixo
carbono não terá sucesso se não houver financiamento. Há uma desconexão da
economia real, em sua demanda de ter uma agenda de desenvolvimento
sustentável, e onde a economia financeira efetivamente está. Temos de criar
incentivos para que os mercados invistam na transição. O conceito de "finança
verde" é fundamental, assim como o papel dos bancos centrais e das autoridades
regulatórias. Não se pode dizer onde colocar o dinheiro, mas ele pode ser atraído
para uma direção.
Valor: O petróleo do PréSal deveria permanecer no fundo do mar?
Steiner: Não me cabe comentar como o Brasil irá explorar suas opções, mas me
sinto confortável em dizer que seria um grande revés se o futuro do Brasil, em
termos de infraestrutura e sistema energético, fosse bancado nos combustíveis
fósseis. O Brasil tem esse retrospecto invejável de ter investido décadas em uma
economia de energia renovável. Há tantas oportunidades, em renováveis e eficiência
energética. Porque não tirar vantagem disso agora? Além disso, vemos o mercado
de petróleo com grandes oscilações, e o horizonte de 2050 parece o de um mundo
menos dependente de fósseis.
Valor: Como evitar que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável fiquem nas
boas intenções?
Steiner: Será um momento histórico quando os líderes mundiais estiverem em NY
para adotar, pela primeira vez, metas de desenvolvimento que integram as três
dimensões: social, ambiental e econômico. Não podemos continuar a ter sucesso
econômico a custos da equidade social ou da sustentabilidade ambiental. O sucesso
dos ODS depende de se tornarem parte do debate nacional sobre desenvolvimento,
das campanhas eleitorais, da pauta dos Congressos.
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