Entrevista com Achim Steiner (Pnuma): “A agenda

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Entrevista com Achim Steiner (Pnuma): “A
agenda sustentável nos ajuda a reconhecer
que estamos em apuros”
GIRARDI, Giovana. “Entrevista com Achim Steiner (Pnuma): ‘A agenda sustentável
nos ajuda a reconhecer que estamos em apuros’”. O Estado de São Paulo. São
Paulo, 21 de setembro de 2015.
Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – conjunto de 17 metas que todas as
nações do mundo vão assinar no fim desta semana em Nova York para pôr em
prática até 2030 – vão precisar de um investimento para serem alcançados de US$ 5
trilhões e US$ 7 trilhões por ano. O cálculo é de Achim Steiner, diretor executivo do
Pnuma (o programa ambiental da ONU), que está em São Paulo nesta semana para
mobilizar o sistema financeiro e empresarial a embarcar nas metas que visam
colocar o mundo em um caminho para terminar a pobreza, proteger o planeta e
assegurar a prosperidade a todos.
Em entrevista ao Estado após participar do seminário internacional “Sistema
Financeiro, Economia Verde e Mudanças Climáticas”, promovido pela Febraban,
onde ele apresentou a conta, Steiner falou sobre os desafios em relação ao
chamados ODSs, que devem substituir os objetivos do milênio, e à Conferência do
Clima de Paris, que acontece em dezembro e terá de entregar um acordo global para
conter as mudanças climáticas.
Três anos após a Rio+20, quando foram apresentados pela primeira vez, os
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável serão finalmente lançados nesta
semana em cúpula da ONU em Nova York. Como o sr. os avalia?
Pela primeira vez todos os países do mundo concordaram com 17 objetivos que
definem a agenda do desenvolvimento sustentável da nossa época. Eles são
significativos porque são universais. As Nações Unidas por muitos anos disseram
que os países em desenvolvimento deveriam ser o foco do desenvolvimento
sustentável. Mas desde a Rio-92 e novamente em 2012, na Rio+20, dizemos que o
que acontece nos países industrializados é tão importante para a sustentabilidade
quanto o que acontece nos países em desenvolvimento. Agora essa universalidade é
um princípio central que pela primeira vez vemos reconhecido. A segunda coisa é
integração. Pelos últimos 20 anos, nós falamos sobre o econômico, o ambiental e o
social como sendo questões relacionadas, mas os tratamos de forma separada. Os
novos objetivos têm o DNA da integração. O ambiente está inserido em todos os
objetivos, há a dimensão social nas áreas com foco ambiental e ambos conversam
com o futuro do desenvolvimento econômico de sucesso. A questão é: o que
acontece depois que os objetivos são adotados? Esses objetivos terão de ser
incorporados pela sociedade civil, pelos parlamentos no nível nacional, é onde eles
vão fazer a diferença. Se eles não forem levados a sério, as questões de
desigualdade e falta de sustentabilidade vão ficar cada vez mais problemáticas.
O sr. acredita que o mundo já alcançou a maturidade necessária para alcançar
essas metas daqui 15 anos, como está sendo proposto. Aqui no Brasil, mas em
várias outras partes do mundo, estamos vivendo uma crise econômica e
política, e parece que há pouco espaço para isso. O sr. acha que os países
estão prontos para assumir essa nova agenda?
Todas as vezes em que houve uma crise ou momentos desafiadores ao longo da
história, a tentação é focar no curto prazo. Mas o que a história nos conta é que
países que abraçaram inovações fundamentais e transformadoras, às vezes nos
momentos mais críticos, são os países que tiveram mais sucesso. E para o Brasil,
sem diminuir a importância das pressões econômicas e de governança que está
enfrentando, vale lembrar que os objetivos do desenvolvimento sustentável têm este
país como ‘casa’. Nasceram aqui, na Rio+20. Não são objetivos que estão vindo de
outro planeta. E eles conversam com vários outros objetivos fundamentais que estão
no centro do debate sobre o futuro do desenvolvimento do Brasil. Neste momento, a
sociedade civil, o Congresso, o governo, a mídia precisam olhar para esses objetivos
como uma oportunidade para o futuro da economia, mas também para o futuro do
caminho do desenvolvimento no Brasil. Acho que os ODSs não são uma distração,
eles oferecem um importante lembrete de que muitas das crises de hoje são
resultado desse pensamento de curto prazo e da falta de transparência e de
prestação de contas. Eles são precisamente um antídoto contra esses oportunismos
da política do dia-a-dia e da atividade econômica.
Quais são os principais desafios dessa agenda?
Dois desafios são particularmente significativos. Primeiro: se os governos vão levar
esses objetivos ao nível nacional. Porque objetivos globais são muito abstratos. O
primeiro passo crucial é levá-los para o debate dentro dos países para suas
discussões sobre desenvolvimento. O segundo desafio é que precisamos aceitar que
esses objetivos precisam de investimento e não apenas do governo, mas do setor
privado e de organizações da sociedade civil. Ter acesso a energia, assistência
médica, fazer uso sustentável dos oceanos e ter um sistema sustentável de
produção e consumo, por exemplo, são coisas que não vão acontecer por acidente.
Elas precisam de investimento estratégico. E essa é uma das razões pelas quais
estamos em São Paulo agora analisando os desafios do sistema financeiro e da
economia verde. Porque estamos presenciando um crescente desalinhamento entre
a economia real e o “futuro que queremos” (o título do documento que foi gerado na
Rio+20) e o sistema financeiro. Nós precisamos lidar com esse fenômeno em que
temos hoje o sistema financeiro controlando US$ 140 trilhões somente em ativos nos
bancos do mundo, enquanto vemos uma inabilidade dos mercados financeiros e
investidores de tecnologia e de infraestrutura de se comunicarem. Se o sistema
financeiro está nos puxando para trás e a agenda que estamos tentando estabelecer
nos empurra para frente, então temos um problema.
O sr. está discutindo com a Febraban o projeto que o Pnuma fez sobre um
Sistema Financeiro Sustentável. Quais foram os resultados?
Uma forma de falar sobre a história desse estudo é dizer: quando percebemos que
as mudanças climáticas requerem de nós que descarbonizemos nossas economias
e, desse modo, mudar nossa infraestrutura, energia, transporte, edificações,
agricultura – literalmente em apenas 50 anos ir de uma economia de alto carbono
para uma de baixo – começamos a desenhar a agenda de uma economia verde. A
ideia era que poderíamos lidar com questões ambientais ao mesmo tempo em que
criamos oportunidades econômicas. Mas muito rapidamente ficou claro que para a
economia verde ter sucesso precisamos resolver a questão de financiamento e dos
mercados financeiros e de capital. Em primeiro lugar, há distorções na economia de
hoje que recompensam quem investe em tecnologias e projetos de infraestruturas
que emitem muito carbono ou que são ambientalmente danosas porque, por
exemplo, há subsídios em combustíveis fósseis. E é preciso corrigir essas
distorções. Em segundo lugar, é preciso redirecionar as despesas públicas também
para inovações voltadas para eficiência energética, tecnologias renováveis,
mobilidade pública, mobilidade elétrica. Mas no final do dia isso não é suficiente
porque talvez só 15% a 20% vai vir de financiamento público. E é aí que podem
entrar os mercados financeiros e de capital. Estamos estudando em todo o mundo
exemplos de como governos têm trabalhado com mercados financeiros e de capital
para trazer grandes incentivos para financiamento verde. Já há uma revolução
silenciosa a caminho e o que é interessante é que isso está acontecendo mais nas
economias emergentes e em desenvolvimento do que nas economias
industrializadas tradicionais. Porque a necessidade de financiamento para o
desenvolvimento é muito mais direcionada em muitos desses países. É o que está
fazendo a China, com um plano para os próximos cinco anos, que começa em 2016.
O país estima mais de US$ 320 bilhões em financiamento verde por ano. Cerca de
15% deve vir de financiamento público e o resto eles terão de mobilizar no mercado
financeiro e de capitais. A questão do financiamento verde está emergindo como um
motor significativo de políticas e inovação. E o Brasil é uma das economias que vai
liderar essa curva de inovação se aceitar essa oportunidade e não apenas pensar
nos desafios.
Além do setor financeiro, o sr. vai se dirigir nesta terça à conferência do
Instituto Ethos, que reúne outros setores do mundo dos negócios. Um dos
pontos da agenda dos ODSs é estimular uma redução do consumo. Como o sr.
fala sobre isso com empresários?
A primeira coisa que digo é que se esse setor não tomar cuidado, sua cadeia de
suprimentos vai ficar muito volátil e a produção vai ficar muito suscetível a
interrupções por conta da escassez de recursos e de flutuações de preços extremas.
É só olhar para o mercado de combustíveis fósseis no momento. Não é um conjunto
de sinais muito racional da economia global quanto o preço do barril de petróleo
pode ir de US$ 140 para US$ 50 e depois subir de novo em menos de dois anos.
Isso não é a economia real, isso é a especulação da economia. Agora se os
negócios estão confiando só nisso, é provável que sejam pegos de surpresa. E a
ligação entre recursos naturais e o nível atual de padrões de produção e consumo
apontam para uma significativa restrição de recursos nos próximos anos.
Começando por água, terras aráveis, madeira, terras raras. A questão agora não é
se preocupar se os negócios vão crescer e aumentar as vendas – porque 3 bilhões a
mais de pessoas serão acrescidas aos mercados nos próximos 40 anos. A maior
preocupação tem de ser: crescer a eficiência, diminuir desperdício, diminuir poluição.
É a primeira coisa para diminuir os riscos, criar cadeias de suprimentos menos
vulneráveis e melhor a exposição à percepção do públicos sobre seus produtos. Mas
há uma dissociação da forma como crescemos nossas economias em relação ao
volume de recursos naturais consumidos e o volume de poluição gerada. Meu
argumento é que o mundo dos negócios olhe muito cuidadosamente para as
questões das mudanças do ambiente tanto para se informar sobre os riscos para sua
cadeia de suprimentos quanto sobre como eles vão se posicionar em relação ao
futuro do mercado e o sucesso futuro dos seus negócios.
Como a agenda dos ODSs se conecta com a agenda climática?
Veja que os objetivos do desenvolvimento sustentável não são um atalho para o
paraíso. Neste momento estamos lidando com o fato de os custos de muito tempo de
inação serão muito altos. O crescimento da desigualdade e da poluição e
degradação ambiental ameaçam a resiliência das nossas economias, a coesão
social das nossas sociedades e a viabilidade ambiental do caminho para o
desenvolvimento econômico. Os ODS são uma agenda para focar nossa atenção
nas coisas que vão importar mais nos próximos anos. É uma agenda para o
desenvolvimento sustentável que nos ajuda a reconhecer que nós, como uma
comunidade global, estamos em apuros. Estamos movendo de uma crise para a
outra. Temos a crise econômica no Brasil e em diversos outros países, temos o
número massivo de refugiados porque as pessoas estão sendo deslocadas por
conflitos regionais. Isso desafia mesmo regiões como a Europa, que era tão bem
estruturada e organizada, o que demonstra que estamos mal preparados para as
consequências de continuamente ignorar o que está acontecendo – é o que o papa
Francisco chamou de “globalização da indiferença”. É um conceito muito poderoso
que ele usou ao pedir para que as pessoas não sejam indiferentes a essas coisas
porque isso vai nos destruir como sociedades.
Daqui a pouco mais de dois meses, todos os países vão se reunir mais uma
vez, desta vez para tentar fechar um acordo global contra as mudanças
climáticas, durante a Conferência do Clima da ONU, em Paris. O que o sr. acha
que deveria ser o resultado da conferência?
Idealmente deveria ser um acordo entre todas as nações que essencialmente nos
coloque no caminho de manter o aquecimento da temperatura do planeta em 2°C.
Mas lembremos que as negociações sobre as mudanças climáticas são um processo
que tem 20 anos. Apesar do ceticismo e das críticas, temos de reconhecê-lo pelo
que ele é. Uma obrigação anual para que todos os países sentem-se à mesa, olhem
a ciência, olhem a lacuna que temos entre os que estamos fazendo e o que
precisamos fazer e tentar, ano após ano, acelerar as ações. Nesse sentido, a
Convenção do Clima tem sido lenta, mas está cada vez mais movendo o mundo em
direção a um futuro de baixo carbono. Claro que para a ciência, para mim no Pnuma,
para muita gente, a mudança da curva do total de emissões de gases de efeito
estufa é muito vagarosa, mas ainda não é tarde demais. E Paris será mais um marco
em uma jornada. Mas é muito importante porque se falhar, o preço que vamos pagar
será extremamente alto. A mensagem a todos nós será de que o mundo não está
pronto para trabalhar junto. Para a economia, vai significar que alianças vão seguir o
business as usual em termos de emissões, de tecnologia e de infraestrutura. Isso
definitivamente vai nos prender em um mundo que vai aquecer muito além dos 2°C.
Mas acho que há uma boa chance. Ao olharmos as Contribuições Nacionalmente
Determinadas Pretendidas (as tais INDCs, metas que cada país tem de dizer que
sente que pode cumprir para evitar as mudanças climáticas), vemos um número sem
precedente de países que estão se comprometendo com ações. São
propostas ainda muito aquém de onde precisamos chegar, mas imagine se não
tivéssemos chegado nem a isso até o momento. Já estaríamos perdidos. Paris tem a
grande chance de produzir um acordo que seja suficiente para nos fazer mover
adiante. Sua credibilidade vai depender de os países se comprometerem com um
objetivo de longo prazo dessa jornada, que tragam novos passos. Sem isso, os
pequenos incrementos nessa batalha que teremos daqui até 2030 ficarão sem
sentido.
O sr. acha que se a COP-21 criar, por exemplo, um instrumento de aceleração
dessas metas e um caminho de longo prazo, o fato de as INDCs são serem
muito ambiciosas não seria um motivo para ficar preocupado?
Acho que temos de ficar muito preocupados com o ritmo dessas ações, como fomos
lentos até agora e como podemos continuar lentos daqui para frente. Acho que cada
cidadão, cada membro de Parlamento, cada empresário, cada governante deveria
estar preocupado sobre esse lento progresso. Mas acho que temos de ver as INDCs
como um sinal de ação, um passo a frente. Paris ainda é a melhor oportunidade para
ter a comunidade global inteira agindo. E essa é a fundação para conseguir alcançar
alguns mecanismo para revisitar as metas e aumentar a ambição ao longo dos anos.
Sim, temos razões para ficar preocupados, eles são pequenos passos diante dos
desafios, mas não vamos desistir dos próximos passos. No Pnuma estamos
produzindo o Gap Report e seremos muito sérios ao dizer que, desculpe mundo,
mas se olharmos para onde precisamos ir, isso aqui é apenas o próximo passo, mas
não o destino final.
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