Capítulo 8 Compartimentos Líquidos do Organismo Miguel Carlos Riella, Maria Aparecida Pachaly e Leonardo Vidal Riella UNIDADES DE MEDIDA DE ÁGUA E DE ELETRÓLITOS Peso atômico Peso molecular Equivalente eletroquímico Pressão osmótica, osmol e miliosmol Concentração molar ou molaridade (M) Concentração molal ou molalidade (m) Plasma Volume intersticial-linfático Volume dos líquidos transcelulares Determinação do volume intracelular (VIC) COMPOSIÇÃO ELETROLÍTICA DOS COMPARTIMENTOS LÍQUIDOS DISTRIBUIÇÃO DA ÁGUA ENTRE COMPARTIMENTOS DIFUSÃO E OSMOSE Adição de água ou solução hipotônica OSMOLALIDADE E TONICIDADE Adição de solução hipertônica de NaCl Soluções isotônicas, hipertônicas e hipotônicas Soluções isosmóticas, hiperosmóticas e hiposmóticas ÁGUA TOTAL DO ORGANISMO Determinação da água corporal total COMPARTIMENTOS LÍQUIDOS Determinação do volume extracelular (VEC) Adição de solução isotônica de NaCl TROCAS LÍQUIDAS ENTRE PLASMA E INTERSTÍCIO EXERCÍCIOS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS Determinação do volume dos subcompartimentos extracelulares A água é o principal constituinte do corpo humano e de todos os organismos vivos. O próprio organismo é uma solução aquosa na qual estão dissolvidos vários íons e moléculas. Em circunstâncias normais, mesmo havendo variações na dieta, o conteúdo de água e eletrólitos é mantido estável au6évés de modificações na excreção urinária.1 A distribuição desta solução aquosa e de seus vários constituintes no organismo é objeto de discussão nas páginas seguintes. UNIDADES DE MEDIDA DE ÁGUA E DE ELETRÓLITOS O corpo humano é formado por uma solução aquosa que representa 45 a 60% do peso corporal.2 Nesta solução, o solvente é a água e o soluto está representado por substâncias orgânicas e inorgânicas. Para melhor compreensão das unidades que expressam a concentração dos solutos, os seguintes conceitos são importantes: 91 capítulo 8 2). Por exemplo, no cloreto de cálcio 1 mol de Ca combina-se com 2 moles de Cl e é igual a 2 equivalentes.1 Peso Atômico Peso atômico é o peso total de um átomo ou a média das massas dos isótopos naturais de um elemento químico. O peso de 1 átomo de oxigênio é 16 e serve como referência para o peso atômico de todas as substâncias. Assim, o peso atômico do potássio é 39, em relação ao peso atômico do oxigênio.1 Por sua pequena concentração no organismo, os eletrólitos são comumente expressos em miliequivalentes (mEq). Um miliequivalente é igual a 103 equivalentes. Peso Molecular Pressão Osmótica, Osmol e Miliosmol É a soma dos pesos atômicos de todos os elementos encontrados na fórmula de uma substância. O peso molecular expresso em gramas é igual a mol (M) e, em miligramas, é igual a milimol (mM).1 Exemplo: Outra maneira de expressar o número de partículas de soluto presentes é através da pressão osmótica, que determina a distribuição de água entre os compartimentos. A pressão osmótica é proporcional ao número de partículas por unidade do solvente e não se relaciona à valência ou peso das partículas.1 As unidades utilizadas são o osmol (Osm) e o miliosmol (mOsm). Um osmol é o número de íons por mol ou a quantidade de substância que se dissocia em solução para formar um mol de partículas osmoticamente ativas. Por exemplo, 1 mol de NaCl tem 2 osmóis de soluto, pois se dissocia em Na e Cl. Um mol de glicose contém apenas 1 osmol de soluto, pois a glicose não é ionizável. A pressão osmótica determina a distribuição de água entre os espaço intra- e extracelular, como será discutido ao se abordar tonicidade (v. a seguir). SUBSTÂNCIA Cloreto de Potássio FÓRMULA PESO MOLECULAR MOL (M) MILIMOL (mM) KCl 39 35,5 74,5 74,5 g 74,5 mg Equivalente Eletroquímico Partículas com carga positiva são chamadas cátions (por exemplo, Na e K) e partículas com carga negativa são chamadas ânions (Cl e HCO3). Quando cátions e ânions se combinam, eles o fazem de acordo com sua carga iônica (valência) e não de acordo com seu peso.1 Equivalência eletroquímica se refere ao poder de combinação de um íon. Um equivalente é definido como o peso em gramas de um elemento que se combina com ou substitui 1 g de íon hidrogênio (H). Também se obtém o equivalente de uma determinada substância dividindo-se o peso molecular por sua valência.1 Para íons monovalentes, 1 mol é igual a 1 equivalente. Para íons divalentes, 1 mol é igual a 2 equivalentes. 1 Eq peso molecular valência iônica Como 1 g de H é igual a 1 mol de H (contendo aproximadamente 6,02 1023 partículas), um mol de qualquer ânion monovalente (carga –1) se combinará como H e será igual a um equivalente (eq). 1 mol H (1 g) 1 mol Cl (35,5 g) 씮 1 mol HCl (36,5 g) Da mesma forma, 1 mol de um cátion monovalente (carga 1) também é igual a 1 equivalente, pois pode substituir o H e combinar-se com 1 equivalente de algum ânion. 1 mol Na(23 g) 1 mol Cl (35,5 g) 씮 1 mol NaCl (58,5 g) Já o cálcio ionizado (Ca) é um cátion divalente (carga 1 mol Ca (40 g) 2 mol Cl (71g) 씮 1 mol CaCl2 (111 g) Concentração Molar ou Molaridade (M) É o número de moles do soluto por litro de solução, a uma dada temperatura. Concentração Molal ou Molalidade (m) É o número de moles do soluto por 1.000 gramas do solvente. DIFUSÃO E OSMOSE A difusão é dividida em dois subtipos: a difusão simples e a difusão facilitada. Na difusão simples, a passagem de íons ou moléculas através de uma membrana ocorre devido ao movimento cinético aleatório destas partículas, sem a necessidade de ligação com proteínas de transporte. A taxa de difusão simples depende da quantidade de substância disponível, velocidade de movimento cinético e número de aberturas na membrana celular através das quais as moléculas ou íons podem se mover. Na difusão facilitada, há necessidade de interação com uma proteína transportadora, a qual se liga quimicamente às moléculas e facilita sua passagem através da membrana.5 A osmose ocorre quando duas soluções de concentrações diferentes encontram-se separadas por uma membra- 92 Compartimentos Líquidos do Organismo na semipermeável. Há então um movimento de água da solução menos concentrada para a mais concentrada, a qual sofre uma diluição progressiva, até que as duas soluções atinjam um equilíbrio. A OSMOLALIDADE E TONICIDADE É importante diferenciar os conceitos de osmolalidade e tonicidade. A osmolalidade é determinada pela concentração total de solutos numa determinada solução ou compartimento. Tonicidade é a capacidade que os solutos têm de gerar uma força osmótica que provoca o movimento de água de um compartimento para outro.3,4 Para que ocorra aumento da tonicidade no espaço extracelular, por exemplo, é necessário que solutos permaneçam confinados neste espaço sem atravessar livremente as membranas celulares e sem migrar para os demais compartimentos. Isto provocará o movimento de água do compartimento intracelular para o extracelular (osmose) para estabelecer um equilíbrio osmótico, gerando também diminuição do volume das células. Alguns dos solutos capazes de produzir este movimento de água (osmóis efetivos) são: sódio, glicose, manitol e sorbitol. O sódio permanece no espaço extracelular sem movimentar-se para outros compartimentos devido à ação da bomba sódio-potássio ATPase, que continuamente bombeia o sódio para fora das células. A glicose é um osmol efetivo, mas é normalmente metabolizada no interior das células, e desta forma não contribui significativamente para a tonicidade sob circunstâncias normais. No diabetes mellitus descontrolado, a concentração elevada de glicose no plasma pode levar a um aumento significativo da osmolalidade e da tonicidade, causando movimento de água para dentro do espaço extracelular. A uréia contribui para a osmolalidade, mas atravessa livremente as membranas e não influi no movimento de água entre compartimentos.3,4 Soluções Isotônicas, Hipertônicas e Hipotônicas As soluções isotônicas apresentam a mesma tonicidade que o plasma, e conseqüentemente não induzem movimento de água através das membranas celulares e não provocam variação do volume celular. Exemplo de solução isotônica: solução salina a 0,9%; solução glicosada a 5%. Soluções hipertônicas geram o movimento de água em direção ao espaço extracelular, provocando diminuição do volume celular. Exemplo: solução salina em concentração superior a 0,9%. As soluções hipotônicas provocam o movimento de água em direção ao compartimento intracelular, provocando edema celular.5 Exemplo: solução salina em concentra- B C Fig. 8.1 Efeito do contato de diferentes soluções com hemácias: solução isotônica (A); solução hipertônica (B); e solução hipotônica (C). ção inferior a 0,9%. A Fig. 8.1 exemplifica os efeitos descritos. Soluções Isosmóticas, Hiperosmóticas e Hiposmóticas A osmolalidade de uma solução é determinada pela quantidade total de partículas dissolvidas, incluindo os solutos que atravessam as membranas celulares. Os termos isosmótico, hiperosmótico e hiposmótico se referem a uma comparação com o fluido extracelular normal. Por exemplo, a solução salina a 0,9% é ao mesmo tempo isotônica (não provoca movimento de água) e isosmótica (apresenta o mesmo número de partículas de soluto) em relação ao espaço extracelular. Pontos-chave: • A osmolalidade depende do número total de solutos numa solução ou compartimento • Tonicidade é a capacidade que os solutos têm de provocar movimento de água de um compartimento para outro. Esta propriedade define o que são soluções isotônicas, hipotônicas e hipertônicas ÁGUA TOTAL DO ORGANISMO A água total do organismo varia entre 45 e 60% do peso corporal, de acordo com a idade, o sexo e a composição corporal do indivíduo.3,7 Esta proporção variável é devido às diferentes quantidades de gordura presentes no organismo, pois em gordura neutra quase não existe água. Assim, indivíduos obesos, embora mais pesados, possuem menos água no organismo. Da mesma forma, por possuírem maior quantidade de gordura no organismo, as mulheres têm menor proporção de água corporal (50%). Já os idosos, por apresentarem menor massa muscular, têm um menor conteúdo de água.3 Nas crianças, a água corporal total equivale a cerca de 70%-80% do peso, pois apresentam menor conteúdo de tecido adiposo. 93 capítulo 8 Para efeitos práticos de cálculo, consideraremos a água total como sendo 60% do peso corporal, independentemente das variações anteriormente mencionadas. Determinação da Água Corporal Total O método laboratorial que determina a água total do organismo baseia-se na técnica de diluição,5,8 fundamentada no seguinte princípio: quando se adiciona uma quantidade conhecida de soluto a um volume desconhecido de solvente, e dosa-se a concentração final da substância, é possível calcular o volume do solvente. Por exemplo, adicionando 1 kg (1.000 mg) de uma substância a um volume de solvente, e obtendo-se uma concentração final de 100 mg/litro, chega-se à conclusão de que o volume do solvente é igual a 10 litros. Acompanhe com a fórmula abaixo: Ci/Vf Cf e Vf Ci/Cf Onde: Ci: concentração (quantidade) inicial da substância adicionada; Cf: concentração final da substância adicionada; Vf: volume final da solução. 1.000 mg/Vf 100 mg/litro Vf 1.000/100 10 litros A determinação da quantidade de água do organismo in vivo só foi possível após o emprego de isótopos da água: estáveis (deutério) ou radioativos (trítio). Um destes compostos é injetado na circulação e aguarda-se um determinado período para que haja equilíbrio no plasma. Naturalmente, a quantidade da substância que é metabolizada e excretada durante este período de equilíbrio deve ser considerada. A antipirina foi também uma substância bastante utilizada na determinação da água total do organismo. COMPARTIMENTOS LÍQUIDOS A água do organismo se distribui em compartimentos, em parte devido a diferentes composições iônicas (Fig. 8.2). No entanto, estes compartimentos não são estanques, havendo um constante intercâmbio hidroeletrolítico. Basicamente, identificam-se dois grandes compartimentos: intracelular e extracelular. O compartimento intracelular é composto pela água existente no citoplasma de todas as células. Já o compartimento extracelular, como o próprio termo indica, referese a toda a água externa às células e possui subcompartimentos: plasma, líquido intersticial e linfa, água dos ossos e líquidos transcelulares (Fig. 8.2). Os líquidos transcelulares representam coleções de líquidos que não são simples transudatos, mas são líquidos secretados e incluem: secreções das glândulas salivares, pâncreas, fígado e árvore biliar, além dos líquidos nas cavidades pleurais, oculares, peritoneal, no lúmen do trato gastrintestinal e líquido cefalorraquidiano.4 Terceiro espaço é um termo proposto por Randall, em 1952, para descrever a situação na qual o líquido extracelular é perdido ou seqüestrado numa área do corpo onde não participa das trocas, e conseqüentemente não satisfaz às necessidades hídricas do paciente. Exemplos: líquido no intestino na presença de íleo, líquido peritoneal na peritonite, líquido peripancreático na pancreatite aguda e o edema do queimado. Por exemplo, no paciente com obstrução intestinal ou íleo intenso, vários litros de fluidos ricos em eletrólitos podem estar confinados ao intestino, sem que o paciente possa utilizá-los, mesmo que esteja hipovolêmico. Determinação do Volume Extracelular (VEC) O método utilizado também se baseia no princípio da técnica de diluição, preferindo-se uma substância que seja excluída das células e permaneça no espaço extracelular. Várias substâncias têm sido utilizadas: 36Cl, sulfato, tiossulfato e tiocianato, além de certos sacarídeos (manitol, inulina e sucrose).8 Nenhuma destas substâncias é considerada ideal. Elas variam na sua capacidade de penetração nas células e os resultados da determinação do VEC são, portanto, diversos, variando de 16 a 28%. Na prática, considera-se que o volume extracelular corresponde a 20% do peso corporal.5 Determinação do Volume dos Subcompartimentos Extracelulares PLASMA Fig. 8.2 Compartimentos líquidos do organismo (percentual do peso corporal). O volume plasmático é determinado empregando-se substâncias que ficam confinadas ao leito vascular. A al- 94 Compartimentos Líquidos do Organismo bumina ou eritrócitos podem ser utilizados. A albumina marcada com 131I é a mais empregada, e o volume de distribuição determinado está em torno de 4,5% do peso corporal. Entretanto, alguma 131I-albumina escapa do leito vascular para o interstício. Quando se empregam eritrócitos, eles são previamente marcados com crômio-51 (51Cr). VOLUME INTERSTICIAL-LINFÁTICO É calculado indiretamente, subtraindo-se o volume plasmático do volume extracelular, e aproxima-se de 20% da água total ou 12% do peso corporal. VOLUME DOS LÍQUIDOS TRANSCELULARES É calculado pela soma das várias secreções e aproximase de 1,5% do peso corporal ou 2,5% da água total (Quadro 8.1). Determinação do Volume Intracelular (VIC) O volume intracelular não pode ser determinado diretamente e é calculado subtraindo-se o volume extracelular da água corporal total. Na prática, considerando-se a água total do organismo como sendo 60% do peso corporal e o volume extracelular 20%, conclui-se que o volume intracelular é de 40% do peso total.5 Quadro 8.1 Distribuição da água total num adulto jovem* % do Peso Corporal % da Água Total Plasma 4,5 7,5 Líquido intersticial linfático 12,0 20,0 Tecido conjuntivo denso e cartilagem 4,5 7,5 Água do osso (inacessível) 4,5 7,5 Transcelular 1,5 2,5 Extracelular total 27,0 45,0 Extracelular funcional** 21,0 — Água total 60,0 100,0 Água intracelular 33,0 55,0 Compartimento *Modificado de Edelman, I. S. e Leibman, J.11 **O líquido extracelular funcional representa o extracelular total menos a água do osso e do líquido transcelular. Pontos-chave: • Regra 60:40:20 • Água corporal total 60% do peso corporal. • Compartimentos: Intracelular 40% do peso corporal Extracelular 20% do peso corporal COMPOSIÇÃO ELETROLÍTICA DOS COMPARTIMENTOS LÍQUIDOS A composição eletrolítica do plasma e dos líquidos intersticial e intracelular pode ser apreciada no Quadro 8.2. No líquido extracelular o cátion mais abundante é o sódio, e o cloro é seu principal ânion. Em menor concentração no líquido extracelular, observamos K, Ca e Mg e os ânions HPO4 , H 2 PO4 e SO4 . Além disso, muitos ácidos orgânicos (láctico, pirúvico, cítrico) existem no líquido extracelular como ânions e podem estar elevados em diversas enfermidades.5 O sódio no líquido extracelular representa a metade de sua osmolalidade. No líquido intracelular o cátion mais abundante é o potássio, e os ânions prevalentes são compostos orgânicos como os fosfatos, sulfatos e proteínas. Observam-se ainda Mg, Ca e os ânions inorgânicos Cl e HCO3. Note que o total de íons intracelulares excede o do plasma e, no entanto, a osmolalidade intra- e extracelular é a mesma. Acredita-se que alguns destes íons intracelulares sejam osmoticamente inativos, isto é, ligados a proteínas e a outros constituintes celulares. Metade da osmolalidade do líquido intracelular é dada pelo K. A determinação de eletrólitos no interior das células é tecnicamente difícil, além de variar de acordo com a origem do tecido estudado. Por exemplo, apesar da possibilidade de acesso às hemácias do sangue periférico, a dosagem dos eletrólitos nestas células, que não possuem núcleos e mitocôndrias, pode não refletir o que ocorre no tecido muscular.6 O líquido intersticial é um ultrafiltrado do plasma. Sendo assim, não contém os elementos celulares (hemácias, leucócitos, plaquetas), e sim um líquido ultrafiltrado que praticamente não contém proteínas. Note-se que a soma total de íons no plasma é maior que a do líquido intersticial. A explicação está na distribuição de Gibbs-Donnan5,7,9 (Fig. 8.3): a) quando há um ânion pouco difusível num dos lados da membrana (no caso, as proteínas no lado vascular), a concentração de um íon positivo difusível será maior neste lado, e a concentração de um ânion difusível será menor; 95 capítulo 8 Quadro 8.2 Composição iônica do plasma, líquido intersticial e intracelular Íons mEq/L Plasma mEq/kg/H2O Líquido Intersticial mEq/L Cátions Líquido Intracelular mEq/kg/H2O Sódio (Na) Potássio (K) Cálcio (Ca) Magnésio (Mg) 142,0 4,0 5,0 3,0 151,0 4,3 5,4 3,2 144,0 4,0 2,5 1,5 10,0 156,0 3,3 26,0 Total 154,0 163,9 152,0 195,3 103,0 109,7 114,0 2,0 27,0 2,0 1,0 5,0 16,0 28,7 2,1 1,1 5,3 17,0 30,0 2,0 1,0 5,0 0,0 8,0 95,0 20,0 — 55,0 154,0 163,9 152,0 180,0 Ânions Cloro (Cl) Bicarbonato (HCO3) Fosfato (HPO4) Sulfato (SO4) Ácidos orgânicos Proteínas Total las e de uma eliminação ativa de outros íons do interior da célula. Assim, a concentração de sódio no líquido extracelular é alta e no interior das células é baixa, porque o sódio é ativamente eliminado das células por meio de bombas iônicas. Pontos-chave: Fig. 8.3 Equilíbrio de Gibbs-Donnan. No diagrama, os compartimentos A e B estão separados por uma membrana permeável ao Na e Cl, mas impermeável à proteína. Após o equilíbrio final, observa-se que: 1.º) O produto da concentração de íons difusíveis num compartimento é igual ao produto dos mesmos íons no outro compartimento (94 no compartimento A e 66 no compartimento B); 2.º) Em cada compartimento, a soma dos cátions deve ser igual à soma dos ânions (9 Na e 4 Cl 5 Pr no compartimento A; 6 Na e 6 Cl no compartimento B); 3.º) A concentração de cátions difusíveis será maior no compartimento que contém a proteína (carga negativa) não difusível que no outro compartimento, e a concentração de ânions difusíveis será menor no compartimento A que no B; 4.º) A osmolalidade é maior no compartimento A, que contém a proteína. (Obtido de Valtin, H.9) b) o número total de íons difusíveis será maior no lado que contiver o ânion pouco difusível. A diferente concentração iônica nos diversos compartimentos não é devido a uma impermeabilidade iônica entre um compartimento e outro. A diferença é o resultado de uma acumulação ativa de certos íons dentro das célu- • Os solutos dissolvidos na água não se distribuem igualmente no intracelular e no extracelular, devido à ação de bombas iônicas • Partículas restritas a um compartimento determinam seu volume. Exemplo: o sódio, restrito ao espaço extracelular por meio de bombas iônicas, determina o volume deste espaço. O mesmo vale para o potássio em relação ao espaço intracelular DISTRIBUIÇÃO DA ÁGUA ENTRE COMPARTIMENTOS As membranas celulares permitem o livre movimento de água em qualquer direção. Este movimento depende da distribuição dos íons. É a quantidade de soluto e não de solvente que define o volume do compartimento. Cada compartimento líquido no organismo tem um soluto que, devido a seu confinamento àquele espaço, determina o volume do compartimento: proteínas séricas para o volu- 96 Compartimentos Líquidos do Organismo me intravascular, sódio para o compartimento extracelular e potássio para o intracelular. A rápida distribuição proporcional de água entre os compartimentos assegura uma concentração osmolar intra- e extracelular essencialmente idêntica. A osmolalidade plasmática de um indivíduo normal está em torno de 289 mOsm/kg H2O, atribuída principalmente ao sódio e aos ânions uréia e glicose. A osmolalidade plasmática é igual a duas vezes a concentração plasmática do sódio, mais a osmolalidade da uréia, mais a osmolalidade da glicose. A osmolalidade plasmática poderá ser deduzida, considerando-se as seguintes concentrações normais: sódio plasmático — 140 mEq/L; uréia plasmática — 30 mg/100 ml, e glicemia — 90 mg/100 ml. Osmolalidade plasmática (Na 2) ( Glic Uréia 10) ( 10) 180 60 por uma camada de células e uma membrana pouco permeável à água. Desta forma, secreções gastrintestinais e o suor são hiposmóticos. Como a osmolalidade é a mesma dentro e fora das células, a passagem de água do interior para fora das células, ou vice-versa, só ocorre se houver mudança de osmolalidade e tonicidade. As seguintes circunstâncias, ilustradas na Fig. 8.4 e baseadas na discussão de Robert Pitts, traduzem situações em que se alteram a osmolalidade e o volume dos compartimentos extra- e intracelular.10 Pontos-chave: • Osmolalidade plasmática (Na 2) ( Uréia 10) ( Glic 10) 60 180 • Osmolalidade plasmática normal ⬵ 290 mOsm/kg H2O Na 2 140 mEq/L 280 mOsm/kg H2O Uréia: 30 mg / 100 ml 10 5 mOsm/kg H2O 60 90 mg / 100 ml Glicemia: 10 5 mOsm/kg H2O 180 Então, a osmolalidade plasmática estimada com os dados acima é de 290 mOsm/kg H2O. Para o cálculo da contribuição da uréia para a osmolalidade, dividimos a concentração plasmática da uréia por 60, que é seu peso molecular. Da mesma forma, dividimos a glicose por seu peso molecular, que é 180. Multiplicamos ambos os cálculos por 10, a fim de convertermos mg/100 ml em mg/L. Quando não se dispõe das concentrações de uréia e glicose, a osmolalidade do plasma pode ser estimada multiplicando-se a concentração de sódio por dois. Alguns líquidos transcelulares têm uma osmolalidade muito diferente dos outros compartimentos. Isto se deve ao fato de estarem separados dos outros compartimentos Adição de Água ou Solução Hipotônica Se administrarmos água ou solução hipotônica a um indivíduo, seja por via oral ou endovenosa, e se considerarmos que não haverá diurese durante o período do estudo, a água distribui-se rápida e proporcionalmente entre os dois compartimentos. Observa-se uma redução uniforme na osmolalidade e um aumento no volume dos dois compartimentos (aumento maior no intracelular por ser maior que o extracelular)5,7 (Fig. 8.4). Adição de Solução Hipertônica de NaCl A infusão endovenosa de uma solução hipertônica de NaCl expande o compartimento extracelular e provoca um movimento passivo de água do compartimento intracelular (osmolalidade menor) para o extracelular (os- Fig. 8.4 Alterações no volume e na osmolalidade dos compartimentos intra- e extracelulares, quando se adiciona: A) apenas água ao organismo; B) uma solução salina hipertônica; C) uma solução salina isotônica. O estado inicial dos compartimentos intracelular (I) e extracelular (E) está representado pelas linhas contínuas e no final está representado por linhas interrompidas. A altura do compartimento representa a osmolalidade, e a largura, o volume. (Modificado de Pitts, R.10) 97 capítulo 8 molalidade maior devido à solução adicionada), até que ambos os compartimentos se equilibrem e se tornem isosmóticos. A saída de água reduz o volume do compartimento intracelular e, conseqüentemente, aumenta a osmolalidade deste compartimento. No final, ambos os compartimentos terão uma osmolalidade maior que a inicial5,7 (Fig. 8.4). Adição de Solução Isotônica de NaCl Como o sódio permanece principalmente no compartimento extracelular, há uma expansão do volume deste compartimento, mas não ocorre alteração na osmolalidade intra- e extracelular e, tampouco, no volume intracelular5,7 (Fig. 8.4). Pontos-chave: • Soluções de diferentes tonicidades provocam variações no volume dos compartimentos intra- e extracelular • Soluções isotônicas de sódio aumentam o extracelular, pois o sódio se mantém neste compartimento • Soluções hipotônicas e água se distribuem no intra- e extracelular (maior proporção no intracelular) • Soluções hipertônicas causam movimento de água do intra- para o extracelular, diminuindo o primeiro e aumentando o segundo TROCAS LÍQUIDAS ENTRE PLASMA E INTERSTÍCIO A nutrição das células e a remoção dos produtos do metabolismo celular somente são possíveis devido à existência de uma circulação capilar. Ela permite uma rápida troca de nutrientes entre a circulação e as células através do líquido intersticial. O transporte dos nutrientes e catabólitos pelo sangue depende da adequação da função circulatória e do volume líquido circulante. Portanto, manter o volume plasmático é essencial. A pressão hidrostática determinada pela bomba cardíaca num compartimento (vascular) altamente permeável à água e aos solutos poderia determinar a passagem de todo o líquido intravascular rapidamente para o interstício. Isto não ocorre porque a esta pressão hidrostática se opõe uma outra pressão — a pressão osmótica determinada pelas proteínas, principalmente albumina, também conhecida como pressão coloidosmótica ou pressão oncótica. A pressão oncótica está em torno de 25 mmHg. Já o líquido intersticial tem pouca proteína, tendo uma pressão oncótica em torno de 5 mmHg.2 A diferença, portanto, entre a pressão osmótica do plasma e a do interstício é de 20 mmHg e esta força se opõe à pressão hidrostática.5,7 Foi Starling quem primeiro formulou o mecanismo de distribuição de líquido entre os compartimentos vascular e intersticial (Fig. 8.5). Segundo ele, o sangue chega aos capilares com uma certa força (pressão hidrostática), capaz de determinar o retorno venoso ao coração. A pressão hidrostática é determinada pela pressão mecânica gerada pelo coração. A pressão média nas grandes artérias é de 95 mmHg, mas, quando o sangue chega ao leito capilar, a Fig. 8.5 Hipótese de Starling para troca de líquido entre plasma e interstício. Os fatores que determinam esta troca são denominados forças de Starling. (Obtido de Valtin, H.9) 98 Compartimentos Líquidos do Organismo pressão hidrostática cai para 40-45 mmHg. Esta pressão hidrostática de 40-45 mmHg determina a passagem de líquido intravascular para o interstício e a ela se opõem a pressão oncótica das proteínas, em torno de 25-30 mmHg, e uma pressão do turgor intersticial de 2-5 mmHg. Desta forma, o balanço dessas forças resulta numa pressão de filtração positiva, em torno de 10-15 mmHg.5 Uma pequena quantidade de proteínas atravessa os capilares, mas quase tudo retorna à circulação através do sistema linfático. No entanto, uma fração permanece no interstício e é responsável pela pressão oncótica intersticial de 3 mmHg. Quando a coluna de sangue atinge o lado venoso do capilar, a pressão hidrostática está reduzida a 10-15 mmHg e o balanço das forças é negativo, determinando a reabsorção do líquido filtrado no lado venoso capilar.5 Acredita-se que o principal mecanismo que altera a pressão hidrostática intracapilar não é a resistência ao longo do capilar e sim a atividade de esfíncteres pré-capilares (Fig. 8.5). Quando há um relaxamento do esfíncter, a pressão hidrostática intracapilar aumenta, favorecendo a filtração ao longo do capilar; quando o esfíncter se contrai, a pressão hidrostática cai, e talvez só ocorra reabsorção ao longo do capilar. Também é importante a área de superfície dos capilares. Quando o esfíncter se contrai, muitos capilares são desviados da circulação arterial, reduzindo a área de superfície capilar; quando o esfíncter se relaxa, ocorre o inverso. Além do mais, o ritmo de fluxo líquido através do capilar endotelial não depende só das forças de Starling, mas também do coeficiente de filtração, expresso pela seguinte fórmula:9 q Kf(Pc – Pt) – (pp – pt), onde: q ritmo de fluxo através do capilar; Kf coeficiente de filtração; Pc pressão hidrostática intracapilar; Pt pressão do turgor tecidual; pp pressão oncótica do plasma; pt pressão oncótica intersticial. Conclui-se que se a pressão hidrostática for excessiva, ou a pressão oncótica do plasma reduzida, haverá um excesso de filtração de líquido para o interstício e, se for ul- Pontos-chave: • A pressão hidrostática é a principal força que provoca o movimento de líquido para fora da luz do capilar • A pressão coloidosmótica ou oncótica (determinada principalmente pela albumina) é a principal força que se opõe à hidrostática e provoca o movimento de líquido para dentro da luz do capilar sanguíneo trapassada a capacidade de remoção pelos linfáticos, haverá edema. EXERCÍCIOS (Respostas no final do capítulo.) 1) Adulto jovem de 70 kg. Calcular a água corporal total, espaço extracelular, volume plasmático e volume intracelular. 2) Em relação à proporção de água corporal total, que diferenças existem em pacientes obesos, mulheres, crianças e idosos? 3) Qual a osmolalidade plasmática de um paciente que apresenta as seguintes dosagens plasmáticas: uréia 240 mg/dl; glicose 360 mg/dl; sódio 133 mEq/litro. 4) Frente à osmolalidade encontrada na questão anterior, o que ocorre com os compartimentos intra- e extracelular? 5) O que ocorre com as forças de Starling em presença de hipoalbuminemia? 6) Cite um exemplo de solução endovenosa que deve ser administrada quando se deseja aumentar o volume do espaço extracelular. 7) Cite um exemplo de solução endovenosa que se administra para expandir o espaço extracelular e contrair o espaço intracelular. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ROSE, B.; POST, T.W. Units of solute measurement. Up to Date, vol. 9, n. 1, Cap. 1B. 2000. 2. HAYS, R.M. Dynamics of body water and electrolytes, Cap. 1, pág. 1. In: Clinical Disorders of Fluid and Eletrolyte Metabolism. Eds. Morton H. Maxwell and C. R. Kleeman. McGraw-Hill Book Co., 1972. 3. PRESTON, R.A. Acid-Base, Fluids and Electrolytes Made Ridiculously Simple. Cap.1, pág. 3. MedMaster Inc., Miami, 1997. 4. OH, M.S. and CARROLL, H.J. Regulation of intracellular and extracellular volume. In: Fluid, Electrolyte and Acid-Base Disorders. Eds. Arieff, A.I. and DeFronzo, R.A. Cap. 1, pág. 1. Churchill Livingstone Inc. New York, 1995. 5. GUYTON, A.C. and HALL, J.E. The body fluid compartments: extracellular and intracellular fluids; interstitial fluid and edema. In: Textbook of Medical Physiology. Cap. 25, págs. 297-313. W.B. Saunders Co., 1996. 6. MAFFLY, R.H. The body fluids: volume, composition and physical chemistry, Cap. 2, pág. 65. In: The Kidney. Eds. B. M. Brenner and F. C. Rector Jr. W. B. Saunders Co., 1976. 7. HALPERIN, M.L.; GOLDSTEIN, M.B. Sodium and water physiology. 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Volume do espaço intracelular 40% de 70 kg 28 litros 2) A água corporal total encontra-se diminuída (menos que 60% do peso corporal) em pacientes obesos e mulheres, devido ao maior conteúdo de gordura que apresentam. Os idosos apresentam menor massa muscular, e conseqüentemente menor proporção de água em relação ao peso. As crianças apresentam conteúdo de gordura reduzido, e então a proporção de água corporal total é maior em relação ao peso. Uréia Glic 3) Osmolalidade plasmática (Na 2) ( 10) ( 10), 60 180 então: Osmolalidade plasmática (133 2) (240/60 10) (360/180 10) 326 mOsm/kg H2O 4) No exemplo acima, com o aumento da osmolalidade e tonicidade do plasma (a osmolalidade normal oscila entre 280 e 290 mOsm/ kg H2O), ocorre a passagem de água do espaço intracelular para o extracelular até haver um equilíbrio osmótico entre os dois compartimentos. Como resultado final, o volume do espaço intracelular sofre redução (pela perda de água) e o extracelular sofre o acréscimo de água, inclusive diluindo o sódio do intravascular. 5) Em presença de hipoalbuminemia, existe redução da pressão oncótica, o que favorece a filtração de líquido para o interstício no lado venoso do capilar e dificulta a reabsorção de líquido intersticial no lado venoso do capilar; caso seja ultrapassada a capacidade de absorção pelos linfáticos, isto resultará em edema. 6) Solução salina a 0,9% (chamada solução salina isotônica). 7) Solução salina hipertônica (concentração maior que 0,9%). Capítulo 9 Metabolismo da Água Miguel Carlos Riella e Maria Aparecida Pachaly MECANISMO DA SEDE Manejo do paciente com hipernatremia VASOPRESSINA (HORMÔNIO ANTIDIURÉTICO) Mecanismo de ação do hormônio antidiurético (HAD) — Linhas gerais Cálculo do déficit de água aquaporinas OUTROS HORMÔNIOS Tipo de fluido Ritmo de correção Catecolaminas Hormônio tireoidiano Hormônios adrenocorticais Sistema renina-angiotensina MECANISMO RENAL DE REGULAÇÃO DA ÁGUA Considerações anatômicas Vascularização da medula renal Concentração da urina — mecanismo de contracorrente Evolução EXCESSO DE ÁGUA — HIPONATREMIA — ESTADO HIPOSMOLAR Causas de hiponatremia Pseudo-hiponatremia Redistribuição de água Intoxicação aguda pela água Hiponatremia crônica Fluxo sanguíneo medular Papel da uréia no mecanismo de concentração MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DE HIPONATREMIA Diagnóstico urinária Recirculação medular da uréia TRATAMENTO DA HIPONATREMIA Linhas gerais Diluição da urina DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO DA ÁGUA Cálculo do excesso de água Tratamento da hiponatremia sintomática DÉFICIT DE ÁGUA — HIPERNATREMIA — ESTADO HIPEROSMOLAR Ritmo de correção Complicações do tratamento Causas de hipernatremia e estado hiperosmolar Hipernatremia com hipovolemia EXERCÍCIOS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Hipernatremia com hipervolemia Hipernatremia com volemia aparentemente normal ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS Manifestações clínicas de hipernatremia No dia-a-dia, a ingesta de líquidos deve igualar-se às perdas através da respiração, suor, trato gastrintestinal e diurese.*1 Nos adultos, a água corresponde a 60% do peso *O termo diurese refere-se a um fluxo de urina maior do que o normal, isto é, superior a 1 ml/min no adulto; antidiurese refere-se a um fluxo urinário reduzido, geralmente inferior a 0,5 ml/min no adulto. corporal, sendo a maior parte localizada no espaço intracelular. Para evitar que haja variações na osmolalidade plasmática, a qual é determinada principalmente pela concentração plasmática de sódio, devem ser feitos ajustes adequados na ingesta e excreção de água. Estes ajustes são realizados de forma mais significativa sobre o controle da sede, 101 capítulo 9 secreção do hormônio antidiurético (HAD) e mecanismos renais de conservação ou eliminação de água.1 Quando existe déficit de água no organismo, os rins participam de um sistema de retroalimentação com osmorreceptores e hormônio antidiurético, minimizando a perda de água. Já quando existe excesso de água no organismo, estes mecanismos se dirigem a uma maior excreção de água pelos rins. 2 MECANISMO DA SEDE Para equilibrar as perdas diárias de água, é necessário haver ingesta de líquido, que é regulada pelo mecanismo da sede. Sede é definida como o desejo consciente de ingerir água.2 Acredita-se que os estímulos para a sede se originam tanto no compartimento intracelular como no extracelular. A sensação de sede origina-se no centro da sede, localizado nas porções anterior e ventromedial do hipotálamo. Na verdade, os neurônios que compõem o centro da sede são especializados na percepção de variações de pressão osmótica do plasma, e por isso recebem a denominação de osmorreceptores. Um dos mais importantes estímulos para a sede é o aumento da osmolaridade do líquido extracelular, e o “limiar” para o surgimento da sede é em torno de 290 mOsm/L. Nesta situação, os osmorreceptores sofrem certo grau de desidratação, gerando impulsos que são conduzidos por neurônios especializados até centros corticais superiores, onde então a sede se torna consciente.2,3 Este mecanismo é ativado nas situações em que há aumento da osmolalidade do plasma, como no déficit de água e na administração de soluções hipertônicas cujos solutos não penetram nas células. Por sua vez, déficits no volume extracelular e na pressão arterial também desencadeiam a sede, por vias independentes das estimuladas pelo aumento da osmolaridade do plasma. Por exemplo, depleção do espaço extracelular (diarréia, vômitos) e a perda de sangue por hemorragia estimulam a sede mesmo sem haver modificação na osmolaridade do plasma. O mecanismo para que isto ocorra está relacionado ao estímulo de barorreceptores, que são receptores de pressão existentes na circulação torácica.2 Um terceiro importante estímulo à sede é a angiotensina II. Fitzsimons acredita que a angiotensina e outras substâncias vasoativas atuem em estruturas vasculares periventriculares (seriam receptores mecânicos da sede no cérebro), reduzindo o volume vascular a esse nível e causando sede.4 Como a angiotensina II também é estimulada pela hipovolemia e baixa pressão arterial, seu efeito sobre a sede auxilia na restauração do volume sanguíneo e pressão arterial, juntamente com as ações renais da angiotensina II, reduzindo a excreção de fluidos.2 Alguns outros fatores influenciam a ingesta de água. Por exemplo, a falta de umidade da mucosa oral e do esôfago desencadeia a sensação de sede. Nesta situação, a ingestão de água pode provocar alívio imediato da sede, mesmo antes de ter havido absorção da água no trato gastrintestinal ou qualquer modificação na osmolaridade do plasma. Porém este alívio da sede é de curta duração, e o desejo de ingerir água só é efetivamente interrompido quando a osmolaridade plasmática ou o volume extracelular retornarem ao normal. De modo geral, a água é absorvida e distribuída no organismo cerca de 30-60 minutos após a ingestão. O alívio imediato da sede, apesar de temporário, é um mecanismo que impede que a ingestão de água prossiga indefinidamente, o que levaria ao excesso de água e diluição excessiva dos fluidos corporais. 2 Estudos experimentais demonstram que os animais não ingerem quantidades de água superiores às necessárias para restaurar a osmolaridade plasmática e volemia ao normal.2 Já em humanos, a quantidade de água ingerida varia de acordo com a dieta e a atividade do indivíduo, e em geral é excessiva em relação às necessidades diárias. Esta ingestão excessiva, que não é induzida por um déficit de água e cujo mecanismo é desconhecido, é extremamente importante, pois assegura as necessidades futuras do indivíduo. Habitualmente, a sede e a ingesta líquida representam uma resposta normal a um déficit de água. Isto é o que ocorre nos exemplos já mencionados, de vômitos, diarréia, diabetes insipidus, diabetes mellitus, hipocalemia, hipercalcemia etc. No entanto, em algumas situações, o paciente tem sede, mas não há um déficit de água. Este estado patológico pode ser devido à irritação contínua dos neurônios da sede por tumor, trauma ou inflamação, ingestão compulsiva de água, hiper-reninemia etc. Hipodipsia (diminuição ou ausência de sede) é usualmente causada por tumor (p.ex., craniofaringioma, glioma, pinealoma ectópico etc.) ou trauma. Além de afetarem o centro da sede, estes exemplos podem também ocasionar lesão do sistema supra-óptico-hipofisário, causando diabetes insipidus, o que agrava o déficit de água e dificulta o manejo clínico. VASOPRESSINA (HORMÔNIO ANTIDIURÉTICO) O hormônio antidiurético (HAD) interage com porções terminais do nefro, aumentando a permeabilidade destes segmentos à água, desta forma aumentando a conservação da água e a concentração urinária. Além do aumento da permeabilidade à água nos túbulos coletores, o HAD tem uma importante participação na recirculação da uréia entre o ducto papilar e a porção fina ascendente da alça de Henle, pois aumenta a permeabilidade do ducto coletor à uréia, e este mecanismo auxilia na manutenção da hipertonicidade da medula renal.5 102 Metabolismo da Água O HAD é um hormônio sintetizado no hipotálamo por grupos de neurônios que formam os núcleos supra-óptico e paraventricular, próximos ao centro da sede. Após a síntese, este decapeptídio (arginina-vasopressina em humanos) é armazenado em grânulos e transportado ao longo dos axônios, em direção à neuro-hipófise (lobo posterior da hipófise). No interior dos grânulos, o hormônio forma um complexo com uma proteína chamada neurofisina A ou neurofisina II. Parte destes grânulos pode ser liberada rapidamente, através de exocitose, enquanto os demais serviriam de estoque.3 A liberação deste hormônio está condicionada a estímulos, que podem ser osmóticos ou não-osmóticos. O estímulo osmótico refere-se a uma alteração da osmolalidade. Quando ocorre déficit de água no organismo, há um aumento na osmolalidade, reduzindo o volume das células por desidratação celular* (inclusive das células dos núcleos supra-óptico e paraventricular), estimulando assim a liberação do HAD. É necessário ressaltar que os osmorreceptores são estimulados apenas por variações reais da tonicidade plasmática, isto é, por solutos que não atravessam as membranas. Solutos que atravessam as membranas celulares, como a uréia (e glicose nas células cerebrais), não aumentam a secreção de HAD.5,6 Por outro lado, quando há excesso de água no organismo, a hiposmolalidade que se estabelece inibe a liberação do hormônio antidiurético. Tudo indica que a alteração do volume celular altera a atividade elétrica dos neurônios dos núcleos hipotalâmicos, afetando assim a liberação de vasopressina. A sensibilidade deste mecanismo osmorregulador pode ser apreciada na Fig. 9.1. Observem que, à medida que aumenta a osmolalidade plasmática, aumenta a concentração plasmática de HAD (Fig. 9.1 A). Com pressões osmóticas plasmáticas superiores a 280 mOsm/L (limiar osmótico) a concentração plasmática de HAD aumenta de modo linear com a pressão osmótica. Mesmo com variação de 1 mOsm ou menos, a secreção de HAD varia.3,7 A sensibilidade deste mecanismo osmorregulador pode ser ainda melhor avaliada quando se examina a relação entre o HAD plasmático e a osmolalidade urinária. Observem na Fig. 9.1 B que, para cada aumento de uma unidade na concentração plasmática de HAD, a osmolalidade urinária aumenta em média 25 mOsm/kg. Isto significa que pequenas alterações na osmolalidade plasmática são rapidamente seguidas por grandes alterações na osmolalidade urinária. Assim sendo, uma alteração na osmolalidade plasmática de 1 mOsm/kg normalmente acarreta uma alteração na osmolalidade urinária de 95 mOsm/kg. Isto é muito importante, permitindo que o organismo altere rapidamente o volume urinário, compensando a variação na *O termo desidratação é empregado aqui para indicar um déficit isolado de água. V. Cap. 10 para miores detalhes sobre a conotação genérica do termo desidratação. ingesta líquida e mantendo, assim, a água total constante. Desta forma, a tonicidade da água total do organismo é preservada dentro de uma estreita margem, cujo limite superior é regulado pelo osmorreceptor da sede, e o inferior, pelo osmorreceptor do HAD. Dentro destes limites (280-294 mOsm/kg), a tonicidade da água total ainda é regulada por ajustes na excreção de água livre (v. a seguir) controlada pelo HAD. A liberação de ADH pode ser desencadeada por estímulos não-osmóticos, entre os quais destacamos: diminuição da pressão arterial; diminuição da tensão da parede do átrio esquerdo e das veias pulmonares; dor, náusea, hipóxia, hipercapnia, hipoglicemia, ação da angiotensina, estresse emocional; aumento da temperatura do sangue que perfunde o hipotálamo e drogas: colinérgicas e betadre- Fig. 9.1 A. Representação esquemática dos efeitos de pequenas alterações na osmolalidade plasmática sobre os níveis plasmáticos de vasopressina. B. Repercussões de alterações na vasopressina plasmática sobre a osmolalidade urinária. Ver texto para interpretação da figura. (Obtido de Robertson, B.L. e col.6) 103 capítulo 9 nérgicas (acetilcolina e isoproterenol, respectivamente), morfina, nicotina, ciclofosfamida, barbitúricos etc.2,7 Entre os estímulos não-osmóticos para a liberação do HAD, estão os provenientes de áreas onde se encontram receptores de pressão (barorreceptores): seio carotídeo, átrio esquerdo e veias pulmonares. Eles respondem a variações da pressão sobre a parede do órgão receptor, emitindo impulsos nervosos que modulam a liberação hipotalâmica de HAD. Quando há uma menor tensão na parede do órgão, há transmissão de estímulos para a liberação central de HAD. Isto pode ocorrer, por exemplo, na contração do volume extracelular ou volume circulante efetivo e hipotensão arterial.8 Ao contrário, uma inibição não-osmótica da liberação de ADH ocorre quando há: aumento da pressão arterial, aumento da tensão da parede do átrio esquerdo e das veias pulmonares, diminuição da temperatura do sangue que perfunde o hipotálamo e uso de algumas drogas (norepinefrina, clonidina, haloperidol, difenil-hidantoína, álcool).2 O HAD é o principal hormônio atuante na regulação da excreção de água. No entanto, outros hormônios afetam a excreção de água, como veremos na seção seguinte. Mecanismo de Ação do Hormônio Antidiurético (HAD) — Aquaporinas Catecolaminas O HAD modifica a membrana luminal das células principais dos túbulos distal final e coletor, causando aumento da permeabilidade à água. O HAD interage com receptores específicos da superfície (receptores V1 e V2), localizados na membrana basolateral. Esta interação produz efeitos sobre o cálcio e o AMPc intracelulares, que por sua vez modificam a permeabilidade da membrana luminal à água. O receptor V1 existe também no músculo liso vascular, sendo responsável pelo efeito vasoconstritor do HAD, que por isto também recebe o nome de vasopressina.5,7 Recentemente, foi evidenciada a existência de uma família de proteínas de membrana que exercem a função de canais de água em tecidos transportadores de fluidos (por exemplo, no cristalino, nos túbulos renais, etc).3,9 Estes canais de água são hoje conhecidos como aquaporinas. Até o momento, já foram identificadas cinco aquaporinas que se expressam nos rins (AQP 1, 2, 3, 4 e 6).10 Nas células principais dos túbulos distais e ductos coletores, está presente a aquaporina 2, que é um canal de água sensível ao HAD. Na presença de HAD, o receptor V2 é estimulado e ativa a adenil ciclase e o AMP cíclico. Com isto, vesículas específicas no citoplasma se movem e se fundem com a membrana apical (luminal). Estas vesículas contêm a aquaporina 2, que, uma vez inserida na membrana luminal das células principais dos túbulos distais e coletores, permite a passagem de água para dentro da célula.11 No bordo basolateral das células principais, estão presentes as aquaporinas 3 e 4, que permitem o transporte de água de dentro da célula para o interstício, porém neste ponto sem a participação do HAD.5 As aquaporinas 1 e 6 estão relacionadas à absorção de água, mas em outros segmentos tubulares, também sem dependência do HAD.10 Pontos-chave: • A sede e a liberação de HAD são desencadeadas por um aumento da osmolalidade plasmática e têm por objetivo manter a osmolalidade estável • No rim, o HAD ativa a fusão de canais de água (aquaporina 2) com a membrana luminal dos túbulos coletores, permitindo a reabsorção de água OUTROS HORMÔNIOS As catecolaminas afetam a excreção de água através de um mecanismo intra-renal e outro extra-renal. No mecanismo intra-renal, os agentes adrenérgicos alteram a resposta da membrana tubular renal ao HAD. Assim, os agonistas alfadrenérgicos tipo norepinefrina causam aumento do volume urinário, por diminuírem o efeito do HAD sobre a permeabilidade da membrana tubular renal à água. Já a estimulação betadrenérgica aumenta a permeabilidade tubular à água, causando diminuição do volume urinário.12 No mecanismo extra-renal, a ação das catecolaminas se faz através de alterações na liberação de HAD, como já mencionado. Várias outras substâncias vasoativas (angiotensina II, prostaglandina E1, nicotina) têm efeitos sobre os barorreceptores atriais, alterando a liberação de HAD. Hormônio Tireoidiano Sabe-se que pacientes hipotireóideos têm comprometida a sua capacidade de excretar uma carga de água. Por outro lado, são desconhecidos os mecanismos pelos quais o hormônio tireoidiano facilita a excreção de água. Uma das hipóteses é a de que o hormônio tireoidiano altera a sensibilidade do túbulo renal ao HAD. Há evidência de que a maioria dos pacientes com hipotireoidismo e hiponatremia têm elevada concentração plasmática de HAD. Como o hipotireoidismo cursa com débito cardíaco habitualmente diminuído,13 nestes casos a liberação de HAD pode estar sendo estimulada pela redução associada do volume arterial efetivo. Também se encontrou queda da taxa de filtração glomerular nestes pacientes, o que é revertido com a terapia hormonal apropriada.14 104 Metabolismo da Água Hormônios Adrenocorticais Na insuficiência adrenal, pode ser observado um comprometimento na excreção de água, cuja causa não está esclarecida. Alguns autores acreditam que a deficiência de glicocorticóides seja responsável pela deficiente excreção de água. Segundo eles, a deficiência de glicocorticóides produziria alguns efeitos hemodinâmicos sistêmicos (taquicardia, diminuição do volume sistólico), e estas alterações estimulariam o mecanismo barorreceptor de estímulo ao HAD, causando retenção de água. Também tem sido investigada a participação da deficiência dos mineralocorticóides na diminuição da excreção de água existente na insuficiência adrenal. Acredita-se que os mineralocorticóides influenciam a secreção de HAD indiretamente, pois ao manter o volume extracelular evitam a liberação nãoosmótica de HAD observada na depleção de volume. Sistema Renina-Angiotensina O sistema renina-angiotensina também participa no controle da secreção de HAD, principalmente quando a osmolalidade plasmática está aumentada. A angiotensina estimula a liberação de HAD e aumenta a sensibilidade do sistema de osmorregulação.8 MECANISMO RENAL DE REGULAÇÃO DA ÁGUA O tremendo progresso nesse campo deve-se basicamente à aplicação de técnicas de micropuntura in vivo no rim de mamíferos, principalmente o rato, e mais recentemente pelo avanço da biologia molecular. Para que seja mantida a homeostase do organismo, é necessário que o rim apresente a capacidade de variar o volume urinário de modo a reter ou eliminar água, ou seja, concentrar ou diluir a urina. Diariamente o organismo humano necessita eliminar produtos tóxicos resultantes do metabolismo (p.ex., uréia, ácidos orgânicos) e solutos em excesso (sódio, potássio, cálcio, magnésio). A média diária a ser eliminada é de cerca de 750 mOsm/dia. Com a ingestão usual de água (2-2,5 L/dia), a osmolaridade urinária encontra-se entre 400 e 450 mOsm/L, o que requer um volume urinário de 1,5 litro/dia. Caso a ingestão de água seja deficiente, a osmolaridade da urina pode subir até 1.300 mOsm/L, e então o volume urinário vai variar correspondentemente, da seguinte forma: 750 mOsm a serem eliminados osmolaridade de 1.300 volume urinário de 0,6 litro.3 Esta variação decorre do efeito do HAD, conforme já discutido, causando a reabsorção de água no ducto coletor. Da mesma forma, a capacidade de diluir a urina é importante para que o organismo elimine excessos de água. Isto é obtido através da redução da osmolaridade da urina até valores como 50 mOsm/L.3 Para melhor compreensão dos mecanismos de concentração e diluição da urina, vale a pena relembrar alguns conceitos anatômicos. Considerações Anatômicas Como sabemos, cada nefro (unidade funcional básica do rim) é constituído pelo glomérulo e por uma formação tubular longa, onde os sucessivos segmentos apresentam diferentes características quanto a estrutura e função. Em sua maior parte, os nefros são superficiais, contendo alças de Henle curtas e sem ramo ascendente delgado. Os nefros restantes são justamedulares, e seus glomérulos estão situados próximo à junção corticomedular, possuindo longas alças de Henle com ramo ascendente delgado (Fig. 9.2). Os trabalhos experimentais mostraram que o transporte de água e solutos no nefro distal ocorre em pelo menos cinco segmentos morfologicamente distintos: a) Ramo ascendente espesso da alça de Henle; b) Mácula densa; c) Túbulo contornado distal; d) Ductos coletores corticais e e) Ductos coletores papilares. O ramo ascendente espesso da alça de Henle estendese da medula externa até a mácula densa. Este segmento reabsorve NaCl através de uma membrana impermeável à água, elaborando, portanto, um líquido hipotônico. A mácula densa é um segmento mais curto, cujas células parecem agir como sensoras no mecanismo regulador do feedback túbulo-glomerular (v. Cap. 10). Na mácula densa, inicia-se o túbulo contornado distal. O túbulo distal clássico sempre foi considerado como o segmento que se estende da mácula densa até a junção com Fig. 9.2 Relação dos vários segmentos do nefro com o córtex e a medula renal. capítulo 9 105 outro túbulo distal. Recentemente, foi mostrado que este segmento, na verdade, está formado por dois segmentos distintos: segmento proximal, cujo epitélio é similar ao do ramo ascendente espesso, e segmento distal (também denominado túbulo coletor), cujo epitélio é similar ao do ducto coletor cortical15 (v. também Cap. 1). O segmento distal (túbulo coletor) do túbulo contornado distal só responde à ação do hormônio antidiurético em algumas espécies de animais. Já o segmento cortical do ducto coletor tem uma permeabilidade alta à água na presença de HAD e uma permeabilidade baixa na ausência deste. A permeabilidade à uréia do segmento cortical do ducto coletor é baixa, mesmo na presença de HAD. O segmento medular interno-papilar do ducto coletor tem uma permeabilidade à uréia mais alta que a do segmento cortical e, na presença de HAD, ela aumenta mais. A permeabilidade deste segmento medular interno-papilar à água é alta na presença de HAD e baixa na ausência deste. Vascularização da Medula Renal A medula renal pode ser dividida em: a) Medula externa, com uma faixa externa e outra interna (a faixa externa é também conhecida como zona subcortical), e b) Medula interna (v. Fig. 9.2). O sangue chega à medula renal através das arteríolas eferentes de glomérulos justamedulares. Estes vasos dividem-se na zona subcortical para formarem os vasa recta arteriais, que atravessam a medula em feixes em forma de cone e, às vezes, deixam estes feixes para suprirem um plexo capilar adjacente. Os plexos capilares são drenados por vasa recta venosos que entram num destes feixes e ascendem até a base do cone, na zona subcortical (Fig. 9.3). No rato, uma secção transversal da medula externa mostra três zonas concêntricas: a) área central, contendo vasa recta arterial e venoso; b) anel periférico, contendo vasa recta venosos e a maioria dos ramos descendentes das alças de Henle, e c) por fora do anel, o ramo ascendente da alça de Henle, ducto coletor e plexo capilar.16 Acredita-se que os vasa recta têm a função de remover o líquido absorvido dos ductos coletores e segmento descendente da alça de Henle. O fluxo de plasma na parte terminal dos vasa recta ascendentes é maior que o fluxo de plasma na entrada dos vasa recta descendentes, e esta diferença é igual ao ritmo de absorção de líquido do segmento descendente da alça de Henle e do ducto coletor. Isto é necessário, pois não se conhece nenhuma outra via pela qual a água reabsorvida possa chegar da medula à circulação sistêmica. Concentração da Urina — Mecanismo de Contracorrente Recorde-se que são 180 litros de líquido filtrados pelos rins diariamente e que apenas 1,5 litro é excretado na urina. Isto Fig. 9.3 Esquema da estrutura da medula renal no rato (zona interna e zona externa). VRA = vasa recta arteriais; VRV vasa recta venosos; RD ramo descendente da alça de Henle; RA ramo ascendente da alça de Henle; DC ducto coletor. (Modificado de Kriz, W. e Lever, A.F.16) significa que, num adulto, aproximadamente 100 ml de filtrado glomerular chegam aos túbulos proximais a cada minuto. A maior parte da água filtrada (60 a 70%) é reabsorvida no túbulo contornado proximal, acompanhando a reabsorção de NaCl. Portanto, neste segmento a absorção de água é passiva. Cerca de 10% são reabsorvidos na pars recta do túbulo proximal pelo mesmo mecanismo. No ramo descendente delgado da alça de Henle, ocorre a reabsorção (10 a 15%) de água livre (sem soluto), devido ao gradiente osmótico existente entre o túbulo e o interstício medular. Este gradiente osmótico se estabelece graças a um sistema de contracorrente multiplicador (v. a seguir). O restante é reabsorvido nos ductos coletores, sob a influência do hormônio antidiurético. O líquido que atinge o túbulo contornado distal é sempre hipotônico e a eliminação de urina concentrada ou diluída depende da reabsorção de água nos ductos coletores. Foi observado inicialmente, em vários mamíferos, que o grau de concentração urinária por eles alcançado estava relacionado com o comprimento do segmento delgado das alças de Henle. Posteriormente, comprovou-se que apenas mamíferos e alguns pássaros podiam elevar a concentração de urina acima da do plasma e que estes animais possuíam alças de Henle medulares (portanto, longas). Este fato sugeriu que a concentração de urina deveria ocorrer no interior das alças de Henle. 106 Metabolismo da Água A hipótese do sistema de contracorrente multiplicador para explicar a concentração de urina ao longo dos túbulos foi sugerida em 1942 por Werner Kuhn, baseada na configuração em U da alça de Henle. Ele observou que, devido a esta configuração, o líquido tubular fluiria em ramos adjacentes, mas em direções opostas. Sendo um físico-químico familiarizado com termodinâmica, ele sabia que um fluxo contracorrente poderia estabelecer grandes gradientes de temperatura ao longo do eixo longitudinal de canais adjacentes, enquanto são pequenos os gradientes de temperatura entre canais transversais (v. Fig. 9.5).17 Transportando estes princípios para a pressão osmótica, ele imaginou que pequenas diferenças na concentração de solutos entre os dois ramos da alça de Henle poderiam resultar em grandes diferenças de concentração ao longo dos túbulos. Além do mais, ele achou que estas grandes diferenças de concentração poderiam ser transmitidas ao interstício que cerca os túbulos, criando assim um aumento progressivo na concentração de soluto, paralelo aos túbulos. Haveria necessidade, no entanto, de três fatores básicos para que o sistema de contracorrente multiplicador funcionasse: a) fluxo contracorrente (proporcionado pela alça de Henle); b) diferenças de permeabilidade entre os túbulos (o ramo ascendente é praticamente impermeável à água), e c) uma fonte de energia (atualmente atribuída ao transporte ativo de cloro no ramo ascendente espesso). Na presença destes elementos, o líquido tubular seria concentrado da seguinte maneira (Fig. 9.4): 1. No segmento espesso ascendente da alça de Henle, há uma reabsorção ativa de cloro. Esta reabsorção ativa cria uma diferença transtubular de potencial elétrico, que é responsável pela remoção passiva de sódio. 2. O segmento ascendente espesso tem uma baixa permeabilidade à água, o que permite que o fluido tubular neste segmento se torne hiposmótico em relação ao do interstício. No entanto, a uréia permanece no interior do túbulo, pois este segmento tem uma permeabilidade baixa à uréia. 3. No ducto coletor cortical já existe ação do HAD, e, na presença deste, a água é reabsorvida, tornando o líquido tubular isosmótico com o sangue. A permeabilidade deste segmento à uréia é baixa, e, com a perda de água, a concentração intraluminal de uréia aumenta ainda mais. 4. Na medula externa, o interstício hiperosmolar (osmolalidade determinada em parte pela reabsorção de NaCl no segmento ascendente espesso) retira mais água do líquido tubular, aumentando ainda mais a concentração de uréia. 5. Na medula interna, tanto a água como a uréia são reabsorvidas do ducto coletor na presença do HAD. Este Fig. 9.4 Sistema de contracorrente multiplicador.* O diagrama mostra os ramos descendente e ascendente da alça de Henle, o túbulo distal e o ducto coletor. O contorno mais espesso do ramo ascendente da alça de Henle indica que este ramo é impermeável à água. 1. Reabsorção ativa de cloro e passiva de sódio, mecanismo que dilui o líquido tubular e torna o interstício medular hiperosmótico. 2. No segmento distal (túbulo coletor) do túbulo distal (em algumas espécies de animais) e 햴 no ducto coletor, ocorre reabsorção de água através de um gradiente osmótico. A presença de HAD (v. texto) facilita este transporte passivo. Com a reabsorção de água, ocorre concentração intratubular da uréia. Na medula interna, a água e a uréia são reabsorvidas. 3. O acúmulo da uréia no interstício medular cria o gradiente osmótico para a reabsorção passiva de água no ramo descendente da alça de Henle 햵 e, assim, concentra o NaCl no ramo descendente da alça de Henle. O tamanho das letras dos solutos indica-lhes a concentração relativa. *Baseado na hipótese de Stephenson19 e Kokko e Rector.20 capítulo 9 segmento (medular interno do ducto coletor) tem uma permeabilidade mais alta à uréia do que o segmento cortical do ducto coletor; esta permeabilidade aumenta mais na presença de HAD. Este segmento apresenta uma permeabilidade alta à água na presença de HAD e baixa na sua ausência. 6. O cloreto de sódio e a uréia no interstício exercem uma força osmótica para retirar água do segmento delgado descendente da alça de Henle. Este segmento é relativamente impermeável a uréia e NaCl. Esta perda de água faz aumentar a concentração de NaCl no ramo descendente delgado, de tal forma que, na curva da alça, a concentração de NaCl será maior no interior do túbulo do que no interstício. No entanto, o líquido tubular a esse nível é isosmótico com o interstício papilar, cuja concentração total de soluto está na maior parte constituída pela uréia. 7. Quando líquido tubular atingir o ramo ascendente delgado da alça de Henle (segmento impermeável e permeável ao NaCl), o NaCl passará passivamente para o interstício (devido ao gradiente de concentração). Como a permeabilidade deste segmento é mais alta para o NaCl do que para a uréia, o NaCl sai do túbulo para o interstício mais rapidamente que a uréia quando esta passa do interstício para o interior do túbulo. Com o aumento da concentração de NaCl no interstício, haverá maior absorção de água na porção fina descendente da alça, com conseqüente maior hipertonicidade do fluido tubular, o que gera um maior fluxo de Na e Cl no ramo fino ascendente da alça de Henle, constituindo assim um sistema de contracorrente multiplicador, aparentemente passivo na medula interna, que foi iniciado e mantido pelo transporte de Na e Cl na porção espessa da alça na região medular externa. 8. O ramo espesso ascendente recebe, portanto, um fluido diluído, que se tornará ainda mais diluído em virtude da reabsorção de NaCl neste segmento. A urina final pode alcançar uma concentração próxima, mas não exceder a concentração do interstício medular. No homem, em condições de antidiurese, a concentração urinária máxima alcançada é de aproximadamente 1.200-1.300 mOsm/kg, ou seja, quatro vezes a osmolalidade do plasma. Apesar do progresso alcançado nos últimos anos em relação aos mecanismos de concentração da urina, muitos aspectos ainda permanecem sem solução. Atualmente, aceita-se que a alça de Henle é o elemento multiplicador no sistema de contracorrente e que o segmento delgado da alça é o multiplicador na medula interna.18 Pouca dúvida resta também de que o segmento delgado ascendente da alça é a fonte de NaCl responsável pelo aumento na concentração de NaCl desde a base da medula interna até a papila.18 A incerteza permanece em relação ao mecanismo de reabsorção do NaCl no segmento delgado ascendente: se ativo ou passivo. Nos últimos anos, vários modelos experimentais tentaram solucionar o problema, como os de 107 Stephenson,19 e ainda de Kokko e Rector.20,21 A descrição utilizada acima para o mecanismo de concentração do líquido tubular baseou-se no modelo de Kokko e Rector, que parte do pressuposto que não há um transporte ativo na medula interna (segmento delgado ascendente), no que diz respeito ao mecanismo de concentração. FLUXO SANGUÍNEO MEDULAR Como já mencionamos, acredita-se que os vasa recta têm a função de remover o líquido absorvido nos ductos coletores e segmento descendente da alça de Henle. Naturalmente, o fluxo sanguíneo medular deve ser de tal ordem que os solutos do interstício não sejam excessivamente removidos, o que eliminaria o gradiente osmótico medular, tão importante na concentração urinária. Sabe-se, pois, que a concentração osmolar na ponta da papila é inversamente proporcional ao fluxo sanguíneo para esta área. A manutenção deste interstício hiperosmolar deve-se: a) a um baixo fluxo sanguíneo medular (apenas 5% do fluxo plasmático renal passam pela área medular e papilar); b) à presença dos vasa recta, responsáveis por um sistema de contracorrente trocador. A disposição anatômica da circulação capilar na medula tem todas as características de um sistema de contracorrente trocador. O princípio deste sistema, conhecido em termodinâmica, tem sido aplicado a sistemas biológicos e está ilustrado na Fig. 9.5. Suponhamos um tubo ao qual fornecemos água a 30°C e a um fluxo de 10 ml/min (Fig. 9.5 A). Esta água passa por uma fonte de calor e recebe 100 calorias por minuto. Logo, a água que sai do tubo está a uma temperatura de 40°C. A seguir, dobramos o tubo, introduzindo, portanto, um fluxo contracorrente no sistema e mantendo a fonte de calor no mesmo local (Fig. 9.5 B). O sistema é montado de tal maneira que o fluxo de saída passa próximo do fluxo de entrada, propiciando a troca de calor entre os dois fluxos (entrada e saída). Desta forma, a água aquecida (que está saindo) encontra a água fria (que está entrando) e perde calor para ela. Portanto, a temperatura da água que entra se eleva antes de atingir a fonte de calor. O processo continua até que se atinja um estado de equilíbrio. A temperatura máxima alcançada no sistema de contracorrente é maior que no fluxo retilíneo. As mesmas considerações são válidas para a adição de soluto em vez de calor (Fig. 9.5 C). O soluto (NaCl) é adicionado ao interstício e o equilíbrio entre os capilares se faz através do interstício. A finalidade deste sistema é facilitar ao máximo a transferência de uma molécula permeável entre canais adjacentes, evitando o movimento das moléculas ao longo desses canais. A arquitetura vascular da medula renal facilita a troca de água e solutos entre os vasa recta ascendentes e descendentes, minimizando a entrada de água e saída de soluto da medula renal da seguinte maneira22 (v. Fig. 9.6). 1. O sangue circula pelos vasa recta através do interstício medular, progressivamente mais hiperosmolar em dire- 108 Metabolismo da Água Fig. 9.5 Princípios do sistema de contracorrente trocador. Observem que a temperatura máxima obtida no sistema de contracorrente (B) é maior que a obtida no sistema de fluxo linear (A). Em (C), representamos uma alça capilar em contato com o líquido intersticial. Notem que, no início (flechas), os sais de sódio penetram no capilar e, no final, retornam para o interstício (v. texto para uma explicação mais detalhada). (Modificado de Berliner R.W. e col.17) ção à papila. A pressão hidrostástica transcapilar favorece a saída de líquido do capilar, e a pressão oncótica transcapilar favorece a entrada de líquido para o capilar. Como o sangue circula rapidamente, não há tempo para um equilíbrio osmótico entre o capilar e o interstício. 2. Como a concentração dos solutos no interstício é maior, a pressão osmótica transcapilar favorece a saída de água do capilar descendente, aumentando a concentração das proteínas plasmáticas. 3. Como os capilares são permeáveis a NaCl e uréia, e a concentração destes no interstício é maior que no capilar, eles entram no capilar descendente. 4. Quando o sangue atinge o capilar ascendente, a concentração de solutos no plasma excede a do interstício (que se torna progressivamente menos hiperosmolar em direção ao córtex), e os solutos, então, deixam o capilar. 5. Da mesma forma, a pressão oncótica (determinada pelas proteínas plasmáticas) está elevada quando o sangue atinge o capilar ascendente. A soma da pressão oncótica e da pressão osmótica (determinada pelos solutos não-protéicos) determina a entrada de líquido no capilar. 6. A quantidade de líquido que entra no capilar ascendente é maior que a quantidade de líquido removida do capilar descendente, e a diferença é igual ao volume de líquido reabsorvido no ramo descendente da alça de Henle e nos ductos coletores. 7. Em resumo, os vasa recta preservam os solutos e removem a água, mantendo a hiperosmolalidade da medula renal. PAPEL DA URÉIA NO MECANISMO DE CONCENTRAÇÃO URINÁRIA Fig. 9.6 Sistema de contracorrente trocador pelos vasa recta. Pr proteína plasmática. O tamanho das letras dos solutos indica a concentração relativa de cada soluto com relação à sua localização na medula (v. texto para detalhes de funcionamento do sistema). Obtido de Jamison, R.L. e Maffly, R.H.22 A uréia é o produto final do metabolismo protéico nos mamíferos, sendo excretada quase unicamente pelos rins. Além da água e dos gases sanguíneos, a uréia é a substância mais difusível no organismo. Investigações passadas já haviam demonstrado que a presença de uréia era essencial para a obtenção de uma 109 capítulo 9 osmolalidade urinária máxima. Se um animal deficiente em proteínas recebia uréia, a capacidade de concentração urinária aumentava. RECIRCULAÇÃO MEDULAR DA URÉIA 1. Uma quantidade mais ou menos constante de uréia é reabsorvida no túbulo proximal, independentemente do balanço de água. 2. No ducto coletor cortical (e, em algumas espécies, no túbulo coletor), sob a influência do hormônio antidiurético, a água é reabsorvida, o que determina um aumento da concentração intraluminal de uréia (Fig. 9.4). 3. No segmento medular interno-papilar do ducto coletor, a permeabilidade à uréia aumenta mesmo na ausência do HAD, o qual, quando presente, parece aumentar ainda mais esta permeabilidade. Desta forma, devido à diferença transtubular da concentração de uréia, esta se difunde para o interstício medular. 4. A uréia, então, torna a entrar no túbulo renal na pars recta do túbulo proximal ou ramo descendente de nefros superficiais e justamedulares. Como a alça delgada justamedular está numa região contendo uma alta concentração de uréia no interstício, mais uréia entra no nefro justamedular do que no superficial. Portanto, o fluxo de uréia que deixa o túbulo distal justamedular é maior do que o que deixa o nefro superficial. Pontos-chave: • Quando existe déficit de água, os rins reabsorvem mais água pelo mecanismo de concentração urinária, estimulado pelo HAD • A concentração urinária depende da manutenção de uma medula renal hipertônica pelo mecanismo de contracorrente e recirculação de uréia Diluição da Urina Não importa se a urina final será hiper- ou hipotônica: o líquido tubular que chega ao túbulo contornado distal será sempre hipotônico. Os ductos coletores (segmento cortical e medular interno-papilar) e o segmento distal do túbulo contornado distal são segmentos sensíveis à ação do HAD. Quando há uma redução ou cessação na liberação de HAD, estes segmentos tornam-se relativamente impermeáveis à água. Em conseqüência, no sistema coletor o líquido hipotônico permanece hiposmótico em relação ao plasma. No segmento medular interno-papilar do ducto coletor, ocorre reabsorção de água, pois o segmento ainda é permeável à água (embora menos) na ausência de HAD. Devido à ausência de HAD, a permeabilidade à uréia do segmento medular interno-papilar do ducto coletor diminui; logo, a reabsorção de uréia também diminui. Além disso, como há redução geral na reabsorção de água, o gradiente transtubular de uréia também diminui (recorde-se que é a reabsorção de água dos segmentos pouco permeáveis à uréia que determina o aumento de sua concentração intratubular), e logo se reduz a recirculação medular do sistema coletor para a alça de Henle. E, como já foi exposto, a uréia exerce um papel fundamental no sistema de contracorrente. A capacidade de um indivíduo ingerir grande quantidade de água, sem desenvolver um excesso de água, traduz a capacidade renal de excretar grande quantidade de urina diluída. A osmolalidade mínima que pode ser alcançada pelo rim humano é de aproximadamente 50 a 60 mOsm/ kg, permitindo volumes de urina de 15 a 20 litros por dia. É necessário frisar alguns pontos importantes no mecanismo de diluição da urina e expor os conceitos de clearance osmolar e clearance de água livre. Baseando-se no que já foi exposto nas páginas precedentes, conclui-se que a formação e a excreção de uma urina diluída dependem de três fatores básicos: a) oferta adequada de líquido tubular ao segmento diluidor do nefro; b) reabsorção adequada de soluto no segmento diluidor do nefro; c) impermeabilidade do segmento diluidor do nefro à água. Se analisarmos a urina, veremos que ela está constituída por uma fase aquosa na qual vários solutos estão dissolvidos. Os solutos são ânions e cátions não-voláteis e os produtos do metabolismo nitrogenado. Se relacionarmos a concentração destes solutos na urina (ou seja, a osmolalidade urinária) com a osmolalidade plasmática, poderemos ter três tipos de tonicidade urinária: urina isotônica, hipotônica e hipertônica em relação ao plasma (v. Fig. 9.7). Foi Homer Smith quem originalmente considerou a urina como contendo dois volumes virtuais: um volume contendo uma quantidade de soluto excretado numa concentração igual à do plasma (isotônica) e um outro volume contendo água sem soluto.23 Quando se considera o fluxo urinário (ml de urina por minuto), o volume de urina que contém os solutos numa concentração igual à do plasma é denominado de clearance osmolar e o volume de urina sem solutos refere-se ao clearance de água livre. O termo clearance de água livre é errôneo, pois, na verdade, não indica a depuração de uma substância e não é calculado pela fórmula clássica U V/P, e sim pela fórmula: CH2O V Cosm Onde: CH2O clearance de água livre V volume de urina (fluxo urinário em ml/min) Cosm clearance osmolar 110 Metabolismo da Água Fig. 9.7 Relação do clearance de água livre com a tonicidade da urina (v. texto). (Modificado de Hays, R.M. e Levine, S.D.33) Considerando de outra maneira, podemos dizer que o clearance de água livre refere-se à quantidade de água livre (água sem solutos) que precisa ser adicionada ou retirada da urina para que a urina se torne isosmótica com o plasma. Observem na Fig. 9.7 B que, quando a urina é isotônica, isto é, tem a mesma concentração osmolar que o plasma, o clearance de água livre é zero. Já na urina hipotônica, o clearance de água livre é positivo e, na hipertônica, negativo. Costuma-se empregar a expressão TCH2O quando o clearance de água livre for negativo. A letra C indica que a reabsorção ocorre nos ductos coletores. Portanto, TCH2O CH2O. O clearance osmolar, que se refere ao volume de urina necessário para excretar todos os solutos urinários numa proporção isosmótica, é calculado através da fórmula clássica do clearance: Cosm Uosm V Posm Onde: Cosm osmolalidade urinária (mOsm/L) V fluxo urinário (ml/min) Posm osmolalidade plasmática (mOsm/L) Vejamos, nos dois exemplos seguintes, o cálculo do clearance osmolar e do clearance de água livre. 1. Calcular o Cosm de um paciente que apresenta osmolalidade plasmática de 300 mOsm/L, osmolalidade urinária de 100 mOsm/L e fluxo urinário de 5 ml/min: Cosm 100 5 1,66 ml/min 300 2. Calcular o clearance de água livre de um paciente cuja urina apresenta osmolalidade de 600 mOsm/L, osmolalidade plasmática de 300 mOsm/L e fluxo urinário de 1 ml/min: CH O 1 2 600 1 1 300 (significa urina hipertônica) Interpretação do clearance osmolar e do clearance de água livre É óbvio que variações na ingesta e na excreção osmolar não causarão alterações na osmolalidade plasmática (pois a fração osmolar é sempre isosmótica). No entanto, para que a osmolalidade seja mantida, a fração de água livre ingerida deverá ser igual ao clearance de água livre. Se a ingestão de água livre exceder o clearance de água livre, haverá uma diminuição da osmolalidade plasmática. Fica claro, portanto, a importância do mecanismo renal de diluição da urina (excreção de água livre) na preservação da osmolalidade plasmática. Pontos-chave: • A diluição urinária é resultado da impermeabilidade dos túbulos coletores à água na ausência de HAD • A excreção dos excessos de água é realizada através da elaboração de urina final diluída 111 capítulo 9 DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO DA ÁGUA A integração do sistema sede-HAD-rim permite que mesmo com grandes variações na ingesta líquida a osmolalidade no organismo seja mantida mais ou menos constante. Quando há déficit de água, ocorre aumento da osmolalidade no organismo, a qual estimula a sede e a liberação de HAD; esta altera a permeabilidade do epitélio do ducto coletor, permitindo maior conservação de água. Na presença de excesso de água, ocorre o inverso: hiposmolalidade, ausência de sede e menor liberação de HAD e conseqüente menor permeabilidade à água no ducto coletor, causando, portanto, maior diurese. Daí se deduz que alterações no mecanismo de concentração e diluição da urina provocam distúrbios no metabolismo da água, que são a hipernatremia e a hiponatremia. É importante também relembrar que os distúrbios do metabolismo da água estão relacionados a alterações na osmolalidade plasmática e são evidenciados pela dosagem do sódio plasmático, o qual estará concentrado ou diluído no plasma, de acordo com a água corporal total do indivíduo. Já os distúrbios do metabolismo do sódio são verificados pela avaliação do estado do espaço extracelular, através do exame físico (v. Caps. 8 e 10).24 O termo desidratação refere-se à perda de água que leva a uma elevação do sódio plasmático e a um déficit de água intracelular devido ao movimento de água das células para o líquido extracelular. Já o termo depleção de volume se refere à diminuição do espaço extracelular devido à perda de sódio e água, como ocorre, por exemplo, nas diarréias.24,25 DÉFICIT DE ÁGUA — HIPERNATREMIA — ESTADO HIPEROSMOLAR Hipernatremia ocorre quando a concentração plasmática de sódio encontra-se acima de 145 mEq/L. A hipernatremia é um dos distúrbios eletrolíticos mais comuns em pacientes hospitalizados. Chega a ser preocupante que, nesta população, uma importante causa de hipernatremia é a iatrogenia, por reposição inadequada das perdas em pacientes com acesso restrito à água.26 Um déficit de água no organismo é acompanhado por um aumento na concentração plasmática de sódio. Como já foi abordado no Cap. 8, o sódio é o principal íon determinante da osmolalidade no compartimento extracelular, de forma que a hipernatremia tem grande importância clínica, por sua associação com hiperosmolaridade e conseqüentes efeitos sobre o conteúdo celular de água. A hipernatremia é a principal causa de hiperosmolaridade. Uma série de adaptações ocorre em todo o organismo para minimizar o efeito da hiperosmolaridade sobre a es- trutura e a função da célula, especialmente no cérebro. Os sintomas de hiperosmolaridade aparecem quando estes mecanismos de adaptação são ultrapassados.27 A membrana celular é de modo geral altamente permeável à água, o que torna o volume intracelular muito suscetível às variações da osmolaridade do extracelular. A hiperosmolalidade induz um movimento de água do intracelular para o extracelular, reduzindo o volume celular. Esta alteração no volume celular leva a mudanças no volume e função celulares. Por razões anatômicas, o cérebro é especialmente vulnerável às alterações no volume celular. Reduções agudas no volume cerebral podem levar a uma separação entre o cérebro, as meninges e o crânio, com ruptura de vasos sanguíneos e hemorragia. Porém, no cérebro, os astrócitos são capazes de restaurar o volume cerebral ao normal após transtornos osmóticos. No caso da hipernatremia, após algum tempo estas células respondem com um aumento na concentração intracelular de vários solutos osmoticamente ativos, incluindo o sódio, o potássio, o cloro. Além destes, progressivamente há acúmulo também dos chamados osmóis idiogênicos, que incluem aminoácidos (glutamato, glutamina, taurina, ácido gama-aminobutírico), creatina, fosfocreatina, mioinositol e glicerofosforilcolina. Na hipernatremia aguda, por não ter havido tempo suficiente para o acúmulo destas substâncias, que manteriam o volume celular, é mais provável ocorrer variação do volume celular cerebral, com manifestações clínicas importantes. Na hipernatremia crônica, estes osmóis acumulados no interior das células levam à manutenção do volume celular, com menor sintomatologia.27 Os outros mecanismos de adaptação à hipernatremia são a liberação de HAD e a ativação do mecanismo da sede.27 Normalmente, o centro da sede é muito sensível mesmo a pequenos aumentos da osmolalidade, da ordem de 1 a 2%. Porém, mesmo que o mecanismo da sede seja ativado, muitos pacientes podem não expressar a sede adequadamente ou não ter acesso à água. Isto é observado em crianças pequenas e adultos com alterações do nível de consciência, principalmente idosos. Além disso, a capacidade de concentração urinária e conservação de água diminuem com a idade, e, nos idosos, a osmolalidade urinária máxima pode ser de apenas 500-700 mOsm/kg.28-30 Então, vários fatores tornam estes indivíduos mais propensos ao desenvolvimento de hipernatremia significativa. Pontos-chave: • Hipernatremia é diagnosticada com concentração plasmática de sódio maior que 145 mEq/L • Hipernatremia produz hiperosmolalidade, uma vez que o sódio é o principal determinante da osmolalidade plasmática 112 Metabolismo da Água Fig. 9.8 Relação entre a osmolalidade plasmática e a ingesta e excreta osmolar e de água livre. Como a fração osmolar é sempre uma fração isotônica, não há alterações na osmolalidade plasmática quando se modifica a ingesta ou excreta da fração osmolar. No entanto, variações na ingesta ou excreta de água livre modificam a osmolalidade plasmática. (Baseado no diagrama de Hays, R.M. e Levine, S.D.33) Causas de Hipernatremia e Estado Hiperosmolar No Quadro 9.1 podem ser observadas as principais causas de hipernatremia. Uma abordagem também bastante didática se baseia na determinação do estado do espaço extracelular nos pacientes com hipernatremia, agrupando as causas mais prováveis do distúrbio de acordo com a volemia do paciente e o sódio urinário31 (v. Quadro 9.10). A hipernatremia é uma das causas de estado hiperosmolar, o qual pode também ser ocasionado por uréia, glicose e etanol. HIPERNATREMIA COM HIPOVOLEMIA Hipernatremia com depleção do espaço extracelular e hipovolemia pode ser decorrente de perdas extra-renais ou Quadro 9.1 Causas de hipernatremia Perda de água • Perdas insensíveis (respiração e sudorese) • Hipodipsia • Diabetes insipidus central • Diabetes insipidus nefrogênico Perda de fluido hipotônico • Perdas renais • Diurese osmótica • Diuréticos de alça • Fase poliúrica de NTA • Diurese pós-obstrutiva • Perdas gastrintestinais • Vômitos, sondagem nasogástrica • Diarréia • Catárticos osmóticos • Perdas cutâneas • Queimaduras Sobrecarga de sódio • Administração de soluções hipertônicas de sódio • Enemas ricos em sódio • Hiperaldosteronismo primário • S. de Cushing renais de fluidos hipotônicos.31 Há uma perda concomitante de água e sódio, embora haja proporcionalmente uma maior perda de água. Clinicamente, observam-se sinais de contração de volume: veias jugulares invisíveis, hipotensão ortostática, taquicardia, pobre turgor da pele e mucosas secas. Devido à hemoconcentração, o hematócrito e as proteínas plasmáticas estão elevados. Perdas extra-renais podem ser decorrentes de sudorese excessiva ou diarréia, particularmente em crianças. Em alguns tipos de diarréia, principalmente nas osmóticas, ocorre perda de fluido hipotônico em relação ao plasma, provocando aumento na concentração plasmática de sódio. Isto pode ser observado também em crianças em que o fluido de reposição é hipertônico. Como resposta às perdas, os rins são estimulados a conservar água e sódio, a urina mostra-se hipertônica e a concentração urinária de sódio é baixa, menor que 20 mEq/L.31 Por sua vez, perda de fluidos hipotônicos pelos rins pode ser observada durante a diurese osmótica, como ocorre na administração de manitol e no paciente diabético descompensado, com glicosúria. A glicosúria é a principal causa de diurese osmótica em pacientes ambulatoriais. Não se evidencia conservação renal de água e sódio, pois a urina é justamente a fonte de perda. A urina pode ser isoou hipotônica e o sódio urinário é maior que 20 mEq/L. Em pacientes hospitalizados, outras causas de diurese osmótica são encontradas: alimentação hiperprotéica (a uréia age como agente osmótico); expansão do volume por solução salina e liberação de obstrução urinária bilateral. A osmolalidade urinária nestas situações está geralmente acima de 300 mOsm/kg, ao contrário da urina diluída da diurese aquosa. Além do mais, a excreção de solutos (produto da urina de 24 h volume osmolalidade) é normal na diurese aquosa (600-900 mOsm/kg/dia) e aumentada na diurese osmótica. HIPERNATREMIA COM HIPERVOLEMIA Esta categoria de hipernatremia é pouco freqüente. Geralmente ocorre em pacientes que receberam grandes quantidades de cloreto ou bicarbonato de sódio hipertônico. Ao exame físico há sinais do excesso de extracelular, 113 capítulo 9 como congestão pulmonar e ingurgitamento dos vasos do pescoço.31 HIPERNATREMIA COM VOLEMIA APARENTEMENTE NORMAL Este é o tipo mais freqüente de hipernatremia, e se deve a perdas de água sem eletrólitos. Ao exame, o espaço extracelular pode ser considerado normal. Devido à permeabilidade das membranas celulares à água, um terço da água perdida provém do extracelular, e dois terços, do intracelular. É por isso que a principal conseqüência da perda de água é a hipernatremia, e não a depleção do extracelular.31 Hipernatremia com volemia normal pode ser decorrente de perdas insensíveis pelo suor e respiração, que, se não forem apropriadamente repostas, elevam a concentração plasmática de sódio. Estas perdas em geral somam 0,6 ml/ kg/hora, mas aumentam muito nas queimaduras, febre, taquipnéia e exercícios intensos.32 É causada principalmente por distúrbios que prejudicam os mecanismos normais de conservação renal de água, por baixa concentração plasmática de hormônio antidiurético (diabetes insipidus pituitário ou central) ou por comprometimento da resposta renal a níveis máximos de HAD (diabetes insipidus nefrogênico). Se a perda líquida for através da pele e do trato respiratório, a urina será hipertônica. A quantidade de sódio urinário é variável e reflete a ingesta diária. Se a perda líquida for de origem renal (diabetes insipidus central ou nefrogênico), a urina será hipotônica, e a quantidade de sódio urinário, também variável. Ponto-chave: • Hipernatremia pode cursar com espaço extracelular normal, diminuído ou aumentado Diabetes insipidus (DI) pituitário ou central Caracteriza-se por uma alteração central na síntese ou secreção de HAD, limitando a capacidade renal de concentrar a urina e causando graus variados de poliúria e polidipsia. A falta de HAD pode ser induzida por distúrbios em um ou mais locais de secreção do HAD: osmorreceptores hipotalâmicos, núcleos supra-óticos ou paraventriculares; ou a porção superior do trato supra-ótico hipofisário. Por outro lado, lesão do trato abaixo da eminência média ou da parte posterior da hipófise produz apenas uma poliúria transitória. Nestes casos, o HAD produzido no hipotálamo ainda pode ser secretado na circulação sistêmica através dos capilares portais da eminência média. CAUSAS. As cirurgias de hipófise, tumores supra-selares e traumatismo craniano são causas de DI central33 (v. Quadro 9.2). As neoplasias primárias ou secundárias do Quadro 9.2 Causas de diabetes insipidus pituitário Pós-hipofisectomia Idiopático Pós-traumático Tumores supra- e intra-selares — metastático (pp. mama) craniofaringioma pinealoma Cistos Histiocitose Granulomas — tuberculose, sarcoidose Vasculares — aneurismas, trombose, síndrome de Sheehan Infecciosas e imunológicas — meningite, encefalite síndrome de Guillain-Barré cérebro, que envolvam a região pituitário-hipotalâmica, podem cursar com DI central. Isto ocorre mais freqüentemente com metástases de câncer de pulmão, leucemia ou linfoma. A incidência de DI varia com a extensão da lesão: 10-20% na remoção transesfenoidal de adenoma hipofisário restrito à cela e até 60-80% nos casos de grandes tumores que requerem hipofisectomia total. Alguns pacientes apresentam um padrão trifásico de polidipsia-poliúria no pós-operatório: na primeira fase, imediata à cirurgia, os pacientes apresentam polidipsia-poliúria; segue-se a segunda fase, caracterizada por quatro a cinco dias de antidiurese; e, após vários dias, uma terceira fase, na qual a poliúria reaparece. Acredita-se que, na primeira fase, ocorra uma lesão aguda dos núcleos hipotalâmicos e que, portanto, não haja síntese e liberação de vasopressina. Já a segunda fase ocorreria devido à liberação de vasopressina pelo tecido neuro-hipofisário necrosado. Nesta fase, entre os dias 6 e 11, ingestão excessiva de água pode causar hiponatremia. Pacientes com lesões menos graves podem ter um DI central transitório que começa 24-48 horas depois da cirurgia e melhora em uma semana. Além disto, nem todos os pacientes passam pelas três fases. É importante frisar que a maioria dos casos de poliúria após neurocirurgia não são decorrentes de DI central, mas devidos a um excesso de líquidos durante a cirurgia e diurese osmótica pelo uso de manitol e corticosteróides para minimizar o edema cerebral (que podem causar hiperglicemia e glicosúria). A diferenciação pode ser feita pela osmolalidade urinária, resposta à restrição de água e administração exógena de HAD. Aproximadamente 30% dos casos de DI central são de natureza idiopática, por um processo auto-imune com inflamação linfocítica da haste hipofisária e da parte posterior. Uma causa mais rara é o diabetes insipidus central familiar, habitualmente transmitido como um traço autossômico dominante. O DI central familiar parece estar associado a uma mutação do gene que controla a síntese de HAD: preprovasopressina-neurofisina II. O precursor não é clivado em HAD, acumulando-se localmente e causando a morte de células produtoras de HAD. 114 Metabolismo da Água A encefalopatia hipóxica (ou isquemia grave, como ocorre na parada cardiocirculatória ou choque) causa uma diminuição da liberação de HAD. A gravidade do defeito pode ser variável, desde uma discreta e assintomática poliúria até uma forma mais evidente. Exemplo: síndrome de Sheehan, onde a secreção de HAD é subnormal, mas a manifestação clínica é discreta. Após um quadro de taquicardia supraventricular pode ocorrer poliúria transitória devido à liberação aumentada do fator atrial natriurético e secreção diminuída de HAD. As alterações hormonais parecem ocorrer devido à ativação de receptores locais de volume devido ao aumento da pressão no átrio esquerdo e da pressão sistêmica. Na anorexia nervosa a liberação de HAD é subnormal ou errática, talvez devido à disfunção cerebral. É um defeito geralmente discreto, e quando ocorre poliúria, esta é decorrente do aumento na sede. Quadro 9.4 Causas de diabetes insipidus nefrogênico Congênito Adquirido Nefropatia crônica Doença policística Doença cística medular Amiloidose Pielonefrite Uropatia obstrutiva Anemia de células falciformes Distúrbios eletrolíticos (hipercalcemia, hipocalemia) Alterações na dieta — redução na ingesta de proteína e sódio — ingestão crônica excessiva de água Agentes farmacológicos: lítio, metoxiflurano, demeclociclina etc. Diabetes insipidus nefrogênico Refere-se à diminuição da capacidade de concentração urinária que resulta da resistência à ação do HAD. Isto pode refletir uma resistência no local de ação do HAD nos ductos coletores ou interferência com o mecanismo contracorrente devido à lesão medular ou diminuição na reabsorção de NaCl no segmento medular espesso ascendente da alça de Henle. CAUSAS. As principais causas de DI nefrogênico estão agrupadas no Quadro 9.4. O diabetes insipidus nefrogênico hereditário é um distúrbio infreqüente que resulta em graus variados de resistência ao HAD. Há dois receptores diferentes para o HAD: os receptores V1 e V2. Ativação dos receptores V1 induz va- Quadro 9.3 Diferenciação de distúrbios poliúricos por desidratação e administração exógena de vasopressina Normal (N = 9) Diabetes insipidus (N = 18) Diabetes insipidus incompleto (N = 12) Polidipsia primária (N = 7) Uosm antes* Uosm depois** 1,067 ± 68,7 987,0 ± 79,4 168 ± 13,0 445,0 ± 52,0 437 ± 33,6 548,0 ± 28,2 738 ± 52,9 779,8 ± 73,1 Modificado de Berl, T. e cols.29 após adaptação do trabalho de Miller, M. e cols.38 N indica o número de casos estudados em cada grupo. Uosm osmolalidade urinária. *antes — ao término do período de privação líquida e antes de receber vasopressina. **depois — após a administração de vasopressina. soconstrição e aumento da liberação de prostaglandinas, enquanto receptores V2 se relacionam a resposta antidiurética, vasodilatação periférica e liberação do fator VIII e fator de von Willebrand das células endoteliais. A transmissão é ligada ao sexo (X-linked). Como a mutação é no receptor V2, estão comprometidas as respostas antidiuréticas, vasodilatadoras e do fator de coagulação, enquanto os efeitos vasoconstritores e nas prostaglandinas estão intactos. A herança ligada ao sexo significa que os homens têm marcada poliúria e as mulheres variam de um estado portador a uma importante poliúria. Recentemente uma forma autossômica recessiva foi descrita na qual o receptor V2 está intacto, assim como as respostas sobre a vasodilatação e a coagulação; o defeito está nos “canais de água” coletores (chamados aquaporina-2). Estes canais normalmente armazenados no citosol, sob influência do HAD, movem-se e se fundem com a membrana luminal, permitindo a reabsorção de água. O diabetes insipidus nefrogênico adquirido é mais comum que o congênito e também menos grave, porque a capacidade renal de concentrar a urina até a osmolalidade do plasma está preservada. Assim, a polidipsia e a poliúria são moderadas: 3-5 litros por dia. As principais causas de DI nefrogênico são abordadas a seguir. As nefropatias crônicas podem causar DI nefrogênico, com comprometimento da capacidade renal de concentração máxima da urina (geralmente quando a TFG for menor que 60 ml/min). Embora se possa encontrar hipostenúria (osmolalidade urinária menor que a plasmática) em nefropatias crônicas avançadas, uma poliúria sintomática é rara. No entanto, a evidência mais precoce e mais grave deste comprometimento na concentração urinária ocorre em enfermidades que afetam a região medular e papilar do rim, tais como: doença policística, doença cística medular, amiloidose, pielonefrite, uropatia obstrutiva, anemia de células falciformes, etc. As causas deste defeito na con- 115 capítulo 9 centração urinária são múltiplas: destruição na medula renal das inter-relações anatômicas entre a alça de Henle, vasa recta e ducto coletor; talvez a presença de toxinas urêmicas na circulação, que antagonizam a ação da vasopressina, e a diurese osmótica a que são submetidos os nefros remanescentes. Alterações na dieta podem causar diabetes insipidus nefrogênico. Em reduções crônicas na ingesta protéica, a concentração máxima da urina está comprometida, e isto parece estar relacionado com a menor formação de uréia, que representa mais ou menos 50% da tonicidade do interstício medular. Da mesma forma, a restrição de sódio compromete o mecanismo de concentração, pois o primeiro passo no mecanismo de contracorrente multiplicador é a reabsorção ativa de cloro (e passiva de sódio) no segmento espesso ascendente da alça de Henle. A restrição de cloreto de sódio resulta num aumento da reabsorção proximal destes íons, e, portanto, a quantidade que chega à alça de Henle é menor. Por fim, a ingestão crônica de excessos de água, como ocorre nos bebedores compulsivos de água (polidipsia primária), reduz a tonicidade do interstício medular e compromete a capacidade de concentração máxima da urina 34 (v. Quadro 9.4). Alguns distúrbios eletrolíticos também são causa de diabetes insipidus nefrogênico. Entre eles, a hipercalcemia e a hipocalemia. O mecanismo pelo qual a hipercalcemia compromete a concentração urinária ainda não está esclarecido. A deposição de cálcio na medula renal e a contração de volume que geralmente acompanha a hipercalcemia são fatores a considerar. Uma ação direta a nível celular alterando o equilíbrio osmótico também tem sido considerada. O defeito na concentração torna-se clinicamente aparente quando a concentração plasmática de cálcio está persistentemente acima de 11 mg/dl. Com concentração plasmática de potássio persistentemente abaixo de 3 mEq/L, há indícios de que ocorre redução da reabsorção de NaCl no segmento ascendente espesso da alça de Henle e uma menor resposta do túbulo coletor ao HAD. Tanto na hipercalcemia como na hipocalemia, o defeito no mecanismo de concentração é discreto, e, para explicarem a ingesta líquida superior às vezes a 3-5 litros, alguns autores sugerem um efeito destes eletrólitos no mecanismo da sede. Uma outra causa de DI nefrogênico é a anemia de células falciformes, em que há uma tendência das hemácias em adquirir a forma de foice no ambiente hipertônico e de baixa tensão de oxigênio na medula renal. Esta alteração na forma das hemácias compromete a circulação dos vasa recta e causa edema e infartos da papila renal, ocasionando a incapacidade de concentrar adequadamente a urina. Existem drogas que interferem com a ação renal do HAD, prejudicando a reabsorção de água. Entre estas drogas, destacamos o lítio, a dimetilclortetraciclina, o metoxifluorano e as sulfoniluréias. O lítio é uma droga muito usada em psiquiatria no manejo de psicose maníaco-depressiva. Aparentemente esta droga inibe a ação da vasopressina na formação de adenosina-monofosfato cíclico (cAMP) e induz poliúria reversível.35 Pacientes com acne tratados com doses altas de dimetilclortetraciclina (demeclociclina) podem apresentar poliúria e polidipsia.36 Esta droga inibe a ação da vasopressina, possivelmente através de uma interferência na geração e ação de cAMP. Ela também se liga a uma proteína específica da célula epitelial, que é importante na ação do HAD. O metoxifluorano é um agente anestésico que pode causar diabetes insipidus nefrogênico por induzir redução da permeabilidade do ducto coletor ou diminuição da tonicidade do interstício medular.37 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO DI CENTRAL E NEFROGÊNICO. Além da poliúria, noctúria e da polidipsia que pode chegar a 15 litros ao dia, a maior parte dos pacientes portadores de DI central apresenta níveis de sódio plasmático normal ou pouco aumentado, uma vez que o mecanismo da sede está intacto, repondo pelo menos parcialmente a perda de água. Porém, pode ocorrer hipernatremia no DI central em que o paciente não tenha acesso à água ou que tenha seu mecanismo da sede alterado. Com o tempo, pode ocorrer grande dilatação vesical e dos ureteres, a ponto de não haver mais noctúria. Além disso, outras manifestações decorrem da doença de base. Pontos-chave: • Diabetes insipidus central é causado por alteração da produção e/ou liberação do HAD • Diabetes insipidus nefrogênico decorre da insensibilidade renal ao HAD DIAGNÓSTICO DO DI CENTRAL, NEFROGÊNICO E OUTRAS FORMAS DE POLIÚRIA. Além da poliúria, polidipsia e hipernatremia com volemia normal, no diabetes insipidus central a densidade da urina é bastante baixa (1,001-1,005), embora formas parciais de DI, na vigência de desidratação intensa, possam formar urina hipertônica. Há alguns testes para o diagnóstico de DI, como a restrição de água, administração de solução salina hipertônica e administração exógena de hormônio antidiurético, como veremos a seguir. A restrição simples de água é o teste mais utilizado e determina a capacidade de o paciente elaborar HAD em resposta à hipertonicidade do plasma. O paciente é pesado e, a seguir, restringe-se a água por 12-16 horas ou até que ele perca 3-5% do peso corporal. Cada amostra de urina é coletada para determinação do volume e densidade urinária e/ou osmolalidade. Um indivíduo normal reduz o volume urinário para menos de 0,5 ml/min e aumenta a osmolalidade urinária (superior a 800 mOsm/kg). O paciente com DI mantém um alto volume urinário e uma osmolalidade urinária em torno de 200 mOsm/kg. Alguns 116 Metabolismo da Água autores preferem um teste mais curto (6-8 horas) e comparam a osmolalidade sérica e urinária inicial com a final. Um longo período de restrição líquida deve ser evitado devido ao risco de depleção de volume e hipernatremia, e alguns autores sugerem períodos de restrição de água de apenas 2-3 horas. O volume e a osmolalidade urinária são determinados a cada hora, e o sódio plasmático, a cada 2 horas. Com a administração de solução salina hipertônica (300 ml de NaCl a 5%), ocorre aumento da osmolalidade plasmática e, nos indivíduos normais, há uma liberação de HAD e conseqüente redução do volume urinário. Este teste não tem sido utilizado de rotina. O aumento da osmolalidade plasmática em indivíduos normais conduz a uma elevação progressiva da liberação do HAD e, portanto, da osmolalidade urinária. Quando a osmolalidade plasmática atinge 295-300 mOsm/kg (normal 275-290 mOsm/kg), a ação endógena do HAD no rim é máxima. Neste ponto, administrar HAD não eleva a osmolalidade urinária, a menos que haja um problema central na liberação de HAD, ou seja, DI central. O teste de restrição da água continua até que a osmolalidade urinária atinja um nível normal (acima de 600 mOsm/kg), indicando liberação e ação intactas do HAD, a osmolalidade urinária fique estável em duas medidas consecutivas, apesar de um aumento na osmolalidade plasmática, ou se a osmolalidade plasmática exceder 295-300 mOsm/kg. Nestas duas últimas situações, administra-se HAD exógeno (10 mg de DDAVP por spray nasal). Monitora-se o volume e a osmolalidade urinária. Os padrões de resposta à restrição de água e à administração de DDAVP são distintos, dependendo da causa do DI.29,38 No DI central, que é geralmente parcial, a liberação de HAD e a osmolalidade urinária podem aumentar com o aumento da osmolalidade plasmática. Porém, como a liberação de HAD é inadequada, a concentração urinária obtida não é máxima, e neste caso o HAD exógeno leva a um aumento da osmolalidade urinária e queda no débito urinário. No DI nefrogênico a restrição de água causa elevação submáxima na osmolalidade urinária. O aumento da osmolalidade plasmática estimula a liberação de HAD, mas como os pacientes com DI nefrogênico de modo geral são parcialmente resistentes ao HAD, pode haver um aumento pequeno na osmolalidade urinária. A administração de HAD exógeno também pode aumentar a osmolalidade urinária. Na polidipsia primária, a restrição de água aumenta a osmolalidade urinária. Como a liberação de HAD está normal, não há resposta ao HAD exógeno. A capacidade de concentração urinária está diminuída, pois a poliúria e a polidipsia crônicas retiram solutos da medula renal, diminuindo o gradiente intersticial medular.39 Talvez no futuro os resultados do teste de restrição à água e administração de HAD possam ser confirmados pela medida da excreção urinária de aquaporina-2, que é o “canal de água” do túbulo coletor. A excreção de aquaporina-2 aumenta muito após a administração de HAD em indivíduos normais e naqueles com DI central, podendo ser usada como um índice da ação deste hormônio no rim.39,40 Ponto-chave: • Ο diagnóstico diferencial entre diabetes insipidus central, nefrogênico e outras formas de poliúria é realizado através da história clínica e dos testes de restrição de água, infusão de salina hipertônica e administração de HAD TRATAMENTO DO DI CENTRAL. O tratamento do DI central visa a diminuição do débito urinário, através do aumento na atividade do HAD e reposição adequada das perdas líquidas. O DI central é tratado com a administração do hormônio antidiurético (HAD) ou com o uso de outros medicamentos não-hormonais.41 Atualmente, está disponível a desmopressina (DDAVP), que tem efeito antidiurético potente, sem efeito vasopressor. A desmopressina é apresentada na forma líquida e pode ser utilizada pela via intranasal, aplicada através de um pequeno tubo plástico ou na forma de spray. Inicia-se com dose de 5 µg à noite; dependendo dos efeitos sobre a noctúria, a dose pode ser aumentada em 5 µg e depois acrescentadas doses diurnas. Nos EUA está disponível uma apresentação oral de DDAVP, mas que tem potência de apenas 10-20% da forma nasal.41 O risco da administração do DDAVP é a retenção de água e hiponatremia, já que, sob o efeito desta droga, o paciente é incapaz de excretar normalmente a água ingerida. Para os pacientes que têm resposta incompleta à desmopressina, pode ser necessário acrescentar drogas que aumentem a liberação de ADH, aumentem o efeito do ADH no rim (em DI central parcial) ou diminuam o débito urinário de maneira independente do HAD. Entre estas drogas, podem ser utilizadas a clorpropamida, clofibrato, acetaminofen e tegretol, diuréticos tiazídicos e antiinflamatórios não-hormonais. A clorpropamida é uma droga utilizada no manejo de diabetes mellitus, mas também é eficaz no tratamento do DI central. Esta droga é capaz de reduzir o volume urinário e elevar a osmolalidade urinária em pacientes portadores de DI central. Acredita-se que potencialize os efeitos do HAD circulante, talvez sensibilizando o túbulo renal à ação da HAD. Ainda não está esclarecido se a clorpropamida tem uma ação central (estimulando a liberação de HAD). Após o diagnóstico, administram-se 250 mg de clorpropamida uma ou duas vezes ao dia, e o efeito será observado entre o terceiro e o sétimo dia após a administração. Ela não é 117 capítulo 9 efetiva na forma nefrogênica do DI e é menos efetiva quanto mais grave for o DI. O maior problema é a hipoglicemia que causa, sobretudo em crianças. O clofibrato (droga usada no tratamento de dislipidemias) parece aumentar a secreção pituitária de vasopressina e não possuir nenhuma ação sensibilizante ao nível de túbulo renal. Por não ter efeitos colaterais (como a hipoglicemia da clorpropamida), pode ser utilizado no manejo do DI parcial. A dose de 500 mg cada 6 horas pode reduzir a poliúria em DI central. A carbamazepina (usada no tratamento da epilepsia) parece aumentar a resposta tubular ao HAD. A carbamazepina é utilizada numa dose de 100 a 300 mg duas vezes ao dia. A clorpropamida, clofibrato e carbamazepina podem reduzir o débito urinário no DI central em até 50%.41 A indução de discreta depleção de volume com uma dieta baixa em sódio e diuréticos tiazídicos (hidroclorotiazida, 25 mg uma ou duas vezes ao dia) são medidas eficazes no tratamento do DI, reduzindo o débito urinário em cerca de 50%. A hipovolemia induzida aumenta a reabsorção proximal de água e sódio, reduzindo assim a oferta de água aos locais HAD-sensíveis dos ductos coletores.41 Os antiinflamatórios não-hormonais (principalmente o ibuprofeno) causam inibição da síntese de prostaglandinas renais, e isto aumenta a capacidade de concentração urinária, já que as prostaglandinas normalmente antagonizam a ação do HAD. Podem reduzir o débito urinário em 2550%.41 TRATAMENTO DO DI NEFROGÊNICO. O tratamento se dirige à correção da doença de base e à diminuição da poliúria. Os pacientes com DI nefrogênico não se beneficiam da administração de HAD ou drogas que aumentem sua secreção ou resposta renal, pois o defeito é justamente uma resistência renal (parcial ou completa) ao HAD. Ao invés disso, apresentam efeitos favoráveis no tratamento do DI nefrogênico: diuréticos tiazídicos, antiinflamatórios nãohormonais e dieta hipossódica e baixa em proteínas. Como já mencionado, os diuréticos tiazídicos induzem uma depleção do extracelular, aumentando a reabsorção proximal de sódio e água, com isso diminuindo a oferta de água aos locais sensíveis ao HAD nos túbulos coletores. Esta resposta é potencializada com o uso concomitante de amiloride ou outro diurético poupador de potássio. Os diuréticos de alça induzem uma resistência relativa ao ADH e não devem ser usados.42 Os antiinflamatórios não-hormonais apresentam no DI nefrogênico os mesmos efeitos já discutidos com relação ao tratamento do DI central. O débito urinário no DI nefrogênico pode ainda ser reduzido com a utilização de uma dieta com pouco sal e pouca proteína, que induz uma diminuição na excreção de solutos (sal e uréia) e no volume de água necessário para excretá-los. Para os pacientes com DI nefrogênico parcial, talvez a utilização de níveis suprafisiológicos de HAD possa au- mentar a resposta renal a este hormônio. Dessa forma, a desmopressina pode ser utilizada em pacientes com poliúria persistente após a utilização das outras medidas. Pontos-chave: • Ο princípio do tratamento do diabetes insipidus central é a utilização de análogos do HAD (DDAVP). Também são úteis: clorpropamida, clofibrato, acetaminofen, carbamazepina, tiazídicos e antiinflamatórios não-hormonais • No diabetes insipidus nefrogênico, recomenda-se dieta com baixo teor de sal e proteínas, e o uso de tiazídicos e antiinflamatórios não-hormonais Manifestações Clínicas de Hipernatremia As manifestações clínicas de um estado hiperosmolar dependem da existência ou não de alterações no volume dos compartimentos líquidos. Isto, por outro lado, depende de a substância que determina o estado hiperosmolar ter livre acesso à água intracelular. O estado hiperosmolar pode ser classificado em dois grupos: devido à substância com fácil acesso à água intracelular (uréia, etanol) e devido ao acúmulo de solutos habitualmente excluídos do compartimento intracelular (glicose, sódio).43 Como já mencionamos, a hipernatremia é uma das causas mais importantes de estado hiperosmolar. Como a uréia é altamente difusível, alterações na concentração plasmática de uréia não são acompanhadas de mudanças no volume dos compartimentos líquidos. Apenas quando é administrada rapidamente e em grandes doses, a uréia pode causar um gradiente osmótico transcelular e produzir mudanças nos compartimentos líquidos. A ingestão de etanol é uma causa comum de hiperosmolalidade, mas, da mesma forma que a uréia, tem fácil acesso à água intracelular e, portanto, não causa mudanças no volume dos compartimentos líquidos. Apenas o álcool etílico pode causar um aumento da osmolalidade de significação clínica, pois cada 100 mg/100 ml elevam a osmolalidade em 22 mOsm/L. A glicose, por sua vez, é uma substância osmoticamente ativa, pois atravessa as membranas celulares muito lentamente. Diabetes mellitus e diálise peritoneal com glicose hipertônica são situações clínicas comuns de hiperosmolalidade plasmática. Durante a fase inicial de descompensação do diabetes mellitus, ocorre hiperglicemia sem glicosúria, enquanto o limiar renal de excreção da glicose não foi excedido. Esta hiperglicemia inicial causa um aumento da osmolalidade plasmática, e o desvio da água do compartimento intracelular para o extracelular torna os dois com- 118 Metabolismo da Água partimentos isosmóticos. O resultado final é um aumento da osmolalidade nos dois compartimentos, aumento do volume do compartimento extracelular e hiponatremia devido à diluição do sódio no extracelular pela água proveniente do compartimento intracelular. Na segunda fase de descompensação do diabetes mellitus, a hiperglicemia excede o limiar de excreção renal e aparece a glicosúria. Nesta fase ocorre uma diurese osmótica, com grandes perdas urinárias de água e cloreto de sódio e conseqüente contração do volume plasmático. No coma diabético hiperglicêmico não-cetótico, a depleção de água pode ser tão grande que, apesar da hiperglicemia (1.000 mg/100 ml), o sódio plasmático está normal ou elevado. O organismo reage à contração do volume plasmático, desviando líquido do interstício e, mais importante, desviando líquido das células para expandir o compartimento extracelular. A água intracelular sai, acompanhada de eletrólitos (K, Cl , HPO4), para que a isosmolalidade transcelular seja mantida. O manejo desses pacientes requer, além da administração de insulina, a administração de líquidos e eletrólitos. Se a osmolalidade inicial não for muito elevada, administra-se solução salina isotônica, a fim de restaurar o volume plasmático. Particular atenção deve ser dada à reposição de potássio, pois, mesmo na presença de hipercalemia, a administração de insulina e líquido é seguida de rápida queda na concentração plasmática de potássio. Quando a osmolalidade plasmática inicial for muito elevada, recomenda-se a administração de uma solução salina hipotônica (NaCl a 0,45%). O sódio tem um acesso limitado ao compartimento intracelular, e o estado hiperosmolar que acompanha a hipernatremia reflete um déficit de água total, sobretudo da água intracelular. Este déficit de água pode ser acompanhado de um déficit de sódio, mas sempre em menor quantidade que a perda de água29 (v. Quadros 9.6 e 9.10). Além da associação com hipovolemia, também é possível encontrar hipernatremia com volemia normal ou aumentada. É necessário avaliar o espaço extracelular através de um cuidadoso exame físico, conforme será abordado no Cap. 10. Entre as manifestações clínicas da própria hipernatremia, predominam aquelas que refletem disfunção do sistema nervoso central, principalmente se o aumento na concentração do sódio se fez de forma rápida, ao longo de algumas horas. A maior parte dos pacientes não internados que apresentam hipernatremia é muito jovem ou idosa. Estes grupos etários apresentam alterações do mecanismo da sede, redução da capacidade de concentração máxima da urina e falha na resposta normal ao ADH.44 Em crianças, são comuns a hiperpnéia, fraqueza muscular, inquietude, choro, insônia, letargia e até mesmo coma. As crianças geralmente não apresentam sintomas até que a concentração plasmática de sódio exceda 160 mEq/L. Se o paciente está consciente, a sede pode ser intensa. O nível de consciência se correlaciona com a gravidade da hipernatremia. Convulsões não ocorrem, a menos que o pa- Quadro 9.5 Mecanismos renais necessários para o clearance de água A. Produção de um gradiente osmótico 1. Número suficiente de nefros funcionantes 2. Oferta suficiente de NaCl aos segmentos medulares 3. Transporte suficiente de NaCl nos segmentos medulares 4. Conservação suficiente de uréia na medula renal B. Utilização do gradiente osmótico 1. Fluxo sanguíneo renal apropriado 2. Ação apropriada da vasopressina nos ductos coletores 3. Resposta apropriada da vasopressina pelos ductos coletores 4. Fluxo urinário apropriado ciente receba sobrecarga de sódio ou reidratação muito intensa. Entre os pacientes hospitalizados, as manifestações podem não ser tão nítidas, pois muitos deles apresentam doença neurológica preexistente. Na maioria das vezes, há alterações sensoriais, como confusão mental, estupor e, eventualmente, coma. Pode haver hipotensão, taquicardia e até hipertermia. O volume urinário é pequeno, a menos que haja uma diurese osmótica ou uma síndrome poliúrica. A concentração plasmática das proteínas está elevada e, se houver um déficit de sódio associado, verifica-se uma elevação da hemoglobina e do hematócrito. O líquido cefalorraquidiano pode ser xantocrômico ou sanguinolento, graças a um aumento da permeabilidade ou mesmo ruptura dos capilares cerebrais devido à redução de volume do cérebro. Pontos-chave: • As principais manifestações da hipernatremia se relacionam ao sistema nervoso central e dependem da idade do paciente e da rapidez de instalação • Os sintomas são mais intensos na hipernatremia aguda que na crônica, pois o mecanismo de compensação (ganho intracelular de osmóis) não está ativado Manejo do Paciente com Hipernatremia LINHAS GERAIS O tratamento da hipernatremia depende de dois fatores importantes: volume do compartimento extracelular e ritmo de aparecimento da hipernatremia. Na hipernatremia associada à depleção do volume extracelular, o primeiro objetivo é restaurar a volemia com 119 capítulo 9 Quadro 9.6 Interpretação e manejo da hipernatremia* Distúrbio básico Sódio total do organismo Perda de água e sódio Sódio total reduzido Causas clínicas Osmolalidade urinária e NaU** Tratamento Solução salina isotônica Perdas extra-renais: sudorese Urina iso - ou hipotônica; NaU 20 mEq/L Urina hipertônica NaU 10 mEq/L Perdas renais: (diurese osmótica) Perda de água Sódio total normal Perdas renais: diabetes insipidus, central ou nefrogênico Perdas extra-renais: pele e trato respiratório Urina iso-, hipo- ou hipertônica NaÜ variável Urina hipertônica NaÜ variável Água ou soro glicosado a 5% Adição de sódio Excesso de sódio total Hiperaldosteronismo primário; síndrome de Cushing; diálise hipertônica; bicarbonato de sódio hipertônico Urina iso - ou hipertônica NaU 20 mEq/L Água ou soro glicosado a 5% diuréticos *Modificado de Berl, T. e cols.8 **NaÜ indica a concentração urinária de sódio. soro fisiológico. Se houver sinais de colapso circulatório pela contração de volume, a solução salina isotônica deve ser administrada até que a instabilidade hemodinâmica seja corrigida. Posteriormente, podem ser utilizados o soro glicosado a 5% ou uma solução hipotônica (0,45%) de cloreto de sódio. Se não houver instabilidade hemodinâmica inicial, inicia-se a administração simultânea de soro glicosado a 5% e solução salina isotônica. Quando se dispuser de uma solução salina hipotônica (NaCl 0,45%), esta será preferida. O manejo dos pacientes com hipernatremia associada a um excesso de volume extracelular baseia-se na reposição de água por via oral ou parenteral e na remoção do sódio com diuréticos de alça. Na presença de insuficiência renal, hipernatremia e excesso de volume são manejados através de diálise. Finalmente, naqueles pacientes com hipernatremia e volemia normal o manejo baseia-se na interrupção da perda continuada de líquido e na administração de água sob a forma de soro glicosado a 5%. A administração de líquido pode ser feita por via oral, via sonda nasogástrica ou via parenteral.46 CÁLCULO DO DÉFICIT DE ÁGUA Considere um paciente com peso usual de 70 kg, apresentando sódio plasmático atual de 155 mEq/L e sódio normal de 140 mEq/L: 1.º passo: Calcular a água total normal deste paciente: 70 kg x 60% 42 litros (alguns autores consideram a água total do homem como 60% do peso corporal, e 50% nas mulheres, por possuírem mais tecido adiposo e, logo, menos água. Além disso, consideram a água total atual como sendo menor em pacientes hipernatrêmicos e que estão com déficit de água; logo usam, em vez de 60% e 50%, valores de 50% e 40% para homens e mulheres, respectivamente). 2.° passo: Calcular a quantidade de água total que este paciente possui com o sódio em 155 mEq/L. Água atual Água normal Sódio normal Sódio atual 42 140 155 ⬵ 38 litros 3.º passo: Calcular o déficit de água: Água atual água normal 38 42 4 litros de déficit de água. Esta é a quantidade de fluido hipotônico que o paciente necessita receber para que seu sódio plasmático retorne a 140 mEq/L. TIPO DE FLUIDO A escolha do fluido a ser infundido para a correção da hipernatremia depende da via de administração e da necessidade de corrigir outro distúrbio hidroeletrolítico coexistente. Para uso enteral, podem ser utilizadas a água destilada ou soluções eletrolíticas hipotônicas.27 Para reposição endovenosa, o fluido ideal é aquele que não contém osmóis efetivos e ao mesmo tempo não ocasione o risco de hemólise por exposição dos eritrócitos a um fluido excessivamente hipotônico. Alguns autores sugerem que a correção com solução contendo glicose está associada a acidose láctica intracelular cerebral, devendo por isto ser evitada.27 Em alguns casos, a solução salina a 0,9%, contendo 154 mEq de sódio por litro, pode ser útil. Isto é verdadeiro quando coexiste depleção do espaço extracelular com a 120 Metabolismo da Água hipernatremia. Esta solução (154 mEq/L) terá ainda um certo efeito diluidor sobre o plasma em condições de hipernatremia muito intensa. Na maioria das vezes, entretanto, a correção de hipernatremia somente com solução salina isotônica é um procedimento inadequado. É preferível repor uma solução salina a 0,45%, o que pode ser obtido pela infusão simultânea de volumes iguais de SG 5% (ou água destilada) e solução salina isotônica (a 0,9%).27 Há autores que recomendam que a solução glicosada a 5% seja utilizada nas situações em que existe a possibilidade de sobrecarga de volume com a infusão de fluidos contendo sódio, como na insuficiência cardíaca.27 RITMO DE CORREÇÃO Uma correção rápida da hipernatremia é perigosa. Com a hipernatremia ocorre saída de líquido das células cerebrais. Dentro de 1-3 dias o volume cerebral é restaurado por líquido cefalorraquidiano (aumentando o volume intersticial) e pela entrada de solutos nas células (atraindo água para o interior das células e logo restaurando o volume). Em casos de hipernatremia aguda, que se desenvolve em algumas horas, a correção rápida é relativamente segura e eficaz. Porém, nas hipernatremias que se instalam ao longo de várias horas ou dias, é necessária uma abordagem mais cautelosa. Nesta situação crônica, uma correção rápida causa movimento osmótico de água para dentro do cérebro, aumentando o seu volume.27 Este edema cerebral pode causar convulsões, lesão neurológica irreversível e morte. Há evidência de que existe segurança com um ritmo de correção entre 0,5-0,7 mEq/L por hora, acima do qual reações adversas ocorrem.47 Nenhuma reação adversa ocorre quando o ritmo de correção não excede 0,5 mEq/L por hora. Assim, se o sódio plasmático for de 168 mEq/L, o excesso de 28 mEq/L (168-140) deve ser corrigido em 56 horas (28 divididos por 0,5 mEq).27 Algumas vezes, a taxa de correção não se iguala àquela que foi calculada. Isto provavelmente se deve a perdas continuadas de fluidos hipotônicos. Nestas circunstâncias, o tratamento da doença de base deve ser revisado e todas as perdas fluidas devem ser reavaliadas e acrescentadas à reposição já calculada. Idealmente, deve ser feita uma monitorização laboratorial a cada 4-6 horas para avaliar a eficácia do tratamento.27 A piora do quadro neurológico durante a reposição de fluido hipotônico pode significar o desenvolvimento de edema cerebral e requer reavaliação imediata e interrupção temporária da reposição.44 EVOLUÇÃO Aparentemente, a morbidade e a mortalidade pela hipernatremia se relacionam principalmente com a rapidez de instalação do distúrbio, e não com sua intensidade. Mesmo com o tratamento, a mortalidade em adultos ultrapassa 40%, o que em parte pode ser conseqüência da do- ença de base. Muitos dos pacientes que sobrevivem desenvolvem algum grau de dano cerebral permanente.27 Além disso, alguns autores relatam a possibilidade de a hipernatremia crônica acionar um processo catabólico sistêmico. A hipótese é que a diminuição do volume das células hepáticas e musculares pela hipernatremia desencadearia um processo de catabolismo protéico, caquexia e degradação tecidual.27 Pontos-chave: • Ο tratamento da hipernatremia é feito com soluções hipotônicas • Para evitar edema cerebral, a correção dos níveis plasmáticos de sódio não deve exceder 0,5 mEq/L por hora EXCESSO DE ÁGUA — HIPONATREMIA — ESTADO HIPOSMOLAR Em condições normais, a concentração plasmática de sódio é mantida dentro de limites estreitos, 135 a 145 mEq/L, devido à regulação da sede e adequada secreção e ação do HAD. A capacidade de o rim excretar água sem solutos (controlada pelo HAD) é um ponto fundamental no controle da tonicidade do organismo.45 A osmolalidade efetiva ou tonicidade se refere à contribuição de solutos que não podem atravessar livremente todas as membranas celulares (como o sódio e a glicose), induzindo assim desvios transcelulares de água (v. Cap. 8).48 A dificuldade na excreção de água livre é uma das causas mais comuns de hiponatremia ou estado hiposmolar encontrado no paciente hospitalizado, correspondendo a 1-2% dos pacientes admitidos por doença aguda ou crônica.45 Os idosos apresentam diminuição da capacidade de eliminação de uma carga de água, o que pode explicar em parte a suscetibilidade deste grupo ao desenvolvimento de hiponatremia.44 As principais situações clínicas associadas à hiponatremia estão agrupadas no Quadro 9.7. A hiponatremia pode resultar de liberação excessiva de HAD, anormalidades na diluição urinária e/ou desordens do mecanismo da sede.45 Enquanto a hipernatremia sempre implica hipertonicidade e hiperosmolalidade, a hiponatremia pode cursar com tonicidade baixa, normal ou aumentada.48 A hiponatremia dilucional ou hipotônica (também chamada de hiponatremia real), que é a forma mais comum de hiponatremia, é causada por retenção de água e cursa com osmolalidade plasmática menor que 275 mOsm/kg. Se a ingesta ou aporte de água é superior à capacidade de excreção renal, ocorrerá diluição dos solutos do organismo, capítulo 9 Quadro 9.7 Situações clínicas associadas com hiponatremia* 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. Pseudo-hiponatremia Insuficiência cardíaca congestiva Cirrose hepática avançada Síndrome nefrótica Insuficiência renal crônica Contração de volume intravascular ou extravascular Estresse emocional e físico Distúrbios endócrinos Agentes farmacológicos Síndrome de secreção inapropriada de vasopressina *Obtido de Berl, T. e col.8 resultando em hiposmolalidade e hipotonicidade. São causas deste tipo de hiponatremia: insuficiência cardíaca, secreção inapropriada de HAD e depleção do espaço extracelular.48-50 A hiponatremia hiperosmolar ou hipertônica ocorre na hiperglicemia e infusão de manitol e cursa com osmolalidade plasmática habitualmente superior a 290 mOsm/kg.48,50 Por fim, a hiponatremia isosmolar ou isotônica é a causada por hiperproteinemia ou hiperlipidemia graves (pseudo-hiponatremia) e cursa com osmolalidade plasmática normal, de 275-290 mOsm/kg.49 A hiponatremia também pode ser classificada de acordo com sua duração, sendo chamada de aguda, quando dura menos que 48 horas, e crônica, quando ultrapassa este período.51 Causas de Hiponatremia PSEUDO-HIPONATREMIA Tanto a hiperproteinemia (por exemplo, no mieloma múltiplo) como a hiperlipidemia podem resultar em dosagens aparentemente baixas de sódio, devido ao espaço que estas substâncias ocupam na fase aquosa de uma amostra de sangue.45,52 Se grandes quantidades de macromoléculas ou lipídios estão presentes, a quantidade de água por unidade de volume de plasma está diminuída. Os laboratórios apresentam os resultados da dosagem de sódio por unidade de volume de plasma. Entretanto, a concentração real de sódio é a quantidade (mEq) em uma unidade de volume (1 litro) de plasma dividida pela percentagem de água no plasma (cerca de 93%). Os 7% restantes do plasma correspondem às proteínas e lipídios. Uma vez que os íons sódio estão dissolvidos somente na fase aquosa do plasma, uma concentração de sódio de 143 mEq/L no plasma total equivale a uma concentração de 154 mEq/L na água do plasma (143 0,93). Para evitar avaliações errôneas, o plasma pode ser centrifugado para separar e remover as proteínas e os lipídios, ou a dosagem pode ser feita diretamente com eletrodos sensíveis a íons, que somente reconhecem a quantidade de sódio dissolvido na água do plasma.45 121 A redução na dosagem de sódio causada por hipertrigliceridemia pode ser calculada multiplicando-se a concentração plasmática dos triglicérides (mg/dl) por 0,002. Por exemplo, para uma concentração de triglicérides de 5.000 mg/dl, a concentração de sódio diminuiria de 144 para 134 mEq/L.45 Para pacientes com hiperproteinemia, calcula-se a repercussão sobre a dosagem plasmática de sódio multiplicando-se a quantidade de elevação da proteína total acima de 8 g/dl por 0,25. Por exemplo, para uma concentração plasmática de proteína de 17 g/dl, a concentração de sódio diminui apenas 2,25 mEq/L. A pseudo-hiponatremia é tratada com a correção da doença que ocasiona o distúrbio.45 Em todo caso, para uma conclusão correta sobre uma baixa concentração de sódio, é prudente verificar que método está sendo utilizado pelo laboratório para a dosagem deste íon. REDISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA Outra causa de hiponatremia em que a diminuição na concentração de sódio não está associada com uma diminuição na osmolalidade plasmática também merece um comentário especial. Quando está presente no plasma grande quantidade de um soluto (que não o sódio) que não se difunde livremente através das membranas celulares, criase um gradiente osmótico que favorece o movimento de água do intracelular para o extracelular, resultando em hiponatremia com hipertonicidade. A causa mais comum deste tipo de hiponatremia é a hiperglicemia, mas também tem sido relatada durante terapia com manitol hipertônico. Ao contrário do que ocorre com a hiperlipidemia e hiperproteinemia, a baixa concentração de sódio nestas circunstâncias é um reflexo real da concentração de sódio no espaço extracelular. O que ocorre é a passagem de água do intracelular para o extracelular, diluindo o sódio do plasma. O tratamento deste tipo de hiponatremia deve ser dirigido à correção das concentrações elevadas de glicose ou manitol, o que resultará no movimento de água para o intracelular, com restauração da concentração do sódio plasmático ao normal.45 Outra causa é a irrigação durante cirurgia de próstata, com grandes volumes de manitol, sorbitol, glicina ou água destilada, que acabam sendo absorvidos através do leito cirúrgico cruento. Inicialmente, o soluto absorvido fica confinado ao espaço extracelular, trazendo água do intracelular, a qual dilui o sódio plasmático, resultando num estado de hiponatremia isotônica. O manitol é imediatamente excretado na urina, mas o sorbitol e a glicina são metabolizados, causando severa hipotonicidade e desvio de água para o intracelular. Sintomas neurológicos graves podem ocorrer, especialmente com a glicina, devido à neurotoxicidade direta do aminoácido e níveis elevados de amônio gerados durante seu metabolismo.45 Para calcular a contribuição da glicose ou do manitol para a osmolalidade plasmática, basta dividir a concentra- 122 Metabolismo da Água ção plasmática (mg/100 ml) pelo peso molecular da substância (glicose e manitol têm peso molecular de 180). Multiplica-se a concentração plasmática da substância por 10 para transformar mg/100 ml em mg/L. Exemplo: se a concentração plasmática da glicose for 180 mg/100 ml, a contribuição para a osmolalidade será: 180 10 180 10 mOsm/L. Pode-se também considerar que para cada 100 mg/dl de elevação na glicemia acima de 200 mg/dl, há uma redução de 1,6 mEq/L no sódio plasmático. Exemplo: a glicemia passou de 200 a 1.200 mg/dl. A concentração de sódio plasmático deve cair de 140 para 124 mEq/L sem alteração no conteúdo total de água ou de eletrólitos, mas apenas com desvio de água do intracelular para o extracelular (1,6 mEq/L 10 16 mEq). INTOXICAÇÃO AGUDA PELA ÁGUA Hiponatremia pode desenvolver-se agudamente em pacientes que ingerem grandes quantidades de fluido hipotônico. Isto ocorre em três situações: pacientes com taxa de filtração glomerular (TFG) normal que ingerem grandes quantidades de água (polidipsia psicogênica); pacientes com TFG muito reduzida que ingerem quantidades moderadas de água; e pacientes bebedores de cerveja.45 A polidipsia psicogênica ou ingestão compulsiva de água é relatada em pacientes psiquiátricos, sendo que parte deles desenvolve hiponatremia sintomática. A ingesta aguda de líquidos pode exceder 15-20 litros ao dia, superando a capacidade máxima do rim em eliminar a sobrecarga de água. De modo geral, a interrupção da ingesta excessiva e uma diurese volumosa são suficientes para a correção da hiponatremia; estes pacientes raramente desenvolvem sintomas. Porém, um grupo de pacientes psiquiátricos desenvolve hiponatremia sintomática. Nestes, estudos demonstraram sensibilidade aumentada ao HAD, defeito na diluição urinária independente do HAD ou mesmo níveis elevados de HAD. Alguns fatores, tais como a própria psicose, náuseas, nicotina e várias drogas psicotrópicas, estimulam a secreção de HAD.45 Hiponatremia é bem descrita em indivíduos que ingerem grandes quantidades de cerveja, sem aporte nutricional adequado. Nesta situação, há redução da quantidade de urina diluída que pode ser formada, pois há poucos solutos na urina. Na insuficiência renal, a diluição urinária não está comprometida, mas a quantidade total de urina que pode ser excretada está muito reduzida devido ao comprometimento da TFG. Por exemplo, num paciente com TFG de 5 litros ao dia, apenas 30% do filtrado glomerular alcançam os segmentos diluidores do nefro, resultando em 1,5 litro de urina ao dia. Mesmo que os níveis de HAD estivessem completamente suprimidos, e que os 5 litros de filtrado alcançassem o segmento diluidor, o volume urinário não poderia exceder 5 litros. Então, no paciente com insuficiência renal severa, a ingestão excessiva de água pode fa- cilmente exceder a capacidade do rim de excretar uma carga de água, mesmo que o mecanismo de diluição esteja intacto.45 HIPONATREMIA CRÔNICA A abordagem racional ao paciente com hiponatremia envolve uma avaliação correta do sódio corporal total e espaço extracelular (através do exame físico),31 osmolalidade urinária e sódio urinário (v. Quadros 9.11 e 9.12). A avaliação e a classificação do paciente hiponatrêmico com base na volemia têm sido utilizadas desde a década de 1960. Hiponatremia com Sódio Corporal Total Aumentado Hiponatremia com um aumento no sódio corporal é observada em três situações: cirrose, síndrome nefrótica e insuficiência cardíaca congestiva. O exame físico destes pacientes demonstra sinais de sobrecarga e excesso do extracelular (v. Cap. 10). O denominador comum entre estas condições é um volume circulante efetivo diminuído, ao qual o rim responde como se estivesse sendo hipoperfundido, com menor TFG e retendo sódio proximalmente. Esta diminuição do volume circulante efetivo ativa a liberação não-osmótica de HAD, o sistema reninaangiotensina-aldosterona e o sistema simpático. A concentração urinária encontra-se aumentada, como resultado da secreção excessiva de HAD e pelo menor fluxo urinário, que tem maior tempo de contato com o epitélio do ducto coletor, permitindo maior retrodifusão passiva de água para o interstício. Com aumento da gravidade da cirrose, síndrome nefrótica ou insuficiência cardíaca congestiva, perde-se a capacidade de concentrar a urina, e uma urina isotônica com o plasma, e com alto teor de sódio, é elaborada. Deve-se tomar cuidado ao avaliar a dosagem de sódio urinário nos pacientes que recebem diuréticos, particularmente os diuréticos de alça, pois também produzem urina hipotônica e com sódio alto.45 Hiponatremia com Sódio Corporal Total Diminuído Hiponatremia associada com diminuição do espaço extracelular pode ocorrer por perdas renais ou não-renais. A semiologia evidencia sinais de contração do espaço extracelular (v. Cap. 10). As perdas não-renais incluem as perdas gastrintestinais (diarréia e vômitos), perdas cutâneas excessivas (queimaduras, raramente sudorese) ou acúmulo de terceiro espaço (pancreatite, peritonite, queimaduras, esmagamento muscular). Em todas estas situações, a redução do espaço extracelular resulta em hipoperfusão renal e diminuição da TFG. Isto provoca aumento da reabsorção de sódio no túbulo proximal, com menos sódio disponível para os segmentos diluidores distais. Também existe um estímulo ao HAD, com maior reabsorção de água. Recentemente tem sido descrita a síndrome de hiponatremia dos maratonis- 123 capítulo 9 tas, em que os atletas perdem grandes quantidades de sódio pelo suor e de modo geral ingerem fluidos de reposição que contêm água, glicose e pouco sódio.45,53,54 Perdas renais de sódio são observadas com o uso de diuréticos, doença renal intersticial crônica e deficiência de aldosterona. Todos os diuréticos, independentemente de seu local de ação, induzem um balanço negativo de sódio. Esta depleção de sódio, por sua vez, desencadeia a liberação não-osmótica de HAD. Na nefrite intersticial crônica, há lesão direta das células tubulares nos segmentos diluidores distais e alteração da arquitetura renal normal. Disso resultam uma perda renal de sódio e diminuição do clearance de água livre. Por fim, na deficiência de aldosterona, o defeito na diluição urinária está relacionado ao balanço negativo de sódio, que resulta em diminuição do sódio que chega aos segmentos diluidores distais, e à liberação não-osmótica de HAD induzida pela depleção do EEC.45 Hiponatremia com Sódio Corporal Aparentemente Normal Hiponatremia em um paciente com o espaço extracelular aparentemente normal pode resultar de secreção inapropriada de HAD (SIHAD) ou de um reajuste de osmostato.45 A SIHAD foi inicialmente descrita em 1957.55 É assim chamada, pois a secreção de HAD não se deve a um estímulo osmótico ou não-osmótico. Tem como características a hiponatremia, hipotonicidade, urina inapropriadamente concentrada, sódio urinário elevado e, freqüentemente, ácido úrico plasmático em níveis baixos.56 As causas desta síndrome podem ser observadas no Quadro 9.8. O mecanismo básico da SIHAD é atividade HAD ou HAD-símile excessiva, causando aumento da reabsorção de água no ducto coletor, resultando em expansão do espaço extracelular. Como apenas um terço da água retida é distribuída no espaço extracelular, sinais de hipervolemia, como edema ou ingurgitamento das veias do pescoço, não estão presentes. Porém, uma discreta expansão do intravascular resulta em aumento do fluxo plasmático renal e TFG e diminuição da reabsorção proximal de sódio. Como a secreção de aldosterona é normal ou tende a ser suprimida pela expansão crônica de volume, uma quantidade significativa de sódio deixa de ser reabsorvida na alça de Henle e túbulo distal. Conseqüentemente, quantidades aumentadas de sódio chegam ao túbulo coletor, que possui capacidade limitada de absorver sódio, e a excreção de sódio está aumentada.45 A hipouricemia encontrada na SIHAD se deve a uma menor reabsorção proximal de ácido úrico.57 Cabe aqui um comentário a respeito da hiponatremia em pacientes com SIDA (síndrome da imunodeficiência adquirida). A hiponatremia é encontrada em 35-55% dos pacientes aidéticos internados e é geralmente causada por SIHAD relacionada a pneumonia, neoplasia ou infecção do sistema nervoso central. Eventualmente perdas por diar- Quadro 9.8 Situações clínicas associadas com SIHAD* 1. Produção excessiva de HAD por tumor • Pulmão, gastrintestinal, timo, próstata, linfoma 2. Aumento da liberação hipotálamo-hipofisária de HAD a) Doença pulmonar • Tuberculose, pneumonia, abcesso b) Doenças do sistema nervoso central • Trauma, convulsões, meningite, encefalite, abcesso • Tumor • Hemorragia subdural, subaracnóide, aneurisma • Acidente vascular encefálico c) Doenças endócrinas • Deficiência de glicocorticóides • Mixedema d) Drogas • Opiáceos e barbitúricos • Ecstasy • Sulfoniluréias (clorpropamida, tolbutamida) • Nicotina • Clofibrato • Antidepressivos tricíclicos • Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (fluoxetina, sertralina) • Carbamazepina • Drogas antineoplásicas (vincristina, vinblastina) • Tiazídicos e) AIDS 3. Administração exógena de HAD 4. Drogas que potencializam o efeito do HAD ou têm efeito HAD-símile • Clorpropamida • Ciclofosfamida64 • Ocitocina *SIHAD = Síndrome da secreção inapropriada de HAD. réia podem causar depleção de volume circulante efetivo, ativando a liberação de HAD pelos mecanismos já descritos. Uma causa menos comum de hiponatremia em aidéticos é a insuficiência de adrenais, relacionada com infecção por citomegalovírus, micobactérias, pelo próprio HIV ou ainda por infiltração e hemorragia por sarcoma de Kaposi.58 Os pacientes com um quadro compatível com reajuste do osmostato possuem um limiar de osmorregulação em torno de uma hiposmolalidade plasmática. Estes pacientes conseguem suprimir o HAD adequadamente quando a osmolalidade plasmática está baixa e a diluição urinária é adequada. Em situação de hipertonicidade, há aumento apropriado na secreção de HAD e concentração urinária. O reajuste de osmostato pode ser encontrado em qualquer uma das causas de SIHAD, estados hipovolêmicos, quadriplegia, psicose, desnutrição e tuberculose.45,59 A hiponatremia não é progressiva e melhora espontaneamente com a resolução da doença básica.45 124 Metabolismo da Água Pontos-chave: • Ο diagnóstico de hiponatremia é feito com concentrações plasmáticas de sódio 135 mEq/L • Hiponatremia pode cursar com volemia normal, aumentada ou diminuída MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DE HIPONATREMIA O nível de hiponatremia que pode causar sinais e sintomas varia com o ritmo de queda do sódio plasmático e com a idade do paciente. Em geral, um paciente mais jovem tolera melhor um determinado nível de hiponatremia que um mais idoso. Entretanto, hiponatremia aguda pode determinar importantes sinais e sintomas do sistema nervoso central: depressão do nível de consciência, convulsões e morte, mesmo com níveis de sódio plasmático entre 125 e 130 mEq/L. Estas manifestações são atribuídas principalmente a um edema cerebral, causado pela rápida redução na concentração plasmática de sódio.60 Isto ocorre porque não há tempo para as células cerebrais eliminarem partículas osmoticamente ativas do seu interior, reduzindo assim o edema celular. Por outro lado, este mecanismo protetor contra o edema cerebral é muito efetivo na hiponatremia crônica, de forma que um paciente pode estar assintomático com um sódio plasmático inferior a 110 mEq/L. Os sinais e sintomas se correlacionam com o grau de edema cerebral. Náuseas e mal-estar são sintomas precoces e podem ser observados quando a concentração plasmática de sódio cai para 125-130 mEq/L. Na seqüência ocorrem cefaléia, letargia, obnubilação e eventualmente convulsões, coma e parada respiratória, caso o sódio caia para 115-120 mEq/L.60 Outros sinais e sintomas incluem câimbras e anorexia, diminuição dos reflexos tendinosos profundos, reflexos patológicos, hipotermia e paralisia pseudobulbar. São particularmente suscetíveis ao edema cerebral mulheres jovens em pós-operatório, mulheres idosas usando diuréticos tiazídicos, crianças e pacientes hipoxêmicos.51 Estão presentes também os sinais e sintomas relacionados à doença de base que ocasionou a hiponatremia.45 Diagnóstico Na avaliação de um paciente hiponatrêmico, a história clínica é de grande importância, assim como a verificação do balanço hídrico, perdas e aporte de fluidos nos dias precedentes.50 Além da dosagem do sódio plasmático e do sódio urinário, a osmolalidade plasmática, osmolalidade urinária, potássio plasmático e gasometria são de utilidade no diagnóstico diferencial das hiponatremias. A osmolalidade plasmática encontra-se diminuída na maior parte dos pacientes hiponatrêmicos, uma vez que é basicamente determinada pela concentração plasmática de sódio. Mas, em alguns casos, a osmolalidade (e não a tonicidade) do plasma está normal (como na hiperlipidemia e na hiperproteinemia) ou elevada (hiperglicemia, administração de manitol). Quando há osmolalidade plasmática elevada, ocorre movimento osmótico de água para fora das células, e a concentração de sódio no plasma diminui por diluição.57 A resposta renal apropriada em presença de um excesso de água é excretar urina maximamente diluída. Quando isto não ocorre, deve-se suspeitar de que exista ação do ADH ou anormalidade renal.61 Na urina, a osmolalidade auxilia a diferenciar entre uma alteração na capacidade de excretar urina diluída (presente na maior parte dos casos) e a polidipsia primária, na qual a excreção de água é normal, mas a ingesta é tão volumosa que ultrapassa a capacidade de excreção. Na polidipsia primária, a resposta à hiponatremia é a supressão do HAD, resultando numa urina com osmolalidade abaixo de 100 mOsm/kg e densidade menor que 1,003. No restante dos casos, a secreção de HAD continua apesar da hiponatremia, prejudicando a diluição urinária e mantendo a osmolalidade urinária maior ou igual a 300 mOsm/kg.57 Concentrações urinárias de sódio menores que 25 mEq/L sugerem a participação de perdas não-renais de sódio na gênese da hiponatremia, enquanto concentrações superiores a 40 mEq/L sugerem secreção inapropriada de HAD.57 A dosagem do potássio e a verificação do estado ácidobásico podem auxiliar a diferenciar algumas situações: por exemplo, alcalose metabólica e hipocalemia indicam uso de diuréticos ou vômitos; acidose metabólica e hipocalemia sugerem diarréia ou uso de laxantes, e acidose metabólica e hipercalemia sugerem insuficiência adrenal.57 TRATAMENTO DA HIPONATREMIA Linhas Gerais Com exceção da pseudo-hiponatremia e da hiperglicemia, a hiponatremia implica um desvio de água para dentro das células e edema das células. Este desvio é particularmente importante no sistema nervoso central, uma vez que o cérebro está alojado no espaço inextensível da caixa craniana e o edema cerebral causa sintomas graves.61 A idade do paciente, rapidez de instalação da hiponatremia, avaliação do volume do compartimento extracelular e a concentração do sódio urinário são muito importantes no planejamento terapêutico dos pacientes com hiponatremia (Quadros 9.9 e 9.11).45 A doença básica deve ser 125 capítulo 9 Quadro 9.9 Interpretação e manejo da hiponatremia* Distúrbio básico Compartimento extracelular Déficit de água total e déficit maior de sódio total Depleção do volume extracelular Causas clínicas Perdas renais: excesso de diuréticos; Deficiência de mineralocorticóide; Nefrite perdedora de sal; Acidose tubular renal com bicarbonatúria Perdas extra-renais: vômitos, diarréias, terceiro espaço; queimaduras, pancreatite Concentração urinária de sódio (NaU)** NaÜ > 20 mEq/L Tratamento Solução salina isotônica NaÜ 10 mEq/L Excesso de água total Discreto excesso de volume extracelular (sem edema) Defic. de glicocorticóide; Hipotireoidismo; Dor, emoção, drogas; Síndrome de secreção inapropriada de HAD NaÜ 20 mEq/L Restrição de água Excesso de sódio total e maior excesso de água total Excesso do volume extracelular (edema) Síndrome nefrótica; Insuf. cardíaca; Cirrose hepática NaÜ 10 mEq/L Restrição de água Insuf. renal aguda e crônica NaÜ 20 mEq/L *Modificado de Berl, T. e cols.8 **NaÜ indica a concentração urinária de sódio. avaliada e tratada adequadamente. Deve ser interrompido o uso de qualquer agente farmacológico que interfira com o manejo renal da água.45 A maior parte dos pacientes hiponatrêmicos são assintomáticos e apresentam concentração plasmática de sódio maior que 120 mEq/L. Nestes, a correção da hiponatremia pode ser feita de modo mais lento e gradual, através da restrição de água livre,62 e o tratamento com solução salina hipertônica não é indicado.45 Com a restrição de água livre para menos de 1 litro ao dia, ocorre balanço negativo de água, e o sódio plasmático é corrigido lentamente. Em pacientes que se alimentam normalmente por via oral, a taxa de correção do sódio com a restrição de água raramente excede 1,5 mEq/dia. Já nos que não estão recebendo nutrição via oral, e são mantidos apenas com fluidos intravenosos, o balanço entre as perdas insensíveis e a reposição pode estar próximo de zero, e será ainda mais difícil obter um balanço negativo de água.45 Em um paciente hiponatrêmico com depleção do extracelular concomitante, a solução salina isotônica (154 mEq de sódio por litro) é a solução escolhida. A solução salina causa repleção do extracelular, interrompendo o estímulo para a liberação de HAD, permitindo que a água em excesso seja eliminada. Além disso, a solução salina também auxilia na correção da hiponatremia por possuir uma concentração de sódio mais elevada (154 mEq/L) que o plasma hiponatrêmico.62 Se o paciente apresenta excesso do extracelular concomitantemente, ou se o paciente estiver perdendo o sódio infundido através da urina, pode ser administrado diurético de alça juntamente com a salina hipertônica. Nesta situação, é necessário avaliar a dosagem do sódio na urina após início do tratamento, para que este sódio seja reposto, ao menos parcialmente. Se a correção do sódio plasmático for menor que a esperada, a infusão deve ser reajustada. 45 Na hiponatremia que ocorre no diabetes, a correção da hiperglicemia fará a água retornar para o interior das células, normalizando a concentração plasmática de sódio. A hiponatremia associada a um excesso de sódio total no organismo ocorre na insuficiência cardíaca, insuficiência renal, cirrose ou síndrome nefrótica. O manejo destes pacientes com excesso de água e sal baseia-se na restrição 126 Metabolismo da Água Quadro 9.10 Diagnóstico diferencial da hipernatremia HIPERNATREMIA AVALIAR VOLEMIA NORMOVOLEMIA – Água corporal total 앗 – Sódio corporal total ↔ HIPOVOLEMIA – Água corporal total 앗앗 – Sódio corporal total 앗 NaU 20 NaU 20 Perda Renal de H2O Na Diurético osmótico de alça Pósdesobstrução Doença renal Perda Extra-renal de H2O Na Sudorese excessiva Queimaduras Diarréia Fístulas NaU variável Perda Renal de H2O D insipidus Hipodipsia Perda Extra-renal de H2O Perda insensível Pele Respiratória HIPERVOLEMIA – Água corporal total 앖 – Sódio corporal total 앖앖 NaU 20 Ganho de Sódio Primário Hiperaldosteronismo S. Cushing Diálise hipertônica Bic. sódio hipertônico Comprimidos de NaCl Adaptado de Schrier, R.W.31 NaU sódio urinário (mEq/L). Quadro 9.11 Diagnóstico diferencial da hiponatremia HIPONATREMIA AVALIAR VOLEMIA HIPOVOLEMIA – Água corporal total 앗 – Sódio total 앗앗 NaU 20 Perda Renal – Diuréticos – Deficiência de mineralocorticóide – Nefrite intersticial crônica – Diurese osmótica Adaptado de Schrier, R.W.31 NaÜ sódio urinário (mEq/L). NaU 20 Perda Extra-renal – Vômitos – Diarréia – Terceiro espaço EUVOLEMIA – Água corporal total 앖 – Sódio total ↔ NaU 20 – Deficiência de glicocorticóide – Hipotireoidismo – Drogas – Estresse – SIHAD HIPERVOLEMIA – Água corporal total 앖앖 – Sódio total 앖 NaU 20 – Insufic. renal aguda ou crônica NaU 20 – Síndrome nefrótica – Cirrose – Insufic. cardíaca 127 capítulo 9 de água e sal e no uso apropriado de diuréticos. Considerar hemodiálise nos casos de concomitante insuficiência cardíaca congestiva ou síndrome nefrótica. O manejo dos pacientes com hiponatremia e depleção do volume extracelular baseia-se na expansão do volume circulante com solução salina isotônica. Os diuréticos, se em uso, deverão ser suspensos, e potássio deverá ser administrado, se houver hipocalemia. No caso da insuficiência de adrenal, deve ser feita a adequada reposição hormonal. Nos pacientes com hiponatremia e sem sinais de alteração do sódio total do organismo, como ocorre na SIHAD e reajuste do osmostato, o manejo básico é a restrição líquida, que geralmente normaliza a concentração plasmática do sódio. Apenas quando há sintomas de intoxicação aquosa, há necessidade de uma correção mais rápida (estupor, coma, convulsões). Em caso de necessidade de uso de solução contendo sódio, considerar que o manejo renal do sódio na SIHAD está intacto, ao contrário da depleção do extracelular, em que o sódio é retido. Isto significa que o sódio administrado será eliminado na urina, e para isso necessitará de um volume de água. Por exemplo, ao se administrar 1 litro de solução salina isotônica (300 mOsm), o sódio será eliminado juntamente com cerca de 500 ml de água. Os 500 ml restantes terminarão por diluir ainda mais o plasma hiponatrêmico. Se for administrada uma solução hipertônica a 3% (1.026 mOsm/L), o sódio será eliminado pela urina, mas para isso necessitando de um volume maior de água, o que produz um balanço negativo de água, colaborando para a correção da hiponatremia. Concluindo, na hiponatremia sintomática da SIHAD a osmolalidade do fluido administrado deve exceder a osmolalidade da urina (que nesta síndrome geralmente é superior a 300 mOsm/L). Portanto, a solução salina é de pouca utilidade nesta situação. Pode haver benefício também na administração de diurético de alça, o qual inibe a reabsorção de cloro no ramo ascendente espesso da alça de Henle, o que interfere com o mecanismo de contracorrente e induz um estado de resistência ao ADH. A demeclociclina e o lítio diminuem a responsividade do túbulo coletor ao HAD e aumentam a excreção de água.62 Para os pacientes hiponatrêmicos com insuficiência cardíaca, cirrose ou SIHAD, uma perspectiva para o futuro é a utilização de um antagonista seletivo dos receptores V2 (antidiuréticos) do HAD, atualmente em fase de testes. Este agente produziria um balanço negativo de água sem produzir mudanças na excreção de sódio e potássio.62,63 Cálculo do Excesso de Água Calcular qual o excesso de água em um paciente de 70 kg, com sódio plasmático de 120 mEq/L. 1.° passo: Calcular qual seria a água total normal deste paciente: 70 kg 60% 42 litros. 2.° passo: Calcular a quantidade de água total que este paciente possui com o sódio em 120 mEq/L. Água atual Água normal Sódio normal Sódio atual 42 140 120 49 litros 3.º passo: Excesso de água: Água atual água normal 49 42 7 litros de excesso de água. Tratamento da Hiponatremia Sintomática A hiponatremia sintomática é uma emergência médica, e muitas vezes os pacientes necessitam de suporte avançado de vida, dada a intensidade do edema cerebral. Os sinais neurológicos e sintomas já foram descritos. Esta síndrome pode ocorrer em qualquer estado hiposmolar, independente do volume extracelular do paciente. Mesmo pacientes com hiponatremia e grave depleção de volume podem desenvolver edema cerebral. Nestas circunstâncias, é necessária correção mais ágil do distúrbio (v. Quadro 9.12). Por isso, a restrição de água não é considerada terapia adequada para a hiponatremia sintomática, uma vez que promove correção lenta do sódio plasmático.45 Nos indivíduos com hiponatremia sintomática, o tratamento de escolha é a administração de solução salina hipertônica (a 3%). O cálculo da quantidade de sódio necessária para elevar a concentração plasmática a um determinado valor é feito com a fórmula a seguir: Na necessário (mEq) Água corporal normal (Na desejado Na atual) Por exemplo, quantos mEq de sódio são necessários para elevar o sódio plasmático de 110 para 120 mEq/L num paciente de 70 kg? Na necessário (mEq) 42 L (120 110) 420 mEq Então, são necessários 420 mEq de sódio. Uma vez que a solução salina a 3% contém aproximadamente 514 mEq de sódio por litro, serão necessários cerca de 800 ml desta solução para atingir o objetivo, o que pode causar sobrecarga de volume, principalmente nos pacientes com baixa reserva cardíaca. Quando a solução salina a 3% não estiver disponível, pode ser preparada a partir da solução salina isotônica a 0,9%, acrescentando 10 ml de cloreto de sódio a 20% para cada 100 ml de salina isotônica. Observe que, no exemplo acima, a correção de 10 mEq estaria dentro do limite de segurança para as 24 horas, mas, na presença de sintomas, a correção inicial pode chegar a 1,5-2 mEq nas primeiras 3-4 horas, até a melhora dos mesmos (v. Quadro 9.12). Este modo de correção não deve ser usado para restaurar o sódio plasmático a níveis normais! A utilização da salina hipertônica visa a melhora dos sintomas neurológicos mais graves. Durante o intervalo em que a correção da hiponatremia sintomática estiver sendo feita, devem ser monitorados os 128 Metabolismo da Água Quadro 9.12 Tratamento da hiponatremia, com base na duração e nos sintomas HIPONATREMIA SINTOMÁTICA AGUDA Solução salina hipertônica 1-2 ml/kg/h Furosemide A correção não deve ultrapassar 2 mEq/L por hora ASSINTOMÁTICA CRÔNICA Solução salina hipertônica 1-2 ml/kg/h Furosemide AGUDA CRÔNICA Restrição de água livre Não é necessária correção imediata A correção não deve ultrapassar 10-12 mEq/dia Baseado em Berl, T.51 eletrólitos plasmáticos, até que o paciente esteja neurologicamente estável.45 Além disso, há necessidade de se monitorar a volemia, se possível com medida da pressão central venosa (considerando suas limitações potenciais) ou pressão em capilar pulmonar com o cateter de SwanGanz. Em 1973, Hantman e colaboradores propuseram o emprego de furosemida no manejo da hiponatremia.64 Isto se aplica sobretudo aos pacientes que não podem tolerar uma expansão do compartimento extracelular. A administração endovenosa de furosemida induz um balanço negativo de água, quando ao mesmo tempo se repõem as perdas eletrolíticas (sódio e potássio) através de uma solução mais concentrada. Os autores propõem a administração inicial de 1 mg/kg de furosemida. A concentração urinária de sódio e potássio é determinada a cada hora, e a quantidade excretada é reposta através de uma solução salina hipertônica (3%) com a quantidade apropriada de potássio. Nesta circunstância, a infusão de salina hipertônica deve ser igual às perdas de sódio, potássio e cloro. O balanço negativo de água assim obtido é a diferença entre o fluxo urinário e a quantidade de solução hipertônica administrada. Doses subseqüentes de furosemida são administradas para manter o balanço líquido negativo. No caso de uma correção muito rápida ocorrer e ser prontamente reconhecida, deve-se suspender temporariamente a correção da hiponatremia e administrar DDAVP para os pacientes com osmolalidade urinária baixa, pois o ADH é suprimido pela hiponatremia. No caso da SIHAD, suspender a salina hipertônica. Os dados obtidos experimentalmente sugerem que o benefício deste tipo de abor- dagem ocorre se o tratamento for iniciado antes do aparecimento de sintomas neurológicos, ou seja, nas primeiras 24 horas. Não há benefício se a desmielinização já se instalou.62 Ritmo de Correção Não se sabe ao certo com que rapidez se deve corrigir uma hiponatremia grave. Em pacientes assintomáticos, considera-se adequado corrigir cerca de 10-12 mEq/dia (0,5 mEq/hora). Já os pacientes sintomáticos necessitam de uma correção mais rápida, com outra estratégia, mas mantendo os limites de segurança. Nos pacientes sintomáticos, com convulsões ou outros sintomas graves, recomenda-se uma correção inicial mais rápida, cerca de 1,5-2 mEq/hora, nas primeiras 3-4 horas, ou até melhora dos sintomas neurológicos. A correção no primeiro dia também não deve ultrapassar 12 mEq. Complicações do Tratamento A adaptação que preserva o volume cerebral na hiponatremia crônica protege contra o aparecimento de edema cerebral, mas cria problemas no momento do tratamento, pois um aumento rápido na concentração de sódio no plasma durante a correção pode levar à mielinólise pontina central (ou desmielinização osmótica). O termo mielinólise pontina central pode não ser o mais adequado, uma vez que a desmielinização é geralmente mais difusa e muitas vezes não envolve a ponte. Estas al- 129 capítulo 9 terações podem ocasionar graves repercussões neurológicas que permanecem transitória ou definitivamente após o tratamento. Na hiponatremia crônica (desenvolve-se em mais de 48 horas) há perda de osmóis intracelulares como proteção contra o edema cerebral. Porém, estes osmóis não podem ser rapidamente repostos quando o cérebro diminui de volume durante a elevação do nível de sódio no sangue. Como resultado, o volume do cérebro diminui durante a correção rápida da hiponatremia. É nas áreas onde o reacúmulo de osmóis é mais lento que as lesões de mielinólise são mais intensas. Um mecanismo possível é que a diminuição de volume dos axônios induzida pela variação osmótica produza a desmielinização pela ruptura de conexões dos axônios com sua bainha de mielina.60 De maneira geral, as manifestações clínicas de desmielinização osmótica ocorrem 2-6 dias após a correção dos níveis de sódio. Os sintomas incluem disartria, disfagia, letargia, paraparesia ou quadriparesia e até coma. Estes sintomas podem não ser reversíveis.62 Evidências demonstram que é a rapidez de correção nas primeiras 24 horas que determina a ocorrência de lesões desmielinizantes. Estas lesões são mais freqüentes quando a correção ultrapassa 20 mEq/dia ou quando o sódio se eleva para mais de 140 mEq/L, e mais raras com correções abaixo de 0,5 mEq/hora ou 10-12 mEq/dia. Lesões desmielinizantes não são vistas quando a correção é mais lenta.62 A tomografia computadorizada e a ressonância magnética detectam as lesões de desmielinização, sendo este último método o preferido.65 Às vezes são necessárias até quatro semanas para as lesões serem detectadas.62 Encontram-se em maior risco para o desenvolvimento da desmielinização osmótica: mulheres na fase pré-menopausa usando tiazídicos, etilistas, desnutridos, queimados, pacientes depletados em potássio e crianças pré-púberes e pacientes em insuficiência respiratória.51,66 Os pacientes psiquiátricos que desenvolvem polidipsia com hiponatremia de modo geral corrigem rapidamente a hiponatremia, sem seqüelas.60,62 Pontos-chave: • O tratamento da hiponatremia depende da gravidade dos sintomas e rapidez de instalação. Os sintomas mais graves decorrem de edema cerebral • A hiponatremia sintomática é corrigida com a administração de solução salina hipertônica a 3% • A correção da hiponatremia sintomática não deve ultrapassar 0,5 mEq/L/hora EXERCÍCIOS 1) Um paciente de 35 anos sofreu trauma cranioencefálico grave e foi internado em coma, escala de Glasgow 5, evoluindo para Glasgow 3. Seu débito urinário nos primeiros dois dias foi de aproximadamente 7 litros/dia. Além de receber 2 litros de solução salina isotônica e 1 litro de solução glicosada a 5% a cada dia, manitol era administrado na dose de 70 ml a cada 8 horas. Seus exames atuais demonstraram: Na 165 mEq/litro. Responda: a) Existe distúrbio hidroeletrolítico? Qual? b) Qual a causa mais provável para o mesmo? c) Como você corrigiria este distúrbio? 2) Para um sódio plasmático de 150 mEq/litro, num paciente de 70 anos de idade, com 60 kg e assintomático, calcule: a) Qual a água normal? b) Qual a água atual? c) Como corrigir este distúrbio? 3) Mulher de 55 anos, usuária de fluoxetina, internada por broncopneumonia. Na admissão, espaço extracelular aparentemente normal, contactuando adequadamente. Na 128 mEq/litro. Durante a internação atual, tornou-se confusa e progressivamente sonolenta. Na 117 mEq/litro. Peso = 55 kg. a) Existe distúrbio hidroeletrolítico? Qual? b) Qual a causa mais provável? c) Como tratar? 4) Homem portador de síndrome nefrótica, em anasarca, internado por tromboflebite em membro inferior. Sem outros sintomas. Peso = 72 kg. Na 125 mEq/L. a) Qual a água normal? b) Qual a água atual? c) Qual o tratamento? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ROSE, B.D.; POST, T.W. Cap. 9A: Water balance and regulation of plasma osmolality. 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ARIEFF, A.L.; AYUS, J.C. Outcome in hyponatremic encephalopathy is unrelated to rate of correction. J. Am. Soc. Nephrol., 10:119A, 1999. ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET http://www.kidneyatlas.org/book1/adk1_01.pdf — Excelente capítulo do Atlas on-line de Doenças Renais de Robert Schrier. Ótimas figuras. http://www.postgradmed.com/issues/2000/05_00/ fall.htm — Artigo interessante sobre hipo- e hipernatremia. http://www.aafp.org/afp/20000615/3623.html — Artigo sobre hipo- e hipernatremia em idosos. http://www.emedicine.com/emerg/topic263.htm — Boa revisão sobre hipernatremia. http://www.emedicine.com/emerg/topic275.htm — Boa revisão sobre hiponatremia. http://www.learndoctor.com/chapterpages/chapter19.htm — Auto-avaliação em metabolismo da água. http://www.swmed.edu/stars/resources/toto.pdf — Grupo de slides muito bons sobre hipernatremia. capítulo 9 http://www.curriculum.som.vcu.edu/m2/renal/ppt/ Homeostasis/ — Grupo de slides sobre distúrbios do metabolismo do sódio e da água. http://www.ndif.org/Translation/jtran-160.html — Resumo de um artigo da Medical Clinics of North America de maio de 1997, pela Nephrogenic Diabetes Insipidus Foundation. RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS OBS.: Nestes exercícios utilizaremos 60% como a percentagem de água em relação ao peso corporal, para homens e mulheres. 1) 35 anos, trauma cranioencefálico, sódio 165 mEq/litro. a) Existe distúrbio hidroeletrolítico? Sim. Qual? Hipernatremia. b) Qual a causa mais provável? Este paciente apresenta pelo menos três causas em potencial para o desenvolvimento de hipernatremia. A primeira é o trauma cranioencefálico, que pode causar dano à secreção ou liberação de HAD, tornando o paciente incapaz de concentrar a urina, o que explicaria a poliúria apresentada. Em segundo lugar, a administração de manitol induz à produção de urina hipotônica. E por último, as perdas de água livre através da respiração e pela urina não estão sendo adequadamente repostas. c) Para corrigir esta hipernatremia, deveria ser reposta uma solução hipotônica. O déficit de água que o paciente apresenta é de: Sódio atual água atual sódio normal água normal Água atual 140 (70 0,6)/165 35,6 litros Déficit de água água atual água normal 35,6 42 6,36 litros Portanto, para que o sódio retorne ao normal (140 mEq/litro), é necessário administrar 6,36 litros de solução salina hipotônica ou SG 5%. A correção não deve ultrapassar 0,5 mEq/litro/hora, em pelo menos 50 horas (a dosagem de sódio está 25 mEq/litro acima do normal; 25 divididos pela taxa de 0,5 50 horas). 131 2) 70 anos de idade, 60 kg, sódio 150 mEq/litro. a) Água normal 60% do peso 60 0,6 36 litros b) Sódio atual água atual sódio normal água normal Água atual 140 36/150 33,6 litros Déficit de água 33,6 36 2,4 litros c) Deve ser administrada solução salina hipotônica (2,4 litros) em 20 horas (a dosagem de sódio está 10 mEq/litro acima do normal; 10 divididos pela taxa de 0,5 20 horas). 3) 55 anos, broncopneumonia. Sódio 117 mEq/litro. a) Trata-se de hiponatremia. b) Existem algumas possibilidades: a primeira é que a paciente tenha uma SIHAD pela broncopneumonia, daí a impossibilidade de eliminar urina diluída. Em segundo lugar, está em uso de fluoxetina, que pode induzir aumento na liberação de HAD. Neste caso, deveria ser cuidadosamente verificado o balanço de fluidos dos dias antecedentes, para excluir a participação de uma reposição excessiva de soro glicosado a 5%. c) Como a paciente tornou-se agudamente sintomática, deve receber solução salina hipertônica (3%). A quantidade de sódio necessária para elevar o sódio plasmático para 125 mEq é: Sódio necessário água corporal normal (sódio desejado atual) Sódio necessário (55 60%) (125 117) 33 8 264 mEq Sabendo que a solução salina hipertônica tem 514 mEq/litro, serão necessários aproximadamente 500 ml desta solução. Nas primeiras 3-4 horas, o ritmo de correção pode ser mais rápido (1,5-2 mEq/hora), e depois manter 0,5 mEq/hora. Observe que em 264 ml desta solução há tanto sódio como em 1.700 ml de salina isotônica. Além de corrigir a hiponatremia sintomática, este sódio também estará provocando expansão do extracelular, com o risco de congestão circulatória. 4) Paciente com síndrome nefrótica, em anasarca. Sódio 125 mEq/ litro. a) Água normal (72 0,6) 43 litros. b) Água atual 43 140/125 48 litros. c) Este paciente apresenta excesso de 5 litros de água e está assintomático. Deve ser restrita a ingestão de água e administrado diurético, pois apresenta extracelular aumentado. Capítulo 10 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema Miguel Carlos Riella, Maria Aparecida Pachaly e Leonardo Vidal Riella INTRODUÇÃO Balanço do sódio RESPOSTA DO RIM ÀS ALTERAÇÕES NA INGESTA DE SÓDIO QUEM PERCEBE E REGULA AS ALTERAÇÕES DO VOLUME EXTRACELULAR? REGULAÇÃO INTRA-RENAL DA EXCREÇÃO DE SÓDIO Fatores derivados do endotélio Prostaglandinas Sistema nervoso simpático Diurese pressórica DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO DO SÓDIO Depleção de sódio ou do volume extracelular Dados laboratoriais Auto-regulação renal Conseqüências da depleção do volume extracelular Filtração glomerular — balanço glomérulo-tubular Tratamento da depleção Reabsorção e propriedades físicas no capilar peritubular Tipo de solução Pressão oncótica peritubular Velocidade de administração Pressão hidrostática no capilar peritubular Volume a ser infundido (grau de depleção) Balanço glomérulo-tubular e fatores humorais intra-renais Reabsorção dependente da velocidade do fluxo de líquido tubular Reabsorção dependente do volume do túbulo proximal TIPOS DE TRANSPORTE DE SÓDIO REABSORÇÃO NOS DIFERENTES SEGMENTOS DO NEFRO Monitorização do tratamento EXCESSO DE VOLUME EXTRACELULAR—EDEMA Fisiopatologia do edema Edema localizado Edema generalizado Fisiopatologia do edema em situações clínicas específicas Insuficiência cardíaca congestiva (ICC) Túbulo contornado proximal (TCP) Cirrose hepática Segmentos delgados da alça de Henle Síndrome nefrótica Segmento ascendente espesso da alça de Henle Glomerulonefrite aguda (segmento diluidor) Túbulo contornado distal (TCD) Ducto coletor OUTROS FATORES QUE REGULAM A EXCREÇÃO DE SÓDIO Redistribuição do filtrado glomerular Angiotensina II Edema observado em mulheres Causas diversas de edema Princípios gerais no tratamento do edema Tratamento da doença básica Adequação da ingesta de sal e água Mobilização do edema Indução de balanço negativo de sódio Aldosterona EXERCÍCIOS Fatores físicos e volume do espaço extracelular REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Hormônio natriurético ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET Fator natriurético atrial (FNA) RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS 133 capítulo 10 INTRODUÇÃO O sódio é o íon mais abundante do compartimento extracelular, e a quantidade de sódio neste compartimento é que determina o seu volume. O sódio e seus dois principais ânions, o cloro e o bicarbonato, constituem 90% ou mais da quantidade de soluto no líquido extracelular. Por outro lado, a quantidade de sódio no líquido intracelular é pequena, devido a mecanismos que ativamente eliminam o sódio das células. A concentração de solutos é a mesma nos compartimentos intra e extracelular devido à livre movimentação da água pelas membranas celulares, em resposta a um gradiente osmótico. Portanto, se há retenção de sódio no líquido extracelular, a pressão osmótica deste compartimento aumenta e a água intracelular move-se para o compartimento extracelular até que haja equilíbrio osmótico. A hiperosmolalidade do líquido extracelular também pode estimular a sede e a liberação do hormônio antidiurético, ambos determinando um balanço positivo de água. Então, o resultado final de um aumento de sódio no líquido extracelular é um aumento do volume extracelular. Da mesma forma, uma diminuição da quantidade de sódio no líquido extracelular determina uma redução do volume extracelular. Tudo indica, portanto, que o sistema que controla o balanço de sódio faz parte integrante do sistema que controla o volume extracelular. Tendo em vista que a maior parte do volume líquido extracelular corresponde à água, seria legítimo supor que a regulação daquele volume fosse realizada por intermédio dos mecanismos que controlam o balanço de água.1 No entanto, as alterações na liberação de HAD e na excreção de água são mediadas principalmente pela tonicidade dos líquidos no organismo, a qual é controlada pelo sistema osmorregulador e não pelo sistema de controle do volume extracelular. Desde que o balanço de sódio é preservado, o controle da tonicidade serve para manter o volume de líquido extracelular constante. Contudo, em algumas situações, a excreção de água é regulada primariamente pelo volume e não pela tonicidade. Isto ocorre, por exemplo, quando há uma intensa contração do volume extracelular. Neste caso, a água é continuamente reabsorvida (apesar da hipotonicidade que se estabelece), na tentativa de restaurar o volume extracelular. Nesta situação, a regulação do volume tem preferência sobre a osmorregulação. Num indivíduo normal, o volume de líquido extracelular e o balanço de sódio variam dentro de limites estreitos, mesmo em face de grandes variações na ingesta e excreção renal de água e sal. E é o rim que mantém o volume extracelular constante, modulando a excreção de sódio. Assim, qualquer distúrbio que reduza o volume do compartimento extracelular é acompanhado por uma redução da excreção de sódio, enquanto um aumento de volume do compartimento extracelular determina aumento na excreção de sódio. Se determinarmos a osmolalidade plasmática ou sérica, teremos a relação da soma dos solutos osmoticamente ativos (intra e extracelulares) com o volume de água nestes compartimentos. Como o sódio é o principal soluto no líquido extracelular, a concentração do sódio no plasma ou soro indica a relação existente entre a quantidade total de soluto e água no organismo. Normalmente, a excreção de sódio na urina não depende da concentração plasmática de sódio, e vários experimentos demonstram isto. Por exemplo, quando se expande o volume extracelular com solução salina isotônica, a excreção urinária de sódio aumenta. Da mesma forma, a ingestão de água, combinada à administração de vasopressina, causa retenção de água que, eventualmente, acarreta expansão do volume extracelular. Com o volume extracelular expandido, há aumento na excreção urinária de sódio, apesar da hiponatremia causada pela administração simultânea de água e vasopressina. Um outro exemplo é a situação em que o organismo só perde água, o que causa diminuição do volume extracelular e, conseqüentemente, diminuição da excreção urinária de sódio, apesar da hipernatremia. Balanço do Sódio A ingestão média de cloreto de sódio em um adulto normal é de 7 g ou 150 mEq por dia.1 Para manter o equilíbrio, a mesma quantidade deve ser excretada.2 Ao contrário da água, cuja ingestão é controlada pela sede, não existe no ser humano um apetite específico para sódio. Uma vez absorvido, o íon sódio distribui-se no organismo da seguinte maneira: 45% para o líquido extracelular, 7% para o líquido intracelular e 48% para o esqueleto. O sódio do esqueleto se apresenta sob duas formas: permutável (50%) e não-permutável (50%). Esta divisão é baseada na maior ou menor facilidade com que o sódio se liberta do osso para a circulação. O sódio não-permutável integra áreas firmemente mineralizadas, sendo menos acessível à circulação e, portanto, dificilmente se liberta do esqueleto. O sódio permutável pode libertarse do osso em condições especiais como a acidose metabólica, onde o carbonato de sódio dos cristais depositados na matriz óssea neutraliza o íon H⫹, trocando-o pelo sódio.1 A concentração plasmática de sódio está entre 135 e 145 mEq/L, sendo a concentração intracelular em torno de 10% da concentração plasmática. O sódio é eliminado do organismo na urina, fezes e suor. Para efeito de balanço, o que importa é a excreção urinária de sódio. A eliminação pelo suor adquire importância somente em casos de sudorese profusa, pois a concentração de sódio no suor é baixa. Da mesma forma, diarréias graves podem determinar perdas consideráveis de sódio nas fezes. 134 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema RESPOSTA DO RIM ÀS ALTERAÇÕES NA INGESTA DE SÓDIO Quando se altera a ingesta de sódio, a adaptação na excreção renal de sódio é lenta, podendo levar muitos dias para que se iguale à ingesta.3 Observem na Fig. 10.1 que, quando a ingestão de NaCl aumenta, apenas uma parte deste incremento é eliminada no primeiro dia. O restante é retido, juntamente com água, resultando numa expansão do volume extracelular. A expansão do volume extracelular estimula progressivamente um aumento na excreção de sódio, até que a quantidade excretada se iguale à ingerida. Por outro lado, se a ingesta de sódio for reduzida abruptamente, levará muitos dias para que a excreção de sódio seja reduzida a uma quantidade igual à ingesta. O mecanismo pelo qual alterações no volume extracelular modificam a excreção de sódio não está totalmente esclarecido e será abordado a seguir. Normalmente, a quantidade de sódio excretado na urina está em torno de 0,5% da quantidade filtrada pelo rim. Na Fig. 10.2, um único nefro representa a função total de ambos os rins. Considerando uma filtração glomerular de 125 ml/min e um sódio plasmático de 140 mEq/L, o sódio total filtrado por dia será de 25.200 mEq. Aproximadamente 67% do sódio filtrado são reabsorvidos no túbulo contornado proximal e 10% na parte reta do túbulo proximal. Isto significa que a reabsorção proximal de sódio está em torno de 80% da carga filtrada, enquanto 20% do sódio filtrado são reabsorvidos em segmentos distais ao túbulo proximal. RFG ⫽ 125 ml/min = 180 L/DIA PNa⫹ ⫽ 140 mEq/L UNa⫹ ⫽ 100 mEq/L Fig. 10.2 Filtração e excreção diária de sódio num adulto normal. No diagrama, o nefro representa toda a população de nefros de ambos os rins. Observe que cerca de 80% do sódio filtrado são reabsorvidos no nefro proximal e que no final apenas 0,6% da carga filtrada aparece na urina. Observe, também, que a quantidade excretada é mais ou menos igual à quantidade ingerida, o que indica que há um balanço. (Baseado na concepção de Valtin, H. 53) Considerando-se um fluxo urinário normal de 1 ml por minuto (1.440 minutos em 24 horas), o volume urinário estará em torno de 1.500 ml. Se a concentração urinária de sódio for de 100 mEq/L, a excreção urinária diária de sódio será em torno de 150 mEq ou 0,6% do sódio total filtrado. Fig. 10.1 Balanço de sódio no homem. Observe que, quando a ingesta de sódio é subitamente elevada, apenas cerca da metade do incremento aparece na urina no primeiro dia. O restante do incremento fica retido no organismo e aumenta o volume de líquido extracelular, que se traduz por um aumento do peso. Nos dias subseqüentes, uma fração menor de sódio é retida, e a excreção de sódio aumenta progressivamente, até que em três a cinco dias a excreção se iguala à ingestão. O estímulo para o aumento na excreção de sódio se deve à expansão do volume extracelular. Observe também que, quando se reduz abruptamente a ingesta, a diminuição na excreção de sódio é também gradual e os mesmos mecanismos operam, só que de maneira inversa. (Obtido de Earley, L.E.3) capítulo 10 Pelo exposto, poderíamos deduzir que uma alteração da filtração glomerular ou da reabsorção tubular de sódio pode comprometer o balanço de sódio e, conseqüentemente, o volume dos compartimentos líquidos do organismo. Pontos-chave: • A concentração plasmática de sódio é de 135-145 mEq/L • A adaptação renal às variações na ingesta de sódio é lenta • A excreção urinária diária de sódio deve equilibrar-se com a ingesta • Apenas 0,6% de todo o sódio filtrado é eliminado na urina QUEM PERCEBE E REGULA AS ALTERAÇÕES DO VOLUME EXTRACELULAR? A homeostase dos fluidos é essencial para a manutenção da estabilidade circulatória. Pequenas modificações no volume extracelular devem ser prontamente identificadas e corrigidas, para que o equilíbrio seja mantido.4 Existem estruturas no organismo que agem como receptores de volume, e, através de mecanismos nervosos, humorais e hormonais, provocam adaptações funcionais em vários órgãos e fornecem aos rins os elementos para correção dos desvios no volume extracelular1 (Quadro 10.1). Por exemplo, a expansão de volume ativa uma seqüência de sinais provenientes de vários destes receptores, aumentando a excreção de sódio. Ao contrário, a resposta à depleção de volume é a conservação renal de sal e água.4 A redistribuição interna do volume intravascular, mesmo sem mudança no volume circulante, provoca alteração na excreção de sódio. Por exemplo, quando um indivíduo se deita, a excreção de sódio aumenta, e, quando fica de Quadro 10.1 Receptores mecânicos sensíveis a alterações regionais da volemia Receptores de volume intratorácicos Aurículas Ventrículo direito Capilares pulmonares Receptores de volume no sistema arterial Artérias carótidas Arco aórtico Receptores de volume no rim Receptores de volume no sistema nervoso central Receptores de volume no fígado 135 pé, a excreção de sódio diminui.3 Isto significa que a postura influi sobre a excreção de sódio. Epstein e cols. verificaram que, quando se comprimia externamente uma fístula arteriovenosa grande, a excreção de sódio na urina aumentava.5 No caso da fístula arteriovenosa, a compressão externa impede a passagem do sangue arterial para o sistema venoso, causando aumento do volume arterial efetivo. Isto sugere que o volume arterial efetivo exerce controle sobre o volume extracelular. Há receptores de volume no leito vascular venoso e pulmonar (intratorácicos),6 capazes de perceber reduções no retorno venoso e ativar uma diminuição na excreção urinária de sal. Isto ocorre, por exemplo, quando o indivíduo fica muito tempo em pé, quando se aplicam torniquetes nas pernas ou em indivíduos em ventilação com pressão positiva. De modo inverso, o aumento do retorno venoso torácico aumenta a excreção urinária de sódio, como se observa em indivíduos em decúbito dorsal. O tônus simpático e a secreção de adrenalina e noradrenalina são ativados quando existe queda no débito cardíaco ou queda de pressão arterial. Esta redução na pressão ativa os receptores cardíacos e arteriais, aumentando as descargas em tronco cerebral que aumentam o tônus simpático, iniciando eventos que levam à normalização da perfusão, entre eles um aumento da reabsorção tubular de sódio.7 Talvez a demonstração mais convincente da influência da volemia intratorácica e receptores cardiopulmonares na natriurese derive de estudos com indivíduos normais imersos em água até o pescoço. A pressão hidrostática do líquido de imersão ocasiona a redistribuição do fluido intravascular e do interstício dos membros inferiores para o tórax. O conseqüente aumento no volume circulante central provoca natriurese e aumento da diurese. Resposta similar é obtida em pacientes cirróticos, que excretam pouco sódio em condições basais.7 Foram identificados receptores de volume localizados nos átrios, seio carotídeo e arco aórtico. Quando existe queda na pressão arterial ou débito cardíaco, o tônus simpático e a secreção de adrenalina e noradrenalina são ativados por estes receptores, iniciando eventos que levam à normalização da perfusão, entre eles aumento da reabsorção tubular de sódio.7 Além disso, estes receptores estão associados ao controle da liberação de HAD (v. Cap. 9). A liberação de HAD e a sede, mecanismos de restauração do déficit de água, podem também ser estimulados por aumento da osmolalidade plasmática e pela contração isosmótica do volume extracelular (através do sistema reninaangiotensina). O rim percebe alterações no volume e na pressão intravascular através de um sistema barorreceptor localizado no aparelho justaglomerular da arteríola aferente e células da mácula densa no túbulo distal (v. Cap. 7). Estes receptores influenciam a atividade do sistema renina-angiotensina-aldosterona, endotelina e óxido nítrico.7 Uma re- 136 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema dução na pressão de perfusão renal promove liberação de renina do aparelho justaglomerular, com formação de angiotensina II, liberação de aldosterona e retenção de sódio. A administração de soluções distintas causa diferentes taxas de excreção de sódio. Uma expansão do compartimento intravascular com a administração de plasma ou sangue, por exemplo, causa natriurese menos significativa do que a obtida com quantidades equivalentes de solução salina isotônica. Todavia, a administração de uma solução hipertônica de albumina expande o intravascular e contrai o compartimento intersticial, podendo não modificar a excreção de sódio. Isto indica que outros estímulos, além da expansão absoluta do volume extracelular, são importantes na excreção de sódio.3 Há sugestões de que o fígado também possua receptores especiais e participe da regulação da excreção de água e sal. Estudos demonstraram que a infusão de solução salina isotônica ou hipertônica no sistema porta causa uma natriurese mais significativa do que se a mesma solução fosse infundida numa veia sistêmica.8 Pontos-chave: • O sódio é o principal cátion do extracelular • A quantidade de sódio no organismo determina o volume do espaço extracelular • Para manter a estabilidade circulatória, o volume extracelular deve ser adequadamente controlado • Os sensores de volume e pressão desencadeiam mecanismos de regulação do extracelular, aumentando ou diminuindo a excreção de sódio REGULAÇÃO INTRA-RENAL DA EXCREÇÃO DE SÓDIO Num indivíduo sadio a quantidade reabsorvida de sódio é superior a 99% da quantidade filtrada. Como a quantidade filtrada excede em muito a excretada, torna-se claro que o rim deve possuir um sistema de conservação de sódio altamente desenvolvido. Auto-regulação Renal Vários mecanismos mantêm a quantidade de sódio filtrada relativamente constante. Os rins são capazes de manter a taxa de filtração glomerular constante, mesmo que haja amplas variações da pressão de perfusão renal. Este fenômeno é chamado auto-regulação renal. Respostas na musculatura lisa das arteríolas aferentes ocorrem em direta proporção com mudanças na pressão de perfusão re- nal, mantendo estáveis o fluxo sanguíneo renal, TFG e sódio filtrado.9 Porém, somente modificações na TFG não são suficientes para explicar os ajustes na excreção de sódio.4 Filtração Glomerular — Balanço Glomérulo-tubular Observou-se que uma diminuição da filtração glomerular, causada por hemorragia ou constrição da artéria renal, diminuía a excreção de sódio. Já um aumento na filtração glomerular causado pela administração de solução salina era acompanhada por aumento na excreção de sódio. Portanto, estes estudos demonstravam um paralelo entre filtração glomerular e excreção de sódio. Entretanto, De Wardener10 e outros investigadores demonstraram que o aumento na excreção de sódio que ocorre com a expansão do volume extracelular permanece mesmo quando se reduz a filtração glomerular e conseqüentemente a quantidade de sódio filtrada. Por outro lado, ao se produzir um aumento na filtração glomerular, mas sem expandir o volume extracelular, a excreção de sódio permanece inalterada ou aumenta muito pouco. Isto tudo indica que as alterações na filtração glomerular não são essenciais para o rim regular o volume extracelular.6 O ponto principal na regulação do equilíbrio de sódio é o controle de sua reabsorção,2 como veremos a seguir. Numerosas investigações demonstraram que alterações na filtração glomerular são acompanhadas por alterações proporcionais na reabsorção de líquido no túbulo proximal, de modo que a fração do volume filtrado que é reabsorvida pelo túbulo proximal permanece mais ou menos constante.1 Normalmente, 80% do filtrado glomerular são reabsorvidos pelo túbulo proximal. O fenômeno pelo qual alterações na taxa de filtração glomerular se acompanham de modificações correspondentes na reabsorção tubular de sódio é chamado de balanço glomérulo-tubular (v. Quadro 10.2).1,2 Este balanço evita alterações excessivas na excreção de sódio quando a filtração é abruptamente aumentada ou diminuída. Os principais mecanismos responsáveis pelo balanço glomérulo-tubular são: pressão oncótica e hidrostática peritubu- Quadro 10.2 Balanço glomérulo-tubular Filtração Glomerular (ml/min) 150 100 50 Reabsorção Proximal (ml/min) Fração de Volume não Reabsorção Reabsorvido (%) (ml/min) 120 80 40 Obtido de Malnic, G. e Marcondes, M.1 80 80 80 30 20 10 capítulo 10 lares, fatores humorais intra-renais, velocidade do fluxo tubular e volume do túbulo proximal.11 Estes mecanismos são descritos a seguir. Reabsorção e Propriedades Físicas no Capilar Peritubular PRESSÃO ONCÓTICA PERITUBULAR Alterações na concentração de albumina e pressão oncótica nos capilares peritubulares afetam o movimento transtubular de sódio. A concentração de albumina no capilar peritubular é determinada pela concentração plasmática de albumina na arteríola eferente e pela fração de filtração (porção do fluxo plasmático renal que é filtrada). Portanto, um aumento no ritmo de filtração glomerular aumenta a fração de filtração, formando o ultrafiltrado (plasma sem proteínas), retirando água e eletrólitos do capilar glomerular e aumentando a concentração relativa de albumina no capilar peritubular. Este aumento da pressão oncótica favorece a reabsorção de sal e água. A diminuição da filtração glomerular tem efeito oposto. Brenner e cols. demonstraram que a diminuição da reabsorção de sódio no túbulo proximal, que ocorre durante a expansão do volume extracelular com solução salina isotônica, é decorrente da diminuição da pressão oncótica do capilar peritubular. Quando os autores perfundiam o capilar peritubular com uma solução de albumina, normalizando a pressão oncótica, a inibição da reabsorção de sódio era corrigida.12,13 PRESSÃO HIDROSTÁTICA NO CAPILAR PERITUBULAR Earley e cols. sugeriram que alterações na pressão hidrostática do capilar peritubular seriam responsáveis por modificações na reabsorção de sal e água.14 Um aumento da pressão capilar peritubular causaria natriurese, e a diminuição da pressão capilar teria um efeito oposto. O mesmo grupo de investigadores demonstrou que a natriurese induzida por aumento na pressão hidrostática do capilar peritubular poderia ser inibida por um aumento da pressão oncótica do plasma. Estas observações levaram o grupo a postular que o ritmo de reabsorção de sódio pode ser influenciado pelo balanço das forças de Starling (v. Cap. 8). Existem importantes diferenças no movimento transcapilar de líquido entre os capilares periféricos, glomerulares e peritubulares. As forças de Starling que norteiam a troca de líquido no capilar periférico já foram abordadas no Cap. 8, enquanto as forças que governam a filtração glomerular foram abordadas no Cap. 3. No capilar peritubular são muito distintas as forças responsáveis pela troca de líquido. A arteríola eferente, funcionando como um vaso de resistência, contribui para a redução da pressão hidrostática entre o glomérulo e o capilar peritubular. Além do mais, como o capilar peritubu- 137 lar recebe sangue do glomérulo, a pressão oncótica plasmática é alta no início do capilar devido ao ultrafiltrado glomerular (líquido sem proteína). Logo, quanto maior for o ritmo de filtração glomerular em relação ao fluxo plasmático (fração de filtração), maior será a concentração protéica na arteríola eferente. Assim sendo, ao contrário do capilar periférico e glomerular, o capilar peritubular é caracterizado por valores elevados de pressão oncótica que em muito excedem a pressão hidrostática, resultando em absorção de líquido. Apesar de a pressão oncótica no capilar peritubular diminuir ao longo do capilar, à medida que o líquido é reabsorvido, esta pressão permanece maior que a pressão hidráulica. BALANÇO GLOMÉRULO-TUBULAR E FATORES HUMORAIS INTRA-RENAIS A participação de um fator luminal na reabsorção de sódio foi sugerida por Leyssac.15 Segundo este autor, um aumento na reabsorção tubular proximal reduz a pressão intraluminal e, conseqüentemente, aumenta as forças que promovem a filtração glomerular. Um maior ritmo de filtração glomerular aumenta a quantidade de líquido ofertado ao túbulo proximal, restaurando o balanço glomérulo-tubular. Uma diminuição na reabsorção tubular aumentaria a pressão intraluminal, a qual diminuiria a filtração glomerular. Thuray e Schnermann, por sua vez, propuseram um mecanismo diferente para explicar a relação entre a filtração glomerular e a reabsorção tubular de sódio.16 Segundo estes autores, a quantidade de sódio que atinge a mácula densa do nefro pode, por um mecanismo de feedback (controle retrógrado), controlar a filtração glomerular deste nefro, através da liberação local de renina e geração de angiotensina II, que é um potente constritor de músculo liso. Um aumento na filtração glomerular aumenta a quantidade de sal e água que chega à mácula densa. Isto promove a liberação de renina e formação de angiotensina II. A angiotensina II causa constrição da arteríola aferente, diminuindo a filtração glomerular e restaurando, assim, o balanço glomérulo-tubular. Uma redução da filtração glomerular resulta em diminuição da quantidade de sal e água que atinge a mácula densa, havendo então redução na liberação de renina. Com isso, menos angiotensina II é formada, resultando em vasodilatação da arteríola aferente, o que causa aumento na filtração glomerular. Posteriormente, os mesmos autores concluíram que não era a concentração de sódio intraluminal na mácula densa que daria o sinal para liberação de renina, e sim a quantidade de sódio transportada pelas células da mácula densa e que entraria em operação somente quando houvesse aumento no transporte de sódio a esse nível. No entanto, até o momento esta teoria é conflitante e talvez não tenha participação na regulação da filtração glomerular em condições fisiológicas. 138 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema REABSORÇÃO DEPENDENTE DA VELOCIDADE DO FLUXO DE LÍQUIDO TUBULAR Alguns estudos mostram que a reabsorção de líquido é maior no segmento inicial do túbulo contornado proximal do que nos segmentos mais distais. Postulou-se, então, que o acúmulo de um soluto pouco reabsorvível nos segmentos iniciais do túbulo contornado proximal (acúmulo devido à reabsorção de água, que progressivamente concentra este soluto) inibiria a reabsorção de sal nos segmentos mais distais. Entretanto, túbulos isolados e perfundidos in vitro não exibiram esta característica de reabsorção aumentada no segmento inicial do túbulo contornado proximal (TCP). Mas, quando o líquido perfundido utilizado foi um ultrafiltrado do plasma, esta relação entre fluxo e reabsorção de sódio foi novamente detectada.17 A conclusão é de que esta relação fluxo/reabsorção ainda padece de demonstração mais convincente. REABSORÇÃO DEPENDENTE DO VOLUME DO TÚBULO PROXIMAL Esta teoria propõe que o ritmo de absorção de líquido do túbulo proximal é diretamente proporcional ao volume tubular. Segundo os proponentes desta teoria, a variação do volume tubular é importante, pois expõe o filtrado glomerular a uma maior ou menor área de reabsorção e permite um maior tempo de contato do líquido intratubular com as paredes do túbulo proximal.18 Assim sendo, um aumento na filtração glomerular proporciona um volume maior de filtrado e, conseqüentemente, maior volume tubular, que se acompanha de aumento na sua capacidade de reabsorção. Uma redução da filtração glomerular reduz o volume de filtrado, e, portanto, o volume tubular, reduzindo a capacidade reabsortiva. Em face de outras investigações, que concluíram que o volume tubular não é fator importante no balanço glomérulo-tubular, a hipótese original não é por todos aceita. Em resumo, pode-se afirmar que alterações na filtração glomerular podem ou não ser acompanhadas de alterações na excreção de sódio. Tudo depende de como se alterou a Pontos-chave: • O ponto principal na regulação do balanço do sódio é o controle de sua reabsorção • Balanço glomérulo-tubular: é um mecanismo de ajuste na reabsorção de sódio pelos túbulos, de acordo com a filtração glomerular • Variações nas pressões oncótica e hidrostática peritubulares, pressão e volume tubulares e fatores hormonais afetam a excreção de sódio filtração glomerular. Se o volume extracelular não é alterado, um aumento na filtração glomerular acompanha-se de pouco ou nenhum aumento na excreção de sódio. Por outro lado, uma expansão do volume extracelular sempre causa aumento na excreção de sódio, mesmo que não se reduza a filtração glomerular. Atualmente, vários investigadores têm tentado esclarecer o papel destes fatores na reabsorção distal de sódio. Alguns estudos sugerem que as alterações nas forças de Starling são também capazes de alterar a reabsorção de sódio no nefro distal. TIPOS DE TRANSPORTE DE SÓDIO O transporte ativo de Na⫹ através de tecidos epiteliais é o processo fisiológico primário responsável pela manutenção do balanço de sal em vertebrados. O conhecimento que se tem sobre o transporte tubular de sódio deve-se ao estudo de segmentos isolados do nefro através da técnica de micropunção em animais como o rato (Quadro 10.3). Nesta técnica, obtêm-se amostras do líquido tubular através de micropipetas. Além disto, os segmentos do nefro podem ser isolados e perfundidos in vitro, observando-se sua função. Mais recentemente, a evolução das técnicas de micropunção (patch-clamp) e a biologia molecular trouxeram grandes progressos no entendimento do transporte de íons e solutos através de membranas biológicas. Pela técnica patch-clamp uma pipeta cheia de líquido é colocada contra a superfície da célula e leve sucção é aplicada, permitindo o estudo do movimento de íons pelos canais existentes nesta área. É possível até mesmo obter dados de um único canal e saber quanto tempo permanece aberto ou fechado (gating). Os mecanismos de entrada de sódio nas células tubulares são: a) Via canais de sódio: Esta entrada é característica do túbulo distal (contornado) e ducto coletor, e ocorre pela membrana apical. Estes canais são especificamente bloqueados pelo diurético amiloride. b) Acoplada ao movimento de outros íons ou solutos: Estes sistemas de co-transporte são encontrados em todo o nefro e são as vias predominantes de transporte apical de Na⫹ no túbulo proximal e ramo espesso ascendente da alça de Henle. Os sistemas de co-transporte são classificados em symporters ou antiporters. Os symporters operam o movimento de Na⫹ e o íon ou soluto acoplado na mesma direção. Por exemplo, o transportador de Na⫹/glicose, em que ambos são transportados para dentro da célula. Já os antiporters trocam o Na⫹ por outro íon ou soluto. Um exemplo de sistema antiporter é o co-transporte de Na⫹/H⫹. 139 capítulo 10 Quadro 10.3 Transporte de NaCl e permeabilidade de diferentes segmentos do nefro a H2O e NaCl Permeabilidade PROXIMAL Contornado Pars recta SEGMENTO DELGADO ALÇA DE HENLE Descendente Ascendente DISTAL Segmento diluidor Contornado SEGMENTO COLETOR Ducto coletor Ducto papilar Absorção Ativa H2O NaCl Na⫹ Na⫹ ⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹ Nenhuma Nenhuma ⫹⫹⫹⫹ ⫾ ⫹ ⫹⫹⫹⫹ Cl⫺ Na⫹ ± ⫾ ⫹⫹⫹ ⫹ Na⫹ Na⫹ ± HAD ⫹⫹⫹ ⫾ ⫹ ⫹ Modificado de Burg, M.B.19 c) Transporte pela via paracelular: Além dos mecanismos acima, no tecido epitelial tubular há uma via adicional para o movimento de íons entre células através das tight junctions; esta via é conhecida como via paracelular. O transporte paracelular é passivo e depende da magnitude e direção de gradientes químicos e elétricos transepiteliais. REABSORÇÃO NOS DIFERENTES SEGMENTOS DO NEFRO Túbulo Contornado Proximal (TCP) O túbulo proximal é constituído por um segmento contornado proximal e uma parte reta (pars recta). Cada célula do túbulo proximal possui uma membrana luminal (apical) e uma membrana peritubular (basolateral). As células adjacentes estão ligadas no bordo apical por uma estrutura denominada zonula occludens ou tight junction (Fig. 10.5) (v. Cap. 1). O transporte realizado através da membrana apical é chamado de transcelular, e o realizado através da membrana basolateral é chamado paracelular. A permeabilidade do túbulo proximal a água, sódio e cloro é muito alta. Cerca de 67% do sódio filtrado são reabsorvidos no túbulo contornado proximal e 10% na pars recta. A reabsorção de líquido no túbulo proximal é isosmótica, isto é, mesmo após a reabsorção de 2/3 do líquido filtrado, o líquido remanescente no lúmen do túbulo proximal tem a mesma osmolalidade do plasma. Portanto, a concentração do sódio em condições normais permanece constante em toda a extensão do túbulo proximal. A reabsorção de líquido está acoplada ao transporte ativo de sódio. Isto significa que, se o sódio é substituído por outro cátion, a reabsorção de líquido cessa.19 O principal ânion que acompanha a reabsorção do sódio neste segmento é o bicarbonato. Além do sódio e bicarbonato, a glicose, aminoácidos e outros substratos orgânicos como o lactato são reabsorvidos neste segmento. Observa-se também aqui que, se estes substratos são retirados do líquido tubular, a reabsorção diminui.19 Na porção inicial do túbulo proximal (S1) o sódio é reabsorvido junto com o HCO3⫺ e com vários solutos orgânicos, como glicose e aminoácidos. Como resultado desta reabsorção preferencial de ânions não-cloro, a concentração luminal de cloro aumenta. Nas outras porções do túbulo proximal (S2 e S3) a reabsorção de Na⫹e Cl⫺ é acoplada. A membrana apical das células S1 contém um sistema de co-transporte para açúcares acoplado ao sódio. O symporter Na/glicose transporta um Na⫹ junto com uma molécula de glicose. Há também sistemas de transporte acoplados ao Na⫹ para aminoácidos, ácidos orgânicos e íons inorgânicos, como fosfato e sulfato. Como já frisamos, uma grande parte do Na⫹ é reabsorvida durante o processo de “resgate” do HCO3⫺ filtrado. Isto ocorre devido à atividade do antiporter Na⫹/H⫹ na membrana apical da célula. A entrada de Na⫹ na célula, favorecida pelo gradiente eletroquímico, gera uma força secundária para o transporte de H⫹ para o lúmen (secreção), o qual vai titular o HCO3⫺, gerando CO2 e H2O. Esta interação entre os substratos orgânicos (glicose, aminoácidos) e o sódio também é encontrada no intestino delgado, onde o transporte ativo destes substratos aumenta a entrada de sódio nas células absortivas do intestino. Com o transporte de sódio, há um transporte adicional de ânions e líquido. Este mecanismo tem sido aproveitado na prática no manejo de pacientes portadores de cólera.20 Na cólera, a diarréia é profusa, e grandes quantidades de líquidos e eletrólitos precisam ser administradas. Natural- 140 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema mente a via oral é mais prática e mais econômica. No entanto, a administração de uma solução de água e eletrólitos acompanha-se de uma reabsorção intestinal pequena, insuficiente para corrigir as perdas. No entanto, se a solução eletrolítica contiver glicose, ocorre aumento na reabsorção intestinal de sódio e, conseqüentemente, de outros ânions e líquido. Do total de NaCl reabsorvido, estima-se que 2/3 movem-se pela via transcelular e 1/3 pela via paracelular. Como a concentração intracelular de sódio é baixa, a entrada de sódio do lúmen para a célula depende de um gradiente eletroquímico. Já a principal via de saída do Na⫹ da célula é pela membrana basolateral, através da Na,K-ATPase. Além disto, o Na⫹ sai através do symporter 1 Na⫹/3HCO3⫺. O transporte de sódio para fora da célula é ativo (Fig. 10.4). O transporte paracelular de NaCl é passivo. É movido por gradientes químicos e elétricos transepiteliais (transporte difuso) ou por fluxo de líquido através do epitélio (transporte convectivo ou solvent drag effect — efeito arrastão). A via paracelular tem uma alta permeabilidade a NaCl e água. Já mencionamos também que a composição do líquido tubular é diferente nas porções iniciais e finais do túbulo proximal. Assim, no segmento inicial do TP há uma queda dramática na concentração de HCO3⫺, glicose e aminoácidos, e um aumento concomitante no cloreto. Na parte final do TP este cloreto se difunde para o interstício passivamente e a geração de voltagem proporciona a força para a reabsorção difusa de Na⫹. A reabsorção de água pelo TP proporciona um mecanismo adicional para o transporte paracelular de NaCl. Com a reabsorção de solutos, o líquido luminal fica um pouco hipotônico em relação ao interstício. Este pequeno gradiente osmótico é suficiente para causar a reabsorção de grande quantidade de água e junto levar o NaCl pelo efeito de arrasto. O sódio parece entrar na célula passivamente, através da membrana apical, e é transportado para o espaço intercelular. Isto causa aumento na concentração (osmolalidade) no espaço intercelular, o que atrai água passivamente devido ao gradiente osmótico. Com a chegada de água, a pressão hidrostática aumenta no espaço intercelular e o líquido é forçado a sair através da membrana basal (Fig. 10.5). Portanto, a pressão hidrostática elevada do espaço intercelular cria um gradiente de pressão entre este espaço e o interstício, fazendo com que este líquido passe para o interstício. Daí para o capilar, há um outro gradiente de pressão determinado pela pressão hidrostática intracapilar (que favorece a saída de líquido) e pela pressão oncótica do plasma (que se opõe à filtração do líquido). Os solutos orgânicos transportados para o espaço intercelular aumentam a osmolalidade, explicando em parte por que eles, quando presentes no líquido tubular, aumentam a reabsorção de líquido. Naturalmente, o líquido tubular contém vários íons e o movimento de sódio altera o ritmo de absorção destes íons. Quando Fig. 10.3 Repercussões sobre a excreção urinária de sódio quando se aumenta o ritmo de filtração glomerular, com ou sem expansão simultânea do volume extracelular, através de solução salina isotônica e hormônio da paratireóide (PTH), respectivamente. Observe que, quando se administra PTH, a carga filtrada de sódio (CFNa) aumenta aproximadamente 6.000 mEq/min, enquanto a excreção de sódio (UNaV) aumenta somente 100 mEq/ min. Durante a expansão do volume, a CFNa aumentou 1.200 mEq/min com uma natriurese significativa (1.600 mEq/min). (Obtido de Slatopolski, E. e col.54) o ambiente hiperosmolar do espaço intercelular criado pela reabsorção ativa de sódio atrai água, também atrai outros solutos. (efeito arrastão). Isto explica por que, quando se expande o volume extracelular e se reduz a reabsorção proximal de sal e água, também se percebe diminuição na reabsorção de potássio, cloro, bicarbonato, cálcio e fosfato. O balanço dos gradientes de pressão oncótica e hidrostática é que determina a força que move o líquido do interstício para o capilar peritubular. Se a pressão hidrostática aumentar, ou a pressão oncótica diminuir, menos líquido passará do interstício para o capilar. A presença de mais líquido no interstício aumenta a pressão hidrostática no local. Haverá, então, inversão do gradiente de pressão no espaço intercelular e fluxo retrógrado de sal e água para o lúmen tubular. Além disto, poderá haver redução no transporte ativo de sódio para o espaço intercelular devi- capítulo 10 141 Fig. 10.4 Transporte de sódio através da célula tubular proximal. Observe que a entrada de sódio na célula é passiva, devido ao gradiente de potencial eletroquímico. Para sair da célula para o sangue, o sódio deve vencer um gradiente de potencial eletroquímico e para isto precisa ser ativamente eliminado através de uma bomba de sódio. (Modificado de Burg, M.B.19) Fig. 10.5 Mecanismo proposto para o transporte isosmótico de líquido através de membranas epiteliais. (Obtido de Valtin, H.53) do ao movimento lento de líquido no espaço, permitindo aumento na concentração de sódio. Esse aumento na concentração de sódio limita o transporte de sódio das células, devido a um elevado gradiente de concentração entre as células e o espaço intercelular. Por outro lado, um aumento na pressão oncótica ou uma diminuição na pressão hidrostática dos capilares peritubulares aumentam o transporte do líquido do interstício para o capilar. Este modelo oferece a explicação provável para algumas interações importantes entre fluxos de diferentes solutos através do túbulo proximal e a ligação com o transporte de sódio. O espaço intercelular é o local provável desta ligação. O processo ativo de transporte do sódio também envolve alguma forma de troca com o íon hidrogênio.21 Afirmase freqüentemente que, ao longo do nefro e mais especialmente no túbulo proximal, o hidrogênio secretado é trocado pelo sódio, implicando uma certa ligação direta no movimento destes dois íons. Mas não parece haver uma bomba que troque ativamente sódio e hidrogênio. Aceitase, no entanto, que a passagem do hidrogênio da célula para o lúmen é um processo ativo, mas a passagem do sódio do lúmen para a célula é um processo passivo. No momento, acredita-se que o mecanismo de troca (Na⫹/H⫹) não é específico e resulta da necessidade de manter uma neutralidade elétrica dentro do lúmen tubular.21 Nos segmentos mais distais do túbulo contornado proxi- 142 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema mal, o transporte ativo de sódio ainda é o processo básico responsável pela absorção de líquido. Como no segmento proximal do TCP a reabsorção de bicarbonato foi mais rápida que a de cloro (devido ao processo de acidificação), neste segmento distal a concentração de bicarbonato no líquido tubular é menor e a do cloro maior, e é possível que o transporte de cloro neste segmento seja passivo, devido ao gradiente de concentração entre o lúmen e o sangue. Alguns acreditam que a difusão do cloro, através deste gradiente químico, possa ser a força primária na reabsorção de água e sal nestes segmentos mais distais do TCP. Devido à extensa reabsorção no segmento inicial do TCP, a concentração de glicose, aminoácidos e outros substratos orgânicos diminui no segmento distal, e, conseqüentemente, o ritmo de absorção de líquido também diminui. A pars recta é relativamente inacessível à micropuntura, razão pela qual tem sido estudada em preparações in vitro. O transporte de sódio é ativo, e o de cloro, provavelmente passivo. Segmentos Delgados da Alça de Henle As características de permeabilidade dos segmentos delgados à água e solutos são bastante importantes para a compreensão do transporte destes elementos.19 No segmento delgado descendente a permeabilidade à água é alta, enquanto no segmento delgado ascendente é baixa. A permeabilidade ao sódio e à uréia é maior no segmento delgado ascendente do que no descendente. No segmento ascendente a permeabilidade ao sódio excede a da uréia. A evidência atual é de que não há transporte ativo de NaCl nos segmentos delgados da alça de Henle, e as características de permeabilidade anteriormente descritas explicam o transporte passivo de NaCl e uréia nos segmentos delgados da alça de Henle. No segmento descendente ocorre concentração de soluto devido à saída passiva de água, determinada pelo gradiente osmótico. Alguns autores sugeriram que o aumento na concentração de soluto também se dá devido à entrada de soluto do interstício para o lúmen tubular (devido ao gradiente osmótico), embora em menor proporção que a saída de água. Na curva da alça, o líquido é hiperosmolar e tem a mesma osmolalidade que o interstício, mas a concentração de NaCl é superior à do interstício. A isosmolalidade é dada pela uréia, cuja concentração no interstício é maior que a do lúmen tubular. Devido a estas características de concentração e de permeabilidade do segmento ascendente delgado, o NaCl difunde-se do lúmen para o interstício. A uréia não se difunde tão rapidamente do interstício para o lúmen, porque o segmento é mais permeável ao sódio do que à uréia. Desta forma, ocorre a reabsorção de NaCl e diluição do líquido tubular no segmento ascendente delgado da alça de Henle (v. Cap. 4). Segmento Ascendente Espesso da Alça de Henle (Segmento Diluidor) Este segmento estende-se do ramo ascendente delgado à mácula densa. A permeabilidade à água é baixa e a reabsorção de sal em excesso (em relação à água) gera um fluido tubular diluído. No segmento espesso ascendente, a reabsorção ativa de cloro gera uma diferença de potencial capaz de reabsorver passivamente o sódio. O ritmo de reabsorção de NaCl no segmento diluidor depende da quantidade absoluta de NaCl que chega. Por outro lado, o ritmo de transporte de NaCl no segmento diluidor depende da concentração de NaCl no lúmen. Se aumenta a quantidade absoluta do NaCl que chega ao segmento diluidor, aumenta a concentração de NaCl no segmento e, portanto, aumenta a reabsorção de NaCl. Se a reabsorção de NaCl no túbulo proximal diminui, aumenta a quantidade de NaCl que chega ao segmento diluidor, e logo aumenta a reabsorção de NaCl, minimizando as alterações na quantidade de NaCl ofertada ao túbulo contornado distal. Este segmento normalmente absorve 20% da carga filtrada de NaCl. A entrada de Na⫹ e Cl⫺ ocorre através da membrana apical por um symporter eletroneutro: 1 Na⫹:1 K⫹:2 Cl⫺. Os diuréticos de alça são inibidores específicos deste transportador. O gradiente de Na⫹ do lúmen para a célula gera um grande componente da força propulsora para reabsorção destes íons. O gradiente de Na⫹ é mantido pela Na,K-ATPase na membrana basolateral, que ativamente elimina o Na⫹ do interior da célula. Além da via transcelular, o Na⫹ é reabsorvido pela via paracelular. Como durante o transporte transcelular se gera uma voltagem transepitelial, a absorção de Na⫹ se faz pela via paracelular (aproximadamente 50% da reabsorção de Na⫹). Túbulo Contornado Distal (TCD) Aproximadamente 7% da carga filtrada de NaCl é aqui reabsorvida. Estende-se da mácula densa até a junção com outro túbulo contornado, formando, a partir de então, o ducto coletor cortical. A reabsorção de sal continua neste segmento e a reabsorção de água depende da resposta deste segmento ao HAD. O líquido tubular que chega ao TCD é hiposmótico devido à reabsorção de NaCl no segmento diluidor. Em algumas espécies de animais, como o cão e o macaco, o líquido permanece hiposmótico porque a parte distal do TCD (túbulo coletor) não responde à ação do HAD. Em outras espécies animais, a osmolalidade do líquido aumenta, e isto porque o segmento distal do TCD responde à ação do HAD. Acredita-se que Na⫹ e Cl⫺ entram na célula por um sistema de transporte eletroneutro e a força propulsora é o gradiente de Na⫹ do lúmen para a célula. O gradiente é 143 capítulo 10 mantido pela atividade da Na,K-ATPase na membrana basolateral. A reabsorção de cloro ocorre de modo ativo e passivo. Ducto Coletor Normalmente este segmento reabsorve 3% da carga filtrada de sódio. Entretanto, é nesta porção que existem os maiores gradientes de concentração entre sangue e urina e onde são feitos os ajustes finais para a excreção de íons. Os ductos coletores vão desde o córtex externo até a ponta da papila. São divididos em três segmentos. O primeiro segmento (ducto coletor cortical) se estende do córtex externo até a junção corticomedular. Contém dois tipos de células: célula principal e célula intercalada. A célula principal é local de reabsorção de Na⫹ e K⫹, e a célula intercalada está envolvida na acidificação da urina. A reabsorção ativa de Na⫹ se faz pela atividade da Na,K-ATPase localizada na membrana basolateral. Com esta atividade, estabelece-se um grande gradiente eletroquímico para a entrada do Na⫹ na célula através de um canal seletivo de Na⫹, sensível ao amiloride. O segundo segmento (ducto coletor medular externo) vai da junção corticomedular até a junção da medula interna e externa. O transporte de Na⫹ parece ser o mesmo do ducto coletor cortical. O terceiro segmento (ducto coletor medular interno) é um segmento muito ramificado com um único tipo de célula. Pouco se sabe sobre o transporte de íons neste segmento. Pontos-chave: • O túbulo proximal (parte contornada e parte reta) é o principal local de reabsorção do sódio filtrado — cerca de 77% do sódio filtrado são aí reabsorvidos • O restante do sódio é reabsorvido nos segmentos distais ao túbulo proximal OUTROS FATORES QUE REGULAM A EXCREÇÃO DE SÓDIO A regulação da excreção de sódio depende em última análise do controle da diferença entre a quantidade de sódio filtrada e a quantidade reabsorvida. Teoricamente, a excreção de sódio pode ser regulada por alterações na filtração glomerular ou reabsorção tubular. Mas, como já foi mencionado, a filtração glomerular não é peça crítica na excreção de sódio, e, portanto, alterações na excreção são resultado de alterações da reabsorção tubular. Os fatores que parecem ter um papel importante na regulação da excreção de sódio são apresentados a seguir.11 Redistribuição do Filtrado Glomerular O rim do mamífero é formado por uma população heterogênea de nefros. Aproximadamente 85% dos nefros são superficiais, localizados próximo ao córtex (nefros corticais), e possuem alças de Henle curtas. Os nefros restantes, mais ou menos 15%, estão localizados na junção do córtex com a medula (nefros justamedulares) e possuem alças de Henle longas. A excreção renal de sódio pode ser influenciada por uma redistribuição de filtrado glomerular entre os nefros corticais e justamedulares. Os nefros corticais (alça curta) teriam mais chances de deixar o sódio escapar do que os justamedulares (alça longa). Por outro lado, uma redistribuição do filtrado dos nefros corticais para os justamedulares facilitaria a retenção de sódio. Embora seja uma hipótese atraente, ainda faltam dados mais convincentes para aceitá-la. Angiotensina II A angiotensina II é produzida quando a renina é liberada pelo aparelho justaglomerular. A angiotensina integra o sistema renina-angiotensina-aldosterona (v. Cap. 7). Uma diminuição do volume circulante efetivo é estímulo à produção de renina, que gera angiotensina; esta estimula a secreção de aldosterona, que, por sua vez, aumenta a reabsorção tubular de sódio, tentando restaurar o volume circulante. O principal efeito renal da angiotensina II é estimular a reabsorção de NaHCO3⫺ no túbulo contornado proximal. Como o fluido deve permanecer isosmótico neste local, a água é reabsorvida, e o cloro intraluminal aumenta. Este aumento cria uma diferença de concentração que leva à reabsorção passiva de cloro (arrastando sódio pela eletroneutralidade e água pela isosmolalidade). A angiotensina II é também potente vasoconstritora seletiva de arteríolas eferentes. Com isso, ocorre aumento na fração de filtração, alterando a reabsorção proximal devido a fatores físicos.2 Aldosterona É um hormônio secretado pela zona glomerulosa das glândulas adrenais. É capaz de estimular o transporte de eletrólitos por células epiteliais de glândulas salivares, trato gastrintestinal e túbulos renais. A aldosterona tem um papel importante na manutenção da homeostase do Na⫹, e chega a ser responsável por 5% da reabsorção total de sódio. A secreção de aldosterona é estimulada pela angiotensina, concentração de potássio plasmático e hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Aparentemente a aldosterona entra na célula por difusão, migra até o núcleo e induz a 144 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema síntese de proteínas que aumentam a entrada de sódio do meio externo para o interior da célula. No epitélio tubular, a aldosterona induz aumento da permeabilidade da membrana apical ao sódio e, ao mesmo tempo, excreção de potássio. Após ser absorvido, o sódio é então removido para o capilar peritubular pela bomba de sódio. O transporte ao nível da bomba de sódio também está vinculado ao de potássio. À medida que o sódio é expulso da célula, aumenta a concentração intracelular de potássio, o qual, devido ao gradiente químico que se estabelece entre o meio intracelular e o meio extracelular, sai passivamente da célula1 (v. também Cap. 12). Fatores Físicos e Volume do Espaço Extracelular Como já abordamos, há evidência de que fatores físicos influenciam o ritmo de absorção de líquido do túbulo contornado proximal. Os principais fatores são: hematócrito, concentração plasmática de proteínas e as pressões hidrostáticas na artéria renal, veia renal e ureter.22 O papel das pressões oncótica e hidrostática do capilar peritubular já foi comentado. Com relação à pressão venosa renal, demonstrou-se que um aumento desta pressão diminui a reabsorção de sódio no nefro proximal, desde que não haja redução da filtração glomerular. Quando o volume do espaço extracelular está reduzido, a urina eliminada contém quantidades muito pequenas de sódio. O inverso ocorre quando o espaço extracelular encontra-se expandido. Nos indivíduos euvolêmicos, o rim excreta a carga diária de NaCl. Então, não se costumam definir valores “normais” de sódio na urina, pois os mesmos devem ser avaliados de acordo com o estado fisiológico e a ingesta pelo paciente.2 Quanto ao hematócrito, uma redução deste causa aumento na excreção de sódio e redução da fração de filtração e da resistência vascular renal. Estes efeitos podem ser mediados pela alteração da viscosidade do sangue na circulação pós-glomerular, a qual, alterando a fração de filtração e a resistência vascular renal, altera as pressões peritubulares oncótica e hidrostática, respectivamente. Hormônio Natriurético Observações experimentais conduziram ao conceito da existência de um regulador da bomba Na,K-ATPase há mais de 30 anos.10 Foram as experiências de De Wardener e cols. que demonstraram que a natriurese que ocorria com a infusão de solução salina não dependia dos dois fatores até então considerados importantes no controle da excreção de sódio, isto é, ritmo de filtração glomerular e aldosterona.10 Os experimentos iniciais foram feitos com circulação cruzada entre animais, um dos quais tinha o volume extracelular expandido.10 Os efeitos natriuréticos da expan- são do espaço extracelular em um animal também ocorriam no segundo animal. A expansão do intravascular com solução salina provocava diurese ativa, sem modificações na pressão de perfusão renal, taxa de filtração glomerular, ou atividade mineralocorticóide. Presumiu-se que a natriurese era devida a uma substância circulante que exercia seus efeitos diretamente nos processos de reabsorção tubular de sódio. Experimentos posteriores confirmaram que extratos do plasma, urina e certos tecidos eram natriuréticos in vivo e apresentavam um efeito direto no transporte transepitelial do sódio. Entre os vários fatores natriuréticos isolados, o fator isolado por Bricker e cols. parece apresentar a melhor correlação com a manipulação renal de sódio. Este fator foi encontrado também no sangue e na urina de pacientes urêmicos.23,24 Estas substâncias possuem características semelhantes aos digitálicos. A descoberta destas substâncias nos tecidos dos mamíferos e a existência de isoformas de Na,K-ATPase com diferentes afinidades pelos glicosídeos cardíacos sugerem que a bomba Na,K-ATPase é endogenamente regulada por este composto. Porém, ainda não foi esclarecido se o hormônio natriurético e o inibidor digital-like da bomba Na,K-ATPase são a mesma molécula. Possivelmente o local de origem do hormônio natriurético é o hipotálamo. Cogita-se que esta substância se origina nas adrenais.25,26 O hormônio natriurético induz: a) natriurese in vivo; b) inibição do transporte ativo de sódio in vitro; c) inibição da Na,K-ATPase; d) inotropismo positivo e e) reatividade vascular aumentada (pode estar envolvido na gênese da hipertensão essencial). Recentemente a estrutura química do inibidor endógeno da Na,K-ATPase foi caracterizada como um isômero do glicosídeo cardíaco ouabaína. É possível que mais de um composto digital-like esteja presente em humanos.25 Outros hormônios conhecidos afetam a excreção de sódio. A ocitocina pode aumentar a excreção de sódio, mas não há evidência de que normalmente participe da regulação da excreção de sódio. A vasopressina, quando administrada por muito tempo, pode aumentar a excreção de sódio, parecendo isto ocorrer por expansão do volume extracelular, devido à retenção de água. A angiotensina, quando administrada em doses capazes de elevar a pressão arterial, pode aumentar a excreção de sódio, na ausência de uma elevação da filtração glomerular. O efeito parece ser devido a um aumento na pressão hidrostática do capilar peritubular. Fator Natriurético Atrial (FNA) Na década de 60, estudos demonstraram a presença de grânulos nos miócitos atriais. Em 1981 confirmou-se que 145 capítulo 10 estes grânulos produzem substâncias que possuem importante participação na regulação do volume extracelular. A investigação inicial demonstrou que a administração endovenosa de um extrato atrial causava uma abrupta diurese, natriurese, caliurese e uma diminuição da pressão arterial. Mais recentemente verificou-se que este fator atrial natriurético é um peptídeo, cuja seqüência de aminoácidos já foi identificada e sintetizada. Em seres humanos este peptídeo provoca redução da pressão arterial média, elevação do ritmo de filtração glomerular, do fluxo urinário e aumento da excreção de sódio e potássio. A elevação do ritmo de filtração produzida se acompanhou de fluxo plasmático renal inalterado ou diminuído.26,27 O mecanismo pelo qual o fator atrial eleva a filtração glomerular não está elucidado. É possível que exerça efeito vasoconstritor aferente e eferente,26 elevando a pressão capilar glomerular e, portanto, o ritmo de filtração. Outras hipóteses seriam: redistribuição da filtração glomerular para nefros mais profundos e elevação do coeficiente de filtração. O FNA também diminui a reabsorção de sódio no túbulo proximal, através da liberação local de dopamina e inibição da liberação de renina pelo rim, inibição da liberação de aldosterona pelas adrenais e inibição da reabsorção proximal mediada pela angiotensina II.26,27 A redução da secreção de renina pode ser devida em parte a um aumento na carga de sódio para a mácula densa gerada pela elevação do ritmo de filtração glomerular. No músculo liso de grandes artérias isoladas e pré-constritas, leitos vasculares periféricos e músculo liso intestinal, o FNA produz relaxamento. Aparentemente, o estiramento das paredes dos átrios cardíacos é o principal estímulo à síntese do fator natriurético atrial, como ocorre na sobrecarga de volume.25 Porém, as células ventriculares podem ser recrutadas para a sua produção.24 Em pacientes com doença cardíaca ou pulmonar, o FNA pode ser utilizado como marcador de prognóstico, pois existe correlação entre os níveis de FNA circulantes e as pressões de átrio direito e esquerdo.25 A principal forma circulante de FNA é um peptídeo de 28 aminoácidos, consistindo nos aminoácidos 99 a 126 da extremidade C da pró-FNA. Além desta forma, já foram isolados e descritos outros tipos de agentes natriuréticos, que podem ter importância similar ou superior ao FNA em termos de natriurese.26 Estas substâncias diferem do FNA pela seqüência de aminoácidos envolvida: além de pelo menos quatro subtipos de FNA, existem ainda o peptídeo natriurético cerebral (BNF) e o peptídeo atrial natriurético tipo C (CNF). O local de produção varia de um tipo para outro, mas estas substâncias mantêm funções similares ao FNA.26,27 Estes agentes natriuréticos e diuréticos, com certo efeito vasodilatador renal seletivo, têm potencial terapêutico em situações clínicas tais como: insuficiência renal aguda, síndrome hepatorrenal e insuficiência cardíaca congestiva. Além disso, podem ser úteis no manejo da retenção de sódio e sobrecarga de volume da insuficiência renal crônica.26,27 Fatores Derivados do Endotélio O endotélio é importante fonte de substâncias capazes de regular o tônus vascular, tais como a endotelina, o óxido nítrico (antes conhecido como fator de relaxamento derivado do endotélio — FRDE) e a prostaciclina. Estas substâncias estão envolvidas no equilíbrio do sódio e água, pois têm propriedades vasodilatadoras e vasoconstritoras que regulam a pressão de perfusão dos rins, coração e vasculatura.4 A endotelina tem efeitos vasoconstritores, com redução do fluxo sanguíneo renal e TFG e retenção de sódio e água. O óxido nítrico pode ser produzido na mácula densa e tem efeito vasodilatador aferente,28 com aumento da natriurese por inibição da Na,K-ATPase e aumento da diurese.4 Prostaglandinas As prostaglandinas têm efeitos sobre o fluxo sanguíneo renal e sobre o manejo tubular de água e sal. Aparentemente, os resultados finais da estimulação da síntese de prostaglandinas pelo rim são: vasodilatação, aumento da perfusão renal, natriurese e facilitação da excreção de água. Quando se bloqueia a ciclo-oxigenase com antiinflamatórios não-hormonais, existe diminuição da excreção de sódio, aumento da resposta vasoconstritora renal à angiotensina II e queda da TFG.4 Sistema Nervoso Simpático O tônus simpático aumenta a reabsorção de sódio pelos túbulos por um efeito direto e pela secreção de angiotensina II e aldosterona.7 Diurese Pressórica Em indivíduos normais, mesmo pequenas elevações da pressão arterial são acompanhadas de um aumento na excreção renal de sódio e água, por diminuição da reabsorção no túbulo proximal e alça de Henle. Possivelmente o aumento da pressão arterial sistêmica seja transmitido ao interstício, desencadeando estas alterações. As prostaglandinas e o óxido nítrico podem estar envolvidos.29 Ponto-chave: • O aumento ou diminuição da excreção renal de sódio resulta de uma ampla rede de eventos, em que participam fatores físicos, hemodinâmicos, humorais e hormonais 146 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO DO SÓDIO Distúrbios do equilíbrio do sódio são diagnosticados através de uma avaliação do volume extracelular. Um déficit de sódio total no organismo causa depleção do volume extracelular, e as manifestações clínicas dependem da magnitude desta depleção. Um excesso de sódio total no organismo expande o volume extracelular e, se a expansão for considerável, poderá manifestar-se clinicamente por edema. O termo desidratação, freqüentemente empregado, pode causar confusão. Partilhamos da opinião de outros, segundo os quais as expressões excesso ou depleção do volume extracelular refletem melhor a idéia de que distúrbios do sódio são distúrbios de volume e envolvem déficit ou excesso de uma solução isotônica de sódio, o que tem também implicações terapêuticas.30 Os pacientes com depleção do extracelular perderam sal e água, e a concentração plasmática de sódio é de modo geral normal. Ao contrário, os distúrbios do balanço de água são distúrbios da osmolalidade plasmática, traduzida por alterações na concentração de sódio plasmático e indicados pela terminologia déficit ou excesso de água. Talvez o termo desidratação seja melhor empregado em situações em que existe déficit de água, como nas hipernatremias.31 É preciso salientar que os distúrbios do balanço de água dependem somente da quantidade relativa de água (em relação à quantidade de soluto), e não da quantidade absoluta de água. Assim, um paciente com edema pode ter aumento na água total do corpo, mas desde que o sódio e a água retidos no extracelular sejam isotônicos, não haverá alteração na água intracelular e, portanto, não haverá distúrbio do balanço de água. Habitualmente grande parte do volume secretado na luz do trato gastrintestinal é reabsorvida, resultando num volume fecal de cerca de 100-200 ml ao dia. Porém, em situações em que a reabsorção se encontra diminuída, como nas diarréias e sondagem gástrica, perdas significativas de fluido extracelular podem ocorrer, resultando em depleção.32 Os rins possuem um sistema de ajuste para equilibrar a excreção com a ingesta. Mas se este sistema falha e a excreção é excessiva, a depleção pode instalar-se. São exemplos disso situações como o uso de diuréticos, nefropatias perdedoras de sal e o hipoaldosteronismo.32 Não existe nenhum método laboratorial prático para se determinar o volume extracelular. O diagnóstico se baseia na história clínica, exame físico e alguns exames laboratoriais. O dado mais importante no diagnóstico é a história de perda de líquido que contém sódio. Na história clínica, o paciente relata vômitos e/ou diarréia, sudorese profusa, poliúria etc. O diagnóstico de depleção do volume extracelular, na ausência de história de perda de líquido que contém sódio, obriga-nos a questionar e rever o diagnóstico. Isto porque, se a ingesta de sódio cessa, o mecanismo renal de conservação do sódio é tão eficiente que um déficit de sódio não se estabelecerá. O paciente pode inicialmente apresentar fraqueza, anorexia, náuseas e, a seguir, tonturas, síncope e, finalmente, um estado de colapso circulatório. Os sintomas resultam de inadequado volume circulante e dependem de quatro fatores principais: a) magnitude da perda de volume; b) velocidade na perda de volume; c) natureza do fluido perdido, se somente água, água com sódio, ou sangue; e d) resposta vascular à redução de volume.4 Por exemplo, a perda aguda de 1 litro de sangue por hemorragia gastrintestinal resulta em oligúria e manuten- Pontos-chave: • A avaliação e o diagnóstico dos distúrbios clínicos do metabolismo do sódio e do espaço extracelular são feitos através da história clínica e do exame físico, detectando-se a depleção ou o excesso (edema) • O diagnóstico de distúrbios do metabolismo da água é feito através da dosagem do sódio plasmático Depleção de Sódio ou do Volume Extracelular As causas de depleção do espaço extracelular encontram-se listadas no Quadro 10.4, sendo divididas basicamente em causas renais e não-renais. Quadro 10.4 Causas de depleção de sódio 1. Perdas renais A. Ausência de doença renal a. Diurese osmótica (glicosúria, manitol etc.) b. Diuréticos (tiazídicos, furosemida etc.) c. Insuficiência adrenal (primária) d. Secreção inapropriada de HAD (primária) B. Enfermidades renais a. Nefropatia crônica (particularmente doença medular cística e nefrite intersticial) b. Fase diurética da necrose tubular aguda c. Uropatia pós-obstrução 2. Perdas extra-renais A. Gastrintestinal: vômitos, diarréia, fístulas etc. B. Pele: sudorese, queimaduras C. Iatrogênicas: paracentese, toracocentese D. Terceiro espaço: pancreatite aguda, fraturas, esmagamentos, íleo Modificado de Chapman, W.H. e col.30 capítulo 10 ção do hematócrito, com pouca contribuição do fluido intersticial em expandir o intravascular. A perda mais lenta da mesma quantidade de sangue permite que haja transferência de fluido do intersticial para o intravascular, com queda conseqüente do hematócrito. Com a parcial restauração do volume sanguíneo, o volume de urina e a resposta hemodinâmica à contração de volume podem estar pouco afetados.4 Os achados clínicos também dependem do tipo de fluido perdido. A perda de 1 litro de água sem eletrólitos num paciente de 70 kg reduz o volume sanguíneo em 2,5%, e a hemodinâmica renal e sistêmica são pouco afetadas. A perda de 1 litro de fluido extracelular reduz o volume de sangue em 6,6%, e instalam-se oligúria e taquicardia discretas com o paciente deitado. A perda de 1 litro de sangue reduz o volume em 20%, resultando em oligúria grave e choque.4 Entre os sinais mais sensíveis no diagnóstico de um inadequado volume circulante, destacamos as alterações ortostáticas de pressão arterial e a determinação simultânea do pulso periférico. Portanto, determinam-se a pressão arterial e o pulso com o paciente deitado, sentado no leito, com os pés para fora da cama e de pé, quando possível. Fazer o paciente sentar-se no leito, sem que os pés fiquem pendentes para fora da cama, pode não ser suficiente para produzir uma queda ortostática da pressão arterial. Normalmente, quando o paciente muda da posição deitada para a sentada ou de pé, a sua pressão sistólica quase não se altera, e a pressão diastólica aumenta 5 ou 10 mm Hg. Se há um inadequado volume circulante, as pressões sistólica e diastólica caem 10 mm Hg ou mais, e nota-se aumento da freqüência cardíaca ou pulso periférico. Uma queda ortostática da pressão arterial também pode ocorrer independente do volume circulante e estar relacionada com comprometimento do sistema nervoso autônomo periférico, tal como ocorre no diabetes mellitus, insuficiência renal crônica ou com o uso de drogas, especialmente bloqueadores adrenérgicos. É necessário salientar que pressão arterial aparentemente normal pode ser encontrada em indivíduos previamente hipertensos que estejam depletados.32 Os sinais chamados clássicos de depleção do volume extracelular, como diminuição do turgor da pele, diminuição do volume da língua ou diminuição do tônus ocular, têm pouco valor clínico. Quando estes sinais são detectáveis, o grau de depleção do volume extracelular é de tal ordem que o paciente está quase em choque. Por outro lado, pessoas obesas, jovens ou com depleções leves podem apresentar turgor de pele normal.32 Um outro sinal clínico bastante útil é a avaliação do enchimento venoso no pescoço. Quando um paciente está em decúbito dorsal, as veias jugulares são visíveis até quase o ângulo da mandíbula. Se as veias jugulares não forem visíveis ou mostrarem pobre enchimento, suspeita-se de depleção do volume extracelular. É necessário, no entanto, salientar que, em algumas pessoas normais, as veias 147 jugulares são invisíveis e, em outras, se apresentam cheias por possuírem válvulas ou alterações da elasticidade, sem refletirem o volume circulante. Desta forma, em alguns casos, necessitamos da determinação direta da pressão venosa central. Quando a depleção de volume é intensa, o débito cardíaco cai, o mesmo ocorrendo com a pressão venosa sistêmica intratorácica. Portanto, a determinação da pressão venosa central (PVC) poderia ser um indicador sensível de redução no retorno venoso e débito cardíaco. Entretanto, como os limites de normalidade são muito amplos em indivíduos diferentes, é impossível definir hipovolemia numa única determinação. Por outro lado, uma única determinação do volume sanguíneo não dá idéia do grau de deficiência e de como o coração vai tolerar a restauração do volume. Quando se correlacionaram o volume sanguíneo e a PVC em pacientes em choque, observou-se que a correlação era pobre33 (v. Fig. 10.6). Talvez o melhor guia da adequação do volume sanguíneo circulante não seja uma única determinação da PVC ou do volume sanguíneo, e, sim, a observação da resposta cardiovascular à expansão do volume (v. próxima seção). Para uma boa interpretação da PVC, os seguintes princípios são importantes:33 1. Uma PVC reduzida não permite uma conclusão evidente de que o volume sanguíneo está reduzido. 2. Num paciente com insuficiência circulatória (choque), uma PVC baixa indica que uma expansão do volume será benéfica. No entanto, uma PVC alta não contra-indica uma expansão do volume sanguíneo, mas deve permanecer a mesma ou cair à medida que o volume sanguíneo aumenta. Por outro lado, se a PVC inicial é elevada e continua a elevar-se à medida que a expansão de volume prossegue, a infusão deve ser suspensa. 3. Uma elevação da PVC acima do normal, durante a expansão, indica que a expansão está sendo excessiva. É preciso lembrar que o controle da PVC fornece-nos uma idéia mais ou menos precisa da pressão de enchimento do ventrículo direito, mas não nos esclarece nada sobre a função do ventrículo esquerdo. Num indivíduo normal, a expansão de volume eleva simetricamente as pressões de átrio direito e esquerdo, o que não ocorre em indivíduos com insuficiência ventricular esquerda. A pressão venosa intratorácica, normalmente, não deve exceder 8 cm de água, podendo ser determinada através de um cateter em veia cava superior e tomando-se o zero do manômetro na altura da linha axilar média. DADOS LABORATORIAIS Entre os exames de laboratório, a elevação do hematócrito e da concentração plasmática das proteínas acompanha a depleção do volume extracelular, pois ambos estão confinados ao espaço intravascular. Uréia e creatinina podem estar elevadas, dependendo do grau de redução da taxa de filtração glomerular.32 148 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema Fig. 10.6 Comparação entre a pressão venosa central (PVC) e o volume sanguíneo em 46 pacientes em choque. Embora exista uma correlação grosseira, observe que alguns pacientes com volume sanguíneo baixo têm PVC elevada. (Obtida de Cohn, J.N.33) A determinação urinária do sódio ou cloro também é um guia útil para as necessidades de sódio. Na presença de função renal normal e depleção do volume extracelular, a concentração urinária de sódio e cloro geralmente é inferior a 10 e 50 mEq/L, respectivamente. A densidade urinária acima de 1.015 é consistente com uma urina concentrada, encontrada nas situações de depleção do espaço extracelular. Além disso, a urinálise é praticamente normal.32 Dependendo da causa da depleção do espaço extracelular, podem ser encontradas anormalidades na concentração plasmática de potássio e sódio e no estado ácidobásico.32 o aumento do fluxo sanguíneo medular, dissipa-se o gradiente osmótico córtico-papilar. Como a concentração urinária de sódio é baixa, não explica a hipertonicidade da urina, que se deve à concentração urinária elevada de uréia.1 Quando a depleção de volume é significativa, o sistema nervoso simpático entra em atividade. Ocorre venoconstrição, mobilizando sangue da periferia para a circulação central, assegurando o enchimento cardíaco. A estimulação cardíaca aumenta a freqüência e a força de contração do miocárdio. A vasoconstrição arterial mantém a pressão arterial e a perfusão de áreas críticas. A resposta final traduz-se por taquicardia, oligúria e vasoconstrição cutânea. Conseqüências da Depleção do Volume Extracelular Tratamento da Depleção Como conseqüência da depleção do espaço extracelular, há queda do ritmo de filtração glomerular, aumento moderado da fração de filtração e diminuição proporcional do fluxo sanguíneo medular em relação ao cortical. Se a depleção for grave, a fração de filtração se reduz e o fluxo sanguíneo medular se eleva.1 Observa-se aumento da reabsorção proximal de sódio, com a liberação de um menor volume de fluido isotônico para as porções distais do nefro. Há também maior produção de aldosterona e de HAD. Conseqüentemente, há redução da diurese e natriurese e a urina final é hipertônica. Mas se a depleção for intensa, a pressão osmótica da urina se aproxima da plasmática. Isto ocorre porque, com TIPO DE SOLUÇÃO O tipo de solução a ser administrado depende do tipo de fluido que foi perdido e da existência de outros distúrbios hidroeletrolíticos34 (v. Cap. 15). O tratamento da depleção do espaço extracelular deve ser feito com uma solução que contenha sódio, preferencialmente a solução salina isotônica (1 litro de solução salina a 0,9% contém 154 mEq de sódio e 154 mEq de cloro). Após a administração de 1 litro de solução salina isotônica, 300 ml permanecem no intravascular.4 A repleção do espaço extracelular também pode ser feita com a solução de Ringer lactato35 (1 litro contém 130 mEq de sódio, 109 mEq de cloro, 4 mEq de potássio, 3 mEq de cálcio e 28 mEq de lactato). Em situações em que a quantidade a ser reposta é muito grande, esta solução apresenta capítulo 10 benefícios, pois o lactato é convertido a bicarbonato no fígado e ameniza ou evita uma acidose dilucional. Não deve ser utilizada em pacientes hipercalêmicos e com função renal comprometida. As soluções colóides (plasma, albumina) expandem principalmente o intravascular, pois suas grandes moléculas não ultrapassam o endotélio capilar. Este tipo de fluido deve ser reservado para situações graves, em que a expansão do intravascular necessita ser rápida e efetiva, como, por exemplo, em queimaduras extensas e choque. Não se justifica a administração destas soluções em outras situações. Devem também ser levados em conta fatores como o alto custo e a meia-vida curta destas soluções.4 Mais recentemente, tem sido utilizado o amido hidroxietílico (hetastarch), cujas moléculas têm cerca de 200.000 daltons e que permanece por até 24-36 horas no compartimento intravascular. No Brasil, estão disponíveis as apresentações a 6% e 10% (Haes-steril®), que em 1 litro contém 60-100 g do amido e 154 mEq de sódio. Ao se administrar sangue, este permanece inteiramente no intravascular. Deve ser administrado quando hemorragia tiver sido a causa da depleção e das alterações hemodinâmicas já mencionadas.4 O hematócrito não deve ser elevado acima de 35%.36 A administração de solução glicosada a 5% não é adequada no tratamento da depleção do extracelular, pois equivale à administração de água sem sódio, que se distribui uniformemente na água corporal total e não permanece em volume suficiente no intravascular. Por exemplo, após a administração de 1 litro de solução glicosada a 5%, permanecem no intravascular apenas 75-100 ml. VELOCIDADE DE ADMINISTRAÇÃO A velocidade de administração da solução salina depende da magnitude da insuficiência circulatória. Desde que não haja cardiopatia, pode-se administrar um litro de solução salina por hora ou até em menor intervalo, em casos graves. Não há necessidade de que todo o déficit de volume seja corrigido em poucas horas. O importante é que os sinais de hipovolemia grave desapareçam. A partir de então, a reposição de volume pode ser mais lenta. Um dos elementos muito importantes no manejo clínico é o controle dos fatores precipitantes: sangramento, vômitos, diarréia etc. Não havendo mais perdas, uma maior parcela do líquido administrado permanecerá no espaço extracelular, restaurando o seu volume. VOLUME A SER INFUNDIDO (GRAU DE DEPLEÇÃO) O grau de depleção do volume extracelular pode ser estabelecido pela história clínica e achados de exame físico, sendo o cálculo aproximado. Por exemplo: um indivíduo de 70 kg tem 14 litros, aproximadamente, de volume extracelular (20% do peso corporal). 149 Uma depleção leve (10-15% de redução no EEC) não cursa com sinais clínicos muito significativos, mas há história de perda. Uma depleção moderada está entre 20 e 30% de redução no volume extracelular.37 O paciente pode apresentar, em decúbito dorsal, pressão arterial normal, mas ao mesmo tempo ter taquicardia, pobre perfusão capilar e diminuição da temperatura da pele (devido à vasoconstrição). Uma determinação dos sinais vitais, na posição sentada ou em pé, aumenta os sinais de insuficiência circulatória. Considerando o paciente acima, o déficit seria de 2,8 a 4,2 litros de solução salina isotônica (v. Cap. 15 para maiores detalhes sobre reposição hidroeletrolítica). Uma depleção intensa representa 40 a 50% de redução do volume extracelular.37 Clinicamente, o paciente apresenta hipotensão arterial mesmo em decúbito dorsal, ou já está em choque. O déficit de volume extracelular será, portanto, de 5,6 a 7 litros. Além disso, os pacientes em choque hipovolêmico apresentam intensa ativação adrenérgica, caracterizada por taquicardia, extremidades frias com enchimento capilar lento, cianose de extremidades, oligúria e agitação e confusão mental, que se devem à diminuição do fluxo sanguíneo cerebral.32 MONITORIZAÇÃO DO TRATAMENTO Em pacientes com reserva cardíaca normal, o efeito de um desafio líquido pode ser monitorizado pela avaliação do pulso, pressão arterial e fluxo urinário. Em pacientes com função cardíaca comprometida, a determinação seriada da PVC ou preferencialmente da pressão em capilar pulmonar (PCap) e débito cardíaco através de um cateter de Swan-Ganz possibilitam o diagnóstico precoce de sobrecarga de volume secundária ao desafio hídrico. Estas medidas devem ser seriadas e sua avaliação dinâmica, ou seja, à medida que se vai expandindo o volume circulante. Administra-se rapidamente um volume de 100 ml e observam-se as mudanças na PVC e PCap. Durante a expansão de volume, a PVC ou a pressão em capilar pulmonar podem inicialmente subir para depois cair. Esta elevação inicial se deve à infusão de fluidos num leito vascular vaso- Pontos-chave: • São sinais sensíveis para o diagnóstico de depleção do espaço extracelular: alterações ortostáticas da pressão arterial e pulso, enchimento das jugulares e débito urinário • A depleção pode ser classificada como leve, moderada e intensa, dependendo das alterações encontradas no exame físico • O tratamento geral da depleção do extracelular consiste na administração de solução isotônica contendo sódio 150 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema constrito.4 Enquanto persistirem o choque, a hipotensão, ou se a PVC não se elevar, a expansão do volume é considerada inadequada. Um outro dado útil na avaliação da adequação do volume sanguíneo é o volume urinário horário. Se, durante a reposição do volume, o volume urinário aumentar de 0-10 ml/h para 50 ml/h ou mais, isto indica um adequado plano de reposição. Por outro lado, a queda do volume urinário indica que a reposição não está sendo suficientemente rápida. EXCESSO DE VOLUME EXTRACELULAR — EDEMA Um excesso de sódio total no organismo acompanha-se de expansão do volume extracelular, que, se considerável, se manifestará por edema. Edema é o acúmulo anormal de fluido em qualquer parte do organismo. Geralmente isto ocorre em pacientes com cardiopatia, nefropatia, hepatopatia ou hipoproteinemia. Fisiopatologia do Edema Edema significa um acúmulo excessivo de líquido no compartimento intersticial, ou seja, na parte não-vascular do compartimento líquido extracelular. A passagem para o interstício de fluido ultrafiltrado do plasma (sem proteínas), decorrente da alteração das forças de Starling, é denominada transudação.38 São exemplos deste mecanismo os edemas decorrentes de obstrução venosa, insuficiência cardíaca e edema pulmonar cardiogênico. Outro tipo de edema ocorre por aumento da permeabilidade dos capilares a determinados solutos, tais como as proteínas, num mecanismo de exsudação. 38 Este mecanismo de formação de edema é observado em queimaduras, trauma, abcessos. O edema pode ser bem localizado, como numa pequena inflamação, ou generalizado, como na insuficiência cardíaca. EDEMA LOCALIZADO O edema localizado resulta de fatores inflamatórios ou físicos que aumentam a formação ou diminuem a remoção de líquido intersticial em uma região do corpo.9 O mecanismo de formação do edema localizado pode ser adequadamente explicado com base numa alteração das forças de Starling que controlam a troca de líquido entre o plasma e o interstício. Estas forças estão relacionadas na seguinte expressão: 39 . q Kf [(Pc Pt) – (p t) . onde: q ritmo do fluxo de líquido através da parede capilar Kf coeficiente de filtração (proporcional à permeabilidade capilar e à área do leito capilar) Pc pressão hidrostática intracapilar Pt pressão do turgor tecidual p pressão oncótica do plasma t pressão oncótica intersticial O edema localizado ocorre quando as alterações nas forças de Starling estão restritas a um órgão ou a um determinado território vascular. Normalmente, o balanço de forças de Starling na porção arteriolar do capilar é de tal ordem que ocorre filtração de líquido para o interstício. Com isto ocorre diminuição da pressão hidráulica capilar e aumento da pressão coloidosmótica do plasma (v. também Cap. 8). De acordo com a visão clássica de distribuição de líquido transcapilar, a reversão do balanço das forças de Starling ocorria na porção terminal venosa do capilar, havendo então reabsorção do líquido filtrado. Assim sendo, havendo equilíbrio entre o líquido filtrado e reabsorvido, apenas uma pequena quantidade deveria retornar ao sistema vascular via linfáticos. No entanto, recentemente demonstrou-se que a pressão hidráulica transcapilar excede a pressão coloidosmótica do plasma em toda a extensão do capilar, de sorte que a filtração ocorre ao longo de todo o capilar.40 O líquido filtrado retorna à circulação via linfáticos. Desta forma a circulação linfática passa a ter um papel importante no controle da formação do edema. Também existe vasodilatação que aumenta a saída de líquido do capilar principalmente através de aumento da pressão hidrostática intracapilar e do coeficiente de filtração. O aumento do Kf ocorre devido à abertura de novos capilares, dilatação dos capilares e aumento da permeabilidade. Uma diminuição da p e um aumento da t também contribuem para a saída de líquido do capilar (Quadro 10.5). Edema Generalizado É a principal manifestação clínica da expansão do volume líquido do compartimento extracelular e está invariavelmente associado a uma retenção renal de sódio. É uma manifestação comum em situações clínicas tais como: insuficiência cardíaca, cirrose hepática e síndrome nefrótica, onde a retenção renal de sódio é apenas uma resposta renal a um distúrbio hemodinâmico determinado pela enfermidade básica (Quadro 10.6). A distribuição do edema generalizado é afetada por fatores locais e gravitacionais. Assim sendo, o líquido intersticial em excesso pode acumular-se nos membros inferiores de pacientes ambulatoriais e na região pré-sacra de pacientes acamados. A baixa pressão do turgor tecidual nas regiões periorbital e escrotal pode acentuar o edema nestas áreas.9 O edema classifica-se em dois tipos: edema duro e edema mole.42 O edema mole revela o sinal do cacifo quando a capítulo 10 Quadro 10.5 Fatores que contribuem para a formação do edema* 1. Dilatação arteriolar A. Inflamação B. Calor C. Toxinas D. Excesso ou déficit neuro-humoral 2. Redução da pressão osmótica A. Hipoproteinemia a. Desnutrição b. Cirrose hepática c. Síndrome nefrótica d. Gastroenteropatia perdedora de proteína B. Aumento da permeabilidade capilar a. Inflamação b. Queimaduras c. Trauma d. Reação alérgica ou imunológica C. Obstrução linfática 3. Aumento da pressão venosa A. Insuficiência cardíaca congestiva B. Tromboflebite C. Cirrose hepática 4. Retenção de sódio A. Ingesta excessiva de sal B. Elevada reabsorção tubular renal de sódio a. Redução da perfusão renal b. Aumento da secreção de reninaangiotensina-aldosterona *Baseado em Leaf, A. e Cotran, R.S.41 pressão digital deixa uma depressão transitória na pele, como ocorre por exemplo na insuficiência cardíaca. O edema duro não revela o sinal do cacifo, pois a pressão digital não consegue mobilizar o líquido intersticial devido a obstrução linfática (linfedema), fibrose do tecido subcutâneo, como pode ocorrer na obstrução venosa crônica, ou aumento da matriz intersticial, como no mixedema.43 É importante salientar que pode haver um acúmulo de 4 a 5 litros de líquido no compartimento extracelular antes que o paciente ou o médico percebam o edema com sinal do cacifo presente. Há, no entanto, sinais e sintomas sugestivos do excesso de líquido no organismo: ganho de peso, flutuações diárias no peso (mais pesado à noite), redução da diurese, noctúria, tosse ou dispnéia ao deitar-se e dispnéia aos esforços. A intensidade do edema é graduada em cruzes (, , ou /4), dependendo da profundidade da depressão criada com a compressão digital e também de acordo com a extensão do edema. Por exemplo, um paciente com síndrome nefrótica com moderado edema de membros inferiores até os joelhos tem um edema de / 4. Já um paciente com edema até a raiz das coxas, edema de parede abdominal e sinais de ascite tem um edema de /4 e anasarca.42 A fisiopatogenia do edema em situações clínicas diversas será abordada na próxima seção. 151 Quadro 10.6 Causas de edema generalizado 1. Enfermidades renais A. Glomerulonefrite aguda B. Síndrome nefrótica C. Insuficiência renal aguda D. Insuficiência renal crônica 2. Insuficiência cardíaca A. Baixo débito B. Alto débito (anemia, beribéri, tireotoxicose, sepse etc.) 3. Enfermidades hepáticas A. Cirrose B. Obstrução da drenagem hepática venosa 4. Enfermidades confinadas a mulheres A. Gravidez B. Toxemia gravídica C. Síndrome da tensão pré-menstrual D. Edema cíclico idiopático 5. Enfermidades vasculares A. Fístulas arteriovenosas B. Obstrução das veias do tórax a. Veia cava inferior b. Veia cava superior 6. Distúrbios endócrinos A. Hipotireoidismo B. Excesso de mineralocorticóides C. Diabetes mellitus 7. Drogas A. Estrogênios, anticoncepcionais orais B. Agentes anti-hipertensivos 8. Miscelânea A. Hipocalemia crônica B. Anemia crônica C. Edema nutricional D. Síndrome da permeabilidade capilar elevada Pontos-chave: • Um dos principais sinais de excesso de sódio no organismo é o edema • O edema pode ser localizado ou generalizado, e forma-se por transudação ou exsudação Fisiopatologia do Edema em Situações Clínicas Específicas INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA (ICC) A ICC ocorre quando o coração falha na sua função de bomba e está habitualmente associada a uma retenção renal de sal e água e com edema pulmonar ou periférico. Há muito se discutem os fatores que estariam envolvidos na retenção renal de sódio na insuficiência cardíaca. A teoria de “insuficiência retrógrada” propõe que à medida que o coração falha, as pressões venosas periféricas e centrais aumentam, elevando a pressão hidráulica transcapilar e 152 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema conseqüentemente promovendo a transudação de líquido no espaço intersticial, edema e contração do volume circulante. A teoria da “insuficiência anterógrada” diz que, com o comprometimento da função cardíaca e do ventrículo esquerdo, a periferia, incluindo o rim, passa a ser mal perfundida, o que estimula mecanismos renais e intra-renais para a retenção renal de sódio. É provável que haja uma interdependência entre as duas teorias, e que o acontecimento básico seria uma retenção renal de sódio, e a transudação transcapilar seria um evento secundário. Na insuficiência cardíaca os rins estão funcionando adequadamente e retêm sódio numa tentativa de restaurar o volume circulante efetivo. Este mecanismo, denominado “subpreenchimento” (underfilling) é também observado na cirrose hepática e síndrome nefrótica.38 Volume Sanguíneo Arterial Efetivo Na insuficiência cardíaca congestiva há um distúrbio na relação normal do volume intravascular (volume efetivo) e a capacidade do leito vascular. Há sugestões de que o aumento da reabsorção tubular renal de sódio seja decorrente de alterações circulatórias percebidas por sensores de volume nos átrios cardíacos e grandes vasos torácicos. Como já mencionado anteriormente, talvez os efeitos na excreção renal de sódio sejam oriundos da estimulação mecânica dos átrios cardíacos, através da liberação de um peptídio atrial natriurético e por reflexos neurais bem estabelecidos. A importância do fluxo sanguíneo no circuito arterial para controle da volemia foi demonstrada pela resposta renal à abertura e fechamento de uma fístula arteriovenosa.44 O fechamento da fístula acarretava uma rápida natriurese sem alteração no ritmo de filtração glomerular, enquanto a abertura da fístula novamente reduzia a excreção de sódio. Nestas circunstâncias, as pressões hidráulicas nos átrios e circulação pulmonar diminuíam com o fechamento da fístula e aumentavam com a abertura da fístula. A percepção arterial ocorre em vários locais do leito vascular arterial. Existem os barorreceptores carotídeos e os barorreceptores intra-renais no aparelho justaglomerular. Uma redução da pressão de perfusão renal estimula a liberação de renina do aparelho justaglomerular resultando na formação de angiotensina II, aldosterona e retenção de sódio (Fig. 10.7). Esta retenção de sódio é na verdade um mecanismo protetor para preservar a adequação do volume circulante. Papel do Rim na Retenção de Sódio Na ICC há aumento do tônus simpático e das catecolaminas circulantes, responsáveis por aumento da resistência vascular periférica. No rim também ocorre aumento da resistência vascular e freqüentemente redução do ritmo de filtração glomerular (RFG). Mas não é a redução do RFG a responsável pela retenção de sódio, pois esta ocorre mesmo na ausência de qualquer alteração no Fig. 10.7 Esquema dos mecanismos envolvidos na retenção de sódio e edema da insuficiência cardíaca. (Baseado em Schrier, R.W.9) capítulo 10 153 Fig. 10.8 Controle peritubular da reabsorção de líquido do túbulo proximal. p pressão hidráulica transcapilar pressão oncótica transcapilar A elevação da resistência vascular renal na ICC reduz a . O aumento da fração de filtração na ICC aumenta a . As alterações em ambas as pressões aumentam a reabsorção proximal de sódio. RFG. Na ICC os nefros apresentam elevada fração de filtração, decorrente de aumento da resistência arteriolar eferente. Com a elevação da fração de filtração há aumento da pressão oncótica pericapilar tubular, alterando as forças peritubulares de Starling e acarretando aumento da reabsorção de sódio a nível de túbulo proximal (Fig. 10.8). Outras alterações hemodinâmicas intra-renais podem estar envolvidas: talvez o aumento do tônus simpático a nível renal cause uma redistribuição do fluxo sanguíneo para nefros justamedulares (alças de Henle longas) que podem reabsorver sódio mais avidamente que nefros corticais. Sistema Renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) Como já frisamos, a diminuição da perfusão renal estimula a liberação de renina com formação de angiotensina I e II e aldosterona. A manutenção da pressão arterial em face de uma redução do volume sanguíneo arterial é explicada pela elevação da angiotensina II. A retenção renal de sódio decorre da ação hemodinâmica da angiotensina II (vasoconstrição da arteríola glomerular eferente e aumento da fração de filtração), da sua ação direta no túbulo proximal e do hiperaldosteronismo. Prostaglandinas Mesmo que haja variação no volume plasmático, a interação entre angiotensina II e prostaglandinas mantém o fluxo sanguíneo renal quase constante. A inibição da síntese da prostaglandina em animais normovolêmicos não compromete a filtração glomerular, mas quando há depleção de volume e níveis elevados de angiotensina II, o blo- queio da síntese de prostaglandina reduz o fluxo sanguíneo renal e a filtração glomerular. Da mesma maneira, a inibição da síntese de prostaglandina só reduz a excreção de sódio se houver concomitante depleção de volume ou comprometimento intrínseco da função renal. Em resumo, os níveis elevados de substâncias vasoconstritoras, especialmente angiotensina II e catecolaminas, têm um importante papel na preservação de um adequado fluxo sanguíneo renal na ICC. Fator Natriurético A infusão contínua deste fator atrial causa uma redução da pressão arterial média, com elevação do ritmo de filtração glomerular, do fluxo urinário e da excreção de sódio e potássio. A influência do FNA na pressão arterial relaciona-se à sua capacidade de suprimir níveis plasmáticos de renina e em relaxar diretamente os vasos sanguíneos. Como o FNA pode aumentar a filtração glomerular em doses que diminuem a pressão arterial e o fluxo sanguíneo renal, pode vir a ser útil no tratamento agudo do coração insuficiente.45 Ao estudarem as anormalidades na excreção de sódio e água na ICC, Mettaurer et al. verificaram que os principais fatores determinantes na excreção de sódio eram a ativação do sistema renina-angiotensina e a função ventricular.46 Com relação à excreção de água, os fatores mais importantes foram os níveis plasmáticos de vasopressina e norepinefrina, a função renal e o grau de comprometimento da função ventricular esquerda. Um dos principais mecanismos de que o organismo lança mão para compensar a queda do débito cardíaco é a ativação de sistemas neuro-humorais. Na ICC, a secreção de vasopressina e a ativação 154 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema dos sistemas simpático e renina-angiotensina servem para otimizar a pré-carga e aumentar a contratilidade do miocárdio. CIRROSE HEPÁTICA As alterações hepáticas estruturais terminam por causar obstrução à drenagem venosa hepática, hipertensão portal e shunt sanguíneo porta-sistêmico. Além destas alterações hemodinâmicas, a função hepatocelular está comprometida, causando redução na síntese de albumina e fatores de coagulação. Há comprometimento na excreção de sal e água e redução do ritmo de filtração glomerular (RFG). De modo semelhante à insuficiência cardíaca, a retenção renal de sódio e água não se deve a uma anormalidade intrínseca dos rins, mas a mecanismos extra-renais que regulam a excreção renal destes elementos. Alguns autores, como Levy, Wexler e Allotey propõem que um mecanismo de overflow esteja presente ao menos nas fases iniciais da cirrose. De acordo com este conceito, uma retenção de sódio pelo rim, não dependente de volume, é o distúrbio primário na homeostase do sódio em pacientes com cirrose. Nesta teoria, a retenção de sódio e expansão plasmática resultam da ausência do “escape” de mineralocorticóides e antecedem o “subpreenchimento”. A predileção pelo acúmulo de líquido no peritônio, sob forma de ascite, deve-se às alterações localizadas das forças de Starling, pela hipertensão portal. Aqueles autores demonstraram aumento no volume efetivo de sangue nas fases iniciais da cirrose. A retenção de sódio ocorreu independentemente de débito cardíaco, pressão arterial média, fluxo sanguíneo esplâncnico e hepático, TFG, fluxo sanguíneo renal, níveis de aldosterona, estrógenos e progesterona ou atividade simpática.4 Há várias outras influências independentes do volume sistêmico que sustentam a hipótese de overflow. A percepção de uma obstrução da drenagem venosa hepática e elevada pressão hepática intra-sinusoidal através de uma via neural reflexa podem ser importantes mecanismos na retenção renal de sal e água, efetivada através de aumento na atividade simpática renal e cardiopulmonar (Fig. 10.9).47 Mesmo que o volume plasmático total esteja elevado na cirrose, o enchimento relativo do leito vascular arterial estará reduzido devido à redução da resistência vascular periférica, inclusive com comprometimento dos reflexos vasomotores autônomos e diminuição da resposta pressórica a angiotensina II e catecolaminas.48 Isto resulta num leito vascular dilatado, hiporreativo a alterações de volemia e comprometido na sua capacidade de regular o tônus e a capacidade. Assim sendo, pacientes cirróticos se tornam Fig. 10.9 Esquema dos mecanismos envolvidos na retenção de sódio e edema na cirrose hepática. (Baseado em Schrier, R.W.9 e Seifter, J.L. et al.47) capítulo 10 muito vulneráveis e sujeitos a um colapso hemodinâmico quando sofrem uma perda de volume aguda, como numa hemorragia ou diurese agressiva.47 A percepção por sensores intratorácicos e arteriais da redução do volume sanguíneo arterial efetivo promove a retenção de sódio. A redução da resistência vascular periférica observada em cirrose hepática avançada está relacionada, pelo menos em parte, a shunts arteriovenosos, mas talvez um vasodilatador (produzido, ou não inativado pelo fígado) tenha alguma participação. A seqüestração venosa esplâncnica que ocorre secundária à hipertensão portal também contribui para a redução da volemia. Com a obstrução da drenagem hepática venosa, os sinusóides hepáticos (altamente permeáveis a proteínas) permitem a passagem para o interstício de um elevado fluxo de filtrado rico em proteínas, resultando num aumento da formação de linfa hepática, principal responsável pela ascite em cirróticos. Quando o ritmo de formação da linfa hepática excede o ritmo de retorno do líquido extracelular à circulação via ducto torácico, ocorre diminuição do volume intravascular.47 O sucesso de procedimentos tais como o shunt peritoniovenoso, nos cirróticos com ascite, parece estar relacionado a uma rápida elevação do volume intravascular. Além disso, a hipoalbuminemia freqüentemente presente nos cirróticos e a resultante redução da pressão coloidosmótica do plasma contribuem para a transudação de líquido no compartimento intersticial e cavidade abdominal. Em conjunto, estes fatores levariam a um “subpreenchimento” da árvore arterial levando à ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e do eixo simpático e liberação de vasopressina. Estes eventos causariam a retenção de sódio e água pelo rim em fases mais avançadas da cirrose hepática.4 Função Renal na Cirrose Hepática Os distúrbios característicos de função renal na cirrose são a retenção de sódio e o comprometimento no clearance de água livre.47 A retenção renal de sódio pode ocorrer na cirrose na vigência de um RFG normal. Com a redução do volume intravascular efetivo, há um aumento na reabsorção tubular proximal de sódio e uma redução da oferta de líquido aos túbulos distais, sendo esta última a causa da redução do clearance de água livre. Renina-angiotensina-aldosterona Embora as causas de diminuição do volume sanguíneo arterial efetivo sejam distintas na cirrose e na insuficiência cardíaca, são similares os eventos subseqüentes que causam retenção renal de sódio e água. A resistência vascular renal está elevada nos cirróticos com ascite. A angiotensina II determina aumento da resistência da arteríola glomerular eferente, causando aumento da fração de filtração, aumento da pressão oncótica pericapilar tubular e conse- 155 qüentemente aumento da reabsorção de sódio ao nível do túbulo proximal. O aldosteronismo secundário ocorre devido à elevação de angiotensina II, esta última procurando preservar a pressão arterial. Portanto, face a uma redução do volume intravascular, a ativação do eixo reninaangiotensina-aldosterona serve para preservar a pressão arterial numa situação em que a capacidade vascular está muito aumentada. Além da estimulação da angiotensina II sobre a produção de aldosterona, a redução do fluxo sanguíneo hepático compromete a degradação da aldosterona e contribui ainda mais para a elevada atividade da aldosterona na cirrose. Entretanto, como na insuficiência cardíaca, antagonistas da aldosterona não são efetivos em aumentar a excreção de sódio no tratamento do edema e da ascite do cirrótico.9 Na síndrome hepatorrenal existe caracteristicamente uma pronunciada redução do fluxo sanguíneo renal com isquemia cortical e elevada resistência vascular renal, provavelmente devido à ação de substâncias vasoconstritoras como a angiotensina II e norepinefrina. Prostaglandinas A função das prostaglandinas na cirrose descompensada é provavelmente a mesma de outros estados hipovolêmicos: manutenção do fluxo sanguíneo renal e ritmo de filtração glomerular através do antagonismo aos efeitos pressóricos da angiotensina II e outros vasoconstritores na microvasculatura renal. SÍNDROME NEFRÓTICA Pacientes com síndrome nefrótica apresentam proteinúria maciça, hipoalbuminemia, edema periférico ou generalizado (anasarca) e hipercolesterolemia.49 O fenômeno primário na síndrome nefrótica é a perda maciça de proteínas pelo rim. Estudos iniciais revelam uma correlação entre a concentração sérica de albumina e o grau de edema em pacientes nefróticos. Em face destas observações, achava-se que a hipoalbuminemia, através da redução da pressão oncótica do plasma, era responsável pela saída de líquido do compartimento intravascular para o intersticial. Entretanto, investigações experimentais não corroboraram esta hipótese: diminuições da concentração plasmática de proteína no homem e em animais eram acompanhadas de volume plasmático constante ou elevado. Logo, ponderouse que ajustes nos mecanismos de troca transcapilar periférico deveriam ocorrer: queda da pressão oncótica do líquido intersticial, aumento na pressão hidráulica do líquido intersticial e aumento do fluxo linfático e proliferação linfática.50 Outros estudos recentes demonstraram que a permeabilidade do capilar periférico à albumina varia diretamente com as alterações na concentração sérica de albumina e inversamente com as alterações do volume plas- 156 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema Quadro 10.7 Mecanismos protetores contra a formação do edema periférico em estados hipoalbuminêmicos* Elevada drenagem linfática Vasoconstrição pré-capilar Diluição da proteína do líquido intersticial Baixa complacência do tecido intersticial Ajustes da permeabilidade da parede capilar à albumina *Obtido de Skorecki, K.L. et al.50 mático.40,51 Portanto, há certos mecanismos protetores contra a formação de edema em estados hipoproteinêmicos (Quadro 10.7). Parece, então, que o grau de edema não está tão relacionado com o grau de hipoalbuminemia per se, mas com alterações de mecanismos renais de controle do volume extracelular. Na síndrome nefrótica por lesões mínimas na criança, a hipoalbuminemia tem um papel importantíssimo na formação do edema. Nestes casos a redução do volume intravascular ativa a retenção renal de sódio (mecanismo de underfilling). A seqüência de eventos que determinam aumento na reabsorção renal de sódio pode ser apreciada na Fig. 10.10 e é semelhante à que ocorre na insuficiência cardíaca e cirrose. Entretanto, convém salientar que muitos pacientes com síndrome nefrótica podem ter volume plasmático elevado. O perfil renina-angiotensina-aldosterona também tem va- riado de acordo com o volume plasmático. Ativação do eixo renina-angiotensina-aldosterona é encontrada nos casos de volume plasmático reduzido e supressão do eixo nos casos de volume plasmático elevado. Logo, parece não haver um único mecanismo para explicar a retenção renal de sal na síndrome nefrótica. Como na insuficiência cardíaca e cirrose hepática, a atividade simpática e o nível de catecolaminas circulantes estão elevados, refletindo-se num aumento de resistência vascular renal. Entretanto, o fluxo sanguíneo renal e o RFG não estão uniformemente diminuídos na síndrome nefrótica e, em algumas circunstâncias, o RFG está elevado. Esta filtração elevada é devida à hipoalbuminemia, que diminui a pressão oncótica do capilar glomerular e, portanto, tende a aumentar a pressão de filtração glomerular. Por outro lado, em situações de importante hipoalbuminemia, a vasoconstrição da arteríola aferente do glomérulo pode diminuir a pressão hidrostática do capilar glomerular e reduzir o aumento do RFG. Portanto, na síndrome nefrótica, o RFG pode estar normal, elevado ou reduzido, dependendo do balanço entre o efeito da redução da pressão oncótica do plasma, a resistência vascular renal e a pressão de filtração glomerular. Outro aspecto do edema nefrótico quando comparado com o cirrótico ou cardíaco é o seguinte: há uma maior diminuição na reabsorção tubular proximal de sódio e água devido à redução da pressão oncótica peritubular causada pela hipoalbuminemia. Além disso, quando se bloqueia a reabsorção distal de sódio com diuréticos, os nefróticos excretam uma fração maior da carga filtrada de sódio. Logo, nefróticos podem responder melhor do que cardíacos e cirróticos a diuréticos que agem no nefro distal. Estes achados sugerem que o principal local de retenção de sódio na síndrome nefrótica está no nefro distal. Não se sabe se a elevada atividade da aldosterona explica este achado. Em certos casos de síndrome nefrótica causada por glomerulonefrites do tipo membranosa e membranoproliferativa, pode existir lesão renal que afete a capacidade intrínseca do rim em excretar sódio, resultando na retenção líquida e edema pelo mecanismo de overflow.38 GLOMERULONEFRITE AGUDA Fig. 10.10 Esquema dos mecanismos atuantes na retenção de sódio e edema da síndrome nefrótica. (Baseado em Schrier, R.W.9) Glomerulonefrite proliferativa difusa aguda e outras formas de lesão glomerular aguda podem causar retenção de sódio e água e formação de edema sem muitas alterações na concentração plasmática de albumina. Este balanço positivo de sódio e água aumenta o volume sanguíneo e a pressão arterial. Se houver elevação também da pressão hidráulica capilar, há desequilíbrio nas forças de Starling, com passagem de fluido intravascular para o interstício. Se as defesas do interstício forem vencidas (aumento do fluxo linfático, características físicas do interstício), ocorre edema. Este mecanismo de retenção de líquido devido a uma incapacidade renal de excretar sódio e capítulo 10 água é conhecido como “transbordamento”(overflow) e é também observado na insuficiência renal crônica.38 Os mecanismos envolvidos na retenção de sódio na glomerulonefrite aguda (Fig. 10.11) são discutidos a seguir. Comprometimento do Coeficiente de Ultrafiltração A lesão glomerular compromete o coeficiente de ultrafiltração (Kf) causando redução do ritmo de filtração glomerular (RFG), o qual causa redução na excreção de sódio. Havendo manutenção da ingestão normal de sódio, haverá balanço positivo de sódio com expansão do volume extracelular. Em condições normais esta expansão do volume extracelular acarretaria uma série de reações que alterariam a reabsorção tubular de sódio, aumentando a excreção fracional de sódio e restaurando o balanço. Por razões desconhecidas, na glomerulonefrite aguda estas adaptações na reabsorção de sódio não ocorrem. Alterações na Função Tubular Renal Não é surpresa que lesões obstrutivas e inflamatórias dos capilares glomerulares resultem em alterações significativas das forças de Starling do capilar peritubular, modificando o ritmo de absorção tubular. Um achado característico na glomerulonefrite aguda é uma queda da fração de filtração (FF), que se acompanha de diminuição da pressão oncótica capilar, a qual, transmi- 157 tida ao capilar peritubular, resulta numa redução de reabsorção de líquido no túbulo proximal. Há, no entanto, pouca evidência de que as alterações na reabsorção proximal de sódio sejam o principal mecanismo na retenção de sódio da glomerulonefrite aguda. Existem evidências de que o nefro distal participe ativamente na reabsorção de sódio da nefrite aguda. Com a redução do coeficiente de ultrafiltração e do RFG, diminui a oferta distal de sódio e conseqüentemente cai a excreção absoluta e fracional de sódio. A atividade plasmática da renina está reduzida face à expansão do volume extracelular e a secreção de aldosterona habitualmente não está elevada. Insuficiência Cardíaca A insuficiência cardíaca que pode ocorrer na glomerulonefrite aguda, tanto pela elevação da pré-carga (volume) como da pós-carga (hipertensão arterial), acaba sendo mais um mecanismo que determina retenção de sódio. O edema na glomerulonefrite aguda resulta de uma expansão do volume extracelular e elevação da pressão intracapilar sistêmica, alterando as forças de Starling nos capilares periféricos. Com isto há saída de sal e água para o interstício, e, dependendo do grau de volume e pressão do líquido intersticial, haverá evidência clínica de edema. EDEMA OBSERVADO EM MULHERES Edema da Gravidez Numa gravidez normal há aumento na retenção renal de sal, expansão do volume plasmático e ganho de peso. Há também aumento significativo do RFG, fluxo plasmático renal e do débito cardíaco. Esta retenção de sódio na gravidez é considerada fisiológica para satisfazer as necessidades do feto, o aumento da capacidade vascular materna e a seqüestração de líquido na cavidade amniótica. Alguns dos fatores importantes na retenção de sódio da gravidez estão enumerados no Quadro 10.8.29 Alterações de fatores físicos atuantes no túbulo renal parecem ser importantes na retenção de sódio. O RFG está mais elevado do que o fluxo plasmático renal, resultando num aumento da fração de filtração.42,43 Edema localizado nas extremidades inferiores ocorre em 75% das mulheres grávidas. Este edema ocorre por várias razões: • Efeito mecânico do útero aumentando a pressão venosa nos membros inferiores; • Perfusão elevada nas pernas devido a um aumento no débito cardíaco e diminuição da resistência vascular periférica; • Aumento do volume plasmático e redução da pressão oncótica do plasma; • Outros fatores enumerados no Quadro 10.8. Fig. 10.11 Fisiopatologia do edema nefrítico. (Baseado em Glassock, R.J. et al.56) Edema generalizado pode ocorrer em até 20% das mulheres grávidas e na ausência de toxemia é considerado até fisiológico. 158 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema Quadro 10.8 Possíveis fatores importantes na retenção renal de sódio da gravidez normal* 1. Obstrução ureteral devida ao útero grávido 2. Efeitos da postura no RFG e na perfusão renal 3. Efeitos da postura na seqüestração venosa nos membros inferiores 4. Possível aumento no apetite por sal 5. Mecanismos responsáveis pela retenção tubular renal de sódio a. Níveis elevados de aldosterona e outros mineralocorticóides b. Níveis elevados de estrogênios c. Presença de fatores humorais retentores de sódio ? d. Diminuição da resistência vascular periférica e. Aumento anatômico da capacidade vascular *Obtido de Levy & Seely.57 Edema Pré-menstrual O edema geralmente faz parte da síndrome pré-menstrual caracterizada por nervosismo, irritabilidade e cefaléia. A causa da retenção de sódio não é conhecida mas é provavelmente devida a um distúrbio endócrino como uma alteração na relação estrógeno/progesterona ou, como sugerido mais recentemente, uma elevação dos níveis plasmáticos de prolactina.52 CAUSAS DIVERSAS DE EDEMA Síndrome da Permeabilidade Capilar Elevada Há relatos de alguns pacientes que apresentaram angioedema generalizado recorrente. Desconhece-se a causa da elevada permeabilidade capilar, sendo a única anormalidade detectada a presença de uma paraproteína monoclonal IgG.53 Hipocalemia Crônica Toxemia Gravídica Os fatores responsáveis pela elevada retenção de sódio na toxemia são desconhecidos. Os níveis de renina-angiotensina-aldosterona diminuem com o aparecimento da toxemia assim como diminuem o RFG e o fluxo sanguíneo renal. Postula-se que a retenção de sódio pode ser devida a um comprometimento do balanço glomérulo-tubular resultante de uma hiper-reabsorção do filtrado, a exemplo do que ocorre numa glomerulonefrite proliferativa aguda, pois na toxemia há importante lesão endotelial com deposição de material fibrinóide. Edema Cíclico Idiopático Esta é uma síndrome observada predominantemente em mulheres obesas, adultas, que ainda não entraram na menopausa. A síndrome é caracterizada por períodos de edema, cefaléia, irritabilidade e distensão abdominal. A investigação não revela alterações cardíacas, renais ou hepáticas. Como a maioria destas pacientes apresenta boa diurese e natriurese quando em repouso no leito, questiona-se se a elevada reabsorção de sódio não estaria associada à posição ortostática. Além do componente ortostático de retenção de líquido, há considerável evidência de que estas pacientes têm diminuição do volume plasmático. Entre outros fatores aventados para explicar o edema destacam-se: defeito na permeabilidade capilar e elevados níveis de prolactina. Muitas pacientes usam ou usaram diuréticos. Como os diuréticos causam contração do volume circulante, há um estímulo à retenção de sódio com elevação dos níveis de renina-angiotensina-aldosterona e participação de outros mecanismos. O edema parece ocorrer principalmente após a cessação do uso dos diuréticos. A magnitude do ganho de peso está aumentada com uma dieta alta em sal e em carboidratos. Alguns pacientes com depleção crônica de potássio podem apresentar edema periférico. Não se conhece a causa da elevada reabsorção tubular de sódio. Medicamentos Várias substâncias administradas e pacientes podem determinar um aumento na reabsorção de sódio: estrogênios (anticoncepcionais); diazóxido; hidralazina; minoxidil e outras drogas simpatolíticas como metildopa, guanetidina e clonidina. Mais recentemente antiinflamatórios não-esteróides foram incluídos neste grupo de drogas. O mecanismo da retenção de sódio dos estrógenos não é conhecido, mas provavelmente relaciona-se a uma ação a nível tubular. Os vasodilatadores utilizados na hipertensão arterial reduzem a resistência vascular periférica, alterando a relação volume plasmático/capacitância vascular. Microangiopatia Capilar do Diabetes Mellitus Há relatos de alguns diabéticos com função renal normal que apresentam edema idiopático. Para estes casos tem sido sugerido que, na posição ereta, pode haver uma passagem excessiva de líquido para o interstício devido a uma microangiopatia capilar, com conseqüente retenção de sódio e edema. Pontos-chave: • A fisiopatogênese do edema na insuficiência cardíaca, cirrose, síndrome nefrótica e síndrome nefrítica tem a participação dos mecanismos de subpreenchimento e/ou transbordamento • O tratamento medicamentoso do edema é feito com diuréticos 159 capítulo 10 Princípios Gerais no Tratamento do Edema TRATAMENTO DA DOENÇA BÁSICA Como a redução do volume sanguíneo arterial efetivo é um denominador comum na retenção de sódio da insuficiência cardíaca, cirrose hepática e síndrome nefrótica, o manejo clínico deve ser dirigido para a correção deste distúrbio básico. Assim sendo, na insuficiência cardíaca melhorar o débito cardíaco restaura o volume circulante efetivo. Na síndrome nefrótica por lesões mínimas o uso de corticosteróides reduz a proteinúria e conseqüentemente a hipoalbuminemia. ADEQUAÇÃO DA INGESTA DE SAL E ÁGUA Embora a restrição de sódio seja efetiva na prevenção do aumento do edema, ela não causa um balanço negativo de sódio. A diurese de pacientes cardíacos hospitalizados e colocados em dietas hipossódicas está mais relacionada ao efeito benéfico do repouso no débito cardíaco do que resultante da dieta hipossódica. Pacientes que estão formando edema retêm uma fração da ingesta diária de sal a fim de restaurar o volume sanguíneo arterial efetivo. A excreção urinária diária de sódio destes pacientes reflete a capacidade de excreção renal. Conhecendo-se a oferta de sódio na dieta, a determinação da excreção de sódio nas 24 horas permite saber se o balanço de sódio é positivo ou negativo. Concentrações urinárias de sódio da ordem de 10 a 15 mEq/L geralmente indicam um balanço positivo, ou seja, maior quantidade de sódio está sendo reabsorvida nos túbulos renais. A maior parte dos pacientes edemaciados tem um comprometimento na excreção renal de água. A ingesta diária de líquido deve ser ajustada para as perdas insensíveis (500 a 700 ml) por dia mais as perdas urinárias. Quadro 10.9 Princípios gerais no tratamento do edema* 1. Avaliação da adequação do tratamento da doença básica responsável pelo edema 2. Avaliação do grau de ingesta de água e sal 3. Mobilização do edema 4. Avaliação da indicação do uso de diuréticos A. Comprometimento da função respiratória a. Edema pulmonar b. Ascite com elevação dos diafragmas e associada a atelectasias B. Comprometimento da função cardiovascular secundária a sobrecarga de volume C. Excesso de líquido comprometendo a atividade física e causando desconforto D. Permitir maior liberalização do sal na dieta, aumentando o paladar dos alimentos E. Indicação cosmética *Obtido de Schrier, R.W.9 pacientes em uso de diuréticos seja feita cuidadosa monitorização diária do peso, volume urinário e pressão arterial com o paciente deitado, sentado e em pé.38 Além disso, é essencial o conhecimento da potência, local de ação e complicações do uso de diuréticos (ver Cap. 43). A presença de edema per se não é uma indicação de uso de diuréticos. Em geral, o uso dos diuréticos deve ficar restrito a situações tais como: comprometimento da função cardíaca e/ou respiratória; desconforto físico devido ao acúmulo excessivo de líquido e permitir liberalização do sal na alimentação de pacientes que toleram pouco dietas hipossódicas (Quadro 10.9). EXERCÍCIOS (Respostas no final do capítulo.) MOBILIZAÇÃO DO EDEMA O repouso no leito é capaz de induzir diurese devido à redução da seqüestração venosa na periferia, aumentando assim o volume sanguíneo arterial efetivo. Efeito similar possuem as meias elásticas. INDUÇÃO DE BALANÇO NEGATIVO DE SÓDIO É possível induzir balanço negativo de sódio com a utilização de diuréticos (v. Cap. 43). Com a eliminação de sódio provocada por estas drogas, há redução do volume circulante, diminuição da pressão capilar e conseqüente movimentação de fluido do interstício para o intravascular, devido à modificação das forças de Starling. O fluido assim trazido ao intravascular torna-se disponível para a filtração glomerular.38 Deve ser salientado, porém, que a redução no volume intravascular obtida com os diuréticos pode provocar hipovolemia e insuficiência renal. Recomenda-se que nos 1) Num indivíduo de 70 kg, qual o volume do espaço extracelular? Nos exercícios 2 e 3, responda às seguintes perguntas: a. Qual o distúrbio do extracelular que este paciente apresenta? b. Qual a intensidade deste distúrbio (em percentagem aproximada)? c. Que tipo de solução administrar? d. Qual a quantidade de solução a infundir? e. Em quantas horas deve ser administrada esta solução? 2) Tome como exemplo o mesmo indivíduo acima, com história de dois dias de evolução com vômitos e diarréia profusa. Ao exame físico apresenta queda de 15 mmHg na pressão sistólica e diastólica quando fica em pé. A mucosa oral está seca e as jugulares têm enchimento lento. 3) Considere uma paciente de 60 kg, que permaneceu internada por três dias em outra cidade, com quadro de encefalite, com drenagem por sonda nasogástrica de aproximadamente 2 litros de estase ao dia, utilizando manitol, e recebendo solução glicosada 2.000 ml/dia. Esta paciente é admitida, no hospital onde você é plantonista, com PA 60 30 mmHg, FC 132 bpm, extremidades frias e perfusão periférica comprometida, enchimento capilar lento, jugulares colabando com a inspiração e anúria. Além disso, encon- 160 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema tra-se confusa e sonolenta. Assim que a paciente chega, você punciona uma veia jugular e encontra uma PVC de 3 cm H2O. 21. 22. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. MALNIC, G. e MARCONDES, M. Fisiologia Renal, pág. 91, 3.ª parte — Regulação do volume extracelular. EDART — São Paulo Livraria Ltda. 1972. 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ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET http://www.kidneyatlas.org/book1/adk1-02.pdf — Excelente capítulo do atlas on-line editado pelo Dr Schrier. http://umed.med.utah.edu/ms2/renal/Word%20files/ c)%20Disorders%20of%20Volume-Ed.htm — página que aborda a fisiopatogenia e tratamento do edema. http://www.medonline.com.br/med-ed/med10/ orimicc.htm — artigo que aborda as alterações renais encontradas na insuficiência cardíaca. http://www.geocities.com/HotSprings/4234/cirrose.html — página que entre outros itens descreve a fisiopatogenia das alterações renais encontradas na cirrose hepática. http://www.learndoctor.com/chapterpages/chapter22.htm — site com questões de auto-avaliação. RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS 1) Espaço extracelular 20% do peso. Paciente de 70 kg 14 litros. 2) Paciente de 70 kg com diarréia e queda de PA e aumento da FC ortostáticas. a. Depleção do espaço extracelular. b. 20-30% de depleção. c. Solução salina isotônica. d. 70 kg 14 litros de EEC; 20-30% de DEEC 14 0,2-0,3 2,8-4,2 litros de solução a infundir, pois este é o déficit apresentado. e. Na primeira hora infundir volume suficiente para que os sinais hemodinâmicos encontrados sejam melhorados; o restante do volume infundir nas próximas horas. 3) Paciente de 60 kg com história de perda por sonda gástrica e uso de diurético osmótico. a. Esta paciente apresenta um grau avançado de depleção do espaço extracelular, com sinais de choque hipovolêmico. b. Depleção de 40-50% do espaço extracelular. c. Solução salina isotônica. d. 60 kg 12 litros de EEC; 40-50% de DEEC 12 0,4-0,5 4,86 litros de solução a infundir, pois este é o déficit apresentado. e. Na primeira hora é importante infundir volume suficiente para desaparecerem os sinais de comprometimento hemodinâmico. A monitorização da diurese auxilia a verificar a adequação da reposição; continuar monitorizando a PVC, avaliando este parâmetro sem esquecer de suas limitações. Capítulo 11 Metabolismo Ácido-Básico Miguel Carlos Riella e Maria Aparecida Pachaly INTRODUÇÃO Manifestações clínicas e efeitos sistêmicos CONCEITOS E PRINCÍPIOS QUÍMICOS Achados laboratoriais Tratamento Ácido Alcalose metabólica Base Sistema tampão Causas de alcalose metabólica pH Geração da alcalose metabólica Lei de ação das massas Manutenção da alcalose metabólica Equação de Henderson-Hasselbalch Mecanismos de defesa do pH na alcalose metabólica Eletroneutralidade METABOLISMO ÁCIDO-BÁSICO Manifestações clínicas SISTEMAS TAMPÃO Dados laboratoriais Tratamento Sistema tampão ácido carbônico-bicarbonato Acidose respiratória Proteínas plasmáticas Hemoglobina Causas Tamponamento nos ossos Conseqüências clínicas Conseqüências fisiológicas CONTROLE RESPIRATÓRIO DA PCO2 CONTROLE RENAL DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO Tratamento Alcalose respiratória Reabsorção tubular do bicarbonato filtrado Secreção tubular de H Causas Fatores que influenciam na reabsorção do bicarbonato Conseqüências clínicas Conseqüências fisiológicas filtrado Tratamento Excreção de acidez titulável (AT) 4 Distúrbios ácido-básicos mistos Excreção de amônio (NH ) Produção proximal e secreção de NH4 Diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos 4 Gradiente intersticial corticopapilar para NH /NH3 Secreção de amônia nos ductos coletores (NH3) Difusão não-iônica DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO ÁCIDO-BÁSICO Acidose metabólica Causas Roteiro para interpretação dos distúrbios ácido-básicos Alguns exemplos EXERCÍCIOS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS 163 capítulo 11 INTRODUÇÃO Para que seja mantida a estabilidade do meio interno, deve haver equilíbrio entre a produção e a remoção de íons hidrogênio (H) em nosso organismo. Os rins são fundamentais na eliminação do H, mas o controle da concentração deste íon envolve ainda outros mecanismos, como o tamponamento realizado pelo sangue, células e pulmões.1 A quantidade de íon hidrogênio é mantida dentro de limites estreitos, num processo extremamente sensível, uma vez que a quantidade de hidrogênio no extracelular (40 nanoequivalentes/litro 0,00004 mEq/litro) é cerca de 1 milionésimo das concentrações do sódio, potássio ou cloro.2 A manutenção desta baixa concentração hidrogeniônica é essencial para a função celular normal. Os íons hidrogênio são altamente reativos, particularmente com porções de moléculas protéicas com carga negativa.2 Assim, variações na concentração de hidrogênio produzem grande impacto sobre as funções celulares, pois quase todos os sistemas enzimáticos de nosso organismo e proteínas envolvidas na coagulação e contração muscular são influenciados pela concentração de íons hidrogênio.2,3 Sistema Tampão É o sistema formado por um ácido e uma base a ele conjugada, cuja finalidade é a de minimizar alterações na concentração hidrogeniônica [H] de uma solução. Em outras palavras, uma base fraca se liga aos H dissociados de um ácido forte para formar um ácido fraco pouco dissociável, tamponando e, portanto, minimizando as alterações na concentração de H. Além disso, um sistema tampão também pode doar H.5 pH Como a concentração hidrogeniônica [H] é muito baixa, torna-se mais simples expressar esta concentração em escala logarítmica, utilizando as unidades de pH. O pH é inversamente proporcional à concentração hidrogeniônica. Um baixo pH corresponde a uma alta concentração de íons hidrogênio, enquanto um pH alto corresponde a uma concentração hidrogeniônica baixa. Portanto, a atividade dos íons H em uma solução determina a sua acidez.1,6 pH log 1/H log [H] Para a [H] normal de 40 mEq/litro, o pH é: pH log [0,00000004] 7,4 CONCEITOS E PRINCÍPIOS QUÍMICOS Ácido Substância capaz de doar íons H (prótons). Exemplos: H2CO3, NH4, HCl. Um ácido forte como o HCl se dissocia rapidamente e libera grandes quantidades de H. Os ácidos fracos têm uma menor tendência à dissociação, liberando H com menor intensidade. O acúmulo excessivo de íons H é chamado de acidose.1,4 Base Substância (íon ou molécula) capaz de receber íons H. Exemplos: HCO3, NH3, HPO4. Uma base forte (p.ex., o OH) reage de maneira rápida e intensa com o H, removendo-o de uma solução. Uma base fraca reage de maneira pouco intensa. O termo base é usado como sinônimo de álcali. Álcali é uma molécula formada pela combinação de um metal alcalino (p. ex., sódio, potássio) com um íon fortemente básico, como o íon hidroxila (OH). Os íons hidroxila reagem rapidamente com os íons hidrogênio, portanto são bases típicas. A remoção excessiva de íons H dos líquidos corporais é chamada de alcalose. No equilíbrio ácido-básico normal, a maior parte dos ácidos e bases existentes no espaço extracelular é fraca.1 Nos líquidos corporais e diferentes tecidos existe uma ampla variação de pH. O pH arterial normal é 7,40, sendo um pouco menor no sangue venoso e interstício (7,35), devido à quantidade de CO2 que se difunde dos tecidos. O pH urinário pode variar de 4,5 a 8,0, dependendo do estado ácido-básico do fluido extracelular. No estômago, a produção de HCl pode reduzir o pH para 0,8.1 Considera-se o pH como normal se estiver entre 7,35 e 7,45. Os limites de pH sanguíneo compatível com a vida são 6,8 e 8,0.1 Lei de Ação das Massas A lei de ação das massas estabelece que a velocidade de uma determinada reação química é proporcional à concentração dos reagentes. Por exemplo, na reação abaixo, a velocidade com que a reação ocorre para a direita ou para a esquerda é uma constante que depende da concentração dos substratos. HPO4 H ↔ H2PO4 Em equilíbrio, são iguais as constantes para cada lado da equação. Porém, se houver maior quantidade de substrato em um lado, a reação se dirige para o lado oposto. A lei de ação das massas é útil para descrever a dissociação de todos os ácidos e bases do organismo. Por exemplo, para a dissociação de um ácido HA em H A: 7 164 Metabolismo Ácido-Básico Ka [H] [A] [HA] Onde: Ka constante de dissociação para este ácido (há um valor para cada ácido). Equação de Henderson-Hasselbalch A equação que acabamos de ver pode ser reorganizada, originando a equação de Henderson-Hasselbalch, que quando aplicada ao sistema tampão ácido carbônico-bicarbonato, um dos mais importantes de nosso organismo, define a relação entre pH, PCO2 e HCO3. Neste caso, pK é a constante de dissociação do ácido carbônico. Fica assim demonstrado que o pH do sangue é determinado pela concentração de bicarbonato e tensão de CO2.6,7 log [HCO3] pH pK log [H2CO3] Eletroneutralidade É o princípio segundo o qual não pode haver acúmulo de quantidades significativas de cargas elétricas em sistemas biológicos, pois isto geraria diferenças muito altas de potencial elétrico nos tecidos. Então, ao ser absorvido um cátion, é necessário que seja reabsorvido um ânion, ou eliminado outro cátion, de forma que resulte o mesmo número de cargas positivas e negativas.8 METABOLISMO ÁCIDO-BÁSICO O metabolismo de gorduras e carboidratos origina CO2 e H2O. Aproximadamente 20.000 mEq de CO2 são produzidos diariamente. Ao observar a reação abaixo, percebe-se que se o CO2 não fosse eliminado, a reação se dirigiria no sentido de produção do H2CO3, que se dissociaria e aumentaria a quantidade de hidrogênio no organismo, resultando em acidose. A eliminação do CO2 é realizada pelos pulmões; por este motivo o CO2 é chamado de ácido volátil.2 CO2 H2O ↔ H2CO3 ↔ H HCO3 Além da produção de ácido volátil, são produzidos outros ácidos em nosso metabolismo. A dieta ocidental contém aminoácidos e outras substâncias ácidas. Por exemplo, o cloreto de lisina é metabolizado em ácido clorídrico e uréia; a hidrólise de proteínas e ácidos nucléicos forma ácido fosfórico, e a oxidação de aminoácidos que contêm enxofre gera ácido sulfúrico. Desta forma, produz-se uma carga ácida diária da ordem de 1 mEq/kg/dia. Além disso, a oxidação incompleta da glicose pode originar 20-30 mEq de ácidos orgânicos por dia.9 A produção endógena de ácidos é um processo normal, mas pode estar aumentada na presença de certas influências hormonais, substratos exógenos ou interrupção das vias de controle. Alguns estados patológicos se caracterizam por um aumento significativo na produção de ácidos orgânicos, como os cetoácidos formados no diabetes melito descompensado, alcoolismo ou jejum prolongado. Drogas e toxinas podem acelerar a produção de ácidos orgânicos, como o ácido fórmico a partir do metanol; ácido oxálico a partir do etilenoglicol, e ácido salicílico a partir da aspirina. Outro mecanismo para acúmulo de ácido ocorre quando seu metabolismo e excreção estiverem comprometidos. Exemplo disso é o acúmulo de ácido láctico, caso sua conversão para glicose (ciclo de Cori) seja interrompida por algum motivo; como o tecido muscular produz imensas quantidades deste ácido todos os dias, ele rapidamente se acumularia.9 Ao contrário do CO2, que pode ser eliminado pelos pulmões, os demais ácidos são denominados ácidos não-voláteis ou fixos e devem ser eliminados pelo rim. Além do ganho diário de ácidos voláteis e não-voláteis, nosso organismo também deve compensar as perdas fisiológicas de substâncias alcalinas, de cerca de 20-30 mEq de bicarbonato por dia. Em algumas doenças diarréicas, esta perda pode aumentar dez vezes.1 Frente a todos estes dados, percebemos que existe em nosso organismo uma predominância de mecanismos que levam a um excesso de ácidos. A manutenção de um pH normal nos fluidos corporais frente a uma carga ácida requer a integração de mecanismos fisiológicos que impedem que haja variações muito intensas na concentração de hidrogênio. A primeira linha de defesa que atua na manutenção de um pH fisiológico frente à adição de ácidos são os tampões (bicarbonato e outros tampões extracelulares), que agem instantaneamente. Já a segunda linha de defesa envolve o sistema respiratório e consiste na variação da PCO2 de acordo com a [H] em minutos a horas. Por último, há a terceira linha de defesa, que envolve o sistema renal através do controle da concentração de bicarbonato. A eficácia máxima deste último sistema é atingida 24 a 48 horas após o início do desequilíbrio.2,10 Desta maneira, e voltando à equação de HendersonHasselbalch, podemos compreender que o organismo atua na normalização do pH atuando nas variáveis que determinam o pH: PCO2 e HCO3. O desvio do pH arterial abaixo de 7,35 ou acima de 7,45 é referido como acidemia e alcalemia, respectivamente. Os processos que tendem a reduzir ou elevar o pH são chamados acidose e alcalose. Desta maneira, poderemos ter quatro alterações primárias do estado ácido-básico: 1. acidose metabólica: quando o HCO3 diminuir, ou quando a concentração de H aumentar; 2. alcalose metabólica: quando o HCO3 estiver elevado ou quando ocorrer uma perda de H; 165 capítulo 11 3. acidose respiratória: quando ocorrer um aumento na PCO2; 4. alcalose respiratória: quando a PCO2 for reduzida. Porém, há situações em que duas ou mais anormalidades estão presentes, caracterizando os distúrbios ácidobásicos mistos.2 Pontos-chave: • Os ácidos voláteis e não-voláteis, produzidos diariamente, são eliminados pelos pulmões e rins, respectivamente • pH normal 7,35-7,45. Para preservar as funções celulares, variações de pH devem ser corrigidas, através das seguintes linhas de defesa: 1.ª (instantânea): Sistemas tampão 2.ª (minutos): Componente respiratório 3.ª (horas a dias): Componente renal (lento) SISTEMAS TAMPÃO A manutenção de um pH relativamente constante no organismo se deve à integração renal-respiratória, já mencionada, e à atuação de sistemas tampão (componente químico), que minimizam as variações de pH conseqüentes a uma carga ácida ou alcalina. Os sistemas tampão são de modo geral formados por ácidos fracos (e o sal correspondente ou base), que não se dissociam completamente e, portanto, têm a capacidade de receber ou doar H quando a concentração de H se altera. Por exemplo, quando um ácido forte é introduzido no sangue, ele se dissocia completamente e aumenta a concentração de H. Ao entrar em contato com o sistema tampão, o hidrogênio dissociado do ácido forte liga-se ao sal do sistema tampão, reduzindo a atividade de H. Assim, o ácido forte é substituído por um ácido fraco, de dissociação menos intensa.1,11 Ácido forte base fraca ↔ sal neutro ácido fraco Exemplo: HCl Na2HPO4 ↔ NaCl NaH2PO4 Ao acrescentar uma base forte a um sistema tampão, ela é substituída por seu sal de base e um ácido fraco.1,11 Base forte ácido fraco ↔ base fraca água Exemplo: NaOH NaH2PO4 ↔ Na2HPO4 H2O A capacidade do sistema tampão em resistir às alterações do pH é dependente da concentração e do pK do sistema tampão (Fig. 11.1). Quanto mais próximo do pK do sangue estiver o pK do tampão, maior será a sua capacidade de tamponamento. Quando se adiciona ácido (H) ao organismo, parte dele é tamponada quimicamente no líquido extracelular, e parte Fig. 11.1 Alteração no pH de uma solução tampão, à medida que um ácido é adicionado à solução. Observem que, quando o tampão estiver 50% livre e 50% combinado com H (pK do tampão), haverá pouca alteração do pH. Portanto, o tampão será mais eficiente em soluções com um pH nesta faixa. (Obtido de Makoff, D.L.49) difunde-se para dentro das células (Fig. 11.2). Aproximadamente 60% são tamponados nas células e nos ossos, num processo que envolve troca de H por Na ou K. Os 40% restantes são tamponados no líquido extracelular pelos tampões existentes. Quando se adiciona uma substância alcalina, aproximadamente 70% são tamponados em líquido extracelular e o restante nas células.12 O movimento de H, OH ou HCO3 através da membrana celular é importante para o tamponamento de variações de pH que ocorrem no extracelular ou intracelular.10 No organismo, os seguintes sistemas tampão são importantes: bicarbonato, proteínas plasmáticas (extracelulares) e hemoglobina, fosfato, complexos organofosfatados, amônio, proteínas intracelulares e cristais de apatita do osso. De acordo com o princípio iso-hídrico, todos os tampões em uma solução estão em equilíbrio com a mesma concentração de hidrogênio. Estes vários sistemas tampão não agem isoladamente; eles atuam ao mesmo tempo, cada qual com seu pK e concentração. Quando ocorre uma variação na concentração de hidrogênio, ocorrem modificações em todos os sistemas tampão. Qualquer condição que modifique o equilíbrio de um sistema tampão altera o equilíbrio de todos os outros.1,8 Sistema Tampão Ácido CarbônicoBicarbonato É o principal sistema tampão do organismo. Observe que as reações químicas deste sistema tampão obedecem à quantidade existente de substrato e acontecem ao mesmo tempo no sangue e nos túbulos renais. Quando íons H são adici- 166 Metabolismo Ácido-Básico Fig. 11.2 Mecanismos de defesa frente a um excesso de ácido. Quando ocorre alcalose, as reações se processam em sentido inverso. (Obtido de Makoff, D.L.49) onados ao organismo, combinam-se com o HCO3 do plasma, formando H2CO3, que se dissocia em água e CO2, o qual pode ser removido pelos pulmões. Neste sistema, o pH do líquido extracelular é controlado pela eliminação ou recuperação de HCO3 pelos rins e remoção de CO2 pelos pulmões. H HCO3 ↔ H2CO3 ↔ CO2 H2O Devido à sua importância no equilíbrio ácido-básico, o sistema tampão ácido carbônico-bicarbonato será abordado em mais detalhe ao longo deste capítulo. Proteínas Plasmáticas As proteínas e aminoácidos do sangue e intracelulares são tampões importantes, pois possuem grupos químicos capazes de receber ou liberar H, comportando-se como ácidos ou bases. As proteínas possuem numerosos grupos carboxila (COOH), que podem perder um próton e formar COO. Também apresentam grupos amino (NH2), que podem receber um próton e formar NH3.10 A ação tamponante de uma proteína pode ser vista na Fig. 11.3. A carga elétrica das proteínas varia com o pH do extracelular. Para uma determinada proteína, a carga é determinada pelo equilíbrio entre seus grupos de carga negativa e positiva. Uma proteína pode ser caracterizada pelo seu ponto isoelétrico, isto é, o pH em que não apresenta cargas negativas. Para as proteínas plasmáticas, o ponto isoelétrico está em torno de 5,1-5,7, ou seja, bem abaixo do pH normal de nosso organismo. Por isso, de modo geral as proteínas plasmáticas se comportam como poliânions.10 A albumina realiza uma parte significativa da ação tamponante do plasma que não é executada pelo bicarbonato, pois há vários grupos imidazol em sua molécula. Sua capacidade tamponante é superior à da globulina.10 Fig. 11.3 Representação esquemática da ação tamponante de uma proteína. 167 capítulo 11 As proteínas localizadas no espaço intracelular também contribuem para o tamponamento do H. Por exemplo, as proteínas intracelulares do músculo esquelético colaboram com 60% do tamponamento não realizado por bicarbonato, sendo os 40% restantes realizados por fosfatos orgânicos e inorgânicos.10 Hemoglobina A hemoglobina é responsável pela maior parte do tamponamento plasmático não realizado pelo bicarbonato, devido à sua alta concentração nas hemácias e sua grande capacidade de tamponamento, por possuir vários grupos ácidos ou básicos em sua molécula: carboxila (COOH), amino (NH2), amônia (NH3). O CO2 proveniente do metabolismo tissular difunde-se para dentro das hemácias. A hemoglobina reduzida, presente ao nível tecidual, tem máxima afinidade por radicais ácidos, favorecendo a captação e o transporte de CO2. Dentro das hemácias, apenas uma pequena parte do CO2 permanece dissolvida. A maior parte do CO2 que adentra a célula sofre hidratação, por ação da anidrase carbônica (presente em grandes quantidades nas hemácias), formando H2CO3, que se dissocia em H e HCO3. O hidrogênio assim liberado é tamponado por grupos amino da hemoglobina, a qual se transforma em H-Hb. 10 CO2 H2O ↔ H2CO3 ↔ H HCO3 앖 anidrase carbônica (AC) Com o aumento da concentração intra-eritrocitária de bicarbonato, este se difunde para o plasma devido ao gradiente de concentração. Portanto, é nas hemácias que se forma parte do bicarbonato plasmático. Com a saída de HCO3, o Cl adentra a célula, a fim de manter a eletroneutralidade.10 Pontos-chave: • Tampões são substâncias capazes de doar ou receber íons hidrogênio, atenuando variações de pH • Os principais tampões existentes em nosso organismo são: Bicarbonato Proteínas plasmáticas e intracelulares Hemoglobina Ossos • Cerca de 95% dos ácidos voláteis são tamponados no intracelular. Dos ácidos fixos, 50% são tamponados no intracelular e 50% no extracelular No sangue que transita pelos pulmões, a reação química anterior sofre uma inversão, e o CO2 é eliminado.10 Tamponamento nos Ossos Os ossos contêm cerca de 60% do CO2 do organismo, sendo a maior parte sob a forma de carbonato, formando complexos com cálcio, sódio e outros cátions. O restante existe sob a forma de bicarbonato, associado à hidroxiapatita. Existem evidências demonstrando que na acidose crônica (como na insuficiência renal crônica) a necessidade de tamponamento leva à dissolução óssea, com liberação de tampões fosfato e carbonato, num mecanismo possivelmente mediado pelo paratormônio.10 CONTROLE RESPIRATÓRIO DA PCO2 A segunda linha de proteção contra distúrbios ácidobásicos é o controle da concentração de CO2 pelos pulmões. A equação de Henderson-Hasselbalch demonstra que a variação da PCO2 através da respiração é uma importante maneira de normalizar o pH. Assim, quando há aumento da concentração de H, este se combina com o bicarbonato, formando ácido carbônico (H2CO3), que se dissocia em H2O e CO2. O CO2 continuamente produzido pelo metabolismo e resultante das reações dos sistemas tampão é rapidamente eliminado pelos pulmões. H HCO3 ↔ H2CO3 ↔ H2O CO2 씮 respiração 앖 metabolismo Além disso, a ventilação alveolar é estimulada ou inibida por variações na [H]. Quando a concentração hidrogeniônica está elevada, o centro respiratório é estimulado, aumentando a amplitude dos movimentos respiratórios (hiperventilação alveolar), eliminando mais CO2. Uma inibição do centro respiratório (hipoventilação alveolar) ocorre se a concentração de hidrogênio está baixa, por um mecanismo de feedback.1 CONTROLE RENAL DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO Apesar da eficiência dos sistemas tampão e do controle respiratório, estes mecanismos proporcionam proteção temporária, minimizando alterações do pH quando ácidos fortes ou bases são adicionados ao organismo, ou quando a concentração de CO2 se altera. Um mecanismo mais duradouro é realizado pelos rins, através da reabsorção de quase todo o bicarbonato filtrado e recuperação do HCO3 que foi consumido no proces- 168 Metabolismo Ácido-Básico Fig. 11.4 Filtração, reabsorção e excreção de bicarbonato de acordo com a concentração plasmática. Observem que todo o bicarbonato será reabsorvido quando a concentração plasmática for inferior a 25-26 mM/L. (Modificado de Pitts, R.F.50) so de tamponamento de ácidos fixos. Este último processo é obtido através da excreção de uma quantidade equivalente de H na urina.3 Para cada molécula de bicarbonato consumida, o rim reabsorve ou regenera uma nova molécula de bicarbonato.8 A urina torna-se ácida pela reabsorção das substâncias alcalinas ou pela adição de ácido ao fluido tubular.13 Reabsorção Tubular do Bicarbonato Filtrado Como o sódio e outros solutos, o bicarbonato é filtrado livremente pelo glomérulo. Em adultos, cerca de 4.500 mEq de bicarbonato são filtrados por dia. Se houvesse perdas de bicarbonato, mesmo que pequenas em relação ao total, os estoques seriam rapidamente esgotados. Isto é evitado pela existência de uma grande avidez tubular pela reabsorção de bicarbonato, que ultrapassa 99,9% do bicarbonato filtrado, ou seja, apenas 2 mEq de bicarbonato são excretados por dia.3 Secreção Tubular de H Os estudos de Pitts e colaboradores na década de 1940 demonstraram que grande parte do ácido excretado chega até a urina não por filtração glomerular, e sim por secreção tubular. Dentro das células tubulares, a água está em equilíbrio com o H e OH. O hidrogênio é secretado para a luz tubular principalmente por dois mecanismos: 1) Através de um processo ligado à entrada passiva de sódio filtrado para a célula (troca Na / H)13,14 e 2) Através de um processo ativo por uma bomba iônica (H-ATPase). A presença e importância de cada um desses mecanis- mos na secreção de H varia nos diferentes segmentos tubulares. Nos ductos coletores há um terceiro mecanismo, por meio de uma bomba H-K-ATPase.3 A maior capacidade secretora de H ocorre no túbulo proximal (80-90%), alça de Henle e túbulo contornado distal (10-20%), e apenas uma pequena fração no túbulo coletor. No entanto, os segmentos proximais conseguem pequenas alterações de pH urinário; as maiores alterações são obtidas no ducto coletor. Vários fatores interferem com a secreção de hidrogênio na luz tubular, como a PCO2, níveis de potássio e hormônios adrenais. A secreção de hidrogênio aumenta quando há retenção de CO2. Se a PCO2 cair, aumenta o pH intracelular e diminui a secreção de H. O potássio também interfere na secreção de H. Quando existe depleção de potássio, ocorre aumento na concentração intracelular de H, com aumento de sua secreção e da reabsorção de bicarbonato. Quando existe excesso de potássio, diminuem a concentração intracelular e a secreção de hidrogênio, diminuindo também a reabsorção de bicarbonato. A elevação dos níveis circulantes de hormônios adrenais leva a um aumento na reabsorção de HCO3 principalmente em presença de deficiência de potássio. Quando não há déficit de potássio, a aldosterona parece atuar apenas nas porções mais distais do nefro, aumentando sua capacidade de secretar H. Aldosterona causa expansão do extracelular, diminuindo sua capacidade de reabsorção proximal de HCO3 e contrabalançando o aumento que causa na secreção distal de H. Então, em presença de potássio normal, não há nem alcalose nem acidose. Porém, quando há hipocalemia, o déficit de potássio aumenta a reabsorção proximal de bicarbonato, suplantando o efeito supressor da expansão do extracelular sobre a reabsorção do capítulo 11 mesmo, e ainda secretando mais hidrogênio. Como resultado, estabelece-se uma alcalose metabólica. Outro fator que interfere com a secreção do H é a presença de ânions não-reabsorvíveis em alta concentração no túbulo distal, como carbenicilina e penicilina. Isto aumenta o fluxo e a eletronegatividade intraluminal, favorecendo a secreção de hidrogênio e potássio, resultando em alcalose metabólica.15,16 Uma vez na luz tubular, o hidrogênio secretado se combina com HCO3 filtrado, formando H2CO3, que é convertido em CO2 e H2O. No túbulo proximal e ramo ascendente espesso da alça de Henle (mas não em segmentos mais distais), esta reação ocorre em milissegundos, sob influência da anidrase carbônica, que é uma enzima presente na membrana luminal das células e que não existe no fluido tubular. A anidrase carbônica é encontrada na porção contornada do túbulo proximal, porção ascendente espessa da alça de Henle e túbulo contornado distal. A inibição desta enzima (p.ex., pela acetazolamida) bloqueia a reabsorção de bicarbonato e acidificação urinária. O CO2 assim formado dentro do lúmen se difunde para dentro da célula, onde se combina com o OH que resulta da dissociação da água, e novamente, sob ação da anidrase carbônica, forma-se HCO3. O HCO3 então se difunde passivamente para o fluido peritubular e sangue. Em muitos segmentos do nefro o HCO3 atravessa a membrana basolateral por difusão facilitada, acompanhando o Na (por um co-transportador), ou em troca por Cl. Apesar de que algum Na que acompanha o HCO3 então atravesse a célula passivamente, a maior parte é transportada ativamente para o fluido peritubular e sangue, pela bomba NaK-ATPase. Assim, para cada H secretado um HCO3 retorna ao fluido peritubular e sangue, e praticamente todo o bicarbonato filtrado é recuperado. Note que este não é um mecanismo puro de secreção de hidrogênio, pois o CO2 Fig. 11.5 Mecanismo de reabsorção do bicarbonato filtrado. Ver o texto. (Adaptado de Valtin, H.; Schafer, J.A.3) 169 formado dentro dos túbulos pelo H secretado retorna à célula, formando mais H por hidroxilação. Até aqui, não houve secreção verdadeira de hidrogênio.3 Como se observa na Fig. 11.5, a maior parte da reabsorção de bicarbonato (70-85%) ocorre nos segmentos iniciais do túbulo proximal e proporções variáveis na alça de Henle, túbulo distal e ducto coletor. 3 Fatores que Influenciam na Reabsorção do Bicarbonato Filtrado A proporção de bicarbonato que retorna ao sangue é afetada por fatores que interagem entre si, como: a) quantidade de bicarbonato apresentada aos túbulos; b) estado do espaço extracelular; e c) PCO2 arterial. É possível que estes fatores alterem a reabsorção de bicarbonato principalmente através de modificações na ativação ou no número de trocadores Na/K e H-ATPases. Alguns hormônios e substâncias vasoativas (paratormônio, hormônios adrenais, angiotensina II, catecolaminas e dopamina) afetam a reabsorção de bicarbonato, através de mecanismos ainda não muito compreendidos. Outros fatores, como a deficiência de potássio e cloro, exercem influência importante apenas em presença de doença.3 1) A quantidade de bicarbonato filtrado e apresentado aos túbulos varia de acordo com a concentração plasmática de bicarbonato e a taxa de filtração glomerular. Se as outras variáveis estiverem constantes (p.ex., o volume do extracelular), a quantidade de bicarbonato reabsorvido é quase igual à quantidade filtrada. O mecanismo deste efeito ainda não está esclarecido, mas a taxa de reabsorção parece estar ligada à reabsorção de sódio, principalmente no túbulo proximal. Isto pode ser em parte decorrente da necessidade de conservar sódio e manter o espaço extracelular.3,13 2) Efeito do volume do extracelular: quando o volume está bastante expandido, ocorre diminuição da reabsorção de bicarbonato filtrado; o oposto ocorre quando o extracelular está contraído. Novamente, o mecanismo parece estar ligado a modificações na reabsorção de sódio impostas pelas variações no volume extracelular.3 3) Influência de modificações prolongadas na PCO2: quando ocorre diminuição da PCO2 (como, por exemplo, por hiperventilação crônica), a reabsorção do bicarbonato diminui; quando há elevação da PCO2, aumenta a reabsorção de bicarbonato. Dois mecanismos parecem estar envolvidos nesta variação de reabsorção: a) mudança na quantidade de bicarbonato filtrado e apresentado aos túbulos (isto só ocorre em distúrbios crônicos, pois, nos agudos, a concentração plasmática de bicarbonato muda muito pouco); e b) efeito direto da PCO2 sobre a atividade da H-ATPase e H-K-ATPase.3 170 Metabolismo Ácido-Básico Como já foi mencionado, a dieta ocidental rica em proteínas produz vários ácidos não-voláteis (fixos), como o ácido sulfúrico, fosfórico e ácidos orgânicos. Estes ácidos são tamponados nos seguintes tipos de reação: 2 H SO4 2 Na 2 HCO3 ↔ 2 Na SO4 2 H2O 2 CO2 2 H HPO4 2 Na 2 HCO3 ↔ 2 Na HPO4 2 H2O 2 CO2 Nestes exemplos, o CO2 assim produzido é eliminado pelos pulmões, e os dois sais neutros, Na2SO4 e Na2PO4, são filtrados pelo glomérulo. Se estes sais fossem excretados pela urina, o organismo ficaria em déficit de bicarbonato de sódio (NaHCO3), o principal tampão extracelular utilizado na neutralização dos ácidos fixos. Os rins evitam este déficit de bicarbonato de sódio através da excreção de NH4 e de acidez titulável. Em ambas as operações, o bicarbonato recém-formado nas células tubulares renais é absorvido para o sangue peritubular, juntamente com o sódio que foi filtrado.3 Fig. 11.6 Mecanismo de formação de acidez titulável. Ver o texto. (Adaptado de Valtin, H.; Schafer, J.A.3) Excreção de Amônio (NH4) Excreção de Acidez Titulável (AT) Se considerarmos uma urina com pH de 5,2, podemos adicionar a ela uma substância alcalina até que seu pH se iguale ao pH do sangue, ou seja, 7,4. A quantidade de substância alcalina (em ml) necessária para titular a urina até se igualar ao pH do sangue é equivalente à quantidade de H ligada aos tampões filtrados. Esta quantidade de ácido assim excretada é calculada e denominada acidez titulável. Com a reabsorção de bicarbonato, a urina nos túbulos renais se torna ácida. O hidrogênio secretado para a luz tubular se combina com outros tampões que foram filtrados. Como parte deste último processo, o sal neutro Na2HPO4 é convertido no sal ácido NaH2PO4, principal maneira de excreção de acidez titulável. Outros tampões filtrados, como ânions orgânicos, citrato, acetato e 3-hidroxibutirato, são também titulados, mas de modo geral contribuem pouco para a AT, devido à sua baixa concentração e baixo pK.3 O esquema de formação da AT urinária é mostrado na Fig. 11.6 (note as semelhanças com a Fig. 11.5). A principal reação que gera o hidrogênio secretado parece ser a dissociação da água; o OH que é simultaneamente liberado se combina com o CO2 intracelular, sob ação da anidrase carbônica. Forma-se HCO3, que é adicionado ao fluido peritubular e sangue. No lúmen tubular, o H secretado se combina com Na e HPO4, formando NaH2PO4, que é excretado como ácido titulável na urina. Estas reações ocorrem no túbulo proximal, túbulo distal e ductos coletores. O efeito aqui obtido é reabastecer o sangue com um bicarbonato para cada bicarbonato consumido no processo de tamponamento de um ácido fixo.3 Se a formação de acidez titulável fosse o único mecanismo para excretar H, a quantidade de hidrogênio eliminado na urina seria muito limitada pela quantidade de fosfato e outros tampões que são filtrados. A observação de que na acidose existe um aumento não só da AT mas também do NH4 na urina gerou a hipótese de que o NH4 pudesse constituir um mecanismo adicional. Note que o amônio aparece na urina sob forma de sais neutros (p.ex., cloreto de amônio — NH4Cl), o que serve para excretar H sem uma maior diminuição no pH urinário.3 O provável mecanismo para a excreção de NH4 é demonstrado nas Figs. 11.7 e 11.8. Este processo consta de três etapas: 1) produção e secreção de NH4 nos túbulos proximais; 2) mecanismo de contracorrente multiplicador de NH4 nas alças de Henle, resultando no desenvolvimento de um gradiente corticopapilar para NH4/ NH3 dentro do interstício medular; e c) difusão não-iônica de NH3 para dentro dos ductos coletores.3 PRODUÇÃO PROXIMAL E SECREÇÃO DE NH4ⴙ Esta primeira etapa ocorre predominantemente nas células tubulares proximais, onde a deaminação da glutamina produz dois íons NH4 e um íon de alfa-cetoglutarato. O metabolismo do último para glicose, ou para CO2 e água, produz dois novos íons HCO3. Assim como na excreção de AT, esta reação adiciona um HCO3 para cada H que é excretado — neste caso, como parte do NH4. O sódio que acompanha o HCO3 pode adentrar o fluido peritubular através da Na-K-ATPase ou via co-transportador HCO3. Em muitas circunstâncias, o NH4 produzido no túbulo proximal é responsável por quase todo o NH4 excretado na urina.3 É importante lembrar que nos quadros de aci- capítulo 11 171 Nos segmentos ascendentes delgados a reabsorção de NH4 pode ser passiva. A secreção de NH4 nos ramos descendentes pode ocorrer mais por secreção paralela de H e NH3 do que por secreção de NH4. O efeito final é o mesmo, e a conseqüência importante é que a concentração intersticial de amônia total (isto é, NH4 e NH3) se eleva com a proximidade da papila.3 SECREÇÃO DE AMÔNIA NOS DUCTOS COLETORES (NH3) Fig. 11.7 Produção de amônio (NH4) nos túbulos proximais, a partir da glutamina. (Adaptado de Valtin, H.; Schafer, J.A.3) dose metabólica há um aumento significativo na produção de NH3 a partir da glutamina, tornando-se a molécula de NH4 o principal meio de excreção dos íons H na urina. Além disso, a hipocalemia aumenta a produção de NH4, levando a uma maior secreção de H para o lúmen tubular. GRADIENTE INTERSTICIAL CORTICOPAPILAR PARA NH4ⴙ/NH3 Nas alças de Henle, há um mecanismo contracorrente multiplicador de NH4 que produz um gradiente para NH4/NH3 no interstício medular. Nos segmentos ascendentes espessos, o NH4 é reabsorvido principalmente por transporte ativo secundário, substituindo o K no co-transportador Na:K:2Cl que se localiza na membrana apical. O segmento distal dos túbulos coletores e o ducto coletor são constituídos por pelo menos dois tipos principais de células, uma das quais, a célula intercalada alfa, secreta H mas não reabsorve Na. Nesta célula, o H que é derivado da dissociação da água é secretado na luz tubular por dois co-transportadores, H-ATPase e H-K-ATPase. O H secretado se combina com o NH3 para formar NH4, que é então excretado sob a forma de sais neutros, como o NH4Cl ou (NH4)2SO4. O NH3 pode difundir-se passivamente do interstício onde é gerado pelo mecanismo de contracorrente multiplicador, através da célula, para a luz tubular.3 O HCO3 formado pela dissociação da água cruza a membrana basolateral para o fluido peritubular por difusão facilitada, através de um trocador HCO3/Cl. Então, como na excreção de AT e com o mecanismo do NH4 dos túbulos proximais, o resultado da reação nos ductos coletores é a recuperação de um HCO3 para cada H que é excretado, ou seja, exatamente o que é preciso após um HCO3 ter sido consumido no tamponamento de um H adicionado. O sódio filtrado é reabsorvido pelas células principais.3 DIFUSÃO NÃO-IÔNICA A amônia (NH3) é um gás que atravessa a membrana celular com grande facilidade, por ser lipossolúvel, e pode Fig. 11.8 Produção de amônio nas células intercaladas alfa dos ductos coletores. (Adaptado de Valtin, H.; Schafer, J.A.3) 172 Metabolismo Ácido-Básico difundir-se do interstício para o lúmen tubular. Praticamente todo o NH3 que se difunde é transformado em NH4, pois o fluido tubular é ácido. Quanto mais ácida for a urina, maior é esta transformação. Devido à impermeabilidade do segmento, o NH4 formado não pode difundirse novamente através do epitélio, e então tem que ser excretado. Mais de 98% da amônia total (NH3 NH4) estão sob a forma de NH4, pois o pH urinário está na faixa de 4,4-7,4.3 A excreção ácida total corresponde à soma da acidez titulável e amônio urinário, menos o bicarbonato restante na urina (AT NH4 HCO3 urinário).17 Ponto-chave: • O controle renal do equilíbrio ácido-básico é realizado através dos seguintes mecanismos: Reabsorção do HCO3 filtrado Regeneração de HCO3 através da excreção de H ligado a tampões (AT) e na forma de amônio (NH4) DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO ÁCIDO-BÁSICO O estado ácido-básico é avaliado através da gasometria, e não há diferenças significativas entre uma amostra arterial ou venosa com relação ao pH, bicarbonato e PCO2. No sangue arterial, porém, é possível avaliar também as variáveis de oxigenação, como a PO2 e a saturação arterial de oxigênio, que permitem considerações sobre a ventilação do paciente. Tomar o cuidado de não utilizar garrote e heparinizar a seringa adequadamente. Após a coleta do sangue, homogeneizar o conteúdo, eliminar as bolhas de ar e vedar a seringa, encaminhando a amostra imediatamente para laboratório ou mantendo-a refrigerada até o momento da análise. A demora em processar a amostra promove o consumo de oxigênio e a produção de CO2, modificando os resultados.18,19 Como mencionamos há pouco, a observação da equação de Henderson-Hasselbalch indica que quatro distúrbios primários do metabolismo ácido-básico podem ocorrer: acidose metabólica, acidose respiratória, alcalose metabólica e alcalose respiratória. Em princípio, pode parecer que o diagnóstico de anormalidade metabólica ou respiratória pode ser feito apenas conhecendo-se o bicarbonato plasmático e a PCO2, respectivamente. Em realidade, isto não é possível, pois cada distúrbio ácido-básico primário produz uma reação compensatória secundária. Além das reações compensatórias normais, podem surgir distúrbios ácido-básicos mistos, como veremos nas próximas seções. Acidose Metabólica A acidose metabólica é um distúrbio em que há elevação na concentração de hidrogênio, gerando pH baixo no fluido extracelular. O bicarbonato encontra-se diminuído, por estar sendo consumido no tamponamento do excesso de ácido (H). O hidrogênio em excesso estimula o centro respiratório, provocando hiperventilação como mecanismo compensatório, eliminando mais CO2.19 CAUSAS A acidose metabólica pode ser resultado de um aumento na produção ou diminuição na excreção renal de ácido, ou ainda, perda de bicarbonato (v. Quadro 11.1). Produção Aumentada de Ácido Quando existe aumento na produção de ácidos, pode ocorrer acidose grave, causando significativa diminuição no bicarbonato plasmático. São exemplos disso a acidose láctica, a cetoacidose diabética ou alcoólica e a intoxicação por algumas drogas (como, por exemplo, o ácido acetilsalicílico).19 ACIDOSE LÁCTICA. O ácido láctico é normalmente produzido em nosso organismo, sendo quase todo convertido em glicose ou piruvato, no fígado e nos rins. O lactato acumula-se quando sua produção está aumentada ou sua utilização diminuída.19 Quadro 11.1 Causas de acidose metabólica Produção ácida aumentada a) Acidose láctica • Hipoperfusão tecidual • Metformin • Etilismo • Doenças malignas • Infecção por HIV • Acidose D-láctica b) Cetoacidose • Diabetes melito • Etilismo c) Toxinas ingeridas • Aspirina • Etilenoglicol • Metanol Perda de bicarbonato pela urina ou fezes a) Diarréia b) Fístulas pancreáticas, biliares c) Acidose tubular renal proximal (tipo 2) Redução na excreção renal de ácido a) Insuficiência renal b) Acidose tubular renal tipo 1 c) Acidose tubular renal tipo 4 (hipoaldosteronismo) Outras • Dilucional Adaptado de Rose, B.D.19 capítulo 11 A produção deste ácido aumenta em situações em que a oferta de oxigênio para os tecidos é inferior às necessidades, como, por exemplo, na hipoperfusão presente no choque hipovolêmico, cardiogênico ou séptico. Nestas circunstâncias, além de o piruvato ser preferencialmente convertido a lactato, sua utilização está diminuída, devido às alterações na perfusão do fígado e rins.19 Menos freqüentemente, a produção de ácido láctico pode aumentar ou seu metabolismo diminuir, por doenças hepáticas ou deficiências enzimáticas hereditárias.20 O uso de metformin no diabetes melito pode produzir acidose láctica, principalmente em presença de disfunção renal, hepática, ou etilismo. Eventualmente, pacientes etilistas apresentam acidose láctica, causada por hipoperfusão ou diminuição da utilização hepática de lactato.21 Nas doenças malignas, o metabolismo anaeróbio que ocorre dentro de massas celulares mal vascularizadas pode ocasionar acidose láctica. Em pacientes com SIDA, a acidose láctica está relacionada à doença hepática ou miopatia induzidas pela zidovudina, ou à presença de deficiência de riboflavina.21 A acidose D-láctica ocorre em pacientes submetidos a bypass jejuno-ileal, ressecção de intestino delgado ou outras causas de síndrome do intestino curto. Nestas situações, na presença de crescimento exagerado de bactérias anaeróbicas, o cólon converte glicose e amido em ácido Dláctico, que é absorvido pela circulação. A desidrogenase L-láctica, que metaboliza o L-lactato fisiológico em piruvato, não atua sobre o ácido D-láctico. Os pacientes apresentam anormalidades neurológicas após sobrecarga de carboidratos.22 CETOACIDOSE. A cetoacidose diabética é uma desordem em que a deficiência de insulina e o excesso de glucagon produzem aumento da síntese hepática de cetoácidos, principalmente ácido beta-hidroxibutírico e ácido acetoacético.19 O jejum prolongado também pode produzir cetoacidose, mas de modo geral os ácidos gerados não consomem mais do que 3-4 mEq de bicarbonato/litro. Em etilistas, a associação de um aporte deficiente de carboidratos com os efeitos do álcool inibindo a gliconeogênese e estimulando a lipólise também pode produzir cetoacidose. A presença de diabetes agrava esta condição.23 INGESTÃO DE TOXINAS. Em nosso organismo, o ácido acetilsalicílico é convertido em ácido salicílico. A intoxicação por altas doses deste ácido produz acidose metabólica devido à interferência com o metabolismo oxidativo, levando ao acúmulo de ácidos orgânicos, como o lactato e cetoácidos. Em doses menores, o ácido acetilsalicílico pode induzir alcalose respiratória, por estimulação direta do centro respiratório.19,24 A intoxicação pelo metanol produz um quadro característico de sintomatologia do sistema nervoso central, ocular e abdominal. Agudamente os pacientes apresentam sintomas de embriaguez, confusão mental, dor abdominal e 173 vômitos, podendo evoluir com pancreatite. As alterações oculares, como hiperemia conjuntival, diplopia e amaurose, acompanham-se de alteração da fundoscopia, que demonstra neurite óptica. O metabolismo do metanol produz ácido fórmico, responsável pela acidose.24,25 O etilenoglicol está presente em produtos anticongelantes e fluido de radiador, e é também utilizado em algumas etapas na indústria de bebidas. O etilenoglicol ingerido é metabolizado em compostos tóxicos, como o ácido oxálico, pela ação da desidrogenase alcoólica. Estes compostos tóxicos provocam disfunção neurológica aguda, com ataxia, confusão, convulsões e coma. Nos rins, determinam a deposição de cristais de oxalato de cálcio e insuficiência renal aguda.25 Perda de Bicarbonato Para cada molécula de base que é perdida, um próton deixa de ser tamponado, resultando em acúmulo de ácido fixo.20 A perda de secreções alcalinas do pâncreas e árvore biliar e as diarréias induzidas ou não por laxantes podem causar acidose metabólica.19 Na acidose tubular renal proximal ocorre perda de grandes quantidades de bicarbonato. Redução na Excreção Renal de Ácido Para que o equilíbrio ácido-básico seja mantido na insuficiência renal, é necessário que ocorram adaptações nos nefros restantes. Inicialmente, há aumento da excreção de amônio (NH4) por nefro. Porém, quando a taxa de filtração glomerular cai para menos de 30-40% do normal, começa a haver retenção da carga ácida diária; acidose ocorre quando a massa renal remanescente estiver em torno de 20%. A diminuição da excreção ácida na falência renal é causada principalmente pela pequena quantidade de nefros funcionantes. Aumento de PTH, expansão volêmica e diurese de solutos, observados na insuficiência renal, inibem a reabsorção de bicarbonato. Também ocorre diminuição da produção de amônia (NH3). Como o bicarbonato está sendo consumido, outros tampões acabam sendo acumulados (sulfato e fosfato).24 Os tampões plasmáticos são utilizados para neutralizar parte do ácido retido, mas a principal forma de tamponamento nesta situação é feita dentro das células e nos ossos.19 As acidoses tubulares do tipo 1 (distal) e 4 (hipoaldosteronismo) são raras. Na ATR tipo 1, o acúmulo de ácido resulta de uma incapacidade de diminuir o pH urinário para menos que 5,5-6. O pH urinário alcalino que resulta impede os mecanismos de produção de acidez titulável e aprisionamento da amônia no lúmen tubular sob forma de amônio.19 Na acidose distal tipo 4, a deficiência de aldosterona impede a secreção distal de hidrogênio e potássio, resultando em acidose metabólica e hipercalemia.18 Outras Cabe aqui um comentário sobre a acidose dilucional. Esta acidose, de modo geral discreta, resulta da diluição 174 Metabolismo Ácido-Básico do bicarbonato plasmático pela infusão rápida de grandes quantidades de fluido que não contém bicarbonato ou seus precursores (p.ex., o lactato). Habitualmente a queda no bicarbonato não ultrapassa 10% e é rapidamente corrigida pelos rins.18,25 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E EFEITOS SISTÊMICOS As manifestações clínicas da acidose metabólica dependem da doença primária que está produzindo a acidose e da velocidade de instalação do distúrbio. Porém, em circunstâncias graves, pode haver sintomas decorrentes da própria acidose metabólica. Como já foi mencionado, a acidose metabólica produz uma hiperventilação, com movimentos respiratórios profundos (respiração de Kussmaul), observada ao exame físico, principalmente quando o pH é menor que 7,20. Observam-se vômitos, dores pelo corpo e fadiga. Com o aumento da gravidade da acidose, geralmente com bicarbonato inferior a 10 mEq/litro, observa-se diminuição da contratilidade miocárdica, dilatação arteriolar, venoconstrição periférica e arteriolar pulmonar. Conseqüentemente há diminuição do débito cardíaco, hipotensão arterial, diminuição do fluxo sanguíneo para os rins e fígado, maior sensibilidade a arritmias cardíacas e diminuição da responsividade cardiovascular às catecolaminas. A associação destas manifestações gera um ambiente propício para o desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva. Há também manifestações neurológicas, com progressiva diminuição do nível de consciência e até coma. Observa-se também maior degradação protéica e redução da densidade óssea, principalmente nas acidoses crônicas.26 ACHADOS LABORATORIAIS A acidose metabólica caracteristicamente causa uma diminuição do pH, diminuição do bicarbonato e diminuição da PCO2. A compensação respiratória se inicia na primeira hora e se completa em até 24 horas. Esta compensação causa a queda de 1,2 mmHg na PCO2 para cada redução de 1 mEq/litro na concentração de bicarbonato. [HCO3] 1,2 [CO2] (podem ser aceitas diferenças de 2 mEq/litro)27 Por exemplo, para um bicarbonato de 18 (redução de 6 em relação ao normal), a hiperventilação deverá trazer a PCO2 para cerca de 32,8 (PCO2 normal de 40 7,2). Se a PCO2 estiver maior ou menor que este valor, o paciente tem um distúrbio misto: além da acidose metabólica, acidose ou alcalose respiratória, respectivamente.25,27 Pode haver hipercalemia, causada pelo desvio iônico conseqüente à necessidade de tamponamento do excesso de hidrogênio dentro das células.26 Um íon hidrogênio entra na célula, mas ao mesmo tempo, para manter a eletroneutralidade, deve sair da célula um outro íon de carga positiva — o potássio, principal cátion do intracelular. Talvez esta saída do potássio da célula se deva a uma inibição da bomba Na-K-ATPase celular pela acidose. Ao se corrigir a acidose, o potássio retorna para dentro das células, pois não existe mais necessidade de tamponamento intracelular. Além dos dados da história clínica, uma medida que auxilia no diagnóstico causal da acidose metabólica é o cálculo do anion gap (hiato-iônico).28 A necessidade de manter a eletroneutralidade faz com que o número de cátions no plasma seja igual ao número de ânions. Os cátions são representados principalmente pelo sódio (o potássio não é habitualmente incluído no cálculo, pois sua interferência é pequena), e os ânions, pelo cloro e bicarbonato. Porém, há outros ânions, que não são dosados habitualmente, mas que contribuem para a fração aniônica do plasma: proteínas, lactato fosfato e sulfato. Esta fração de ânions é identificada ao se verificar que a soma dos ânions medidos não é igual à dosagem do sódio.24 Anion gap Na (Cl HCO3) Utilizando as concentrações normais dos eletrólitos na fórmula acima (Na 140, HCO3 24, e Cl 105), verificamos que entre cátions e ânions existe uma diferença de 8-16 mEq/litro, e que corresponde aos ânions que não foram medidos (ânions “não mensuráveis”), mas que estão presentes no plasma e contribuem para contrabalançar as cargas catiônicas.20,24 Possivelmente os ânions que constituem o hiato iônico sejam os tampões aniônicos do espaço extracelular. 20 Observe a fórmula do hiato iônico. Se a concentração de cloro se mantém constante na acidose metabólica, mesmo havendo queda no bicarbonato (usado no tamponamento do hidrogênio dissociado), a manutenção da eletroneutralidade se faz à custa do aumento de algum ânion que não o cloreto.20 Os fosfatos e as proteínas não sofrem variações rápidas, de forma que existe pequena possibilidade de que sejam os responsáveis pelo aumento. Então, a eletroneutralidade deve estar sendo mantida pelo aumento de algum ânion que em condições normais não está presente no plasma. Exemplos disso são: a) lactato, que se acumula na acidose láctica; b) beta-hidroxibutirato na cetoacidose; c) aumento dos ânions sulfato, fosfato e ácidos orgânicos, na insuficiência renal crônica; d) ácido fórmico na intoxicação pelo metanol; oxalato e glicolato na intoxicação por etilenoglicol, e lactato e cetonas na intoxicação pelo ácido acetilsalicílico.27 Esse tipo de acidose metabólica, em que o cloro permanece normal, é chamada de acidose normoclorêmica, ou com anion gap (hiato iônico) aumentado.20,27 Ao contrário, nas acidoses causadas por perda de bicarbonato, como as diarréias, não há retenção de ânions anômalos, e o hiato iônico praticamente não se altera, já que à medida que diminui o bicarbonato, pela perda intestinal, aumenta a reabsorção de cloro, para manter a eletroneutralidade. Este tipo de acidose, em que há perda de bicarbonato, com aumento do cloro, é chamada de acidose hiperclorêmica, ou com anion gap normal (v. Fig. 11.10).20 capítulo 11 Fig. 11.9 Relação entre o pH urinário e a excreção de NH3. Observem que, quando o pH urinário diminui, a produção de NH3 aumenta. (Obtido de Pitts, R.F.50) Alguns autores têm ressaltado o fato de que outros ânions e cátions, medidos rotineiramente ou não, podem alterar o cálculo do hiato iônico, e que, na verdade, o termo anion gap não é correto. Na verdade, o hiato iônico seria a diferença entre os ânions e os cátions não mensuráveis (ânions não mensuráveis cátions não mensuráveis). Assim, fica mais simples compreender o AG aumentado em conse- 175 qüência de hipocalcemia, hipomagnesemia ou hiperalbuminemia na contração de volume, e o AG diminuído em presença de hipercalemia ou hipoalbuminemia.27 Porém, rotineiramente, a interpretação tradicional do anion gap é suficiente. No Quadro 11.2 são observadas as concentrações normais dos cátions e ânions não determinados. As acidoses metabólicas podem ser classificadas de acordo com o anion gap (v. Quadro 11.3). Esta classificação pode auxiliar principalmente quando há dificuldade em definir a causa da acidose metabólica, por exemplo, num paciente comatoso, cuja história clínica se desconhece; o cálculo do anion gap permite situar entre as causas mais prováveis, possibilitando uma abordagem apropriada para cada caso. Além do desvio de potássio originado pela necessidade de manter a eletroneutralidade, os níveis de potássio no sangue podem fornecer pistas quanto à etiologia da acidose metabólica. No Quadro 11.4 observa-se a correlação entre os níveis de potássio e causas de acidose metabólica. Em algumas situações pode haver sobreposição de causas de anion gap normal ou aumentado. Por exemplo, de modo geral, a cólera causa acidose com anion gap normal, como as outras diarréias. Porém, quando esta doença cursa com hipoperfusão (acidose láctica) e contração de volume (hiperalbuminemia), o anion gap pode estar aumentado.27 Além destas alterações laboratoriais, a acidose metabólica ocasiona leucocitose, hiperfosfatemia, hiperglicemia e hiperuricemia. A leucocitose, muitas vezes superior a 25.000 leucócitos, é conseqüente a uma diminuição da marginação leucocitária, devendo ser excluídos processos infecciosos subjacentes.24 A acidose láctica hipóxica pode provocar degradação muscular e hiperfosfatemia. A acidose inibe a ação periférica da insulina, gerando hiperglicemia. A competição de ânions orgânicos e uratos pela secreção leva a um aumento dos níveis de ácido úrico no sangue.24,26 Fig. 11.10 Classificação da acidose metabólica de acordo com o anion gap. (Adaptado de Adrogué, H.J.; Madias, N.E. In: Schrier, R. Atlas of Kidney Diseases on line — www.HDCN.com) 176 Metabolismo Ácido-Básico Quadro 11.2 Concentrações normais dos cátions e ânions não mensurados rotineiramente Quadro 11.4 Correlação entre os níveis de potássio, anion gap e causas de acidose metabólica Cátions não determinados Anion gap normal Anion gap aumentado mEq/L Ânions não determinados mEq/L 4,5 Proteína 15 Potássio sérico reduzido Potássio sérico normal ou elevado Ca 5 PO4 2 Diarréia Mg 1,5 SO4 Cetoacidose diabética 1 Ácidos orgânicos 5 Inibição da anidrase carbônica Cetoacidose alcoólica Acidose tubular renal Acidose láctica K Total 11 23 Intoxicação por salicilato TRATAMENTO O tratamento é dirigido à doença básica e, em algumas situações, à própria acidose metabólica, como veremos a seguir. Tratamento da Doença de Base A acidose metabólica é manifestação de uma doença primária, e o tratamento deve ser dirigido à correção desta doença. Na cetoacidose diabética, o ponto fundamental no tratamento é a administração de insulina e a correção dos distúrbios da água, sódio e potássio. Não se deve administrar álcali de rotina, pois o metabolismo dos cetoácidos Quadro 11.3 Causas de acidose metabólica de acordo com o hiato iônico Hiato iônico normal (hiperclorêmica) Perdas de bicarbonato a) Gastrointestinal • Diarréia • Fístulas pancreáticas, biliares b) Renal • Inibidores da anidrase carbônica • Acidose tubular renal Outras • Acidose dilucional • Nutrição parenteral Hiato iônico aumentado (normoclorêmica) Produção ácida aumentada • Cetoacidose diabética ou alcoólica • Acidose láctica • Erros inatos do metabolismo Ingestão de substâncias tóxicas • Intoxicação por salicilato • Ingestão de metanol • Ingestão de etilenoglicol Falha na excreção ácida • Insuficiência renal aguda ou crônica Adaptado de Shapiro, J.I.18 Potássio sérico elevado Metanol Administração de NH4Cl Ingestão de paraldeído Pielonefrite crônica Etilenoglicol Uropatia obstrutiva Insuficiência renal retidos resulta em rápida regeneração do bicarbonato, com resolução parcial ou completa da acidemia. O álcali pode até mesmo retardar a recuperação, por aumentar a cetogênese hepática. Em pacientes com cetoacidose diabética e pH inferior a 7,10, pequenas doses de bicarbonato podem ser administradas com o objetivo de minimizar a depressão miocárdica e hipoperfusão tecidual.29 A cetoacidose alcoólica é corrigida com a apropriada reposição de nutrientes e interrupção da ingestão de etanol. A infusão de glicose estimula a secreção de insulina mas inibe a secreção de glucagon, promovendo a regeneração dos estoques de bicarbonato a partir do metabolismo dos cetoácidos retidos.29 Nos casos de acidose láctica causada por oxigenação tecidual inadequada, o ponto essencial no tratamento é a correção da mesma, com repleção do volume circulante efetivo, suporte ventilatório, agentes inotrópicos e tratamento da septicemia. Na acidose láctica resultante de intoxicação por metanol ou etilenoglicol, está indicada a diálise para remoção das toxinas, além da administração de grandes quantidades de álcali. Etanol é o antagonista do metanol. 29 Tratamento da Acidose Metabólica Para pacientes com acidemia leve ou moderada (pH 7,20), ou quando o processo subjacente possa ser rapidamente controlado, muitas vezes a administração de álcali não é necessária. Porém, em pacientes com acidose grave (pH menor que 7,20; bicarbonato inferior a 8), já existem depressão miocárdica e disfunções enzimáticas significativas, e a adminis- capítulo 11 tração de bicarbonato de sódio pode ser benéfica. A acidose deve ser tratada se estiver causando disfunções orgânicas graves.18 Para calcular a quantidade necessária de bicarbonato a ser administrada, utilizamos a fórmula a seguir: Bic necessário (Bicdesejado Bicatual) espaço do Bic18 Onde: Bicnecessário quantidade de bicarbonato de sódio a administrar (em mEq) Bicdesejado nível desejado de bicarbonato Bicatual bicarbonato dosado no sangue Espaço do Bic 50% do peso corporal O espaço de bicarbonato é uma estimativa da capacidade total de tamponamento do organismo, que inclui o bicarbonato do extracelular, proteínas intracelulares e carbonato do osso. Com bicarbonato normal ou pouco reduzido, o excesso de hidrogênio é tamponado proporcionalmente na água corporal total, e o espaço aparente de bicarbonato é de 50% do peso magro do indivíduo.18,30 Este espaço aumenta na acidose metabólica grave, pois as células e o osso passam a contribuir cada vez mais para o tamponamento, podendo chegar a 70% do peso corporal quando a concentração de bicarbonato cai abaixo de 10 mEq/litro; com bicarbonato menor que 5 mEq/litro, o espaço pode ser de 100%.29-31 Por exemplo, um paciente de 70 kg tem um bicarbonato de 9 mEq/litro, que se deseja elevar para 15 mEq/litro. O espaço de bicarbonato é de 70% e 50% para estas concentrações, respectivamente. Considere então como espaço de bicarbonato a média entre 70% e 50%, ou seja, 60%. Bicnecessário (Bicdesejado Bicatual) espaço do Bic Bicnecessário (15 9) (0,7 70 kg) 6 49 294 mEq Então, de acordo com este cálculo, cerca de 290 mEq de álcali (geralmente bicarbonato de sódio intravenoso) podem ser administrados nas primeiras 4-6 horas. Alguns autores sugerem que sempre se utilize o valor de 50% para o espaço de bicarbonato, independente do valor do bicarbonato plasmático.29 Deve ser assinalado que esta estimativa não é exata, e são necessárias avaliações do pH extracelular pelo menos 30 minutos após o término da infusão. Com o pH em nível mais seguro, não é mais necessária reposição intravenosa, pois os rins serão capazes de regenerar o bicarbonato necessário.30 O tratamento da acidose metabólica é controverso, em função dos potenciais efeitos deletérios do bicarbonato administrado.18 A infusão de grandes quantidades de bicarbonato de sódio a 8,4% (1 mEq/ml) pode ocasionar hipernatremia, hiperosmolalidade, diminuição da fração ionizada do cálcio, hipocalemia e aumento da produção de ácidos orgânicos.26 Outra complicação que ocorre principalmente em pacientes cardiopatas ou nefropatas é a sobrecarga de volume ocasionada pelo sódio da solução, que pode ser evitada ou tratada com o uso de diuréticos de alça, 177 e, se necessário, diálise. Outro aspecto desfavorável é a possibilidade de alcalose muito abrupta, quando a correção da acidose for muito agressiva.29 O tamponamento de prótons pelo bicarbonato libera CO2 (HCO3 H ↔ H2CO3 ↔ H2O CO2), elevando a PCO2 nos líquidos corporais. Este efeito pode ser prejudicial em pacientes com reserva ventilatória limitada, falência circulatória ou que estão sendo submetidos a ressuscitação cardiopulmonar. Nestas circunstâncias, paradoxalmente pode ocorrer piora da acidose intracelular e extracelular, se a PCO2 exceder a fração de HCO3. No sistema nervoso central isto traz conseqüências graves, pois o CO2 em maior quantidade atravessa rapidamente a barreira liquórica, elevando a PCO2 do líquor e piorando a acidose do sistema nervoso central.29,32 De acordo com os consensos mais recentes da Sociedade Americana de Cardiologia sobre parada cardiorrespiratória, o uso de bicarbonato de sódio na parada cardiorrespiratória é considerado Classe 3 (tratamento inadequado, sem evidência científica de validade, e que pode ser prejudicial). Porém, em situações especiais, e sob monitorização adequada, o bicarbonato de sódio pode vir a ser utilizado: a) Quando houver acidose e hipercalemia comprovada (Classe 1 — considerado tratamento útil e efetivo); b) No tratamento de acidose metabólica responsiva a bicarbonato (Classe 2a — existência de evidências favoráveis ao seu uso); e c) Para controle de acidose pós-circulação espontânea em parada cardiorrespiratória de longa duração e como coadjuvante na parada cardiorrespiratória desencadeada por antidepressivos tricíclicos (Classe 2b — tratamento não validado em estudos clínicos, podendo ser útil em alguns doentes e provavelmente sem reações adversas).33 Nas acidoses metabólicas crônicas, o bicarbonato de sódio pode ser administrado por via oral.18 No Brasil está disponível o bicarbonato de sódio em pó, contendo 12 mEq de bicarbonato e 12 mEq de bicarbonato por grama. Pontos-chave: • A acidose metabólica é classificada de acordo com o hiato iônico, que indica qual a causa mais provável: hiato iônico Na (HCO3 Cl) Hiato iônico aumentado: acréscimo de ácido Hiato iônico normal: perda de bicarbonato • O mecanismo esperado de compensação é a eliminação de CO2, através de hiperventilação • A administração de bicarbonato tem indicações precisas, e a quantidade é calculada pela fórmula: Bicnecessário (Bicdesejado Bicatual) espaço do Bic 178 Metabolismo Ácido-Básico Como alternativa à administração de bicarbonato, que tem como inconveniente a produção de CO2, poderia ser utilizada uma mistura de bicarbonato de sódio com carbonato de sódio (Carbicarb® — ainda não disponível para uso clínico), que gera mais bicarbonato do que CO2; além disso, o carbonato de sódio reage com o ácido carbônico, consumindo o CO2. Esta solução não evita hipervolemia e hipertonicidade.29 Alcalose Metabólica É a situação clínica em que há pH elevado (alcalino), baixa concentração hidrogeniônica, aumento na concentração de bicarbonato e PCO2 elevada. A alcalose é um distúrbio ácido-básico relativamente comum, e sua importância pode ser melhor avaliada quando se correlacionam mortalidade e grau de alcalose. Em um grupo de 177 pacientes cirúrgicos intensamente alcalóticos, verificou-se que, num pH de 7,54 a 7,56, a mortalidade foi de 40%, e num pH de 7,65 a 7,7, ela atingiu 80%.34 CAUSAS DE ALCALOSE METABÓLICA Ao se avaliar um paciente com alcalose metabólica, é necessário esclarecer dois pontos fundamentais: o motivo que levou ao aumento do bicarbonato (fase de geração da alcalose metabólica) e os fatores que evitaram a excreção de bicarbonato pelos rins, permitindo a persistência da alcalose (fase de manutenção)2,35 (v. Quadros 11.4 e 11.5). GERAÇÃO DA ALCALOSE METABÓLICA Perda de Hidrogênio O íon H pode ser perdido do líquido extracelular através do trato gastrintestinal, dos rins ou por um desvio para o interior das células. Se a perda for maior que o ganho de ácido proveniente da dieta e catabolismo, ocorrerá um aumento da concentração plasmática de bicarbonato. O Quadro 11.4 mostra as diversas situações clínicas em que esta perda de H pode ocorrer. PERDA GASTROINTESTINAL DE Hⴙ. Em indivíduos normais, a secreção de ácido pelo estômago não leva a alcalose metabólica, pois esta perda de hidrogênio equilibra-se com uma perda de bicarbonato nas secreções pancreáticas. Porém, quando o suco gástrico é eliminado através de vômitos ou drenagem gástrica por sondas, há tendência para alcalose metabólica por dois motivos: perda pura do hidrogênio e ausência de estímulo para a secreção de bicarbonato. Quando se perde hidrogênio, a reação do sistema ácido carbônico-bicarbonato gera HCO3, de forma que para cada mEq de hidrogênio perdido é gerado 1 mEq de bicarbonato.2 CO2 H2O ↔ H2CO3 ↔ H HCO3 PERDA RENAL DE Hⴙ. É possível haver perda renal de hidrogênio quando a secreção distal deste íon estiver aumentada. Isto ocorre em situações em que existe aporte adequado de sódio e água aos sítios tubulares distais e aumento dos níveis de aldosterona. Além de estimular a bomba H-ATPase, a aldosterona estimula a reabsorção de sódio, tornando a luz tubular mais eletronegativa e minimizando a retrodifusão dos íons hidrogênio para fora da luz tubular. A secreção distal de potássio também está aumentada, resultando em hipocalemia.35 O excesso primário de mineralocorticóides cursa com alcalose metabólica e freqüentemente com hipertensão arterial. Porém, os pacientes com hiperaldosteronismo secundário (p.ex., na cirrose ou insuficiência cardíaca) de modo geral não apresentam alcalose metabólica ou hipocalemia, pois o efeito estimulatório da aldosterona é contrabalançado pelo menor aporte distal de sódio e menor volume urinário. Estes fatores reduzem a quantidade de hidrogênio e potássio na urina final. Se um ânion não reabsorvível (p.ex., penicilina) for administrado na vigência de depleção de volume, a excreção deste ânion obriga a perda de H ou K para manter a eletroneutralidade, levando então a hipocalemia e alcalose metabólica.35 O uso de diuréticos de alça ou tiazídicos produz aumento do aporte distal de sódio e água, possibilitando a indução de excreção aumentada de hidrogênio. Uma diurese volumosa pode produzir algum grau de depleção, contribuindo para o desenvolvimento de alcalose metabólica.35 A acidose respiratória crônica leva a um aumento na secreção de hidrogênio, ao mesmo tempo em que o bicarbonato do plasma aumenta, para normalizar o pH (mecanismo de compensação). Mas quando se reduz abruptamente a PCO2 (p.ex., em ventilação mecânica), desenvolve-se alcalose metabólica, por não ter havido tempo para os rins eliminarem o excesso de bicarbonato. Nesta situação, podem desenvolver-se graves anormalidades neurológicas, pois o pH no cérebro aumenta rapidamente com a diminuição da PCO2. Estas complicações justificam a necessidade de redução gradual da PCO2 em pacientes com acidose respiratória crônica.35 DESVIO DO HIDROGÊNIO PARA O INTRACELULAR. O desvio do íon hidrogênio para o espaço intracelular pode ocorrer na hipocalemia (v. Cap. 12). Com o objetivo de repor o potássio do espaço extracelular, a hipocalemia induz a saída do potássio do intracelular; para manter a eletroneutralidade, o hidrogênio entra nas células, diminuindo os níveis plasmáticos e aumentando o pH. Adição de Bicarbonato ao Líquido Extracelular A administração de bicarbonato ou seus precursores, tais como lactato, citrato ou acetato, num ritmo maior que a produção diária de ácido elevará os níveis plasmáticos de bicarbonato. Se a função renal for normal, uma carga de bicarbonato é quase toda excretada, causando pequena variação no pH (v. Quadro 11.5). Porém, se a capacidade de excreção renal for ultrapassada, a alcalose metabólica se estabelece. capítulo 11 Quadro 11.5 Etiologia e classificação da alcalose metabólica Responsiva ao cloreto (cloro urinário menor que 10 mEq/L) a) Distúrbios gastrointestinais • Vômitos • Drenagem gástrica • Adenoma viloso do cólon • Cloridorréia congênita b) Uso de diuréticos c) Correção de hipercapnia crônica d) Fibrose cística Resistente ao cloreto (cloro urinário maior que 20 mEq/L) a) Excesso de mineralocorticóide • Hiperaldosteronismo • Síndrome de Cushing • Síndrome de Bartter • Alcaçuz b) Hipocalemia Adaptado de Shapiro, J.I.18 Outro fato a ser considerado é que o lactato (na acidose láctica) e o beta-hidroxibutirato (na cetoacidose diabética) regeneram bicarbonato quando são metabolizados. Nestas duas circunstâncias, a administração de bicarbonato exógeno representaria um excesso de álcali, resultando em alcalose metabólica. O citrato utilizado em anticoagulação para hemodiálise em pacientes com risco de sangramento, ou na anticoagulação de hemoderivados, pode também ser convertido a bicarbonato. A administração de mais de oito unidades de sangue estocado ou plasma fresco congelado produz este efeito.35 Perda de Líquido Contendo Grandes Quantidades de Cloro Quando se perde sódio, cloro e pouco bicarbonato, como ocorre na administração de diurético de alça, há contração do extracelular com aumento relativo na concentração do bicarbonato. Em certas situações, porém, há perda de fluidos muito ricos em cloro. São exemplos disso a perda de secreções gástricas em pacientes com acloridria, a diarréia no adenoma viloso do cólon e cloridorréia congênita (esta última um defeito raro na reabsorção intestinal de cloro e secreção de bicarbonato, com diarréia crônica). Note que grande parte dos adenomas vilosos do cólon, que constituem 5% dos pólipos intestinais e que têm potencial de malignidade, produzem acidose metabólica hiperclorêmica, pela perda de grandes volumes de fluido contendo potássio e bicarbonato. Cerca de 10-20% destes tumores têm um padrão secretor diverso, com secreção preferencial de cloro.36 179 A síndrome de Bartter é uma desordem rara, diagnosticada principalmente em crianças, e que causa hipocalemia e alcalose metabólica resistente ao cloreto (v. próximas seções). Os pacientes apresentam cloro urinário elevado, alcalose metabólica, hiperplasia do aparelho justaglomerular (inespecífica), gradiente transtubular de potássio inapropriadamente alto e hiperaldosteronismo hiperreninêmico, sem hipertensão arterial. É causada por uma alteração na função do co-transportador potássio/cloreto.37 A síndrome de Gitelman tem características semelhantes à síndrome de Bartter, porém com hipomagnesemia e hipocalciúria. É causada por alteração na função do cotransportador sódio/cloreto no túbulo contornado distal.37 MANUTENÇÃO DA ALCALOSE METABÓLICA Como já foi mencionado, normalmente os rins são capazes de excretar os excessos de bicarbonato. Portanto, para que uma alcalose metabólica persista, é necessária a presença de dois grupos de anormalidades: 1) Perda continuada de hidrogênio, desvio transcelular de hidrogênio, administração de bicarbonato ou alcalose de contração; e 2) Aumento na reabsorção renal de bicarbonato ou diminuição na secreção distal de bicarbonato.35 Em presença de função renal normal, o aumento ou manutenção da reabsorção de bicarbonato pelos rins se deve a pelo menos um dos seguintes fatores: a) Depleção do volume circulante efetivo; b) Depleção de cloro; c) Hipocalemia, e d) Hipoventilação e hipercapnia.35 Estes fatores acima mencionados são responsáveis pela manutenção da alcalose metabólica, pois impedem a atuação dos mecanismos renais fisiológicos de eliminação de maiores quantidades de bicarbonato que levariam à normalização do bicarbonato no plasma. O esclarecimento de qual o fator envolvido auxilia na classificação das alcaloses metabólicas e no planejamento terapêutico posterior. Volume Extracelular A depleção de volume aumenta a reabsorção de sódio e o resgate de bicarbonato no túbulo proximal. No túbulo distal, também ocorre um aumento na reabsorção de sódio (mediada por mineralocorticóide) em troca da secreção de H ou K. Com um aumento da secreção de H, ocorre regeneração de bicarbonato. Um aumento na reabsorção distal de sódio também pode ocorrer na ausência de depleção de volume extracelular, devido a um excesso de mineralocorticóide, como no hiperaldosteronismo primário. A elevada reabsorção distal de sódio pode gerar e manter uma concentração elevada de bicarbonato se os hormônios mineralocorticóides estimularem a secreção de H.18 Deficiência de Cloro Para que seja mantida a eletroneutralidade, quando a concentração plasmática de bicarbonato se eleva, a con- 180 Metabolismo Ácido-Básico centração de cloro deve reduzir-se. Porém, com a perda de sódio, e conseqüente contração do volume extracelular, o estímulo para restaurar o volume extracelular supera o estímulo para aumentar a excreção de bicarbonato. O papel do cloro é crucial nesta situação, pois é o único outro ânion, além do bicarbonato, que pode acompanhar a reabsorção de sódio. Portanto, para se elevar ou manter a reabsorção de sódio enquanto simultaneamente se eleva a excreção de bicarbonato, um ânion reabsorvível (cloro) precisa estar presente para acompanhar a reabsorção de sódio. Se há deficiência de cloro, os rins reabsorvem outro ânion, o bicarbonato, perpetuando a alcalose metabólica.18 Depleção de Potássio É um fator importante na origem e manutenção da alcalose metabólica. Com a saída de potássio das células, aumenta a concentração de H intracelular, inclusive nas células tubulares renais. Havendo mais H para secreção, maior será o resgate de bicarbonato. Além disso, em presença de hipocalemia, as bombas H-K-ATPase (que promovem reabsorção de potássio e secreção de hidrogênio) e a síntese de NH3 são estimuladas, resultando em eliminação de maiores quantidades de H, na forma de NH4.18,35 Hipoventilação e Hipercapnia Da mesma forma que a depleção de potássio, a hipercapnia aumenta a concentração intracelular de H disponível para secreção e, portanto, para resgate de bicarbonato. MECANISMOS DE DEFESA DO pH NA ALCALOSE METABÓLICA Com a elevação do bicarbonato plasmático por um dos três mecanismos básicos já mencionados, os mecanismos de defesa do organismo entram em ação, na tentativa de normalizar o pH. de elevação até 60-75 mmHg em indivíduos normais. Devido a estes fatores, a compensação respiratória na alcalose metabólica é menos intensa que na acidose metabólica. Correção Renal O rim é responsável pela terceira fase do mecanismo de defesa do pH. O rim tem a capacidade de eliminar o excesso de bicarbonato, a não ser que outros fatores comprometam esta capacidade renal (v. a seguir). Esta eliminação de base é bem mais rápida que a capacidade renal de excretar H. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Na maioria das vezes, os sinais e sintomas da enfermidade básica dominam o quadro clínico e dificilmente poderão ser separados. Não há sintomas ou sinais patognomônicos. A avaliação do espaço extracelular fornece dados muito importantes. Num paciente depletado, com deficiência de potássio, a causa provável da alcalose metabólica é a perda renal (diuréticos) ou gastrintestinal (vômitos). Além destes sintomas, há os referentes à hipocalemia, como fraqueza ou paralisia muscular, distensão abdominal, íleo e arritmias cardíacas, poliúria e aumento da produção de amônia (que aumenta o risco de encefalopatia em hepatopatas).38 Um extracelular expandido, com hipertensão arterial e hipocalemia, leva à suspeita de hiperaldosteronismo.37 O elevado risco de intoxicação digitálica, intervalo QT prolongado e ondas U são complicações conhecidas da alcalose. A resistência vascular cerebral é sensível à PCO2 e a hipocapnia é uma potente força vasoconstritora cerebral. Um fluxo sanguíneo cerebral reduzido pode justificar muitos sinais e sintomas neurológicos observados, como cefaléia, convulsões, letargia, delirium e estupor.38 DADOS LABORATORIAIS Sistema Tampão A fase de tamponamento é controlada pelo imediato tamponamento químico. Aproximadamente 1/3 do excesso de bicarbonato é tamponado pelo H intracelular, que sai das células para o líquido extracelular. Exemplo disto é a saída de lactato das células musculares, para tamponar o espaço extracelular. Compensação Respiratória A segunda fase do mecanismo de defesa do pH é controlada pelo sistema respiratório. Para que o pH retorne ao normal, em face de uma elevação na concentração de bicarbonato, a PCO2 deve ser elevada. Isto ocorre através da hipoventilação alveolar, com retenção de CO2 e elevação da PCO2. O grau de compensação é limitado pelas necessidades de O2, já que a pO2 será reduzida com a hipoventilação. O limite superior de elevação compensatória da PCO2 é geralmente aceito como 55 mmHg, mas há relatos O padrão diagnóstico no sangue arterial é elevação do pH, da concentração de bicarbonato e PCO2. O padrão eletrolítico é de hipocloremia e hipocalemia. A hipocalemia é basicamente conseqüente à perda urinária de potássio que se deve a uma elevada secreção distal. Como o mecanismo de compensação da alcalose é a retenção de CO2 através de hipoventilação, em alguns casos observa-se hipóxia, dependendo da função pulmonar prévia do paciente. A concentração urinária de cloro é muito útil na avaliação inicial da alcalose metabólica. Concentração de cloro numa amostra de urina inferior a 10 mEq/litro indica que o rim está reabsorvendo sódio avidamente, compatível com situações associadas à depleção de volume e que respondem à infusão de cloreto de sódio (“sensíveis” ao cloreto de sódio) (v. a seguir). Concentração urinária de cloro superior a 20 mEq/litro demonstra que não há depleção de volume e que o cloro capítulo 11 não é um elemento crucial na manutenção da alcalose; este perfil geralmente corresponde às alcaloses resistentes ao cloreto de sódio. O sódio urinário não é útil nestas circunstâncias porque pode estar elevado durante períodos de bicarbonatúria. Como a alcalemia estimula a glicólise anaeróbica e aumenta a produção de ácido láctico e cetoácidos, pode haver moderada elevação no anion gap. A alcalemia aguda reduz a liberação de oxigênio para os tecidos, por aumentar a afinidade entre oxigênio e hemoglobina. A alcalemia crônica anula este efeito, aumentando a concentração de ácido 2,3 difosfoglicérico nas hemácias.38 TRATAMENTO Pelo exposto, fica evidente a necessidade de serem corrigidos os mecanismos que impedem os rins de excretarem quantidades maiores de bicarbonato. Abordaremos o tratamento da alcalose metabólica de acordo com sua classificação. Alcalose Metabólica Responsiva ao Cloreto Apesar de a correção do déficit de cloreto ser essencial, a seleção do cátion que o acompanha em solução (sódio, potássio ou próton) depende do estado do espaço extracelular, da presença e do grau de depleção de potássio associada, e do grau e reversibilidade de qualquer diminuição da taxa de filtração glomerular. Quando a função renal é normal, ao se repor cloreto o excesso de bicarbonato será eliminado pelos rins.36 Se existe depleção de cloreto e do extracelular concomitantemente (que é a situação mais comum), a administração de solução salina isotônica (NaCl 0,9%) é adequada e corrige os dois déficits. Em presença de sinais de depleção do extracelular, a quantidade a ser administrada está em torno de 3-5 litros de solução salina isotônica. Porém, se não há sinais de depleção do extracelular, o déficit de cloro pode ser calculado pela fórmula: 0,2 peso (kg) aumento desejado no cloreto plasmático (mEq/litro). As perdas continuadas de cloro e potássio devem ser calculadas e acrescentadas à reposição. Como se instala diurese alcalina com a correção do cloreto, recomenda-se acrescentar 10-20 mEq de potássio por litro de solução administrada, para evitar que se some uma hipocalemia.36 Na presença de sobrecarga de volume, está contra-indicada a reposição de grandes quantidades de volume contendo sódio; então repor cloreto sob forma de cloreto de potássio, em doses de 10-20 mEq. O HCl é indicado se o NaCl ou KCl não puderem ser usados, ou se houver necessidade de correção imediata, por exemplo, se o pH for maior que 7,55, ou na presença de encefalopatia hepática, arritmia cardíaca, intoxicação digitálica ou alteração do estado mental. A quantidade necessária de HCl, administrado como solução 0,1 ou 0,2 M, é calculada pela fórmula: 0,5 peso (kg) redução deseja- 181 da no bicarbonato plasmático (mEq/L). O objetivo do tratamento com HCl é reverter uma alcalose grave, e inicialmente deve-se calcular uma correção parcial do bicarbonato, e não total. Pode-se preparar uma solução isotônica de HCl adicionando-se 150 ml de ácido clorídrico 1 N em 1 litro de água destilada. A infusão de 1 a 2 litros desta solução, em 24 horas, corrige a alcalose na maioria dos casos.36 (Obs: solução 0,1-0,2 N é a solução contendo 100200 mEq de hidrogênio por litro.)38 O HCl deve ser administrado em ambiente de terapia intensiva, por cateter em veia cava ou outra veia central de grande calibre, sendo a posição do cateter necessariamente confirmada por RX, já que a administração de HCl fora do vaso provocaria repercussões dramáticas.36 A velocidade de infusão pode chegar a 25 ml/hora. Recentemente Knutsen mostrou a possibilidade de se administrar, através de uma veia periférica, ácido clorídrico 0,15 N em uma solução de aminoácidos e emulsão lipídica.39 Alternativas ao HCl são: o cloreto de amônio (NH4Cl) e a arginina mono-hidrocloreto. O cloreto de amônio (374 mEq de hidrogênio por litro) pode ser administrado por veia periférica, em quantidade não superior a 300 mEq nas 24 horas; é contra-indicado na insuficiência renal ou hepática.36 A arginina mono-hidrocloreto (475 mEq de H por litro) pode causar hipercalemia grave em pacientes com insuficiência renal, principalmente se houver doença hepática concomitante.38 Se a taxa de filtração glomerular for adequada, o uso de acetazolamida, que é um diurético inibidor da anidrase carbônica, na dose de 250-500 mg via oral ao dia aumenta significativamente a excreção renal de bicarbonato e potássio. É benéfico para pacientes que tenham sobrecarga de volume e particularmente útil para os pacientes em que se necessita manter eliminação de sódio ou quando o potássio estiver elevado. Se não houver hipocalemia, é aconselhável a reposição de potássio, pela alta probabilidade de se desenvolver hipocalemia na vigência de diurese alcalina.18,36 Caso não haja resposta renal após a repleção de cloro ou for necessária diálise para o controle da insuficiência renal, a diálise corrigirá a alcalose metabólica. Porém, se só estiverem disponíveis os líquidos de diálise com altas concentrações de bicarbonato ou seus precursores, pode ser realizada diálise peritoneal de emergência com solução salina isotônica, sendo a manutenção de potássio, cálcio e magnésio feita pela via intravenosa.36 No caso de a alcalose ser conseqüência de perdas continuadas de suco gástrico, são úteis os antieméticos. Na alcalose da gastrocistoplastia, a administração de um inibidor da bomba de prótons, como o omeprazol, bloqueará a secreção gástrica na neobexiga. Alcalose Metabólica Resistente ao Cloreto Quando a hipocalemia estiver associada com uma alcalose discreta a moderada, a administração de 40-60 mEq de KCl quatro vezes ao dia é de modo geral suficiente. No 182 Metabolismo Ácido-Básico entanto, se estiver presente arritmia cardíaca ou situação de ameaça à vida, o KCl pode ser administrado na proporção de 40 mEq/hora, em concentrações não superiores a 60 mEq/litro, sob monitorização eletrocardiográfica. A glicose deve ser inicialmente omitida da solução de reposição, pois a secreção de insulina pode diminuir ainda mais a concentração de potássio. Uma vez iniciada a reposição de potássio, a presença de glicose na solução auxilia na repleção celular de potássio.36 Quando a causa for um excesso de mineralocorticóide, o tratamento é dirigido à remoção cirúrgica da fonte ou bloqueio da mesma. Os efeitos do mineralocorticóide sobre o sódio, o potássio e o bicarbonato podem ser revertidos com a espironolactona, diurético poupador de potássio. Além disso, podem ser úteis a restrição de sódio e o acréscimo de potássio na dieta.36 Nas síndromes de Bartter e Gitelman, o principal objetivo do tratamento é diminuir a perda urinária de potássio. Na síndrome de Bartter, os inibidores da enzima conversora reduzem a produção de angiotensina II e diminuem a secreção de aldosterona. Como a síntese de prostaglandinas está elevada nesta síndrome, e pode contribuir para as perdas de sódio, cloro e potássio, inibidores da prostaglandina sintetase podem melhorar a alcalose metabólica. Na síndrome de Gitelman, os diuréticos poupadores de potássio e a suplementação dietética de potássio são necessários.36 Pontos-chave: • A alcalose metabólica apresenta as fases de geração e manutenção. Na fase de manutenção a eliminação de bicarbonato pelos rins está prejudicada • Classificação: responsiva ou resistente ao cloreto • O tratamento se baseia na correção de: Espaço extracelular Deficiência de potássio Deficiência de cloro • Em casos graves, pode ser necessária a administração de ácido clorídrico Acidose Respiratória Ocorre quando há uma retenção de CO2 (hipercapnia) no organismo e traduz-se por uma elevação da PCO2 no sangue. Isto ocorre quando a produção de CO2 nos tecidos excede a capacidade de remoção pelos pulmões. CAUSAS Mais comumente são distúrbios neuromusculares (lesões do sistema nervoso central, da parede torácica e mio- patias) ou enfermidades pulmonares (asma, enfisema etc.). O denominador comum é uma hipoventilação alveolar, que pode ser causada por uma simples obstrução das vias aéreas superiores. V. Quadro 11.6. CONSEQÜÊNCIAS CLÍNICAS Clinicamente, há uma diferença entre o estabelecimento rápido e o gradual da retenção de CO2. Os pacientes se adaptam melhor quando a elevação é gradual. A retenção de CO2 pode causar confusão mental, tremor do tipo flapping e coma. O único sinal clínico fidedigno de hipercapnia é a demonstração de PCO2 elevada no sangue. A PCO2 venosa é geralmente 6 mmHg mais elevada que a arterial. CONSEQÜÊNCIAS FISIOLÓGICAS Observando-se a equação de Henderson-Hasselbalch, fica claro que, para o organismo manter o pH sanguíneo, a concentração plasmática de bicarbonato deve variar. Os tampões celulares desempenham o papel principal na resposta a alterações agudas da concentração de CO2. Quando a PCO2 aumenta, aumenta também a concentração de H2CO3, e, portanto, a concentração de H. O H Quadro 11.6 Causas de acidose respiratória (aguda e crônica) Acidose respiratória aguda a) Anormalidades neuromusculares • Lesão neurológica (tronco, medula alta) • Síndrome de Guillain-Barré, miastenia gravis • Drogas b) Obstrução de vias aéreas • Corpo estranho • Edema ou espasmo de laringe • Broncoespasmo grave c) Desordens tóraco-pulmonares • Tórax instável • Pneumotórax • Pneumonia grave • Inalação de fumaça • Edema pulmonar d) Doença vascular pulmonar • Embolia pulmonar maciça e) Ventilação mecânica controlada • Parâmetros inadequados (freqüência, volume corrente) • Espaço morto aumentado Acidose respiratória crônica a) Anormalidades neuromusculares • Paralisia diafragmática • Síndrome de Pickwick b) Desordens tóraco-pulmonares • Doença pulmonar obstrutiva crônica • Cifoescoliose • Doença pulmonar intersticial terminal Baseado em Kaehny W.D.43 183 capítulo 11 entra na célula em troca por Na e K e é tamponado pelas proteínas celulares, deixando o bicarbonato no líquido extracelular. Este tamponamento celular é responsável por aproximadamente 50% do aumento agudo na concentração plasmática de bicarbonato.40 Ao mesmo tempo, parte do CO2 entra na hemácia, formando H2CO3, o qual, dissociando-se, libera H e HCO3. O íon H é tamponado pela hemoglobina, e o bicarbonato entra no líquido extracelular em troca de cloro. Este mecanismo é responsável por aproximadamente 30% do aumento agudo na concentração plasmática de bicarbonato. No homem, a magnitude do aumento na concentração de bicarbonato plasmático é pequena, sendo inferior a 5 mEq quando a PCO2 aumenta gradualmente de 40 para 80 mm Hg.40,41 Quando a hipercapnia continua, a capacidade de tamponamento se esgota rapidamente. A necessidade de compensação leva a um aumento na excreção de H e na reabsorção e produção de bicarbonato. Schwartz e cols. mostraram, em cães expostos a uma atmosfera de CO2, que o rápido aumento que ocorria nas primeiras 24 horas no bicarbonato plasmático não se acompanhava de um aumento na excreção urinária de H. Mas, entre três e seis dias, o bicarbonato plasmático continuava aumentando, até atingir um platô. O autor, então, demonstrou que este último aumento no bicarbonato estava associado a um aumento na excreção urinária de H, sob a forma de NH4, e, durante esta fase, o rim restaurou os tampões celulares e extracelulares consumidos durante a fase aguda, gerando novo bicarbonato (v. Fig. 11.9).42 Portanto, na retenção crônica de CO2, o limiar da reabsorção de bicarbonato está elevado, assim como há uma excreção elevada de cloro. É preciso mencionar que, no homem com retenção crônica de CO2, não há uma compensação completa. TRATAMENTO É dirigido à causa da hipoventilação alveolar. Exemplo: desobstrução das vias aéreas superiores, alívio do broncoespasmo do asmático, etc. Alcalose Respiratória Ocorre quando há uma redução de CO2 no organismo e traduz-se por uma diminuição da PCO2 no sangue. Esta situação é conhecida como hipocapnia e é o resultado de uma hiperventilação alveolar. CAUSAS Qualquer condição que estimule a ventilação pulmonar poderá ocasionar uma redução da PCO2. Exemplos: dor, ansiedade, salicilatos, tumores cerebrais ou acidentes vasculares encefálicos, estados de hipóxia (cardiopatias cianóticas, altitudes, insuficiência cardíaca congestiva, anemia etc.), estados infecciosos (septicemias), estados hipermetabólicos (febre, delirium tremens), insuficiência hepática, estados conversivos, etc.43 CONSEQÜÊNCIAS CLÍNICAS Clinicamente, a hiperventilação pulmonar, além das manifestações clínicas da enfermidade básica, pode ser acompanhada de outros sintomas e sinais, possivelmente relacionados com o pH do sangue, circulação cerebral e nível de cálcio iônico: parestesias nas extremidades e região perioral, alteração na consciência e espasmos carpopedais. CONSEQÜÊNCIAS FISIOLÓGICAS Quando há redução da PCO2 (hipocapnia), ocorrem reações em sentido inverso ao daquelas que mencionamos durante retenção de CO2. Os tampões intracelulares liberam H e trocam cloro e bicarbonato na direção oposta.40 Estes processos causam redução do bicarbonato plasmático. Geralmente, esta redução é da ordem de 7-8 mEq/L quando a PCO2 é reduzida de 40 para 15 mmHg. Há também redução do limiar de reabsorção renal de bicarbonato e retenção de cloro pelo rim. TRATAMENTO É dirigido ao distúrbio que originou a hiperventilação alveolar. No entanto, a PCO2 pode ser rapidamente elevada, fazendo-se o paciente respirar uma mistura de gás carbônico a 5%, ou aumentando o espaço morto e diminuindo o volume-minuto quando em uso de ventilador. Distúrbios Ácido-básicos Mistos Chamamos distúrbio ácido-básico misto à ocorrência de dois ou mais distúrbios ácido-básicos simultaneamente no mesmo paciente. Assim, as desordens combinadas podem mascarar umas às outras, resultando em pH relativamente normal. Distúrbios ácido-básicos graves podem passar despercebidos, a menos que uma abordagem passo a passo seja utilizada na avaliação das gasometrias.44 DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS ÁCIDO-BÁSICOS História clínica e exame físico completos devem ser realizados, verificando antecedentes de perdas fluidas, uso de medicamentos e estado do espaço extracelular. Verifique os valores encontrados na gasometria (arterial ou venosa) e compare com os valores normais (Quadro 11.7). Alguns autores sugerem que, antes de iniciar a avaliação dos resultados da gasometria, seja verificada a validade interna dos dados obtidos, através da fórmula de Henderson: [H] 24 PCO2/[HCO3]. A concentração hidrogeniônica (em mEq/litro) para cada pH é encontrada no Quadro 11.8. Os valores intermediários podem ser 184 Metabolismo Ácido-Básico Quadro 11.7 Valores normais para a gasometria em sangue arterial e venoso pH HCO3 PCO2 pO2 Sangue arterial 7,35-7,45 22-26 mEq/litro 35-45 mmHg 80-100 mmHg Sangue venoso 0,05 unidade menor igual ao arterial 6 mmHg maior 50% menor Obtido de Kratz, A.52 Quadro 11.8 pH e concentração hidrogeniônica correspondente pH 6,80 6,90 7,00 7,10 7,20 7,30 7,40 7,50 7,60 7,70 7,80 [H] 160 125 100 80 63 50 40 32 26 20 16 calculados por interpolação. Caso não haja correspondência entre a [H] e o pH, há erro na medida de uma das variáveis, no registro dos dados, ou ainda, as amostras foram obtidas em momentos diferentes.45 ROTEIRO PARA INTERPRETAÇÃO DOS DISTÚRBIOS ÁCIDO-BÁSICOS 1) Primeira etapa: através do pH, PCO2 e HCO3ⴚ, identificar a desordem mais aparente (Quadro 11.9). a) Se pH menor que 7,35 acidemia = acidose metabólica ou acidose respiratória. Se o HCO3 estiver baixo, é uma acidose metabólica. Se a PCO2 estiver alta, é uma acidose respiratória. b) Se pH maior que 7,45 alcalemia alcalose metabólica ou alcalose respiratória. Se o HCO3 estiver alto, é uma alcalose metabólica. Se a PCO2 estiver baixa, é uma alcalose respiratória. c) Se o pH estiver normal (7,35-7,45), mas o HCO3 e/ou a PCO2 estiverem alterados, verificar qual deles está mais anormal. Por exemplo, pH 7,40; PCO2 60; HCO3 36. Tanto a PCO2 como o HCO3 estão alterados. Como o pH está normal neste caso, os diagnósticos possíveis seriam uma alcalose metabólica (bicarbonato elevado) ou acidose respiratória (PCO2 elevada).46 2) Aplicar as fórmulas para verificar se a compensação está adequada (Quadro 11.10). Uma vez identificado um distúrbio, a aplicação da fórmula específica permite identificar se um segundo distúrbio está presente. A pergunta deve ser: a compensação está adequada para o que era previsto? Por exemplo: para as desordens metabólicas, qual deveria ser a PCO2 após a compensação. Para as desordens respiratórias, qual deveria ser a concentração de bicarbonato após a compensação? As fórmulas mostram aproximadamente a compensação esperada. Se a compensação não foi consistente com o que se previa, então um segundo distúrbio está presente.46 Uma medida auxiliar no diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos é o mapa ácido-básico idealizado por Arbus (v. Fig. 11.11).47 3) Calcular o anion gap. Isto permite classificar a acidose metabólica, como foi discutido anteriormente. Anion gap entre 16 e 20 pode ser causado por outras situações, além da acidose metabólica. Quadro 11.9 Roteiro de diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos: identificação da desordem mais evidente, através do pH, PCO2 e HCO3 Distúrbio pH PCO2 HCO3 Acidose metabólica Diminuído Diminuída (secundária) Diminuído (primário) Alcalose metabólica Aumentado Aumentada (secundária) Aumentado (primário) Acidose respiratória Diminuído Aumentada (primária) Aumentado (secundário) Alcalose respiratória Aumentado Diminuída (primária) Diminuído (secundário) Adaptado de Preston, R.A.46 capítulo 11 185 Quadro 11.10 Roteiro de diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos: aplicar as fórmulas para verificar se a compensação está adequada Acidose metabólica PCO2 1,5 [HCO3] 8 ou [HCO3] 1,2 [CO2] Variação aceita nos distúrbios simples: 2 mEq/litro Alcalose metabólica PCO2 40 0,7 [HCO3 atual HCO3 normal] Variação aceita nos distúrbios simples: 5 mEq/litro Acidose respiratória Aguda: [HCO3] aumenta 1 mEq para cada 10 mmHg de aumento na PCO2 Crônica: [HCO3] aumenta 3,5 mEq para cada 10 mmHg de aumento na PCO2 Alcalose respiratória Aguda: [HCO3] diminui 2 mEq para cada 10 mmHg de queda na PCO2 Crônica: [HCO3] diminui 5 mEq para cada 10 mmHg de queda na PCO2 Adaptado de Preston, R.A.46 Valores acima de 30 sempre significam acidose metabólica com anion gap aumentado. Para valores acima de 20, existe alta probabilidade de ser acidose metabólica com anion gap aumentado.46 Observação: Os elementos BE (base excess) e BD (base deficit) da gasometria refletem o excesso de álcalis na alcalose e a falta de bases na acidose metabólica. Valores normais: BE 2 mEq/L; BD 2mEq/L. Na alcalose metabóli- BICARBONATO mEq/l PCO2 (mmHg) Fig. 11.11 Mapa ácido-básico. A área central (N) representa a área de normalidade. Conhecendo-se pelo menos duas das variáveis (PCO2, pH e HCO3), traça-se uma linha pelos respectivos valores, e o ponto de encontro de duas linhas indica o distúrbio ácidobásico e a variação normal de compensação que pode ocorrer. Se o ponto de encontro das linhas cair fora das áreas sombreadas, as chances são de que o paciente tenha um distúrbio ácido-básico misto. (Obtido de Arbus, G.S.47) 186 Metabolismo Ácido-Básico ca encontramos valor positivo de BE e valor negativo de BD. Na acidose metabólica, valor negativo de BE e valor positivo de BD. Não julgamos aconselhável utilizar os conceitos de déficit ou excesso de base como ferramenta principal de diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos. De fato, entre 152 pacientes estudados por Fencl e colaboradores, o BE deixou de diagnosticar distúrbio ácido-básico grave em 1/6 dos pacientes.48 ALGUNS EXEMPLOS Exemplo 1 Paciente com os seguintes valores na gasometria arterial: pH 7,15; HCO3 6 mEq/litro; PCO2 18 mmHg Na 135 mEq/litro; Cl 114 mEq/litro; K 4,5 Etapa 1: Com pH baixo e bicarbonato baixo = acidose metabólica Etapa 2: Qual deveria ser a PCO2 para esta acidose metabólica? PCO2 (1,5 6) 8 17 Então, a PCO2 esperada seria de 17 mmHg, e está em 18. Como os valores estão muito próximos e a variação não é superior a 2 mmHg, consideramos que se trata de uma acidose metabólica pura (simples). Etapa 3: Anion gap [Na] [Cl HCO3] 135 (114 6) 15. Portanto, o anion gap está normal. Diagnóstico final: Acidose metabólica simples, com anion gap normal. Exemplo 2 pH 7,08; HCO3 10 mEq/litro; PCO2 35 mmHg. Anion gap 14 Etapa 1: Com pH baixo e bicarbonato baixo acidose metabólica Etapa 2: Qual deveria ser a PCO2 para esta acidose metabólica? PCO2 (1,5 10) 8 23 Então, a PCO2 esperada seria de 23 mmHg, e está em 35, ultrapassando em muito a variação aceitável. O paciente deveria ter tido uma hiperventilação suficiente para que sua PCO2 caísse até 23 mmHg, mas ela permaneceu em torno de 35. Podemos concluir que o paciente hipoventilou, e não eliminou CO2. Então, o distúrbio que apresenta é uma acidose metabólica com acidose respiratória. Etapa 3: Anion gap 14. Portanto, o anion gap está normal. Diagnóstico final: Acidose mista, metabólica e respiratória, com anion gap normal. Exemplo 3 pH 7,15; HCO3 6 mEq/litro; PCO2 12 mmHg (não é necessário calcular o AG neste exemplo) Etapa 1: Com pH baixo e bicarbonato baixo acidose metabólica Etapa 2: Qual deveria ser a PCO2 para esta acidose metabólica? PCO2 = (1,5 6) 8 17 Então, a PCO2 esperada seria de 17 mmHg, e está em 12. Este valor ultrapassa a variação aceitável. A hiperventilação estimulada pela acidose metabólica deveria ter permitido que a PCO2 chegasse a 17, porém, o que ocorreu foi uma variação acima da esperada, por hiperventilação. Portanto, o distúrbio que o paciente apresenta é misto: uma acidose metabólica com alcalose respiratória. Diagnóstico final: Distúrbio misto (acidose metabólica e alcalose respiratória). No Quadro 11.11, você encontra resumidos alguns exemplos de distúrbios ácido-básicos. Quadro 11.11 Quadro gasométrico resumido dos principais distúrbios ácido-básicos pH PCO2 [HCO3] [Cl] [Na] Hiato iônico Normal 7,40 40 24 100 140 20 Acidose metabólica com hiato iônico normal 7,32 29 14 111 140 20 Acidose metabólica com hiato iônico aumentado 7,32 29 14 100 130 30 Alcalose metabólica 7,63 49 36 Acidose respiratória aguda 7,21 70 27 Acidose respiratória crônica 7,35 70 38 Alcalose respiratória aguda 7,63 20 20 Alcalose respiratória crônica 7,50 20 15 Adaptado de Zatz.20 capítulo 11 EXERCÍCIOS Nos exercícios a seguir, avalie os dados clínicos e laboratoriais, e utilizando o roteiro sugerido, responda: a) Qual o distúrbio ácido-básico? b) Qual a compensação esperada? c) Qual o hiato iônico? pH 7,54; PCO2 53; HCO3 42; Na 141; K 3,1; Cl 88. pH 7,27; PCO2 26; HCO3 12; Na 142; K 3,6; Cl 100. pH 7,10; PCO2 20; HCO3 11; Na 140; K 3,8; Cl 110. pH 7,54; PCO2 32; HCO3 16; Na 141; K 3,1; Cl 88. Paciente ingeriu 6 g de ácido acetilsalicílico há 12 horas. Freqüência respiratória: 32 mrm. 5) pH 7,18; PCO2 65; HCO3 48; Na 137; K 4,3; Cl 95. Paciente enfisematoso, internado com extensa broncopneumonia. Creatinina 4,5 mg/dl. 1) 2) 3) 4) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Regulation of acid-base balance. In: Guyton, A.C.; Hall, J.E. (eds) Textbook of Medical Physiology, pp. 385403, W.B. Saunders, 1996. ROSE, B.D.; RENNKE, H.G. Acid-base physiology and metabolic alkalosis. In: Renal Pathophysiology — The Essentials, pp. 123-151, Williams & Wilkins. VALTIN, H.; SCHAFER, J.A. H balance. In: Valtin, H.; Schafer, J.A. Renal Function, pp.183-133. RECTOR Jr, F.C. Renal acidification and ammonia production; chemistry of weak acids and bases; buffer mechanisms. Cap. 9, p. 318. In: The Kidney. Eds. B.M. Brenner e F.C. Rector Jr. W.B. Saunders Co. 1976. SCRIBNER, B.H. Teaching Syllabus for the Course on Fluid and Eletrolyte Balance. 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Kidney Int., 1:306, 1972. 188 Metabolismo Ácido-Básico ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET http://www.kidneyatlas.org/book1/adk1 – 06.pdf — Excelente capítulo do Atlas de Doenças Renais on line de Robert Schrier. http://www.biology.arizona.edu/biochemistry/ problem – sets/medph/01q.html — Tutorial muito interessante com perguntas e respostas comentadas. http://perfline.com/cursos/cursos/acbas/acbas.htm — Revisão geral do equilíbrio ácido-básico e testes. RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS 1) pH 7,54; PCO2 53; HCO3 42. a) Distúrbio ácido-básico: pH alto, bicarbonato alto, PCO2 alta 씮 alcalose metabólica. b) Compensação esperada para a alcalose metabólica é a hipoventilação alveolar, com aumento na PCO2, como se observa nesta gasometria. Aplicando a fórmula para verificar se a compensação da alcalose metabólica é adequada: (PCO2 40 0,7 [HCO3 atual HCO3 normal]) 씮 53 40 0,7 (42 24) 씮 53 52,6. Portanto, a compensação está dentro do que era esperado, e se trata de um distúrbio simples. c) Anion gap Na (HCO3 Cl) 씮 AG 11. 2) pH 7,27; PCO2 26; HCO3 12; Na 142; K 3,6; Cl 100. a) Distúrbio ácido-básico: pH baixo, bicarbonato baixo, PCO2 baixa 씮 acidose metabólica. b) A compensação esperada para a acidose metabólica é a hiperventilação alveolar, com diminuição na PCO2, como se observa nesta gasometria. Aplicando a fórmula para verificar se a compensação da acidose metabólica é adequada: PCO2 1,5 [HCO3] 8 씮 26 (1,5 12) 8 씮 26 26. Portanto, a compensação está adequada: a acidose estimulou a hiperventilação, reduzindo a PCO2 ao nível que era esperado. c) Anion gap Na (HCO3 Cl) 씮 AG 142 – (12 100) 씮 AG 30. O anion gap está aumentado. Verificar quais as causas prováveis. 3) pH 7,10; PCO2 32; HCO3 11; Na 140; K 3,8; Cl 110. a) Distúrbio ácido-básico: pH baixo, bicarbonato baixo, PCO2 baixa 씮 acidose metabólica. b) Compensação esperada para a acidose metabólica é a hiperventilação alveolar, com diminuição na PCO2, como se observa nesta gasometria. Aplicando a fórmula para verificar se a compensação da alcalose metabólica é adequada: PCO2 1,5 [HCO3] 8 씮 32 (1,5 11) 8 씮 24,5 17. O mecanismo de compensação foi insuficiente e não reduziu a PCO2 aos níveis esperados. Portanto, trata-se de uma acidose mista (acidose metabólica acidose respiratória). c) Anion gap Na (HCO3 Cl) 씮 AG 140 – (11 110) 씮 AG 19. O anion gap está normal. Verifique as causas prováveis. 4) pH 7,54; PCO2 32; HCO3 16; Na 141; K 3,1; Cl 88. Paciente ingeriu 6 g de ácido acetilsalicílico há 12 horas. Freqüência respiratória: 32 mrm. a) Distúrbio ácido-básico: pH alto, bicarbonato baixo, PCO2 baixa 씮 alcalose respiratória. b) Compensação esperada para a alcalose respiratória é a eliminação de bicarbonato e retenção de ácido pelo rim. Aplicando a fórmula de alcalose respiratória (aguda) para verificar se a compensação é adequada: [HCO3] deveria diminuir 2 mEq para cada 10 mmHg de queda na PCO2. Como a PCO2 caiu 8 mmHg, a concentração de bicarbonato deveria cair para cerca de 22,4 mEq/L. Porém, a queda no bicarbonato foi superior, chegando a 16 mEq/L. O mecanismo de compensação foi inadequado, e conclui-se que este paciente apresenta um distúrbio ácido-básico misto: alcalose respiratória e acidose metabólica. c) AG Na (HCO3 Cl) 씮 AG 37. 5) pH 7,18; PCO2 65; HCO3 28; Na 137; K 4,3; Cl 95. Paciente enfisematoso, internado com extensa broncopneumonia. Creatinina 4,5 mg/dl. a) Distúrbio ácido-básico: pH baixo, bicarbonato alto, PCO2 alta 씮 acidose respiratória. b) Compensação esperada para a acidose respiratória é a retenção de bicarbonato pelo rim. Aplicando a fórmula de acidose respiratória (crônica) para verificar se a compensação é adequada: [HCO3] Deve aumentar 3,5 mEq para cada 10 mmHg de aumento na PCO2. Como a PCO2 aumentou 25 mmHg, o bicarbonato deveria estar em torno de 32,75. Observe que o bicarbonato elevou-se pouco, frente ao que era esperado, talvez devido ao comprometimento de função renal que este paciente apresenta. Então, o distúrbio apresentado por ele é uma acidose mista (metabólica respiratória). c) AG Na (HCO3 Cl) 씮 AG 14. Capítulo 12 Metabolismo do Potássio Miguel Carlos Riella e Maria Aparecida Pachaly INTRODUÇÃO DISTRIBUIÇÃO DO POTÁSSIO NO ORGANISMO MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA QUANTIDADE DE POTÁSSIO NO ORGANISMO Concentração plasmática do potássio Hormônios adrenocorticais Como age a aldosterona? ADAPTAÇÃO A NÍVEIS ELEVADOS DE POTÁSSIO Adaptação renal ao potássio Adaptação extra-renal ao potássio Determinação do potássio total com 40K PAPEL DO BALANÇO ÁCIDO-BÁSICO Determinação do potássio trocável HOMEOSTASIA DO POTÁSSIO NA INSUFICIÊNCIA RENAL Outros métodos Papel do sistema renina-angiotensina-aldosterona INTERPRETAÇÃO DO POTÁSSIO PLASMÁTICO Excreção gastrintestinal de potássio FATORES QUE AFETAM A DISTRIBUIÇÃO Tolerância celular ao potássio TRANSCELULAR DE POTÁSSIO BALANÇO DO POTÁSSIO Ingesta e excreta AÇÃO DOS DIURÉTICOS DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO DO POTÁSSIO Depleção de potássio (hipocalemia) Excreção renal de potássio Causas de hipocalemia Transporte tubular renal de potássio Manifestações clínicas Canais de potássio Diagnóstico diferencial Túbulo proximal Tratamento da hipocalemia Ramo descendente da alça de Henle (RDAH) Cálculo do déficit de potássio Ramo ascendente da alça de Henle (RAAH) Túbulo distal (TD) Reposição de potássio em algumas situações especiais Excesso de potássio (hipercalemia) Reciclagem medular de potássio Causas de hipercalemia Fatores que influenciam a secreção de potássio nos Diagnóstico diferencial túbulos distal e coletor SISTEMAS HORMONAIS ATUANTES NA HOMEOSTASIA DO POTÁSSIO Manifestações clínicas Tratamento da hipercalemia EXERCÍCIOS Insulina REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Glucagon ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET Catecolaminas RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS 190 Metabolismo do Potássio INTRODUÇÃO O potássio é o cátion intracelular mais abundante e sua influência se faz sentir em vários processos metabólicos da célula. A função neuromuscular e os potenciais de membrana dependem de maneira crítica da relação entre a concentração de potássio intracelular e extracelular. Em vista disso, os mecanismos que regulam a concentração de potássio devem ser bastante precisos. Embora a concentração de potássio no líquido extracelular seja reduzida, quando comparada com a concentração intracelular, a variação é pequena (3,5 a 5,0 mEq/L). As repercussões clínicas de pequenas variações nesta concentração extracelular de potássio são, no entanto, dramáticas. Cabe ao rim grande parte da responsabilidade pelo controle da concentração de potássio. DISTRIBUIÇÃO DO POTÁSSIO NO ORGANISMO O potássio total do corpo está em torno de 55 mEq/kg, e portanto, num indivíduo de 70 kg, há aproximadamente 3.500 mEq de potássio, sendo pelo menos 90% intracelulares1,2 e 10% extracelulares (Fig. 12.1). Porém, apenas 2% do potássio extracelular se encontram no plasma e fluido intersticial (50-70 mEq); o restante encontra-se no tecido ósseo, de onde pode ser mobilizado lentamente.3 A maior parte do potássio intracelular (em torno de 3.000 mEq) está no interior das células musculares, o que não implica um acúmulo relativo de potássio no músculo, mas apenas reflete a preponderância da massa muscular em relação à massa corporal. A acentuada diferença de concentração entre os espaços intracelular e extracelular é mantida pela bomba iônica sódio-potássio-ATPase (Na-K-ATPase), que ativamen- te transporta o potássio para dentro e o sódio para fora das células.4 O papel do potássio intracelular com relação à água é análogo ao papel do sódio no líquido extracelular, isto é, cada um é o principal determinante da osmolalidade do seu compartimento e a quantidade absoluta de cada um está relacionada com o volume do compartimento intraou extracelular.5 A facilidade com que se pode determinar a concentração de sódio no líquido extracelular contrasta com as dificuldades existentes na determinação direta do potássio intracelular. MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA QUANTIDADE DE POTÁSSIO NO ORGANISMO Concentração Plasmática do Potássio Demonstrou-se que há uma correlação entre a quantidade de potássio no plasma e a quantidade total de potássio no organismo de um indivíduo normal.6 Embora alguns estudos não tenham mostrado uma correlação entre a concentração plasmática de potássio e o potássio total do organismo, há muita evidência na literatura que demonstra que a concentração plasmática de potássio reflete a quantidade total de potássio no organismo.5 Determinação do Potássio Total com 40K A administração de potássio radioativo (40K) permite a detecção externa de toda a radiação emitida pelo 40K proveniente do corpo.7 Por este método, chegou-se à conclusão de que o potássio total do homem está em torno de 55 mEq/kg, e o da mulher, em torno de 49 mEq/kg.1 A dife- Fig. 12.1 Distribuição do potássio num adulto pesando 70 kg. Observe que a maior parte do potássio está contida nas células musculares. (Obtido de Black, D.A.K.1) capítulo 12 rença deve-se ao fato de as mulheres possuírem maior quantidade de tecido adiposo e menor massa muscular. Quadro 12.1 Alterações no potássio sérico Distribuição transcelular alterada 1. Ácido-básico a. Acidose: para cada 0,1 unidade de pH que cai, o potássio se eleva em 0,6 mEq/L b. Alcalose: para cada 0,1 unidade de pH que sobe, o potássio diminui em 0,1 mEq/L Determinação do Potássio Trocável* O potássio trocável representa 92 a 99% do potássio total e refere-se ao potássio que se mobiliza com mais facilidade. O método baseia-se na administração de uma quantidade conhecida de 42K, e, após um período de equilíbrio, a concentração de 42K, multiplicada pela dose administrada, fornece o potássio trocável. 2. Insulina 3. Aldosterona 4. Agentes -adrenérgicos (epinefrina) Alteração das reservas de potássio 1. Depleção — 1 mEq/L de redução para um déficit de 200-300 mEq 2. Retenção — 1 mEq/L de aumento reflete um excesso de 200 mEq Outros Métodos A determinação do potássio total ou trocável não nos permite saber a concentração intracelular de potássio. Para isto haveria necessidade de determinar a água do organismo e o volume do compartimento extracelular.5 Estas determinações são difíceis e não muito precisas. Felizmente, existem outras maneiras de expressar os dados de potássio: o potássio do organismo pode ser relacionado com o peso do indivíduo (v. Quadro 12.2), com a sua massa corporal sem gordura e com a altura e excreção de creatinina. Além disso, há métodos de análise tissular. A biópsia de músculo é útil, pois o músculo contém aproximadamente 60% do potássio do organismo, e uma estimativa do potássio muscular total dá uma idéia grosseira do potássio total do organismo.5 A determinação do potássio intracelular em eritrócitos e leucócitos também tem sido utilizada para a estimativa do potássio total. Os vários métodos existentes refletem as dificuldades encontradas pelos investigadores. INTERPRETAÇÃO DO POTÁSSIO PLASMÁTICO Scribner e Burnell desenvolveram a idéia de que depleção e excesso de potássio devem ser definidos em face das alterações do potássio total do organismo, tomando-se um ponto de referência.8 Os autores acreditavam que um ponto *A determinação da massa de eletrólitos no corpo está intimamente relacionada com a determinação do volume dos líquidos no corpo. Quando se administra sódio ou potássio radioativo, eles são diluídos pelos isótopos, que ocorrem normalmente no corpo. Alguns eletrólitos do corpo estão em solução e se equilibram rapidamente com os eletrólitos marcados por substâncias radioativas. Outros eletrólitos estão incorporados em fáscias, tendões, ossos etc. e se equilibram mais lentamente com os eletrólitos marcados. Isto dificulta o cálculo da massa total de determinado eletrólito. A massa de eletrólito que se equilibra ou se troca rapidamente com o eletrólito marcado é denominada massa trocável ou permutável. Daí as expressões sódio ou potássio trocável, de troca ou permutável. É óbvio que a massa trocável será sempre inferior à massa total do organismo.7 191 Modificado de Tannen, R.L. Manual of Nephrology. Edit. Robert Schrier. Little, Brown and Co., 1981. Quadro 12.2 Depleção de potássio: algumas causas gastrintestinais Diarréia Fezes líquidas: cólera, síndrome de Zollinger-Ellison Fezes formadas: esteatorréia, pós-gastrectomia Secreção de tumores: adenoma viloso Exsudato inflamatório: colite ulcerativa Vômito e diarréia: gastroenterite Vômito: estenose pilórica Aspiração gástrica contínua Fístulas: biliar, pancreática, gastrocólica Outras: abuso de purgativos, enemas Modificado de Black, D.A.K.1 de referência era essencial, pois que alterações no potássio total, per se, não tinham significado. Exemplificavam com o paciente em jejum, que perde potássio mas não se torna deficiente em potássio porque, ao mesmo tempo, destrói massa protéica (devido ao jejum). O ponto de referência escolhido foi denominado capacidade total do potássio (total potassium capacity)§ e refere-se à soma de todos os ânions e outros grupos químicos fora do líquido extracelular e capazes de reter íons K⫹ ou ligarem-se a estes. A capacidade do potássio teria vários componentes (v. Fig. 12.2). As células musculares contribuiriam com a maior parcela, além do fígado, glicogênio, hemácias e ossos. Desta maneira, define-se depleção de potássio como uma diminuição do potássio total em relação à capacidade do potássio. Exemplo: depleção de potássio devido a perdas gastrintestinais ou renais, sem ingesta adequada (v. Fig. 12.2). § O termo capacidade total do potássio talvez não traduza com fidelidade o significado do termo total potassium capacity. 192 Metabolismo do Potássio Fig. 12.2 Diagrama ilustrando as relações entre o potássio total e a capacidade do potássio. (Modificado de Chapman, W.H. e cols.44) Define-se excesso de potássio como um aumento na relação potássio total/capacidade do potássio. Como os rins normalmente excretam rapidamente um excesso de potássio, a causa mais comum de excesso de potássio é uma diminuição da capacidade do potássio e não um aumento no potássio total. O exemplo representativo seria aquele do paciente com insuficiência renal aguda. O paciente geralmente não se alimenta, de forma que o potássio total permanece constante, pois o rim cessou a excreção. No entanto, devido ao jejum, ele passa a destruir a sua massa celular em busca de fontes de energia, consome as reservas de glicogênio e, assim, reduz a sua capacidade do potássio (Fig. 12.2). Quando existe um quadro de caquexia ou jejum prolongado, não há depleção de potássio, pois o potássio total e a capacidade do potássio decrescem simultaneamente (Fig. 12.2). Entretanto, como veremos a seguir, existem fatores que afetam a distribuição transcelular de potássio, sem alterarem a quantidade total de potássio no organismo. FATORES QUE AFETAM A DISTRIBUIÇÃO TRANSCELULAR DE POTÁSSIO a) Estado ácido-básico: a acidose determina a saída de potássio das células, enquanto a alcalose age no sentido inverso, determinando redução na concentração sérica do potássio. A isto chamamos desvio iônico. b) Insulina: promove a entrada de potássio nas células. Deficiência de insulina aumenta o potássio no extracelular. c) Aldosterona: modifica a excreção urinária de potássio. Deficiência de aldosterona provoca retenção de potássio e aumento do potássio no extracelular. d) Agentes adrenérgicos: por exemplo, a epinefrina promove a entrada de potássio nas células. Se nenhum dos fatores acima estiver atuando, a concentração sérica de potássio reflete o potássio total. Para se avaliar a magnitude da depleção a partir do potássio sérico, podemos utilizar a seguinte regra prática: a redução de 1 mEq/L no potássio sérico corresponde a uma perda aproximada de 200-300 mEq do potássio total. Uma outra maneira de se interpretar a magnitude do déficit leva em consideração o nível sérico de potássio: nível sérico entre 2,5 e 3,5 mEq/L significa aproximadamente uma redução de 10% (200-400 mEq) no potássio total. Este déficit geralmente não acarreta sintomas e pode ser manejado com reposição oral de potássio. Nível sérico inferior a 2,5 mEq/L indica 15-20% ou mais de depleção do potássio total (400-700 mEq) e pode exigir uma reposição mais agressiva, dependendo das ma- Pontos-chave: • Potássio normal ⫽ 3,5-5,0 mEq/L • O nível de potássio no sangue deve ser avaliado com base na capacidade calêmica total • O potássio pode redistribuir-se entre os compartimentos extra- e intracelular e viceversa, de acordo com o estado ácido-básico, insulina e estímulo adrenérgico 193 capítulo 12 H⫹ H⫹ H⫹ H⫹ H⫹ H⫹ H⫹ H⫹ H⫹ K⫹ K⫹ K⫹ K⫹ K⫹ K⫹ K⫹ ACIDOSE 앗0,1 pH ⫽앖K 0,6 mEq/L K⫹ K⫹ K⫹ K⫹ K⫹ ALCALOSE 앖0,1 pH ⫽앗K 0,1 mEq/L Fig. 12.3 Desvio iônico do potássio em presença de acidose e alcalose. Na acidose, para cada 0,1 de queda no pH, há uma elevação de 0,6 mEq/L no potássio sérico. Na alcalose, para cada 0,1 de aumento no pH, o nível do potássio sérico cai 0,1 mEq/L. guma excreção também ocorre nos segmentos proximais, enquanto alguma reabsorção ocorre no ducto coletor. Cerca de 65% do potássio filtrado são reabsorvidos no túbulo proximal, e 25-30% na alça de Henle, principalmente no ramo ascendente espesso. Como estes segmentos tubulares mais proximais executam principalmente processos de reabsorção de potássio, a maior parte da variação em sua excreção é causada por ajustes na secreção nos segmentos tubulares mais distais (como os túbulos distais e túbulos coletores).2 Transporte Tubular Renal de Potássio CANAIS DE POTÁSSIO nifestações clínicas. É difícil imaginar-se o déficit quando o nível sérico é inferior a 1,8-2,0 mEq/L. Em caso de hipercalemia, um aumento de 1 mEq/L no potássio sérico reflete pelo menos 200 mEq de excesso de potássio total. BALANÇO DO POTÁSSIO Ingesta e Excreta Normalmente, a quantidade diária de potássio ingerida varia entre 50 e 150 mEq. A quantidade de potássio excretada pela pele através do suor é pequena, cerca de 16 a 18 mEq/L. A excreção de potássio nas fezes é da ordem de 5 a 10 mEq por dia, mas perdas consideráveis ocorrem nas diarréias, esteatorréias e com uso de laxantes.1 Em vista da pequena excreção cutânea e intestinal de potássio, é óbvio que a maior responsabilidade pela excreção do potássio cabe ao rim.2 Excreção Renal de Potássio A excreção renal de potássio depende de três processos: a) taxa de filtração glomerular do potássio (que é igual à taxa de filtração glomerular ⫻ concentração plasmática de potássio); b) taxa de transporte de potássio do lúmen tubular para o sangue (reabsorção), e c) taxa de transporte do potássio do sangue para o lúmen tubular (secreção). Em condições habituais, a taxa de filtração do potássio é mantida constante, e a maior parte do potássio excretado não resulta do processo de filtração glomerular, e sim do processo de secreção tubular. Em circunstâncias em que a taxa de filtração glomerular está reduzida, como a insuficiência renal, pode haver acúmulo de potássio com graves repercussões clínicas.2 De maneira geral, as porções iniciais do nefro reabsorvem potássio e as mais distais o secretam. No entanto, al- Sabe-se atualmente que o movimento passivo de íons e água através de membranas biológicas é facilitado por um grupo de proteínas conhecidas como canais. Canal de íon é definido como uma proteína transmembrana com um orifício ou poro através do qual os íons podem passar por eletrodifusão. Canais de potássio (K⫹) constituem um grupo de proteínas de membrana que facilitam o movimento passivo (guiado pelo gradiente eletroquímico para K⫹) de K⫹ através de membranas celulares. Um ou mais tipos de canais de K⫹ podem ser detectados em virtualmente todas as células de mamíferos. Os canais de K⫹ que se abrem e fecham em resposta a alterações na voltagem da membrana são chamados de canais voltagem-dependentes (Kv). Uma subclasse de canais Kv necessita de cálcio para ativação e são conhecidos como maxicanais K⫹. Recentemente verificou-se que canais Kv têm um papel crucial na regulação da contração vascular da musculatura lisa e portanto na resistência vascular periférica e pressão arterial. Os íons K⫹ atravessam as membranas fundamentalmente por dois mecanismos: via canais ou carregadores. A força propulsora do movimento de potássio através do canal é a diferença de potencial eletroquímico. O transporte de potássio mediado por carregador envolve a ligação com uma proteína específica carregadora, e a alteração na conformação desta proteína é necessária para atravessar a barreira celular. Embora a importância fisiológica de canais Kv não possa ser imediatamente óbvia no epitélio renal, está claro que vários destes genes se expressam no rim e que os Kv podem ter um papel na secreção de potássio no ducto coletor cortical e na reciclagem de K na medula interna.9 TÚBULO PROXIMAL Após a filtração, 60-65% do potássio no líquido tubular são reabsorvidos no túbulo contornado proximal. O túbulo proximal funciona como um epitélio de baixa resistência, onde ocorre uma extensa reabsorção de água, sódio, potássio e outros íons. Duas forças passivas promovem 194 Metabolismo do Potássio CARGA FILTRADA 600-700 MEQ/DIA RAMO ASCENDENTE DA ALÇA DE HENLE (RAAH) REABSORÇÃO DE K⫹ 60-70% SECREÇÃO DE K⫹ INICIAL MÉDIA ⫹ K REABSORÇÃO Túbulo proximal 20-30% FINAL Túbulo distal SECREÇÃO DE K⫹ Túbulo coletor Está bem estabelecido que a reabsorção de potássio através da membrana luminal se faz contra um gradiente eletroquímico e através de um mecanismo de co-transporte, de tal forma que um Na⫹, um K⫹ e dois Cl⫺ são translocados simultaneamente. Este processo eletricamente neutro constitui o transporte ativo secundário de potássio. A força promotora origina-se da extrusão ativa de sódio através da membrana baso-lateral da célula. A saída de potássio da célula se faz pela membrana baso-lateral e pode ser por difusão através de canais de potássio ou acoplado a íons cloro via um co-transportador KCl. TÚBULO DISTAL (TD) EXCREÇÃO URINÁRIA 90 mEq/dia Fig 12.4 Reabsorção tubular de potássio nos diferentes segmentos do nefro. Adaptado de DeFronzo, R.A.; Smith, J.D.47 reabsorção transepitelial de potássio: a) o movimento de líquido através de junções intercelulares provoca um arrasto de potássio no mesmo sentido (solvent drag effect); b) uma força eletroquímica, determinada por uma diferença de potencial transepitelial que varia de valores positivos no túbulo proximal, favorecendo a reabsorção, a valores negativos nos segmentos distais (túbulo coletor), favorecendo a secreção de potássio. Desta forma, ocorre uma reabsorção passiva por eletrodifusão.4 Além destas forças passivas, há evidência de uma via transcelular ativa para reabsorção de potássio. Esta informação deriva de experimentos em que a reabsorção de líquido e sódio é marcadamente reduzida e a reabsorção de potássio continua. A saída de potássio da célula para o líquido peritubular e capilar peritubular é exclusivamente passiva. Isto ocorre pelo gradiente eletroquímico e pela alta permeabilidade da membrana celular baso-lateral. RAMO DESCENDENTE DA ALÇA DE HENLE (RDAH) Atualmente, acredita-se que o potássio seja secretado no líquido tubular neste segmento do nefro. Jamison e cols. mostraram que, no final deste segmento, a quantidade de potássio excede a filtrada e concluíram que este potássio secretado provém do potássio absorvido no ramo ascendente da alça de Henle (v. a seguir) e que o ritmo de secreção depende do gradiente existente entre o interstício medular e o lúmen tubular. Portanto, o mecanismo de transporte parece ser passivo.10 A porção do túbulo distal responsável pela secreção de potássio parece estar restrita à parte final do segmento entre a mácula densa e a confluência de dois túbulos distais: a parte mais distal do TD e o túbulo coletor cortical. A parte convoluta do TD (parte inicial) não participa funcionalmente do transporte de potássio. Há dois tipos de células no túbulo distal que participam do transporte de potássio: as células principais (claras), mais numerosas e responsáveis pela reabsorção e secreção de potássio, e as células intercaladas (escuras), que regulam a reabsorção de potássio e a secreção de íons H⫹.4 A célula principal transporta o K⫹ através da membrana baso-lateral pela atividade Na-K-ATPase. O movimento preferencial do K⫹ se faz para o lúmen, e isto ocorre pela eletrodifusão de sódio do lúmen para a célula pela membrana apical. A secreção de potássio pode ser poderosamente influenciada por qualquer coisa que altere a entrada de sódio (íons) na célula através da membrana apical. A aldosterona aumenta a condução de sódio pela membrana apical, aumentando secundariamente a secreção e a saída de potássio. Um segundo tipo de reabsorção de potássio está nos ductos coletores medulares. É possível que o transporte de potássio e hidrogênio esteja ligado neste local. A estimulação da secreção de H⫹ aumenta o potencial positivo do lúmen, aumentando a reabsorção passiva de potássio, e vice-versa. RECICLAGEM MEDULAR DE POTÁSSIO Há evidência recente de que é diferente o transporte de potássio entre os nefros superficiais (corticais) e os profundos (justamedulares). A base da alça de Henle contém mais K⫹ do que está presente no filtrado glomerular. Há evidência de que este K⫹ adicionado à alça de Henle provém do ducto coletor medular. Desta forma, o K sofre uma reciclagem na medula renal, similar ao que ocorre com a uréia. A alta concentração medular de K origina um gradiente que favorece a secreção passiva de potássio na pars recta e ramo fino descendente da alça de Henle. A reciclagem de K 195 capítulo 12 proporciona ótimas condições para o nefro distal excretar K. Quando ocorre uma alta ingesta de K, a urina deve excretar o excesso. Assim, a alta concentração de K no ducto coletor não se dissipa para o interstício devido à alta concentração de K na medula. FATORES QUE INFLUENCIAM A SECREÇÃO DE POTÁSSIO NOS TÚBULOS DISTAL E COLETOR a) Ingesta de potássio: a secreção de potássio aumenta quando o potássio dietético é elevado e diminui quando este é reduzido. O efeito do aporte de potássio sobre a secreção é mediado por alterações na concentração plasmática de potássio, aumentando ou diminuindo a atividade da enzima sódio-potássio-ATPase da membrana baso-lateral. Além disso, a elevação dos níveis de potássio estimula a secreção de aldosterona, que aumenta a secreção de potássio.2,4 b) Fluxo de líquido tubular distal e concentração intracelular: se o fluxo é maior, aumenta a secreção de potássio.3 Porém, a secreção depende também da concentração intracelular de potássio: mesmo que haja um aumento de fluxo tubular, se a concentração intracelular de potássio for baixa, não há aumento em sua secreção.4,11 c) Aporte de sódio aos segmentos distais: como já mencionamos, a concentração de sódio intraluminal a esse nível pode potencialmente modificar o ritmo de secreção de potássio. A entrada de sódio pela membrana luminal das células principais diminui a negatividade intracelular, favorecendo a secreção de potássio. Com o aumento da concentração intracelular de sódio, aumenta também a atividade da sódio-potássio-ATPase baso-lateral, o que aumenta o potássio intracelular e aumenta sua secreção. Então, quando a concentração de sódio do TCD aumenta, a secreção de potássio também aumenta.12 Isto explica por que situações em que existe aumento da oferta de sódio às porções finais do túbulo distal (por exemplo, uso de diuréticos) podem levar a um déficit de potássio.3 Quando se remove o sódio do lúmen, a secreção de potássio diminui.12 d) Aldosterona: é um hormônio produzido pelas glândulas adrenais; influencia diretamente alguns dos principais determinantes da secreção de potássio, tais como concentração de potássio intracelular, permeabilidade da membrana luminal ao potássio e diferença de potencial transepitelial4 (v. adiante). e) Ânions não absorvíveis na luz tubular: o gradiente transepitelial distal é lúmen-negativo devido à contínua reabsorção ativa de sódio; a presença de ânions como bicarbonato, sulfato e fosfato ajuda a manter negativa a diferença de potencial elétrico entre luz e interstício, favorecendo a secreção de potássio. Quanto mais negativo o gradiente, maior é a secreção de potássio.3,4 f) Modificações agudas no estado ácido-básico: a alcalose aguda aumenta e a acidose aguda diminui a secreção de potássio. É possível que com elevações na concentração de íons H⫹ (acidose) haja diminuição da atividade da Na-K-ATPase das células, gerando acúmulo de potássio no extracelular. O pH ácido pode também aumentar a permeabilidade celular à saída de potássio. Nas células principais, isto ocasiona redução na secreção, sendo o resultado final uma retenção de potássio. Nas alcaloses, o movimento de potássio é do extracelular para o intracelular, levando à hipocalemia.3,4 Pontos-chave: • A principal forma de excreção do potássio é através de secreção nos segmentos mais distais do nefro • A excreção renal de potássio sofre a influência dos níveis plasmáticos do íon, aldosterona, fluxo tubular e estado ácidobásico SISTEMAS HORMONAIS ATUANTES NA HOMEOSTASIA DO POTÁSSIO A regulação da concentração do potássio extra- e intracelular e da sua excreção pelo rim parece estar sob a influência de vários sistemas hormonais. E eles se inter-relacionam de maneira a garantir a existência de um mecanismo de segurança contra falhas. Se ocorrer elevação dos níveis de potássio, todo o sistema é acionado, procurando reduzir sua concentração. Insulina A insulina provoca a entrada de potássio para dentro das células, de modo independente de sua ação sobre o metabolismo da glicose.3 Este efeito se deve à capacidade da insulina de ativar a Na-K-ATPase, aumentando a concentração intracelular de potássio e diminuindo a de sódio. A interação insulina-receptor também ativa um contratransportador Na⫹-H⫹, que resulta em entrada de sódio na célula e que estimula ainda mais a NaK-ATPase, com os efeitos já descritos. Além disso, a hipercalemia aguda estimula a liberação de insulina pelo pâncreas.3,13 Há muito tempo já se reconhecia que a administração de glicose reduzia a concentração de potássio no plasma e na urina. Hoje, sabe-se que a insulina liberada pela hiperglicemia promove a transferência de potássio para muitos 196 Metabolismo do Potássio tecidos, sobretudo fígado e músculo esquelético. Esta capacidade da insulina em transferir potássio para dentro das células pode ser clinicamente observada durante o tratamento da cetoacidose diabética e tem uma extraordinária importância prática na terapêutica da hipercalemia.13,14 Uma discreta hipercalemia num indivíduo normal é acompanhada de uma liberação de insulina. Isto faz pressupor que um indivíduo com deficiência de insulina seria mais propenso a desenvolver hipercalemia. Porém, os mecanismos de defesa contra uma hipercalemia não dependem só da insulina, mas também de aldosterona, a qual tem uma ação mais retardada. A implicação prática desta inter-relação é a propensão de pacientes diabéticos a desenvolverem hipercalemia quando recebem uma droga que interfere com a ação da aldosterona, tipo triamterene.14,15 Assim como a alteração no metabolismo dos carboidratos provoca mudanças no metabolismo do potássio, o inverso é também verdadeiro. Há evidências na literatura de que uma deficiência de potássio compromete o metabolismo dos carboidratos. Demonstrou-se que o uso de diuréticos tiazídicos, em pacientes com curva anormal de tolerância à glicose, era capaz de causar diabetes mellitus sintomático.14,16 Esta intolerância à glicose que se desenvolve em pacientes que recebem tiazídicos pode ser corrigida com suplementação de potássio. A implicação prática é de que uma intolerância aos carboidratos clinicamente importante associada a diuréticos ocorre mais provavelmente em pacientes diabéticos ou com diabetes mellitus latente. Talvez pela deficiência de insulina, pode não haver hipocalemia, o que pode levar o médico a não suspeitar de um déficit de potássio. do pâncreas. A insulina, por sua vez, causa a entrada de potássio nas células. Com a estimulação -adrenérgica há passagem de potássio para dentro das células do músculo esquelético. As implicações são as seguintes:14 1.º) Alguns agentes que possuem atividade estimuladora de receptor -adrenérgico podem ser úteis no tratamento da hipercalemia aguda; 2.º) Agentes -bloqueadores como o propranolol, que evitam a entrada de potássio no músculo esquelético, podem ser úteis em estados hipocalêmicos nos quais a entrada de potássio no músculo está acelerada. Exemplo: paralisia periódica. 3.º) Pacientes que recebem -bloqueadores podem desenvolver hipercalemia, pelo menos em cinco situações: deficiência de insulina, insuficiência renal, exercício, administração de KCl e quando ingerem simultaneamente drogas que interferem com a ação da aldosterona, tipo espironolactona. A infusão endovenosa de epinefrina ou nor-epinefrina pode causar uma hipercalemia aguda transitória que parece ocorrer por liberação de potássio do fígado.18 A epinefrina aumenta a produção de glucagon pelas células alfa do pâncreas e estimula a produção de glicose pelo fígado. Ambos os mecanismos podem estimular a liberação de insulina, a qual, como já mencionamos, é capaz de reduzir o potássio plasmático. A estimulação α-adrenérgica causa efeitos opostos, podendo originar hipercalemia pela saída de potássio das células e inibição da liberação de insulina pelo pâncreas.12 Hormônios Adrenocorticais Glucagon A administração de doses farmacológicas de glucagon pode causar hiperglicemia e hipercalemia agudas. O glucagon tem efeito glicogenolítico potente, responsável pela hiperglicemia. A hipercalemia é proveniente da liberação de potássio pelo fígado.17 Catecolaminas Os efeitos das catecolaminas na concentração de potássio do espaço extracelular são complexos e dependem do tipo de receptor estimulado. Os estímulos aos receptores 2-adrenérgicos estimulam o movimento de potássio para dentro das células, provavelmente via Na-K-ATPase, podendo causar hipocalemia.3,13 Este mecanismo pode envolver um aumento no AMP cíclico e, como resultado, fosforilação e ativação da sódio-potássio-ATPase. As catecolaminas também podem atuar de modo indireto, estimulando a glicogenólise, que leva a hiperglicemia e liberação de insulina pelas células β A aldosterona é um dos mais potentes mineralocorticóides naturais e tem uma participação importantíssima na regulação da quantidade de sódio e potássio no organismo. Este hormônio, atuando nos túbulos renais, aumenta a reabsorção de sódio e a secreção de potássio. Embora as ações sejam opostas, o balanço de sódio permanece estável, mesmo quando a ingesta de potássio varia muito, e vice-versa. Um aumento de 0,3 mEq/L na concentração de potássio é suficiente para produzir um aumento significativo na secreção de aldosterona.19,20 A administração de potássio aumenta a secreção de aldosterona, ao passo que a depleção a diminui. Além dos níveis de potássio, outro fator de estímulo à síntese de aldosterona pelas adrenais são os níveis de angiotensina II. A depleção de volume ou de sódio ativa a secreção de renina pelas células dos aparelhos justaglomerulares dos rins. A renina age sobre um substrato plasmático chamado angiotensinogênio, convertendo-o em angiotensina I, o qual, sob o efeito da enzima conversora no pulmão, converte-se em angiotensina II. Esta estimula a secreção de 197 capítulo 12 aldosterona, que causa secreção tubular de potássio e reabsorção de sódio, restaurando a volemia, a qual inibe o estímulo inicial para produção de renina. Como se pode observar, estes fatores não atuam isoladamente, e o conjunto recebe o nome de sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA).2,13 Uma concentração elevada de potássio estimula a secreção de aldosterona, a qual, atuando nos túbulos renais, aumenta a excreção de potássio, normalizando o potássio plasmático. Quando a concentração de potássio plasmático cai, desaparece o estímulo para secreção de aldosterona, completando-se um sistema fechado de controle retrógrado. Simultaneamente, o potássio plasmático elevado inibe diretamente a secreção de renina e vice-versa. COMO AGE A ALDOSTERONA? Estudos mostram que a aldosterona e os mineralocorticóides atuam no túbulo coletor cortical e não no túbulo contornado distal, como se pensava anteriormente. Acredita-se que a aldosterona entra na célula pelo lado sanguíneo e se liga a um receptor de proteína no citoplasma, o qual se une com o núcleo para promover síntese protéica. As proteínas assim sintetizadas poderiam aumentar a permeabilidade da membrana plasmática apical ao sódio, aumentando o aporte de sódio para o lado sanguíneo da célula (local do transporte ativo). A bomba de sódio na face peritubular, estimulada pela maior síntese protéica, aumenta a extrusão de sódio da célula para o espaço extracelular. Este maior transporte de sódio determina um maior gradiente elétrico transtubular, criando condições para maior secreção de potássio.6 A entrada de potássio pela membrana peritubular em troca pelo sódio é mediada pela Na-K-ATPase. Cargas de potássio aumentam a atividade de Na-K-ATPase, independente da secreção de aldosterona. Pontos-chave: • A insulina e os estímulos 2-adrenérgicos estimulam a captação do potássio pelas células • A aldosterona atua no túbulo coletor cortical, aumentando a reabsorção de sódio e a secreção de potássio ADAPTAÇÃO A NÍVEIS ELEVADOS DE POTÁSSIO Atualmente, aceita-se a existência de um mecanismo de adaptação que explica a tolerância de animais a doses elevadas de potássio. Por exemplo, quando se administram por via endovenosa doses elevadas de potássio a animais submetidos a uma ingestão alta de potássio, há uma rápi- da secreção urinária deste íon. Da mesma forma, na insuficiência renal crônica, os nefros remanescentes aumentam a sua capacidade de excretar potássio.21 Adaptação Renal ao Potássio Em vista do que mencionamos acima, concluímos que o rim tem uma capacidade intrínseca de responder a uma carga de potássio, excretando mais potássio na urina. O mecanismo responsável por esta secreção elevada de potássio reside na atividade das células do nefro distal, já abordada anteriormente. São um pouco contraditórios os dados experimentais com relação ao local no nefro responsável pela adaptação ao potássio. Parece não haver dúvida de que o túbulo distal tem um papel crítico na secreção de potássio, mas a participação do sistema coletor não está definida. Wright e cols., por exemplo, mostraram que, em ratos submetidos à ingestão crônica de potássio, só o túbulo distal era responsável pela excreção elevada de potássio. No entanto, se os animais não recebiam sódio, o sistema coletor contribuía significativamente para a excreção de potássio. Estudos mostraram que o epitélio do sistema coletor é potencialmente capaz de secretar potássio.22 Adaptação Extra-renal ao Potássio Em situações de excesso de potássio, outros órgãos podem contribuir para a homeostase do potássio. Há várias evidências de que a aldosterona age em outros tecidos de modo semelhante ao observado nos túbulos renais.3 Por exemplo, o cólon pode aumentar a excreção de potássio, num mecanismo mediado pela aldosterona. No tecido muscular, a aldosterona parece deslocar o potássio para o intracelular.3 Experimentalmente, a entrada de potássio nas células é maior em animais submetidos à ingestão elevada crônica de potássio (e presumivelmente com níveis elevados de aldosterona), do que em animais submetidos a uma ingesta normal de potássio.23 As inter-relações potássio-insulina-glucagon e catecolaminas já foram analisadas nas páginas precedentes. PAPEL DO BALANÇO ÁCIDO-BÁSICO Existe evidência de que a produção de amônia está intimamente relacionada com a homeostase do potássio.24,25 Assim, durante uma depleção de potássio, há um aumento na excreção de amônio (NH4⫹), possivelmente devido a um aumento na produção renal de amônia (NH3). Simultaneamente, observa-se um aumento no pH urinário, o que levou alguns autores a postular a possível coexistência de um defeito no gradiente de hidrogênio. 198 Metabolismo do Potássio Existe um pouco de controvérsia quanto ao distúrbio ácido-básico que uma depleção de potássio produz. Alguns investigadores demonstraram que, no cão, a depleção de potássio causa acidose sistêmica, e esta seria responsável pela produção aumentada de amônia.26 Já no rato, ocorre alcalose metabólica e no homem não há alteração ou ocorre discreta alcalose metabólica. Em vista desta discrepância, acredita-se, no momento, que não é o estado ácidobásico sistêmico que influi sobre a produção de amônia e pH urinário.24 Em face de um excesso de potássio, ocorre uma diminuição na excreção de amônio. O metabolismo do sódio parece estar intimamente relacionado com a homeostase potássio/ácido-básico. A inter-relação, embora ainda controvertida, seria da seguinte maneira:19 A depleção de potássio aumenta a atividade da renina plasmática e diminui a secreção de aldosterona. Parece também resultar num aumento da reabsorção de sódio no nefro proximal e numa diminuição da reabsorção do nefro distal.27 É provável que a diminuição da reabsorção de sódio no nefro distal seja mediada pela diminuição na secreção de aldosterona. Um excesso de potássio diminui a atividade da renina e estimula a secreção de aldosterona. Além disto, diminui a reabsorção proximal de sódio e estimula a sua reabsorção distal. O aumento da secreção de aldosterona contribui para a reabsorção distal elevada de sódio. Estes ajustes na reabsorção de sódio servem para manter a homeostase do sódio e do potássio quando a ingesta de potássio é modificada. Assim, na presença de um déficit de potássio, como há um aumento na reabsorção proximal de sódio, menos sódio chega ao nefro distal, onde normalmente ocorre a troca Na⫹-K⫹, e como a secreção de aldosterona também está diminuída, a reabsorção distal de sódio também é reduzida. Assim, o balanço de sódio é mantido, enquanto a excreção de potássio é diminuída. Quando há um excesso de potássio, ocorre o inverso. Várias observações indicam que a reabsorção de sódio também influencia a excreção de hidrogênio no nefro distal.28 Acredita-se que a produção de amônia possa minimizar as alterações ácido-básicas quando a reabsorção de sódio é modificada. Se existe menos amônia para tamponar o H⫹ no lúmen, o pH urinário cai muito, elevando o gradiente transtubular para a secreção de H⫹ e, portanto, diminuindo a excreção de ácido.24 Na presença de uma depleção de potássio, há uma diminuição na reabsorção distal de sódio e um aumento na produção de amônia. A amônia tampona o H⫹ no lúmen, transformando-se em amônio (NH4⫹). Com isto, o pH no lúmen não cai muito e, por conseguinte, o gradiente transtubular para a secreção de H⫹ também não é muito grande, e logo a excreção de ácido não é reduzida. Portanto, o papel da amônia é manter a excreção de ácido na vigência de uma diminuição na reabsorção distal de sódio, a qual, como mencionamos anteriormente, se acompanha de uma diminuição na excreção de ácido.24 Uma das implicações práticas do aumento na produção de amônio foi dada em 1963. É clássico o conceito de que hipocalemia pode precipitar coma hepático. Como em pacientes cirróticos muitas vezes se administram diuréticos, estes podem causar hipocalemia, a qual aumenta a produção de amônia, e o paciente com disfunção hepática pode ser incapaz de metabolizar a amônia, predispondose à instalação de coma hepático.29 A secreção de K⫹ e H⫹ depende muito da concentração intracelular destes íons. Por exemplo, numa alcalose aguda (respiratória ou metabólica), o potássio passa do líquido extracelular para o interior das células, e, numa acidose (respiratória ou metabólica), o potássio sai das células. O mecanismo deste movimento transcelular não está bem esclarecido. Portanto, na alcalose, a concentração intracelular de potássio aumenta (inclusive na célula tubular renal), e mais potássio está disponível para excreção. Na acidose, ocorre o contrário. Uma alcalose sistêmica aumenta a perda urinária de potássio, enquanto uma acidose sistêmica diminui a excreção renal de potássio. Mas, na verdade, o potássio e o hidrogênio não competem pela secreção, e os dados experimentais mostram que, enquanto a secreção de hidrogênio aumenta, a de potássio também aumenta, e vice-versa.12 HOMEOSTASIA DO POTÁSSIO NA INSUFICIÊNCIA RENAL A manutenção do balanço de potássio, durante a instalação de insuficiência renal crônica, reflete a participação progressiva de mecanismos de adaptação.30 A concentração plasmática de potássio aumenta apenas na fase terminal da insuficiência renal crônica. Isto implica que, à medida que cai o ritmo de filtração glomerular, a fração do potássio filtrado também aumenta. Bank e cols. demonstraram que, em ratos com insuficiência renal causada por nefrectomia subtotal, não havia alteração na fração de reabsorção de potássio ao longo do túbulo distal (quando comparados com o grupo-controle), mas aumentava muito a secreção de potássio no ducto coletor.31 Tanto na insuficiência renal como na ingestão crônica de potássio, a adaptação renal resulta de um aumento de atividade da Na-K-ATPase. Papel do Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona A aldosterona é um estimulador potente da secreção tubular de potássio. A evidência baseada em dados experimentais é de que uma produção elevada de aldosterona 199 capítulo 12 não é indispensável para a manutenção do equilíbrio de potássio na uremia. Vários autores mostraram que a concentração plasmática de aldosterona na insuficiência renal terminal é normal, desde que a renina e o potássio plasmático estejam dentro do normal. Quando aumenta a concentração plasmática de potássio e/ou renina, aumenta a concentração de aldosterona.32 A conclusão é de que há necessidade, pelo menos, de níveis normais de aldosterona, pois se uma insuficiência renal se complica com hipoaldosteronismo, ocorre hipercalemia.33 Excreção Gastrintestinal de Potássio Normalmente, a quantidade de potássio excretada nas fezes representa uma quantidade pequena da ingesta diária. No entanto, o intestino é potencialmente uma fonte de perda de potássio, como ocorre nas diarréias. Estudos em indivíduos normais e urêmicos, numa dieta normal de potássio, mostraram que, enquanto nos indivíduos normais a excreção fecal era de 12% da ingesta, em urêmicos era de 34%.34 Tem sido sugerido que o mecanismo da excreção intestinal aumentada de potássio seja mediado pela aldosterona. Como alguns diuréticos inibem a reabsorção proximal de sódio, uma maior quantidade de sódio chega ao nefro distal, e postulou-se inicialmente que a caliurese que ocorria com estes diuréticos era resultado da maior concentração intraluminal de sódio no túbulo distal cortical. Atualmente, não se acredita que esta concentração intraluminal de sódio limite a secreção de potássio (apenas potencialmente, como já foi frisado). Mas há evidência de que, no sistema coletor (cortical e medular), a concentração intraluminal de sódio limita a secreção de potássio. Assim, um aumento da oferta de sódio ao sistema coletor aumenta a secreção de potássio (v. também Cap. 43). DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO DO POTÁSSIO Depleção de Potássio (Hipocalemia) Refere-se a uma diminuição do potássio total em relação à capacidade do potássio ou resultado de uma distribuição transcelular e traduz-se habitualmente por uma redução na sua concentração plasmática (hipocalemia ⬍ 3,5 mEq/L). A alcalose é a causa mais comum de alteração na distribuição transcelular. Um déficit real de potássio resulta geralmente de perdas gastrintestinais ou renais. Tolerância Celular ao Potássio Quando se administra potássio a urêmicos, o potássio sérico aumenta muito mais do que em pacientes normais. Isto indica que a tolerância celular ao potássio diminui na insuficiência renal. Conclui-se, portanto, que um mecanismo de adaptação renal existe em indivíduos normais e urêmicos, mas um mecanismo de adaptação extra-renal só existe em normais.30 Ponto-chave: • Na insuficiência renal, existe uma adaptação aos níveis elevados de potássio, com aumento da excreção renal e intestinal frente a cargas de potássio, pela ação da aldosterona CAUSAS DE HIPOCALEMIA A depleção a que nos referimos é a que se deve à perda do íon K⫹ e não pela redução da massa celular (capacidade do potássio). Isto pode ocorrer durante um período de ingesta reduzida de potássio, não compensada por uma redução na excreção de potássio. Isto não é freqüente, pois quando a ingesta diminui por letargia, anorexia, coma etc., a excreção também diminui. Portanto, depleção de potássio por falta de ingesta só ocorre se os rins forem impedidos de conservar potássio. A causa mais comum de depleção de potássio é uma perda elevada de potássio do corpo. Como a perda de potássio pela pele é desprezível (a não ser em sudorese profusa), restam o rim e o trato gastrintestinal como vias importantes na perda de potássio. Desvio Transcelular ou Redistribuição AÇÃO DOS DIURÉTICOS Como já mencionamos, um dos fatores determinantes do ritmo de secreção distal de potássio é o fluxo de urina pelo segmento do nefro. Portanto, quanto maior o fluxo de urina pelo túbulo distal cortical, maior é a excreção de potássio. E os diuréticos são agentes que aumentam o fluxo de urina.12 Apenas uma pequena fração do potássio corporal total está localizada no espaço extracelular, e pequenos desvios para o intracelular produzem grandes variações na concentração plasmática de potássio.35 Estes desvios podem ser causados por: a) Alterações do estado ácido-básico: na alcalose metabólica ou respiratória, íons hidrogênio saem das células para minimizar as mudanças no pH do extracelular. A necessidade de manter a eletroneutralidade entre os 200 Metabolismo do Potássio compartimentos leva à entrada de potássio nas células. Este efeito produz um aumento de 0,6 mEq/L no potássio do extracelular para cada 0,1 unidade de pH que cai, no caso da alcalose metabólica, e 0,1 mEq/L no caso de alcalose respiratória.36 b) Ação da insulina: como já comentado anteriormente, a insulina promove a entrada de potássio nas células musculares e hepáticas, reduzindo os níveis plasmáticos. Este efeito pode ser observado após a administração de insulina na hiperglicemia grave ou na cetoacidose diabética.36 c) Infusão de glicose: a concentração plasmática de potássio diminui com a administração de glicose, por mecanismo similar à insulina.36 d) Atividade -adrenérgica: a estimulação de receptores 2adrenérgicos promove a entrada de potássio nas células. Então, hipocalemia transitória pode ser observada em situações em que há liberação de epinefrina, como, por exemplo, intoxicação por teofilina e isquemia coronariana. A infusão de aminas vasoativas também pode provocar este efeito, que pode ser utilizado terapeuticamente na hipercalemia: a administração de um agonista adrenérgico (como a terbutalina e o albuterol) reduz os níveis de potássio em cerca de 0,5-1 mEq/L.36 e) Paralisia periódica hipocalêmica: um raro distúrbio caracterizado por ataques recorrentes de paralisia flácida desde a infância, acompanhados de hipocalemia devido a uma redistribuição do potássio para o interior das células.36,37 f) Envenenamento pelo bário (carbonato de bário): pode produzir paralisia flácida e hipocalemia devido a um bloqueio dos canais de potássio na membrana, que normalmente permitem a passagem de potássio para o extracelular. O sulfato de bário utilizado em exames radiográficos não acarreta risco para os pacientes.36 g) Tratamento de anemias graves: resulta em rápida assimilação do potássio para dentro das hemácias que estão sendo produzidas, levando a hipocalemia. Este efeito habitualmente é observado dois dias após o início do tratamento da anemia.35 h) Outras causas: hipotermia, intoxicação por teofilina, cloroquina.35,36 Perdas Gastrintestinais As principais causas gastrintestinais de hipocalemia estão enumeradas no Quadro 12.2. a) Aporte dietético insuficiente: pode ocorrer em pacientes idosos e etilistas, em que a ingesta de potássio é inadequada, e em pacientes em fase de rápida síntese celular, como os submetidos a hiperalimentação. b) Diarréias: normalmente, a excreção de potássio para um volume fecal habitual de 200 ml não excede 10 mEq/dia, mas pode elevar-se muito em certas situações, como nas diarréias agudas ou crônicas e abuso de laxativos. As hipocalemias causadas pelas diarréias podem cursar também com acidose metabólica pela perda de bicarbonato. A acidose provoca um desvio iônico que mesmo em vigência de hipocalemia provoca a saída de potássio de dentro das células, mascarando os níveis plasmáticos de potássio. Normalmente, a resposta à perda de potássio pelo intestino é a conservação renal de potássio, através da diminuição de sua secreção tubular. Porém, esta resposta sofre um efeito antagônico: como a diarréia provoca depleção de sódio e hipovolemia, e estas ocasionam maior produção de aldosterona, a secreção de potássio pode estar elevada.3 c) Ureterossigmoidostomia: resulta em absorção anormal de cloreto de sódio em associação com secreção de potássio e bicarbonato para a luz da alça intestinal. Causa também acidose metabólica do tipo hiperclorêmica.37 d) Vômitos: o teor de potássio no suco gástrico não é elevado, mas os vômitos ou a drenagem nasogástrica podem ocasionar hipocalemia. Isto se deve mais à perda de ácido clorídrico do que à perda de potássio.3,38 A perda de ácido leva à alcalose metabólica, a qual produz um desvio iônico de potássio para dentro das células e secreção de potássio pelas células tubulares distais. Também está ativo o sistema renina-angiotensina-aldosterona, pela perda de água e sódio, o que acelera a perda de potássio pelos rins.3 Perdas Renais Já apresentamos, nas páginas precedentes, muita evidência da importância do rim como via final de controle da homeostase do potássio. Muitas vezes, a resposta renal é apropriada pela interferência dos mecanismos de controle do balanço de potássio. Outras vezes, a resposta renal indica uma nefropatia ou um distúrbio na ação dos mecanismos de controle, como ocorre, por exemplo, com o uso de diuréticos. a) Diuréticos: o uso de diuréticos é, talvez, a causa mais freqüente de hipocalemia na prática clínica. Todos os diuréticos provocam excreção de potássio, exceto os chamados poupadores de potássio (v. Cap. 43 para maiores informações). Os tiazídicos causam maior perda de potássio porque aumentam o fluxo de urina pelos segmentos corticais do nefro distal, além de, em parte, serem inibidores da anidrase carbônica.12 O furosemide e o ácido etacrínico inibem a reabsorção ativa de cloro no ramo ascendente da alça de Henle, responsável provável pela reabsorção passiva de potássio neste segmento. Ademais, além de produzirem um maior fluxo de urina, estes agentes parecem inibir a reabsorção proximal de potássio, promovendo caliurese.12 Os inibidores da anidrase carbônica, tipo acetazolamida, não afetam o transporte proximal de potássio mas capítulo 12 aumentam a secreção de potássio no nefro distal. O mecanismo parece ser duplo: a inibição da secreção de H⫹ no nefro distal causa hiperpolarização transtubular, que é uma força para o movimento passivo do potássio da célula para a urina. Além disto, como estes agentes inibem a reabsorção proximal de bicarbonato, mais bicarbonato chega ao nefro distal e, sendo ele pouco reabsorvível, induz um aumento do fluxo de urina, como fazem outros agentes.12 Algumas drogas utilizadas na prática clínica, como a anfotericina e a carbenicilina, também aumentam a perda de potássio. Os diuréticos osmóticos, tipo manitol, também aceleram a excreção de potássio por elevarem o fluxo de líquido tubular no nefro distal. b) Hiperaldosteronismo: a produção excessiva de aldosterona por um tumor ou hiperplasia adrenais (hiperaldosteronismo primário) ou por hipovolemia e hipoperfusão renal (hiperaldosteronismo secundário) determina um aumento na excreção de potássio pelos mecanismos já abordados anteriormente, com conseqüente hipocalemia. O mesmo ocorre com a estenose de artéria renal.38 O alcaçuz (Glycyrrhiza glabra, elemento utilizado na fabricação de laxantes, indústria de doces, tabaco e cervejarias) contém um esteróide, o ácido glicirrízico, o qual inibe uma enzima que converte o cortisol em cortisona. Desta forma o cortisol em níveis elevados induz um aumento na atividade mineralocorticóide.38 c) Alterações tubulares: como as estruturas tubulares do nefro distal excretam a maior parte do potássio ingerido, é fácil compreender que alterações tubulares podem levar a uma excreção excessiva de potássio. Exemplos: acidose tubular renal, síndrome de Fanconi, pielonefrite, fase poliúrica da necrose tubular aguda, etc. d) Alterações genéticas: a síndrome de Bartter é uma desordem rara que se manifesta na infância e cursa com hipocalemia, alcalose metabólica, hiper-reninemia, hiperaldosteronismo, hiperplasia do aparelho justaglomerular e, algumas vezes, hipomagnesemia. São comuns poliúria, polidipsia, hipercalciúria. Mais rara é a ocorrência de hipomagnesemia. Também existe aumento na liberação renal de prostaglandinas vasodilatadoras, o que pode explicar a pressão arterial normal. Resulta de anormalidades na função tubular, primariamente no transporte de cloreto de sódio na porção espessa da alça de Henle. Com isso, ocorre uma discreta depleção de volume, que ativa o sistema renina-angiotensina-aldosterona. A combinação de hiperaldosteronismo e aumento do fluxo distal (pelo defeito reabsortivo) aumenta a secreção de potássio e hidrogênio nos túbulos coletores, levando a hipocalemia e alcalose metabólica.36 A síndrome de Gitelman cursa com os mesmos achados da síndrome de Bartter, porém o defeito é no cotransportador sódio-potássio do segmento inicial do túbulo distal.3 Nesta síndrome, perda de magnésio é 201 mais comum, e podem ocorrer tetania e fadiga. Geralmente é diagnosticada em crianças maiores ou adultos jovens.36 e) Ânions não reabsorvíveis: normalmente o gradiente elétrico negativo no túbulo coletor, gerado pela reabsorção de sódio, é equilibrado pela reabsorção de cloreto. Em algumas situações, o sódio chega ao nefro distal acompanhado de um ânion não reabsorvível (por exemplo, bicarbonato, penicilina). Nestes casos, parte do sódio será reabsorvida em troca com o potássio, aumentando sua excreção.36 f) Hipomagnesemia: uma grande parte dos pacientes com hipocalemia apresentam hipomagnesemia (por uso de diuréticos, diarréia). A hipomagnesemia induz à perda renal de potássio por mecanismos complexos. É comum encontrar hipomagnesemia em pacientes em que existe dificuldade para correção da hipocalemia; nestes casos, só se conseguirá corrigir o potássio após a reposição de magnésio.35,36 g) Anfotericina B: este medicamento modifica a permeabilidade celular através da interação com esteróis da membrana, promovendo secreção de potássio.36 h) Outras causas: gentamicina e cisplatina têm efeito tóxico direto sobre as células tubulares, induzindo à perda renal de potássio.35 Ponto-chave: • A hipocalemia (potássio ⬍ 3,5 mEq/L) pode ser causada por redistribuição, perdas gastrintestinais e renais MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Metabólicas A hipocalemia pode afetar o metabolismo protéico e gerar dificuldade em obter balanço nitrogenado positivo durante nutrição parenteral. Testes de tolerância à glicose podem estar alterados, possivelmente devido a uma menor resposta das células beta do pâncreas à glicose. Além disso, encontram-se comprometidas, também, a liberação de aldosterona e hormônio de crescimento.37 Cardiovasculares Ocorrem irregularidades do ritmo cardíaco, caracterizadas por batimentos ectópicos e alterações eletrocardiográficas: alargamento do QRS, depressão do segmento ST, diminuição de ondas T e, eventualmente, o aparecimento de ondas U após as ondas T (Fig. 12.7). Estas alterações refletem o impacto da hipocalemia sobre o potencial de membrana. A depleção de potássio também aumenta o risco de arritmias em pacientes recebendo digital. Estes pacientes costumam receber diuréticos e uma dieta pobre 202 Metabolismo do Potássio Complexo juncional Via paracelular Membrana basal em sal, o que aumenta a propensão para um déficit de potássio. É relatada também a associação de hipocalemia com o desenvolvimento de hipotensão arterial ortostática pelos efeitos sobre o sistema nervoso autônomo e diminuição da resistência vascular sistêmica.37 Espaço intercelular lateral Na⫹ K⫹ Na⫹ Neuromusculares K⫹ Na⫹ Na⫹ Na⫹ K⫹ Na⫹ K⫹ Membrana apical Membrana basolateral Fig. 12.5 Representação esquemática de células dos túbulos proximais. A via de transporte transcelular consiste nas membranas apical e basolateral. A via paracelular consiste nos complexos juncionais e espaços intercelulares laterais. (Baseado em: Brenner, .4) 0 Potencial de ação Milivolts ⫺65 ⫺90 Os sinais e sintomas de depleção de potássio habitualmente não aparecem até que a deficiência seja significativa. A hipocalemia diminui a excitabilidade neuromuscular. Os sintomas podem ir desde apatia, fraqueza, parestesias, até tetania. Uma depleção grave causa fraqueza no músculo esquelético e, eventualmente, paralisia flácida. Uma das conseqüências da hipocalemia sobre o músculo esquelético é a rabdomiólise, por diminuição do fluxo sanguíneo para o músculo, redução dos depósitos de glicogênio e diminuição da sódio-potássio-ATPase e potencial de membrana.37 Em pacientes portadores de doença hepática grave a hipocalemia pode precipitar ou exacerbar a encefalopatia, aumentando a concentração de amônia no tecido cerebral e líquor.37 Limiar normal Repouso NORMAL Kⴙ ELEVADO Kⴙ BAIXO Caⴙⴙ ELEVADO Caⴙⴙ BAIXO Fig. 12.6 Efeitos do potássio e cálcio séricos nos potenciais de membrana. (Adaptado de Leaf, A.; Cotran, R.S.48) Fig. 12.7 Alterações eletrocardiográficas seqüenciais na hipocalemia. (Modificado de Krupp, A.M.49 — gentileza do Dr. Olavo G. Ferreira da Silva Jr.) 203 capítulo 12 Digestivas Podem ocorrer sintomas digestivos, como náuseas e distensão abdominal e de alças intestinais (íleo paralítico). Renais Como conseqüência da hipocalemia, os mecanismos de conservação de potássio encontram-se ativados, e a concentração urinária de potássio está diminuída. Além disso, vários estudos, no ser humano e em animais, demonstraram que a depleção de potássio está associada a uma vacuolização das células epiteliais tubulares, mais pronunciada no túbulo proximal, todavia também vista no túbulo contornado distal. Tudo indica que as lesões são reversíveis, pelo menos nas fases iniciais da depleção.39 Há uma sugestão na literatura, baseada em observações clínicas e experimentais, de que a depleção de potássio torna os indivíduos (e animais) suscetíveis à pielonefrite.40 Podem ocorrer ainda polidipsia por estímulo da sede e poliúria pela incapacidade de concentrar maximamente a urina, como um diabetes insípido nefrogênico. Aparentemente, a hipocalemia causa uma dificuldade de o ADH formar o segundo mensageiro, o AMP cíclico.37,38 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Naturalmente para se determinar a causa da hipocalemia devemos verificar se a mesma resulta de uma redistribuição do potássio ou representa realmente um déficit. As causas de alteração na distribuição (alcalose, insulina, aldosterona e drogas -adrenérgicas) já foram abordadas. Se a causa da hipocalemia não estiver na redistribuição do potássio, estaremos frente a um déficit real de potássio, e devemos determinar se a perda de potássio é renal ou extra-renal (Quadros 12.3 e 12.7). Pela própria história clínica podemos ter idéia da causa Quadro 12.3 Diagnóstico diferencial de hipocalemia I - Perda extra-renal (K urinário ⬍ 20 mEq/dia) A. Ácido-básico normal 1. Ingesta inadequada a. anorexia nervosa b. dieta de chá c/torradas 2. Pele a. suor II - Perda renal (K urinário ⬎ 20 mEq/dia) A. Acidose metabólica 1. Acidose tubular renal a. distal (tipo I) b. proximal (tipo II) 2. Diamox 3. Cetoacidose diabética 4. Enterostomia ureteral a. ureterossigmoidostomia b. ureteroileostomia C. Alcalose metabólica Cloro urinário baixo (cloro urinário < 10 mEq/dia) Cloro urinário elevado (cloro urinário ⬎ 10 mEq/dia) Excesso de mineralocorticóide (hipertensão arterial) 앖 Aldosterona Aldosterona N ou ↓ B. Acidose metabólica 1. Perdas gastrintestinais a. diarréia b. fístula c. adenoma viloso d. abuso de laxativos B. Ácido-básico variável 1. Síndrome de Fanconi 2. Fase diurética (NTA, pós-obstrução) 3. Nefrite intersticial 4. Leucemia 5. Antibióticos (penicilina, carbenicilina) 6. Depleção de magnésio a. adquirida b. perda renal hereditária 1. 2. 3. 4. 앗 Renina 1. Hiperaldosteronismo primário a. adenoma b. hiperplasia 앖 Renina 1. Hipertensão renovascular 2. Hipertensão maligna 3. Tumor secretor de renina 1. Excesso de corticosterona ou DOC 2. Alcaçuz 3. Síndrome de Liddle 4. Síndrome de Cushing 5. ACTH ectópico Outros 1. Diuréticos, síndrome de Bartter, depleção grave de K Modificado de Narins, R.G.; Heilig, C.W.; Kupin, W.L.41 Vômitos ou perda gástrica Diuréticos Pós-hipercapnia Diarréia perdedora de Cl (congênita) 204 Metabolismo do Potássio do distúrbio, porém alguns dados laboratoriais além da dosagem do potássio plasmático podem fornecer significativas informações. Por exemplo, a dosagem do potássio em urina de 24 horas pode auxiliar a determinar se a causa da hipocalemia é uma perda urinária ou não. Caso o potássio urinário esteja acima de 20 mEq/litro, suspeita-se de perda renal. Se menor que 20 mEq/litro, demonstra que a conservação renal de potássio está ocorrendo, e a causa da hipocalemia é extra-renal. A dosagem de potássio em amostra aleatória de urina pode ser usada, mas é menos precisa.36 Também a gasometria venosa, além de demonstrar a possibilidade de desvio iônico, pode evidenciar uma causa provável para o distúrbio: por exemplo, vômitos e síndrome de Bartter cursam com alcalose; alguns distúrbios tubulares renais e cetoacidose diabética cursam com acidose. Ponto-chave: • Além da dosagem plasmática de potássio, auxiliam no diagnóstico de hipocalemia: Dosagem de potássio na urina Gasometria venosa TRATAMENTO DA HIPOCALEMIA Está indicada a reposição de potássio para os pacientes que apresentem hipocalemia cuja causa não seja a redistribuição entre compartimentos.38 A hipocalemia é raramente uma emergência, e, sempre que possível, a via oral deverá ser empregada para reposição de soluções de potássio, preferencialmente sob a forma de cloreto.35 No Brasil, estão disponíveis as seguintes apresentações de cloreto de potássio: drágeas de 500 mg, drágeas de liberação lenta contendo 600 mg e xarope contendo 900 mg em 15 ml. Na prática, a correção de hipocalemia somente pela ingestão de alimentos com alto teor de potássio não é adequada. A via endovenosa só será utilizada se houver necessidade de uma administração mais rápida ou se o paciente não puder ingerir. A urgência na administração do potássio depende basicamente das repercussões cardíacas e neuromusculares. Pacientes com envolvimento muscular significativo ou alterações eletrocardiográficas deverão receber quantidades maiores e em menor tempo. A maior parte da literatura indica que não mais de 40 mEq de potássio devam ser colocados em cada litro de solução para uso endovenoso e que a administração não deve ser inferior a 60 minutos. Hamill sugere que a infusão de até 0,5 mEq/kg em uma hora é segura para pacientes gravemente doentes.42 Outros sugerem 0,75 mEq/kg ou 30 mEq/m2 em pessoas obesas durante 1 a 2 horas. As quantidades de potássio a serem administradas serão tanto maiores quanto maior a depleção, pois primeiramente o potássio adentra as células e refaz os estoques intracelulares, para em seguida iniciar a normalização dos níveis no extracelular. É importante lembrar que a administração de potássio em solução que contenha glicose pode reduzir ainda mais os níveis de potássio; se for possível, a reposição inicial deve ser feita em solução salina isotônica.36 Numa hipocalemia grave (⬍ 2,0 mEq/L) e associada a arritmias cardíacas, até 80-100 mEq deverão ser administrados em 1 hora para suprimir a irritabilidade cardíaca. O fator limitante nestas altas doses é a dor no trajeto venoso durante a infusão. Uma solução para este problema seria a administração através de dois acessos periféricos, cada infusão contendo 40-50 mEq/L. Se houver problema de excesso de volume, podemos concentrar a solução, mas aí devemos utilizar uma veia de alto fluxo, como por exemplo uma veia femoral. A infusão de grandes quantidades através das veias subclávia, jugular ou através de cateter atrial não é recomendada, pois as altas concentrações intracardíacas de potássio podem causar arritmias. Sempre que for urgente a reposição de potássio, esta deverá ser efetuada sob controle eletrocardiográfico. No Brasil, a apresentação de cloreto de potássio mais utilizada para uso endovenoso é na concentração de 19,1%, onde cada ml tem 2,5 mEq de potássio e 2,5 mEq de cloro. Os riscos da utilização de potássio dependem da via de administração, idade e presença de co-morbidades, como por exemplo a insuficiência renal. Mesmo administrado por via oral, o potássio pode ocasionar parada cardíaca por hipercalemia, sendo este fato mais observado em pacientes idosos, pacientes com insuficiência renal, pacientes que recebem simultaneamente potássio por via oral e endovenosa e naqueles que recebem potássio e diuréticos poupadores de potássio.43 As drágeas de potássio para liberação entérica eventualmente provocam ulceração do intestino delgado. Já as preparações líquidas de potássio não têm bom paladar, mas raramente causam ulcerações intestinais. CÁLCULO DO DÉFICIT DE POTÁSSIO Na ausência de um distúrbio ácido-básico, a magnitude do déficit pode ser calculada considerando-se a capacidade para potássio (massa muscular) do paciente44 (Quadro 12.4) ou utilizando-se as regras práticas já enumeradas. Portanto, se o potássio total pode ser estimado (considerando-se o peso e a massa muscular do paciente), podese calcular o déficit de potássio em mEq (v. exercícios adiante). Se desejarmos usar o potássio plasmático como guia da terapêutica, há necessidade de uma estimativa grosseira da influência do distúrbio ácido-básico na relação entre o potássio plasmático e o intracelular. Esta relação é exposta na Fig. 12.9, a qual indica a influência do pH sanguíneo na concentração do potássio plasmático sem que haja alteração no potássio total. Pode-se verificar que, para cada 205 capítulo 12 Quadro 12.4 Estimativa da capacidade do potássio Massa Muscular Normal Perda moderada Perda acentuada Potássio Total (mEq/kg) Homens Mulheres 45 32 23 35 25 20 Modificado de Chapman, W.H. e col.44 Excesso de Potássio (Hipercalemia) O excesso de potássio é definido como um aumento na relação potássio total/capacidade de potássio ou devido a uma redistribuição transcelular e é geralmente identificado por um aumento da concentração plasmática acima dos valores normais (hipercalemia > 5 mEq/L). CAUSAS DE HIPERCALEMIA alteração no pH de 0,1 unidade, ocorre uma alteração no potássio plasmático de 0,6 mEq/L. Portanto, tendo-se o pH, pode-se deduzir o potássio plasmático, como se não houvesse distúrbio ácido-básico (v. exercícios adiante). REPOSIÇÃO DE POTÁSSIO EM ALGUMAS SITUAÇÕES ESPECIAIS Em pacientes não edemaciados e que desenvolvem hipocalemia durante a administração de diuréticos tiazídicos, pode-se normalizar o potássio plasmático administrando-se 60 mEq de cloreto de potássio por dia.43 Apenas alguns permanecem hipocalêmicos mesmo que se administrem 100 mEq por dia.45 A administração de diuréticos que poupam potássio normaliza o potássio plasmático durante a terapia com diuréticos tiazídicos ou de alça, mas a experiência clínica mostra que a administração de cloreto de potássio em quantidades suficientes tem o mesmo efeito. O bom senso atual indica que, em pacientes não edemaciados recebendo diuréticos de modo crônico, não há necessidade de administrar potássio profilaticamente. Nestes pacientes, recomenda-se um controle laboratorial a cada um ou dois meses e, se a concentração plasmática do potássio chegar a menos de 3 mEq/L, administra-se uma solução de potássio a 10% por via oral, proporcionandose 50-60 mEq por dia.43 A administração de sais de potássio ou diuréticos poupadores de potássio a pacientes edemaciados está particularmente indicada naqueles que recebem digital ou que são suscetíveis ao desenvolvimento de coma hepático. A administração diária de 40-80 mEq de uma solução de potássio é em geral suficiente. Se a administração de sais de potássio por via oral não corrige o déficit, podem-se empregar agentes bloqueadores da secreção de potássio no nefro distal. A espironolactona é eficiente, mas o custo é elevado e a terapia prolongada pode causar ginecomastia. O custo do triamterene é menor, mas ele já é menos eficiente. Em pacientes com alcalose metabólica e hipocalemia, a administração de sais de potássio, sob a forma de acetato, gluconato ou lactato, não corrige o déficit de potássio, a não ser que o déficit de cloro seja corrigido através da administração de cloreto de potássio ou através da administração simultânea de um destes sais de potássio e uma outra fonte de cloro (v. Cap. 11). As situações que mais comumente resultam em hipercalemia são aquelas em que o rim não mais consegue excretar o potássio ingerido ou proveniente de uma liberação endógena. A capacidade de excreção renal do potássio é muito grande, e, em indivíduos normais, a ingestão excessiva de potássio não produz um excesso de potássio. Pseudo-hipercalemia Refere-se à elevação da concentração sérica ou plasmática de potássio por movimento deste íon para fora das células durante ou após a coleta de sangue. Geralmente isto se relaciona a trauma durante a coleta, quando o garrote é mantido por muito tempo antes da punção venosa, ou quando há demora no processamento da amostra, resultando em liberação de potássio das hemácias por hemólise.36,46 Leucócitos acima de 100.000/mm3 ou plaquetas acima de 400.000/mm3 podem resultar em pseudo-hipercalemia, pois estas são células ricas em potássio, que pode ser liberado durante o processo de coagulação.36 O ECG pode ser útil na diferenciação entre a hipercalemia verdadeira e a factícia, pois alterações só ocorrem na hipercalemia verdadeira. Redistribuição A entrada de íons hidrogênio em excesso pelas células, como ocorre nas acidoses, leva a um movimento de potássio para fora das células com o objetivo de manter a eletroneutralidade. Para cada 0,1 unidade de pH que cai, o potássio extracelular sobe 0,6 mEq/L. Uma liberação rápida de potássio pode ocorrer também em destruição celular maciça após cirurgia, trauma com esmagamento e lesão muscular (rabdomiólise), infecções extensas ou hemólise maciça.38 Estes quadros geralmente se acompanham de um comprometimento da função renal e conseqüente redução na excreção de potássio. Outras causas de hipercalemia por redistribuição seriam: uso de -bloqueadores, intoxicação digitálica, paralisia periódica familiar hipercalêmica, exercícios extenuantes e administração de succinilcolina.38 Insuficiência Renal Aguda Na insuficiência renal aguda, há uma redução importante na excreção do potássio, pois se estabelece um quadro de oligúria ou anúria, geralmente com destruição ce- 206 Metabolismo do Potássio lular num paciente hipercatabólico, diminuindo a capacidade do potássio e lançando na circulação o potássio liberado das células. Hipercalemia em insuficiência renal crônica não é comum, por razões já abordadas nas páginas precedentes. Cumpre apenas salientar que vários estudos mostram que a secreção de potássio na insuficiência renal crônica está aumentada, talvez pelo maior aporte de sódio ao nefro distal. De modo geral, pacientes renais crônicos sem aporte excessivo de potássio podem manter-se sem hipercalemia enquanto o clearance de creatinina estiver acima de 5-10 ml/min.35 Insuficiência Adrenal Os principais estímulos fisiológicos para a liberação de aldosterona são a angiotensina II (gerada pela liberação de renina pelos rins) e a elevação do potássio plasmático. Deste modo, a hipercalemia por diminuição do efeito da aldosterona se deve geralmente a doença renal (prejudicando a secreção de renina), disfunção adrenal (alterando a liberação de aldosterona) ou resistência tubular à ação da aldosterona. Na insuficiência adrenal com hipoaldosteronismo, se o paciente ingere uma dieta adequada em sal, não ocorre hipercalemia, talvez porque, havendo uma oferta adequada de sódio ao nefro distal, haverá secreção de potássio, apesar do hipoaldosteronismo. A hipercalemia é mais freqüentemente observada na crise addisoniana, que depende de uma depleção de sódio.1 Existe uma situação chamada hipoaldosteronismo hiporreninêmico, que acomete principalmente idosos diabéticos com algum grau de insuficiência renal. Neles, a hipercalemia seria causada por uma baixa produção de renina devido à lesão de células justaglomerulares. Esta seria também uma explicação para o fato de que os pacientes diabéticos são mais suscetíveis a desenvolverem hipercalemia quando utilizam diuréticos poupadores de potássio. A heparina e inibidores da enzima conversora também podem suprimir a produção de aldosterona. Pontos-chave: • A hipercalemia (potássio ⬎ 5,0 mEq/L) pode ocorrer por problemas durante a coleta ou por redistribuição, insuficiência adrenal e insuficiência renal • É raro ocorrer hipercalemia sem disfunção renal DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Ao se identificar uma hipercalemia, devemos diferenciar entre uma falsa determinação laboratorial (pseudohipercalemia), fenômeno de redistribuição e um aumento real do potássio total (Quadro 12.5). Mais uma vez, a his- Quadro 12.5 Diagnóstico diferencial de hipercalemia I - Pseudo-hipercalemia 1. Hemólise 2. Trombocitose 3. Leucocitose II - Redistribuição 1. Acidose 2. Insulina 3. Bloqueio -adrenérgico 4. Infusão de arginina 5. Succinilcolina 6. Intoxicação digitálica (superdose) 7. Paralisia periódica III - Retenção de potássio RFG ⬍ 5 ml/min — 1. Oligoanúria 2. Carga de potássio a. exógena b. endógena — necrose tissular hemólise hipercatabolismo RFG ⬎ 20 ml/min 앗 Aldosterona Diuréticos Poupadores (Retentores) de Potássio A utilização de espironolactona, amiloride e triamterene pode causar hipercalemia, sobretudo se empregados em pacientes com insuficiência renal. Como já mencionamos nas páginas precedentes, a administração de diuréticos poupadores de potássio a pacientes diabéticos os predispõe à hipercalemia. Ureterojejunostomia O jejuno absorve o potássio existente na urina, provocando elevação dos níveis sanguíneos deste íon. Outras Causas Trimetoprim, antiinflamatórios não-esteróides. Aldosterona normal 1. Doença de Addison 2. Hipoaldosteronismo hiporreninêmico 3. Inibição de prostaglandina sintetase 1. Tubulopatias primárias a. Adquiridas — transplante renal — lúpus eritematoso — amilóide — anemia de células falciformes b. Hereditárias 2. Drogas a. espironolactona b. amiloride c. triamterene Modificado de Narins, R.G.; Heilig, C.W.; Kupin, W.L.41 capítulo 12 207 tória clínica e a correlação com a gasometria arterial também são importantes na determinação correta da etiologia do distúrbio.41 (V. Quadro 12.8.) MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As manifestações clínicas podem estar ausentes, mas, quando ocorrem, são intensificadas pela presença concomitante de hiponatremia, hipocalcemia ou acidose. As manifestações neuromusculares são similares às da hipocalemia e as parestesias podem ser manifestações mais precoces. Outras manifestações neuromusculares são: fraqueza, arreflexia e paralisia muscular ou respiratória. Neuromusculares Fig. 12.8 Relação entre a concentração plasmática e o potássio total. (Obtido de Chapman, W.H. e cols.44) A facilidade em gerar um potencial de ação (chamada excitabilidade de membrana) depende da magnitude do potencial de repouso e do estado de ativação dos canais de sódio da membrana. A abertura destes canais de sódio leva à difusão passiva de sódio do extracelular para o interior das células. De acordo com a equação de Nernst, o potencial de repouso depende da relação entre o potássio intra e extracelular. Uma elevação do potássio extracelular diminui esta relação e parcialmente despolariza a membrana das células musculares (torna o potencial de repouso menos eletronegativo). Entretanto, o efeito final no paciente é que a despolarização persistente inativa os canais de sódio da membrana, produzindo uma diminuição na excitabilidade, o que clinicamente se manifesta como alteração na condução cardíaca ou fraqueza e paralisia musculares. Pequenas são as repercussões sobre o sistema nervoso central. Cardiovasculares As manifestações cardíacas são freqüentes quando a concentração plasmática do potássio ultrapassa 8,0 mEq/L. Elas são incomuns quando a concentração é inferior a 6,07,0 mEq/L. As repercussões cardíacas incluem: bradicardia, hipotensão, fibrilação ventricular e parada cardíaca. As manifestações eletrocardiográficas seqüenciais (v. Fig. 12.10) são: ondas T altas, pontiagudas nas derivações precordiais (devido à despolarização mais rápida); segmento ST deprimido; diminuição de amplitude das ondas R; prolongamento do intervalo PR, ondas P diminuídas ou ausentes e alargamento do complexo QRS com prolongamen- Fig. 12.9 Relação entre o pH sanguíneo e a concentração plasmática de potássio. (Obtido de Chapman, W.H. e cols.44) to do intervalo QT. Pode ocorrer a fusão de um complexo QRS com uma onda T, formando uma configuração ondulada ou sinusoidal. Arritmias ventriculares ou parada cardíaca podem ocorrer. Estas manifestações indicam grave risco de vida para o paciente. 37,38 Fig. 12.10 Alterações eletrocardiográficas seqüenciais na hipercalemia. (Modificado de Krupp, A.M.49 — gentileza do Dr. Olavo G. Ferreira da Silva Jr.) 208 Metabolismo do Potássio Hormonais e Renais Em resposta à hipercalemia, há aumento da insulina e aldosterona, que efetuam mecanismos protetores, como entrada de potássio nas células e aumento da excreção através do túbulo distal. Se há número reduzido de nefros, há um sensível aumento na secreção de potássio pelo sistema coletor. Portanto, o sistema coletor sobressai como um importante órgão de reserva, colocado no final do nefro para impedir uma intoxicação de potássio no organismo.12 TRATAMENTO DA HIPERCALEMIA A primeira etapa é confirmar a dosagem de potássio com uma nova coleta, desta vez sem garrote. Como regra geral deve ser suspensa qualquer medicação que forneça ou retenha potássio.35 A forma de tratamento empregado (antagonizar os efeitos do potássio, desviar o potássio para dentro das células ou remover o potássio do organismo) depende da gravidade da hipercalemia refletida pela concentração plasmática de potássio e presença de alterações eletrocardiográficas. Portanto, toda vez que se identifica um paciente hipercalêmico, um eletrocardiograma deve ser obtido. Se o paciente apresentar potássio menor que 6,5 mEq/litro e sem alterações eletrocardiográficas, pode ser suficiente diminuir a ingesta e suspender as drogas que diminuam a excreção de potássio. Se houver alterações eletrocardiográficas ou se o potássio for maior que 6,5 mEq/L, medidas mais agressivas devem ser tomadas (Quadro 12.6). potássio na célula muscular cardíaca. O aumento do cálcio no extracelular restaura a diferença normal entre o potencial de repouso e o limiar, tornando normal a excitabilidade. Sempre que o eletrocardiograma apresentar sinais de hipercalemia, o cálcio é a primeira droga a ser utilizada, pois sua ação é imediata. Seu uso é contra-indicado no paciente digitalizado, pois pode precipitar a intoxicação digitálica.36 Sob controle eletrocardiográfico, 10 a 20 ml de gluconato de cálcio a 10% são injetados lentamente na veia. Ao mesmo tempo, prepara-se uma solução de manutenção, contendo 500 ml de soro glicosado a 5% e 10 ml de gluconato de cálcio a 10%; esta solução deve ser infundida continuamente na veia, em velocidade suficiente para manter o eletrocardiograma normal. O cálcio não deve ser administrado em soluções contendo bicarbonato, pois ocorre precipitação de carbonato de cálcio.36 Bicarbonato de Sódio Desvia o potássio para dentro das células e é mais eficaz em pacientes que apresentam algum grau de acidose.36 O bicarbonato de sódio (50-100 mEq) pode ser administrado por via endovenosa em 15 a 30 minutos. Lembrar que cada grama de bicarbonato de sódio leva consigo 12 mEq de sódio, o que pode ser um fator limitante nos pacientes com excesso de volume extracelular. No Brasil, uma das apresentações disponíveis de bicarbonato de sódio é na concentração de 8,4%, onde 1 ml contém 1 mEq de bicarbonato e 1 mEq de sódio. Agonistas -adrenérgicos Cálcio A administração endovenosa de cálcio não reduz o potássio plasmático, mas antagoniza os efeitos tóxicos do A administração endovenosa ou inalatória destes agentes também provoca uma redistribuição do potássio para o intracelular. Estudos foram feitos com o uso de albute- Quadro 12.6 Terapêutica da hipercalemia aguda Mecanismo Dose Início Duração Gluconato de cálcio 10% Antagonismo de membrana 10-20 ml EV 1-3 min 30-60 min Bicarbonato de sódio Redistribuição 50-100 mEq EV 5-10 min 2h Insulina e glicose Redistribuição 20 U de insulina simples ⫹ 40 g de glicose EV em 1 hora 30 min 4-6 h -agonistas inalatórios (Albuterol) Redistribuição 10-20 mg 30 min 2h Resina catiônica de troca (Kayexalate, Sorcal) Remoção 20-50 g VO ou 100 g retal com sorbitol 1-2 h 4-6 h Hemodiálise ou diálise peritoneal Remoção Minutos Da diálise 209 capítulo 12 Quadro 12.7 Diagnóstico da hipocalemia HIPOCALEMIA Pseudo-hipocalemia Redistribuição Depleção real de potássio Perda extra-renal (potássio urinário ⬍ 20 mEq/L) Perda renal (potássio urinário ⬎ 20 mEq/L) Pressão Arterial Bicarbonato Baixo Normal Alto Diarréias Fístulas intestinais baixas Sudorese profusa Diuréticos Vômitos Fístula gástrica Normal Elevada Renina Plasmática Alta Hipertensão: Maligna Renovascular Túbulo secretor renina Bicarbonato Baixa Baixo Aldosterona Acidose Tubular Renal Alta Hiperaldosteronismo primário Baixa S. de Cushing Mineralocorticóide Hiperpasia congênita de adrenais Alto Cloreto Urinário ⬍ 10 mEq/dia Vômitos ⬎ 10 mEq/dia Diuréticos S. de Bartter Hipomagnesemia Hiperaldosteronismo com pressão normal Depleção extrema de potássio Adaptado de Narins, R.G.; Heilig, C.W.; Kupin, W.L.41 rol, 10-20 mg por via inalatória em 4 ml de solução salina, ou 0,5 mg via endovenosa (no Brasil, o albuterol não é disponível). Também pode ser utilizada a epinefrina via endovenosa (0,05 g/kg/minuto). Deve ser lembrado que a absorção via inalatória é errática e a administração endovenosa é potencialmente arritmogênica. Outros efeitos incluem: taquicardia e angina de peito em indivíduos suscetíveis. Então, estes agentes devem ser evitados em pacientes com doença coronariana. Em pacientes renais crônicos, que muitas vezes têm doença coronariana subclínica, deve ser feita monitorização cuidadosa.36 Infusão de Glicose-Insulina Desvia o potássio para dentro das células, causando rápida redução do potássio plasmático. Pode-se utilizar 1 unidade de insulina para cada 2 g de glicose. Se o paciente não estiver alimentando-se e para evitar hipoglicemia, recomenda-se administrar 4 g de glicose para cada unida- de de insulina. Costuma-se gotejar na veia 200 ml de soro glicosado a 20% com 20 unidades de insulina, durante 60 minutos. É necessária cuidadosa observação para sinais de hipoglicemia, como sonolência, sudorese, taquicardia. Resinas de Troca As resinas de troca removem o potássio do organismo, mas atuam mais lentamente. As resinas são substâncias que, administradas por via oral ou retal, promovem a troca de sódio ou cálcio (dependendo da resina empregada) pelo potássio plasmático. Elas são capazes de remover 1 mEq de potássio por grama de resina. É importante lembrar que as resinas que trocam sódio por potássio (1,7 a 2,5 mEq de Na⫹/mEq de K⫹) podem acarretar um excesso de sódio no organismo e, conseqüentemente, determinar sobrecarga cardiovascular. No Brasil, a resina disponível é à base de poliestirenossulfonato de cálcio (Sorcal), apresentada em envelopes de 30 gramas. 210 Metabolismo do Potássio Quadro 12.8 Diagnóstico da hipercalemia HIPERCALEMIA PSEUDO-HIPERCALEMIA REDISTRIBUIÇÃO Garrote Hemólise Leucocitose Trombocitose Acidose Hiperglicemia Beta-bloqueadores Succinilcolina Intoxicação digitálica Paralisia periódica EXCESSO REAL DE POTÁSSIO TFG ⬍ 10 ml/min TFG ⬎ 20 ml/min Oligúria de qualquer causa Aporte de potássio Exógeno Endógeno Hemólise Necrose de tecido Hipercatabolismo Aldosterona normal ou alta Aldosterona baixa Renina plasmática baixa Hipoaldosteronismo hiporreninêmico Inibição da PG sintetase Ciclosporina Renina plasmática normal ou alta Desordens tubulares primárias Transplante renal Lúpus eritematoso Amiloidose Anemia falciforme Uropatia obstrutiva Drogas Espironolactona Triamterene Amiloride Trimetoprim Doença de Addison Defeitos hereditários na síntese de aldosterona Heparina Inibidores da enzima conversora Adaptado de Narins, R.G.; Heilig, C.W.; Kupin, W.L.41 Diálise Quando os métodos conservadores falham, o tratamento dialítico remove o potássio do organismo (v. Cap. 48). apropriada para sintomas de sobrecarga de volume, uma vez que retém sódio ao mesmo tempo em que elimina potássio. Mineralocorticóides A fludrocortisona é usada no tratamento dos pacientes com hipoaldosteronismo, porém com monitorização Pontos-chave: • A hipercalemia é um distúrbio grave, principalmente por suas repercussões sobre a condução cardíaca • Eletrocardiograma sempre deve ser solicitado na hipercalemia • Os achados no ECG determinam a rapidez com que deve ser tratada a hipercalemia EXERCÍCIOS 1) Um homem de 70 kg e sem perda aparente de massa muscular chega ao hospital após um quadro de gastroenterite, e a investigação laboratorial mostra um potássio plasmático de 2,8 mEq/L. Calcular o potássio total e a percentagem de déficit. 2) Um paciente chega ao hospital após três dias de vômitos e a investigação mostra um pH de 7,6 e um potássio plasmático de 3,0 mEq/L. Qual seria a concentração de potássio com pH de 7,4? 3) Um paciente etilista, com quadro de vômitos há três dias, vem ao pronto-socorro. Seu espaço extracelular está reduzido em 20%. Potássio = 2,3 mEq/L; pH de 7,52 e bicarbonato de 40 mEq/L. Que distúrbio de potássio apresenta e qual a causa? 4) Ao ser chamado(a) para avaliar uma paciente diabética, renal crônica, com potássio de 6,8, qual sua conduta? 5) Paciente de 27 anos, admitido na UTI em mal epiléptico após overdose de cocaína. pH ⫽ 6,9; bicarbonato ⫽ 12 mEq/L; potássio ⫽ 8,5 mEq/L. capítulo 12 Urina acastanhada, positiva para hemoglobina. Enzimas musculares elevadas. Explique os motivos pelos quais este paciente apresenta hipocalemia e qual é o potássio real para um pH de 7,4. 23. 24. 25. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BLACK, D.A.K. Potassium metabolism. Cap. 4, p. 121. In: Clinical Disorders of Fluid and Electrolyte Metabolism. Eds. Maxwell, M.H. e Kleeman, C.R. McGraw-Hill Book Co., 1972. 2. GUYTON, A.C. and HALL, J.E. 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Ferreira da Silva Jr.) 212 Metabolismo do Potássio ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET http://www.emedicine.com/emerg/topic273.htm — com exemplos de ECG. http://www.learndoctor.com/chapterpages/chapter22. htm — questões para self-assessment com respostas discutidas – Chris O’Callaghan e Barry Brenner. http://www.seaox.com/lz/lz20-b.html — exemplos de ECG em hipo- e hipercalemia. http://www.barttersite.com/hyper&hypoK.htm — página muito boa, com um artigo de revisão da Medical Clinics of North America de 1997. http://www.medinfo.ufl.edu/year2/clinmed/Nephrology/Potassium.PDF — artigo com bom resumo da clínica de hipo- e hipercalemia, inclusive com as alterações de ECG e potencial de ação. RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS 1) Com a ajuda do Quadro 12.4, obtém-se: 45 mEq ⫻ 70 kg ⫽ 3.150 mEq. Como não há distúrbio ácido-básico, verificamos, na Fig. 12.8, que um potássio plasmático de 2,8 corresponde a um déficit de aproximadamente 13% do potássio total, ou seja, em torno de 400 mEq. 2) Na Fig. 12.9, verificamos que, se não houver alteração no potássio total, a concentração normal de potássio para um pH de 7,6 seria 3,0 mEq/L. Isto significa que, se o pH fosse corrigido para 7,4, o potássio plasmático seria de 4,5 mEq/L. 3) Este paciente apresenta hipocalemia (potássio menor que 3,5 mEq/L), que provavelmente se deve à perda renal de potássio, uma vez que a depleção do espaço extracelular ativa o sistema renina-angiotensinaaldosterona, aumentando a excreção renal de potássio. Além disso, o bicarbonato age como um ânion pouco reabsorvível, carregando sódio para o túbulo coletor, o que também aumenta a secreção de potássio na luz tubular. A alcalose metabólica que este paciente apresenta pode ter ocasionado um desvio iônico de cerca de 0,6 mEq/L de potássio para o intracelular; seu potássio real deve ser em torno de 2,3 ⫹ 0,6 ⫽ 2,9 mEq/L. 4) Interromper qualquer administração de potássio. Obter um eletrocardiograma. A presença de ondas T apiculadas confirma a hipercalemia verdadeira. Neste caso, é necessária intervenção imediata para antagonizar os efeitos tóxicos do potássio sobre a fibra cardíaca (administrar cálcio EV). Prosseguir com as outras etapas de tratamento da hipercalemia: bicarbonato, glicose-insulina, agentes 2-adrenérgicos, resinas de troca e diálise. Afastar a possibilidade de redistribuição. Afastar a possibilidade de pseudo-hipercalemia. 5) Este paciente apresenta dados compatíveis com rabdomiólise, possivelmente decorrente das convulsões prolongadas. Além disso, apresenta acidose metabólica, que pode ter sido causada pelo metabolismo anaeróbio induzido pela hipoxemia e convulsões. O potássio dosado é de 8,5 para um pH de 6,9. O potássio real deste paciente para um pH de 7,4 é de 5,5. As causas da hipercalemia neste caso poderiam ser: redistribuição, pela acidose metabólica, e destruição de células musculares, principal reservatório de potássio no organismo. Devemos realizar um ECG imediatamente e tratar a hipercalemia de acordo com a seqüência já mencionada. Capítulo 13 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio Marcelo Mazza do Nascimento, Miguel Carlos Riella e Marcos Alexandre Vieira CÁLCIO Introdução Introdução Causas Homeostase do cálcio Quadro clínico Distribuição do cálcio Absorção, excreção, balanço interno Fatores que regulam a homeostase do cálcio PTH e vitamina D Diagnóstico Formas de apresentação Hiperfosfatemia Introdução Funções no organismo Causas Hipocalcemia Pseudo-hiperfosfatemia Definição Causas de hipocalcemia Diagnóstico Quadro clínico Tratamento Hipercalcemia Quadro clínico Tratamento MAGNÉSIO Homeostase do magnésio Distribuição Unidades de medida Definição Absorção, excreção e balanço interno Resposta adaptativa Fatores que influenciam a excreção de magnésio Causas de hipercalcemia Funções do magnésio no organismo Quadro clínico Hipomagnesemia Diagnóstico Causas Tratamento Quadro clínico FÓSFORO Introdução Homeostase do fósforo Diagnóstico Tratamento Hipermagnesemia Distribuição Definição Absorção, excreção e balanço interno Causas de hipermagnesemia Mecanismos de transporte Quadro clínico Fatores que regulam a excreção de fósforo Tratamento Funções do fósforo no organismo Hipofosfatemia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET 214 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio CÁLCIO Introdução A manutenção da homeostase do cálcio é de fundamental importância, do ponto de vista fisiológico, metabólico e estrutural, em nosso organismo. Sua participação na cascata da coagulação, reações enzimáticas e na transmissão neuromuscular dá a dimensão de sua importância para que se mantenham níveis plasmáticos normais. Os mecanismos fisiológicos necessários à manutenção de níveis séricos normais de cálcio, bem como as alterações deste equilíbrio (hipocalcemia, hipercalcemia), serão discutidos a seguir. Homeostase do Cálcio DISTRIBUIÇÃO DO CÁLCIO Cerca de 99% do cálcio do nosso organismo encontrase no esqueleto. Um indivíduo normal de 70 kg contém aproximadamente 1,2 kg de cálcio. Deste total, 5,3 g estão no fluido intracelular, 1,3 g no fluido extracelular (excluindo-se ossos) e mais de 1 kg encontra-se nos ossos sob a forma de cristais de hidroxiapatita. A distribuição sanguínea do cálcio se dá da seguinte maneira: cerca de 50% na forma difusível (cálcio ionizável e na forma de complexos) e o restante, não-difusível, ligado às proteínas plasmáticas. Como a albumina é a proteína mais abundante no plasma, 90% do cálcio ligado às proteínas encontra-se ligado a ela. Sendo assim, a diminuição dos níveis séricos de albumina determina alterações na concentração de cálcio sérico total. Por exemplo, a diminuição em 1,0 g/dl da concentração sérica de albumina diminui a concentração de cálcio total em 0,8 mg/dl. As alterações da concentração sérica de globulinas determinam menores variações na concentração de cálcio sérico (1,0 g/dl de globulina para 0,12 mg/dl de cálcio total). A porção do cálcio difusível se divide em fração ionizável, 90% do total (ultrafiltrável), e o restante formando complexos com bicarbonato, citrato, fosfato, lactato e sulfato. A fração ionizável de cálcio varia com o pH sanguíneo, sendo que a alcalose diminui a concentração de cálcio ionizável, ao contrário da acidose. Alteração em 0,1 unidade no pH sérico modifica a ligação proteína-cálcio em 0,12 mg/dl.1,2,3 ABSORÇÃO, EXCREÇÃO, BALANÇO INTERNO Absorção Intestinal Um indivíduo normal ingere aproximadamente 1.000 mg de cálcio elementar ao dia (15 mg/kg/dia). Dependendo da concentração de 1,25-diidroxivitamina D3 (calcitriol) e do conteúdo de cálcio na dieta, 20 a 40% deste total é absorvido no duodeno (400 mg). O suco digestivo acresce cerca de 200 mg de cálcio nas 24 horas, perfazendo no total uma absorção diária de 600 mg. Os mecanismos de transporte do cálcio são realizados tanto de forma ativa quanto passiva. O transporte ativo se dá principalmente pela presença de sódio na luz intestinal, baixa concentração de cálcio e ação do calcitriol. O mecanismo não dependente de energia ocorre quando a concentração de cálcio no lúmen intestinal é alta (13 mg/dl).1,2,3 Rins A filtração renal do cálcio se dá pela sua porção difusível (complexos na forma de vários sais e fração ionizável), isto é, 60% do cálcio total. A reabsorção tubular do cálcio acontece principalmente no túbulo contornado proximal, ramo ascendente espesso da alça de Henle e no túbulo contornado distal. Ponto-chave: • Cálculo da concentração plasmática de cálcio na presença de hipoalbuminemia [Ca] corrigido [Ca] medido 0,8 (4,5 [albumina] [Ca] medido em mg/dl Albumina medida em g/dl Exemplo: [Ca] medido 7,6 mg/dl Albumina 2,5 g/dl [Ca] corrigido 7,6 0,8 2 9,2 mg/dl No túbulo contornado proximal, o cálcio é reabsorvido conjuntamente com o sódio, e em estados de depleção de volume extracelular a sua reabsorção é aumentada. Em situações de expansão do espaço extracelular, porém, ocorre o inverso. Cerca de 60% do cálcio filtrado é reabsorvido no túbulo contornado proximal. No ramo espesso ascendente da alça de Henle, outros 20 a 25% do cálcio filtrado são reabsorvidos, e drogas que atuam neste segmento específico do néfron, como o furosemide, aumentam a excreção de cálcio, como se verá posteriormente. Ponto-chave: • No túbulo contornado proximal o cálcio é reabsorvido conjuntamente com o sódio e na presença de depleção extracelular a sua reabsorção aumenta. Na presença de expansão extracelular, ocorre o inverso, e isto pode ser usado no tratamento da hipercalcemia 215 capítulo 13 pela tireóide, fazendo com que aconteça uma diminuição na produção de calcitriol, normalizando os níveis de cálcio. Os principais reguladores da atividade da 1-hidroxilase são o PTH (estímulo) e o fósforo inorgânico, sendo que a hiperfosfatemia possui uma ação inibidora da atividade enzimática, ao contrário da hipofosfatemia. Funções no Organismo Fig. 13.1 Demonstração das áreas e da proporção de reabsorção de cálcio. A regulação da reabsorção do cálcio ocorre no túbulo contornado distal (10% do total), pela ação do PTH e do calcitriol. Estas substâncias aumentam a reabsorção local através de mecanismos ativos da bomba de cálcio e trocas de sódio por cálcio. Fatores que Regulam a Homeostase do Cálcio PTH E VITAMINA D A vitamina D3 é formada a partir da dieta e da clivagem fotolítica na pele do 7-desidrocolesterol. A vitamina D2, proveniente de fonte dietética (ergosterol), juntamente com a vitamina D3, são as formas ativas da vitamina D no sangue. No fígado a vitamina D sofre a ação da 25-hidroxivitamina D3 (calcidiol), que nos rins, pela ação da 1-hidroxilase diidroxivitamina D3 (1-hidroxilase), transforma-se em calcitriol. Em situações de hipocalcemia ou em estados de demanda de cálcio, é feita a conversão de calcidiol em calcitriol, porém em estados de normocalcemia o calcitriol não é formado em grande quantidade.1,2,3 O calcitriol aumenta o transporte de cálcio no intestino, age no néfron distal aumentando a reabsorção de cálcio e nos ossos aumenta a mobilização de cálcio. O PTH em situações de hipocalcemia tem sua síntese aumentada e agirá sobre os ossos aumentando a atividade das células reabsortivas (osteoclastos). Nos rins, no túbulo distal aumenta a reabsorção de cálcio e estimula a atividade da enzima 1-hidroxilase, com conseqüente maior síntese de calcitriol. A normocalcemia e o aumento do calcitriol agem como inibidores da secreção de PTH. Já em situações de hipercalcemia, dar-se-á uma inibição da produção de PTH e um estímulo à liberação de calcitonina A função do cálcio no organismo humano a nível celular se dá principalmente pela estabilização das membranas celulares e pelo transporte de sódio e potássio. Seu papel em processos como a endocitose e a exocitose está bem estabelecido.1,2,3,7 No osso exerce função estrutural. A transmissão neuromuscular e a excitação nervosa são dependentes do cálcio, já que este regula a entrada de sódio e potássio no interior da célula, necessária para a propagação do potencial de ação.7 No músculo o cálcio se liga à superfície da célula determinando o nível de despolarização necessária para que se inicie a contração. Também a intensidade de contração depende da concentração de cálcio ionizado a nível intracelular. Daí se percebe que as alterações para cima ou para baixo dos níveis de cálcio causam sinais e sintomas principalmente a nível neuromuscular. Hipocalcemia DEFINIÇÃO A queda do cálcio sérico total abaixo de 8,8 mg/dl é indicativo de hipocalcemia, porém isto não define uma diminuição da concentração da fração ionizável, já que existe uma ligação do cálcio à albumina. Para cada queda de albumina em 1,0 g/dl abaixo de 4,0 g/dl, adicionamos 0,8 mg/dl à concentração total de cálcio plasmático (v. fórmula mais precisa no ponto-chave, anteriormente). Nas situações de hipocalcemia, a resposta do organismo se dá pela atuação das paratireóides na liberação de PTH. Quando a normocalcemia é atingida, diminui a secreção de PTH, e este efeito de retroalimentação negativo é exercido e estimulado pelo aumento do calcitriol e normalização dos níveis de cálcio.7,8 HIPOCALCEMIA PTH Fração excretora de cálcio Atividade da 1-hidroxilase 25(OH)D3 Calcitriol NORMOCALCEMIA Mobilização óssea 216 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio CAUSAS DE HIPOCALCEMIA São inúmeras as causas de hipocalcemia. As principais que se apresentam na prática clínica serão comentadas a seguir (v. Quadro 13.1). Hipoparatireoidismo Idiopático. A forma idiopática se encontra ligada a defeitos na embriogênese ou sendo parte de síndromes poliglandulares. Na primeira forma, há uma ausência congênita das quatro glândulas que, quando associada à ausência de timo, é conhecida como síndrome de DiGeorge.1,10 Quando associado a síndromes poliglandulares, inclui insuficiência supra-renal, hipogonadismo primário, diabetes mellitus, hepatite crônica ativa, má absorção, anemia perniciosa. Anticorpos antiparatireóide são encontrados em até 40% dos casos.10 Pós-cirúrgico. A forma mais comum de hipoparatireoidismo é a cirurgia na região cervical (doença de Graves, das paratireóides, câncer de tireóide). Estes pacientes podem desenvolver hipocalcemia grave com 24 horas de pósoperatório. A hipofosfatemia e a hipomagnesemia acompanham o quadro clínico.10 Pseudo-hipoparatireoidismo Nesta síndrome há uma resistência periférica (rins e esqueleto) à ação do PTH. A osteodistrofia hereditária de Albright (pseudo-hipoparatireoidismo do tipo 1), com suas alterações somáticas características (face arredondada, pescoço grosso, retardo mental, encurtamento de falange, tórax em barril), é o exemplo clássico deste quadro, que tem como característica uma não-formação de AMP cíclico (AMPc) em resposta ao PTH.1,2,10 Os pacientes apresentam sinais de hipocalcemia crônica (catarata, achados neuromusculares, dentição anormal, Quadro 13.1 Causas de hipocalcemia HIPOPARATIREOIDISMO PRIMÁRIO Idiopático Pós-cirúrgico PSEUDO-HIPOPARATIREOIDISMO HIPOCALCEMIA ASSOCIADA A DOENÇA MALIGNA HIPOMAGNESEMIA SÍNDROME DO CHOQUE TÓXICO NEONATAL PANCREATITE AGUDA INSUFICIÊNCIA RENAL HIPERFOSFATEMIA RELACIONADA À VITAMINA D Dietético (baixa ingesta) Má absorção Terapia anticonvulsivante Doença hepática Raquitismo dependente de vitamina D DOENÇAS TUBULARES RENAIS DROGAS (mitramicina, colchicina, furosemide, citrato endovenoso, drogas anticonvulsivantes) alterações cardiovasculares). O diagnóstico é feito por um não-aumento do AMP cíclico urinário à infusão de PTH. No pseudo-hipoparatireoidismo tipo 2, há a formação de AMPc urinário, porém com uma resposta fosfatúrica prejudicada (diminuída). Os níveis de PTH no sangue se apresentam normais ou elevados. Hipomagnesemia (v. Hipomagnesemia) A hipocalcemia vista nos pacientes com deficiência em magnésio acontece principalmente nos etilistas, que concomitantemente apresentam má absorção intestinal e déficit de vitamina D. Níveis séricos menores que 0,8 mEq/L de magnésio atuam sobre as paratireóides diminuindo a liberação e a ação do PTH; nos ossos, reduzindo a mobilização de cálcio e inibindo sua ação diretamente no túbulo renal. A hipocalcemia nesta situação só será corrigida com reposição de magnésio.11 Hiperfosfatemia (v. Hiperfosfatemia) A hiperfosfatemia causa diminuição na produção de calcitriol, pela inibição da atividade da 1-hidroxilase, com conseqüente menor formação de calcitriol diminuindo a absorção intestinal e óssea de cálcio. A infusão de fósforo pode fazer com que haja precipitação de cálcio quando o produto cálcio fósforo atinge 70.2,3,13,14 Drogas Anticonvulsivantes Cerca de 20% dos pacientes epilépticos recebendo drogas anticonvulsivantes apresentam hipocalcemia e osteomalácia. Níveis subnormais de calcitriol, por inibição da 1-hidroxilase ou maior degradação enzimática do calcidiol no hepatócito, são hipóteses que tentam explicar este achado. Relacionadas à Vitamina D Má Absorção. Encontrada em etilistas, idosos e pacientes com esteatorréia (lipossolubilidade da vitamina D), que apresentam absorção diminuída de vitamina D. Drogas. Rifampicina, isoniazida e cetoconazol podem diminuir a síntese de calcitriol e calcidiol. A gentamicina pode causar hipocalcemia por mecanismo indireto devido à perda de magnésio pela urina. Pontos-chave: • Hipocalcemia resistente ao tratamento pode ser secundária a hipomagnesemia e só melhora com a correção dos níveis séricos de magnésio • Hiperfosfatemia inibe a atividade da 1hidroxilase, diminuindo a produção de calcitriol e logo diminuindo a reabsorção intestinal de cálcio capítulo 13 Doença Hepática Crônica. A hipocalcemia pode ocorrer nesta situação pela deficiência na 25-hidroxilação da vitamina D e deficiência na formação de bile (diminuição na absorção intestinal da vitamina D). Raquitismo Dependente de Vitamina D. Há dois tipos fundamentais: Tipo I – Deficiência enzimática da 1-hidroxilase. Tipo II – Resistência periférica à ação ao calcitriol. Estes pacientes desenvolvem hipofosfatemia grave, por diminuição da absorção intestinal de fósforo, e fosfatúria devido ao hiperparatireoidismo secundário, ocasionando deformidades ósseas significativas.8,10,12 Causas Renais Síndrome Nefrótica. A diminuição dos níveis de calcidiol tem sido relatada, proporcionalmente à intensidade da proteinúria e da hipoalbuminemia. Suspeita-se que a perda da proteína ligante de vitamina D seja eliminada na urina. Disfunções Tubulares. As disfunções tubulares distais e proximais podem causar hipocalcemia e raquitismo. A interferência da acidose na produção de calcitriol tem sido descrita. Insuficiência Renal Crônica. A hipocalcemia aparece devido à retenção de fósforo e diminuição da produção de calcitriol, com conseqüente hiperparatireoidismo secundário.1,2,3,6,13 A concentração sérica elevada ou normal de calcidiol, com calcitriol diminuído, sugere a presença de insuficiência renal crônica ou raquitismo dependente de vitamina D. Outras Causas Doenças Malignas. Câncer de próstata, mama, ou leucemia aguda podem causar hipocalcemia (não devido à hipoalbuminemia) em decorrência de lesões osteoblásticas no esqueleto que captam cálcio. Pancreatite Aguda. Várias causas concorrem para a hipocalcemia nesta situação: insuficiência renal aguda, níveis elevados de calcitonina, necrose gordurosa, que nesta situação formam sais insolúveis de gordura com o cálcio. Hipocalcemia Pré-natal. Níveis baixos de PTH e níveis elevados de calcitonina nos três primeiros dias de nascimento podem ser responsáveis por esta síndrome. Ocorre mais em filhos de mães diabéticas, prematuros e com angústia respiratória. Síndrome do Choque Tóxico. Ocorre em mulheres jovens que utilizam tampões durante a menstruação e é produzida por algumas cepas de estafilococo que provocam o choque endotóxico. Alcalose Respiratória. Aumenta a ligação do cálcio ionizável à albumina. 217 DIAGNÓSTICO O diagnóstico de hipocalcemia deve levar em conta a sua fração ionizável, que se detecta por medidas diretas (normal de 4,75 a 5,2 mg/dl) ou do cálcio sérico total, considerando as correções quanto à medida de albumina sérica e pH (v. discussão anterior). O comportamento dos níveis séricos de fósforo pode auxiliar na descoberta da etiologia da hipocalcemia. A hiperfosfatemia sugere hipoparatireoidismo, pseudo-hipoparatireoidismo e insuficiência renal, enquanto a hipofosfatemia é comumente observada nos casos de hiperparatireoidismo secundário (diminuição na produção renal de calcitriol) e em outros distúrbios da vitamina D. Medidas séricas do PTH podem distinguir os pacientes com hipoparatireoidismo primário de pacientes com pseudo-hipoparatireoidismo. A medida na urina de fósforo, cálcio e AMP cíclico após infusão de PTH (teste de Ellsworth-Howard) auxilia no diagnóstico diferencial de hipoparatireoidismo primário, que apresenta aumento dos níveis de AMPc e fósforo com diminuição da excreção de cálcio, não havendo nenhuma mudança destes parâmetros quando da suspeita de pseudo-hipoparatireoidismo. A concentração de calcidiol se encontra diminuída nos pacientes com má absorção intestinal e déficit de vitamina D. A suspeita de hipomagnesemia, como causa de hipocalcemia, dá-se quando os níveis plasmáticos de magnésio se encontram abaixo de 1,2 mg/dl.1,2,3,7,8,12,13,14 Nos pacientes com concentração diminuída de calcidiol, a presença de hipocalcemia e hipofosfatemia são indicadores de baixa absorção e ingestão de alimentos. As concentrações de PTH devem ser dosadas conjuntamente com cálcio sérico e variam conforme a causa de hipocalcemia. Pacientes com hipomagnesemia podem ter PTH elevado, normal ou baixo. Sua concentração geralmente é reduzida nos pacientes com hipoparatireoidismo. Anormalidades como pseudo-hipoparatireoidismo ou distúrbios no metabolismo da vitamina D apresentam concentrações de PTH elevadas. QUADRO CLÍNICO As principais manifestações clínicas encontradas na hipocalcemia são principalmente de caráter neuromuscular (v. Quadro 13.2). Neuromuscular. Tetania e convulsões são as manifestações mais graves. A tetania latente pode ser demonstrada pelo sinal de Chvostek (encontrado em 10% da população normal) percutindo-se o nervo facial após sua saída do canal auditivo, sendo positivo quando se observa uma contração da musculatura da hemiface.1,2,3 Outro sinal para se detectar tetania incipiente é o de Trousseau, que não se encontra em pessoas normais e consiste em se insuflar o manguito do aparelho de pressão arterial 3 mmHg acima da pressão arterial sistólica por 218 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio Quadro 13.2 Manifestações clínicas da hipocalcemia NEUROMUSCULARES Tetania Convulsões Papiledema Ansiedade, depressão, psicose ECTODÉRMICAS Pele seca Perda de cabelo Catarata Eczema CARDIOVASCULARES Hipotensão Arritmias Insuficiência cardíaca GASTRINTESTINAL Esteatorréia 3 min, observando-se então a pressão de contração espasmódica dos músculos da região. O sinal é negativo em 34% dos pacientes com hipocalcemia latente. Convulsões e distúrbios emocionais, como irritabilidade, labilidade emocional, alucinações e depressão, também são observados.1,2,3 Cardiovascular. Hipotensão arterial e arritmias (cujo eletrocardiograma aponta prolongamento do intervalo QT e alterações de onda T) têm sido descritas. Lesões Dermatológicas. Anormalidades da pele, unhas, dentes e oculares são vistas na hipocalcemia crônica. Gastroenterológicas. Constipação e dor abdominal podem fazer parte do quadro. Diarréia com deficiência de absorção de vitamina B6 e gorduras ocasionalmente podem aparecer. TRATAMENTO Deve-se tratar a hipocalcemia quando o valor corrigido de cálcio sérico total é inferior a 7 mg/dl e naqueles pacientes cujos sintomas neuromusculares (tetania, parestesias, convulsões) estão presentes. A terapêutica também se divide quanto à apresentação na forma aguda e crônica. Forma Aguda. A situação clínica mais evidente nesta forma de apresentação é pós-paratireoidectomia. A abordagem nesta situação deve ser encarada como urgente. Os sintomas geralmente estão presentes quando os valores de cálcio total são menores que 7,0 mg/dl. A administração endovenosa de gluconato de cálcio a 10% (1 a 2 g de gluconato de cálcio-cálcio intravenoso, 100 a 200 mg de cálcio elementar), infundindo num tempo não inferior a 10 minutos, é a abordagem inicial. Outras formas de apresentação incluem o cloreto e o citrato de cálcio. O gluconato de cálcio é a apresentação escolhida geralmente pela menor propensão a necrose teci- dual quando ocorre infusão rápida ou no extravasamento tecidual. A administração de cálcio deve ser feita até o desaparecimento dos sintomas, repetindo a infusão de gluconato a 10% lentamente na dose de 0,5 a 1,5 mg/kg/hora (90 mg de cálcio elementar em 10 ml da ampola), com monitoração dos níveis séricos, até atingir uma concentração de cálcio total de 8,0 mg/dl. Alguns cuidados devem ser tomados quanto à infusão de cálcio. • Pacientes tomando digital. A infusão de cálcio aumenta a sensibilidade miocárdica à intoxicação por digital, devendo-se fazer a monitoração cardíaca durante a infusão. • Hipopotassemia e hipomagnesemia devem ser corrigidas. • Irritação endovenosa pode acontecer, se a solução for muito concentrada. • A solução não deve ter bicarbonato ou fosfato, pois podem formar complexos insolúveis com o cálcio. Forma Crônica. Administração oral de cálcio e vitamina D nas situações de deficiência vitamínica e diminuição da função das paratireóides. Cálcio na forma oral deve ser dado para que se atinja uma concentração de 1 g de cálcio elementar ao dia. As formas de apresentação incluem o carbonato de cálcio em comprimidos de 500 mg com 400 mg de cálcio elementar, e acetato de cálcio, comprimidos de 350 mg com 87,5 mg de cálcio elementar. Pontos-chave: • Hipocalcemia: Ca 8,8 mg/dl • Relação cálcio-albumina: Redução de 1,0 g/ dl no valor da albumina abaixo de 4,0 eleva 0,8 no valor do cálcio total • Diagnóstico: Nível de cálcio total corrigido ou cálcio ionizável. Correlacionar com níveis de fósforo e PTH e calcidiol para facilitar o diagnóstico. Pesquisar sinais de Trousseau e Chvostek • Quadro clínico: Caracteriza-se por manifestações neuromusculares • Tratamento: Forma aguda — Gluconato de cálcio 10% lentamente. Correção do magnésio e potássio concomitante se necessário • Tratamento: Forma crônica — Cálcio oral, vitamina D ou tiazídicos conforme a etiologia capítulo 13 Vitamina D. A vitamina D, como já foi visto, aumenta os níveis séricos de cálcio, conseqüentemente provocando hipercalciúria. Devido a este fato, nefrocalcinose e calcificação de tecidos moles podem ser observadas. A monitoração dos níveis de cálcio no sangue e na urina deve ser feita periodicamente. As formas de vitamina D mais utilizadas são o calcitriol (biologicamente mais potente — de 0,5 a 1,0 g) e a outra menos ativa, o ergocalciferol (vitamina D3 — 1 a 10 g/dia). A hiperfosfatemia pode acontecer com a correção da hipocalcemia pela vitamina D e aumentar os riscos de nefrocalcinose e calcificação de partes moles. Manutenção dos níveis de fósforo através da dieta e drogas como acetozolamide pode ser de utilidade clínica. Tiazídicos. Limitam a excreção urinária de cálcio, diminuindo as necessidades de vitamina D e cálcio (v. Hipercalcemia).1,2,3,13 Hipercalcemia DEFINIÇÃO A hipercalcemia é definida quando os níveis séricos de cálcio total são superiores a 10,5 mg/dl. Em aproximadamente 80% dos casos, as causas mais comuns são hiperparatireoidismo e tumores malignos. RESPOSTA ADAPTATIVA Os eventos metabólicos principais que ocorrem em resposta à hipercalcemia são apresentados abaixo: A hipercalcemia provoca a diminuição na liberação de PTH e aumento na produção de calcitonina, provocando diminuição na atividade da 1-hidroxilase e conseqüen- CAUSAS DE HIPERCALCEMIA As duas principais causas de hipercalcemia são hiperparatireoidismo e malignidade. As etiologias principais deste distúrbio serão descritas a seguir (v. Quadro 13.3). Hiperparatireoidismo Primário Incidência. O hiperparatireoidismo primário apresenta uma média anual de incidência na população de 22 casos por 100.000, havendo um aumento progressivo com a idade, sendo duas vezes mais comum nas mulheres do que nos homens. Causas. Cerca de 85% dos pacientes com hiperparatireoidismo primário têm como causa principal o adenoma simples de uma das quatro glândulas da paratireóide. O restante se deve à hiperplasia e carcinoma, este responsável por menos de 1% dos casos. As causas podem ser de origem genética ou devido à irradiação da região cervical. A causa genética mais conhecida é a neoplasia endócrina do tipo I. Prévia irradiação da cabeça e pescoço pode dar origem a adenomas, numa incidência que pode atingir 4 a 11%. A hipercalcemia se desenvolve pelo aumento da produção de PTH, com conseqüente aumento na reabsorção tubular de cálcio e diminuição de sua excreção. O conseqüente estímulo da atividade osteoclástica e aumento do turnover ósseo é demonstrado pelo aumento dos níveis de fosfatase alcalina, osteocalcina e hidroxiprolina urinária. O aumento dos níveis de calcitriol determina incremento da absorção intestinal de cálcio. O PTH também eleva a Quadro 13.3 Causas de hipercalcemia HIPERPARATIREOIDISMO • Primário • Terciário: Má absorção/Insuficiência renal crônica (IRC) HIPERCALCEMIA Liberação de PTH e Calcitonina Atividade 1-hidroxilase 25(OH)D3 Fração excretora de cálcio Mobilização óssea Calcitriol NORMOCALCEMIA te redução do calcitriol. Por conseguinte, isto se traduz na redução da absorção e reabsorção do cálcio na luz intestinal e no túbulo distal, respectivamente, com aumento da fração excretora de cálcio e diminuição da mobilização do cálcio ao nível ósseo, levando à normocalcemia.1,2,5,17 219 ASSOCIADA A DOENÇAS MALIGNAS ASSOCIADA A DOENÇAS ENDÓCRINAS • Hipertireoidismo • Feocromocitoma • Insuficiência adrenal SARCOIDOSE E OUTRAS DOENÇAS GRANULOMATOSAS INTOXICAÇÃO POR VITAMINA D INTOXICAÇÃO POR VITAMINA A SÍNDROME ÁLCALI-LEITE IMOBILIZAÇÃO PROLONGADA ASSOCIADA A DROGAS • Diuréticos tiazídicos • Carbonato de lítio • Estrógenos DOENÇA DE PAGET HIPERCALCEMIA IDIOPÁTICA DA INFÂNCIA 220 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio excreção de fósforo e bicarbonato urinário, devido à diminuição da reabsorção no túbulo proximal destes íons e ocasionando uma acidose metabólica hiperclorêmica, além de elevação do AMPc urinário. Diagnóstico. Além da hipercalcemia, a elevação dos níveis de PTH (tanto fração terminal como região média da molécula) é característica da doença. Os pacientes se apresentam habitualmente com cálculos renais recorrentes e ocasionalmente com alterações ósseas características (aumento da reabsorção óssea pelo aumento da atividade osteoclástica), levando à osteíte fibrosa e à osteopenia. É importante notar que pacientes apresentam carcinoma de paratireóide em 10% dos casos. Tratamento. A cirurgia com remoção do tecido anormal da paratireóide é o tratamento de escolha. Naqueles pacientes com quadro discreto, assintomáticos, o tratamento clínico pode estar indicado, devendo o paciente ser acompanhado freqüentemente (v. tratamento da hipercalcemia). Em mãos experimentadas, a cura pela cirurgia pode chegar a 95% dos casos.1,2,5,6,12,17 Malignidade Incidência. É a causa mais comum de hipercalcemia encontrada em pacientes internados, sendo a segunda causa mais freqüente, depois do hiperparatireoidismo. Estimase a incidência de 135 casos de câncer por ano que desenvolvem hipercalcemia. Os principais tumores envolvidos estão descritos no Quadro 13.4. Causas. Os mecanismos principais envolvidos no desenvolvimento de hipercalcemia incluem: Produção de PTHrP (Peptídio Relacionado ao Paratormônio). Esta substância produzida pelo tumor, com estrutura de aminoácidos semelhante ao PTH, liga-se aos seus receptores, aumentando a reabsorção tubular de cálcio e também ao nível ósseo. Os tumores mais envolvidos na produção de PTHrP são: tumor de células escamosas do pulmão, pescoço e carcinoma de células renais. A abordagem da hipercalcemia induzida por câncer poderá ocorrer com a redução da liberação de proteína relacionada ao PTH. O uso de análo- Quadro 13.4 Hipercalcemia e malignidade INCIDÊNCIA (em porcentagem) Pulmão Mama Hematológico (mieloma, linfoma) Cabeça/Pescoço Renal Próstata Origem desconhecida Outros 35 25 14 6 3 3 7 8 Adaptado de Mundy, G.R. e Martin, T.J. Metabolism, 31:1247-77, 1982. gos do calcitriol, como 22-oxacalcitriol, pode ser uma alternativa no futuro.54 Produção de Fatores que Estimulam Osteoclastos e Análogos da Vitamina D. Tumores hematológicos como o mieloma causam hipercalcemia devido à liberação de citocinas produzidas pelas células malignas, que são os fatores de ativação do osteoclasto nas superfícies ósseas trabeculares. Linfomas de células T podem produzir calcitriol. Os tumores de mama, além de poderem aumentar a absorção óssea diretamente através de suas células malignas, podem produzir prostaglandinas que estimulam a atividade osteoclástica.2,5,17,18 Tireotoxicose É uma causa relativamente freqüente de hipercalcemia, com incidência chegando a 10 a 20% dos pacientes portadores deste distúrbio. O hormônio tireoidiano age diretamente no osso, acelerando o turnover ósseo. O tratamento do hipertireoidismo é eficaz na diminuição dos níveis de cálcio.2,5 Doenças Granulomatosas Dentre as doenças granulomatosas, como tuberculose, histoplasmose, candidíase e coccidioidomicose, destaca-se a sarcoidose como a principal causa de hipercalcemia. A hipercalcemia na sarcoidose se deve ao fato dos macrófagos (localizados no pulmão destes pacientes) converterem o calcidiol em calcitriol. Isto provoca um aumento da reabsorção intestinal de cálcio, com conseqüente supressão da produção de PTH, resultando em hipercalciúria, formação de cálculos de oxalato de cálcio e nefrocalcinose. O acometimento renal pela sarcoidose associado a nefrocalcinose leva à insuficiência renal observada neste distúrbio. A medida da concentração sérica do PTH é de fundamental importância no diagnóstico diferencial, pois o hiperparatireoidismo pode ocorrer conjuntamente com a sarcoidose.1,2,5 Imobilização A imobilização prolongada é uma causa conhecida de hipercalcemia e hipercalciúria. A perda de massa óssea é acompanhada de paralisia muscular de qualquer etiologia — a chamada osteoporose de desuso. A hipercalcemia suprime a produção de PTH e formação de calcitriol, promovendo a hipercalciúria e conseqüente nefrolitíase. A causa principal de imobilização é o trauma raquimedular, porém outras situações como poliomielite, síndrome de Guillain-Barré e queimaduras extensas são outras causas descritas.1,2,5 Intoxicação por Vitamina D A maior parte dos casos desenvolve-se durante o tratamento com vitamina D em casos de hipoparatireoidismo, capítulo 13 doenças ósseas ou tentativas de minorar os efeitos do corticóide sobre o esqueleto a longo prazo. Também doses excessivas de suplementos vitamínicos podem causar intoxicação. A hipercalcemia é devida tanto a um aumento na absorção óssea, como a um aumento na absorção intestinal. A presença de hiperfosfatemia, diminuição da função renal (nefrocalcinose) e deposição tecidual de cálcio nos tecidos são outros achados. Altas concentrações de vitamina D aumentam a 25-hidroxilação hepática, elevando os níveis de calcidiol. Por outro lado, a 1-hidroxilação no rim é inibida por altas concentrações de calcitriol, determinando nesta situação níveis altos de calcidiol e normais de calcitriol.1,2,5,8,16,17 Drogas Diuréticos Tiazídicos. A maior parte de seus efeitos no metabolismo de cálcio pode ser explicada pela contração do volume plasmático, associada à dieta hipossódica geralmente prescrita aos pacientes hipertensos (aumentando a reabsorção proximal de cálcio conjuntamente com o sódio, devido à depleção de volume extracelular). Especula-se um efeito potencializador do PTH nos rins. Geralmente não se observam elevações significativas dos níveis séricos de cálcio (acima de 11 mg/dl), ocorrendo na maioria das vezes a reversão da hipercalciúria e hipercalcemia. Elevações significativas do cálcio sérico com uso crônico de tiazídico devem levar à suspeita de outras doenças subjacentes, em especial o hiperparatireoidismo.1,2,5,17 Diuréticos de Alça. Agem diminuindo a reabsorção de cálcio na alça de Henle, porém este efeito pode ser mascarado pela contração de volume. Nestes casos, geralmente associados a dieta hipossódica, maior quantidade de cálcio é reabsorvida no túbulo proximal e menos cálcio chega até a alça de Henle, podendo piorar estados prévios de hipercalcemia.1,2,5,17,39 Carbonato de Lítio. Têm sido descritos casos (em torno de 5%) de pacientes em uso desta mediação nos quais a suspensão da droga faz com que haja retorno dos níveis de cálcio sérico aos valores normais. Pontos-chave: • Hiperparatireoidismo e doença maligna são as principais causas de hipercalcemia • Neoplasias de pulmão e mama são as mais freqüentemente associadas à hipercalcemia • Hipercalcemia e hipofosfatemia sugerem hiperparatireoidismo ou malignidade • Mais recentemente o uso indiscriminado de multivitamínicos contendo vitamina D tem sido associado à hipercalcemia 221 Aminofilina. A toxicidade por aminofilina tem sido relatada como causa de hipercalcemia em até 20% dos casos. A causa do distúrbio é desconhecida.1,2,5 Aspirina. Níveis tóxicos de ácido acetilsalicílico podem causar hipercalcemia, sem aumento nos níveis de albumina. Estrógenos e Antiestrógenos. Podem causar hipercalcemia no tratamento do câncer de mama metastático. Outras Causas Síndrome Álcali-leite. Esta doença está associada à ingestão de carbonato de sódio (forma de antiácido) mais leite. A fisiopatologia deste distúrbio envolve a hiperabsorção intestinal de cálcio e álcali, como também a excreção urinária inadequada de cálcio, diminuição da função renal e alcalose metabólica. Hoje em dia esta síndrome é menos comum, restringindo-se aos casos de uso de cálcio no tratamento da osteoporose.2,5,17 Intoxicação por Vitamina A. A vitamina A é um fator de estímulo à atividade do osteoclasto e, quando ingerida numa quantidade superior a 50.000 UI/dia, pode causar osteopenia por diminuição da função do osteoblasto. O achado radiológico característico é a calcificação laminar periosteal que pode ser vista na radiografia das mãos.5,17 Hipercalcemia Hipocalciúrica Familiar. É uma patologia que se caracteriza pela presença de hipercalcemia e diminuição na fração excretora de cálcio (menor que 100 mg/g de creatinina), transmitindo-se como um traço autossômico dominante. Difere do hiperparatireoidismo por apresentar uma diminuição na fração excretora de cálcio e níveis normais de PTH. A presença de familiares com este distúrbio auxilia no diagnóstico. A maioria dos pacientes não requer tratamento.1,2,5,17 Doença de Addison. Os mecanismos envolvidos nesta patologia devem-se principalmente à contração de volume aumentando a reabsorção tubular de cálcio e deficiência na ação do glicocorticóide, que normalmente possui uma ação antivitamina D.17 Insuficiência Renal Aguda. A hipercalciúria pode, por si só, causar insuficiência renal (mecanismo de vasoconstrição renal), principalmente na sarcoidose, mieloma, intoxicação por vitamina D, ou ser sua conseqüência, como ocorre na fase de recuperação da insuficiência renal aguda e na rabdomiólise.1,2,5,17 Insuficiência Renal Crônica. É observada principalmente nos pacientes em hemodiálise em que a água usada no tratamento contém alta concentração de alumínio. Isto ocorre pelo fato de que o alumínio, ao ser depositado no osso, retarda a formação óssea e inibe a atividade osteoblástica. A osteomalácia resultante não responde à vitamina D, e o osso não atua mais como depósito de cálcio, resultando em hipercalcemia. A hipocalcemia crônica da IRC pode levar ao desenvolvimento de hiperparatireoidismo secundário, por estímulo contínuo na glândula, tornando-se esta autônoma. O uso 222 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio continuado de quelantes de fósforo, que contenham cálcio (carbonato de cálcio e acetato de cálcio), e de calcitriol pode levar à hipercalcemia.1,2,5,17 Pseudo-hipercalcemia. Elevações na concentração de proteínas plasmáticas no sangue podem levar ao aumento do cálcio sérico total porém sem aumento da fração livre. Isto pode ocorrer após infusão de grande quantidade de plasma (tratamento da púrpura trombocitopênica trombótica) e no mieloma múltiplo, quando a proteína do mieloma se liga ao cálcio, aumentando sua concentração sérica.1,5,17 QUADRO CLÍNICO Sintomas Gerais. A hipercalcemia na sua forma leve pode não apresentar sintomas, porém nos quadros mais graves sintomas como anorexia, náuseas, vômitos, obnubilação, cefaléia, poliúria e nictúria podem estar presentes (v. Quadro 13.5). Sistemas Afetados Nervoso. Embora os mecanismos não estejam completamente estabelecidos, o aumento do cálcio livre no sistema nervoso central pode acarretar diminuição da condução nervosa nos terminais nervosos, traduzindo-se em letargia em casos mais graves, confusão mental, coma. Cardiovascular. Pacientes portadores de hipercalcemia desenvolvem hipertensão arterial provavelmente por mecanismos de vasoconstrição. No coração, o cálcio provoca um aumento da contratilidade cardíaca. As alterações eletrocardiográficas mais comuns são encurtamento do espaço PR e do QT, bloqueio AV de primeiro grau e alterações da onda T. Gastrintestinal. A ação do cálcio na musculatura lisa e condução nervosa, além de seu efeito sobre a produção de gastrina, aponta para as principais manifestações clínicas, que são: constipação, anorexia, náuseas, vômitos e úlcera duodenal. Renal. A litíase renal pode ser observada nos quadros de hiperparatireoidismo. A nefrocalcinose (calcificação parenquimatosa principalmente a nível da medula renal) não é necessariamente associada à litíase, sendo que nos pacientes com hiperparatireoidismo as duas condições podem ocorrer separadamente. A insuficiência renal é multifatorial e decorre de: • Obstrução tubular • Depósito parenquimatoso (nefrite intersticial) • Vasoconstrição renal, depleção do volume extracelular. A correção da hipercalcemia pode reverter e melhorar significativamente o ritmo de filtração glomerular. Outra anormalidade causada pela hipercalcemia é a resistência à ação do ADH nos túbulos coletores, cujo mecanismo exato não está estabelecido. Alcalose metabólica, devido ao aumento da capacidade de tamponamento ósseo, pelo acometimento do esqueleto nos tumores malignos, pode ser responsável por este distúrbio ácido-básico. Acidose tubular renal pode ser ocasionada nos pacientes com hiperparatireoidismo pela ação do PTH no túbulo contornado proximal, resultando em perda de bicarbonato e conseqüente acidose metabólica hiperclorêmica. Perdas renais de sódio, magnésio e potássio também são descritas na hipercalcemia.1,2,5,15,16,18 Pontos-chave: • Hipercalcemia pode acarretar depleção do volume extracelular e contribuir para aumentar a reabsorção proximal de cálcio • Na hipercalcemia há uma resistência à ação do hormônio antidiurético nos túbulos coletores, contribuindo para a poliúria observada na hipercalcemia Quadro 13.5 Sinais e sintomas de hipercalcemia NEUROLÓGICOS: Confusão mental, estupor, irritabilidade, coma. CARDIOVASCULARES: Aumento da contratilidade miocárdica, alterações no ECG (aumento do QTc, bloqueio AV de primeiro grau, etc.), hipertensão arterial sistemática. GASTRINTESTINAIS: Constipação, náusea, vômito, úlcera duodenal. RENAIS: Nefrocalcinose, litíase renal, insuficiência renal, diabetes insipidus nefrogênico, distúrbios ácido-básicos (acidose e alcalose metabólica), perdas renais de fosfato, magnésio, potássio, glicose e aminoácidos. OCULAR: Calcificação da conjuntiva e da córnea. HEMATOLÓGICO: Fibrose de medula óssea nos casos de hiperparatireoidismo secundário. DIAGNÓSTICO Cerca de 80 a 90% dos casos de hipercalcemia são causados por hiperparatireoidismo ou tumores malignos. Estes mais encontrados em pacientes hospitalizados e aquele, em pacientes assintomáticos. A história clínica, o exame físico e a dosagem de PTH sérico oferecem uma precisão diagnóstica em 99% dos casos. Além disto, é importante destacar que no hiperparatireoidismo alguns detalhes clínicos são de fundamental importância no auxílio diagnóstico, destacando-se: • Hipercalcemia assintomática • História familiar ou evidência de neoplasia endócrina • Irradiação prévia na região cervical • Mulheres na menopausa. 223 capítulo 13 Fósforo. A hipofosfatemia só acontece nas situações de elevação do PTH sérico, como no hiperparatireoidismo, ou na presença do PTHrP nos tumores malignos, em conseqüência destes aumentarem a excreção de fósforo pelos rins. A hiperfosfatemia estará presente nas outras situações onde não acontece uma maior excreção de fósforo urinário, como se presencia nas doenças granulomatosas, intoxicação por vitamina D, síndrome leite-álcali e tireotoxicose, entre outras. Cálcio Urinário. A dosagem do cálcio urinário é um importante auxílio diagnóstico principalmente na síndrome de hipercalcemia hipocalciúrica familiar, quando a evidência de uma dosagem de cálcio na urina menor que 100 mg/g de creatinina faz o diagnóstico. Outras duas situações em que se presencia a hipocalciúria são a síndrome álcali-leite e o uso de tiazídicos. Cloro. Devido à redução de bicarbonato (bicarbonatúria), evidenciada no hiperparatireoidismo, a dosagem de cloro pode ser de ajuda diagnóstica, já que concentrações acima de 103 mEq/L podem ser encontradas. Na síndrome leite-álcali se verá a situação inversa, ou seja, a presença de alcalose metabólica com dosagem de cloro inferior a 100 mEq/L. RX. A presença de alterações radiológicas características da osteíte fibrosa — reabsorção subperiosteal falangiana, lesões císticas na clavícula e imagens de “pimenta e sal” no crânio — é observada em 5% dos casos de hiperparatireoidismo. PTH. A dosagem da fração intacta do PTH, pelo método imunorradiométrico, é o exame de escolha no diagnóstico do hiperparatireoidismo primário. A presença de níveis de PTH normais deve ser vista com cuidado, pois a hipercalcemia persistente suprime a sua produção. A presença de elevação do PTHrP acontece nos tumores malignos.17,18 Vitamina D. Quando as dosagens de PTH e PTHrP estão normais, e não for encontrada nenhuma evidência de neoplasia maligna, deve-se proceder à dosagem de calcitriol e calcidiol. O aumento do calcidiol sugere intoxicação por vitamina D. O calcitriol se elevará nas seguintes condições clínicas: doenças granulomatosas, linfomas, produção renal aumentada causada por hiperparatireoidismo.1,2,5,16,17,18 Deve-se iniciar o tratamento da hipercalcemia naqueles pacientes sintomáticos ou que apresentam cálcio sérico acima de 15 mg/dl. Conforme o mecanismo fisiopatológico causador da hipercalcemia, modalidades terapêuticas diferenciadas são instituídas (v. Quadro 13.6). TRATAMENTO Aborda-se este distúrbio tentando, conforme a causa subjacente, agir sobre o mecanismo desencadeador da hipercalcemia, promovendo: Quadro 13.6 Tratamento da hipercalcemia Diminuição da absorção intestinal • Corticóide • Fosfato oral Aumento da excreção urinária • Solução salina + furosemide Diminuição na reabsorção óssea • Calcitonina • Mitramicina • Difosfonatos • Nitrato de gálio Diálise Quelação do cálcio ionizado • EDTA • Fosfato endovenoso ou oral • • • • Diminuição da absorção intestinal de cálcio Aumento na excreção urinária Diminuição na reabsorção óssea Quelação do cálcio ionizado. Os pacientes assintomáticos que apresentam cálcio sérico com valores menores ou iguais a 13 mg/dl também devem ser tratados, pelos efeitos deletérios da hipercalcemia crônica. As principais drogas utilizadas no tratamento da hipercalcemia serão discutidas a seguir.1,2,5,16,17,18,19 Corticóides. São utilizados em pacientes nos quais a causa da hipercalcemia é uma maior absorção de cálcio intestinal. Agem diretamente no epitélio intestinal, inibindo a absorção de cálcio. Na sarcoidose e em outras doenças granulomatosas, têm seu efeito direto sobre a atividade da doença. São eficazes nas doenças malignas em 30% dos casos, e especialmente naqueles com doença hematológica. Têm seu efeito em torno de 7 a 10 dias do início de seu uso, utilizando-se prednisona na dose de 1 mg/kg/dia.1,2,5,17,19 Solução Salina e Furosemide. O cálcio é principalmente reabsorvido no túbulo contornado proximal e na alça de Henle, devido ao gradiente elétrico criado pela reabsorção concomitante de sódio e cloro, neste segmento do néfron. Desta forma, a inibição da reabsorção de sódio no túbulo contornado proximal inibe o transporte passivo de cálcio, promovendo a calciúria. A expansão de volume plasmático ocasionada pela infusão salina leva à natriurese e conseqüentemente à excreção concomitante de cálcio pela urina. Como há uma maior oferta de sódio, cálcio e água na alça de Henle, a adição de furosemide inibe o transporte destes íons, incrementando o efeito calciúrico da infusão salina. Deve-se ter cuidado antes da infusão de furosemide, já que a maioria destes pacientes podem estar depletados 224 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio pelas condições clínicas subjacentes às quais estão sujeitos e devido ao próprio efeito natriurético da hipercalcemia. A infusão prévia de solução salina, antes de administrar furosemide, faz-se necessária. O regime sugerido é a administração de solução salina isotônica (3 a 5 L/dia), com a verificação e eventual reposição de potássio e magnésio sendo feita de acordo com as medidas séricas. Utilizando-se este esquema, espera-se normalizar os níveis de cálcio em 12 a 24 horas.1,5,17 Regimes com maior infusão salina são descritos, iniciando-se a infusão de 1 a 2 litros de solução salina isotônica em período de 1 hora, acrescido de furosemide, 80 mg a cada 2 horas, a fim de se manter um débito urinário não inferior a 250 ml/h. Este regime produz uma maior excreção urinária de sódio, fósforo, cálcio, cloro, magnésio e água, sendo que se este tratamento tiver duração maior que 100 horas, a infusão de magnésio se faz necessária, num ritmo de 15 mg/h. O volume urinário deve ser reposto a cada hora, com solução contendo soro glicosado a 5%, 90 a 120 mEq/L de sódio e 10 a 20 mEq/L de potássio. Haverá queda do cálcio sérico, de 2 a 4 horas, havendo normalização em até 24 horas. Deve-se lembrar da necessidade de reposição dos outros eletrólitos (sódio, fósforo, cloro, magnésio), através de suas medidas na urina coletadas a intervalos de 4 horas.2 O regime deve ser cuidadosamente avaliado em pacientes portadores de insuficiência cardíaca e renal onde a sobrecarga de volume pode ser uma complicação. O diurético só é utilizado quando se descarta a presença de depleção do espaço extracelular.1,2,5,17,18 Pontos-chave no manejo da hipercalcemia: • Lembrar que a expansão do volume extracelular inibe o transporte passivo de cálcio, promovendo a calciúria • A adição de um diurético de alça (furosemide) inibe a reabsorção de cálcio a este nível mas não deve ser usado sem antes corrigir-se a depleção do volume extracelular Bifosfonatos. Este grupo de drogas se utiliza no tratamento da hipercalcemia na malignidade, conjuntamente com a infusão salina. Sua ação se dá pela inibição da atividade osteoclástica, diminuindo os níveis de cálcio sérico e diminuindo a dor nos pacientes com lesões osteolíticas significativas. O efeito máximo dos bifosfonatos se dá entre o quinto e o sétimo dia. Nos Estados Unidos, o etidronato e o pamidronato são as drogas disponíveis, existindo uma terceira droga, o clodronato, sendo maior a experiência clínica com as duas primeiras. O etidronato (EDHP) deve ser iniciado na forma endovenosa, 7,5 mg/kg/dia em 250 ml de solução salina em um período não inferior a 4 horas, por três dias. O prolongamento do tratamento de três para cinco dias aumenta a resposta em 60 a 100%. A duração da normocalcemia é de 1 a 7 semanas. A terapia deve ser mantida por via oral, na dose de 10 mg/kg/ dia, e é ineficaz sem o uso intravenoso prévio. Os efeitos colaterais mais importantes são a hiperfosfatemia, devido a uma maior reabsorção de fosfato. A dosagem deve ser reduzida em 50% na presença de insuficiência renal. O pamidronato é mais potente que o etidronato e causa menor desmineralização óssea, sendo a droga de escolha entre os bifosfonatos. É utilizada na forma intravenosa, numa dose inicial de 30 mg num período de infusão de 4 horas em dose única, podendo ser repetida em sete dias.2,5,17,18,19 Em caso de hipercalcemia grave, a dose pode ser de até 90 mg. Várias preparações orais estão sendo propostas para substituir o pamidronato como agente de escolha na hipercalcemia associada a malignidade. Os bifosfonatos têm sido utilizados no tratamento dos pacientes com hiperparatireoidismo primário, porém com menor eficácia do que nos pacientes portadores de neoplasias. Calcitonina. Utilizada na maioria das vezes em pacientes com hipercalcemia associada a malignidade e nos pacientes com função renal alterada. Em situações onde os bifosfonatos são contra-indicados, a calcitonina, na dose de 4 UI/kg intramuscular ou subcutânea, age rapidamente, normalizando o cálcio em até 2 a 3 horas. A resposta ocorre em 60 a 70% dos pacientes que a utilizam. Há controvérsia na literatura quanto ao uso simultâneo de corticóide, no sentido de diminuir o aparecimento de resistência à calcitonina. Quando utilizado, administra-se hidrocortisona na dose de 100 mg a cada 6 horas.2,5,17,18 Mitramicina. É uma droga antineoplásica que inibe a síntese de DNA dependente de RNA e é altamente efetiva no tratamento da hipercalcemia, principalmente associada às neoplasias. Utiliza-se na dose de 25 g/kg em um período de 6 horas, com pico máximo de ação em 12 horas, durando seu efeito por alguns dias e repetindo-se a dose a cada 3 a 7 dias. Hepatotoxicidade, nefrotoxicidade e disfunção plaquetária limitam o seu uso.2,5,17,18 Fósforo Oral. Tem utilidade no tratamento dos pacientes portadores de hiperparatireoidismo primário, com hipofosfatemia (menor que 3,5 mg/dl), na dose de 1 a 3 g/dia. Outros quelantes do cálcio ionizado, como o EDTA (ácido etileno diaminotetracético), e o fósforo endovenoso podem determinar insuficiência renal, precipitação de cálcio e fósforo em partes moles e arritmias fatais, limitando a sua utilização.1,2,5,17,18 Estrógenos. Nos pacientes portadores de hiperparatireoidismo primário, a cirurgia é a terapia de eleição, po- 225 capítulo 13 rém, quando a cirurgia é contra-indicada, em quadros de hipercalcemia sintomática, ou níveis superiores a 11 mg/ dl nas mulheres em menopausa, os estrógenos podem ser utilizados. O seu modo de ação é desconhecido, podendo ser utilizado como estilbestrol ou preparação equivalente de etinil estradiol.1,2,5,17 Cloroquina e Cetoconazol. Utilizados na sarcoidose. Devido a não existir grande experiência na utilização destes medicamentos, serão utilizados nos casos de ausência de resposta ao corticóide e na contra-indicação destes.1,2,5,17 Nitrato de Gálio. É um inibidor da reabsorção óssea, com relatos de ser mais potente que o etidronato, sendo administrado pela via endovenosa por até cinco dias, tornando seu uso de alto custo. Tem efeito nefrotóxico comprovado.1,2,5,17 Diálise. Está reservada àqueles pacientes que apresentam insuficiência cardíaca ou insuficiência renal em que a infusão salina não pode ser suportada. A utilização de diálise peritoneal é uma alternativa à hemodiálise.1,2,5,15 Agentes calcimiméticos, como a norcalcina, ligam-se aos receptores sensíveis ao cálcio e suprimem a liberação de PTH, podendo ser um tratamento futuro do hiperparatireoidismo primário. O uso de anticorpos contra os hormônios responsáveis pela hipercalcemia pode ser feito futuramente. Imunização em pacientes com hipercalcemia por carcinoma de paratireóide também pode ter resultados benéficos.59,60,61 FÓSFORO Introdução Embora o fósforo não seja o principal ânion em nosso organismo (é o sexto mais abundante), seu papel é de fundamental importância na manutenção do metabolismo celular, processo de mineralização óssea e manutenção do equilíbrio ácido-básico, entre outras funções. A sua homeostase é dependente da interação entre os sistemas digestivo, ósseo e dos rins, cabendo ao paratormônio (PTH) e à vitamina D a sua regulação. Homeostase do Fósforo DISTRIBUIÇÃO O fósforo representa 1% do peso corporal total. A sua distribuição é a seguinte: 85% se encontram nos ossos, 14% nos tecidos moles e 1% no fluido extracelular. O fósforo se apresenta no sangue principalmente na forma de fosfolipídio (fósforo orgânico), cerca de 70% do total, sendo os 30% restantes na forma inorgânica. Nesta última forma, 15% estão ligados a proteínas e 75% são formas livres; destas, 50% formam fosfato monovalente e di- valente, e outros 40% formam sais com sódio, magnésio e cálcio. Menos de 0,01% existe na forma de PO4. Os valores normais nos adultos vão de 2,5 a 4,5 mg/dl (0,81 a 1,45 mmol). ABSORÇÃO, EXCREÇÃO E BALANÇO INTERNO Os mecanismos envolvidos na regulação do fósforo envolvem o trato gastrintestinal, rins e ossos. O PTH, cálcio, vitamina D e a calcitonina desempenham papel fundamental na homeostase deste ânion. Absorção Intestinal. A ingestão diária varia de 800 a 1.850 mg/dia; deste total, 65% são absorvidos principalmente a nível de duodeno e jejuno. No duodeno, sua absorção ocorre por meio de transporte ativo, intimamente relacionado e estimulado pela presença de vitamina D (cujo mecanismo é independente da absorção de cálcio), e pela concentração de sódio no lúmen intestinal. Outro mecanismo envolvido é o transporte passivo do íon, que ocorre no jejuno e no íleo e é diretamente proporcional à concentração de fósforo nestes segmentos. O PTH age indiretamente na absorção de fosfato por aumentar os níveis de calcitriol e conseqüentemente aumentando a absorção intestinal de fósforo. O cálcio e o magnésio em altas concentrações no lúmen digestivo se ligam ao fósforo, diminuindo sua absorção. O alumínio também forma complexos insolúveis no trato digestivo com o fósforo, sendo esta uma terapia utilizada na hiperfosfatemia da insuficiência renal crônica, por tempo limitado.1,2,21,23,25 Ossos. O fósforo participa de maneira direta e indireta do processo de mineralização óssea. Indiretamente, através da ação do PTH e da vitamina D. A hipofosfatemia leva a defeitos da mineralização óssea, além de aumento da atividade absortiva do osso por aumento dos níveis de vitamina D. Diretamente, pela ação do fosfato na matura- Quadro 13.7 Fatores que influenciam a excreção de fósforo HIPERCALCEMIA DIMINUI PTH AUMENTA ACIDOSE AUMENTA ALCALOSE DIMINUI VITAMINA D DIMINUI INSULINA DIMINUI GLUCAGON AUMENTA DIURÉTICOS AUMENTA EXPANSÃO DE VOLUME AUMENTA CALCITONINA AUMENTA CORTICÓIDE DIMINUI 226 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio ção e mineralização da matriz óssea, participando da produção de colágeno.20 Rins. Em um adulto normal, cerca de 5,25 g de fósforo inorgânico (Pi) são filtrados diariamente. Deste total, 80 a 97% são reabsorvidos nos túbulos renais. No túbulo contornado proximal (TCP) acontece 80% da reabsorção, com reabsorção quase nula a nível de alça de Henle. No túbulo contornado distal, 10% do total de Pi filtrado é reabsorvido, sendo controversa a reabsorção nos ductos coletores. MECANISMOS DE TRANSPORTE O principal mecanismo de transporte, no túbulo proximal, é transcelular, dependente de energia, mantido pelo gradiente de sódio gerado pela bomba Na-K-ATPase na membrana basolateral. Este mecanismo é saturável, necessitando da presença de sódio no local de entrada na célula (bordo em escova da membrana), sugerindo assim um mecanismo carreador. O transporte se dá em torno de uma molécula de fósforo para duas moléculas de sódio, ou seja, sódio e fósforo são co-transportados.23,24 FATORES QUE REGULAM A EXCREÇÃO DE FÓSFORO Gradiente de Sódio e pH. Estes fatores fazem a regulação renal a curto prazo (modificação alostérica). Quando a concentração de sódio luminal está aumentada, ocorre uma maior absorção de fósforo pelos mecanismos já descritos. A atividade de co-transporte de sódio e fósforo é reduzida pelo aumento da concentração luminal de íons hidrogênio, sendo o efeito luminal da acidose maior quando a concentração de sódio no lúmen tubular diminui; isto pode ser explicado por um efeito inibitório da acidose no transporte de sódio.20,23,24,25 PTH. É o fator hormonal mais importante na reabsorção do fósforo nos rins, especialmente no túbulo contornado proximal. Sua ação a nível intracelular parece ser mediada pelo AMPc e proteína cinase C, regulando o cotransporte de sódio e Pi e inibindo a reabsorção local de fósforo.23,24 Vitamina D. A vitamina D, em especial o calcitriol, tem ação independente do PTH, pela maior absorção de fósforo no trato digestivo, promovendo sua maior reabsorção no túbulo contornado proximal. Calcitonina. Tem efeito hiperfosfatúrico pela diminuição do cálcio ionizado plasmático, diminuindo assim a reabsorção de fósforo no túbulo proximal. Insulina, Glicose e Glucagon. A insulina tem um efeito independente, aumentando a entrada de fósforo no interior da célula e levando à hipofosfatemia. A inibição da neoglicogênese diminui a concentração do fósforo citosólico e aumenta a reabsorção tubular de fósforo. A administração de glicose provoca fosfatúria devido à diurese osmótica por ela provocada. Cálcio. A hipercalcemia provoca alterações na quantidade de Pi filtrado no túbulo, principalmente provocada pela saída de fósforo do interior da célula e conseqüente formação de complexos com o cálcio [Ca(PO4)2]; este efeito independe da ação do PTH. O efeito indireto se dá pela ação do PTH na hipercalcemia anteriormente descrita no metabolismo do cálcio. Corticóides. O corticóide diminui a reabsorção tubular de fósforo agindo diretamente no túbulo proximal, como acontece na síndrome de Cushing. FUNÇÕES DO FÓSFORO NO ORGANISMO Nos ossos, o fósforo tem papel fundamental na mineralização óssea, pois ele é depositado na forma de cristais de hidroxiapatita, na matriz orgânica do osso. A sua deficiência pode ocasionar osteomalácia e raquitismo. Nos tecidos moles é componente das membranas celulares, material genético (DNA e RNA) e fator intermediário no metabolismo celular. Os fosfolipídios são os constituintes essenciais das membranas celulares e das organelas intracelulares. No eritrócito, o 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG) exerce influência direta na disponibilidade de oxigênio aos tecidos. Na deficiência de fósforo há redução na síntese de 2,3DPG, aumentando a afinidade da hemoglobina com o oxigênio e diminuindo sua disponibilidade aos tecidos. O fósforo faz parte da formação da adenosina trifosfato (ATP), que fornece energia para vários processos metabólicos fundamentais na vida da célula.1,2,20,25 Pontos-chave: • Em torno de 80% do fósforo filtrado é reabsorvido no túbulo contornado proximal • PTH é o fator mais importante na reabsorção de fósforo pelos rins Hipofosfatemia INTRODUÇÃO Cerca de 1% do fósforo se distribui no espaço extracelular, sendo que deste total 30% representam a sua fração inorgânica, e é esta fração que é medida no plasma (Pi). Sendo assim, pode-se ter uma depleção do fósforo corporal total com concentrações “normais” no sangue. A hipofosfatemia é considerada leve quando os níveis de Pi estão em torno de 1 a 2,5 mg/dl, e grave quando esta concentração se encontra abaixo de 1,5 mg/dl. Um grupo especial de pacientes, os etilistas, desenvolvem mais freqüentemente este distúrbio, chegando à incidência de 10% em pacientes hospitalizados.25,26 capítulo 13 227 CAUSAS Diminuição da Absorção Intestinal São três os mecanismos responsáveis pela diminuição da concentração plasmática de Pi: redistribuição do fosfato extracelular para dentro da célula, diminuição da absorção intestinal e aumento das perdas urinárias. As principais causas de hipofosfatemia são listadas no Quadro 13.8. A causa mais comum nesta situação é o uso de antiácidos, que formam complexos insolúveis com o fósforo e não são absorvidos. Doenças do trato gastrintestinal que causam dificuldade de absorção de fósforo (doença de Crohn, síndrome do intestino curto, doença celíaca, entre outras) e má absorção de vitamina D também são responsáveis pela diminuição na absorção. A diminuição da ingesta de fósforo é raramente causa isolada de hipofosfatemia, mas freqüentemente esta situação é associada a diarréia crônica, onde a deficiência de vitamina D também desempenha o seu papel, causando hiperparatireoidismo secundário e aumentando a excreção de fósforo. O jejum prolongado por si só raramente causa deficiência de fósforo, já que nesta situação há uma hipoinsulinemia e aumento do catabolismo celular, liberando fósforo da célula. Quando esses pacientes são novamente alimentados, este processo se inverte sem reposição de fósforo, e a hipofosfatemia aparecerá.2,28,30 Redistribuição Interna Nutrição. No processo de nutrição (enteral ou parenteral) em pacientes desnutridos, há um consumo maior de fósforo intracelular. Se quantidades insuficientes de fósforo são fornecidas na repleção nutricional destes pacientes, e concomitantemente grandes quantidades de carboidrato (estímulo à liberação de insulina) forem fornecidas, a hipofosfatemia aguda pode desenvolver-se. Pacientes submetidos a nutrição parenteral podem, por má absorção, jejum e aumento do metabolismo, desenvolver o mesmo quadro se a repleção de fosfato não for adequada.2,21 Alcalose Respiratória. A queda da pressão parcial de CO2 provoca a saída de CO2 do interior da célula, não sendo acompanhada na mesma proporção pelo bicarbonato. Isto desencadeia uma alcalose intracelular, com ativação da glicólise (ativada pela fosfofrutoquinase) e deslocamento do fósforo do extra- para o intracelular. É a causa mais comum de hipofosfatemia em pacientes hospitalizados. Situações clínicas como alcoolismo, síndrome de abstinência, queimaduras, hiperalimentação, uso de corticóides, calcitonina e catecolaminas determinam este distúrbio ácido-básico, levando à hipofosfatemia.31 Leucose. Contagens superiores a 100.000 leucócitos em leucemias ou crise blástica podem aumentar o consumo de fósforo pela intensa proliferação celular. Síndrome do Osso Faminto. Deposição de cálcio e fósforo nos ossos após cirurgia na região cervical (paratireoidectomia) causa hipocalcemia e hipofosfatemia, pela intensa deposição de cálcio e fósforo ósseo. Quadro 13.8 Causas de hipofosfatemia REDISTRIBUIÇÃO INTERNA Aumento de insulina, durante nutrição Alcalose respiratória aguda Síndrome do osso faminto DIMINUIÇÃO DA EXCREÇÃO URINÁRIA Hiperparatireoidismo primário e secundário Raquitismo resistente à vitamina D • ligado ao X (infância) • osteomalácia oncogênica (no adulto) Raquitismo hereditário hipofosfatêmico com hipercalciúria Síndrome de Fanconi Acetazolamida Aumento da Excreção Urinária Hiperparatireoidismo e Raquitismo. A hipersecreção de PTH ou análogo (PTHrP) leva a um quadro de hipofosfatemia por aumento na secreção de fosfato. A forma hereditária de raquitismo (raquitismo resistente à vitamina D) ou em associação a tumores na vida adulta (osteomalácia oncogênica) provoca defeitos seletivos tubulares na reabsorção de fósforo. Raquitismo severo, osteomalácia e retardo do crescimento manifestam-se nas crianças. Os níveis de calcitriol são reduzidos nas duas situações. Outra forma mais rara de raquitismo é aquele conhecido como hereditário hipercalciúrico hiperfosfatêmico de transmissão autossômica recessiva, apresentando níveis elevados de calcitriol devido à hipercalciúria2,21,23,26 Diabetes Mellitus. Pacientes que apresentam diabetes descompensado com glicosúria, poliúria e acidose aumentam a excreção de fósforo na urina em grandes quantidades. No quadro de cetoacidose ocorre uma maior produção de fósforo intracelular, havendo maior liberação para o plasma e aumentando ainda mais a sua excreção renal. A correção da cetoacidose com insulina e repleção do volume extracelular leva a queda rápida dos níveis de fósforo, porém a níveis dificilmente inferiores a 1 mg/dl, tornando sua reposição na maioria das vezes desnecessária.21,25,26 Síndrome de Fanconi. É uma disfunção tubular proximal que acontece no adulto geralmente em decorrência de mieloma múltiplo e na criança devido a cistinose ou doença de Wilson, que se traduz por glicosúria, aminoacidúria e hipouricemia com acidose tubular renal tipo 2, além de hiperfosfatúria. 228 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio QUADRO CLÍNICO Sistema Cardiopulmonar A hipofosfatemia causa uma variedade de sinais e sintomas. O quadro clínico é decorrente da diminuição dos níveis de 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG) e de compostos energéticos fundamentais à base de fósforo que mantêm o metabolismo celular (adenosina trifosfato-ATP). Os pacientes sintomáticos apresentam níveis de Pi abaixo de 1,0 mg/dl. As condições clínicas mais associadas à sintomatologia são: alcoolismo crônico, hiperalimentação sem fosfato e ingestão crônica de antiácidos. A cetoacidose diabética e a hiperventilação causam hipofosfatemia grave, porém em menor freqüência por não causar uma depleção crônica. Os principais sistemas atingidos com suas respectivas repercussões clínicas serão descritos adiante.2,21,26,27,28 A depleção de ATP prejudica a contratilidade miocárdica, levando à insuficiência cardíaca de baixo débito, podendo levar à falência miocárdica franca quando os níveis de fósforo atingem limites inferiores a 1,0 mg/dl. O acometimento da musculatura diafragmática e insuficiência respiratória podem acontecer em casos graves de hipofosfatemia.21 Disfunção Hematológica Hemácias. A diminuição intracelular do ATP leva a uma maior rigidez do eritrócito, promovendo a hemólise quando as concentrações de fósforo são inferiores a 0,5 mg/dl. Leucócitos. Também a diminuição do ATP intracelular leva a defeitos na fagocitose e quimiotaxia. Plaquetas. Trombocitopenia com defeitos na retração do coágulo é observada. Sistema Nervoso Central Um quadro de encefalopatia metabólica pode ocorrer, levando a sintomas de irritabilidade, confusão mental, estupor e até mesmo coma, por provável mecanismo de hipóxia. Sistema Músculo-esquelético Os músculos necessitam de grande quantidade de ATP para manter atividades de contração e manutenção de potencial de membrana, que são prejudicadas pela hipofosfatemia. A hipofosfatemia crônica leva a um acúmulo de água, sódio e cloro no interior da célula. O quadro clínico pode apresentar-se como uma miopatia proximal ou disfagia (atingindo a musculatura lisa). A rabdomiólise pode ocorrer quando a hipofosfatemia aguda acontece em um paciente que já apresenta depleção prévia de fósforo. Tais situações são vistas no alcoolismo crônico e em pacientes recebendo hiperalimentação sem suplemento de fósforo. Elevação da creatinina fosfoquinase aponta para necrose muscular.29 Sistema Ósseo A hipofosfatemia leva a um aumento de calcitriol que dá origem a uma maior reabsorção óssea, levando à hipercalciúria pela liberação de cálcio do osso. Hipofosfatemia prolongada leva ao raquitismo na infância e à osteomalácia no adulto, por defeitos na mineralização óssea.30 DIAGNÓSTICO Na maioria das vezes a causa da hipofosfatemia é aparente, pelos dados de história e exame físico. Quando a depleção de fosfato se estabelece, a reabsorção renal é máxima: sendo assim, podem-se diferenciar as situações clínicas calculando-se a fração excretora de fósforo ou medindo-se a sua concentração urinária nas 24 horas. A fração excretora de fósforo é calculada da seguinte maneira: Fep fósforo urinário creatinina plasmática 100 fósforo plasmático creatinina urinária Uma fração excretora de fósforo abaixo de 5% ou uma concentração urinária menor que 100 mg na urina de 24 horas afasta o diagnóstico de perda renal de fosfato. As principais causas envolvidas nesta situação se devem ou a um desvio intracelular de fósforo ou a uma diminuição da absorção intestinal. O desvio intracelular aumentado acontece mais freqüentemente se o paciente recebeu infusões de glicose ou insulina, como no tratamento do diabetes mellitus descompensado ou realimentação. A alcalose respiratória se encontra dentro das principais causas. Diarréia crônica, uso de antiácidos ou deficiência de vitamina D são as principais causas de má absorção. Quando a fração excretora de fósforo é maior que 20% ou a urina de 24 horas apresenta uma concentração maior que 100 mg, a perda renal de fosfato está presente, devendo-se investigar como causas principais hiperparatireoidismo primário e secundário (hipercalcemia, hipofosfatemia, perda urinária de fósforo), defeitos tubulares já anteriormente descritos, como a síndrome de Fanconi, raquitismo resistente à vitamina D (na criança) e osteomalácia oncogênica no adulto.1,2,21,25 Os sintomas de hipofosfatemia se iniciam quando os níveis séricos de fósforo atingem níveis inferiores a 1,5 mg/ dl; a maioria dos pacientes hipofosfatêmicos são assintomáticos, de maneira que o tratamento da causa subjacente é o principal objetivo. Por outro lado, nos pacientes sintomáticos, ou nos que tenham defeitos tubulares crônicos e que venham a desenvolver hipofosfatemia, a correção com suplementos à base de fósforo deve ser feita. O fósforo dosado no plasma é a forma elementar (inorgânico), e o fosfato se encontra nos sistemas biológicos, embora na prática não se faça esta distinção. A concentração plasmática de fosfato (2,5 a 4,5 mg/dl) é medida em 229 capítulo 13 mg/dl ou mmol/L, sendo que a conversão de uma unidade em outra obedece aos seguintes cálculos:2 1 mmol de fosfato 31 mg de fósforo elementar 1 mmol de fosfato 3,1 mg/dl de fósforo 1 mg de fósforo 0,032 mmol de fosfato 1 mg/dl de fósforo 0,32 mmol/L de fosfato A reposição é preferível na forma oral, já que a reposição endovenosa apresenta riscos de precipitação com cálcio, insuficiência renal e arritmias cardíacas. A administração oral se dá numa dose de 2,5 a 3,5 g (80 a 110 mmol) diários em doses divididas. Valores séricos abaixo de 1,0 mg/dl podem causar danos importantes ao paciente, como rabdomiólise, sendo a administração endovenosa necessária.58 No paciente sintomático a administração endovenosa não deve ultrapassar 2,5 mg (0,08 mmol/L)/kg a cada 6 horas, com monitorização dos níveis de fósforo, cálcio, potássio e magnésio a cada 6 horas, podendo a dose ser dobrada se as manifestações clínicas são muito graves. A infusão deve ser suspensa quando os níveis de fósforo atingem 2,0 mg/dl e os de cálcio estão menores que 8,0 mg/dl.1,2,21,25 FORMAS DE APRESENTAÇÃO Intravenosa Fosfato de Potássio. Cada ml contém 3 mmol de fosfato (93 mg de fósforo) e 4,4 mEq de potássio. Ampola de 5 ml e 15 ml são disponíveis. Fosfato de Sódio. Cada ml contém 3 mmol de fosfato (93 mg de fósforo) e 4 mEq de sódio. Ampolas de 15 e 30 ml são disponíveis. Via Oral K/Phos Neutro. Cada tablete possui 250 mg de fósforo, 13 mEq de sódio e 1,1 mEq de potássio. Pontos-chave: • Hipofosfatemia: Fósforo 2,5 mg/dl • Freqüente em alcoólatras • Diagnóstico através do quadro clínico e exame físico • Fração excretora de fósforo auxilia o diagnóstico • Dieta geralmente é o suficiente para tratar o déficit • Quando presentes sintomas graves, preferir a reposição endovenosa • Dipiridamol parece elevar os níveis de fósforo Neutra-Phos. 75 ml de solução contém 250 mg e fósforo e 7,1 mEq de sódio e potássio. Neutra-Phos-K. Cada cápsula ou 75 ml de solução contém 350 mg de fósforo e 14,2 mEq de potássio. Prie demonstrou que o uso de dipiridamol na dose de 75 mg quatro vezes ao dia pode ser útil para aumentar os níveis de fósforo em pacientes com aumento idiopático da fosfatúria.69 Hiperfosfatemia INTRODUÇÃO A hiperfosfatemia, na maioria das vezes, é resultado da incapacidade dos rins em excretar, de maneira eficiente, o fosfato do organismo. Em indivíduos normais, elevações na ingesta de fósforo não acarretam elevações similares na concentração plasmática. A hiperfosfatemia é diagnosticada quando o nível plasmático de fósforo se encontra acima de 4,5 mg/dl.1,2,22 CAUSAS As principais causas de hiperfosfatemia são conseqüências de: • Aumento da ingesta • Diminuição de sua excreção • Desvios intracelulares de fósforo. A seguir se discutirão as principais causas dos distúrbios e suas conseqüências clínicas (v. Quadro 13.9). Quadro 13.9 Causas de hiperfosfatemia DIMINUIÇÃO NA EXCREÇÃO RENAL Insuficiência renal • aguda • crônica Hipoparatireoidismo Pseudo-hiperparatireoidismo Acromegalia Difosfonatos Calcinose tumoral DESVIOS TRANSCELULARES Infecções Estados hipercatabólicos Leucose/leucemia Acidose metabólica e respiratória Síndrome de esmagamento (rabdomiólise) Hipertermia Anemia hemolítica PSEUDO-HIPERFOSFATEMIA Paraproteinemias Mieloma múltiplo Macroglobulinemia de Waldenström Hiperlipidemia Refrigeração prolongada Contaminação por heparina sódica 230 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio Diminuição na Excreção Insuficiência Renal. A hiperfosfatemia acontece quando o ritmo de filtração glomerular cai em torno de 20 a 25 ml/min, mantendo-se uma ingesta normal de fósforo. Na insuficiência renal crônica, a carga de fósforo filtrada por néfron aumenta, porém à custa da elevação dos níveis plasmáticos. Já na insuficiência renal aguda, quando há uma queda repentina do ritmo de filtração glomerular, este fenômeno compensatório não acontece, observando-se maiores elevações nos níveis plasmáticos de fósforo. Hipoparatireoidismo. As situações clínicas de deficiência na produção ou resistência na ação do PTH (pseudohipoparatireoidismo) levam à hiperfosfatemia. A diferenciação entre estas duas situações clínicas se dá pela medida dos níveis de PTH (que se encontram elevados no pseudo-hipoparatireoidismo) e pela medida do AMP cíclico urinário (diminuído no hipoparatireoidismo). Acromegalia/Hipertireoidismo. Cerca de um terço dos pacientes com hipertireoidismo podem apresentar hiperfosfatemia leve devido a uma maior reabsorção tubular e óssea de fósforo. Na acromegalia por ação do hormônio de crescimento se dá uma maior reabsorção tubular e óssea de fósforo. Na acromegalia por ação do hormônio de crescimento se dá uma maior reabsorção tubular e óssea de fósforo, porém na maioria das vezes de forma discreta, sem repercussão clínica.33 Drogas. Os bifosfonatos usados no tratamento da hipercalcemia e doença de Paget diminuem a excreção, bem como provocam desvios intracelulares de fósforo, elevando seus níveis séricos. Outras medicações, como uso abusivo de enemas e laxativos à base de fósforo, bem como a administração endovenosa de fosfato e derivados de vitamina D (calcitriol) em portadores de insuficiência renal, são outras causas bem estabelecidas. Calcinose Tumoral. É uma síndrome rara, encontrada em pacientes jovens da raça negra que apresentam calcificações ao longo de suas articulações. Trata-se de uma anormalidade genética causada por um aumento na reabsorção tubular de fósforo. Os níveis de cálcio e PTH são normais, porém há elevação dos níveis de calcitriol. O fósforo forma complexos com o cálcio causando hipocalcemia. Os níveis de cálcio permanecem normais devido a uma maior reabsorção no néfron distal, não havendo evidência de hipoparatireoidismo ou pseudo-hipoparatireoidismo. Desvios Intracelulares de Fósforo Sendo o fósforo o ânion predominante no espaço intracelular, o intenso catabolismo celular ou sua destruição permite a passagem de fósforo do interior da célula para o meio extracelular. Situações clínicas que provocam necrose celular, tais como hepatite fulminante, hipertermia maligna e síndrome de esmagamento com rabdomiólise, causam hiperfosfatemia. A terapia citotóxica em doenças hematológicas, como a leucemia linfoblástica aguda e linfomas, provoca a cha- mada síndrome de lise tumoral, caracterizada por hiperfosfatemia, hipocalcemia, hiperuricemia e hiperpotassemia. Quando existe precipitação de ácido úrico nos túbulos renais, ocorre insuficiência renal, podendo agravar a hiperfosfatemia. Na cetoacidose diabética, apesar de haver uma diminuição do fósforo corporal total devido à diurese osmótica, há um desvio de fósforo (Pi) do intracelular para o extracelular (v. hipofosfatemia), revertido com o tratamento e que posteriormente evolui para hipofosfatemia.1,2,22,32 A acidose metabólica provoca um maior metabolismo do fósforo orgânico para inorgânico e conseqüente liberação para o extracelular.2 PSEUDO-HIPERFOSFATEMIA Situações como a hemólise durante a coleta de sangue, ou a presença de gamopatias monoclonais (provocando uma maior ligação do fósforo com as paraproteínas), podem causar elevações falsas dos níveis plasmáticos.35 QUADRO CLÍNICO As manifestações clínicas da hiperfosfatemia se dão em função de sua ação sobre os níveis de cálcio sérico, PTH, calcitriol e na ação inibitória sobre a atividade da 1α-hidroxilase. A hiperfosfatemia grave leva à hipocalcemia, devido aos depósitos de cálcio e fósforo nos tecidos moles, além do efeito inibitório sobre o calcitriol. Este processo de deposição é visto quando o produto cálcio e fósforo ultrapassa o valor de 70 (normal de 40), e a calcificação se dá nos vasos sanguíneos, pulmão, córnea, rins, pele e mucosas.2,22,32,33 A síndrome do olho vermelho, devido à calcificação da córnea, e deposição periarticular atingindo articulações dos dedos, costelas e ombros são outros achados. A hipocalcemia sintomática aparecerá, levando a convulsões em casos graves de hiperfosfatemia. Mesmo assim, elevações súbitas dos níveis de fósforo, que atinjam 6 mg/ dl, podem causar sintomas.2 Pontos-chave: • A insuficiência renal é a principal causa de hiperfosfatemia • Sendo o fósforo o principal ânion intracelular, situações clínicas de destruição celular (ex., rabdomiólise) se acompanham de hiperfosfatemia TRATAMENTO Os princípios do tratamento da hiperfosfatemia são aqueles que procuram atingir a causa subjacente do distúrbio, diminuindo a absorção e promovendo a maior excreção renal deste íon. Em pacientes que apresentam função 231 capítulo 13 renal normal, o aumento da ingesta de fósforo raramente causa hiperfosfatemia. Na síndrome de lise tumoral, quando da quimioterapia, a promoção de uma diurese vigorosa (como aquela promovida na hipercalcemia), com infusão de solução salina e uso de acetazolamida 15 mg/kg ou 500 mg a cada 6 horas, diurético que alcaliniza a urina impedindo a precipitação de cristais de ácido úrico e promovendo a natriurese, é eficaz na produção de uma maior excreção de fósforo.2,22 Nos pacientes portadores de insuficiência renal crônica, quando o ritmo de filtração glomerular atinge 20 a 25 ml/min, a restrição da ingesta de fósforo em 600 a 900 mg/ dia se faz necessária, porém a utilização de substâncias que se liguem ao fósforo na luz intestinal (quelantes), impedindo a sua absorção, é de uso corriqueiro.34 O hidróxido de alumínio na dose de 500 a 1.800 mg 3 a 6 vezes por dia com as refeições ou 20 minutos após as refeições está indicado para pacientes com hiperfosfatemia visando à redução mais rápida dos níveis séricos de fósforo. As formas de apresentação podem ser cápsulas, líquido, suspensão e tabletes. As cápsulas se apresentam nas doses de 400 mg ou 500 mg; líquido, 600 mg/5 ml; suspensão oral, 320 mg/5 ml, 450 mg/5 ml ou 675 mg/5 ml; e tabletes de 300 mg, 500 mg ou 600 mg.51,63 No Brasil a forma mais comum de apresentação parece ser a suspensão oral. O carbonato de cálcio na dose de 8,5 g (variando de 2,5 a 20 g/dia), com efeito máximo de 1 g junto às refeições, liga-se ao fosfato tanto exógeno como endógeno (secretado pelo pâncreas e parótidas) na luz intestinal e inibe de maneira eficaz a absorção do fósforo.1,2,22,34 A dose de carbonato de cálcio é aumentada gradualmente até o fósforo plasmático atingir uma concentração entre 4,5 e 5,5 mg/ dl. Hipercalcemia é uma complicação comum com o uso de carbonato de cálcio, ocorrendo mais freqüentemente quando usadas preparações de vitamina D (calcitriol).62,63 O uso crônico de hidróxido de alumínio em pacientes em hemodiálise pode levar à intoxicação por este metal, com quadro de encefalopatia, osteomalácia resistente à vitamina D, anemia e miopatia, devendo-se fazer substituição pelo carbonato de cálcio. Quando há hipercalcemia, cálcio em torno de 11 mg/dl com hiperfosfatemia persistente em níveis elevados, o acréscimo de hidróxido de alumínio deve ser feito por um período provisório até o melhor controle de cálcio e fósforo.22 Um novo agente não contendo cálcio, alumínio e magnésio, assim evitando os problemas das medicações contendo estes íons, está sendo usado com bons resultados. O sevelamar é um polímero catiônico que quela o fósforo por troca iônica. Trabalhos mostraram que o sevelamar foi tão efetivo quanto os quelantes habitualmente usados, como carbonato de cálcio ou acetato de cálcio, não alterando a concentração plasmática de cálcio e controlando os níveis de fósforo. Também foi constatado um efeito na redução dos níveis de colesterol total. O uso de sevelamer (Rena- gel®) fica reservado, geralmente, para pacientes com hipercalcemia, devido aos seus custos.64,65,68 Em pacientes portadores de hipoparatireoidismo, a administração de PTH aumentaria a excreção de fosfato urinário, porém o uso a longo prazo determina a formação de auto-anticorpos, limitando sua ação terapêutica. A importância de sua utilização se dá na diferenciação do hipoparatireoidismo primário do pseudo-hipoparatireoidismo, quando se mede o fósforo urinário nestas duas situações, após sua administração. Observar-se-á que, no pseudo-hiperparatireoidismo, não há aumento na excreção urinária de fósforo, ao contrário do que ocorre no hipoparatireoidismo. Os genes responsáveis pelo transporte fosfato-sódio dependente foram recentemente isolados. Novas drogas estão sendo estudadas para tratar a hiperfosfatemia. Estas drogas atuam nos transportadores fosfato-sódio, como o ácido fosfomórfico (PFA), que inibe o transporte fosfatosódio-dependente no túbulo renal. Em ratos esta droga aumentou a fração de excreção de fósforo, resultando em melhora dos valores séricos. O uso de PFA em humanos é limitado pela toxicidade renal.66,67 Pontos-chave: • Hiperfosfatemia: Fósforo 4,5 mg/dl • Quadro clínico: Semelhante à hipocalcemia. Predomínio de sintomas neurológicos. Depósitos nos tecidos moles quando produto cálcio fósforo 70 • Tratamento da causa. Restrição dietética de fósforo. Evitar prescrever hidróxido de alumínio devido a doença óssea relacionada ao alumínio. Uso restrito para redução rápida do fósforo • Sevelamer: Uso na presença de hipercalcemia concomitante MAGNÉSIO Homeostase do Magnésio DISTRIBUIÇÃO O magnésio (Mg) é o quarto íon mais abundante do organismo, sendo a nível intracelular o segundo mais prevalente, após o potássio. Um adulto normal possui cerca de 24 g de Mg, sendo a fração sérica muito pequena em relação ao magnésio corporal total, distribuindo-se da seguinte maneira: • 60% nos ossos • 39% no espaço intracelular • 1% no espaço extracelular. 232 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio No plasma cerca de 60% do magnésio se encontram livres (fração iônica),30 35% ligados às proteínas e 5 a 10% formando complexos com bicarbonato, citrato e fosfato. Néfron Justamedular Néfron Cortical Superficial UNIDADES DE MEDIDA O magnésio é mensurado em três unidades; mmol/L, mg/dl e mEq/L. 1 mEq/L corresponde a 0,5 mmol/L e 1,2 mg/dl. O valor definido como normal para a concentração sérica de magnésio é de 1,4 a 1,7 mEq/L. ABSORÇÃO, EXCREÇÃO E BALANÇO INTERNO Absorção Intestinal A dieta habitual de Mg é de aproximadamente 4 mg/ kg/dia. Deste total, 25 a 60% são absorvidos no intestino delgado. Os mecanismos envolvidos neste processo são: difusão passiva e difusão facilitada. O movimento de água na luz intestinal tem papel relevante na absorção de Mg. Os principais fatores que influenciam na absorção intestinal de magnésio são: • proteínas, carboidratos, sódio, água e vitamina D ⇒ estimulam a absorção • fosfato ⇒ inibe a absorção. A quantidade de magnésio na dieta é de fundamental importância, pois dietas com baixo teor de magnésio aumentam a capacidade de absorção intestinal em até 90% do total ingerido. A excreção diária de magnésio é em torno de 30 a 40 mg/dia pelas fezes.1,2,36 Rins O Mg difere da absorção de outros ânions pelo fato de o túbulo contornado proximal não ser o responsável principal pela sua reabsorção e sim a alça de Henle (ramo ascendente espesso). Do total de 3.400 mg/dia de Mg filtrado, 15 a 25% são reabsorvidos no TCP e 5 a 10% no túbulo distal, sendo o restante na alça de Henle.1,2,36 Os mecanismos responsáveis pela absorção de magnésio na alça de Henle não estão completamente estabelecidos, porém o transporte paracelular por difusão devido a um gradiente elétrico favorável, gerado pela reabsorção de cloreto de sódio, é a teoria mais aceita.36 A reabsorção paracelular parece ser facilitada por uma proteína chamada paracelin 1 (PCLN-1). A perda de magnésio estaria relacionada a mutações no gene da proteína PCLN-1, que estão localizadas na alça espessa de Henle.52 A ação do PTH, aumentando a reabsorção local, é um fator relevante no transporte deste íon no ramo ascendente espesso da alça de Henle. Também o transporte passivo de Mg se dá devido a um gradiente eletronegativo no interior da célula, gerado por uma concentração intracelular de magnésio de 1,0 mEq/L, facilitando o transporte do lúmen tubular para o interior da célula.2,36 Fig. 13.2 Demonstração das áreas de reabsorção de magnésio no néfron justamedular e néfron cortical superficial. A célula tubular da alça de Henle na membrana basolateral possui um processo ativo de transporte de Mg para fora da célula, através de bomba ativa ou troca de Na por Mg. No túbulo proximal, a absorção do magnésio é de 15 a 25%, sendo o mecanismo unidirecional e dependente da quantidade de magnésio na luz tubular. Já no túbulo distal, 10% do Mg filtrado é ofertado a este segmento, onde somente uma pequena fração é reabsorvida, através de canais de magnésio da membrana luminal e com mecanismos na membrana basolateral semelhantes àqueles da alça de Henle.1,2,36 Ponto-chave: • Reabsorção de magnésio: Principalmente no ramo espesso da alça de Henle (70 a 75%), ao contrário de outros íons FATORES QUE INFLUENCIAM A EXCREÇÃO DE MAGNÉSIO Os principais fatores envolvidos na excreção do magnésio são: Hipo- e Hipermagnesemia. A concentração de magnésio plasmático é a principal responsável pela excreção urinária, principalmente no segmento cortical ascendente da alça de Henle. A hipermagnesemia diminui a reabsorção, ao contrário da hipomagnesemia. Há alguma evidência de que a concentração intracelular de Mg regula esta resposta, modificando o número de canais de Mg na membrana luminal.36 Hipo- e Hipercalcemia. A hipercalcemia parece aumentar a excreção de magnésio devido ao fato de o cálcio com- capítulo 13 petir com o transporte passivo de magnésio. Por outro lado, a hipocalcemia pode aumentar a reabsorção de Ca e Mg. Este fato se reflete nos pacientes portadores da síndrome de hipercalcemia hipocalciúrica que apresentam hipermagnesemia devido à ausência do efeito inibitório da hipercalcemia na reabsorção de magnésio. PTH. Como já foi visto, o PTH aumenta a reabsorção de magnésio, principalmente na alça de Henle. Diuréticos. Tanto os diuréticos de alça como os tiazídicos e diuréticos osmóticos causam hipermagnesiúria, principalmente por diminuir o transporte de sódio, cloro e cálcio.38 Expansão de Volume. A expansão de volume causa uma diminuição na reabsorção de sódio, água e magnésio, por um aumento do fluxo tubular que chega à alça de Henle, gerando um menor gradiente elétrico transtubular comprometendo a reabsorção. Ossos. Aproximadamente 60% do magnésio total se encontra nos ossos, na superfície óssea na forma de cristais, pronto para a mobilização em estados de deficiência. A hipocalcemia que se dá em situações de hipomagnesemia pode em parte ser explicada pela troca a nível da superfície óssea do cálcio pelo magnésio.1,2,36 FUNÇÕES DO MAGNÉSIO NO ORGANISMO O magnésio participa de múltiplas funções no organismo. É importante para a ação de cerca de 300 enzimas, na glicogenólise e respiração celular, nas funções da membrana e aderência celular, transporte transmembrana de sódio, potássio e cálcio. Participa das funções de contração e relaxamento muscular, neurotransmissão e condução do potencial de ação e influencia na função de proteínas e mitocôndrias. Também auxilia na estrutura do ribossomo e na ligação do RNA mensageiro ao ribossomo.70,71 Hipomagnesemia Define-se hipomagnesemia quando a concentração sérica de magnésio é menor que 1,4 mEq/L (0,7 mmol/L ou 1,7 mg/dl). A incidência deste distúrbio chega a 12% dos pacientes hospitalizados, chegando em unidades de tratamento intensivo a 65%. Desnutrição, hipoalbuminemia e uso de aminoglicosídeos contribuem para esta maior incidência, nas unidades de tratamento intensivo.37,44 CAUSAS Há três mecanismos principais causando a hipomagnesemia: redução na absorção intestinal, aumento da perda urinária e desvio intracelular do íon. As causas principais de hipomagnesemia se encontram no Quadro 13.10. Perdas Gastrintestinais As principais causas de perdas gastrintestinais se devem a quadros de má absorção intestinal, como o espru tropi- 233 Quadro 13.10 Causas principais de hipomagnesemia PERDAS GASTRINTESTINAIS Diarréia, pancreatite aguda, síndrome do intestino curto, hipomagnesemia intestinal primária, esteatorréia PERDAS RENAIS Diuréticos (de alça e tiazídicos), cisplatina, aminoglicosídeos, anfotericina B, pentamidina, ciclosporina Álcool Expansão de volume Hipercalcemia Transplante renal Diurese pós-obstrutiva Síndrome de Bartter Perda renal primária de magnésio MISCELÂNEA Síndrome do osso faminto Foscarnet Pós-operatório cal, ressecção intestinal, fístulas biliares, causadoras de perdas significativas de magnésio. Outras condições, como a pancreatite aguda, causam deficiência de magnésio. A esteatorréia, outra situação de perda gastrintestinal, forma “sabões” na luz intestinal, com perda de magnésio. Aspiração nasogástrica contínua sem reposição concomitante de magnésio causa hipomagnesemia, já que o fluido gástrico tem aproximadamente 1 mEq/L de magnésio. Outra situação mais rara é um erro inato do metabolismo caracterizado por deficiência seletiva na absorção de magnésio, sendo que esta desordem se apresenta no período neonatal, quando ocorre hipocalcemia, que se corrige com reposição de magnésio. O desenvolvimento de hipomagnesemia por ingestão diminuída é uma causa rara do distúrbio. O abuso de laxativos e diarréia crônica são outras causas.2,36,37,45 Perdas Renais As perdas renais de magnésio se dão ou por defeitos tubulares específicos no transporte de magnésio, ou por defeitos tubulares específicos no transporte de sódio, com conseqüente déficit na reabsorção de magnésio nos segmentos do néfron onde ocorre o transporte passivo de sódio e magnésio.36,45 Diuréticos. Os diuréticos de alça e os tiazídicos inibem a reabsorção de magnésio, enquanto os poupadores de potássio aumentam o transporte de magnésio do lúmen tubular para o interior da célula no túbulo coletor. A diurese osmótica, provocada por estados de hiperglicemia, e a diurese pós-obstrutiva causam perdas de magnésio na urina.2,36,41 Nefrotoxinas. Os aminoglicosídeos causam hipomagnesemia, hipocalcemia e hipopotassemia. A cisplatina é 234 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio outra droga que causa hipomagnesemia, chegando a 50% dos pacientes em algumas séries. Outras drogas são a anfotericina B, que causa acidose tubular renal e hipomagnesemia leve, e a ciclosporina, que ocasiona perda renal de magnésio após transplante renal e de medula óssea.1,2,36,43,45 Álcool. Vários mecanismos estão envolvidos no desenvolvimento de hipomagnesemia nos pacientes etilistas: diarréia, baixa ingestão e efeito direto do álcool no túbulo renal, causando perda urinária de magnésio. Hipercalcemia. Cálcio e magnésio parecem competir pelo mesmo local de reabsorção no ramo espesso ascendente da alça de Henle, onde a hipercalciúria nesta situação provoca maior perda de magnésio na urina. Isto pode ser comprovado pela hipomagnesemia leve encontrada no hiperparatireoidismo primário.2,36 Disfunção da Alça de Henle. Disfunções aí localizadas, como na fase de recuperação da necrose tubular aguda, diurese pós-obstrutiva e na síndrome de Bartter (defeito congênito que promove a perda renal de potássio, alcalose metabólica, hipercalciúria e hipomagnesemia).45 Expansão de Volume. O maior exemplo é o que acontece nos estados de hiperaldosteronismo cuja expansão do volume extracelular leva a um menor efeito de reabsorção do magnésio através de seus mecanismos passivos. Miscelânea. Dentre outras causas, destacamos a cetoacidose diabética antes do tratamento, pelo quadro hipercatabólico, e a perda urinária devida à diurese osmótica intensa. Na síndrome do osso faminto pós-tireoidectomia com ressecção inadvertida da paratireóide ou paratireoidectomia pode ocorrer uma maior deposição de magnésio ao nível ósseo. Na insuficiência renal crônica, acidose tubular renal e nefrite intersticial, pode-se observar uma perda maior de magnésio na urina.1,2,36,41,43,44,45 Outros estudos demonstram que a administração de magnésio após eventos isquêmicos nas primeiras 24 horas diminui a incidência de arritmias neste período. O risco de intoxicação digitálica pode ser observado na hipomagnesemia, pela perda intracelular de potássio. Isto decorre do fato de que a diminuição na concentração de magnésio intracelular provoca uma diminuição na atividade do ATP, responsável por inibir a secreção de potássio do interior da célula, abrindo-se os canais permeáveis ao potássio com conseqüente secreção deste para o interior do lúmen tubular. A hipocalemia se desenvolve e só é corrigida com a reposição concomitante de magnésio.39 O papel que desempenha o magnésio na patogênese da hipertensão arterial é investigado, parecendo haver uma correlação inversa entre a ingestão de magnésio e a incidência de hipertensão.2,36 Hipocalcemia. O sinal mais proeminente de hipomagnesemia grave é a hipocalcemia, onde são encontrados níveis de PTH normais ou baixos. A hipomagnesemia suprime a secreção de PTH, aumenta a resistência óssea ao hormônio e diminui os níveis de AMPc em resposta à ação do PTH.2,36,42,45 QUADRO CLÍNICO Onde U e P são as amostras das concentrações urinária e plasmática de magnésio e creatinina, respectivamente. A concentração plasmática de magnésio é multiplicada por 0,7 devido ao fato de 70% do magnésio se encontrar livre no plasma; este produto é então multiplicado pela concentração urinária de creatinina. A coleta da amostra para determinação do magnésio sérico pode alterar-se quando ocorre hemólise, elevando in vitro a sua concentração. Para cada 1 g/L de queda de hemoglobina por lise, há elevação de 0,05 mmol/L. Valores de FE Mg maiores que 2% ou magnésio medido nas 24 horas maior que 10 mg representam perdas devido ao uso de drogas (aminoglicosídeos, cisplatina, diuréticos).1,2,44 O quadro clínico da hipomagnesemia é acompanhado na maioria das vezes por outros distúrbios metabólicos, como hipopotassemia, hipocalcemia e alcalose metabólica, além de depender da velocidade de instalação do distúrbio. Manifestações Neuromusculares. A tetania é um achado comum, quando associada a hipocalcemia, sendo rara na ausência deste distúrbio. O sinal de Chvostek é mais comum que o de Trousseau na hipomagnesemia. Convulsões, tremores e mioclonia também são outros achados.2 Os sinais neuromusculares são mais comuns em etilistas e pacientes com má absorção intestinal. Manifestações Cardiovasculares. As manifestações cardiovasculares mais importantes são as arritmias ventriculares, especialmente durante os fenômenos isquêmicos. Muitos estudos não controlados têm apontado uma maior incidência de arritmias ventriculares em pacientes com hipomagnesemia do que com níveis normais de magnésio.42,45 DIAGNÓSTICO A hipomagnesemia deve ser suspeitada na presença de: diarréia crônica, uso de diuréticos, hipocalcemia, hipopotassemia refratária, arritmias ventriculares particularmente após eventos isquêmicos. Para diferenciar se a causa da hipomagnesemia é de origem renal ou gastrintestinal, deve-se medir a excreção de magnésio nas 24 horas. A medida em 24 horas e não em uma amostra é importante devido às variações diurnas na excreção do magnésio.53 A fração de excreção de magnésio se calcula através da seguinte fórmula: FE Mg MgU CrP / (0,7 MgP) CrP TRATAMENTO A hipomagnesemia leve (níveis em torno de 1,4 mg/dl a 1,7 mg/dl) não necessita de tratamento, mas de correção da causa subjacente. Alguns autores recomendam terapia oral com tabletes de magnésio para pacientes assintomáti- capítulo 13 cos. O uso de 2 a 4 tabletes com 5 a 7 mEq por tablete parece ser suficiente. Nos casos mais severos deve-se aumentar para 6 a 8 tabletes. Já em casos de emergência, pacientes apresentando convulsões ou tetania, as primeiras medidas são infusão de 200 mg (8,2 mmol) de sulfato de magnésio a 50%, ou 4 ml de MgSO4 a 50% em 100 ml de solução salina isotônica, devendo ser administrados em 10 minutos e os níveis de magnésio novamente medidos em 30 minutos. Pode ser repetida a dose quando necessário.1,2,36 Em casos menos urgentes, uma infusão constante de 0,5 mmol/kg nas 24 horas ou 2 ml de sulfato de magnésio a 50% (4,1 mmol ou 100 mg) intramuscular a cada 3 ou 4 horas podem ser administrados no primeiro dia, com posterior redução da dose. Outra forma de reposição, quando há presença de arritmia ou tetania, é realizar a infusão de 50 mEq de magnésio via endovenosa em 8 a 24 horas, com o intuito de manter a concentração de magnésio acima de 1,0 mg/dl. Em pacientes sob nutrição parenteral, a adição de 4,1 mmol (100 mg) previne o desenvolvimento de hipomagnesemia. Adultos com perda intestinal podem receber terapia oral na dose de 240 a 720 mg/dia.1,36,45 Como o magnésio plasmático é o principal responsável pela reabsorção renal, elevações abruptas no plasma podem levar à eliminação de 50% do magnésio infundido, pela abolição do estímulo de conservação do magnésio.36 Pontos-chave: • Hipomagnesemia geralmente é acompanhada de outros distúrbios metabólicos, como hipocalcemia e hipopotassemia. A hipocalcemia é um indicador de gravidade da hipomagnesemia • Hipomagnesemia leve: sem tratamento • Hipomagnesemia com sintomas severos: terapia endovenosa Hipermagnesemia DEFINIÇÃO Define-se hipermagnesemia quando os níveis de magnésio são superiores a 2,1 mEq/L (1 mmol/L ou 2,6 mg/ dl). Em indivíduos com ingestão normal, ao redor de 3% do magnésio ingerido é excretado na urina, em especial no ramo ascendente espesso da alça de Henle.2,48,49 CAUSAS DE HIPERMAGNESEMIA As causas principais de hipermagnesemia encontramse no Quadro 13.11. Como o aumento de magnésio não possui um sistema hormonal regulador e o rim é o principal responsável pela sua excreção, a hipermagnesemia se 235 Quadro 13.11 Causas principais de hipermagnesemia AUMENTO DA INGESTA • Administração excessiva de magnésio: oral, retal; rara em pacientes com função renal normal DIMINUIÇÃO DA EXCREÇÃO RENAL • Aumento da ingesta de substâncias que contenham magnésio, como antiácidos, laxativos, lítio, diuréticos, poupadores de potássio • Conteúdo alto de magnésio no dialisado OUTRAS CAUSAS • Hiperparatireoidismo primário • Hipercalcemia hipocalciúrica familiar • Cetoacidose diabética • Estados hipercatabólicos • Tratamento da intoxicação por teofilina • Síndrome álcali-leite • Insuficiência supra-renal desenvolverá em casos de insuficiência renal ou devido ao abuso de magnésio administrado sob a forma oral (antiácidos e laxativos), enema ou endovenosa.1,2,48,49,50 Insuficiência Renal. Como se sabe, o rim tem grande capacidade de excretar o excesso de magnésio do organismo. Desta maneira, a hipermagnesemia acontece nos pacientes portadores de insuficiência renal crônica e em pacientes que estão em hemodiálise. O uso, nesta população, de antiácidos, enemas e dialisados com alta concentração de magnésio são causas deste distúrbio. Aumento da Ingestão. Em pacientes com função renal normal, a administração excessiva de magnésio por via oral, retal ou endovenosa pode ser responsável pelo aumento dos níveis de magnésio no plasma. O exemplo clássico é o tratamento da eclâmpsia, quando níveis de 6 a 8,5 mg/dl podem causar hipocalcemia materna (inibição da liberação de PTH) e hipopotassemia neonatal. Quantidades substanciais de magnésio são absorvidas pelo intestino grosso na forma de enemas. Por exemplo, 400 a 800 mmol/d de magnésio via retal aumentam a concentração plasmática de 7,2 até 19,2 mg/dl. Outras Causas. A insuficiência supra-renal e o hiperparatireoidismo têm sido relatados como causa de hipermagnesemia, por provocarem contração de volume plasmático no primeiro caso e pelo efeito direto do PTH no segundo, aumentando a reabsorção tubular de magnésio. A hipercalcemia diminui a reabsorção renal de magnésio, contrabalançando o efeito do PTH e deixando os níveis de magnésio normais e até baixos. Nos pacientes com a síndrome familiar da hipercalcemia hipocalciúrica, a ausência do efeito inibitório do cálcio no túbulo renal provoca a hipermagnesemia. O desvio de magnésio para o extracelular pode dar-se 236 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio em casos de acidose, feocromocitoma, estados hipercatabólicos e síndrome de lise tumoral.1,2,48,49 QUADRO CLÍNICO A hipermagnesemia é uma situação rara na ausência de insuficiência renal ou administração de substâncias que contenham magnésio. A gravidade e a presença dos sintomas vão variar com a intensidade do distúrbio que, quando leve (menor que 3 mEq/L, 3,6 mg/dl ou 5 mmol/L), causa poucos sintomas. Neuromuscular. O aumento dos níveis de magnésio diminui o impulso nervoso através da junção neuromuscular, provocando um efeito curarizante. Há diminuição dos reflexos profundos, notados quando os níveis atingem 4 a 6 mEq/L (4,8 a 7,2 mg/dl ou 2 a 3 mmol/L); se houver maior elevação dos níveis plasmáticos, poder-se-ão observar quadriplegia flácida e paralisia respiratória.47 Cardiovascular. No coração o magnésio tem efeito através do bloqueio dos canais de cálcio e de potássio, levando a efeito inotrópico negativo e arritmogênico, quando sua concentração atinge 4 a 5 mEq/L (4,8 a 7,2 mg/dl ou 2,0 a 2,5 mmol/L), com conseqüente hipotensão arterial e bradicardia. Em quadros mais graves, bloqueio atrioventricular total poderá ocorrer.46 Hipocalcemia. Hipermagnesemia leve a moderada pode levar a inibição na secreção de PTH, levando a uma redução transitória na concentração de cálcio e na maioria das vezes não associada a sintomas, além de exercer um efeito bloqueador sobre os canais de cálcio.2,46,48 Hiperpotassemia. A hipermagnesemia provoca o bloqueio dos canais de secreção de potássio.2,48 TRATAMENTO A maioria dos casos de hipermagnesemia pode ser evitada, como nos renais crônicos, não utilizando produtos que contenham magnésio. Quando a função renal é normal, a parada de infusão de magnésio determina a resolução do distúrbio. Nos pacientes com quadro de risco de vida a infusão de gluconato de cálcio, 100 a 200 mg, infundido em 5 a 10 minutos, agindo como antagonista do magnésio (o magnésio é um bloqueador dos canais de cálcio), deve ser feita imediatamente. A associação de insulina e glicose aumenta a entrada de magnésio para o interior da célula.48,49 Nos pacientes em hemodiálise se fará o tratamento com um dialisado livre de magnésio.2,48,49 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 27. 28. 1. SUTTON, R.A.L., DIRKS, J.H. Disturbance of calcium and magnesium metabolism. In: Brenner, B.M., Rector Jr, F.C. The Kidney, Philadelphia: W.B. Saunders, 841, 1991. 2. BLACK, R.M.; ALFRED, H.J.; FAN, P.Y.; STOFF, J.S. Disorders of calcium, phosphorus, and magnesium. In: Rose, D.; Black, R.M. Cli- 29. 30. nical Problems in Nephrology. New York: Little, Brown and Company, 1995, 96-120. KUMAR, R. Calcium metabolism. In: Jacobson, H.R.; Stiker, G.E.; Klahr, S. The Principles and Practice of Nephrology. St Louis: Mosby, 964, 1995. MUNDY, G.R.; REASNER, C.A. Hypocalcemia. In: Jacobson, H.R.; Stiker, G.E.; Klahr, S. The Principles and Practice of Nephrology. 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É sabido que alterações dos níveis séricos do ácido úrico poderão implicar complicações sistêmicas importantes, como gota, nefropatia aguda e crônica pelo ácido úrico e litíase renal, patologias geralmente relacionadas a estados de hiperuricemia. Ou ainda, situações clínicas observadas em associação a estados de hipouricemia, a saber: na deficiência de xantina-oxidase, em doenças hepáticas, na síndrome de Fanconi, na síndrome da imunodeficiência adquirida, entre outras. É objetivo deste capítulo revisar a síntese do ácido úrico, como ocorre sua produção e excreção, as patologias decorrentes das alterações do seu metabolismo, as manifestações clínicas destas doenças e seus manejos clínicos e terapêuticos. 239 capítulo 14 METABOLISMO DAS PURINAS E SÍNTESE DO ÁCIDO ÚRICO A partir do metabolismo dos nucleotídeos das purinas é que teremos a formação do ácido úrico (Fig. 14.1). Sabe-se que a síntese das purinas dar-se-á a partir da ribose-5’-fosfato. Inicialmente ocorrerá uma aminação do 5’-fosforribosil-1’-pirofosfato (PRPP), catalisada pela enzima PRPP-sintetase. Seqüencialmente observa-se a utilização de um nitrogênio amídico da glutamina associada a uma inversão do C-1 da ribose, originando a 5’-fosforribosil-1’-amina. A partir de então esta amina será conjugada a glicina. O resultante desta reação será amidado com o nitrogênio amídico da glutamina. A etapa seguinte corresponderá a uma desidratação, dependente de ATP, e fechamento do anel originando a porção imidazólica da purina (5’-aminoimidazol-ribonucleotídeo). O 5’-aminoimidazol-ribonucleotídeo sofrerá uma carboxilação e uma amidação, formando um intermediário denominado 5’-aminoimidazol-4’-carboximida-ribonucleotídeo, que sofrerá uma Ribose-5ⴕ-Fosfato PRPP-Sintetase 5’-Fosforribosil-1ⴕ-Pirofosfato (PRPP) ⴙ Glutamina 5ⴕ-Fosforribosil-1ⴕ-Alanina Glutamina Glicina 5ⴕ-Aminoimidazol-Ribonucleotídeo Aspartato CO2 5ⴕ-Aminoimidazol-4ⴕ-Carboximida-Ribonucleotídeo Formato Ácido Guanílico H2O Ácido Inosínico Ácido Adenílico HPRT Guanosina Inosina Adenosina HPRT Guanina Hipoxantina Xantina-oxidase Guanase Xantina Xantina-oxidase Ácido Úrico Fig. 14.1 Representação esquemática: Metabolismo da purina no homem. (Baseado em Brobeck, J.; Herbert, P.N.; Hricik, D.2) 240 Metabolismo do Ácido Úrico formilação, recebendo um último átomo de carbono. Após a sua desidratação completar-se-á a síntese do ribonucleotídeo da hipoxantina, o ácido inosínico (IMP).34 Como podemos observar na Fig. 14.1, que corresponde à representação esquemática do metabolismo das purinas nos seres humanos, a partir da formação do ácido inosídico (IMP) teremos uma ramificação na via de biossíntese das purinas. Para um lado ocorrerá oxidação e aminação do IMP na dependência do ATP, originando o ácido guanílico (GMP), e para outro, dependendo agora do GTP, o IMP sofrerá aminação para originar o ácido adenílico (AMP). Seguindo-se a via de biossíntese, observamos que o ácido inosídico (IMP) passará a inosina e esta a hipoxantina, que por ação da enzima xantino-oxidase originará a xantina e esta o ácido úrico na dependência da ação da mesma enzima.34 Uma vez revisado o metabolismo das purinas, vale ressaltar que a velocidade de formação ou síntese do ácido úrico dependerá da concentração intracelular da PRPP. Portanto, é correto afirmar que uma ação maior da enzima PRPP-sintetase implicará concentração maior de PRPP e conseqüente biossíntese acelerada de purinas com maior formação de ácido úrico. Outra forma possível de aumento da PRPP seria por uma deficiência ou menor atividade da enzima hipoxantina-guanina-fosforribosil-transferase (HPRT), enzima esta responsável pela conversão da hipoxantina em IMP e da guanina em GMP.34 Segundo a literatura, cerca de 10% dos pacientes com produção aumentada de ácido úrico teriam como causa principal uma deficiência parcial de HPRT.2 Tanto esta alteração quanto a hiperatividade da PRPP-sintetase são defeitos familiares herdados como caráter ligado ao cromossomo X.3 Pontos-chave: • A maioria das espécies mamíferas tem níveis muito baixos de ácido úrico porque o mesmo é convertido em alantoína, um produto excretado e altamente solúvel • Em humanos o ácido úrico é o produto final do metabolismo das purinas porque o homólogo humano do gene uricase dos mamíferos foi modificado e não tem expressão (pseudogene) METABOLISMO DO ÁCIDO ÚRICO Produção de Ácido Úrico O ácido úrico é produzido no fígado a partir da degradação de purinas sintetizadas de forma endógena ou ingeridas através da alimentação. Uma quantidade significativa de pre- cursores de uratos é oriunda da dieta alimentar; sabe-se que fórmulas dietéticas livres de purinas chegam a reduzir a excreção urinária de ácido úrico em aproximadamente 40%.33 O processo de produção de uratos envolve a quebra dos nucleotídeos de purinas, o ácido guanílico (GMP), o ácido inosínico (IMP) e o ácido adenílico (AMP). Finalmente, a guanina e a hipoxantina são então metabolizadas em xantina e esta, sob a ação irreversível da xantina-oxidase, em ácido úrico. PRODUÇÃO EXÓGENA DE ÁCIDO ÚRICO Uma dieta alimentar sem restrição de purinas será suficiente para a manutenção da excreção urinária de ácido úrico. Esta, por sua vez, dependerá da quantidade e do tipo de purina existentes na dieta.34 Adultos jovens e hígidos, submetidos a uma dieta sem purina, reduzirão a concentração sérica de ácido úrico em cerca de 37% em 10 dias e a excreção urinária em torno de 33%, no mesmo período.4 PRODUÇÃO ENDÓGENA DE ÁCIDO ÚRICO A síntese continuada e o turnover endógenos das purinas mantêm a excreção urinária do ácido úrico em torno de 300 a 400 mg/dia, fato este que independerá até mesmo de uma restrição dietética de purinas.34 Excreção de Ácido Úrico De uma maneira geral, o organismo humano não é capaz de metabolizar o urato, o que significa dizer que para a manutenção da homeostase de seu metabolismo o urato deverá ser eliminado através dos rins ou intestino. Um indivíduo adulto do sexo masculino apresenta um pool de ácido úrico de aproximadamente 1.200 mg, sendo que, nas mulheres, esta quantidade se reduz a 600 mg. Diariamente, 50 a 60% das quantidades acima citadas serão renovadas através dos metabolismos endógeno e exógeno. A excreção diária média através da urina será em torno de 450 mg, e a intestinal, de aproximadamente 200 mg.4 APARELHO GASTRINTESTINAL Sabe-se que a entrada de urato através do intestino ocorre por um processo passivo variável de acordo com a concentração sérica do ácido úrico. As bactérias do trato intestinal são capazes de degradar o ácido úrico em dióxido de carbono e amônia, através da ação das uricases, alantoinases, alantoicases e ureases, num processo denominado “uricólise intestinal”.4,34 A quantidade de ácido úrico encontrada nas fezes, apesar de pequena, poderá estar aumentada em alguns estados patológicos, como nas situações de insuficiência renal. APARELHO URINÁRIO Os processos que envolvem a excreção renal de ácido úrico têm sido definidos através de estudos de fisiologia e 241 capítulo 14 farmacologia renal em animais de experimentação e em seres humanos. Cerca de 5% do ácido úrico circulante está ligado a proteínas, o que significa dizer que todo o restante poderá ser filtrado pelos glomérulos renais livremente.5,6 Além da filtração glomerular, outras três etapas do seu metabolismo poderão ser identificadas como de responsabilidade renal: a reabsorção pré-secretória, a secreção e a reabsorção pós-secretória, todas ocorrendo no túbulo proximal.5, 35 Pontos-chave: • A uricólise intestinal é responsável por aproximadamente 1/3 do metabolismo total de urato e é responsável pela eliminação extra-renal de todo o urato • A excreção urinária de urato é responsável pelos 2/3 restantes do ácido úrico produzido diariamente • O clearance de ácido úrico, no entanto, está em 7-12% de toda a carga filtrada Filtração Glomerular Como já foi visto, apenas uma pequena porcentagem do ácido úrico circulante está ligado à proteína. Conclui-se, desta forma, que uma grande quantidade deste será filtrada pelos glomérulos diariamente. Apesar disto, o clearance do ácido úrico em adultos normais encontra-se em torno de 7 a 12% de toda a carga filtrada, justificado pelo fato de que cerca de 90% do urato filtrado sofre reabsorção tubular. Túbulo Proximal Após sofrer a filtração glomerular, o urato que chega ao túbulo proximal passará por três processos distintos:4,35 • Reabsorção, no início do túbulo proximal, de cerca de 90 a 100% de tudo que foi filtrado. • No segmento S2 do túbulo proximal, haverá secreção de urato, proporcionando um retorno de 50% do que foi filtrado novamente ao lúmen tubular. • Finalmente no segmento S3 ocorrerá a dita absorção póssecretória. Os mecanismos através dos quais estes processos ocorrem não estão completamente definidos. Acredita-se, no entanto, que as trocas aniônicas desempenhem um importante papel. A reabsorção de urato poderá ser mediada por um urato-OH (ou urato-HCO3) contratransportador na membrana luminal do túbulo proximal que opera em paralelo a uma troca Na-H (Fig. 14.2). A secreção de uratos no segmento S2 do túbulo proximal envolve mecanismos mais complexos no que diz respeito à troca de ânions. Essa secreção depende, na realidade, de um transporte ativo secundário que envolve um processo de co-transporte de sódio, que permite a excreção renal não somente do ácido úrico mas também de fármacos, como aspirina, antibióticos e diuréticos.43 Desta forma, identificam-se situações de hiperuricemia resultantes da redução da secreção habitual de uratos por ação de alguns destes ácidos.35 Modernamente, tenta-se explicar este mecanismo com a teoria de carreadores de ânions na membrana basolateral e, talvez, na membrana luminal.7,8,9 O número e a distribuição de cargas negativas parecem ser os principais determinantes do grau de ligação. Os compostos formados adentram a célula através de um co-trans- Célula do Túbulo Proximal Lúmen Capilar Peritubular 3 Na Na ATP ase 2 K H OH Ur Ur A(?Cl) Ur Fig. 14.2 Representação esquemática. Reabsorção de ácido úrico no túbulo proximal. 242 Metabolismo do Ácido Úrico porte com o sódio e, também, podem ser produzidos dentro destas células criando um gradiente favorável que servirá como um mediador nas trocas aniônicas7,8,34,43 (Fig. 14.3). Além disso, um gradiente elétrico favorável poderá propiciar um transporte por difusão facilitada de um ânion orgânico para o interior da luz tubular, permitindo, desta forma, a sua secreção.8 Após o exposto, conseguimos compreender a importância dos mecanismos que permitem ao túbulo proximal secretar e, especialmente, reabsorver ácido úrico. A concentração urinária deste será reflexo direto daquilo que acontece principalmente nos segmentos S2 e S3 do túbulo proximal. Em termos numéricos, sabe-se que apenas 12% do ácido úrico filtrado aparecerão na urina.4 geral, como resultado de uma excessiva produção de uratos, pela diminuição da sua excreção renal ou por uma combinação de ambos os fatores.36 Baseados neste conhecimento, poderemos classificar a hiperuricemia em duas categorias: primária e secundária. Classificação HIPERURICEMIA PRIMÁRIA Corresponde às situações em que níveis séricos elevados de ácido úrico são identificados sem doenças coexistentes ou uso de drogas que possam diminuir a sua excreção ou aumentar a sua produção (Quadro 14.1). HIPERURICEMIA SECUNDÁRIA ESTADOS DE HIPERURICEMIA Definição A melhor definição para o que é uma hiperuricemia baseia-se no limite de solubilidade dos uratos nos fluidos humanos, ou seja, ocorrerá quando a concentração de uratos séricos corresponder a um estado de maior saturação neste compartimento orgânico. Esta definição físico-química corresponde à concentração de urato excedendo 7 mg/dl quando utilizarmos métodos enzimáticos (uricase) na sua mensuração. Um valor inferior em até 1 mg/dl poderá ser aceito quando métodos calorimétricos sejam utilizados. A persistência de níveis séricos elevados de ácido úrico (hiperuricemia) é uma alteração bioquímica relativamente comum em nosso meio. Tal situação ocorrerá, de maneira Nesta categoria encontramos as situações resultantes de uma excessiva produção de uratos (Quadro 14.2) ou quando se identifica uma diminuição de seu clearance renal (Quadro 14.3) por uso de drogas, toxinas, dieta ou outra doença associada. Uma situação clínica que merece discussão especial é a hiperuricemia assintomática. Neste caso a situação de hiperuricemia não se encontra associada a nenhum achado clínico específico, como artrite, tofo ou litíase urinária. Embora a hiperuricemia esteja freqüentemente associada a outras entidades clínicas, como hipertensão, obesidade, dislipidemias ou abuso no consumo de álcool, não há evidência clínica de que o ácido úrico seja um fator causal para elas.39 Alguns indivíduos apresentam este estado hiperuricêmico durante toda a sua vida sem o desenvolvimento de qualquer outro tipo de complicação de maior gravidade.10,37,38 Célula do Túbulo Proximal Lúmen Capilar Peritubular 3 Na ATP ase 2 K Ur A(?Cl) Ur Ur A Fig. 14.3 Representação esquemática. Secreção de ácido úrico no túbulo proximal. 243 capítulo 14 Quadro 14.1 Origem das hiperuricemias Hiperuricemias Primárias Hiperuricemias Secundárias A. Produção Aumentada de Purina: 1. Idiopática 2. Defeitos enzimáticos (s. de Lesch-Nyhan, doenças do armazenamento de glicogênio) A. 1. 2. 3. 4. 5. 6. Aumento do Catabolismo e do Turnover de Purina Distúrbios mieloproliferativos Distúrbios linfoproliferativos Sarcoma e carcinoma disseminados Anemias hemolíticas crônicas Drogas citotóxicas Psoríase B. Diminuição do Clearance Renal do Ácido Úrico: 1. Idiopático B. 1. 2. • • • • • Diminuição do Clearance Renal do Ácido Úrico: Doença renal intrínseca Alteração da função de transporte tubular Induzido por drogas (tiazídicos, probenecide) Lactacidemia (acidose láctica, alcoolismo) Cetoacidose (diabetes) Diabetes insipidus Síndrome de Bartter Modificado de Hellmann, D.B.11 Quadro 14.2 Causas de hiperuricema secundária. Aumento da biossíntese de purinas e/ou da produção de uratos A. Defeitos Enzimáticos Genéticos: 1. Deficiência de hipoxantina-guanina-fosforribosiltransferase. 2. Deficiência de fosfatase-6-glicose. 3. Hiperatividade da fosforribosil-pirofosfato-sintetase. B. Alterações Clínicas que Cursam com Aumento da Produção de Purinas ou Uratos: 1. Doenças mieloproliferativas. 2. Doenças linfoproliferativas. 3. Hemólise. 4. Psoríase. 5. Hipóxia tecidual. 6. Síndrome de Down. 7. Doenças malignas. C. Aumento da Produção de Purinas Induzida por Drogas, Dieta e Toxinas: 1. Etanol. 2. Dieta rica em purinas. 3. Frutose. 4. Vitamina B12 (pacientes com anemia perniciosa). 5. Ácido nicotínico. 6. Drogas citotóxicas. 7. Warfarina. Quadro 14.3 Causas de hiperuricemia secundária pelo decréscimo do clearance renal A. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. B. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Alterações Clínicas: Insuficiência renal crônica de qualquer etiologia. Depleção de volume. Nefropatia por chumbo. Cetoacidose diabética. Acidose láctica. Pré-eclâmpsia. Obesidade. Hiperparatireoidismo. Hipotireoidismo. Sarcoidose. Nefropatia hereditária associada a hiperuricemia ou gota. Induzida por Droga ou Dieta: Diuréticos tiazídicos e de alça. Ciclosporina. Salicilatos em baixas doses. Etambutol. Pirazinamida. Etanol. Levodopa. Abuso de laxantes (alcalose). Restrição de sal. 244 Metabolismo do Ácido Úrico Epidemiologia A incidência de hiperuricemia difere entre os sexos masculino e feminino, especialmente quando as mulheres encontram-se em idade reprodutiva; este fato justifica-se devido a um maior clearance de uratos por ação estrogênica.41 De uma maneira geral, os homens hiperuricêmicos já apresentam início de elevações dos níveis de ácido úrico durante a puberdade, e as manifestações clínicas se fazem presentes, em média, duas décadas após. Apresentação Clínica A hiperuricemia poderá apresentar-se clinicamente de diversas formas; abordaremos a seguir as principais: gota, nefropatia aguda pelo ácido úrico, nefropatia crônica pelo ácido úrico, nefropatia hiperuricêmica familiar e nefrolitíase pelo ácido úrico. Fig. 14.5 GOTA: Deformidade articular e tofo. GOTA A gota é um transtorno metabólico de natureza heterogênea e familiar, decorrente de alterações no metabolismo das purinas, que se caracteriza, principalmente, por hiperuricemia associada ao depósito de ácido úrico em diversas estruturas (preferencialmente articulações). Sendo assim, as crises agudas de artrite, geralmente monoarticulares, são achados freqüentes. Com a evolução do quadro clínico a artrite torna-se crônica, associando-se a deformidades articulares e ao aparecimento de tofos, que são depósitos de monourato de sódio (Figs. 14.4 a 14.6). A maior incidência de gota nos homens ocorre entre 30 e 45 anos de idade, e nas mulheres, entre 55 e 70 anos (pósmenopausa). Cerca de 90% dos pacientes com gota primária são do sexo masculino.11 Campion e cols, em 1982, após um acompanhamento de 2.046 homens saudáveis por 15 anos, evidenciaram uma incidência de gota em 4,9%, 0,5% e 0,1% em decorrência de um aumento dos níveis séricos de ácido úrico maiores que 9,0 mg/dl, entre 7,0 e 8,9 mg/ dl e inferiores a 7,0 mg/dl, respectivamente.37 Já Langford e cols, em 1987, demonstraram que apenas 12% dos pacientes com níveis de ácido úrico sangüíneo entre 7,0 e 7,9 Fig. 14.4 GOTA: Deformidade articular e tofo (gonagra). Fig. 14.6 Monourato de sódio. mg/dl desenvolveram gota num período de estudo de 14 anos.42 Alguns autores afirmam que 90% dos casos de gota possam estar relacionados com uma excreção de ácido úrico deficiente.2 Tal situação será identificada quando tivermos uma menor filtração glomerular de uratos, um aumento na reabsorção tubular, uma menor secreção tubular ou ainda uma combinação dos fatores citados.34 Nos quadros de insuficiência renal, aguda ou crônica, a redução do clearance renal do ácido úrico poderá resultar em hiperuricemia; contudo, a gota raramente se manifesta nos pacientes renais, talvez por uma diminuição da resposta inflamatória aos cristais de ácido úrico proporcionada pela uremia.2 Berger e Yu afirmam que a gota por si só raramente levará a uma deterioração da função renal.12,13,14 Gota acompanhada de insuficiência renal grave poderá ser vista em associações com outras patologias subjacentes, como litíase urinária, hipertensão arterial sistêmica, infecção urinária e outras.34 A maioria dos investigadores acredita que a nefropatia gotosa é uma manifestação dependente do grau e da duração da hiperuricemia.34 Vários estudos correlacionam achados histopatológicos encontrados em biópsias renais com a ocorrência concomitante de hiperuricemia.12,15,16,17,18 capítulo 14 Pontos-chave: • As mulheres pré-menopausa têm um clearance maior de uratos devido à ação estrogênica • Cerca de 90% dos pacientes com gota primária são homens • Gota per se raramente causa deterioração da função renal Quadro Clínico Clinicamente, manifesta-se por um quadro de artrite aguda, de aparecimento súbito, que ocorre na maioria das vezes durante a noite, extremamente doloroso, que se segue a flutuações rápidas dos níveis de ácido úrico após ingestão excessiva de álcool ou certos tipos de alimentos, cirurgias, infecção, diuréticos ou drogas uricosúricas.34,40 Febre de até 39°C poderá estar presente.11 O quadro artrítico acomete preferencialmente a primeira articulação metatarsofalangiana (podagra), entretanto, outras articulações poderão estar comprometidas, como os joelhos (gonagra — Fig. 14.4) e, menos freqüentemente, os punhos (quiragra).40 Nas mãos a articulação mais afetada é a interfalangiana do quinto pododáctilo. As apresentações poliarticulares são infreqüentes, e quando presentes caracterizam-se por serem assimétricas. De uma maneira geral, após a primeira crise (monoartrite aguda), crises poliarticulares poderão surgir. Com a evolução da doença o período intercrítico se reduz progressivamente, acabando por instalar-se uma artrite crônica que sofre períodos de agudização. Nesse momento depósitos de monourato de sódio em tecidos moles começam a ser reconhecidos, sendo denominados de tofos. Estes acometem preferencialmente as mãos, pés, olécrano, patela e pavilhão auricular. A aspiração do material contido nos tofos confirma a deposição dos cristais birrefringentes de urato de sódio que poderão aparecer livres ou no interior de neutrófilos. O comprometimento articular crônico, caracterizado por lesões de reabsorção osteocartilaginosa em “saca-bocado” e deformidades, aparecerá com a evolução da doença (Fig. 14.5). Diagnóstico Laboratorial 1. Níveis elevados de ácido úrico (7,5 mg/dl), excetuando-se os casos em que drogas para sua redução tenham sido empregadas. 2. VHS elevado nos surtos agudos. 3. Elevação na contagem de células brancas poderá acompanhar também os quadros agudos. 4. Cristais de urato de sódio observados na aspiração do conteúdo dos tofos ou líquido sinovial confirmam o diagnóstico (Fig. 14.6). 245 Diagnóstico por Imagem 1. Ausência de achados radiológicos nos quadros iniciais (radiografia negativa pode não afastar a gota). 2. O aparecimento de cavidades ou erosões marginais nas extremidades ósseas poderá ser identificado nos quadros de mais longa duração. 3. Edema, do tipo granuloso, nos tecidos moles de pacientes portadores de tofo gotoso.19 É importante a observação de que achados radiológicos semelhantes aos da gota poderão ser identificados na artrite reumatóide, sarcoidose, mieloma múltiplo, hiperparatireoidismo e na doença de Hand-Schüller-Christian.11 Diagnóstico Diferencial 1. Celulite. 2. Artrite piogênica aguda. 3. Condrocalcinose aguda (pseudogota), onde se identificam depósitos de pirofosfato de cálcio no líquido sinovial, raio X positivo e nível sérico de ácido úrico normal. 4. Artrite reumatóide, sarcoidose, mieloma múltiplo, hiperparatireoidismo e doença de Hand-SchüllerChristian. NEFROPATIA AGUDA PELO ÁCIDO ÚRICO A característica desta patologia é o aparecimento de um quadro de insuficiência renal oligúrica ou anúrica decorrente da precipitação intratubular de ácido úrico.20,21,34 Tal situação relaciona-se a uma produção ou excreção aumentada de ácido úrico em pacientes portadores de linfoma, leucemia, doenças mieloproliferativas (policitemia vera), particularmente naqueles submetidos à radioterapia ou quimioterapia, em decorrência de uma intensa lise celular. Outras causas, porém com menor freqüência, são: crises convulsivas que levam a um maior catabolismo celular, tratamento de tumores sólidos, síndrome de deficiência da enzima hipoxantina-guanina-fosforribosil-transferase (HPRT) ou na síndrome Fanconi-like por diminuição na reabsorção de uratos no túbulo proximal.20,21,22,34 Quadro Clínico Deve-se suspeitar do diagnóstico em pacientes que desenvolvam um quadro de insuficiência renal associada às situações clínicas anteriormente mencionadas e que cursem com quadro de hiperuricemia. Os níveis de ácido úrico geralmente são superiores a 15 mg/dl, diferente de outras situações de insuficiência renal aguda, onde estes valores geralmente são inferiores a 12 mg/dl (faz-se exceção às de etiologia prérenal). Sintomas urinários não necessariamente se fazem presentes, podendo-se observar dor lombar ou em flanco referida por pacientes que apresentem litíase associada. 246 Metabolismo do Ácido Úrico Diagnóstico Laboratorial 1. Hiperuricemia. 2. Função renal alterada. 3. Urinálise evidenciando cristais de ácido úrico. Quando normal não afasta o diagnóstico. 4. A relação entre ácido úrico (mg)/creatinina (mg) em uma amostra de urina será maior que 1,0. Nas demais causas de insuficiência renal aguda costuma variar entre 0,60 e 0,75.20 5. Hipercalemia, hiperfosfatemia e hipocalcemia poderão ser identificadas nos pacientes que apresentem síndrome de lise tumoral.33,44 NEFROPATIA CRÔNICA PELO ÁCIDO ÚRICO Esta é uma forma de insuficiência renal crônica decorrente da deposição de cristais de urato de sódio no interstício medular, originando microtofos. Tal deposição determinará uma resposta inflamatória crônica que levará a uma fibrose intersticial.44 A deposição de cristais de urato no interior dos túbulos renais também poderá ocorrer, causando lesão epitelial e obstrução intratubular. Alguns autores sugerem que a deposição intersticial ocorra como conseqüência dos depósitos intratubulares de ácido úrico, que promoveriam uma ruptura da membrana basal com posterior retubulização.23 A hiperuricemia como causa primária de insuficiência renal crônica não é algo comum.34 A nefropatia por urato já foi relacionada num passado à gota tofácea. Na atualidade a formação de tofos e, especialmente, o comprometimento da função renal são infreqüentes.16 Quadro Clínico Uma manifestação inicial comum da nefropatia crônica pelo ácido úrico é a albuminúria que, normalmente, é leve e de caráter intermitente.34 Com a progressão da doença renal, aparecem os sinais de uremia. Neste estágio, é difícil diferenciar se a doença renal é causa ou conseqüência da hiperuricemia.34 Diagnóstico Laboratorial Considera-se uma elevação dos níveis séricos de ácido úrico desproporcional ao grau de insuficiência renal quando este excede 9 mg/dl frente a uma creatinina plasmática igual ou inferior a 1,5 mg/dl, 10 mg/dl nas situações em que a concentração de creatinina esteja entre 1,5 e 2,0 mg/dl, e 12 mg/dl nas situações de insuficiência renal mais avançada.17 NEFROPATIA HIPERURICÊMICA FAMILIAR A nefropatia hiperuricêmica familiar foi descrita no início da década de 60 por Duncan e Dixon.24 Embora seja uma patologia rara, vários relatos sobre ela permeiam a literatura médica nas últimas décadas.25 A sua etiologia está relacionada com uma irregularidade na mobilização tubular renal de urato, que resultaria de uma incapacidade das células tubulares renais em fazer a remoção de ácido úrico do interstício.3 Não há portanto, nestes pacientes, síntese acelerada de purinas.25,26 A exemplo do que foi descrito na nefropatia crônica pelo ácido úrico, a presença de uratos no interstício renal levaria inicialmente a uma reação inflamatória local que se seguirá de fibrose e comprometimento progressivo da função renal. NEFROLITÍASE PELO ÁCIDO ÚRICO A incidência de nefrolitíase pelo ácido úrico pode ser bastante variável, estando relacionada diretamente com a população analisada. As características nutricionais, genéticas e ambientais parecem ser bastante significativas no que diz respeito à sua epidemiologia. Nos Estados Unidos da América e Europa a sua prevalência é de aproximadamente 5 a 10% do total de casos relatados de nefrolitíase.4 Em países em desenvolvimento esta prevalência poderá chegar a 40%, especialmente naqueles de clima árido e quente, nos quais há uma maior tendência de se observar um volume urinário menor e um pH urinário mais ácido, favorecendose assim a precipitação de cristais de ácido úrico. Um estudo multicêntrico acerca da litíase renal no Brasil observou hiperuricosúria em aproximadamente 30% dos litiásicos.49 Sabe-se que este tipo de cálculo pode incidir também numa população sem história prévia de gota; contudo, cerca de 20% dos portadores de gota acabam por desenvolvê-lo.4 Mais de 80% dos cálculos de urato, encontrados em pacientes portadores de gota, são exclusivamente de ácido úrico. Nos demais casos geralmente se observa oxalato de cálcio ou fosfato de cálcio circundando um núcleo central de urato. A prevalência de cálculos de oxalato de cálcio entre pacientes com gota chega a ser 10 a 30 vezes maior que na população não-gotosa. Na gota primária, a incidência na formação de cálculos variará de acordo com a quantidade de ácido úrico excretada. Incidirá em 10 a 20% dos pacientes com excreção urinária normal (800 mg/dia no homem e 750 mg/dia na mulher), podendo variar entre 40 e 50% quando a excreção de ácido úrico atinja 1.000 mg/dia.28,52,53 A formação de cálculos de ácido úrico, decorrente da precipitação urinária de seus cristais, está na dependência direta de dois fatores: a sua alta concentração urinária e o pH urinário ácido. Observe a equação a seguir: H Urato ↔ Ácido Úrico O desvio desta reação converterá sais relativamente solúveis de urato em ácido úrico insolúvel.27 A solubilidade total do ácido úrico na urina cai de 200 mg/dl num pH urinário de 7,0 para 15 mg/dl num pH de 5,0.27 Outras situações clínicas também poderão estar relacionadas com a formação de litíase por ácido úrico, como: aumento na produção do ácido úrico nas doenças mieloproliferativas, uso de drogas uricosúricas (aspirina, probenecide) diminuindo a sua reabsorção tubular, nas diarréias crônicas em virtude da diminuição do volume urinário 247 capítulo 14 associado a uma queda do pH urinário27,28 ou pelo aumento da excreção de ácido úrico proporcionado pelo uso de alguns hormônios, como estrógenos e corticosteróides.4 Houve a preocupação de alguns clínicos com a possibilidade de que aqueles pacientes que apresentavam hiperuricemia induzida pelo uso de tiazídicos pudessem desenvolver nefrolitíase no momento em que se associassem inibidores da enzima de conversão da angiotensina ou mesmo antagonistas dos receptores de angiotensina II.54 Tal fato parece infundado em virtude de drogas como o losartan, por exemplo, serem capazes de aumentar o pH urinário pela redução da reabsorção de bicarbonato. Para finalizar, poderíamos citar ainda casos idiopáticos de nefrolitíase pelo ácido úrico, acometendo pacientes que apresentam sua concentração plasmática e renal normais porém com uma tendência à acidificação urinária sem outras anormalidades da função renal.4 Fig. 14.8 Nefrolitíase. Dilatação ureteral, pielocalicial e hidronefrose por uropatia obstrutiva. Quadro Clínico HIPERURICEMIA NO TRANSPLANTE RENAL Os achados clínicos são comuns às demais situações de litíase urinária com ou sem uropatia obstrutiva (ver capítulo específico) (Figs. 14.7 e 14.8). Nestes pacientes o que nos chama a atenção é a presença de quadro sugestivo de urolitíase subjacente a outras patologias que cursem com hiperuricemia e/ou hipersecreção urinária de ácido úrico. Lin e colaboradores, em 1989, demonstraram a incidência de hiperuricemia em 84% dos pacientes transplantados em uso de ciclosporina comparada a 30% naqueles pacientes que tinham a sua imunossupressão feita com azatioprina e prednisona.29 A artrite gotosa tem sido relatada em 7 a 24% dos pacientes tratados com ciclosporina,29,30 sendo o diagnóstico inicial mais freqüentemente feito entre os meses 17 e 24 após o transplante renal.29 Além da ciclosporina, que pode promover hiperuricemia por uma diminuição do fluxo plasmático renal, outros fatores também poderão ser relacionados, como o uso de diuréticos e as situações de insuficiência renal decorrente de episódios de rejeição.29,30,31 Diagnóstico Laboratorial 1. 2. 3. 4. Dosagem sérica de ácido úrico. pH urinário. Dosagem da concentração urinária de ácido úrico. Análise bioquímica do cálculo eliminado e/ou retirado. Diagnóstico por Imagem 1. Os cálculos puros de ácido úrico não são radiopacos, desta forma o exame radiológico simples poderá ser negativo. 2. Ultra-som e/ou tomografia de rins e vias urinárias poderão identificar a presença do cálculo. 3. A urografia excretora revelará uma lesão intraluminar radiotransparente, sendo imprescindível o diagnóstico diferencial com tumores e presença de coágulos. Fig. 14.7 Nefrolitíase. Hidronefrose por uropatia obstrutiva. Manejo Clínico e Farmacológico dos Estados de Hiperuricemia HIPERURICEMIA ASSINTOMÁTICA Considerações Gerais A hiperuricemia assintomática na grande maioria das vezes (80 a 90%) ocorrerá por um excesso no consumo de purinas, por uma secreção diminuída de uratos ou uma soma destes dois fatores. Um grupo menor de pessoas poderão apresentá-la devido a um aumento da sua produção endógena. As causas etiológicas de hiperuricemia secundária deverão ser investigadas e tratadas individualmente (Quadro 14.2, Quadro 14.3). A coleta da urina de 24 horas, com dosagem de ácido úrico e da creatinina, em pessoas com função renal normal (recebendo uma dieta standard, com exclusão de álcool e drogas que alterem o metabolismo do ácido úrico) geralmente poderá estabelecer se estamos frente a uma superprodução de ácido úrico ( 800 mg/dia ou 12 mg/kg/dia) ou uma diminuição de seu clearance renal. 248 Metabolismo do Ácido Úrico A relação entre o clearance de urato e creatinina na urina de 24 horas menor que 6% define um déficit de excreção. Pacientes que persistem com níveis urinários superiores a 670 mg/dia, mesmo após uma dieta baixa em purinas durante um período de cinco dias (Quadro 14.4), deverão ser considerados inicialmente como superprodutores. artrítico agudo e da hiperuricemia.34,56 Sabe-se que reduções súbitas nos níveis séricos de ácido úrico poderão precipitar episódios de artrite gotosa.34 Pelo exposto, o manejo do quadro de hiperuricemia deverá ser postergado até a resolução do quadro artrítico agudo. Tratamento Farmacológico do Quadro Agudo Tratamento Farmacológico Quando analisamos riscos e benefícios, o tratamento com drogas hipouricemiantes nestes pacientes, na maioria das vezes, não se fará necessário. Entretanto, três situações clínicas deverão merecer atenção especial, com conseqüente instituição de tratamento famacológico, são elas: • Paciente em radioterapia ou quimioterapia deverá receber alopurinol na profilaxia da nefropatia aguda pelo ácido úrico.21 • Níveis séricos de ácido úrico persistentemente altos, 13 mg/dl no homem e 10 mg/dl na mulher.34 • Alopurinol deverá ser prescrito para paciente que apresente excreção urinária de ácido úrico maior que 1.000 mg/dia, quando o controle dietético não está sendo satisfatório.34 Deve-se objetivar uma excreção urinária de 800 mg/dia. GOTA Considerações Gerais Uma abordagem equivocada relativamente freqüente, nos portadores de gota, é o manejo simultâneo do quadro Quadro 14.4 Conteúdo de purina nos alimentos A. Alimentos com Pouca Purina: 1. Cereais refinados e seus produtos, flocos de milho, arroz branco, massa, araruta, sagu, farinha de milho, bolos, pães, fubá, tapioca. 2. Leite e seus derivados, ovos. 3. Açúcar, doces, gelatina. 4. Manteiga, margarina poliinsaturada, outras gorduras. 5. Tomate, vegetais de folhas verdes (algumas exceções). 6. Frutas, nozes, manteiga de amendoim. 7. Sopas ou cremes feitos com vegetais permitidos e sem carnes. 8. Água, suco de frutas, bebidas carbonatadas, chá, café. B. 1. 2. 3. Alimentos com Muita Purina: Todos os tipos de carnes. Extratos e molhos de carne. Fermento e derivados, cerveja, outras bebidas alcoólicas. 4. Feijão, ervilha, lentilha, grão-de-bico, espinafre, aspargo, couve-flor, soja, cogumelos. 5. Cereais integrais (arroz, trigo, centeio, aveia). 6. Coco, castanha-do-pará, castanha de caju. • Repouso O paciente deverá ser mantido em repouso por pelo menos 24 horas após melhora dos sintomas agudos. Isto porque a deambulação precoce poderá precipitar a recorrência do quadro artrítico.56 • Antiinflamatórios não-hormonais (AINH) Os AINH têm sido as drogas de escolha no manejo do quadro artrítico agudo. Dentre eles, tradicionalmente, prescreve-se a indometacina, embora outros antiinflamatórios tenham bons resultados. A dose preconizada é de 25 a 50 mg a cada 8 horas por 5 a 10 dias, período este em que os sintomas deverão estar resolvidos.10,11,34,56 Nos casos em que há risco do desenvolvimento de sangramento digestivo uma opção seria o uso dos inibidores da COX-2,56 nas doses recomendadas pela farmacopéia. É importante salientarmos, no entanto, que o risco do desenvolvimento de nefropatia pelos antiinflamatórios ditos tradicionais ou aqueles inibidores da COX-2 é similar.57 • Colchicina A colchicina é uma droga que poderá ser empregada tanto nos períodos intercrise como no manejo do quadro agudo da gota. Esta droga é capaz de inibir a fagocitose de cristais de urato pelos neutrófilos, não interferindo no metabolismo dos uratos.34 Sua excreção se dará através da bile, secreções intestinais e urina.34 Sua administração deverá ser iniciada poucas horas após o início dos sintomas.56 O esquema posológico preconizado é de 0,5 a 0,6 mg via oral a cada hora até que sintomas gastrintestinais apareçam, como náuseas, vômitos ou dor abdominal.56 A dose total necessária geralmente variará entre 4 e 6 mg e não deverá jamais exceder 8 mg.56 O uso endovenoso poderá ser uma opção para que não tenhamos sintomas gastrintestinais, contudo dor local, extravasamento com dano tecidual e supressão de medula óssea são complicações possíveis. A dose endovenosa inicial será de 1 a 2 mg diluídos em 20 a 50 ml de solução salina administrados através de catéter intravascular.10,11,32,56 Duas doses adicionais de 2 mg poderão ser administradas em intervalos de seis horas.56 Não se deverá exceder um total de 4 mg, e a colchicina não deverá ser administrada pela via oral por pelo menos três semanas.56 Pacientes portadores de insuficiência renal ou hepática e indivíduos idosos deverão ter a dose reduzida em 50%. É importante salientar que o risco de toxicidade estará aumentado para aqueles pacientes que fazem uso simultaneamente de drogas inibidoras da enzima P-450 (eritromicina, cimetidina, tolbutamina).32 Frente à associação capítulo 14 entre doença hepática e renal, a via de administração endovenosa deverá ser proscrita11 • Corticóides Os corticóides estarão bem indicados para aqueles pacientes que apresentarem contra-indicação para o uso de AINH.56 Uma possibilidade para o seu uso seria através de injeções intra-articulares nos pacientes que apresentem comprometimento monoarticular, desde que o diagnóstico de artrite séptica já tenha sido afastado.34 A administração intra-articular poderá ser feita com o uso de triancinolona, 10 a 40 mg, na dependência do tamanho da articulação comprometida.56 Nos casos de gota com comprometimento poliarticular, a via endovenosa deverá ser priorizada, com a administração de metilprednisolona, 40 mg ao dia, com redução da dose e retirada dentro de sete dias.56 O uso oral de corticóides também poderá ser uma opção de tratamento; preconiza-se o uso de prednisona, 40 a 60 mg ao dia, com retirada da droga em sete dias.56 • Analgésico Poderemos lançar mão dos opióides somente nos casos de dor intensa. Tratamento Farmacológico do Período Intercrise 249 • Evitar medicamentos hiperuricemiantes Diuréticos de alça e tiazídicos inibem a secreção renal de ácido úrico e portanto devem ser evitados. O uso de baixas doses de aspirina ( 3 g/dia) também agrava a hiperuricemia.56 Redução dos Níveis Séricos de Ácido Úrico • Agentes uricosúricos Estas drogas diminuem o pool de uratos pelo bloqueio de sua reabsorção tubular. Seu emprego é ineficaz em pacientes com creatinina maior que 2 mg/dl.11 Sua principal indicação seria nos casos em que há um aumento na freqüência ou gravidade dos ataques agudos, desde que a excreção urinária diária de ácido úrico seja inferior a 800 mg.11 O probenecide pode ser usado na dose de 500 mg por dia, chegando até 1 a 2 gramas ao dia.32,56 A sulfinpirazona é utilizada em dose inicial de 50 a 100 mg duas vezes ao dia, com aumentos graduais até 200 a 400 mg duas vezes ao dia.32,56 Para minimizar o risco de precipitação de cristais de ácido úrico com conseqüente formação de cálculos, sempre que optarmos pelo uso destas drogas deveremos manter o pH urinário em torno de 6,0 (citrato de potássio, 30 a 80 mEq/dia) e um volume urinário superior a 2 litros ao dia. • Orientações dietéticas As purinas contidas na dieta usualmente não contribuirão com mais que 1 mg/dl na concentração sérica de uratos.32 Mesmo com uma pequena contribuição aparente, a orientação dietética deverá sempre ser feita, especialmente para aqueles pacientes com alta ingesta de purinas (Quadro 14.4). A obesidade, o uso abusivo de álcool bem como períodos prolongados de jejum deverão ser desencorajados. Um débito urinário superior a 2 litros ao dia deverá ser estimulado através de uma ingesta hídrica adequada. • Alopurinol Pacientes hiperuricêmicos, que apresentem uma excreção urinária diária de ácido úrico superior a 800 mg, se beneficiarão com o uso de alopurinol. Esta droga é uma inibidora da xantina-oxidase e prontamente diminui os níveis plasmáticos e urinários de ácido úrico. A dose inicial é de 100 mg ao dia por sete dias, com aumento da dose caso os níveis séricos de ácido úrico permaneçam elevados. Os melhores resultados serão obtidos com doses entre 200 a 300 mg de alopurinol ao dia.32,56 • Colchicina A colchicina aparece como uma das melhores opções na profilaxia dos quadros agudos. A dose preconizada é de 0,5 a 0,6 mg duas vezes ao dia.10,11,32,56 Pacientes com disfunção hepática ou renal deverão receber uma única dose ao dia, reduzindo-se assim o risco do desenvolvimento de neuropatia periférica e miosite.56 A interrupção da droga poderá ser feita quando não mais ocorrerem crises agudas num período de 6 a 8 semanas.10,11,32 Além da prevenção dos quadros agudos, o uso da colchicina também estará indicado no momento em que iniciarmos a administração de drogas uricosúricas ou alopurinol, evitando-se quadros agudos precipitados por mudanças abruptas nos níveis séricos de ácido úrico.11 NEFROPATIA AGUDA PELO ÁCIDO ÚRICO • Antiinflamatórios não-hormonais (AINH) Doses diárias de indometacina ou seus equivalentes poderão ser utilizadas nos casos em que a colchicina isolada falha na prevenção de quadros agudos.32 A nefropatia aguda pelo ácido úrico é uma entidade clínica que acontece como parte da síndrome de lise tumoral, com já foi descrito anteriormente. A sua prevenção parece ser a melhor conduta terapêutica. Pacientes que serão submetidos a radioterapia ou quimioterapia para tratamento de neoplasias, que possuem um alto turnover celular, deveriam receber profilaticamente alopurinol em doses elevadas (600 a 900 mg/dia).21,45 O débito urinário deverá ser mantido elevado, acima de 2,5 litros ao dia, que poderá ser conseguido através da administração de solução salina e até mesmo manitol. A alcalinização da urina com o uso de acetazolamida ou bicarbonato é controversa na literatura. Conger e colaboradores, em 1976, num trabalho clássico demonstraram que a simples hidratação com solução salina seria tão efetiva quanto a alcalinização no sentido de diminuir a precipitação de cristais de ácido úrico.45 A alcalinização da urina 250 Metabolismo do Ácido Úrico objetivaria transformar o ácido úrico em sais de urato, mais solúveis e portanto com menor risco de precipitação. Contudo, tal conduta poderia promover a precipitação de fosfato de cálcio em pacientes com hiperfosfatemia. Pacientes que evoluem com a instalação de um quadro de insuficiência renal aguda devem ser manejados com a prescrição de alopurinol, hidratação vigorosa e diuréticos de alça, estando contra-indicado o uso de bicarbonato de sódio. O tratamento dialítico (hemodiálise) deverá ser restrito aos casos em que se necessita remover o excesso de ácido úrico circulante porém não se consegue induzir a diurese. Outros agentes têm sido usados no manejo destes pacientes, que são a uricase e o polietileno-glicol-uricase (PEGuricase), ainda em fase experimental. Sabe-se que a uricase ou urato oxidase é uma enzima que catalisa a oxidação do ácido úrico em compostos mais solúveis.58 O seu uso atualmente tem sido limitado a pacientes com câncer que desenvolvem hiperuricemia induzida pela quimioterapia. Isto porque a sua administração associa-se com certa freqüência a reações alérgicas com possibilidade de anafilaxia.59 NEFROPATIA CRÔNICA PELO ÁCIDO ÚRICO Uma vez que se instale a insuficiência renal crônica, o tratamento mais efetivo no que diz respeito à remoção de uratos é a hemodiálise. Conseguimos uma depuração de 150 ml/min utilizando-se um fluxo de bomba de sangue em torno de 300 a 400 ml/min. Estes valores são muito superiores àqueles obtidos através da diálise peritoneal.4 Mejias e Maldonado referem a possibilidade de uma redução superior a 50% da concentração plasmática inicial de ácido úrico em um período de 6 horas de hemodiálise.4 Pacientes que já estejam em programa de tratamento dialítico regular e que mesmo assim persistam com níveis séricos de ácido úrico acima dos valores desejados devem ser tratados com alopurinol, para que se previnam surtos de artrite recorrente. Sabendo-se que o alopurinol é uma droga que depende da excreção renal para sua eliminação, o ajuste de dose se faz necessário.47 Uma sugestão de prescrição baseada no clearance de creatinina seria a seguinte: pacientes com Clcreatinina entre 20 e 50 ml/min deveriam receber apenas 1/3 da dose habitual, enquanto pacientes com Clcreatinina inferior a 20 ml/min, 1/6 da dose diária recomendada.48 NEFROPATIA HIPERURICÊMICA FAMILIAR O tratamento desta entidade patológica deve fundamentar-se no uso de agentes uricosúricos, do alopurinol, que tem demonstrado alguns bons resultados, como demonstraram Reitter e colaboradores em 1995,3 além do controle rigoroso dos níveis pressóricos. NEFROLITÍASE PELO ÁCIDO ÚRICO Existem três pontos fundamentais que regem o tratamento dos pacientes portadores de litíase urinária pelo ácido úrico: 27,28 • Deve-se manter um débito urinário em torno de 2 litros ao dia no intuito de se diminuir a concentração urinária de ácido úrico. • Alcalinizar a urina, pois se sabe que, em torno de um pH de 6,5, cerca de 90% do ácido úrico urinário estará sob a forma de urato, minimizando-se assim o risco de precipitação. Tal eficácia poderá ser comprovada pela observação da equação de Henderson-Hasselbalch, que demonstra a relação entre urato e ácido úrico: pH 5,35 log ([urato] [ácido úrico]) • Uso de alopurinol, para que se reduza a produção de ácido úrico e conseqüentemente a sua excreção. A administração de bicarbonato ou citrato de potássio, na dose de 60 a 80 mEq/dia,28,37 pode ser eficaz na dissolução dos cálculos já formados ou na prevenção da formação de novos cálculos. A alcalinização utilizando-se sais de sódio não produz o efeito desejado, pois a expansão de volume resultante de sua administração aumentará a excreção de sódio e secundariamente de cálcio.27,28 A hipercalciúria resultante poderá trazer conseqüências indesejáveis, pois o ácido úrico poderá atuar como um nicho para a formação de cálculos de oxalato de cálcio.27,28 Habitualmente, os pacientes que mantêm uma excreção de ácido úrico diária superior a 1.000 mg e que não respondem a alcalinização e hidratação requerem o uso continuado de alopurinol.27 Agentes uricosúricos são proscritos. Procedimentos como litotripsia extracorpórea geralmente não são necessários, visto que as recomendações acima mencionadas podem levar à dissolução dos cálculos de ácido úrico. HIPERURICEMIA NO TRANSPLANTE RENAL Sabendo-se que o tratamento da hiperuricemia nestes pacientes não é isento de riscos, recomenda-se que pacientes assintomáticos não deverão ser tratados. Dado o grande número de interações medicamentosas, especialmente no que diz respeito às drogas imunossupressoras, a hiperuricemia ou gota em pacientes transplantados renais só deverá ser conduzida por profissionais experimentados nesta área. • Colchicina É a droga de escolha para os casos de artrite gotosa aguda em pacientes transplantados. A dose recomendada variará de 0,15 a 0,6 mg ao dia, prescrito somente para pacientes que não apresentem disfunção renal. Convém lembrar que a administração simultânea de ciclosporina ou tacrolimus à colchicina diminui seu clearance.60,61 • Antiinflamatórios não-hormonais (AINH) O uso deste grupo farmacológico poderá aumentar os riscos de nefrotoxicidade à ciclosporina em função da diminuição da taxa de filtração glomerular possibilitada pela capítulo 14 251 inibição da síntese renal de prostaglandinas. Riscos e benefícios deverão ser avaliados antes da prescrição dos AINH. enzima xantina-oxidase. O emprego desta droga talvez seja a causa mais comum de hipouricemia, porém os níveis séricos dificilmente serão inferiores a 2,5 mg/dl. • Corticóides Aumento nas doses de prednisona para 20 ou 30 mg ao dia poderá ser uma medida eficaz frente a quadros artríticos agudos. • Doenças hepáticas Comprometimentos hepatocelulares graves poderão culminar com uma perda da ação enzimática da xantinaoxidase hepática, levando a uma situação de hipouricemia. • Alopurinol Pacientes que fazem uso de azatioprina não deverão receber alopurinol. O seu uso implicará o acúmulo de um metabólito ativo da azatioprina denominado 6-mercaptopurina, que acarretará maior risco de toxicidade à medula óssea.62,63 Em situações em que o uso do alopurinol seja imprescindível, duas alternativas se apresentam: a primeira delas seria a redução na dose diária de azatioprina em pelo menos 50%, com monitorização rigorosa da contagem de células brancas, ou até mesmo a descontinuação da droga; e a segunda seria a prescrição do micofenolato em lugar da azatioprina. • Xantinúria hereditária A xantinúria é resultante de uma marcada redução da atividade da enzima xantina-oxidase e está associada com os mais profundos graus de hipouricemia no homem. Este defeito enzimático leva à síntese reduzida de ácido úrico com acúmulo de seus precursores, hipoxantina e xantina. A concentração sérica de ácido úrico na xantinúria é usualmente inferior a 1 mg/dl.4,34 • Agentes uricosúricos O uso de drogas como probenecide ou sulfinpirazona só poderá ser aventado para aqueles pacientes que apresentem função renal normal e não tenham história de cálculos renais. Lembrando que a sulfinpirazona reduz os níveis de ciclosporina. ESTADOS DE HIPOURICEMIA Definição A hipouricemia, por definição, corresponderia a todas as situações clínicas em que nos deparamos com um nível sérico de ácido úrico igual ou inferior a 2 mg/dl.4 Esta situação poderá ser identificada em até 2% dos pacientes hospitalizados e em menos de 0,5% na população em geral.64 Os estados de hipouricemia de maneira geral resultarão de uma diminuição na produção de uratos ou do aumento de sua excreção. Diminuição na Produção de Ácido Úrico Muitos mecanismos poderão estar envolvidos neste processo; em seguida descreveremos alguns deles. DEFICIÊNCIA DA XANTINA-OXIDASE • Alopurinol O alopurinol é uma droga que atua na redução dos níveis séricos de ácido úrico através da inibição da ação da EXCREÇÃO AUMENTADA DE ÁCIDO ÚRICO • Expansão de volume extracelular A hipouricemia nesta situação será induzida pela redução na reabsorção de sódio e ácido úrico no túbulo proximal, decorrente da expansão do volume extracelular. Tal situação poderá ser identificada nos pacientes que estão recebendo grandes quantidades de líquido endovenoso, nos portadores de síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético, ou ainda naqueles com polidipsia psicogênica.52,65 • Síndrome de Fanconi Esta síndrome mais freqüentemente é observada em crianças portadoras de cistinose e em adultos com mieloma múltiplo. Observa-se uma redução na reabsorção de ácido úrico nos túbulos proximais e também de glicose, fosfato, potássio, bicarbonato e aminoácidos. • Hipouricemia renal familiar Esta é uma síndrome de herança autossômica caracterizada por um defeito tubular no transporte de uratos. • Síndrome da imunodeficiência adquirida A hipouricemia tem sido identificada em alguns pacientes portadores de SIDA e relacionada a algum comprometimento intracraniano, a doença disseminada relacionada e a um pobre prognóstico. Um outro fator associado que poderá justificar a sua presença seria o uso de altas doses de sulfametoxazol-trimetoprim no tratamento das infecções por Pneumocystis carinii.55 • Drogas Talvez uma das causas mais comuns de hipouricemia fosse secundária ao uso de alguns fármacos. Alguns autores referem que este tipo de etiologia poderia representar cerca de 66% do total de casos de hipouricemia.4 Algumas 252 Metabolismo do Ácido Úrico drogas poderiam induzir a uricosúria diminuindo a ligação de urato às proteínas plasmáticas, inibindo a reabsorção do urato filtrado ou dificultando a secreção de urato na porção média do túbulo proximal. Exemplos clássicos são os salicilatos em altas doses, certos tipos de contrastes radiológicos, o sulfametoxazol-trimetoprim e ainda alguns antagonistas dos receptores de angiotensina II, como por exemplo o losartan. 20. 21. 22. 23. 24. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 25. 1. BROBECK, J.R. Fisiologia das purinas e pirimidinas. In: ———. As Bases Fisiológicas da Prática Médica, 9.ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1976, pp. 116-124. 2. HERBERT, P.N.; HRICIK, D. Hiperuricemia e gota. In: Andreoli, T.E.; Carpenter, C.C.J.; Plum, F.; Smith, L. Cecil — Medicina Interna Básica, 2.ª ed. 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Reposição Hidroeletrolítica Miguel Carlos Riella e Maria Aparecida Pachaly INTRODUÇÃO Correções para o sódio COMO SE FORMULA O PLANO PARENTERAL DIÁRIO? CÁLCULO DA NECESSIDADE BÁSICA Perdas urinárias O terceiro espaço Sangue e plasma Ácido-básico Volume Potássio Sódio PRINCÍPIOS GERAIS DO PLANO PARENTERAL Potássio PLANO DE ADMINISTRAÇÃO Cloro PRESCRIÇÃO MÉDICA Sensível e insensível EXEMPLOS Perdas gastrintestinais APÊNDICE Volume Soluções cristalóides Eletrólitos Soluções colóides CÁLCULO DAS CORREÇÕES Correções para a água INTRODUÇÃO O desenvolvimento da terapia parenteral iniciou-se por volta de 1616, quando William Harvey descobriu a circulação do sangue. Mas foi só em 1818 que Blundell realizou a primeira transfusão humana. No início, as complicações foram muitas. Os grupos sangüíneos não eram conhecidos e as reações fatais eram freqüentes, a ponto de a troca de sangue humano ter sido proibida por lei. Atribuiu-se a Thomas Latta, da Escócia, em 1831, o mérito de ter sido o primeiro a empregar a terapia parenteral de maneira racional. Ele administrou uma solução salina a pacientes com cólera e diarréia intensa. Quando Karl Landsteiner descobriu os grupos sangüíneos em 1901, reavivou-se o interesse na transfusão de sangue e na terapia parenteral. Porém, os problemas com as infecções e as reações pirogênicas continuavam de- Outras soluções e aditivos para uso parenteral REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS sencorajando os investigadores. Apenas quando Florence Seibert descobriu por que havia substâncias pirogênicas na água destilada, o progresso da terapia parenteral foi mais rápido. No entanto, a grande utilidade da terapia parenteral no pós-operatório foi restringida durante muitas décadas, pelo conceito de que o paciente cirúrgico apresentava uma intolerância ao sal. Isto se baseava na observação de que, no pós-operatório, a excreção urinária de sódio diminuía muito, chegando a quase zero quando se administravam pequenas quantidades de soluções salinas. Na época, acreditouse que isto refletia uma incapacidade do rim, pós-cirurgia, de tolerar grandes quantidades de sal. Em vista disso, pacientes no pós-operatório receberam, por muitos anos, apenas uma solução de água e glicose. É evidente que, numa análise retrospectiva, muitas das complicações pósoperatórias, como o íleo prolongado, insuficiência renal, hipotensão, catabolismo excessivo, etc., podem ser atribu- 255 capítulo 15 ídas a déficits de volume e sódio.1 Apenas quando se evidenciou que a redução de sódio urinário no pós-operatório era uma resposta compensatória, é que passaram a ser administradas soluções mais balanceadas. Nas últimas décadas, têm havido grandes progressos nesta área. Técnicas mais sofisticadas permitiram uma análise da composição corporal, de seus vários compartimentos líquidos e de seus constituintes. Foram determinadas as necessidades básicas diárias do organismo com relação à água, a eletrólitos, minerais, vitaminas e, inclusive, necessidades energéticas (calorias) e suas fontes: lipídios, carboidratos e proteínas. Com isto, tornou-se possível modificar a necessidade básica, para corrigir déficits decorrentes de perdas anormais de água, solutos e fontes de energia. O suporte nutricional e a hiperalimentação passaram a ter um lugar de destaque na terapia parenteral, complementando a terapia hidroeletrolítica. A escolha entre a reposição hidroeletrolítica e a de agentes nutritivos (nutrição parenteral) passou a depender do período em que o paciente permanecerá em jejum. A reposição de água e eletrólitos não deverá prolongar-se por mais de sete dias (em média), sem um suporte nutricional. A partir de então, a nutrição parenteral poderá atender às necessidades básicas de água, eletrólitos e substratos energéticos. O capítulo atual integra os conhecimentos adquiridos nos capítulos anteriores sobre a fisiologia e distúrbios dos compartimentos líquidos, água, sódio, potássio e equilíbrio ácido-básico, abordando os princípios da reposição hidroeletrolítica. As indicações, técnica, complicações e resultados da nutrição parenteral são os assuntos do capítulo seguinte. COMO SE FORMULA O PLANO PARENTERAL DIÁRIO? A etapa inicial para a formulação do plano parenteral é a obtenção de todos os dados possíveis da história clínica, exame físico e dados laboratoriais.2 Na história, alguns sintomas podem sugerir distúrbios hidroeletrolíticos específicos. Por exemplo, se o paciente relatar que está vomitando, é mais provável que apresente uma alcalose metabólica e um déficit de sódio e potássio. Se ele tiver sintomas de insuficiência cardíaca congestiva, poderá apresentar um excesso de sódio. Rápidas mudanças no peso geralmente traduzem ganho ou perda líquida. As informações sobre ingesta e excreta são extremamente úteis.2 Há necessidade de uma anotação diária do volume de líquido administrado e da quantidade excretada sob a forma de urina, perdas gastrintestinais, drenagem etc. A determinação diária do peso, quando possível, pode servir como guia para as necessidades diárias de sódio (v. a seguir). As determinações das concentrações plasmáticas de sódio, potássio, cloro, bicarbonato, glicose, uréia e creatinina já são rotina na maioria dos hospitais e, como veremos, são de extrema valia no diagnóstico e correção dos distúrbios hidroeletrolíticos. O método delineado a seguir, para a reposição hidroeletrolítica, foi idealizado e aperfeiçoado pelo Dr. Belding H. Scribner, da Universidade de Washington, em Seattle, Estados Unidos.2 Ele acredita que o método é útil porque permite a formulação de um plano parenteral diário para cada paciente. Portanto, o plano é individualizado, de acordo com as necessidades do paciente naquele momento. Acreditamos, particularmente, que a sua grande utilidade também está em proporcionar um plano de trabalho para o diagnóstico e o tratamento de problemas complexos. Uma vez obtida toda a informação possível do paciente, a formulação do plano obecede à seguinte ordem: 1) Cálculo da necessidade básica: refere-se à quantidade de líquidos e eletrólitos que se prevê como perdas para o paciente nas próximas 24 horas. Estas perdas incluem: perdas urinárias, digestivas e perdas sensíveis e insensíveis (pele e pulmão). 2) Cálculo das correções hidroeletrolíticas em face dos distúrbios detectados através de uma avaliação clínica e laboratorial. 3) O balanço entre a necessidade básica e as correções indica o total de líquido e eletrólitos a ser administrado. CÁLCULO DA NECESSIDADE BÁSICA O plano parenteral básico tem por objetivo a reposição de perdas de fluidos e eletrólitos ocorridas em 24 horas, através da pele, pulmões, urina e outros fluidos corporais. A necessidade básica de líquidos e eletrólitos corresponde à somatória das perdas ocorridas nas últimas 24 horas. Os volumes e a quantidade de eletrólitos necessários encontram-se expostos no Quadro 15.1. As estimativas baseiamse em valores médios de populações saudáveis. Porém, quando o paciente se encontra internado, e estiver sendo monitorizada a diurese ou a dosagem dos eletrólitos urinários, estes valores são mais exatos e devem ser utilizados. Recomendamos que seja utilizado o Quadro 15.3, para organizar a anotação dos volumes das perdas líquidas e eletrolíticas de cada paciente. Uma vez tabulados todos os dados de forma sistematizada, torna-se muito mais fácil calcular os subtotais, assegurando que todas as perdas sejam consideradas e repostas. Perdas Urinárias VOLUME O volume urinário para um indivíduo normal varia entre 500 ml (em condições de restrição hídrica intensa) e 256 Terapia Parenteral. Reposição Hidroeletrolítica Quadro 15.1 Necessidades básicas diárias Perdas ÁGUA ELETRÓLITOS (mEq/dia) (ml/dia) Sódio Potássio Cloro Urina 1.500 75 40 115 Sensível e Insensível 1.000 0 0 0 50 mEq/L 100 mEq/L 10 mEq/L 10 mEq/L 100 mEq/L 100 mEq/L Gastrintestinalb pH 4 pH 4 a a) indica-se o volume perdido no dia anterior. b) a secreção gástrica contém ainda 90 mEq de H por litro. 2.500 ml ao dia. O volume urinário de 1.500 ml, utilizado para cálculo, representa um valor médio entre os volumes urinários mínimo e máximo excretados habitualmente. Desta forma, se o volume líquido administrado for excessivo em relação às necessidades do paciente, o rim excretará o excesso, e se porventura for insuficiente, ele conservará o máximo possível de líquido. É necessário lembrar também que a urina contém dois componentes líquidos: um, correspondente à água sem eletrólitos, e outro, em que a água veicula eletrólitos. Por exemplo, num volume urinário de 1.500 ml, com sódio de 75 mEq/litro, concluímos que cerca de 500 ml são suficientes para a eliminação do sódio sob forma de uma solução isotônica, enquanto os restantes 1.000 ml correspondem a água livre. Quando o paciente apresenta um distúrbio da função renal, os rins não são capazes de variar a excreção de água e eletrólitos de acordo com a ingesta. Por exemplo: a) se o paciente apresenta oligúria devido a um comprometimento orgânico do rim, haverá uma incapacidade do rim em regular o balanço de água. A administração excessiva de líquido em relação ao volume excretado causará um excesso de água no organismo. Nestes casos, o volume urinário da necessidade básica deverá ser igual ao volume de urina excretada (v. também manejo da insuficiência renal aguda — Cap. 20); b) da mesma forma, a presença de edema implica um excesso de volume extracelular e, portanto, de sódio total. É preciso, então, reduzir a necessidade básica de sódio a zero. É necessário lembrar que o metabolismo de proteínas, gorduras e carboidratos produz a chamada água endógena, num volume de cerca de 400 ml ao dia. O metabolismo de 1 g de lipídios gera 1 ml de água; de 1 g de glicose, 0,64 ml de água, e de 1 g de proteína, 0,4 ml de água. Este volume de água pode, em algumas circunstâncias especiais, como a insuficiência renal anúrica, contribuir para o aparecimento de hiponatremia dilucional. mais sódio quando há modificações da dieta, num processo de adaptação que é efetivo após alguns dias (v. Cap. 10). Para atender às necessidades básicas, costumamos administrar 50-75 mEq diários de sódio, permitindo ao rim eliminar uma maior ou menor quantidade, de acordo com as necessidades.3 POTÁSSIO A perda diária habitual pela urina e fezes é de 40 mEq (v. Cap. 12).3 Na necessidade básica, administramos estes 40 mEq, observando que caberá ao rim modular a excreção deste íon, de acordo com as necessidades. CLORO A necessidade básica de cloro é deduzida pela soma da necessidade dos dois cátions: Na e K. SENSÍVEL E INSENSÍVEL Habitualmente consideramos, para a necessidade básica, uma perda líquida diária pela pele e pulmões da ordem de 1.000 ml. A perda diária através da pele está em torno de 400 ml, mas aumenta muito por sudorese profusa, febre, ambientes quentes e de pouca umidade. As perdas eletrolíticas na sudorese e respiração são desprezíveis (v. Quadro 15.1: zero nas colunas de sódio, potássio e cloro), e a reposição é feita apenas com água. Caso haja febre, acrescentar mais 100 ml de água para cada grau acima de 38°C. Em presença de taquipnéia, adicionar 100200 ml para cada 4 movimentos respiratórios por minuto acima de 20 no homem e 16 na mulher. Se a sudorese for excessiva, haverá perdas eletrolíticas que deverão ser repostas. Perdas Gastrintestinais VOLUME SÓDIO A ingesta média diária de sódio é de 135 a 170 mEq (8 a 10 g de sal). Os rins são capazes de conservar ou excretar No plano parenteral básico são levadas em conta as perdas ocorridas pela drenagem de fluidos corporais, através de sondas e fístulas. Procura-se fazer uma estimativa 257 capítulo 15 antecipada do volume a ser eliminado nas próximas 24 horas, baseando-se nas perdas ocorridas em dias anteriores. Isto é, se um paciente vem eliminando 1.000 ml de suco gástrico ao dia, é natural esperar que ele elimine a mesma quantidade nas próximas 24 horas. No entanto, é importante salientar que, se uma avaliação ao final das primeiras oito horas revela um volume eliminado próximo do esperado para as 24 horas, há necessidade de revisar o plano terapêutico traçado. ELETRÓLITOS Sem dúvida, o melhor meio de avaliar as perdas eletrolíticas em um determinado fluido do trato gastrintestinal é proceder à análise bioquímica do líquido. Como isto não é realizado rotineiramente, utilizamos algumas regras práticas. No caso do suco gástrico, costuma-se utilizar o seguinte raciocínio: suco gástrico de pH superior a 4 tem uma concentração de sódio em torno de 100 mEq/L, ou 10% do volume eliminado; se o pH for inferior a 4, a concentração de sódio será de 50 mEq/L, ou 5% do volume eliminado. De modo geral, consideramos que o suco gástrico eliminado apresenta pH menor que 4. Exemplo: volume de suco gástrico eliminado 1.500 ml, com pH 6; quantidade provável de sódio eliminado: 10% de 1.500 150, ou seja, 150 mEq de sódio. A perda de potássio no suco gástrico é pequena e não varia com a acidez do líquido. O cálculo é geralmente feito na base de 10 mEq/L, ou 1% do volume eliminado. A concentração habitual de cloro está em torno de 100 mEq/L (Quadro 15.2). Para as demais secreções do trato gastrintestinal, o Quadro 15.2 demonstra as concentrações eletrolíticas médias nos fluidos pancreáticos, biliares, intestinais, etc. Estas perdas também devem ser repostas no plano básico. CÁLCULO DAS CORREÇÕES A segunda fase do plano parenteral tem por objetivo a correção de distúrbios encontrados em cada uma das categorias enumeradas a seguir: 1) água; 2) sódio; 3) ácidobásico; 4) potássio, e 5) sangue e plasma. Deve ser rotineiramente verificada a presença de distúrbios em cada um destes elementos. Isto será extremamente útil na abordagem dos distúrbios hidroeletrolíticos mais complexos. Na folha de reposição hidroeletrolítica, há uma seção específica para correções (Quadro 15.3). Se não há distúrbios a corrigir, deve-se colocar um zero na coluna apropriada. Um sinal de adição () ou subtração () indica se a quantidade deverá ser adicionada ou retirada do plano parenteral. Correções para a Água Naturalmente as considerações feitas no Cap. 9 são valiosas para a análise e a compreensão dos distúrbios do metabolismo da água. Como foi frisado, a maneira mais prática de avaliar a necessidade de água é determinar o sódio plasmático, que reflete a osmolalidade plasmática. O objetivo é administrar uma quantidade de água que mantenha o sódio plasmático entre 130 e 135 mEq/L. Considerando que a água corporal total (ACT) equivale a cerca de 60% do peso corporal, o déficit ou excesso de água podem ser calculados pela fórmula abaixo. Ao se comparar a água corporal normal com a atual, será possível verificar a magnitude do excesso ou déficit. Água atual Água normal Sódio normal Sódio atual Quadro 15.2 Conteúdo eletrolítico dos fluidos corporais (mEq/L) LÍQUIDO Naⴙ Kⴙ Clⴚ HCO3ⴚ Volume (L/dia) Saliva Suco gástrico — pH 4 Suco gástrico — pH 4 Bile Duodeno Pâncreas Íleo Ceco Cólon Suor Ileostomia — recente Ileostomia — adaptada Colostomia 30 50 100 145 140 140 130 80 60 50 130 50 50 20 10 10 5 5 5 10 20 30 5 20 5 10 35 100 100 110 80 75 110 50 40 55 110 30 40 15 40 50 90 30 20 20 30 25 20 1-1,5 2,5 2 1,5 0,7-1 3,5 0-3 0,5-2 0,4 0,3 Adaptado de Koch, S.M.7 258 Terapia Parenteral. Reposição Hidroeletrolítica Quadro 15.3 Folha de reposição hidroeletrolítica Plano Básico Fonte Volume Naⴙ Kⴙ Clⴚ Urina Sensível Insensível Gastrintestinal Total – Básico (A) Plano de Correções Fonte Volume Naⴙ Kⴙ Clⴚ Bic Água Sódio Potássio Ácido-Básico Sangue e plasma Total – Correções (B) TOTAL (A + B) Prescrição médica: 1.____________________________________________________________________________________________________________ 2.____________________________________________________________________________________________________________ 3.____________________________________________________________________________________________________________ 4.____________________________________________________________________________________________________________ Adaptado de Scribner, B. H.2 Exemplo: Um paciente de 65 anos, que usualmente pesa 70 kg, chega ao hospital com um quadro de gastroenterite, queixando-se de sede. A determinação do sódio plasmático revela uma concentração de 154 mEq/L. Baseado no sódio plasmático, o diagnóstico inicial é de hipernatremia (déficit de água livre). Que quantidade de água livre deve ser administrada no plano parenteral de correção? Observe o cálculo, empregando-se a fórmula anterior. Água corporal total normal 60% de 70 kg 42 litros Água atual Água normal Sódio normal Sódio atual Água atual 42 140 38 154 Portanto, se a água normal é 42 litros e a atual é 38 litros, existe déficit de 4 litros de água livre. Na coluna de correção para a água, anotaremos: 4.000 ml. Correções para o Sódio Os dados importantes de história e exame físico para uma avaliação das necessidades de sódio já foram abordados no Cap. 10, onde mencionamos que se pode estimar o déficit de sódio através de uma avaliação criteriosa dos sinais físicos e pressão arterial e pulso nas três posições (deitado, sentado e de pé). A ausência de sinais ao exame físico, mas com história de perdas fluidas, permite o diagnóstico de depleção de pelo menos 10%. A variação da pressão e pulso permite a caracterização de graus mais intensos de déficit de sódio: 20 a 30% ou 40 a 50% do volume extracelular. A orientação dada no Cap. 10 para avaliar o sódio no organismo é a habitualmente utilizada no dia-a-dia. Poderão ocorrer, uma ou outra vez, dúvidas quanto às reais necessidades de sódio. Podemos, então, lançar mão de uma outra maneira de avaliar as necessidades de sódio, com base na interpretação das alterações do peso corporal. Estas alterações podem refletir mudanças no volume extracelular e, portanto, mudanças no sódio total. Mas, para que capítulo 15 259 o peso reflita o volume extracelular, duas correções são necessárias: uma para o catabolismo e outra para a água intracelular. Estas correções são necessárias, pois é óbvio que, se um indivíduo perdeu 2 kg nas últimas 48 horas, parte pode ter sido devido a uma diminuição do volume extracelular, parte a um déficit de água, e o restante, ao catabolismo por jejum, infecção etc. Atribui-se ao catabolismo uma perda diária de peso (massa protéica e gordurosa) entre 0,3 e 0,5 kg, dependendo do grau de catabolismo. A seguinte equação indica os fatores que causam alterações no peso: Comentário: A análise dos dados deste paciente permite deduzir que, no 10.º dia de pós-operatório, ele deveria ter perdido 3 kg à custa do catabolismo. No entanto, ele perdeu só 2 kg, e, como não houve variação no sódio plasmático, deduz-se que não houve variação na água intracelular. Portanto, o aumento de 1 kg foi à custa de um aumento no volume extracelular. Suponhamos agora que, no mesmo exemplo anterior, o sódio plasmático esteja em 126 mEq/L no 10.º dia de pósoperatório. Vejamos qual a alteração no volume extracelular. peso VEC LIC Perda de massa protéica e gordurosa, onde: peso VEC (0,4 peso) (PNai PNaf)/PNai (0,3 n.º dias) peso diferença entre o peso inicial e final; 2 kg VEC (0,4 60) (140 126)/140 0,3 10 VEC diferença entre o volume de líquido extracelular inicial e final; 2 kg VEC 24 10% 3 LIC diferença entre a quantidade de líquido (água) intracelular inicial e final; 2 kg VEC 0,6 Perda de massa protéica e gordurosa diferença na massa celular devido ao catabolismo diário. A água intracelular equivale a 40% do peso corporal, e supõe-se que alterações na água intracelular reflitam alterações na osmolalidade plasmática e, conseqüentemente, alterações no sódio plasmático. Desta forma, a diferença no líquido intracelular será: LIC LIC PNa PNa diferença entre o sódio plasmático inicial (PNai) e o sódio plasmático final (PNaf) em relação ao sódio plasmático inicial. Pode-se também usar a percentagem de alteração no sódio plasmático ( % Na). Logo, LIC (0,4 peso) (PNai - PNaf)/ PNai A equação final será: peso VEC (0,4 peso) (PNai PNaf)/PNai (0,3 n.º dias) 2 kg VEC 2,4 3 VEC 1,4 litro. Comentário: Como houve uma redução do sódio plasmático da ordem de 10% (140 126 14 ou 10% de 140), este paciente ganhou 10% do volume de água intracelular (24 litros), ou seja, 2,4 litros. Como no final de 10 dias ele deveria ter perdido 3 kg devido ao catabolismo e adquirido 2,4 kg pelo ganho de água, a redução de peso deveria ser de apenas 0,6 kg. Mas, como ele perdeu 2 kg, isto significa que o volume extracelular foi reduzido em 1,4 litro, como se deduziu acima. A correção para sódio implica a administração de uma solução isotônica de água e sódio. Se chegarmos à conclusão de que há um déficit de sódio da ordem de 1.000 ml, colocamos na coluna de volume o valor de 1.000 ml precedido do sinal . Nas colunas do sódio e cloro, colocamos o valor 150 mEq, que se refere à quantidade de sódio e cloreto existente por litro de solução salina isotônica. Na presença de edema e, portanto, de excesso de sódio no organismo, nenhuma solução contendo sódio será administrada, e a coluna de Na terá apenas zeros. ou, substituindo (PNai PNaf)/PNai por % Na: peso VEC (0,4 peso) % Na (0,3 n.o dias) Exemplo: Um paciente de 60 kg é submetido a uma gastrectomia total, recebendo apenas água e eletrólitos por via parenteral. No 10.º dia de pós-operatório, seu peso é de 58 kg. O sódio plasmático inicial e agora no 10.º dia é o mesmo: 140 mEq/L. Qual foi a alteração no volume extracelular? Aplicando a equação anterior, teremos: 2 kg VEC (24 litros 0 3kg) 2 kg VEC (0 3 kg) 2 kg VEC 3 kg VEC 1 litro. O TERCEIRO ESPAÇO Este termo foi criado para descrever um compartimento físico ou fisiológico no qual líquidos do organismo, especialmente o líquido extracelular, acumulam-se em decorrência de uma lesão e não mais participam do volume circulante.1,4 Seria talvez mais preciso imaginar este líquido como um volume seqüestrado internamente e oriundo do líquido extracelular. Desta forma, pode haver uma enorme diminuição no volume extracelular, sem que haja alteração do peso. Como dissemos, este líquido localiza-se mais comumente em tecidos lesados, como na pele, após queimaduras; na superfície peritoneal, após uma agressão química ou bacteriana; na massa muscular esquelética, após trauma ou esmagamento; acúmulo intraluminal de 260 Terapia Parenteral. Reposição Hidroeletrolítica secreções digestivas no caso de uma obstrução intestinal e o próprio líquido ascítico. Até que exista um restabelecimento da integridade celular dos tecidos lesados, este líquido acumulado não tem valor funcional. É importante relembrar que, como este líquido se origina do extracelular, inicialmente há uma redução do volume extracelular, e o organismo responde com retenção de água e sal, que se traduz por aumento do peso. A redução da excreção de sódio urinário que ocorre no pós-operatório, que por muitos anos foi interpretada como uma intolerância do rim ao sódio (v. introdução do capítulo), nada mais é que uma resposta fisiológica face a uma redução do volume extracelular, decorrente de uma seqüestração de líquido (terceiro espaço) na área de incisão cirúrgica, área de dissecção e nos espaços manipulados, como ocorre com o edema das alças intestinais pós-manipulação. Sangue e Plasma Se houver uma redução importante do volume globular ou evidência de sangramento ativo, a administração de sangue pode estar indicada. Da mesma forma, nos processos inflamatórios intraperitoneais (peritonites) ou no grande queimado, a perda de plasma é significativa, e a sua reposição será importante na manutenção de um bom volume circulante. É importante salientar que o volume plasmático e o volume extracelular podem variar em direções opostas. Por exemplo, na presença de hipoproteinemia e edema, o volume extracelular está aumentado e o volume plasmático reduzido, podendo haver sinais de hipovolemia. Ácido-básico O processo diagnóstico de um distúrbio ácido-básico já foi abordado no Cap. 11. Ficou explícito que, se houver uma alcalose metabólica, a correção da depleção do volume extracelular e do déficit de potássio, em geral, será suficiente. Raramente há necessidade da administração de ácidos minerais. Se o diagnóstico é de acidose metabólica, calculamos a quantidade de bicarbonato de sódio a ser administrada (já abordada no Cap. 11) e anotamos na coluna do sódio. Lembrar de anotar, na coluna de volume, a quantidade de líquido que será utilizada para administrar o bicarbonato. Também é necessário deduzir, da necessidade básica ou da correção para sódio, a quantidade de sódio administrada com o bicarbonato de sódio. Potássio O potássio plasmático nos dá uma idéia do potássio total do organismo. Uma vez determinado o déficit (método exposto no Cap. 12), anotamos o valor na coluna do potássio e do cloro. Um outro modo de fazer um cálculo aproximado do déficit de potássio é o seguinte:3 1. Se K sérico 3 mEq/L: para elevar o K sérico em 1 mEq/L, há necessidade de administrar de 100 a 200 mEq de potássio. 2. Se K sérico 3 mEq/L: para elevar o K sérico em 1 mEq/L, há necessidade de administrar de 200 a 400 mEq de potássio. 3. Para cada alteração no pH de 0,1 unidade, há uma alteração inversa de 0,6 mEq/L na concentração sérica de K. Exemplo: pH 7,3; K 4,6 mEq/L. Como houve uma redução de 0,1 no pH, o K sérico se elevou em 0,6 mEq/L. Com a correção do pH para 7,4, o K sérico voltará a 4,0 mEq/L. PRINCÍPIOS GERAIS DO PLANO PARENTERAL 1. É necessário que se faça apenas uma estimativa da magnitude do distúrbio, a qual servirá de guia para a reposição. Uma determinação exata não é possível e tampouco necessária. 2. À medida que se faz a correção do distúrbio, o plano terapêutico seguinte deverá aproximar-se da necessidade básica e permitir que o próprio rim faça os ajustes finais. 3. Nunca há necessidade de corrigir o distúrbio completamente nas primeiras 24 horas. 4. Cálcio, magnésio e fósforo normalmente não são acrescentados às soluções hidrossalinas que se destinam a uma reposição hidroeletrolítica de poucos dias de duração, porém são essenciais na nutrição parenteral. No Cap. 13 se encontram as diretrizes para o diagnóstico e o tratamento dos distúrbios relacionados a esses elementos. PLANO DE ADMINISTRAÇÃO Na folha de reposição hidroeletrolítica, determinam-se os totais combinados de volume e eletrólitos da necessidade básica e correções. Sódio. É administrado sob a forma de solução salina isotônica, na qual cada 1.000 ml possui 150 mEq de sódio. Se a quantidade de sódio a ser determinada for de 300 mEq, são necessários 2.000 ml de solução salina isotônica (soro fisiológico). Este volume (2.000 ml) é deduzido do volume total do líquido previsto na reposição. Água. É administrada sob a forma de uma solução de glicose a 5% (isotônica). Soluções de glicose mais concentradas (10, 20 ou 50%) poderão ser utilizadas, mas por veia central, já que em veia periférica soluções hipertônicas causam flebite. capítulo 15 Potássio. É encontrado sob a forma de cloreto de potássio, acetato de potássio e fosfato de potássio. Na reposição hidroeletrolítica, geralmente utilizamos o cloreto de potássio. As outras formas de apresentação são reservadas para a nutrição parenteral. O KCl a 19,1% (ampolas de 10 ml) contém 2,5 mEq de K por ml. A quantidade de potássio prevista na reposição é distribuída preferencialmente pelos frascos de soro glicosado a 5%. Evita-se a colocação de potássio em soro fisiológico porque, numa emergência (p. ex., choque), o líquido a ser administrado rapidamente é o soro fisiológico e nunca o soro glicosado. Se o soro fisiológico contiver K, sua administração rápida poderá causar sérias arritmias cardíacas. Evitar uma concentração de K superior a 30 mEq/L, pois concentrações maiores causam irritação e dor ao longo da veia. Se o paciente se apresenta oligúrico ou com retenção nitrogenada, é preferível não adicionar potássio ao primeiro frasco de solução. Se houver boa diurese em resposta à reposição líquida, adicionase potássio aos demais frascos. PRESCRIÇÃO MÉDICA A prescrição do plano parenteral: a) especifica a solução básica a ser administrada: soro fisiológico, soro glicosado a 5% etc.; b) especifica o volume de cada solução básica: 1.000 ml, 3.000 ml etc.; c) identifica os frascos de cada solução por um número consecutivo: p. ex., soro fisiológico, 3.000 ml; frascos 1, 2 e 3; d) indica os aditivos a serem usados na solução: p. ex., adicionar 10 ml de KCl 19,1% aos frascos 4, 5, 6 e 7 de soro glicosado a 5%; e) indica a velocidade de infusão, ou gotejamento por minuto. Aproximadamente, utilizando-se equipos comuns de infusão, a seguinte relação é válida: gotas/min ml/h L/24 h 6 12 18 24 21 42 63 84 0,5 1 1,5 2 EXEMPLOS Exemplo n.º 1: Uma jovem de 28 anos é submetida a uma colecistectomia e, 24 horas após, apresenta-se bem, apenas com sede. Dados vitais: PA 140/80 mm Hg, deitada; pulso: 80 b.p.m.; T 36,2°C; FR 10 m.r.m.; peso 60 kg; diurese das 24 horas: 600 ml; sódio e potássio plasmáticos: 147 mEq/L e 3,9 mEq/L, respectivamente; drenagem nasogástrica: 2.500 ml (pH 6,0). Formular o plano parenteral para as próximas 24 horas. Acompanhe pelo Quadro 15.4. 261 1.ª etapa — cálculo do plano básico: • Perda por diurese 600 ml, com 30 mEq de Na; 15 mEq de K e 45 mEq de cloreto. • Perda sensível e insensível 1.000 ml (sem eletrólitos). • Perda gastrintestinal 2.500 ml (é previsto um volume de perda igual ao do dia anterior). Como o pH do suco gástrico é elevado, a perda de sódio equivale a 10% do volume eliminado, ou seja, 250 mEq; a perda de potássio geralmente é de 1% do volume eliminado: 25 mEq. 2.ª etapa — cálculo do plano de correções: • Água: A análise deste caso mostra que há um déficit de água (traduzido por hipernatremia). No cálculo do déficit, verificamos que a água corporal normal desta paciente deveria ser 36 litros; porém, com sódio plasmático de 147 mEq/L, a água corporal (atual) se encontra em 34,2 litros. Existe, portanto, um déficit de 1.800 ml. • Sódio: Não são evidenciados sinais de depleção ou excesso do extracelular, apesar de uma certa redução no débito urinário em relação ao esperado para um adulto normal. Observe que os dados de pressão arterial e pulso estão normais. Não é necessária correção. • Potássio: O potássio sérico está normal. Não é necessária correção. • Ácido-básico: Não há dados. • Sangue e plasma: Não há dados. Exemplo n.º 2: Um homem de 35 anos é trazido para o Serviço de Emergência do hospital após ter sido encontrado por amigos num estado semi-estuporoso. Segundo os amigos, ele vinha bebendo muito nos últimos dias. A história médica pregressa era irrelevante, a não ser por um tratamento ambulatorial de úlcera péptica. Ao exame físico, ele se apresentava obnubilado, com os seguintes dados vitais: PA (deitado): 100/60 mm Hg PA (sentado): 40/? mm Hg Pulso (deitado): 100 b.p.m. Pulso (sentado): 140 b.p.m. Freq. Resp.: 18 m.r.m. Temp 38°C Peso: 60 kg As veias jugulares não eram visíveis em decúbito dorsal. O exame do abdome acusou dor epigástrica e ruídos hidroaéreos hipoativos. Não havia edema. Os exames de laboratório revelaram: hematócrito 45%; 10.500 leucócitos com 75% de polimorfonucleares; glicemia 120 mg/100 ml; sódio plasmático 125 mEq/L; potássio plasmático 3,0 mEq/L; cloro plasmático 75 mEq/L; bicarbonato plasmático 25 mEq/L; creatinina 1,8 mg/100 ml; pH arterial 7,41; pCO2 38 e pO2 60. Formular o plano parenteral para as próximas 24 horas (Quadro 15.5). Quadro 15.4 Plano parenteral: exemplo n.º 1 Plano Básico Fonte Volume Naⴙ Kⴙ Clⴚ 600 30 15 45 Sensível Insensível 1.000 0 0 0 Gastrintestinal 2.500 250 25 275 Subtotal — Básico 4.100 310 40 320 Urina Plano de Correções Fonte Volume Naⴙ Kⴙ Clⴚ Bic Água 1.800 0 0 0 0 Sódio 0 0 0 0 0 Potássio 0 0 0 0 0 Ácido-Básico 0 0 0 0 0 Sangue e plasma 0 0 0 0 0 Subtotal — Correções 1.800 0 0 0 0 TOTAL 5.900 310 40 320 0 Do total de 5.900 ml, qual volume de soro fisiológico (SF) é necessário para repor 310 mEq de sódio? Em 1 litro de SF há 150 mEq de sódio e 150 mEq de cloreto. Por uma regra de três, concluímos que são necessários aproximadamente 2.000 ml de SF. O restante do volume será reposto sob forma de soro glicosado a 5% (SG 5%). São necessários ainda 40 mEq de potássio, ou seja, 16 ml de KCl a 19,1%. O cloreto é veiculado com o sódio (NaCl) e com o potássio (KCl). Prescrição médica para o exemplo n.º 1: 1. Soro fisiológico: 2.000 ml (frascos 1 e 2); EV, 24 gotas/minuto. 2. Soro glicosado a 5%: 4.000 ml (frascos 3, 4, 5 e 6); EV, 48 gotas/minuto. 3. KCl a 19,1% — acrescentar 4 ml em cada frasco de soro glicosado a 5% (frascos 3, 4, 5 e 6). Quadro 15.5 Plano parenteral: exemplo n.º 2 Plano Básico Fonte Volume Naⴙ Kⴙ Clⴚ Urina 1.500 75 40 115 Sensível Insensível 1.000 0 0 0 0 0 0 0 2.500 75 40 115 Gastrintestinal Subtotal — Básico Plano de Correções Fonte Volume Naⴙ Kⴙ Clⴚ Bic Água 2.000 0 0 0 0 Sódio 3.600 540 0 540 0 Potássio 0 0 90 90 0 Ácido-Básico 0 0 0 0 0 Sangue e plasma 0 0 0 0 0 Subtotal — Correções 1.600 540 0 630 0 TOTAL 4.100 615 130 745 0 Do total de 4.100 ml, qual volume de soro fisiológico (SF) é necessário para repor 615 mEq de sódio? Cerca de 4.000 ml. Você percebe que, nesta situação, todo o volume a ser administrado para o paciente será composto por soro fisiológico. São necessários 130 mEq de potássio (52 ml), que, pela ausência de SG 5% no plano, serão fracionados entre os frascos de SF. Prescrição médica para o exemplo n.º 2: 1. Soro fisiológico: 4.000 ml (frascos 1, 2, 3 e 4); EV, 48 gotas/minuto. 2. KCl 19,1%: acrescentar 13 ml em cada frasco de soro fisiológico (frascos 1, 2, 3 e 4). 263 capítulo 15 atual de cerca de 40 litros. Portanto, o excesso de água é de 4 litros. Não há necessidade de fazer a correção total nas primeiras 24 horas. Além disso, se retirarmos os 4 litros, não teremos volume para administrar sódio. Portanto, na coluna para volume, colocamos 2.000 ml. • Sódio: Existe uma diminuição da pressão arterial e aumento da freqüência cardíaca com a mudança da posição deitado para sentado, e jugulares invisíveis. Isso permite fazer o diagnóstico de uma depleção do espaço extracelular de cerca de 20-30%. Como o espaço extracelular equivale a 20% do peso corporal, a depleção 1.ª etapa — cálculo do plano básico: • Perda por diurese desconhecida – considerar 1.500 ml, com 75 mEq de Na; 40 mEq de K e 115 mEq de cloreto. • Perda sensível e insensível 1.000 ml (sem eletrólitos). • Perda gastrintestinal não houve. 2.ª etapa — cálculo do plano de correções: • Água: A hiponatremia apresentada significa excesso de água. A água normal deste paciente de 60 kg deveria ser 36 litros. O cálculo da água atual demonstra um valor Quadro 15.6 Conversões comumente utilizadas mEq do ânion ou cátion/g de sal mg de sal/mEq NaCl 17§ 58 NaHCO3 12 84 Lactato de sódio 9 112 NaSO4 1OH2O 6 161 KCl 13 75 Acetato de potássio 10 98 Gluconato de potássio 4 234 CaCl2 2H2O 14 73 Gluconato2 de cálcio 1H2O 4 224 Lactato2 de cálcio 5H2O 6 154 MgSO4 7H2O 0,8 123 NH4Cl 19 54 §Lembrar que, numa dieta, 1 g de Na contém 43 mEq, enquanto 1 g de sal (NaCl) contém 17 mEq de Na. Desta forma, uma dieta contendo 4 g de sódio tem a mesma quantidade de sódio que uma dieta com 10 g de sal. Modificado de Boedecker E.C. e Dauber J.H.8 Quadro 15.7A Composição* das principais soluções utilizadas em terapia hidroeletrolítica Naⴙ Clⴚ Kⴙ Caⴙⴙ Soro glicosado a 5% 0 0 0 0 Solução salina a 0,9% 154 154 0 0 308 5,7 0 Solução salina a 3% 513 513 0 0 1.025 5,8 0 Ringer lactato** 130 109 4 3 275 6,5 0 Albumina 5% 130-160 130-160 0 0 308 6,9 20 Albumina 25% 130-160 130-160 0 0 1.500 6,9 100 Plasma fresco 140 100 4 0 300 6,7-7,3 20 Hidroxietil-amido (6%) 154 154 0 0 310 5,5 70 Dextran 70 (6%) 154 154 0 0 287 3-7 60 FLUIDO *Eletrólitos em mEq/L ** Contém 28 mEq de lactato por litro. Osm osmolaridade (mOsm/L) PCO pressão coloidosmótica (mm Hg) Adaptado de Kumar, A.; Wood, K.E.9 Osm pH PCO 252 5,0 0 Quadro 15.7B Expansão inicial de volume ( 3 horas) com alguns fluidos intravenosos (ml)* FLUIDO EIC EEC EIT PL Soro glicosado a 5% 600 40 255 85 Solução salina a 0,9% 100 1.100 825 275 2.950 3.950 2.690 990 Ringer lactato 0 1.000 670 330 Albumina 5% 0 1.000 100 900 Albumina 25% 0 1.000 3.500 4.500 Papa de hemácias 0 1.000 130 870 Plasma fresco 0 1.000 0 1.000 Solução salina a 3% Sangue total 0 1.000 0 1.000 Dextran 70 (6%) 0 1.000 1.000 2.000 HAES-steril 0 1.000 500 1.500 *Após infusão de 1 litro de solução. EIC espaço intracelular EIT espaço intersticial EEC espaço extracelular PL volume plasmático Adaptado de Carlson, R.W.; Rattan, S.; Haupt, M.10 Quadro 15.8 Principais aditivos utilizados ADITIVOS ELETRÓLITOS – mEq/ml Na K Cl Ca Mg HCO3§ NaCl 20% 3,4 - 3,4 - - - KCl 19,1% - 2,5 2,5 - - - Gluc. Cálcio 10% - - 4,8 - - 4,8 CaCl2 10% - - 13,6 13,6 - - Sulfato de Mg 10% - - - - 8,1 - 1,2 - - - - 1,2 - - 3,75 - - - NaHCO3 10% NH4Cl 20% §Incluídos lactato, gluconato, acetato. Modificado de Faintuch, J.11 Quadro 15.9 Perda estimada de líquido e sangue de acordo com os dados clínicos iniciais do paciente Classe I Classe II Classe III Classe IV Perda de sangue (ml) Até 750 750-1.500 1.500-2.000 2.000 Perda de sangue (% volume sanguíneo) Até 15% 15-30% 30-40% 40% 100 100 120 140 Pulso (b.p.m.) Pressão de pulso (mm Hg) N ou 앖 앗 앗 앗 Freq. respiratória (m.r.m.) 14-20 20-30 30-40 35 Diurese (ml/h) 30 20-30 5-15 Desprezível Ansiedade Ansiedade Ansiedade e Confusão e leve moderada confusão letargia Cristalóide Cristalóide Cristalóide e sangue Cristalóide e sangue Estado mental / SNC Reposição volêmica (regra 3:1) A regra 3:1 se baseia no fato de que a maior parte dos pacientes em choque hemorrágico necessita de 300 ml de solução eletrolítica para cada 100 ml de sangue perdido. A avaliação clínica contínua de cada paciente pode minimizar as dificuldades existentes para o cálculo exato da quantidade e tipo de fluidos a administrar. Baseado em: Advanced Trauma Life Support.12 265 capítulo 15 apresentada neste caso corresponde a 2.400-3.600 ml. Neste caso, optamos por reposição de 3.600 ml, pois a PA e o pulso em decúbito dorsal poderiam ser considerados alterados. • Potássio: O potássio sérico encontra-se diminuído (2,5 mEq/litro). Como não há distúrbio ácido-básico nem desvio iônico, a necessidade de potássio deste paciente está entre 200 e 400 mEq. Outra forma de calcular a necessidade de potássio é através da Fig. 12.5, onde verificamos que para um potássio de cerca do 3,0, corresponde uma deficiência de 10%. Calculando o potássio total (45 mEq/kg 45 60 2.700 mEq), concluímos que o déficit é de 270 mEq. Não há necessidade de corrigir este déficit nas primeiras 24 horas, e, além do mais, como estamos restringindo água livre, não temos volume para administrar o potássio, pois não desejamos ultrapassar a concentração de 30 mEq/L. Em vista disso, optamos pela correção de apenas 1/3 do déficit total e anotamos 90 mEq na coluna do potássio e cloro. • Ácido-básico: sem distúrbios. • Sangue e plasma: sem distúrbios. lução que contenha sódio tende a se distribuir no espaço de distribuição do sódio, ou seja, no extracelular. Soluções hipotônicas contêm um maior teor de água livre, que se distribuirá parte para o extracelular e parte para o intracelular. A solução salina isotônica é adequada para a correção de depleção do espaço extracelular, manejo líquido em pós-operatório (em que soluções hipotônicas causariam hiponatremia), correção inicial do choque, hemorragias e queimaduras. Por ser isotônica, esta solução não provoca desvios de líquido entre compartimentos. Em 1 litro desta solução há aproximadamente 150 mEq de sódio.5,6 3) Ringer lactato: é uma solução levemente hipotônica, que contém sódio e lactato. No fígado, o lactato é convertido em bicarbonato. Sua utilização atenua a acidose metabólica dilucional que poderia ocorrer em situações em que é necessária a reposição de grandes volumes de solução salina isotônica. 4) Solução salina a 3%: é uma solução cristalóide hipertônica, que promove desvios de água do intracelular para o intravascular. É utilizada no tratamento da hiponatremia sintomática. APÊNDICE Soluções Colóides Soluções Cristalóides São suspensões de partículas muito grandes, que não atravessam membranas semipermeáveis. Sua presença em um dos lados da membrana exerce uma força de atração (pressão oncótica) que é proporcional à sua concentração. Os colóides são utilizados para manter o volume plasmático, produzindo uma expansão efetiva do volume circulante, com pouca ou nenhuma perda para o interstício. A permanência destas soluções no intravascular (quando o endotélio está íntegro) aumenta a duração de sua ação. Se o endotélio estiver lesado, pode haver escape de solução colóide para o interstício. Devido às características da distribuição destas soluções, doses menores de colóide causam maior expansão do intravascular que os cristalóides. De modo geral, na ausência de lesão endotelial significativa, são necessários três volumes de solução cristalóide para promover um efeito equivalente a 1 volume de solução colóide em expansão do intravascular (“regra 3:1”). Esta distribuição modifica-se muito no choque séptico. São exemplos de colóides: a albumina, o hidroxietil-amido, os dextrans e as gelatinas.5 As referências bibliográficas 13 a 23 demonstram a controvérsia atual existente em torno da escolha da solução mais adequada a ser administrada em situações especiais. São soluções verdadeiras em que sólidos cristalinos estão dissolvidos em água, sob a forma de íons ou moléculas. Exemplo: solução salina isotônica, solução de Ringer lactato, solução glicosada 5%. Os cristalóides são infundidos no espaço intravascular, mas distribuem-se em todo o espaço extracelular e, eventualmente, para o intracelular.5 1) Soro glicosado a 5% (SG 5%): é uma solução hipotônica, que veicula água e pequena quantidade de glicose. Em condições normais, a glicose é assimilada pelas células e não causa alterações na glicemia do paciente. Porém, no diabetes melito, pode desenvolver-se hiperglicemia. Num paciente não-diabético, ao administrarmos SG 5% juntamente com SSI, a SSI permanecerá no espaço intravascular; a glicose será metabolizada, e a água livre se distribuirá no espaço extracelular e intracelular. É útil no tratamento da hipernatremia, como forma de administração de água livre, veículo para a administração de medicamentos, manutenção de acessos venosos permeáveis. Soluções mais concentradas de glicose (10, 20 ou 50%) podem ser utilizadas, mas causam flebite quando infundidas em veias periféricas. Como não contém sódio, não é adequada para repleção do extracelular.6 2) Solução salina a 0,9% — isotônica (SSI): esta solução é denominada isotônica por apresentar tonicidade semelhante à do plasma. É utilizada quando se necessita expandir o espaço extracelular, pois o sódio é o principal cátion deste espaço, e determina seu volume. Uma so- 1) Albumina (Albumina Humana 20%): é a principal proteína do soro, contribuindo com 80% da pressão oncótica do plasma. É disponível em solução a 20%. Doses acima de 20 ml/kg causam maior aumento no intravascular que o volume infundido, pois o incremento na pressão oncótica provoca movimento de líquido para o 266 Terapia Parenteral. Reposição Hidroeletrolítica intravascular. A meia-vida intravascular da albumina é de 16 horas. É um efetivo expansor de volume no trauma e choque. São argumentos contra seu uso a possibilidade de transmissão de doenças infecciosas (hepatite e SIDA) e a ocorrência de eventuais reações anafiláticas.5 2) Hidroxietil-amido (Haes-Steril): é um polímero ramificado da glicose, com peso molecular e clearance variáveis. É um expansor efetivo de volume. Acima de 20 ml/ kg, pode causar coagulopatia. Não possui o risco de transmitir infecções; a possibilidade de reações anafiláticas é pequena.5 3) Dextrans (Dextran 40): são misturas de polímeros da glicose, de vários tamanhos e pesos moleculares (dextran 40 e dextran 70). A expansão de volume causada por estas soluções depende do peso molecular, quantidade, velocidade de administração e taxa de eliminação. A infusão de dextran 70 causa expansão mais prolongada e efetiva que o dextran 40. Estas soluções modificam as propriedades reológicas do sangue na microcirculação (diminuem a viscosidade), podendo melhorar o consumo de oxigênio em pacientes gravemente doentes. Como os outros colóides sintéticos, pode causar reações de hipersensibilidade e efeitos sobre a coagulação.5 4) Gelatinas (Haemacel e Hisocel a 3,5%): o nível e a duração de seu efeito sobre o volume plasmático dependem da taxa de infusão. De modo geral não alteram a coagulação e são eliminadas inalteradas pelos rins e intestino. Experimentalmente, demonstrou-se que esta solução pode extravasar para o compartimento intersticial com certa rapidez.5 trado rapidamente é o soro fisiológico e nunca o soro glicosado. Se o soro fisiológico contiver potássio, sua administração poderá causar complicações cardíacas. Cada ml desta solução contém 25 mEq de potássio. 2) Bicarbonato de sódio: está disponível a solução de bicarbonato de sódio a 8,4%, que contém 1 mEq de bicarbonato e 1 mEq de sódio por ml. Frascos de 250 ml. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. Outras Soluções e Aditivos para Uso Parenteral 1) Cloreto de potássio a 19,1% (KCl 19,1%): é o aditivo utilizado para repor as perdas e deficiências de potássio, principalmente em pacientes intolerantes ao potássio administrado por via oral. A dose prescrita deve ser cuidadosamente observada. O potássio é um agente irritante para as veias, dependendo de sua diluição (se maior que 30 mEq/litro). Mais importante, porém, é que pacientes com disfunção renal podem desenvolver hipercalemia fatal.6 Neste caso é preferível não adicionar potássio ao primeiro frasco de solução. Se houver boa diurese em resposta à reposição líquida, adiciona-se potássio aos demais frascos. O potássio pode ser administrado com o soro glicosado ou com solução salina isotônica. Como apresentado no Cap. 12, a infusão com soro glicosado causa a entrada de potássio mais rapidamente nas células, devido à liberação de insulina, o que dificultaria a correção do potássio no sangue. Por outro lado, após a correção de uma hipocalemia grave, evitase colocar o potássio em soro fisiológico, pois, numa emergência (p.ex., o choque), o líquido a ser adminis- 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. DUKE, J.H. Jr. e BOWEN, J.C. Fluids and electrolytes: basic concepts and recent developments. Contemporary Surgery, 7:19, 1975. SCRIBNER, B.H. Teaching Syllabus for the Course on Fluid and Electrolyte Balance, 1969, University of Washington, Seattle. ARIEF, A.I. Principles of parenteral therapy and parenteral nutrition. Cap. 13, pág. 567. Clinical Disturbance of Fluid and Electrolyte Metabolism. Edits. M.M. Maxwell e C.R. Kleeman. McGraw-Hill Co., 1972. CHAPMAN, W.H. et al. The Urinary System. An Integrated Approach. Cap. 4, pág. 89. W.B. Saunders Co., 1973. McCUNN, M.; KARLIN, A. Nonblood fluid resuscitation. Anesth. Clin. North America, 17(1):107-123, 1999. PRESTON, R.A. IV solutions and IV orders. In: Preston, R.A. 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