Compartimentos Líquidos do Organismo

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Capítulo
8
Compartimentos Líquidos do Organismo
Miguel Carlos Riella, Maria Aparecida Pachaly e Leonardo Vidal Riella
UNIDADES DE MEDIDA DE ÁGUA E DE ELETRÓLITOS
Peso atômico
Peso molecular
Equivalente eletroquímico
Pressão osmótica, osmol e miliosmol
Concentração molar ou molaridade (M)
Concentração molal ou molalidade (m)
Plasma
Volume intersticial-linfático
Volume dos líquidos transcelulares
Determinação do volume intracelular (VIC)
COMPOSIÇÃO ELETROLÍTICA DOS COMPARTIMENTOS
LÍQUIDOS
DISTRIBUIÇÃO DA ÁGUA ENTRE COMPARTIMENTOS
DIFUSÃO E OSMOSE
Adição de água ou solução hipotônica
OSMOLALIDADE E TONICIDADE
Adição de solução hipertônica de NaCl
Soluções isotônicas, hipertônicas e hipotônicas
Soluções isosmóticas, hiperosmóticas e hiposmóticas
ÁGUA TOTAL DO ORGANISMO
Determinação da água corporal total
COMPARTIMENTOS LÍQUIDOS
Determinação do volume extracelular (VEC)
Adição de solução isotônica de NaCl
TROCAS LÍQUIDAS ENTRE PLASMA E INTERSTÍCIO
EXERCÍCIOS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
Determinação do volume dos subcompartimentos
extracelulares
A água é o principal constituinte do corpo humano e
de todos os organismos vivos. O próprio organismo é uma
solução aquosa na qual estão dissolvidos vários íons e
moléculas. Em circunstâncias normais, mesmo havendo
variações na dieta, o conteúdo de água e eletrólitos é mantido estável au6évés de modificações na excreção urinária.1
A distribuição desta solução aquosa e de seus vários
constituintes no organismo é objeto de discussão nas páginas seguintes.
UNIDADES DE MEDIDA DE ÁGUA
E DE ELETRÓLITOS
O corpo humano é formado por uma solução aquosa
que representa 45 a 60% do peso corporal.2 Nesta solução,
o solvente é a água e o soluto está representado por substâncias orgânicas e inorgânicas. Para melhor compreensão
das unidades que expressam a concentração dos solutos,
os seguintes conceitos são importantes:
91
capítulo 8
2). Por exemplo, no cloreto de cálcio 1 mol de Ca combina-se com 2 moles de Cl e é igual a 2 equivalentes.1
Peso Atômico
Peso atômico é o peso total de um átomo ou a média das
massas dos isótopos naturais de um elemento químico. O
peso de 1 átomo de oxigênio é 16 e serve como referência
para o peso atômico de todas as substâncias. Assim, o peso
atômico do potássio é 39, em relação ao peso atômico do
oxigênio.1
Por sua pequena concentração no organismo, os eletrólitos são comumente expressos em miliequivalentes (mEq).
Um miliequivalente é igual a 103 equivalentes.
Peso Molecular
Pressão Osmótica, Osmol e Miliosmol
É a soma dos pesos atômicos de todos os elementos
encontrados na fórmula de uma substância. O peso molecular expresso em gramas é igual a mol (M) e, em miligramas, é igual a milimol (mM).1 Exemplo:
Outra maneira de expressar o número de partículas de
soluto presentes é através da pressão osmótica, que determina a distribuição de água entre os compartimentos. A
pressão osmótica é proporcional ao número de partículas
por unidade do solvente e não se relaciona à valência ou
peso das partículas.1 As unidades utilizadas são o osmol
(Osm) e o miliosmol (mOsm). Um osmol é o número de íons
por mol ou a quantidade de substância que se dissocia em
solução para formar um mol de partículas osmoticamente
ativas. Por exemplo, 1 mol de NaCl tem 2 osmóis de soluto, pois se dissocia em Na e Cl. Um mol de glicose contém
apenas 1 osmol de soluto, pois a glicose não é ionizável.
A pressão osmótica determina a distribuição de água
entre os espaço intra- e extracelular, como será discutido
ao se abordar tonicidade (v. a seguir).
SUBSTÂNCIA
Cloreto de
Potássio
FÓRMULA
PESO MOLECULAR
MOL (M)
MILIMOL
(mM)
KCl
39 35,5 74,5
74,5 g
74,5 mg
Equivalente Eletroquímico
Partículas com carga positiva são chamadas cátions (por
exemplo, Na e K) e partículas com carga negativa são
chamadas ânions (Cl e HCO3). Quando cátions e ânions
se combinam, eles o fazem de acordo com sua carga iônica
(valência) e não de acordo com seu peso.1
Equivalência eletroquímica se refere ao poder de combinação de um íon. Um equivalente é definido como o peso
em gramas de um elemento que se combina com ou substitui 1 g de íon hidrogênio (H). Também se obtém o equivalente de uma determinada substância dividindo-se o
peso molecular por sua valência.1 Para íons monovalentes,
1 mol é igual a 1 equivalente. Para íons divalentes, 1 mol é
igual a 2 equivalentes.
1 Eq peso molecular
valência iônica
Como 1 g de H é igual a 1 mol de H (contendo aproximadamente 6,02 1023 partículas), um mol de qualquer
ânion monovalente (carga –1) se combinará como H e será
igual a um equivalente (eq).
1 mol H (1 g) 1 mol Cl (35,5 g) 씮
1 mol HCl (36,5 g)
Da mesma forma, 1 mol de um cátion monovalente (carga 1) também é igual a 1 equivalente, pois pode substituir
o H e combinar-se com 1 equivalente de algum ânion.
1 mol Na(23 g) 1 mol Cl (35,5 g) 씮
1 mol NaCl (58,5 g)
Já o cálcio ionizado (Ca) é um cátion divalente (carga
1 mol Ca (40 g) 2 mol Cl (71g) 씮
1 mol CaCl2 (111 g)
Concentração Molar ou Molaridade (M)
É o número de moles do soluto por litro de solução, a
uma dada temperatura.
Concentração Molal ou Molalidade (m)
É o número de moles do soluto por 1.000 gramas do
solvente.
DIFUSÃO E OSMOSE
A difusão é dividida em dois subtipos: a difusão simples e a difusão facilitada. Na difusão simples, a passagem
de íons ou moléculas através de uma membrana ocorre
devido ao movimento cinético aleatório destas partículas,
sem a necessidade de ligação com proteínas de transporte. A taxa de difusão simples depende da quantidade de
substância disponível, velocidade de movimento cinético
e número de aberturas na membrana celular através das
quais as moléculas ou íons podem se mover. Na difusão
facilitada, há necessidade de interação com uma proteína
transportadora, a qual se liga quimicamente às moléculas
e facilita sua passagem através da membrana.5
A osmose ocorre quando duas soluções de concentrações diferentes encontram-se separadas por uma membra-
92
Compartimentos Líquidos do Organismo
na semipermeável. Há então um movimento de água da
solução menos concentrada para a mais concentrada, a qual
sofre uma diluição progressiva, até que as duas soluções
atinjam um equilíbrio.
A
OSMOLALIDADE E
TONICIDADE
É importante diferenciar os conceitos de osmolalidade
e tonicidade. A osmolalidade é determinada pela concentração total de solutos numa determinada solução ou compartimento. Tonicidade é a capacidade que os solutos têm
de gerar uma força osmótica que provoca o movimento de
água de um compartimento para outro.3,4 Para que ocorra
aumento da tonicidade no espaço extracelular, por exemplo, é necessário que solutos permaneçam confinados neste
espaço sem atravessar livremente as membranas celulares
e sem migrar para os demais compartimentos. Isto provocará o movimento de água do compartimento intracelular
para o extracelular (osmose) para estabelecer um equilíbrio
osmótico, gerando também diminuição do volume das
células. Alguns dos solutos capazes de produzir este movimento de água (osmóis efetivos) são: sódio, glicose, manitol e sorbitol. O sódio permanece no espaço extracelular
sem movimentar-se para outros compartimentos devido à
ação da bomba sódio-potássio ATPase, que continuamente bombeia o sódio para fora das células.
A glicose é um osmol efetivo, mas é normalmente metabolizada no interior das células, e desta forma não contribui significativamente para a tonicidade sob circunstâncias normais. No diabetes mellitus descontrolado, a concentração elevada de glicose no plasma pode levar a um aumento significativo da osmolalidade e da tonicidade, causando movimento de água para dentro do espaço extracelular. A uréia contribui para a osmolalidade, mas atravessa livremente as membranas e não influi no movimento de
água entre compartimentos.3,4
Soluções Isotônicas, Hipertônicas e
Hipotônicas
As soluções isotônicas apresentam a mesma tonicidade
que o plasma, e conseqüentemente não induzem movimento de água através das membranas celulares e não provocam variação do volume celular. Exemplo de solução isotônica: solução salina a 0,9%; solução glicosada a 5%.
Soluções hipertônicas geram o movimento de água em
direção ao espaço extracelular, provocando diminuição do
volume celular. Exemplo: solução salina em concentração
superior a 0,9%.
As soluções hipotônicas provocam o movimento de
água em direção ao compartimento intracelular, provocando edema celular.5 Exemplo: solução salina em concentra-
B
C
Fig. 8.1 Efeito do contato de diferentes soluções com hemácias:
solução isotônica (A); solução hipertônica (B); e solução hipotônica (C).
ção inferior a 0,9%. A Fig. 8.1 exemplifica os efeitos descritos.
Soluções Isosmóticas, Hiperosmóticas e
Hiposmóticas
A osmolalidade de uma solução é determinada pela
quantidade total de partículas dissolvidas, incluindo os
solutos que atravessam as membranas celulares. Os termos
isosmótico, hiperosmótico e hiposmótico se referem a uma
comparação com o fluido extracelular normal. Por exemplo, a solução salina a 0,9% é ao mesmo tempo isotônica
(não provoca movimento de água) e isosmótica (apresenta o mesmo número de partículas de soluto) em relação ao
espaço extracelular.
Pontos-chave:
• A osmolalidade depende do número total
de solutos numa solução ou compartimento
• Tonicidade é a capacidade que os solutos
têm de provocar movimento de água de um
compartimento para outro. Esta propriedade
define o que são soluções isotônicas,
hipotônicas e hipertônicas
ÁGUA TOTAL DO ORGANISMO
A água total do organismo varia entre 45 e 60% do peso
corporal, de acordo com a idade, o sexo e a composição
corporal do indivíduo.3,7 Esta proporção variável é devido
às diferentes quantidades de gordura presentes no organismo, pois em gordura neutra quase não existe água.
Assim, indivíduos obesos, embora mais pesados, possuem
menos água no organismo. Da mesma forma, por possuírem maior quantidade de gordura no organismo, as mulheres têm menor proporção de água corporal (50%). Já os
idosos, por apresentarem menor massa muscular, têm um
menor conteúdo de água.3 Nas crianças, a água corporal
total equivale a cerca de 70%-80% do peso, pois apresentam menor conteúdo de tecido adiposo.
93
capítulo 8
Para efeitos práticos de cálculo, consideraremos a água
total como sendo 60% do peso corporal, independentemente das variações anteriormente mencionadas.
Determinação da
Água Corporal Total
O método laboratorial que determina a água total do
organismo baseia-se na técnica de diluição,5,8 fundamentada no seguinte princípio: quando se adiciona uma quantidade conhecida de soluto a um volume desconhecido de
solvente, e dosa-se a concentração final da substância, é
possível calcular o volume do solvente. Por exemplo, adicionando 1 kg (1.000 mg) de uma substância a um volume de solvente, e obtendo-se uma concentração final de
100 mg/litro, chega-se à conclusão de que o volume do
solvente é igual a 10 litros. Acompanhe com a fórmula
abaixo:
Ci/Vf Cf e Vf Ci/Cf
Onde:
Ci: concentração (quantidade) inicial da substância
adicionada;
Cf: concentração final da substância adicionada;
Vf: volume final da solução.
1.000 mg/Vf 100 mg/litro
Vf 1.000/100 10 litros
A determinação da quantidade de água do organismo
in vivo só foi possível após o emprego de isótopos da água:
estáveis (deutério) ou radioativos (trítio). Um destes compostos é injetado na circulação e aguarda-se um determinado período para que haja equilíbrio no plasma. Naturalmente, a quantidade da substância que é metabolizada e
excretada durante este período de equilíbrio deve ser considerada. A antipirina foi também uma substância bastante utilizada na determinação da água total do organismo.
COMPARTIMENTOS LÍQUIDOS
A água do organismo se distribui em compartimentos,
em parte devido a diferentes composições iônicas (Fig. 8.2).
No entanto, estes compartimentos não são estanques, havendo um constante intercâmbio hidroeletrolítico. Basicamente, identificam-se dois grandes compartimentos: intracelular e extracelular.
O compartimento intracelular é composto pela água
existente no citoplasma de todas as células. Já o compartimento extracelular, como o próprio termo indica, referese a toda a água externa às células e possui subcompartimentos: plasma, líquido intersticial e linfa, água dos ossos
e líquidos transcelulares (Fig. 8.2).
Os líquidos transcelulares representam coleções de líquidos que não são simples transudatos, mas são líquidos
secretados e incluem: secreções das glândulas salivares,
pâncreas, fígado e árvore biliar, além dos líquidos nas cavidades pleurais, oculares, peritoneal, no lúmen do trato
gastrintestinal e líquido cefalorraquidiano.4
Terceiro espaço é um termo proposto por Randall, em
1952, para descrever a situação na qual o líquido extracelular é perdido ou seqüestrado numa área do corpo onde
não participa das trocas, e conseqüentemente não satisfaz
às necessidades hídricas do paciente. Exemplos: líquido
no intestino na presença de íleo, líquido peritoneal na peritonite, líquido peripancreático na pancreatite aguda e o
edema do queimado. Por exemplo, no paciente com obstrução intestinal ou íleo intenso, vários litros de fluidos
ricos em eletrólitos podem estar confinados ao intestino,
sem que o paciente possa utilizá-los, mesmo que esteja hipovolêmico.
Determinação do Volume Extracelular
(VEC)
O método utilizado também se baseia no princípio da técnica de diluição, preferindo-se uma substância que seja excluída das células e permaneça no espaço extracelular. Várias substâncias têm sido utilizadas: 36Cl, sulfato, tiossulfato
e tiocianato, além de certos sacarídeos (manitol, inulina e
sucrose).8 Nenhuma destas substâncias é considerada ideal.
Elas variam na sua capacidade de penetração nas células e
os resultados da determinação do VEC são, portanto, diversos, variando de 16 a 28%. Na prática, considera-se que o
volume extracelular corresponde a 20% do peso corporal.5
Determinação do Volume dos
Subcompartimentos Extracelulares
PLASMA
Fig. 8.2 Compartimentos líquidos do organismo (percentual do
peso corporal).
O volume plasmático é determinado empregando-se
substâncias que ficam confinadas ao leito vascular. A al-
94
Compartimentos Líquidos do Organismo
bumina ou eritrócitos podem ser utilizados. A albumina
marcada com 131I é a mais empregada, e o volume de distribuição determinado está em torno de 4,5% do peso corporal. Entretanto, alguma 131I-albumina escapa do leito
vascular para o interstício. Quando se empregam eritrócitos, eles são previamente marcados com crômio-51
(51Cr).
VOLUME INTERSTICIAL-LINFÁTICO
É calculado indiretamente, subtraindo-se o volume plasmático do volume extracelular, e aproxima-se de 20% da
água total ou 12% do peso corporal.
VOLUME DOS LÍQUIDOS
TRANSCELULARES
É calculado pela soma das várias secreções e aproximase de 1,5% do peso corporal ou 2,5% da água total (Quadro 8.1).
Determinação do Volume Intracelular
(VIC)
O volume intracelular não pode ser determinado diretamente e é calculado subtraindo-se o volume extracelular da água corporal total. Na prática, considerando-se a
água total do organismo como sendo 60% do peso corporal e o volume extracelular 20%, conclui-se que o volume
intracelular é de 40% do peso total.5
Quadro 8.1 Distribuição da água total num
adulto jovem*
% do Peso
Corporal
% da Água
Total
Plasma
4,5
7,5
Líquido intersticial linfático
12,0
20,0
Tecido conjuntivo denso e
cartilagem
4,5
7,5
Água do osso (inacessível)
4,5
7,5
Transcelular
1,5
2,5
Extracelular total
27,0
45,0
Extracelular funcional**
21,0
—
Água total
60,0
100,0
Água intracelular
33,0
55,0
Compartimento
*Modificado de Edelman, I. S. e Leibman, J.11
**O líquido extracelular funcional representa o extracelular total menos
a água do osso e do líquido transcelular.
Pontos-chave:
• Regra 60:40:20
• Água corporal total 60% do peso
corporal.
• Compartimentos:
Intracelular 40% do peso corporal
Extracelular 20% do peso corporal
COMPOSIÇÃO ELETROLÍTICA
DOS COMPARTIMENTOS
LÍQUIDOS
A composição eletrolítica do plasma e dos líquidos intersticial e intracelular pode ser apreciada no Quadro 8.2.
No líquido extracelular o cátion mais abundante é o
sódio, e o cloro é seu principal ânion. Em menor concentração no líquido extracelular, observamos K, Ca e Mg
e os ânions HPO4 , H 2 PO4 e SO4 . Além disso, muitos
ácidos orgânicos (láctico, pirúvico, cítrico) existem no líquido extracelular como ânions e podem estar elevados em
diversas enfermidades.5 O sódio no líquido extracelular
representa a metade de sua osmolalidade.
No líquido intracelular o cátion mais abundante é o
potássio, e os ânions prevalentes são compostos orgânicos
como os fosfatos, sulfatos e proteínas. Observam-se ainda
Mg, Ca e os ânions inorgânicos Cl e HCO3. Note que
o total de íons intracelulares excede o do plasma e, no entanto, a osmolalidade intra- e extracelular é a mesma. Acredita-se que alguns destes íons intracelulares sejam osmoticamente inativos, isto é, ligados a proteínas e a outros
constituintes celulares. Metade da osmolalidade do líquido intracelular é dada pelo K.
A determinação de eletrólitos no interior das células é
tecnicamente difícil, além de variar de acordo com a origem do tecido estudado. Por exemplo, apesar da possibilidade de acesso às hemácias do sangue periférico, a dosagem dos eletrólitos nestas células, que não possuem núcleos e mitocôndrias, pode não refletir o que ocorre no tecido
muscular.6
O líquido intersticial é um ultrafiltrado do plasma. Sendo assim, não contém os elementos celulares (hemácias, leucócitos, plaquetas), e sim um líquido ultrafiltrado que praticamente não contém proteínas. Note-se que a soma total
de íons no plasma é maior que a do líquido intersticial. A
explicação está na distribuição de Gibbs-Donnan5,7,9 (Fig. 8.3):
a) quando há um ânion pouco difusível num dos lados da
membrana (no caso, as proteínas no lado vascular), a
concentração de um íon positivo difusível será maior
neste lado, e a concentração de um ânion difusível será
menor;
95
capítulo 8
Quadro 8.2 Composição iônica do plasma, líquido intersticial e intracelular
Íons
mEq/L
Plasma
mEq/kg/H2O
Líquido
Intersticial
mEq/L
Cátions
Líquido
Intracelular
mEq/kg/H2O
Sódio (Na)
Potássio (K)
Cálcio (Ca)
Magnésio (Mg)
142,0
4,0
5,0
3,0
151,0
4,3
5,4
3,2
144,0
4,0
2,5
1,5
10,0
156,0
3,3
26,0
Total
154,0
163,9
152,0
195,3
103,0
109,7
114,0
2,0
27,0
2,0
1,0
5,0
16,0
28,7
2,1
1,1
5,3
17,0
30,0
2,0
1,0
5,0
0,0
8,0
95,0
20,0
—
55,0
154,0
163,9
152,0
180,0
Ânions
Cloro (Cl)
Bicarbonato
(HCO3)
Fosfato (HPO4)
Sulfato (SO4)
Ácidos orgânicos
Proteínas
Total
las e de uma eliminação ativa de outros íons do interior da
célula. Assim, a concentração de sódio no líquido extracelular é alta e no interior das células é baixa, porque o sódio
é ativamente eliminado das células por meio de bombas
iônicas.
Pontos-chave:
Fig. 8.3 Equilíbrio de Gibbs-Donnan. No diagrama, os compartimentos A e B estão separados por uma membrana permeável ao
Na e Cl, mas impermeável à proteína. Após o equilíbrio final,
observa-se que:
1.º) O produto da concentração de íons difusíveis num compartimento é igual ao produto dos mesmos íons no outro compartimento (94 no compartimento A e 66 no compartimento B);
2.º) Em cada compartimento, a soma dos cátions deve ser igual à
soma dos ânions (9 Na e 4 Cl 5 Pr no compartimento A; 6
Na e 6 Cl no compartimento B);
3.º) A concentração de cátions difusíveis será maior no compartimento que contém a proteína (carga negativa) não difusível que
no outro compartimento, e a concentração de ânions difusíveis
será menor no compartimento A que no B;
4.º) A osmolalidade é maior no compartimento A, que contém a
proteína. (Obtido de Valtin, H.9)
b) o número total de íons difusíveis será maior no lado que
contiver o ânion pouco difusível.
A diferente concentração iônica nos diversos compartimentos não é devido a uma impermeabilidade iônica entre um compartimento e outro. A diferença é o resultado
de uma acumulação ativa de certos íons dentro das célu-
• Os solutos dissolvidos na água não se
distribuem igualmente no intracelular e no
extracelular, devido à ação de bombas
iônicas
• Partículas restritas a um compartimento
determinam seu volume. Exemplo: o sódio,
restrito ao espaço extracelular por meio de
bombas iônicas, determina o volume deste
espaço. O mesmo vale para o potássio em
relação ao espaço intracelular
DISTRIBUIÇÃO DA ÁGUA ENTRE
COMPARTIMENTOS
As membranas celulares permitem o livre movimento
de água em qualquer direção. Este movimento depende da
distribuição dos íons. É a quantidade de soluto e não de
solvente que define o volume do compartimento. Cada
compartimento líquido no organismo tem um soluto que,
devido a seu confinamento àquele espaço, determina o
volume do compartimento: proteínas séricas para o volu-
96
Compartimentos Líquidos do Organismo
me intravascular, sódio para o compartimento extracelular e potássio para o intracelular. A rápida distribuição
proporcional de água entre os compartimentos assegura
uma concentração osmolar intra- e extracelular essencialmente idêntica.
A osmolalidade plasmática de um indivíduo normal
está em torno de 289 mOsm/kg H2O, atribuída principalmente ao sódio e aos ânions uréia e glicose. A osmolalidade plasmática é igual a duas vezes a concentração plasmática do sódio, mais a osmolalidade da uréia, mais a osmolalidade da glicose. A osmolalidade plasmática poderá ser
deduzida, considerando-se as seguintes concentrações
normais: sódio plasmático — 140 mEq/L; uréia plasmática — 30 mg/100 ml, e glicemia — 90 mg/100 ml.
Osmolalidade plasmática (Na 2) (
Glic
Uréia
10) (
10)
180
60
por uma camada de células e uma membrana pouco permeável à água. Desta forma, secreções gastrintestinais e o
suor são hiposmóticos.
Como a osmolalidade é a mesma dentro e fora das células, a passagem de água do interior para fora das células, ou vice-versa, só ocorre se houver mudança de osmolalidade e tonicidade. As seguintes circunstâncias, ilustradas na Fig. 8.4 e baseadas na discussão de Robert Pitts, traduzem situações em que se alteram a osmolalidade e o
volume dos compartimentos extra- e intracelular.10
Pontos-chave:
• Osmolalidade plasmática (Na 2) ( Uréia 10) ( Glic 10)
60
180
• Osmolalidade plasmática normal ⬵ 290
mOsm/kg H2O
Na 2 140 mEq/L 280 mOsm/kg H2O
Uréia:
30 mg / 100 ml
10 5 mOsm/kg H2O
60
90 mg / 100 ml
Glicemia:
10 5 mOsm/kg H2O
180
Então, a osmolalidade plasmática estimada com os dados acima é de 290 mOsm/kg H2O.
Para o cálculo da contribuição da uréia para a osmolalidade, dividimos a concentração plasmática da uréia por
60, que é seu peso molecular. Da mesma forma, dividimos
a glicose por seu peso molecular, que é 180. Multiplicamos
ambos os cálculos por 10, a fim de convertermos mg/100
ml em mg/L. Quando não se dispõe das concentrações de
uréia e glicose, a osmolalidade do plasma pode ser estimada multiplicando-se a concentração de sódio por dois.
Alguns líquidos transcelulares têm uma osmolalidade
muito diferente dos outros compartimentos. Isto se deve
ao fato de estarem separados dos outros compartimentos
Adição de Água ou Solução Hipotônica
Se administrarmos água ou solução hipotônica a um
indivíduo, seja por via oral ou endovenosa, e se considerarmos que não haverá diurese durante o período do estudo, a água distribui-se rápida e proporcionalmente entre os dois compartimentos. Observa-se uma redução uniforme na osmolalidade e um aumento no volume dos dois
compartimentos (aumento maior no intracelular por ser
maior que o extracelular)5,7 (Fig. 8.4).
Adição de Solução
Hipertônica de NaCl
A infusão endovenosa de uma solução hipertônica de
NaCl expande o compartimento extracelular e provoca
um movimento passivo de água do compartimento intracelular (osmolalidade menor) para o extracelular (os-
Fig. 8.4 Alterações no volume e na osmolalidade dos compartimentos intra- e extracelulares, quando se adiciona: A) apenas água ao
organismo; B) uma solução salina hipertônica; C) uma solução salina isotônica. O estado inicial dos compartimentos intracelular (I)
e extracelular (E) está representado pelas linhas contínuas e no final está representado por linhas interrompidas. A altura do compartimento representa a osmolalidade, e a largura, o volume. (Modificado de Pitts, R.10)
97
capítulo 8
molalidade maior devido à solução adicionada), até que
ambos os compartimentos se equilibrem e se tornem isosmóticos. A saída de água reduz o volume do compartimento intracelular e, conseqüentemente, aumenta a osmolalidade deste compartimento. No final, ambos os compartimentos terão uma osmolalidade maior que a inicial5,7
(Fig. 8.4).
Adição de Solução Isotônica de NaCl
Como o sódio permanece principalmente no compartimento extracelular, há uma expansão do volume deste
compartimento, mas não ocorre alteração na osmolalidade intra- e extracelular e, tampouco, no volume intracelular5,7 (Fig. 8.4).
Pontos-chave:
• Soluções de diferentes tonicidades
provocam variações no volume dos
compartimentos intra- e extracelular
• Soluções isotônicas de sódio aumentam o
extracelular, pois o sódio se mantém neste
compartimento
• Soluções hipotônicas e água se distribuem
no intra- e extracelular (maior proporção no
intracelular)
• Soluções hipertônicas causam movimento
de água do intra- para o extracelular,
diminuindo o primeiro e aumentando o
segundo
TROCAS LÍQUIDAS ENTRE
PLASMA E INTERSTÍCIO
A nutrição das células e a remoção dos produtos do
metabolismo celular somente são possíveis devido à existência de uma circulação capilar. Ela permite uma rápida
troca de nutrientes entre a circulação e as células através
do líquido intersticial. O transporte dos nutrientes e catabólitos pelo sangue depende da adequação da função circulatória e do volume líquido circulante. Portanto, manter o volume plasmático é essencial.
A pressão hidrostática determinada pela bomba cardíaca num compartimento (vascular) altamente permeável
à água e aos solutos poderia determinar a passagem de
todo o líquido intravascular rapidamente para o interstício. Isto não ocorre porque a esta pressão hidrostática se
opõe uma outra pressão — a pressão osmótica determinada pelas proteínas, principalmente albumina, também conhecida como pressão coloidosmótica ou pressão oncótica. A pressão oncótica está em torno de 25 mmHg. Já o líquido intersticial tem pouca proteína, tendo uma pressão
oncótica em torno de 5 mmHg.2 A diferença, portanto, entre a pressão osmótica do plasma e a do interstício é de 20
mmHg e esta força se opõe à pressão hidrostática.5,7
Foi Starling quem primeiro formulou o mecanismo de
distribuição de líquido entre os compartimentos vascular
e intersticial (Fig. 8.5). Segundo ele, o sangue chega aos
capilares com uma certa força (pressão hidrostática), capaz
de determinar o retorno venoso ao coração. A pressão hidrostática é determinada pela pressão mecânica gerada
pelo coração. A pressão média nas grandes artérias é de 95
mmHg, mas, quando o sangue chega ao leito capilar, a
Fig. 8.5 Hipótese de Starling para troca de líquido entre plasma e interstício. Os fatores que determinam esta troca são denominados
forças de Starling. (Obtido de Valtin, H.9)
98
Compartimentos Líquidos do Organismo
pressão hidrostática cai para 40-45 mmHg. Esta pressão
hidrostática de 40-45 mmHg determina a passagem de líquido intravascular para o interstício e a ela se opõem a
pressão oncótica das proteínas, em torno de 25-30 mmHg,
e uma pressão do turgor intersticial de 2-5 mmHg. Desta
forma, o balanço dessas forças resulta numa pressão de
filtração positiva, em torno de 10-15 mmHg.5
Uma pequena quantidade de proteínas atravessa os capilares, mas quase tudo retorna à circulação através do sistema linfático. No entanto, uma fração permanece no interstício e é responsável pela pressão oncótica intersticial de 3
mmHg. Quando a coluna de sangue atinge o lado venoso
do capilar, a pressão hidrostática está reduzida a 10-15
mmHg e o balanço das forças é negativo, determinando a
reabsorção do líquido filtrado no lado venoso capilar.5
Acredita-se que o principal mecanismo que altera a pressão hidrostática intracapilar não é a resistência ao longo do
capilar e sim a atividade de esfíncteres pré-capilares (Fig.
8.5). Quando há um relaxamento do esfíncter, a pressão hidrostática intracapilar aumenta, favorecendo a filtração ao
longo do capilar; quando o esfíncter se contrai, a pressão
hidrostática cai, e talvez só ocorra reabsorção ao longo do
capilar. Também é importante a área de superfície dos capilares. Quando o esfíncter se contrai, muitos capilares são
desviados da circulação arterial, reduzindo a área de superfície capilar; quando o esfíncter se relaxa, ocorre o inverso.
Além do mais, o ritmo de fluxo líquido através do capilar endotelial não depende só das forças de Starling, mas
também do coeficiente de filtração, expresso pela seguinte fórmula:9
q Kf(Pc – Pt) – (pp – pt), onde:
q ritmo de fluxo através do capilar;
Kf coeficiente de filtração;
Pc pressão hidrostática intracapilar;
Pt pressão do turgor tecidual;
pp pressão oncótica do plasma;
pt pressão oncótica intersticial.
Conclui-se que se a pressão hidrostática for excessiva,
ou a pressão oncótica do plasma reduzida, haverá um excesso de filtração de líquido para o interstício e, se for ul-
Pontos-chave:
• A pressão hidrostática é a principal força
que provoca o movimento de líquido para
fora da luz do capilar
• A pressão coloidosmótica ou oncótica
(determinada principalmente pela
albumina) é a principal força que se opõe à
hidrostática e provoca o movimento de
líquido para dentro da luz do capilar
sanguíneo
trapassada a capacidade de remoção pelos linfáticos, haverá edema.
EXERCÍCIOS
(Respostas no final do capítulo.)
1) Adulto jovem de 70 kg. Calcular a água corporal total, espaço extracelular, volume plasmático e volume intracelular.
2) Em relação à proporção de água corporal total, que diferenças existem em pacientes obesos, mulheres, crianças e idosos?
3) Qual a osmolalidade plasmática de um paciente que apresenta as
seguintes dosagens plasmáticas: uréia 240 mg/dl; glicose 360
mg/dl; sódio 133 mEq/litro.
4) Frente à osmolalidade encontrada na questão anterior, o que ocorre
com os compartimentos intra- e extracelular?
5) O que ocorre com as forças de Starling em presença de hipoalbuminemia?
6) Cite um exemplo de solução endovenosa que deve ser administrada quando se deseja aumentar o volume do espaço extracelular.
7) Cite um exemplo de solução endovenosa que se administra para
expandir o espaço extracelular e contrair o espaço intracelular.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. ROSE, B.; POST, T.W. Units of solute measurement. Up to Date, vol.
9, n. 1, Cap. 1B. 2000.
2. HAYS, R.M. Dynamics of body water and electrolytes, Cap. 1, pág.
1. In: Clinical Disorders of Fluid and Eletrolyte Metabolism. Eds. Morton H. Maxwell and C. R. Kleeman. McGraw-Hill Book Co., 1972.
3. PRESTON, R.A. Acid-Base, Fluids and Electrolytes Made Ridiculously
Simple. Cap.1, pág. 3. MedMaster Inc., Miami, 1997.
4. OH, M.S. and CARROLL, H.J. Regulation of intracellular and
extracellular volume. In: Fluid, Electrolyte and Acid-Base Disorders.
Eds. Arieff, A.I. and DeFronzo, R.A. Cap. 1, pág. 1. Churchill Livingstone Inc. New York, 1995.
5. GUYTON, A.C. and HALL, J.E. The body fluid compartments:
extracellular and intracellular fluids; interstitial fluid and edema. In:
Textbook of Medical Physiology. Cap. 25, págs. 297-313. W.B. Saunders
Co., 1996.
6. MAFFLY, R.H. The body fluids: volume, composition and physical
chemistry, Cap. 2, pág. 65. In: The Kidney. Eds. B. M. Brenner and F.
C. Rector Jr. W. B. Saunders Co., 1976.
7. HALPERIN, M.L.; GOLDSTEIN, M.B. Sodium and water physiology. In: Fluid, Electrolyte and Acid-Base Physiology — A Problem-Based
Approach. Cap. 6, pág. 217. W.B. Saunders Co., 1994.
8. MALNIC, G. e MARCONDES, M. Fisiologia Renal. EPU, 1986.
9. VALTIN, H. Renal Function: Mechanisms Preserving Fluid and Solute
Balance in Health. Cap. 2, pág. 20, Little, Brown and Co., Boston, 1995.
10. PITTS, R.D. Physiology of the Kidney and Body Fluids. Cap. 2, pág. 11.
Year Book Medical Publishers Inc., 3rd edition, 1974.
11. EDELMAN, I.S. and LEIBMAN, J. Am. J. Med., 27:256, 1959.
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Química e soluções
http://dbhs.wvusd.k12.ca.us
Forças de Starling
www.liv.ac.uk/⬃petesmif/teaching/1bds - mb/notes/fluid/
text.htm
99
capítulo 8
Outros
www.physio.mcgill.ca/209A/Body - fluids/Body - fl3.htm
www.umds.ac.uk/physiology/rbm/bodyflu
RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
1) Num adulto jovem de 70 kg:
a. Água corporal total 60% de 70 kg 42 litros
b. Volume do espaço extracelular 20% de 70 kg 14 litros
c. Volume plasmático 4,5% de 70 kg 3,15 litros
d. Volume do espaço intracelular 40% de 70 kg 28 litros
2) A água corporal total encontra-se diminuída (menos que 60% do
peso corporal) em pacientes obesos e mulheres, devido ao maior
conteúdo de gordura que apresentam. Os idosos apresentam menor massa muscular, e conseqüentemente menor proporção de
água em relação ao peso. As crianças apresentam conteúdo de
gordura reduzido, e então a proporção de água corporal total é
maior em relação ao peso.
Uréia
Glic
3) Osmolalidade plasmática (Na 2) (
10) ( 10),
60
180
então:
Osmolalidade plasmática (133 2) (240/60 10) (360/180
10) 326 mOsm/kg H2O
4) No exemplo acima, com o aumento da osmolalidade e tonicidade
do plasma (a osmolalidade normal oscila entre 280 e 290 mOsm/
kg H2O), ocorre a passagem de água do espaço intracelular para o
extracelular até haver um equilíbrio osmótico entre os dois compartimentos. Como resultado final, o volume do espaço intracelular sofre redução (pela perda de água) e o extracelular sofre o
acréscimo de água, inclusive diluindo o sódio do intravascular.
5) Em presença de hipoalbuminemia, existe redução da pressão oncótica, o que favorece a filtração de líquido para o interstício no
lado venoso do capilar e dificulta a reabsorção de líquido intersticial no lado venoso do capilar; caso seja ultrapassada a capacidade de absorção pelos linfáticos, isto resultará em edema.
6) Solução salina a 0,9% (chamada solução salina isotônica).
7) Solução salina hipertônica (concentração maior que 0,9%).
Capítulo
9
Metabolismo da Água
Miguel Carlos Riella e Maria Aparecida Pachaly
MECANISMO DA SEDE
Manejo do paciente com hipernatremia
VASOPRESSINA (HORMÔNIO ANTIDIURÉTICO)
Mecanismo de ação do hormônio antidiurético (HAD) —
Linhas gerais
Cálculo do déficit de água
aquaporinas
OUTROS HORMÔNIOS
Tipo de fluido
Ritmo de correção
Catecolaminas
Hormônio tireoidiano
Hormônios adrenocorticais
Sistema renina-angiotensina
MECANISMO RENAL DE REGULAÇÃO DA ÁGUA
Considerações anatômicas
Vascularização da medula renal
Concentração da urina — mecanismo de contracorrente
Evolução
EXCESSO DE ÁGUA — HIPONATREMIA — ESTADO
HIPOSMOLAR
Causas de hiponatremia
Pseudo-hiponatremia
Redistribuição de água
Intoxicação aguda pela água
Hiponatremia crônica
Fluxo sanguíneo medular
Papel da uréia no mecanismo de concentração
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DE HIPONATREMIA
Diagnóstico
urinária
Recirculação medular da uréia
TRATAMENTO DA HIPONATREMIA
Linhas gerais
Diluição da urina
DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO DA ÁGUA
Cálculo do excesso de água
Tratamento da hiponatremia sintomática
DÉFICIT DE ÁGUA — HIPERNATREMIA — ESTADO
HIPEROSMOLAR
Ritmo de correção
Complicações do tratamento
Causas de hipernatremia e estado hiperosmolar
Hipernatremia com hipovolemia
EXERCÍCIOS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Hipernatremia com hipervolemia
Hipernatremia com volemia aparentemente normal
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
Manifestações clínicas de hipernatremia
No dia-a-dia, a ingesta de líquidos deve igualar-se às
perdas através da respiração, suor, trato gastrintestinal e
diurese.*1 Nos adultos, a água corresponde a 60% do peso
*O termo diurese refere-se a um fluxo de urina maior do que o normal,
isto é, superior a 1 ml/min no adulto; antidiurese refere-se a um fluxo
urinário reduzido, geralmente inferior a 0,5 ml/min no adulto.
corporal, sendo a maior parte localizada no espaço intracelular.
Para evitar que haja variações na osmolalidade plasmática, a qual é determinada principalmente pela concentração plasmática de sódio, devem ser feitos ajustes adequados na ingesta e excreção de água. Estes ajustes são realizados de forma mais significativa sobre o controle da sede,
101
capítulo 9
secreção do hormônio antidiurético (HAD) e mecanismos
renais de conservação ou eliminação de água.1
Quando existe déficit de água no organismo, os rins
participam de um sistema de retroalimentação com osmorreceptores e hormônio antidiurético, minimizando a perda de água. Já quando existe excesso de água no organismo, estes mecanismos se dirigem a uma maior excreção de
água pelos rins. 2
MECANISMO DA SEDE
Para equilibrar as perdas diárias de água, é necessário
haver ingesta de líquido, que é regulada pelo mecanismo
da sede. Sede é definida como o desejo consciente de ingerir água.2
Acredita-se que os estímulos para a sede se originam
tanto no compartimento intracelular como no extracelular.
A sensação de sede origina-se no centro da sede, localizado
nas porções anterior e ventromedial do hipotálamo. Na
verdade, os neurônios que compõem o centro da sede são
especializados na percepção de variações de pressão osmótica do plasma, e por isso recebem a denominação de osmorreceptores. Um dos mais importantes estímulos para a
sede é o aumento da osmolaridade do líquido extracelular, e o “limiar” para o surgimento da sede é em torno de
290 mOsm/L. Nesta situação, os osmorreceptores sofrem
certo grau de desidratação, gerando impulsos que são conduzidos por neurônios especializados até centros corticais
superiores, onde então a sede se torna consciente.2,3 Este
mecanismo é ativado nas situações em que há aumento da
osmolalidade do plasma, como no déficit de água e na
administração de soluções hipertônicas cujos solutos não
penetram nas células.
Por sua vez, déficits no volume extracelular e na pressão arterial também desencadeiam a sede, por vias independentes das estimuladas pelo aumento da osmolaridade do plasma. Por exemplo, depleção do espaço extracelular (diarréia, vômitos) e a perda de sangue por hemorragia estimulam a sede mesmo sem haver modificação na
osmolaridade do plasma. O mecanismo para que isto ocorra está relacionado ao estímulo de barorreceptores, que são
receptores de pressão existentes na circulação torácica.2 Um
terceiro importante estímulo à sede é a angiotensina II.
Fitzsimons acredita que a angiotensina e outras substâncias vasoativas atuem em estruturas vasculares periventriculares (seriam receptores mecânicos da sede no cérebro),
reduzindo o volume vascular a esse nível e causando sede.4
Como a angiotensina II também é estimulada pela hipovolemia e baixa pressão arterial, seu efeito sobre a sede
auxilia na restauração do volume sanguíneo e pressão arterial, juntamente com as ações renais da angiotensina II,
reduzindo a excreção de fluidos.2
Alguns outros fatores influenciam a ingesta de água. Por
exemplo, a falta de umidade da mucosa oral e do esôfago
desencadeia a sensação de sede. Nesta situação, a ingestão de água pode provocar alívio imediato da sede, mesmo antes de ter havido absorção da água no trato gastrintestinal ou qualquer modificação na osmolaridade do plasma. Porém este alívio da sede é de curta duração, e o desejo de ingerir água só é efetivamente interrompido quando
a osmolaridade plasmática ou o volume extracelular retornarem ao normal. De modo geral, a água é absorvida e
distribuída no organismo cerca de 30-60 minutos após a
ingestão. O alívio imediato da sede, apesar de temporário,
é um mecanismo que impede que a ingestão de água prossiga indefinidamente, o que levaria ao excesso de água e
diluição excessiva dos fluidos corporais. 2
Estudos experimentais demonstram que os animais não
ingerem quantidades de água superiores às necessárias
para restaurar a osmolaridade plasmática e volemia ao normal.2 Já em humanos, a quantidade de água ingerida varia de acordo com a dieta e a atividade do indivíduo, e em
geral é excessiva em relação às necessidades diárias. Esta
ingestão excessiva, que não é induzida por um déficit de
água e cujo mecanismo é desconhecido, é extremamente
importante, pois assegura as necessidades futuras do indivíduo.
Habitualmente, a sede e a ingesta líquida representam
uma resposta normal a um déficit de água. Isto é o que
ocorre nos exemplos já mencionados, de vômitos, diarréia,
diabetes insipidus, diabetes mellitus, hipocalemia, hipercalcemia etc. No entanto, em algumas situações, o paciente tem
sede, mas não há um déficit de água. Este estado patológico pode ser devido à irritação contínua dos neurônios da
sede por tumor, trauma ou inflamação, ingestão compulsiva de água, hiper-reninemia etc.
Hipodipsia (diminuição ou ausência de sede) é usualmente causada por tumor (p.ex., craniofaringioma, glioma,
pinealoma ectópico etc.) ou trauma. Além de afetarem o
centro da sede, estes exemplos podem também ocasionar
lesão do sistema supra-óptico-hipofisário, causando diabetes insipidus, o que agrava o déficit de água e dificulta o
manejo clínico.
VASOPRESSINA (HORMÔNIO
ANTIDIURÉTICO)
O hormônio antidiurético (HAD) interage com porções
terminais do nefro, aumentando a permeabilidade destes
segmentos à água, desta forma aumentando a conservação
da água e a concentração urinária.
Além do aumento da permeabilidade à água nos túbulos coletores, o HAD tem uma importante participação na
recirculação da uréia entre o ducto papilar e a porção fina
ascendente da alça de Henle, pois aumenta a permeabilidade do ducto coletor à uréia, e este mecanismo auxilia na
manutenção da hipertonicidade da medula renal.5
102
Metabolismo da Água
O HAD é um hormônio sintetizado no hipotálamo por
grupos de neurônios que formam os núcleos supra-óptico
e paraventricular, próximos ao centro da sede. Após a síntese, este decapeptídio (arginina-vasopressina em humanos) é armazenado em grânulos e transportado ao longo
dos axônios, em direção à neuro-hipófise (lobo posterior
da hipófise). No interior dos grânulos, o hormônio forma
um complexo com uma proteína chamada neurofisina A ou
neurofisina II. Parte destes grânulos pode ser liberada rapidamente, através de exocitose, enquanto os demais serviriam de estoque.3
A liberação deste hormônio está condicionada a estímulos, que podem ser osmóticos ou não-osmóticos.
O estímulo osmótico refere-se a uma alteração da osmolalidade. Quando ocorre déficit de água no organismo, há
um aumento na osmolalidade, reduzindo o volume das
células por desidratação celular* (inclusive das células dos
núcleos supra-óptico e paraventricular), estimulando assim a liberação do HAD. É necessário ressaltar que os osmorreceptores são estimulados apenas por variações reais
da tonicidade plasmática, isto é, por solutos que não atravessam as membranas. Solutos que atravessam as membranas celulares, como a uréia (e glicose nas células cerebrais), não aumentam a secreção de HAD.5,6
Por outro lado, quando há excesso de água no organismo, a hiposmolalidade que se estabelece inibe a liberação
do hormônio antidiurético. Tudo indica que a alteração do
volume celular altera a atividade elétrica dos neurônios dos
núcleos hipotalâmicos, afetando assim a liberação de vasopressina.
A sensibilidade deste mecanismo osmorregulador pode
ser apreciada na Fig. 9.1. Observem que, à medida que
aumenta a osmolalidade plasmática, aumenta a concentração plasmática de HAD (Fig. 9.1 A). Com pressões
osmóticas plasmáticas superiores a 280 mOsm/L (limiar
osmótico) a concentração plasmática de HAD aumenta de
modo linear com a pressão osmótica. Mesmo com variação de 1 mOsm ou menos, a secreção de HAD varia.3,7 A
sensibilidade deste mecanismo osmorregulador pode ser
ainda melhor avaliada quando se examina a relação entre
o HAD plasmático e a osmolalidade urinária. Observem
na Fig. 9.1 B que, para cada aumento de uma unidade na
concentração plasmática de HAD, a osmolalidade urinária aumenta em média 25 mOsm/kg. Isto significa que
pequenas alterações na osmolalidade plasmática são rapidamente seguidas por grandes alterações na osmolalidade urinária. Assim sendo, uma alteração na osmolalidade
plasmática de 1 mOsm/kg normalmente acarreta uma alteração na osmolalidade urinária de 95 mOsm/kg. Isto é
muito importante, permitindo que o organismo altere rapidamente o volume urinário, compensando a variação na
*O termo desidratação é empregado aqui para indicar um déficit isolado
de água. V. Cap. 10 para miores detalhes sobre a conotação genérica do
termo desidratação.
ingesta líquida e mantendo, assim, a água total constante.
Desta forma, a tonicidade da água total do organismo é
preservada dentro de uma estreita margem, cujo limite
superior é regulado pelo osmorreceptor da sede, e o inferior, pelo osmorreceptor do HAD. Dentro destes limites
(280-294 mOsm/kg), a tonicidade da água total ainda é
regulada por ajustes na excreção de água livre (v. a seguir)
controlada pelo HAD.
A liberação de ADH pode ser desencadeada por estímulos não-osmóticos, entre os quais destacamos: diminuição
da pressão arterial; diminuição da tensão da parede do
átrio esquerdo e das veias pulmonares; dor, náusea, hipóxia, hipercapnia, hipoglicemia, ação da angiotensina, estresse emocional; aumento da temperatura do sangue que
perfunde o hipotálamo e drogas: colinérgicas e betadre-
Fig. 9.1 A. Representação esquemática dos efeitos de pequenas
alterações na osmolalidade plasmática sobre os níveis plasmáticos de vasopressina. B. Repercussões de alterações na vasopressina plasmática sobre a osmolalidade urinária. Ver texto para
interpretação da figura. (Obtido de Robertson, B.L. e col.6)
103
capítulo 9
nérgicas (acetilcolina e isoproterenol, respectivamente),
morfina, nicotina, ciclofosfamida, barbitúricos etc.2,7 Entre
os estímulos não-osmóticos para a liberação do HAD, estão os provenientes de áreas onde se encontram receptores
de pressão (barorreceptores): seio carotídeo, átrio esquerdo
e veias pulmonares. Eles respondem a variações da pressão
sobre a parede do órgão receptor, emitindo impulsos nervosos que modulam a liberação hipotalâmica de HAD.
Quando há uma menor tensão na parede do órgão, há transmissão de estímulos para a liberação central de HAD. Isto
pode ocorrer, por exemplo, na contração do volume extracelular ou volume circulante efetivo e hipotensão arterial.8
Ao contrário, uma inibição não-osmótica da liberação de
ADH ocorre quando há: aumento da pressão arterial, aumento da tensão da parede do átrio esquerdo e das veias
pulmonares, diminuição da temperatura do sangue que
perfunde o hipotálamo e uso de algumas drogas (norepinefrina, clonidina, haloperidol, difenil-hidantoína, álcool).2
O HAD é o principal hormônio atuante na regulação da
excreção de água. No entanto, outros hormônios afetam a
excreção de água, como veremos na seção seguinte.
Mecanismo de Ação do Hormônio
Antidiurético (HAD) — Aquaporinas
Catecolaminas
O HAD modifica a membrana luminal das células principais dos túbulos distal final e coletor, causando aumento
da permeabilidade à água. O HAD interage com receptores
específicos da superfície (receptores V1 e V2), localizados na
membrana basolateral. Esta interação produz efeitos sobre
o cálcio e o AMPc intracelulares, que por sua vez modificam a permeabilidade da membrana luminal à água. O receptor V1 existe também no músculo liso vascular, sendo
responsável pelo efeito vasoconstritor do HAD, que por isto
também recebe o nome de vasopressina.5,7
Recentemente, foi evidenciada a existência de uma família de proteínas de membrana que exercem a função de
canais de água em tecidos transportadores de fluidos (por
exemplo, no cristalino, nos túbulos renais, etc).3,9 Estes canais de água são hoje conhecidos como aquaporinas. Até o
momento, já foram identificadas cinco aquaporinas que se
expressam nos rins (AQP 1, 2, 3, 4 e 6).10 Nas células principais dos túbulos distais e ductos coletores, está presente
a aquaporina 2, que é um canal de água sensível ao HAD.
Na presença de HAD, o receptor V2 é estimulado e ativa a
adenil ciclase e o AMP cíclico. Com isto, vesículas específicas no citoplasma se movem e se fundem com a membrana apical (luminal). Estas vesículas contêm a aquaporina
2, que, uma vez inserida na membrana luminal das células principais dos túbulos distais e coletores, permite a
passagem de água para dentro da célula.11 No bordo basolateral das células principais, estão presentes as aquaporinas 3 e 4, que permitem o transporte de água de dentro da
célula para o interstício, porém neste ponto sem a participação do HAD.5 As aquaporinas 1 e 6 estão relacionadas à
absorção de água, mas em outros segmentos tubulares,
também sem dependência do HAD.10
Pontos-chave:
• A sede e a liberação de HAD são
desencadeadas por um aumento da
osmolalidade plasmática e têm por objetivo
manter a osmolalidade estável
• No rim, o HAD ativa a fusão de canais de
água (aquaporina 2) com a membrana
luminal dos túbulos coletores, permitindo a
reabsorção de água
OUTROS HORMÔNIOS
As catecolaminas afetam a excreção de água através de
um mecanismo intra-renal e outro extra-renal. No mecanismo intra-renal, os agentes adrenérgicos alteram a resposta da membrana tubular renal ao HAD. Assim, os agonistas alfadrenérgicos tipo norepinefrina causam aumento do volume urinário, por diminuírem o efeito do HAD
sobre a permeabilidade da membrana tubular renal à
água. Já a estimulação betadrenérgica aumenta a permeabilidade tubular à água, causando diminuição do volume urinário.12
No mecanismo extra-renal, a ação das catecolaminas
se faz através de alterações na liberação de HAD, como
já mencionado. Várias outras substâncias vasoativas (angiotensina II, prostaglandina E1, nicotina) têm efeitos
sobre os barorreceptores atriais, alterando a liberação de
HAD.
Hormônio Tireoidiano
Sabe-se que pacientes hipotireóideos têm comprometida a sua capacidade de excretar uma carga de água. Por
outro lado, são desconhecidos os mecanismos pelos quais
o hormônio tireoidiano facilita a excreção de água. Uma
das hipóteses é a de que o hormônio tireoidiano altera a
sensibilidade do túbulo renal ao HAD. Há evidência de que
a maioria dos pacientes com hipotireoidismo e hiponatremia têm elevada concentração plasmática de HAD. Como
o hipotireoidismo cursa com débito cardíaco habitualmente diminuído,13 nestes casos a liberação de HAD pode estar sendo estimulada pela redução associada do volume arterial efetivo. Também se encontrou queda da taxa de filtração glomerular nestes pacientes, o que é revertido com
a terapia hormonal apropriada.14
104
Metabolismo da Água
Hormônios Adrenocorticais
Na insuficiência adrenal, pode ser observado um comprometimento na excreção de água, cuja causa não está
esclarecida. Alguns autores acreditam que a deficiência de
glicocorticóides seja responsável pela deficiente excreção
de água. Segundo eles, a deficiência de glicocorticóides
produziria alguns efeitos hemodinâmicos sistêmicos (taquicardia, diminuição do volume sistólico), e estas alterações estimulariam o mecanismo barorreceptor de estímulo ao HAD, causando retenção de água.
Também tem sido investigada a participação da deficiência dos mineralocorticóides na diminuição da excreção de água
existente na insuficiência adrenal. Acredita-se que os mineralocorticóides influenciam a secreção de HAD indiretamente,
pois ao manter o volume extracelular evitam a liberação nãoosmótica de HAD observada na depleção de volume.
Sistema Renina-Angiotensina
O sistema renina-angiotensina também participa no
controle da secreção de HAD, principalmente quando a
osmolalidade plasmática está aumentada. A angiotensina
estimula a liberação de HAD e aumenta a sensibilidade do
sistema de osmorregulação.8
MECANISMO RENAL DE
REGULAÇÃO DA ÁGUA
O tremendo progresso nesse campo deve-se basicamente à aplicação de técnicas de micropuntura in vivo no rim de
mamíferos, principalmente o rato, e mais recentemente pelo
avanço da biologia molecular.
Para que seja mantida a homeostase do organismo, é
necessário que o rim apresente a capacidade de variar o
volume urinário de modo a reter ou eliminar água, ou seja,
concentrar ou diluir a urina.
Diariamente o organismo humano necessita eliminar produtos tóxicos resultantes do metabolismo (p.ex., uréia, ácidos
orgânicos) e solutos em excesso (sódio, potássio, cálcio, magnésio). A média diária a ser eliminada é de cerca de 750
mOsm/dia. Com a ingestão usual de água (2-2,5 L/dia), a
osmolaridade urinária encontra-se entre 400 e 450 mOsm/L,
o que requer um volume urinário de 1,5 litro/dia. Caso a ingestão de água seja deficiente, a osmolaridade da urina pode
subir até 1.300 mOsm/L, e então o volume urinário vai variar
correspondentemente, da seguinte forma: 750 mOsm a serem
eliminados osmolaridade de 1.300 volume urinário de 0,6
litro.3 Esta variação decorre do efeito do HAD, conforme já
discutido, causando a reabsorção de água no ducto coletor.
Da mesma forma, a capacidade de diluir a urina é importante para que o organismo elimine excessos de água.
Isto é obtido através da redução da osmolaridade da urina até valores como 50 mOsm/L.3
Para melhor compreensão dos mecanismos de concentração e diluição da urina, vale a pena relembrar alguns
conceitos anatômicos.
Considerações Anatômicas
Como sabemos, cada nefro (unidade funcional básica
do rim) é constituído pelo glomérulo e por uma formação tubular longa, onde os sucessivos segmentos apresentam diferentes características quanto a estrutura e função.
Em sua maior parte, os nefros são superficiais, contendo
alças de Henle curtas e sem ramo ascendente delgado. Os
nefros restantes são justamedulares, e seus glomérulos
estão situados próximo à junção corticomedular, possuindo longas alças de Henle com ramo ascendente delgado (Fig. 9.2).
Os trabalhos experimentais mostraram que o transporte de água e solutos no nefro distal ocorre em pelo menos
cinco segmentos morfologicamente distintos: a) Ramo ascendente espesso da alça de Henle; b) Mácula densa; c)
Túbulo contornado distal; d) Ductos coletores corticais e
e) Ductos coletores papilares.
O ramo ascendente espesso da alça de Henle estendese da medula externa até a mácula densa. Este segmento
reabsorve NaCl através de uma membrana impermeável
à água, elaborando, portanto, um líquido hipotônico.
A mácula densa é um segmento mais curto, cujas células parecem agir como sensoras no mecanismo regulador
do feedback túbulo-glomerular (v. Cap. 10).
Na mácula densa, inicia-se o túbulo contornado distal.
O túbulo distal clássico sempre foi considerado como o segmento que se estende da mácula densa até a junção com
Fig. 9.2 Relação dos vários segmentos do nefro com o córtex e a
medula renal.
capítulo 9
105
outro túbulo distal. Recentemente, foi mostrado que este
segmento, na verdade, está formado por dois segmentos
distintos: segmento proximal, cujo epitélio é similar ao do
ramo ascendente espesso, e segmento distal (também denominado túbulo coletor), cujo epitélio é similar ao do ducto
coletor cortical15 (v. também Cap. 1).
O segmento distal (túbulo coletor) do túbulo contornado distal só responde à ação do hormônio antidiurético em
algumas espécies de animais. Já o segmento cortical do ducto
coletor tem uma permeabilidade alta à água na presença de
HAD e uma permeabilidade baixa na ausência deste.
A permeabilidade à uréia do segmento cortical do ducto coletor é baixa, mesmo na presença de HAD. O segmento
medular interno-papilar do ducto coletor tem uma permeabilidade à uréia mais alta que a do segmento cortical e,
na presença de HAD, ela aumenta mais. A permeabilidade deste segmento medular interno-papilar à água é alta
na presença de HAD e baixa na ausência deste.
Vascularização da Medula Renal
A medula renal pode ser dividida em: a) Medula externa, com uma faixa externa e outra interna (a faixa externa
é também conhecida como zona subcortical), e b) Medula
interna (v. Fig. 9.2).
O sangue chega à medula renal através das arteríolas
eferentes de glomérulos justamedulares. Estes vasos dividem-se na zona subcortical para formarem os vasa recta
arteriais, que atravessam a medula em feixes em forma de
cone e, às vezes, deixam estes feixes para suprirem um
plexo capilar adjacente. Os plexos capilares são drenados
por vasa recta venosos que entram num destes feixes e ascendem até a base do cone, na zona subcortical (Fig. 9.3).
No rato, uma secção transversal da medula externa
mostra três zonas concêntricas: a) área central, contendo
vasa recta arterial e venoso; b) anel periférico, contendo vasa
recta venosos e a maioria dos ramos descendentes das alças de Henle, e c) por fora do anel, o ramo ascendente da
alça de Henle, ducto coletor e plexo capilar.16
Acredita-se que os vasa recta têm a função de remover o
líquido absorvido dos ductos coletores e segmento descendente da alça de Henle. O fluxo de plasma na parte terminal
dos vasa recta ascendentes é maior que o fluxo de plasma na
entrada dos vasa recta descendentes, e esta diferença é igual
ao ritmo de absorção de líquido do segmento descendente da
alça de Henle e do ducto coletor. Isto é necessário, pois não
se conhece nenhuma outra via pela qual a água reabsorvida
possa chegar da medula à circulação sistêmica.
Concentração da Urina — Mecanismo
de Contracorrente
Recorde-se que são 180 litros de líquido filtrados pelos rins
diariamente e que apenas 1,5 litro é excretado na urina. Isto
Fig. 9.3 Esquema da estrutura da medula renal no rato (zona interna e zona externa). VRA = vasa recta arteriais; VRV vasa recta
venosos; RD ramo descendente da alça de Henle; RA ramo
ascendente da alça de Henle; DC ducto coletor. (Modificado
de Kriz, W. e Lever, A.F.16)
significa que, num adulto, aproximadamente 100 ml de filtrado glomerular chegam aos túbulos proximais a cada minuto. A maior parte da água filtrada (60 a 70%) é reabsorvida
no túbulo contornado proximal, acompanhando a reabsorção de NaCl. Portanto, neste segmento a absorção de água é
passiva. Cerca de 10% são reabsorvidos na pars recta do túbulo proximal pelo mesmo mecanismo. No ramo descendente
delgado da alça de Henle, ocorre a reabsorção (10 a 15%) de
água livre (sem soluto), devido ao gradiente osmótico existente entre o túbulo e o interstício medular. Este gradiente
osmótico se estabelece graças a um sistema de contracorrente multiplicador (v. a seguir). O restante é reabsorvido nos
ductos coletores, sob a influência do hormônio antidiurético.
O líquido que atinge o túbulo contornado distal é sempre
hipotônico e a eliminação de urina concentrada ou diluída
depende da reabsorção de água nos ductos coletores.
Foi observado inicialmente, em vários mamíferos, que
o grau de concentração urinária por eles alcançado estava
relacionado com o comprimento do segmento delgado das
alças de Henle. Posteriormente, comprovou-se que apenas
mamíferos e alguns pássaros podiam elevar a concentração de urina acima da do plasma e que estes animais possuíam alças de Henle medulares (portanto, longas). Este
fato sugeriu que a concentração de urina deveria ocorrer
no interior das alças de Henle.
106
Metabolismo da Água
A hipótese do sistema de contracorrente multiplicador para
explicar a concentração de urina ao longo dos túbulos foi
sugerida em 1942 por Werner Kuhn, baseada na configuração em U da alça de Henle. Ele observou que, devido a
esta configuração, o líquido tubular fluiria em ramos adjacentes, mas em direções opostas. Sendo um físico-químico familiarizado com termodinâmica, ele sabia que um fluxo contracorrente poderia estabelecer grandes gradientes
de temperatura ao longo do eixo longitudinal de canais
adjacentes, enquanto são pequenos os gradientes de temperatura entre canais transversais (v. Fig. 9.5).17 Transportando estes princípios para a pressão osmótica, ele imaginou que pequenas diferenças na concentração de solutos
entre os dois ramos da alça de Henle poderiam resultar em
grandes diferenças de concentração ao longo dos túbulos.
Além do mais, ele achou que estas grandes diferenças de
concentração poderiam ser transmitidas ao interstício que
cerca os túbulos, criando assim um aumento progressivo
na concentração de soluto, paralelo aos túbulos.
Haveria necessidade, no entanto, de três fatores básicos
para que o sistema de contracorrente multiplicador funcionasse: a) fluxo contracorrente (proporcionado pela alça de
Henle); b) diferenças de permeabilidade entre os túbulos
(o ramo ascendente é praticamente impermeável à água),
e c) uma fonte de energia (atualmente atribuída ao transporte ativo de cloro no ramo ascendente espesso).
Na presença destes elementos, o líquido tubular seria
concentrado da seguinte maneira (Fig. 9.4):
1. No segmento espesso ascendente da alça de Henle, há
uma reabsorção ativa de cloro. Esta reabsorção ativa cria
uma diferença transtubular de potencial elétrico, que é
responsável pela remoção passiva de sódio.
2. O segmento ascendente espesso tem uma baixa permeabilidade à água, o que permite que o fluido tubular
neste segmento se torne hiposmótico em relação ao do
interstício. No entanto, a uréia permanece no interior do
túbulo, pois este segmento tem uma permeabilidade
baixa à uréia.
3. No ducto coletor cortical já existe ação do HAD, e, na
presença deste, a água é reabsorvida, tornando o líquido tubular isosmótico com o sangue. A permeabilidade deste segmento à uréia é baixa, e, com a perda de
água, a concentração intraluminal de uréia aumenta
ainda mais.
4. Na medula externa, o interstício hiperosmolar (osmolalidade determinada em parte pela reabsorção de NaCl
no segmento ascendente espesso) retira mais água do
líquido tubular, aumentando ainda mais a concentração
de uréia.
5. Na medula interna, tanto a água como a uréia são reabsorvidas do ducto coletor na presença do HAD. Este
Fig. 9.4 Sistema de contracorrente multiplicador.* O diagrama mostra os ramos descendente e ascendente da alça de Henle, o túbulo distal
e o ducto coletor. O contorno mais espesso do ramo ascendente da alça de Henle indica que este ramo é impermeável à água. 1. Reabsorção
ativa de cloro e passiva de sódio, mecanismo que dilui o líquido tubular e torna o interstício medular hiperosmótico. 2. No segmento distal
(túbulo coletor) do túbulo distal (em algumas espécies de animais) e 햴 no ducto coletor, ocorre reabsorção de água através de um gradiente osmótico. A presença de HAD (v. texto) facilita este transporte passivo. Com a reabsorção de água, ocorre concentração intratubular
da uréia. Na medula interna, a água e a uréia são reabsorvidas. 3. O acúmulo da uréia no interstício medular cria o gradiente osmótico para
a reabsorção passiva de água no ramo descendente da alça de Henle 햵 e, assim, concentra o NaCl no ramo descendente da alça de Henle.
O tamanho das letras dos solutos indica-lhes a concentração relativa.
*Baseado na hipótese de Stephenson19 e Kokko e Rector.20
capítulo 9
segmento (medular interno do ducto coletor) tem uma
permeabilidade mais alta à uréia do que o segmento
cortical do ducto coletor; esta permeabilidade aumenta
mais na presença de HAD. Este segmento apresenta
uma permeabilidade alta à água na presença de HAD e
baixa na sua ausência.
6. O cloreto de sódio e a uréia no interstício exercem uma
força osmótica para retirar água do segmento delgado
descendente da alça de Henle. Este segmento é relativamente impermeável a uréia e NaCl. Esta perda de
água faz aumentar a concentração de NaCl no ramo
descendente delgado, de tal forma que, na curva da alça,
a concentração de NaCl será maior no interior do túbulo do que no interstício. No entanto, o líquido tubular a
esse nível é isosmótico com o interstício papilar, cuja
concentração total de soluto está na maior parte constituída pela uréia.
7. Quando líquido tubular atingir o ramo ascendente delgado da alça de Henle (segmento impermeável e permeável ao NaCl), o NaCl passará passivamente para o
interstício (devido ao gradiente de concentração). Como
a permeabilidade deste segmento é mais alta para o
NaCl do que para a uréia, o NaCl sai do túbulo para o
interstício mais rapidamente que a uréia quando esta
passa do interstício para o interior do túbulo. Com o
aumento da concentração de NaCl no interstício, haverá maior absorção de água na porção fina descendente
da alça, com conseqüente maior hipertonicidade do fluido tubular, o que gera um maior fluxo de Na e Cl no
ramo fino ascendente da alça de Henle, constituindo
assim um sistema de contracorrente multiplicador, aparentemente passivo na medula interna, que foi iniciado
e mantido pelo transporte de Na e Cl na porção espessa da alça na região medular externa.
8. O ramo espesso ascendente recebe, portanto, um fluido diluído, que se tornará ainda mais diluído em virtude da reabsorção de NaCl neste segmento.
A urina final pode alcançar uma concentração próxima,
mas não exceder a concentração do interstício medular. No
homem, em condições de antidiurese, a concentração urinária máxima alcançada é de aproximadamente 1.200-1.300
mOsm/kg, ou seja, quatro vezes a osmolalidade do plasma.
Apesar do progresso alcançado nos últimos anos em
relação aos mecanismos de concentração da urina, muitos
aspectos ainda permanecem sem solução. Atualmente,
aceita-se que a alça de Henle é o elemento multiplicador
no sistema de contracorrente e que o segmento delgado da
alça é o multiplicador na medula interna.18 Pouca dúvida
resta também de que o segmento delgado ascendente da
alça é a fonte de NaCl responsável pelo aumento na concentração de NaCl desde a base da medula interna até a
papila.18 A incerteza permanece em relação ao mecanismo
de reabsorção do NaCl no segmento delgado ascendente:
se ativo ou passivo. Nos últimos anos, vários modelos experimentais tentaram solucionar o problema, como os de
107
Stephenson,19 e ainda de Kokko e Rector.20,21 A descrição
utilizada acima para o mecanismo de concentração do líquido tubular baseou-se no modelo de Kokko e Rector, que
parte do pressuposto que não há um transporte ativo na
medula interna (segmento delgado ascendente), no que diz
respeito ao mecanismo de concentração.
FLUXO SANGUÍNEO MEDULAR
Como já mencionamos, acredita-se que os vasa recta têm
a função de remover o líquido absorvido nos ductos coletores e segmento descendente da alça de Henle. Naturalmente, o fluxo sanguíneo medular deve ser de tal ordem
que os solutos do interstício não sejam excessivamente
removidos, o que eliminaria o gradiente osmótico medular, tão importante na concentração urinária. Sabe-se, pois,
que a concentração osmolar na ponta da papila é inversamente proporcional ao fluxo sanguíneo para esta área.
A manutenção deste interstício hiperosmolar deve-se:
a) a um baixo fluxo sanguíneo medular (apenas 5% do fluxo plasmático renal passam pela área medular e papilar);
b) à presença dos vasa recta, responsáveis por um sistema
de contracorrente trocador. A disposição anatômica da circulação capilar na medula tem todas as características de
um sistema de contracorrente trocador.
O princípio deste sistema, conhecido em termodinâmica, tem sido aplicado a sistemas biológicos e está ilustrado
na Fig. 9.5. Suponhamos um tubo ao qual fornecemos água
a 30°C e a um fluxo de 10 ml/min (Fig. 9.5 A). Esta água
passa por uma fonte de calor e recebe 100 calorias por minuto. Logo, a água que sai do tubo está a uma temperatura de 40°C. A seguir, dobramos o tubo, introduzindo, portanto, um fluxo contracorrente no sistema e mantendo a
fonte de calor no mesmo local (Fig. 9.5 B). O sistema é
montado de tal maneira que o fluxo de saída passa próximo do fluxo de entrada, propiciando a troca de calor entre
os dois fluxos (entrada e saída). Desta forma, a água aquecida (que está saindo) encontra a água fria (que está entrando) e perde calor para ela. Portanto, a temperatura da água
que entra se eleva antes de atingir a fonte de calor. O processo continua até que se atinja um estado de equilíbrio. A
temperatura máxima alcançada no sistema de contracorrente é maior que no fluxo retilíneo.
As mesmas considerações são válidas para a adição de
soluto em vez de calor (Fig. 9.5 C). O soluto (NaCl) é adicionado ao interstício e o equilíbrio entre os capilares se faz
através do interstício. A finalidade deste sistema é facilitar ao máximo a transferência de uma molécula permeável entre canais adjacentes, evitando o movimento das
moléculas ao longo desses canais.
A arquitetura vascular da medula renal facilita a troca
de água e solutos entre os vasa recta ascendentes e descendentes, minimizando a entrada de água e saída de soluto
da medula renal da seguinte maneira22 (v. Fig. 9.6).
1. O sangue circula pelos vasa recta através do interstício
medular, progressivamente mais hiperosmolar em dire-
108
Metabolismo da Água
Fig. 9.5 Princípios do sistema de contracorrente trocador. Observem que a temperatura máxima obtida no sistema de contracorrente
(B) é maior que a obtida no sistema de fluxo linear (A). Em (C), representamos uma alça capilar em contato com o líquido intersticial.
Notem que, no início (flechas), os sais de sódio penetram no capilar e, no final, retornam para o interstício (v. texto para uma explicação mais detalhada). (Modificado de Berliner R.W. e col.17)
ção à papila. A pressão hidrostástica transcapilar favorece a saída de líquido do capilar, e a pressão oncótica transcapilar favorece a entrada de líquido para o capilar. Como
o sangue circula rapidamente, não há tempo para um
equilíbrio osmótico entre o capilar e o interstício.
2. Como a concentração dos solutos no interstício é maior, a pressão osmótica transcapilar favorece a saída de
água do capilar descendente, aumentando a concentração das proteínas plasmáticas.
3. Como os capilares são permeáveis a NaCl e uréia, e a
concentração destes no interstício é maior que no capilar, eles entram no capilar descendente.
4. Quando o sangue atinge o capilar ascendente, a concentração de solutos no plasma excede a do interstício (que
se torna progressivamente menos hiperosmolar em direção ao córtex), e os solutos, então, deixam o capilar.
5. Da mesma forma, a pressão oncótica (determinada pelas proteínas plasmáticas) está elevada quando o sangue atinge o capilar ascendente. A soma da pressão
oncótica e da pressão osmótica (determinada pelos solutos não-protéicos) determina a entrada de líquido no
capilar.
6. A quantidade de líquido que entra no capilar ascendente
é maior que a quantidade de líquido removida do capilar descendente, e a diferença é igual ao volume de líquido reabsorvido no ramo descendente da alça de
Henle e nos ductos coletores.
7. Em resumo, os vasa recta preservam os solutos e removem a água, mantendo a hiperosmolalidade da medula
renal.
PAPEL DA URÉIA NO MECANISMO DE
CONCENTRAÇÃO URINÁRIA
Fig. 9.6 Sistema de contracorrente trocador pelos vasa recta. Pr proteína plasmática. O tamanho das letras dos solutos indica a
concentração relativa de cada soluto com relação à sua localização na medula (v. texto para detalhes de funcionamento do sistema). Obtido de Jamison, R.L. e Maffly, R.H.22
A uréia é o produto final do metabolismo protéico nos
mamíferos, sendo excretada quase unicamente pelos rins.
Além da água e dos gases sanguíneos, a uréia é a substância mais difusível no organismo.
Investigações passadas já haviam demonstrado que a
presença de uréia era essencial para a obtenção de uma
109
capítulo 9
osmolalidade urinária máxima. Se um animal deficiente em
proteínas recebia uréia, a capacidade de concentração urinária aumentava.
RECIRCULAÇÃO MEDULAR DA URÉIA
1. Uma quantidade mais ou menos constante de uréia é
reabsorvida no túbulo proximal, independentemente do
balanço de água.
2. No ducto coletor cortical (e, em algumas espécies, no
túbulo coletor), sob a influência do hormônio antidiurético, a água é reabsorvida, o que determina um aumento da concentração intraluminal de uréia (Fig. 9.4).
3. No segmento medular interno-papilar do ducto coletor,
a permeabilidade à uréia aumenta mesmo na ausência
do HAD, o qual, quando presente, parece aumentar ainda mais esta permeabilidade. Desta forma, devido à
diferença transtubular da concentração de uréia, esta se
difunde para o interstício medular.
4. A uréia, então, torna a entrar no túbulo renal na pars recta
do túbulo proximal ou ramo descendente de nefros superficiais e justamedulares. Como a alça delgada justamedular está numa região contendo uma alta concentração de uréia no interstício, mais uréia entra no nefro
justamedular do que no superficial. Portanto, o fluxo de
uréia que deixa o túbulo distal justamedular é maior do
que o que deixa o nefro superficial.
Pontos-chave:
• Quando existe déficit de água, os rins
reabsorvem mais água pelo mecanismo de
concentração urinária, estimulado pelo
HAD
• A concentração urinária depende da
manutenção de uma medula renal
hipertônica pelo mecanismo de
contracorrente e recirculação de uréia
Diluição da Urina
Não importa se a urina final será hiper- ou hipotônica:
o líquido tubular que chega ao túbulo contornado distal
será sempre hipotônico. Os ductos coletores (segmento cortical e medular interno-papilar) e o segmento distal do
túbulo contornado distal são segmentos sensíveis à ação
do HAD. Quando há uma redução ou cessação na liberação de HAD, estes segmentos tornam-se relativamente
impermeáveis à água. Em conseqüência, no sistema coletor o líquido hipotônico permanece hiposmótico em relação ao plasma. No segmento medular interno-papilar do
ducto coletor, ocorre reabsorção de água, pois o segmento
ainda é permeável à água (embora menos) na ausência de
HAD.
Devido à ausência de HAD, a permeabilidade à uréia
do segmento medular interno-papilar do ducto coletor
diminui; logo, a reabsorção de uréia também diminui.
Além disso, como há redução geral na reabsorção de água,
o gradiente transtubular de uréia também diminui (recorde-se que é a reabsorção de água dos segmentos pouco
permeáveis à uréia que determina o aumento de sua concentração intratubular), e logo se reduz a recirculação
medular do sistema coletor para a alça de Henle. E, como
já foi exposto, a uréia exerce um papel fundamental no sistema de contracorrente.
A capacidade de um indivíduo ingerir grande quantidade de água, sem desenvolver um excesso de água, traduz a
capacidade renal de excretar grande quantidade de urina
diluída. A osmolalidade mínima que pode ser alcançada
pelo rim humano é de aproximadamente 50 a 60 mOsm/
kg, permitindo volumes de urina de 15 a 20 litros por dia.
É necessário frisar alguns pontos importantes no mecanismo de diluição da urina e expor os conceitos de clearance osmolar e clearance de água livre.
Baseando-se no que já foi exposto nas páginas precedentes, conclui-se que a formação e a excreção de uma urina
diluída dependem de três fatores básicos: a) oferta adequada de líquido tubular ao segmento diluidor do nefro; b) reabsorção adequada de soluto no segmento diluidor do nefro;
c) impermeabilidade do segmento diluidor do nefro à água.
Se analisarmos a urina, veremos que ela está constituída por uma fase aquosa na qual vários solutos estão dissolvidos. Os solutos são ânions e cátions não-voláteis e os
produtos do metabolismo nitrogenado. Se relacionarmos
a concentração destes solutos na urina (ou seja, a osmolalidade urinária) com a osmolalidade plasmática, poderemos ter três tipos de tonicidade urinária: urina isotônica,
hipotônica e hipertônica em relação ao plasma (v. Fig. 9.7).
Foi Homer Smith quem originalmente considerou a urina
como contendo dois volumes virtuais: um volume contendo uma quantidade de soluto excretado numa concentração igual à do plasma (isotônica) e um outro volume contendo água sem soluto.23
Quando se considera o fluxo urinário (ml de urina por
minuto), o volume de urina que contém os solutos numa
concentração igual à do plasma é denominado de clearance osmolar e o volume de urina sem solutos refere-se ao clearance de água livre. O termo clearance de água livre é errôneo, pois, na verdade, não indica a depuração de uma substância e não é calculado pela fórmula clássica U V/P, e
sim pela fórmula:
CH2O V Cosm
Onde:
CH2O clearance de água livre
V volume de urina (fluxo urinário em ml/min)
Cosm clearance osmolar
110
Metabolismo da Água
Fig. 9.7 Relação do clearance de água livre com a tonicidade da urina (v. texto). (Modificado de Hays, R.M. e Levine, S.D.33)
Considerando de outra maneira, podemos dizer que o clearance de água livre refere-se à quantidade de água livre (água
sem solutos) que precisa ser adicionada ou retirada da urina
para que a urina se torne isosmótica com o plasma.
Observem na Fig. 9.7 B que, quando a urina é isotônica,
isto é, tem a mesma concentração osmolar que o plasma, o
clearance de água livre é zero. Já na urina hipotônica, o clearance de água livre é positivo e, na hipertônica, negativo.
Costuma-se empregar a expressão TCH2O quando o clearance
de água livre for negativo. A letra C indica que a reabsorção
ocorre nos ductos coletores. Portanto, TCH2O CH2O.
O clearance osmolar, que se refere ao volume de urina
necessário para excretar todos os solutos urinários numa
proporção isosmótica, é calculado através da fórmula clássica do clearance:
Cosm Uosm V
Posm
Onde:
Cosm osmolalidade urinária (mOsm/L)
V fluxo urinário (ml/min)
Posm osmolalidade plasmática (mOsm/L)
Vejamos, nos dois exemplos seguintes, o cálculo do clearance osmolar e do clearance de água livre.
1. Calcular o Cosm de um paciente que apresenta osmolalidade plasmática de 300 mOsm/L, osmolalidade urinária de 100 mOsm/L e fluxo urinário de 5 ml/min:
Cosm 100 5
1,66 ml/min
300
2. Calcular o clearance de água livre de um paciente cuja
urina apresenta osmolalidade de 600 mOsm/L, osmolalidade plasmática de 300 mOsm/L e fluxo urinário de
1 ml/min:
CH O 1 2
600 1
1
300
(significa urina hipertônica)
Interpretação do clearance osmolar e do clearance de
água livre
É óbvio que variações na ingesta e na excreção osmolar
não causarão alterações na osmolalidade plasmática (pois
a fração osmolar é sempre isosmótica). No entanto, para
que a osmolalidade seja mantida, a fração de água livre
ingerida deverá ser igual ao clearance de água livre. Se a
ingestão de água livre exceder o clearance de água livre,
haverá uma diminuição da osmolalidade plasmática. Fica
claro, portanto, a importância do mecanismo renal de diluição da urina (excreção de água livre) na preservação da
osmolalidade plasmática.
Pontos-chave:
• A diluição urinária é resultado da
impermeabilidade dos túbulos coletores à
água na ausência de HAD
• A excreção dos excessos de água é realizada
através da elaboração de urina final
diluída
111
capítulo 9
DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO
METABOLISMO DA ÁGUA
A integração do sistema sede-HAD-rim permite que mesmo com grandes variações na ingesta líquida a osmolalidade
no organismo seja mantida mais ou menos constante. Quando há déficit de água, ocorre aumento da osmolalidade no
organismo, a qual estimula a sede e a liberação de HAD; esta
altera a permeabilidade do epitélio do ducto coletor, permitindo maior conservação de água. Na presença de excesso de
água, ocorre o inverso: hiposmolalidade, ausência de sede e
menor liberação de HAD e conseqüente menor permeabilidade à água no ducto coletor, causando, portanto, maior diurese. Daí se deduz que alterações no mecanismo de concentração e diluição da urina provocam distúrbios no metabolismo
da água, que são a hipernatremia e a hiponatremia.
É importante também relembrar que os distúrbios do
metabolismo da água estão relacionados a alterações na
osmolalidade plasmática e são evidenciados pela dosagem
do sódio plasmático, o qual estará concentrado ou diluído
no plasma, de acordo com a água corporal total do indivíduo. Já os distúrbios do metabolismo do sódio são verificados pela avaliação do estado do espaço extracelular, através do exame físico (v. Caps. 8 e 10).24
O termo desidratação refere-se à perda de água que leva
a uma elevação do sódio plasmático e a um déficit de água
intracelular devido ao movimento de água das células para
o líquido extracelular. Já o termo depleção de volume se
refere à diminuição do espaço extracelular devido à perda
de sódio e água, como ocorre, por exemplo, nas diarréias.24,25
DÉFICIT DE ÁGUA —
HIPERNATREMIA —
ESTADO HIPEROSMOLAR
Hipernatremia ocorre quando a concentração plasmática de sódio encontra-se acima de 145 mEq/L. A hipernatremia é um dos distúrbios eletrolíticos mais comuns em
pacientes hospitalizados. Chega a ser preocupante que,
nesta população, uma importante causa de hipernatremia
é a iatrogenia, por reposição inadequada das perdas em
pacientes com acesso restrito à água.26
Um déficit de água no organismo é acompanhado por
um aumento na concentração plasmática de sódio. Como
já foi abordado no Cap. 8, o sódio é o principal íon determinante da osmolalidade no compartimento extracelular,
de forma que a hipernatremia tem grande importância clínica, por sua associação com hiperosmolaridade e conseqüentes efeitos sobre o conteúdo celular de água. A hipernatremia é a principal causa de hiperosmolaridade.
Uma série de adaptações ocorre em todo o organismo
para minimizar o efeito da hiperosmolaridade sobre a es-
trutura e a função da célula, especialmente no cérebro. Os
sintomas de hiperosmolaridade aparecem quando estes
mecanismos de adaptação são ultrapassados.27
A membrana celular é de modo geral altamente permeável à água, o que torna o volume intracelular muito suscetível às variações da osmolaridade do extracelular. A
hiperosmolalidade induz um movimento de água do intracelular para o extracelular, reduzindo o volume celular.
Esta alteração no volume celular leva a mudanças no volume e função celulares.
Por razões anatômicas, o cérebro é especialmente vulnerável às alterações no volume celular. Reduções agudas no
volume cerebral podem levar a uma separação entre o cérebro, as meninges e o crânio, com ruptura de vasos sanguíneos e hemorragia. Porém, no cérebro, os astrócitos são capazes de restaurar o volume cerebral ao normal após transtornos osmóticos. No caso da hipernatremia, após algum tempo estas células respondem com um aumento na concentração intracelular de vários solutos osmoticamente ativos, incluindo o sódio, o potássio, o cloro. Além destes, progressivamente há acúmulo também dos chamados osmóis idiogênicos, que incluem aminoácidos (glutamato, glutamina, taurina, ácido gama-aminobutírico), creatina, fosfocreatina,
mioinositol e glicerofosforilcolina. Na hipernatremia aguda,
por não ter havido tempo suficiente para o acúmulo destas
substâncias, que manteriam o volume celular, é mais provável ocorrer variação do volume celular cerebral, com manifestações clínicas importantes. Na hipernatremia crônica, estes osmóis acumulados no interior das células levam à manutenção do volume celular, com menor sintomatologia.27
Os outros mecanismos de adaptação à hipernatremia
são a liberação de HAD e a ativação do mecanismo da
sede.27 Normalmente, o centro da sede é muito sensível
mesmo a pequenos aumentos da osmolalidade, da ordem
de 1 a 2%. Porém, mesmo que o mecanismo da sede seja
ativado, muitos pacientes podem não expressar a sede
adequadamente ou não ter acesso à água. Isto é observado em crianças pequenas e adultos com alterações do nível de consciência, principalmente idosos. Além disso, a
capacidade de concentração urinária e conservação de água
diminuem com a idade, e, nos idosos, a osmolalidade urinária máxima pode ser de apenas 500-700 mOsm/kg.28-30
Então, vários fatores tornam estes indivíduos mais propensos ao desenvolvimento de hipernatremia significativa.
Pontos-chave:
• Hipernatremia é diagnosticada com
concentração plasmática de sódio maior que
145 mEq/L
• Hipernatremia produz hiperosmolalidade,
uma vez que o sódio é o principal
determinante da osmolalidade plasmática
112
Metabolismo da Água
Fig. 9.8 Relação entre a osmolalidade plasmática e a ingesta e excreta osmolar e de água livre. Como a fração osmolar é sempre uma
fração isotônica, não há alterações na osmolalidade plasmática quando se modifica a ingesta ou excreta da fração osmolar. No entanto, variações na ingesta ou excreta de água livre modificam a osmolalidade plasmática. (Baseado no diagrama de Hays, R.M. e
Levine, S.D.33)
Causas de Hipernatremia e
Estado Hiperosmolar
No Quadro 9.1 podem ser observadas as principais causas de hipernatremia. Uma abordagem também bastante
didática se baseia na determinação do estado do espaço
extracelular nos pacientes com hipernatremia, agrupando
as causas mais prováveis do distúrbio de acordo com a
volemia do paciente e o sódio urinário31 (v. Quadro 9.10).
A hipernatremia é uma das causas de estado hiperosmolar, o qual pode também ser ocasionado por uréia, glicose e etanol.
HIPERNATREMIA COM HIPOVOLEMIA
Hipernatremia com depleção do espaço extracelular e
hipovolemia pode ser decorrente de perdas extra-renais ou
Quadro 9.1 Causas de hipernatremia
Perda de água
• Perdas insensíveis (respiração e sudorese)
• Hipodipsia
• Diabetes insipidus central
• Diabetes insipidus nefrogênico
Perda de fluido hipotônico
• Perdas renais
• Diurese osmótica
• Diuréticos de alça
• Fase poliúrica de NTA
• Diurese pós-obstrutiva
• Perdas gastrintestinais
• Vômitos, sondagem nasogástrica
• Diarréia
• Catárticos osmóticos
• Perdas cutâneas
• Queimaduras
Sobrecarga de sódio
• Administração de soluções hipertônicas de sódio
• Enemas ricos em sódio
• Hiperaldosteronismo primário
• S. de Cushing
renais de fluidos hipotônicos.31 Há uma perda concomitante de água e sódio, embora haja proporcionalmente uma
maior perda de água. Clinicamente, observam-se sinais de
contração de volume: veias jugulares invisíveis, hipotensão ortostática, taquicardia, pobre turgor da pele e mucosas secas. Devido à hemoconcentração, o hematócrito e as
proteínas plasmáticas estão elevados.
Perdas extra-renais podem ser decorrentes de sudorese
excessiva ou diarréia, particularmente em crianças. Em
alguns tipos de diarréia, principalmente nas osmóticas,
ocorre perda de fluido hipotônico em relação ao plasma,
provocando aumento na concentração plasmática de sódio.
Isto pode ser observado também em crianças em que o fluido de reposição é hipertônico. Como resposta às perdas,
os rins são estimulados a conservar água e sódio, a urina
mostra-se hipertônica e a concentração urinária de sódio é
baixa, menor que 20 mEq/L.31
Por sua vez, perda de fluidos hipotônicos pelos rins
pode ser observada durante a diurese osmótica, como ocorre na administração de manitol e no paciente diabético
descompensado, com glicosúria. A glicosúria é a principal
causa de diurese osmótica em pacientes ambulatoriais.
Não se evidencia conservação renal de água e sódio, pois
a urina é justamente a fonte de perda. A urina pode ser isoou hipotônica e o sódio urinário é maior que 20 mEq/L.
Em pacientes hospitalizados, outras causas de diurese osmótica são encontradas: alimentação hiperprotéica (a uréia
age como agente osmótico); expansão do volume por solução salina e liberação de obstrução urinária bilateral. A
osmolalidade urinária nestas situações está geralmente
acima de 300 mOsm/kg, ao contrário da urina diluída da
diurese aquosa. Além do mais, a excreção de solutos (produto da urina de 24 h volume osmolalidade) é normal na diurese aquosa (600-900 mOsm/kg/dia) e aumentada na diurese osmótica.
HIPERNATREMIA COM HIPERVOLEMIA
Esta categoria de hipernatremia é pouco freqüente. Geralmente ocorre em pacientes que receberam grandes
quantidades de cloreto ou bicarbonato de sódio hipertônico. Ao exame físico há sinais do excesso de extracelular,
113
capítulo 9
como congestão pulmonar e ingurgitamento dos vasos do
pescoço.31
HIPERNATREMIA COM VOLEMIA
APARENTEMENTE NORMAL
Este é o tipo mais freqüente de hipernatremia, e se deve
a perdas de água sem eletrólitos. Ao exame, o espaço extracelular pode ser considerado normal. Devido à permeabilidade das membranas celulares à água, um terço
da água perdida provém do extracelular, e dois terços, do
intracelular. É por isso que a principal conseqüência da
perda de água é a hipernatremia, e não a depleção do extracelular.31
Hipernatremia com volemia normal pode ser decorrente
de perdas insensíveis pelo suor e respiração, que, se não
forem apropriadamente repostas, elevam a concentração
plasmática de sódio. Estas perdas em geral somam 0,6 ml/
kg/hora, mas aumentam muito nas queimaduras, febre,
taquipnéia e exercícios intensos.32
É causada principalmente por distúrbios que prejudicam os mecanismos normais de conservação renal de água,
por baixa concentração plasmática de hormônio antidiurético (diabetes insipidus pituitário ou central) ou por comprometimento da resposta renal a níveis máximos de HAD
(diabetes insipidus nefrogênico).
Se a perda líquida for através da pele e do trato respiratório, a urina será hipertônica. A quantidade de sódio urinário é variável e reflete a ingesta diária. Se a perda líquida for de origem renal (diabetes insipidus central ou nefrogênico), a urina será hipotônica, e a quantidade de sódio
urinário, também variável.
Ponto-chave:
• Hipernatremia pode cursar com espaço
extracelular normal, diminuído ou
aumentado
Diabetes insipidus (DI) pituitário ou central
Caracteriza-se por uma alteração central na síntese ou
secreção de HAD, limitando a capacidade renal de concentrar a urina e causando graus variados de poliúria e polidipsia. A falta de HAD pode ser induzida por distúrbios
em um ou mais locais de secreção do HAD: osmorreceptores hipotalâmicos, núcleos supra-óticos ou paraventriculares; ou a porção superior do trato supra-ótico hipofisário. Por outro lado, lesão do trato abaixo da eminência
média ou da parte posterior da hipófise produz apenas
uma poliúria transitória. Nestes casos, o HAD produzido
no hipotálamo ainda pode ser secretado na circulação sistêmica através dos capilares portais da eminência média.
CAUSAS. As cirurgias de hipófise, tumores supra-selares e traumatismo craniano são causas de DI central33 (v.
Quadro 9.2). As neoplasias primárias ou secundárias do
Quadro 9.2 Causas de diabetes insipidus pituitário
Pós-hipofisectomia
Idiopático
Pós-traumático
Tumores supra- e intra-selares — metastático (pp. mama)
craniofaringioma
pinealoma
Cistos
Histiocitose
Granulomas — tuberculose, sarcoidose
Vasculares — aneurismas, trombose, síndrome de
Sheehan
Infecciosas e imunológicas — meningite, encefalite
síndrome de Guillain-Barré
cérebro, que envolvam a região pituitário-hipotalâmica,
podem cursar com DI central. Isto ocorre mais freqüentemente com metástases de câncer de pulmão, leucemia ou
linfoma. A incidência de DI varia com a extensão da lesão:
10-20% na remoção transesfenoidal de adenoma hipofisário restrito à cela e até 60-80% nos casos de grandes tumores que requerem hipofisectomia total. Alguns pacientes
apresentam um padrão trifásico de polidipsia-poliúria no
pós-operatório: na primeira fase, imediata à cirurgia, os pacientes apresentam polidipsia-poliúria; segue-se a segunda fase, caracterizada por quatro a cinco dias de antidiurese; e, após vários dias, uma terceira fase, na qual a poliúria reaparece. Acredita-se que, na primeira fase, ocorra
uma lesão aguda dos núcleos hipotalâmicos e que, portanto, não haja síntese e liberação de vasopressina. Já a segunda fase ocorreria devido à liberação de vasopressina pelo
tecido neuro-hipofisário necrosado. Nesta fase, entre os
dias 6 e 11, ingestão excessiva de água pode causar hiponatremia. Pacientes com lesões menos graves podem ter um
DI central transitório que começa 24-48 horas depois da cirurgia e melhora em uma semana. Além disto, nem todos
os pacientes passam pelas três fases. É importante frisar que
a maioria dos casos de poliúria após neurocirurgia não são
decorrentes de DI central, mas devidos a um excesso de líquidos durante a cirurgia e diurese osmótica pelo uso de
manitol e corticosteróides para minimizar o edema cerebral
(que podem causar hiperglicemia e glicosúria). A diferenciação pode ser feita pela osmolalidade urinária, resposta à
restrição de água e administração exógena de HAD.
Aproximadamente 30% dos casos de DI central são de
natureza idiopática, por um processo auto-imune com inflamação linfocítica da haste hipofisária e da parte posterior. Uma causa mais rara é o diabetes insipidus central familiar, habitualmente transmitido como um traço autossômico dominante. O DI central familiar parece estar associado a uma mutação do gene que controla a síntese de HAD:
preprovasopressina-neurofisina II. O precursor não é clivado em HAD, acumulando-se localmente e causando a
morte de células produtoras de HAD.
114
Metabolismo da Água
A encefalopatia hipóxica (ou isquemia grave, como ocorre na parada cardiocirculatória ou choque) causa uma diminuição da liberação de HAD. A gravidade do defeito
pode ser variável, desde uma discreta e assintomática poliúria até uma forma mais evidente. Exemplo: síndrome de
Sheehan, onde a secreção de HAD é subnormal, mas a
manifestação clínica é discreta.
Após um quadro de taquicardia supraventricular pode
ocorrer poliúria transitória devido à liberação aumentada
do fator atrial natriurético e secreção diminuída de HAD.
As alterações hormonais parecem ocorrer devido à ativação de receptores locais de volume devido ao aumento da
pressão no átrio esquerdo e da pressão sistêmica.
Na anorexia nervosa a liberação de HAD é subnormal
ou errática, talvez devido à disfunção cerebral. É um defeito geralmente discreto, e quando ocorre poliúria, esta é
decorrente do aumento na sede.
Quadro 9.4 Causas de diabetes insipidus nefrogênico
Congênito
Adquirido
Nefropatia crônica
Doença policística
Doença cística medular
Amiloidose
Pielonefrite
Uropatia obstrutiva
Anemia de células falciformes
Distúrbios eletrolíticos (hipercalcemia, hipocalemia)
Alterações na dieta — redução na ingesta de
proteína e sódio
— ingestão crônica excessiva
de água
Agentes farmacológicos: lítio, metoxiflurano,
demeclociclina etc.
Diabetes insipidus nefrogênico
Refere-se à diminuição da capacidade de concentração
urinária que resulta da resistência à ação do HAD. Isto
pode refletir uma resistência no local de ação do HAD nos
ductos coletores ou interferência com o mecanismo contracorrente devido à lesão medular ou diminuição na reabsorção de NaCl no segmento medular espesso ascendente
da alça de Henle.
CAUSAS. As principais causas de DI nefrogênico estão
agrupadas no Quadro 9.4.
O diabetes insipidus nefrogênico hereditário é um distúrbio infreqüente que resulta em graus variados de resistência ao HAD. Há dois receptores diferentes para o HAD: os
receptores V1 e V2. Ativação dos receptores V1 induz va-
Quadro 9.3 Diferenciação de distúrbios poliúricos
por desidratação e administração exógena de
vasopressina
Normal
(N = 9)
Diabetes insipidus
(N = 18)
Diabetes insipidus
incompleto
(N = 12)
Polidipsia
primária
(N = 7)
Uosm
antes*
Uosm
depois**
1,067 ± 68,7
987,0 ± 79,4
168 ± 13,0
445,0 ± 52,0
437 ± 33,6
548,0 ± 28,2
738 ± 52,9
779,8 ± 73,1
Modificado de Berl, T. e cols.29 após adaptação do trabalho de Miller, M.
e cols.38
N indica o número de casos estudados em cada grupo.
Uosm osmolalidade urinária.
*antes — ao término do período de privação líquida e antes de receber
vasopressina.
**depois — após a administração de vasopressina.
soconstrição e aumento da liberação de prostaglandinas,
enquanto receptores V2 se relacionam a resposta antidiurética, vasodilatação periférica e liberação do fator VIII e fator de von Willebrand das células endoteliais. A transmissão é ligada ao sexo (X-linked). Como a mutação é no receptor V2, estão comprometidas as respostas antidiuréticas, vasodilatadoras e do fator de coagulação, enquanto os
efeitos vasoconstritores e nas prostaglandinas estão intactos. A herança ligada ao sexo significa que os homens têm
marcada poliúria e as mulheres variam de um estado portador a uma importante poliúria. Recentemente uma forma autossômica recessiva foi descrita na qual o receptor
V2 está intacto, assim como as respostas sobre a vasodilatação e a coagulação; o defeito está nos “canais de água”
coletores (chamados aquaporina-2). Estes canais normalmente armazenados no citosol, sob influência do HAD,
movem-se e se fundem com a membrana luminal, permitindo a reabsorção de água.
O diabetes insipidus nefrogênico adquirido é mais comum
que o congênito e também menos grave, porque a capacidade renal de concentrar a urina até a osmolalidade do
plasma está preservada. Assim, a polidipsia e a poliúria são
moderadas: 3-5 litros por dia. As principais causas de DI
nefrogênico são abordadas a seguir.
As nefropatias crônicas podem causar DI nefrogênico,
com comprometimento da capacidade renal de concentração máxima da urina (geralmente quando a TFG for menor que 60 ml/min). Embora se possa encontrar hipostenúria (osmolalidade urinária menor que a plasmática) em
nefropatias crônicas avançadas, uma poliúria sintomática
é rara. No entanto, a evidência mais precoce e mais grave
deste comprometimento na concentração urinária ocorre
em enfermidades que afetam a região medular e papilar
do rim, tais como: doença policística, doença cística medular, amiloidose, pielonefrite, uropatia obstrutiva, anemia
de células falciformes, etc. As causas deste defeito na con-
115
capítulo 9
centração urinária são múltiplas: destruição na medula
renal das inter-relações anatômicas entre a alça de Henle,
vasa recta e ducto coletor; talvez a presença de toxinas urêmicas na circulação, que antagonizam a ação da vasopressina, e a diurese osmótica a que são submetidos os nefros
remanescentes.
Alterações na dieta podem causar diabetes insipidus nefrogênico. Em reduções crônicas na ingesta protéica, a concentração máxima da urina está comprometida, e isto parece estar relacionado com a menor formação de uréia, que
representa mais ou menos 50% da tonicidade do interstício medular. Da mesma forma, a restrição de sódio compromete o mecanismo de concentração, pois o primeiro
passo no mecanismo de contracorrente multiplicador é a
reabsorção ativa de cloro (e passiva de sódio) no segmento espesso ascendente da alça de Henle. A restrição de cloreto de sódio resulta num aumento da reabsorção proximal destes íons, e, portanto, a quantidade que chega à alça
de Henle é menor. Por fim, a ingestão crônica de excessos
de água, como ocorre nos bebedores compulsivos de água
(polidipsia primária), reduz a tonicidade do interstício
medular e compromete a capacidade de concentração
máxima da urina 34 (v. Quadro 9.4).
Alguns distúrbios eletrolíticos também são causa de diabetes insipidus nefrogênico. Entre eles, a hipercalcemia e
a hipocalemia. O mecanismo pelo qual a hipercalcemia
compromete a concentração urinária ainda não está esclarecido. A deposição de cálcio na medula renal e a contração de volume que geralmente acompanha a hipercalcemia são fatores a considerar. Uma ação direta a nível celular alterando o equilíbrio osmótico também tem sido considerada. O defeito na concentração torna-se clinicamente
aparente quando a concentração plasmática de cálcio está
persistentemente acima de 11 mg/dl. Com concentração
plasmática de potássio persistentemente abaixo de 3 mEq/L,
há indícios de que ocorre redução da reabsorção de NaCl
no segmento ascendente espesso da alça de Henle e uma
menor resposta do túbulo coletor ao HAD. Tanto na hipercalcemia como na hipocalemia, o defeito no mecanismo de
concentração é discreto, e, para explicarem a ingesta líquida superior às vezes a 3-5 litros, alguns autores sugerem
um efeito destes eletrólitos no mecanismo da sede.
Uma outra causa de DI nefrogênico é a anemia de células falciformes, em que há uma tendência das hemácias em
adquirir a forma de foice no ambiente hipertônico e de
baixa tensão de oxigênio na medula renal. Esta alteração
na forma das hemácias compromete a circulação dos vasa
recta e causa edema e infartos da papila renal, ocasionando a incapacidade de concentrar adequadamente a urina.
Existem drogas que interferem com a ação renal do
HAD, prejudicando a reabsorção de água. Entre estas drogas, destacamos o lítio, a dimetilclortetraciclina, o
metoxifluorano e as sulfoniluréias. O lítio é uma droga
muito usada em psiquiatria no manejo de psicose maníaco-depressiva. Aparentemente esta droga inibe a ação da
vasopressina na formação de adenosina-monofosfato cíclico (cAMP) e induz poliúria reversível.35 Pacientes com acne
tratados com doses altas de dimetilclortetraciclina (demeclociclina) podem apresentar poliúria e polidipsia.36 Esta
droga inibe a ação da vasopressina, possivelmente através
de uma interferência na geração e ação de cAMP. Ela também se liga a uma proteína específica da célula epitelial,
que é importante na ação do HAD. O metoxifluorano é um
agente anestésico que pode causar diabetes insipidus nefrogênico por induzir redução da permeabilidade do ducto
coletor ou diminuição da tonicidade do interstício medular.37
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO DI CENTRAL E
NEFROGÊNICO. Além da poliúria, noctúria e da polidipsia que pode chegar a 15 litros ao dia, a maior parte dos
pacientes portadores de DI central apresenta níveis de sódio plasmático normal ou pouco aumentado, uma vez que
o mecanismo da sede está intacto, repondo pelo menos
parcialmente a perda de água. Porém, pode ocorrer hipernatremia no DI central em que o paciente não tenha acesso à água ou que tenha seu mecanismo da sede alterado.
Com o tempo, pode ocorrer grande dilatação vesical e dos
ureteres, a ponto de não haver mais noctúria. Além disso,
outras manifestações decorrem da doença de base.
Pontos-chave:
• Diabetes insipidus central é causado por
alteração da produção e/ou liberação do
HAD
• Diabetes insipidus nefrogênico decorre da
insensibilidade renal ao HAD
DIAGNÓSTICO DO DI CENTRAL, NEFROGÊNICO
E OUTRAS FORMAS DE POLIÚRIA. Além da poliúria,
polidipsia e hipernatremia com volemia normal, no diabetes insipidus central a densidade da urina é bastante baixa
(1,001-1,005), embora formas parciais de DI, na vigência de
desidratação intensa, possam formar urina hipertônica. Há
alguns testes para o diagnóstico de DI, como a restrição de
água, administração de solução salina hipertônica e administração exógena de hormônio antidiurético, como veremos a seguir.
A restrição simples de água é o teste mais utilizado e
determina a capacidade de o paciente elaborar HAD em
resposta à hipertonicidade do plasma. O paciente é pesado e, a seguir, restringe-se a água por 12-16 horas ou até
que ele perca 3-5% do peso corporal. Cada amostra de urina é coletada para determinação do volume e densidade
urinária e/ou osmolalidade. Um indivíduo normal reduz
o volume urinário para menos de 0,5 ml/min e aumenta a
osmolalidade urinária (superior a 800 mOsm/kg). O paciente com DI mantém um alto volume urinário e uma osmolalidade urinária em torno de 200 mOsm/kg. Alguns
116
Metabolismo da Água
autores preferem um teste mais curto (6-8 horas) e comparam a osmolalidade sérica e urinária inicial com a final. Um
longo período de restrição líquida deve ser evitado devido ao risco de depleção de volume e hipernatremia, e alguns autores sugerem períodos de restrição de água de
apenas 2-3 horas. O volume e a osmolalidade urinária são
determinados a cada hora, e o sódio plasmático, a cada 2
horas.
Com a administração de solução salina hipertônica (300
ml de NaCl a 5%), ocorre aumento da osmolalidade plasmática e, nos indivíduos normais, há uma liberação de
HAD e conseqüente redução do volume urinário. Este teste
não tem sido utilizado de rotina.
O aumento da osmolalidade plasmática em indivíduos
normais conduz a uma elevação progressiva da liberação
do HAD e, portanto, da osmolalidade urinária. Quando a
osmolalidade plasmática atinge 295-300 mOsm/kg (normal 275-290 mOsm/kg), a ação endógena do HAD no rim
é máxima. Neste ponto, administrar HAD não eleva a osmolalidade urinária, a menos que haja um problema central na liberação de HAD, ou seja, DI central. O teste de
restrição da água continua até que a osmolalidade urinária atinja um nível normal (acima de 600 mOsm/kg), indicando liberação e ação intactas do HAD, a osmolalidade
urinária fique estável em duas medidas consecutivas, apesar de um aumento na osmolalidade plasmática, ou se a
osmolalidade plasmática exceder 295-300 mOsm/kg. Nestas duas últimas situações, administra-se HAD exógeno (10
mg de DDAVP por spray nasal). Monitora-se o volume e a
osmolalidade urinária. Os padrões de resposta à restrição
de água e à administração de DDAVP são distintos, dependendo da causa do DI.29,38
No DI central, que é geralmente parcial, a liberação de
HAD e a osmolalidade urinária podem aumentar com o
aumento da osmolalidade plasmática. Porém, como a liberação de HAD é inadequada, a concentração urinária obtida não é máxima, e neste caso o HAD exógeno leva a um
aumento da osmolalidade urinária e queda no débito urinário.
No DI nefrogênico a restrição de água causa elevação
submáxima na osmolalidade urinária. O aumento da osmolalidade plasmática estimula a liberação de HAD, mas
como os pacientes com DI nefrogênico de modo geral são
parcialmente resistentes ao HAD, pode haver um aumento pequeno na osmolalidade urinária. A administração de
HAD exógeno também pode aumentar a osmolalidade
urinária.
Na polidipsia primária, a restrição de água aumenta a
osmolalidade urinária. Como a liberação de HAD está
normal, não há resposta ao HAD exógeno. A capacidade
de concentração urinária está diminuída, pois a poliúria e
a polidipsia crônicas retiram solutos da medula renal, diminuindo o gradiente intersticial medular.39
Talvez no futuro os resultados do teste de restrição à
água e administração de HAD possam ser confirmados
pela medida da excreção urinária de aquaporina-2, que é
o “canal de água” do túbulo coletor. A excreção de
aquaporina-2 aumenta muito após a administração de
HAD em indivíduos normais e naqueles com DI central,
podendo ser usada como um índice da ação deste hormônio no rim.39,40
Ponto-chave:
• Ο diagnóstico diferencial entre diabetes
insipidus central, nefrogênico e outras
formas de poliúria é realizado através da
história clínica e dos testes de restrição de
água, infusão de salina hipertônica e
administração de HAD
TRATAMENTO DO DI CENTRAL. O tratamento do
DI central visa a diminuição do débito urinário, através do
aumento na atividade do HAD e reposição adequada das
perdas líquidas. O DI central é tratado com a administração do hormônio antidiurético (HAD) ou com o uso de
outros medicamentos não-hormonais.41
Atualmente, está disponível a desmopressina (DDAVP), que tem efeito antidiurético potente, sem efeito
vasopressor. A desmopressina é apresentada na forma líquida e pode ser utilizada pela via intranasal, aplicada através de um pequeno tubo plástico ou na forma de spray.
Inicia-se com dose de 5 µg à noite; dependendo dos efeitos sobre a noctúria, a dose pode ser aumentada em 5 µg e
depois acrescentadas doses diurnas. Nos EUA está disponível uma apresentação oral de DDAVP, mas que tem
potência de apenas 10-20% da forma nasal.41 O risco da
administração do DDAVP é a retenção de água e hiponatremia, já que, sob o efeito desta droga, o paciente é incapaz de excretar normalmente a água ingerida.
Para os pacientes que têm resposta incompleta à desmopressina, pode ser necessário acrescentar drogas que aumentem a liberação de ADH, aumentem o efeito do ADH
no rim (em DI central parcial) ou diminuam o débito urinário de maneira independente do HAD. Entre estas drogas, podem ser utilizadas a clorpropamida, clofibrato, acetaminofen e tegretol, diuréticos tiazídicos e antiinflamatórios não-hormonais.
A clorpropamida é uma droga utilizada no manejo de
diabetes mellitus, mas também é eficaz no tratamento do DI
central. Esta droga é capaz de reduzir o volume urinário e
elevar a osmolalidade urinária em pacientes portadores de
DI central. Acredita-se que potencialize os efeitos do HAD
circulante, talvez sensibilizando o túbulo renal à ação da
HAD. Ainda não está esclarecido se a clorpropamida tem
uma ação central (estimulando a liberação de HAD). Após
o diagnóstico, administram-se 250 mg de clorpropamida
uma ou duas vezes ao dia, e o efeito será observado entre
o terceiro e o sétimo dia após a administração. Ela não é
117
capítulo 9
efetiva na forma nefrogênica do DI e é menos efetiva quanto mais grave for o DI. O maior problema é a hipoglicemia
que causa, sobretudo em crianças.
O clofibrato (droga usada no tratamento de dislipidemias) parece aumentar a secreção pituitária de vasopressina e não possuir nenhuma ação sensibilizante ao nível de
túbulo renal. Por não ter efeitos colaterais (como a hipoglicemia da clorpropamida), pode ser utilizado no manejo
do DI parcial. A dose de 500 mg cada 6 horas pode reduzir
a poliúria em DI central. A carbamazepina (usada no tratamento da epilepsia) parece aumentar a resposta tubular
ao HAD. A carbamazepina é utilizada numa dose de 100 a
300 mg duas vezes ao dia. A clorpropamida, clofibrato e
carbamazepina podem reduzir o débito urinário no DI
central em até 50%.41
A indução de discreta depleção de volume com uma
dieta baixa em sódio e diuréticos tiazídicos (hidroclorotiazida, 25 mg uma ou duas vezes ao dia) são medidas eficazes no tratamento do DI, reduzindo o débito urinário em
cerca de 50%. A hipovolemia induzida aumenta a reabsorção proximal de água e sódio, reduzindo assim a oferta de
água aos locais HAD-sensíveis dos ductos coletores.41
Os antiinflamatórios não-hormonais (principalmente o
ibuprofeno) causam inibição da síntese de prostaglandinas
renais, e isto aumenta a capacidade de concentração urinária, já que as prostaglandinas normalmente antagonizam
a ação do HAD. Podem reduzir o débito urinário em 2550%.41
TRATAMENTO DO DI NEFROGÊNICO. O tratamento se dirige à correção da doença de base e à diminuição da
poliúria. Os pacientes com DI nefrogênico não se beneficiam da administração de HAD ou drogas que aumentem sua
secreção ou resposta renal, pois o defeito é justamente uma
resistência renal (parcial ou completa) ao HAD. Ao invés
disso, apresentam efeitos favoráveis no tratamento do DI
nefrogênico: diuréticos tiazídicos, antiinflamatórios nãohormonais e dieta hipossódica e baixa em proteínas.
Como já mencionado, os diuréticos tiazídicos induzem
uma depleção do extracelular, aumentando a reabsorção
proximal de sódio e água, com isso diminuindo a oferta de
água aos locais sensíveis ao HAD nos túbulos coletores.
Esta resposta é potencializada com o uso concomitante de
amiloride ou outro diurético poupador de potássio. Os
diuréticos de alça induzem uma resistência relativa ao
ADH e não devem ser usados.42
Os antiinflamatórios não-hormonais apresentam no DI
nefrogênico os mesmos efeitos já discutidos com relação
ao tratamento do DI central.
O débito urinário no DI nefrogênico pode ainda ser reduzido com a utilização de uma dieta com pouco sal e
pouca proteína, que induz uma diminuição na excreção de
solutos (sal e uréia) e no volume de água necessário para
excretá-los.
Para os pacientes com DI nefrogênico parcial, talvez a
utilização de níveis suprafisiológicos de HAD possa au-
mentar a resposta renal a este hormônio. Dessa forma, a
desmopressina pode ser utilizada em pacientes com poliúria persistente após a utilização das outras medidas.
Pontos-chave:
• Ο princípio do tratamento do diabetes
insipidus central é a utilização de análogos
do HAD (DDAVP). Também são úteis:
clorpropamida, clofibrato, acetaminofen,
carbamazepina, tiazídicos e
antiinflamatórios não-hormonais
• No diabetes insipidus nefrogênico,
recomenda-se dieta com baixo teor de sal e
proteínas, e o uso de tiazídicos e
antiinflamatórios não-hormonais
Manifestações Clínicas de Hipernatremia
As manifestações clínicas de um estado hiperosmolar
dependem da existência ou não de alterações no volume
dos compartimentos líquidos. Isto, por outro lado, depende de a substância que determina o estado hiperosmolar
ter livre acesso à água intracelular. O estado hiperosmolar
pode ser classificado em dois grupos: devido à substância
com fácil acesso à água intracelular (uréia, etanol) e devido ao acúmulo de solutos habitualmente excluídos do compartimento intracelular (glicose, sódio).43 Como já mencionamos, a hipernatremia é uma das causas mais importantes de estado hiperosmolar.
Como a uréia é altamente difusível, alterações na concentração plasmática de uréia não são acompanhadas de
mudanças no volume dos compartimentos líquidos. Apenas quando é administrada rapidamente e em grandes
doses, a uréia pode causar um gradiente osmótico transcelular e produzir mudanças nos compartimentos líquidos.
A ingestão de etanol é uma causa comum de hiperosmolalidade, mas, da mesma forma que a uréia, tem fácil acesso à água intracelular e, portanto, não causa mudanças no
volume dos compartimentos líquidos. Apenas o álcool etílico pode causar um aumento da osmolalidade de significação clínica, pois cada 100 mg/100 ml elevam a osmolalidade em 22 mOsm/L.
A glicose, por sua vez, é uma substância osmoticamente
ativa, pois atravessa as membranas celulares muito lentamente. Diabetes mellitus e diálise peritoneal com glicose
hipertônica são situações clínicas comuns de hiperosmolalidade plasmática. Durante a fase inicial de descompensação do diabetes mellitus, ocorre hiperglicemia sem glicosúria, enquanto o limiar renal de excreção da glicose não foi
excedido. Esta hiperglicemia inicial causa um aumento da
osmolalidade plasmática, e o desvio da água do compartimento intracelular para o extracelular torna os dois com-
118
Metabolismo da Água
partimentos isosmóticos. O resultado final é um aumento
da osmolalidade nos dois compartimentos, aumento do
volume do compartimento extracelular e hiponatremia
devido à diluição do sódio no extracelular pela água proveniente do compartimento intracelular. Na segunda fase de
descompensação do diabetes mellitus, a hiperglicemia excede o limiar de excreção renal e aparece a glicosúria. Nesta
fase ocorre uma diurese osmótica, com grandes perdas
urinárias de água e cloreto de sódio e conseqüente contração do volume plasmático. No coma diabético hiperglicêmico não-cetótico, a depleção de água pode ser tão grande
que, apesar da hiperglicemia (1.000 mg/100 ml), o sódio
plasmático está normal ou elevado. O organismo reage à
contração do volume plasmático, desviando líquido do
interstício e, mais importante, desviando líquido das células para expandir o compartimento extracelular. A água
intracelular sai, acompanhada de eletrólitos (K, Cl ,
HPO4), para que a isosmolalidade transcelular seja mantida. O manejo desses pacientes requer, além da administração de insulina, a administração de líquidos e eletrólitos. Se a osmolalidade inicial não for muito elevada, administra-se solução salina isotônica, a fim de restaurar o volume plasmático. Particular atenção deve ser dada à reposição de potássio, pois, mesmo na presença de hipercalemia, a administração de insulina e líquido é seguida de
rápida queda na concentração plasmática de potássio.
Quando a osmolalidade plasmática inicial for muito elevada, recomenda-se a administração de uma solução salina hipotônica (NaCl a 0,45%).
O sódio tem um acesso limitado ao compartimento intracelular, e o estado hiperosmolar que acompanha a hipernatremia reflete um déficit de água total, sobretudo da
água intracelular. Este déficit de água pode ser acompanhado de um déficit de sódio, mas sempre em menor quantidade que a perda de água29 (v. Quadros 9.6 e 9.10). Além
da associação com hipovolemia, também é possível encontrar hipernatremia com volemia normal ou aumentada. É
necessário avaliar o espaço extracelular através de um cuidadoso exame físico, conforme será abordado no Cap. 10.
Entre as manifestações clínicas da própria hipernatremia, predominam aquelas que refletem disfunção do sistema nervoso central, principalmente se o aumento na concentração do sódio se fez de forma rápida, ao longo de algumas horas. A maior parte dos pacientes não internados
que apresentam hipernatremia é muito jovem ou idosa.
Estes grupos etários apresentam alterações do mecanismo
da sede, redução da capacidade de concentração máxima
da urina e falha na resposta normal ao ADH.44
Em crianças, são comuns a hiperpnéia, fraqueza muscular, inquietude, choro, insônia, letargia e até mesmo
coma. As crianças geralmente não apresentam sintomas até
que a concentração plasmática de sódio exceda 160 mEq/L.
Se o paciente está consciente, a sede pode ser intensa. O
nível de consciência se correlaciona com a gravidade da hipernatremia. Convulsões não ocorrem, a menos que o pa-
Quadro 9.5 Mecanismos renais necessários para o
clearance de água
A. Produção de um gradiente osmótico
1. Número suficiente de nefros funcionantes
2. Oferta suficiente de NaCl aos segmentos medulares
3. Transporte suficiente de NaCl nos segmentos
medulares
4. Conservação suficiente de uréia na medula renal
B. Utilização do gradiente osmótico
1. Fluxo sanguíneo renal apropriado
2. Ação apropriada da vasopressina nos ductos
coletores
3. Resposta apropriada da vasopressina pelos ductos
coletores
4. Fluxo urinário apropriado
ciente receba sobrecarga de sódio ou reidratação muito intensa.
Entre os pacientes hospitalizados, as manifestações podem não ser tão nítidas, pois muitos deles apresentam
doença neurológica preexistente. Na maioria das vezes, há
alterações sensoriais, como confusão mental, estupor e,
eventualmente, coma. Pode haver hipotensão, taquicardia
e até hipertermia. O volume urinário é pequeno, a menos
que haja uma diurese osmótica ou uma síndrome poliúrica. A concentração plasmática das proteínas está elevada
e, se houver um déficit de sódio associado, verifica-se uma
elevação da hemoglobina e do hematócrito. O líquido cefalorraquidiano pode ser xantocrômico ou sanguinolento,
graças a um aumento da permeabilidade ou mesmo ruptura dos capilares cerebrais devido à redução de volume
do cérebro.
Pontos-chave:
• As principais manifestações da
hipernatremia se relacionam ao sistema
nervoso central e dependem da idade do
paciente e da rapidez de instalação
• Os sintomas são mais intensos na
hipernatremia aguda que na crônica, pois o
mecanismo de compensação (ganho
intracelular de osmóis) não está ativado
Manejo do Paciente com Hipernatremia
LINHAS GERAIS
O tratamento da hipernatremia depende de dois fatores importantes: volume do compartimento extracelular e
ritmo de aparecimento da hipernatremia.
Na hipernatremia associada à depleção do volume extracelular, o primeiro objetivo é restaurar a volemia com
119
capítulo 9
Quadro 9.6 Interpretação e manejo da hipernatremia*
Distúrbio
básico
Sódio total
do organismo
Perda de
água e sódio
Sódio total
reduzido
Causas clínicas
Osmolalidade
urinária e NaU**
Tratamento
Solução salina
isotônica
Perdas extra-renais:
sudorese
Urina iso - ou hipotônica; NaU
20 mEq/L
Urina hipertônica
NaU 10 mEq/L
Perdas renais:
(diurese osmótica)
Perda de
água
Sódio total
normal
Perdas renais:
diabetes insipidus,
central ou nefrogênico
Perdas extra-renais:
pele e trato respiratório
Urina iso-, hipo- ou
hipertônica
NaÜ variável
Urina hipertônica
NaÜ variável
Água ou soro
glicosado a 5%
Adição
de sódio
Excesso de
sódio total
Hiperaldosteronismo
primário; síndrome de
Cushing; diálise
hipertônica; bicarbonato
de sódio hipertônico
Urina iso - ou hipertônica NaU
20 mEq/L
Água ou soro
glicosado a 5%
diuréticos
*Modificado de Berl, T. e cols.8
**NaÜ indica a concentração urinária de sódio.
soro fisiológico. Se houver sinais de colapso circulatório
pela contração de volume, a solução salina isotônica deve
ser administrada até que a instabilidade hemodinâmica
seja corrigida. Posteriormente, podem ser utilizados o soro
glicosado a 5% ou uma solução hipotônica (0,45%) de cloreto de sódio. Se não houver instabilidade hemodinâmica
inicial, inicia-se a administração simultânea de soro glicosado a 5% e solução salina isotônica. Quando se dispuser
de uma solução salina hipotônica (NaCl 0,45%), esta será
preferida.
O manejo dos pacientes com hipernatremia associada a
um excesso de volume extracelular baseia-se na reposição
de água por via oral ou parenteral e na remoção do sódio
com diuréticos de alça. Na presença de insuficiência renal,
hipernatremia e excesso de volume são manejados através
de diálise.
Finalmente, naqueles pacientes com hipernatremia e
volemia normal o manejo baseia-se na interrupção da perda continuada de líquido e na administração de água sob
a forma de soro glicosado a 5%. A administração de líquido pode ser feita por via oral, via sonda nasogástrica ou
via parenteral.46
CÁLCULO DO DÉFICIT DE ÁGUA
Considere um paciente com peso usual de 70 kg, apresentando sódio plasmático atual de 155 mEq/L e sódio
normal de 140 mEq/L:
1.º passo: Calcular a água total normal deste paciente:
70 kg x 60% 42 litros (alguns autores consideram a água
total do homem como 60% do peso corporal, e 50% nas
mulheres, por possuírem mais tecido adiposo e, logo, menos água. Além disso, consideram a água total atual como
sendo menor em pacientes hipernatrêmicos e que estão
com déficit de água; logo usam, em vez de 60% e 50%,
valores de 50% e 40% para homens e mulheres, respectivamente).
2.° passo: Calcular a quantidade de água total que este
paciente possui com o sódio em 155 mEq/L.
Água atual Água normal Sódio normal
Sódio atual
42 140
155
⬵ 38 litros
3.º passo: Calcular o déficit de água: Água atual água
normal 38 42 4 litros de déficit de água. Esta é a
quantidade de fluido hipotônico que o paciente necessita receber para que seu sódio plasmático retorne a 140
mEq/L.
TIPO DE FLUIDO
A escolha do fluido a ser infundido para a correção da
hipernatremia depende da via de administração e da necessidade de corrigir outro distúrbio hidroeletrolítico coexistente. Para uso enteral, podem ser utilizadas a água
destilada ou soluções eletrolíticas hipotônicas.27
Para reposição endovenosa, o fluido ideal é aquele que
não contém osmóis efetivos e ao mesmo tempo não ocasione o risco de hemólise por exposição dos eritrócitos a um
fluido excessivamente hipotônico. Alguns autores sugerem
que a correção com solução contendo glicose está associada a acidose láctica intracelular cerebral, devendo por isto
ser evitada.27
Em alguns casos, a solução salina a 0,9%, contendo 154
mEq de sódio por litro, pode ser útil. Isto é verdadeiro
quando coexiste depleção do espaço extracelular com a
120
Metabolismo da Água
hipernatremia. Esta solução (154 mEq/L) terá ainda um
certo efeito diluidor sobre o plasma em condições de hipernatremia muito intensa. Na maioria das vezes, entretanto, a correção de hipernatremia somente com solução
salina isotônica é um procedimento inadequado. É preferível repor uma solução salina a 0,45%, o que pode ser
obtido pela infusão simultânea de volumes iguais de SG
5% (ou água destilada) e solução salina isotônica (a 0,9%).27
Há autores que recomendam que a solução glicosada a
5% seja utilizada nas situações em que existe a possibilidade de sobrecarga de volume com a infusão de fluidos
contendo sódio, como na insuficiência cardíaca.27
RITMO DE CORREÇÃO
Uma correção rápida da hipernatremia é perigosa. Com
a hipernatremia ocorre saída de líquido das células cerebrais. Dentro de 1-3 dias o volume cerebral é restaurado
por líquido cefalorraquidiano (aumentando o volume intersticial) e pela entrada de solutos nas células (atraindo
água para o interior das células e logo restaurando o volume). Em casos de hipernatremia aguda, que se desenvolve em algumas horas, a correção rápida é relativamente
segura e eficaz.
Porém, nas hipernatremias que se instalam ao longo de
várias horas ou dias, é necessária uma abordagem mais
cautelosa. Nesta situação crônica, uma correção rápida
causa movimento osmótico de água para dentro do cérebro, aumentando o seu volume.27 Este edema cerebral pode
causar convulsões, lesão neurológica irreversível e morte.
Há evidência de que existe segurança com um ritmo de
correção entre 0,5-0,7 mEq/L por hora, acima do qual reações adversas ocorrem.47 Nenhuma reação adversa ocorre
quando o ritmo de correção não excede 0,5 mEq/L por
hora. Assim, se o sódio plasmático for de 168 mEq/L, o
excesso de 28 mEq/L (168-140) deve ser corrigido em 56
horas (28 divididos por 0,5 mEq).27
Algumas vezes, a taxa de correção não se iguala àquela
que foi calculada. Isto provavelmente se deve a perdas
continuadas de fluidos hipotônicos. Nestas circunstâncias, o tratamento da doença de base deve ser revisado e
todas as perdas fluidas devem ser reavaliadas e acrescentadas à reposição já calculada. Idealmente, deve ser feita
uma monitorização laboratorial a cada 4-6 horas para avaliar a eficácia do tratamento.27
A piora do quadro neurológico durante a reposição de
fluido hipotônico pode significar o desenvolvimento de
edema cerebral e requer reavaliação imediata e interrupção temporária da reposição.44
EVOLUÇÃO
Aparentemente, a morbidade e a mortalidade pela hipernatremia se relacionam principalmente com a rapidez
de instalação do distúrbio, e não com sua intensidade.
Mesmo com o tratamento, a mortalidade em adultos ultrapassa 40%, o que em parte pode ser conseqüência da do-
ença de base. Muitos dos pacientes que sobrevivem desenvolvem algum grau de dano cerebral permanente.27
Além disso, alguns autores relatam a possibilidade de
a hipernatremia crônica acionar um processo catabólico
sistêmico. A hipótese é que a diminuição do volume das
células hepáticas e musculares pela hipernatremia desencadearia um processo de catabolismo protéico, caquexia e
degradação tecidual.27
Pontos-chave:
• Ο tratamento da hipernatremia é feito com
soluções hipotônicas
• Para evitar edema cerebral, a correção dos
níveis plasmáticos de sódio não deve
exceder 0,5 mEq/L por hora
EXCESSO DE ÁGUA —
HIPONATREMIA — ESTADO
HIPOSMOLAR
Em condições normais, a concentração plasmática de sódio é mantida dentro de limites estreitos, 135 a 145 mEq/L,
devido à regulação da sede e adequada secreção e ação do
HAD. A capacidade de o rim excretar água sem solutos
(controlada pelo HAD) é um ponto fundamental no controle da tonicidade do organismo.45 A osmolalidade efetiva ou tonicidade se refere à contribuição de solutos que não
podem atravessar livremente todas as membranas celulares (como o sódio e a glicose), induzindo assim desvios
transcelulares de água (v. Cap. 8).48
A dificuldade na excreção de água livre é uma das causas mais comuns de hiponatremia ou estado hiposmolar
encontrado no paciente hospitalizado, correspondendo a
1-2% dos pacientes admitidos por doença aguda ou crônica.45 Os idosos apresentam diminuição da capacidade de
eliminação de uma carga de água, o que pode explicar em
parte a suscetibilidade deste grupo ao desenvolvimento de
hiponatremia.44
As principais situações clínicas associadas à hiponatremia estão agrupadas no Quadro 9.7. A hiponatremia pode
resultar de liberação excessiva de HAD, anormalidades na
diluição urinária e/ou desordens do mecanismo da sede.45
Enquanto a hipernatremia sempre implica hipertonicidade e hiperosmolalidade, a hiponatremia pode cursar
com tonicidade baixa, normal ou aumentada.48
A hiponatremia dilucional ou hipotônica (também chamada de hiponatremia real), que é a forma mais comum de
hiponatremia, é causada por retenção de água e cursa com
osmolalidade plasmática menor que 275 mOsm/kg. Se a
ingesta ou aporte de água é superior à capacidade de excreção renal, ocorrerá diluição dos solutos do organismo,
capítulo 9
Quadro 9.7 Situações clínicas associadas com
hiponatremia*
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
Pseudo-hiponatremia
Insuficiência cardíaca congestiva
Cirrose hepática avançada
Síndrome nefrótica
Insuficiência renal crônica
Contração de volume intravascular ou extravascular
Estresse emocional e físico
Distúrbios endócrinos
Agentes farmacológicos
Síndrome de secreção inapropriada de vasopressina
*Obtido de Berl, T. e col.8
resultando em hiposmolalidade e hipotonicidade. São causas deste tipo de hiponatremia: insuficiência cardíaca, secreção inapropriada de HAD e depleção do espaço extracelular.48-50 A hiponatremia hiperosmolar ou hipertônica ocorre na hiperglicemia e infusão de manitol e cursa com osmolalidade plasmática habitualmente superior a 290
mOsm/kg.48,50 Por fim, a hiponatremia isosmolar ou isotônica é a causada por hiperproteinemia ou hiperlipidemia
graves (pseudo-hiponatremia) e cursa com osmolalidade
plasmática normal, de 275-290 mOsm/kg.49
A hiponatremia também pode ser classificada de acordo com sua duração, sendo chamada de aguda, quando
dura menos que 48 horas, e crônica, quando ultrapassa este
período.51
Causas de Hiponatremia
PSEUDO-HIPONATREMIA
Tanto a hiperproteinemia (por exemplo, no mieloma múltiplo) como a hiperlipidemia podem resultar em dosagens
aparentemente baixas de sódio, devido ao espaço que estas
substâncias ocupam na fase aquosa de uma amostra de sangue.45,52 Se grandes quantidades de macromoléculas ou lipídios estão presentes, a quantidade de água por unidade
de volume de plasma está diminuída. Os laboratórios apresentam os resultados da dosagem de sódio por unidade de
volume de plasma. Entretanto, a concentração real de sódio
é a quantidade (mEq) em uma unidade de volume (1 litro)
de plasma dividida pela percentagem de água no plasma
(cerca de 93%). Os 7% restantes do plasma correspondem
às proteínas e lipídios. Uma vez que os íons sódio estão dissolvidos somente na fase aquosa do plasma, uma concentração de sódio de 143 mEq/L no plasma total equivale a
uma concentração de 154 mEq/L na água do plasma (143
0,93). Para evitar avaliações errôneas, o plasma pode ser
centrifugado para separar e remover as proteínas e os lipídios, ou a dosagem pode ser feita diretamente com eletrodos sensíveis a íons, que somente reconhecem a quantidade de sódio dissolvido na água do plasma.45
121
A redução na dosagem de sódio causada por hipertrigliceridemia pode ser calculada multiplicando-se a concentração plasmática dos triglicérides (mg/dl) por 0,002. Por
exemplo, para uma concentração de triglicérides de 5.000
mg/dl, a concentração de sódio diminuiria de 144 para 134
mEq/L.45 Para pacientes com hiperproteinemia, calcula-se
a repercussão sobre a dosagem plasmática de sódio multiplicando-se a quantidade de elevação da proteína total
acima de 8 g/dl por 0,25. Por exemplo, para uma concentração plasmática de proteína de 17 g/dl, a concentração
de sódio diminui apenas 2,25 mEq/L. A pseudo-hiponatremia é tratada com a correção da doença que ocasiona o
distúrbio.45
Em todo caso, para uma conclusão correta sobre uma
baixa concentração de sódio, é prudente verificar que método está sendo utilizado pelo laboratório para a dosagem
deste íon.
REDISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA
Outra causa de hiponatremia em que a diminuição na
concentração de sódio não está associada com uma diminuição na osmolalidade plasmática também merece um
comentário especial. Quando está presente no plasma grande quantidade de um soluto (que não o sódio) que não se
difunde livremente através das membranas celulares, criase um gradiente osmótico que favorece o movimento de
água do intracelular para o extracelular, resultando em
hiponatremia com hipertonicidade.
A causa mais comum deste tipo de hiponatremia é a
hiperglicemia, mas também tem sido relatada durante terapia com manitol hipertônico. Ao contrário do que ocorre com a hiperlipidemia e hiperproteinemia, a baixa concentração de sódio nestas circunstâncias é um reflexo real
da concentração de sódio no espaço extracelular. O que
ocorre é a passagem de água do intracelular para o extracelular, diluindo o sódio do plasma. O tratamento deste
tipo de hiponatremia deve ser dirigido à correção das concentrações elevadas de glicose ou manitol, o que resultará
no movimento de água para o intracelular, com restauração da concentração do sódio plasmático ao normal.45
Outra causa é a irrigação durante cirurgia de próstata,
com grandes volumes de manitol, sorbitol, glicina ou água
destilada, que acabam sendo absorvidos através do leito
cirúrgico cruento. Inicialmente, o soluto absorvido fica
confinado ao espaço extracelular, trazendo água do intracelular, a qual dilui o sódio plasmático, resultando num
estado de hiponatremia isotônica. O manitol é imediatamente excretado na urina, mas o sorbitol e a glicina são
metabolizados, causando severa hipotonicidade e desvio
de água para o intracelular. Sintomas neurológicos graves
podem ocorrer, especialmente com a glicina, devido à neurotoxicidade direta do aminoácido e níveis elevados de
amônio gerados durante seu metabolismo.45
Para calcular a contribuição da glicose ou do manitol
para a osmolalidade plasmática, basta dividir a concentra-
122
Metabolismo da Água
ção plasmática (mg/100 ml) pelo peso molecular da substância (glicose e manitol têm peso molecular de 180). Multiplica-se a concentração plasmática da substância por 10
para transformar mg/100 ml em mg/L. Exemplo: se a concentração plasmática da glicose for 180 mg/100 ml, a contribuição para a osmolalidade será: 180 10 180 10
mOsm/L.
Pode-se também considerar que para cada 100 mg/dl
de elevação na glicemia acima de 200 mg/dl, há uma redução de 1,6 mEq/L no sódio plasmático. Exemplo: a glicemia passou de 200 a 1.200 mg/dl. A concentração de
sódio plasmático deve cair de 140 para 124 mEq/L sem
alteração no conteúdo total de água ou de eletrólitos, mas
apenas com desvio de água do intracelular para o extracelular (1,6 mEq/L 10 16 mEq).
INTOXICAÇÃO AGUDA PELA ÁGUA
Hiponatremia pode desenvolver-se agudamente em
pacientes que ingerem grandes quantidades de fluido hipotônico. Isto ocorre em três situações: pacientes com taxa
de filtração glomerular (TFG) normal que ingerem grandes quantidades de água (polidipsia psicogênica); pacientes com TFG muito reduzida que ingerem quantidades
moderadas de água; e pacientes bebedores de cerveja.45
A polidipsia psicogênica ou ingestão compulsiva de
água é relatada em pacientes psiquiátricos, sendo que parte
deles desenvolve hiponatremia sintomática. A ingesta aguda de líquidos pode exceder 15-20 litros ao dia, superando
a capacidade máxima do rim em eliminar a sobrecarga de
água. De modo geral, a interrupção da ingesta excessiva e
uma diurese volumosa são suficientes para a correção da
hiponatremia; estes pacientes raramente desenvolvem sintomas. Porém, um grupo de pacientes psiquiátricos desenvolve hiponatremia sintomática. Nestes, estudos demonstraram sensibilidade aumentada ao HAD, defeito na diluição urinária independente do HAD ou mesmo níveis elevados de HAD. Alguns fatores, tais como a própria psicose, náuseas, nicotina e várias drogas psicotrópicas, estimulam a secreção de HAD.45
Hiponatremia é bem descrita em indivíduos que ingerem grandes quantidades de cerveja, sem aporte nutricional adequado. Nesta situação, há redução da quantidade
de urina diluída que pode ser formada, pois há poucos
solutos na urina.
Na insuficiência renal, a diluição urinária não está comprometida, mas a quantidade total de urina que pode ser
excretada está muito reduzida devido ao comprometimento da TFG. Por exemplo, num paciente com TFG de 5 litros ao dia, apenas 30% do filtrado glomerular alcançam
os segmentos diluidores do nefro, resultando em 1,5 litro
de urina ao dia. Mesmo que os níveis de HAD estivessem
completamente suprimidos, e que os 5 litros de filtrado
alcançassem o segmento diluidor, o volume urinário não
poderia exceder 5 litros. Então, no paciente com insuficiência renal severa, a ingestão excessiva de água pode fa-
cilmente exceder a capacidade do rim de excretar uma carga de água, mesmo que o mecanismo de diluição esteja
intacto.45
HIPONATREMIA CRÔNICA
A abordagem racional ao paciente com hiponatremia
envolve uma avaliação correta do sódio corporal total e
espaço extracelular (através do exame físico),31 osmolalidade urinária e sódio urinário (v. Quadros 9.11 e 9.12). A
avaliação e a classificação do paciente hiponatrêmico com
base na volemia têm sido utilizadas desde a década de
1960.
Hiponatremia com Sódio Corporal Total Aumentado
Hiponatremia com um aumento no sódio corporal é
observada em três situações: cirrose, síndrome nefrótica e
insuficiência cardíaca congestiva. O exame físico destes
pacientes demonstra sinais de sobrecarga e excesso do
extracelular (v. Cap. 10). O denominador comum entre
estas condições é um volume circulante efetivo diminuído, ao qual o rim responde como se estivesse sendo
hipoperfundido, com menor TFG e retendo sódio proximalmente. Esta diminuição do volume circulante efetivo
ativa a liberação não-osmótica de HAD, o sistema reninaangiotensina-aldosterona e o sistema simpático. A concentração urinária encontra-se aumentada, como resultado da
secreção excessiva de HAD e pelo menor fluxo urinário,
que tem maior tempo de contato com o epitélio do ducto
coletor, permitindo maior retrodifusão passiva de água
para o interstício. Com aumento da gravidade da cirrose,
síndrome nefrótica ou insuficiência cardíaca congestiva,
perde-se a capacidade de concentrar a urina, e uma urina
isotônica com o plasma, e com alto teor de sódio, é elaborada. Deve-se tomar cuidado ao avaliar a dosagem de sódio urinário nos pacientes que recebem diuréticos, particularmente os diuréticos de alça, pois também produzem
urina hipotônica e com sódio alto.45
Hiponatremia com Sódio Corporal Total Diminuído
Hiponatremia associada com diminuição do espaço
extracelular pode ocorrer por perdas renais ou não-renais.
A semiologia evidencia sinais de contração do espaço extracelular (v. Cap. 10).
As perdas não-renais incluem as perdas gastrintestinais
(diarréia e vômitos), perdas cutâneas excessivas (queimaduras, raramente sudorese) ou acúmulo de terceiro espaço (pancreatite, peritonite, queimaduras, esmagamento
muscular). Em todas estas situações, a redução do espaço
extracelular resulta em hipoperfusão renal e diminuição da
TFG. Isto provoca aumento da reabsorção de sódio no túbulo proximal, com menos sódio disponível para os segmentos diluidores distais. Também existe um estímulo ao
HAD, com maior reabsorção de água. Recentemente tem
sido descrita a síndrome de hiponatremia dos maratonis-
123
capítulo 9
tas, em que os atletas perdem grandes quantidades de sódio pelo suor e de modo geral ingerem fluidos de reposição que contêm água, glicose e pouco sódio.45,53,54
Perdas renais de sódio são observadas com o uso de
diuréticos, doença renal intersticial crônica e deficiência
de aldosterona. Todos os diuréticos, independentemente de seu local de ação, induzem um balanço negativo de
sódio. Esta depleção de sódio, por sua vez, desencadeia
a liberação não-osmótica de HAD. Na nefrite intersticial
crônica, há lesão direta das células tubulares nos segmentos diluidores distais e alteração da arquitetura renal normal. Disso resultam uma perda renal de sódio e diminuição do clearance de água livre. Por fim, na deficiência de
aldosterona, o defeito na diluição urinária está relacionado ao balanço negativo de sódio, que resulta em diminuição do sódio que chega aos segmentos diluidores distais,
e à liberação não-osmótica de HAD induzida pela depleção do EEC.45
Hiponatremia com Sódio Corporal
Aparentemente Normal
Hiponatremia em um paciente com o espaço extracelular aparentemente normal pode resultar de secreção inapropriada de HAD (SIHAD) ou de um reajuste de
osmostato.45
A SIHAD foi inicialmente descrita em 1957.55 É assim
chamada, pois a secreção de HAD não se deve a um estímulo osmótico ou não-osmótico. Tem como características
a hiponatremia, hipotonicidade, urina inapropriadamente concentrada, sódio urinário elevado e, freqüentemente,
ácido úrico plasmático em níveis baixos.56 As causas desta
síndrome podem ser observadas no Quadro 9.8. O mecanismo básico da SIHAD é atividade HAD ou HAD-símile
excessiva, causando aumento da reabsorção de água no
ducto coletor, resultando em expansão do espaço extracelular. Como apenas um terço da água retida é distribuída
no espaço extracelular, sinais de hipervolemia, como edema ou ingurgitamento das veias do pescoço, não estão
presentes. Porém, uma discreta expansão do intravascular
resulta em aumento do fluxo plasmático renal e TFG e diminuição da reabsorção proximal de sódio. Como a secreção de aldosterona é normal ou tende a ser suprimida pela
expansão crônica de volume, uma quantidade significativa de sódio deixa de ser reabsorvida na alça de Henle e
túbulo distal. Conseqüentemente, quantidades aumentadas de sódio chegam ao túbulo coletor, que possui capacidade limitada de absorver sódio, e a excreção de sódio está
aumentada.45 A hipouricemia encontrada na SIHAD se
deve a uma menor reabsorção proximal de ácido úrico.57
Cabe aqui um comentário a respeito da hiponatremia em
pacientes com SIDA (síndrome da imunodeficiência adquirida). A hiponatremia é encontrada em 35-55% dos pacientes aidéticos internados e é geralmente causada por
SIHAD relacionada a pneumonia, neoplasia ou infecção do
sistema nervoso central. Eventualmente perdas por diar-
Quadro 9.8 Situações clínicas associadas com
SIHAD*
1. Produção excessiva de HAD por tumor
• Pulmão, gastrintestinal, timo, próstata, linfoma
2. Aumento da liberação hipotálamo-hipofisária de
HAD
a) Doença pulmonar
• Tuberculose, pneumonia, abcesso
b) Doenças do sistema nervoso central
• Trauma, convulsões, meningite, encefalite,
abcesso
• Tumor
• Hemorragia subdural, subaracnóide, aneurisma
• Acidente vascular encefálico
c) Doenças endócrinas
• Deficiência de glicocorticóides
• Mixedema
d) Drogas
• Opiáceos e barbitúricos
• Ecstasy
• Sulfoniluréias (clorpropamida, tolbutamida)
• Nicotina
• Clofibrato
• Antidepressivos tricíclicos
• Inibidores seletivos da recaptação de serotonina
(fluoxetina, sertralina)
• Carbamazepina
• Drogas antineoplásicas (vincristina, vinblastina)
• Tiazídicos
e) AIDS
3. Administração exógena de HAD
4. Drogas que potencializam o efeito do HAD ou têm
efeito HAD-símile
• Clorpropamida
• Ciclofosfamida64
• Ocitocina
*SIHAD = Síndrome da secreção inapropriada de HAD.
réia podem causar depleção de volume circulante efetivo,
ativando a liberação de HAD pelos mecanismos já descritos. Uma causa menos comum de hiponatremia em aidéticos é a insuficiência de adrenais, relacionada com infecção
por citomegalovírus, micobactérias, pelo próprio HIV ou
ainda por infiltração e hemorragia por sarcoma de Kaposi.58
Os pacientes com um quadro compatível com reajuste
do osmostato possuem um limiar de osmorregulação em
torno de uma hiposmolalidade plasmática. Estes pacientes conseguem suprimir o HAD adequadamente quando
a osmolalidade plasmática está baixa e a diluição urinária
é adequada. Em situação de hipertonicidade, há aumento
apropriado na secreção de HAD e concentração urinária.
O reajuste de osmostato pode ser encontrado em qualquer
uma das causas de SIHAD, estados hipovolêmicos, quadriplegia, psicose, desnutrição e tuberculose.45,59 A hiponatremia não é progressiva e melhora espontaneamente com
a resolução da doença básica.45
124
Metabolismo da Água
Pontos-chave:
• Ο diagnóstico de hiponatremia é feito com
concentrações plasmáticas de sódio 135
mEq/L
• Hiponatremia pode cursar com volemia
normal, aumentada ou diminuída
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DE
HIPONATREMIA
O nível de hiponatremia que pode causar sinais e sintomas varia com o ritmo de queda do sódio plasmático e com
a idade do paciente. Em geral, um paciente mais jovem
tolera melhor um determinado nível de hiponatremia que
um mais idoso. Entretanto, hiponatremia aguda pode determinar importantes sinais e sintomas do sistema nervoso central: depressão do nível de consciência, convulsões
e morte, mesmo com níveis de sódio plasmático entre 125
e 130 mEq/L. Estas manifestações são atribuídas principalmente a um edema cerebral, causado pela rápida redução
na concentração plasmática de sódio.60 Isto ocorre porque
não há tempo para as células cerebrais eliminarem partículas osmoticamente ativas do seu interior, reduzindo assim o edema celular. Por outro lado, este mecanismo protetor contra o edema cerebral é muito efetivo na hiponatremia crônica, de forma que um paciente pode estar assintomático com um sódio plasmático inferior a 110 mEq/L.
Os sinais e sintomas se correlacionam com o grau de
edema cerebral. Náuseas e mal-estar são sintomas precoces e podem ser observados quando a concentração plasmática de sódio cai para 125-130 mEq/L. Na seqüência
ocorrem cefaléia, letargia, obnubilação e eventualmente
convulsões, coma e parada respiratória, caso o sódio caia
para 115-120 mEq/L.60 Outros sinais e sintomas incluem
câimbras e anorexia, diminuição dos reflexos tendinosos
profundos, reflexos patológicos, hipotermia e paralisia
pseudobulbar. São particularmente suscetíveis ao edema
cerebral mulheres jovens em pós-operatório, mulheres idosas usando diuréticos tiazídicos, crianças e pacientes hipoxêmicos.51
Estão presentes também os sinais e sintomas relacionados à doença de base que ocasionou a hiponatremia.45
Diagnóstico
Na avaliação de um paciente hiponatrêmico, a história
clínica é de grande importância, assim como a verificação
do balanço hídrico, perdas e aporte de fluidos nos dias
precedentes.50
Além da dosagem do sódio plasmático e do sódio urinário, a osmolalidade plasmática, osmolalidade urinária,
potássio plasmático e gasometria são de utilidade no diagnóstico diferencial das hiponatremias.
A osmolalidade plasmática encontra-se diminuída na
maior parte dos pacientes hiponatrêmicos, uma vez que é
basicamente determinada pela concentração plasmática de
sódio. Mas, em alguns casos, a osmolalidade (e não a tonicidade) do plasma está normal (como na hiperlipidemia e na
hiperproteinemia) ou elevada (hiperglicemia, administração
de manitol). Quando há osmolalidade plasmática elevada,
ocorre movimento osmótico de água para fora das células, e
a concentração de sódio no plasma diminui por diluição.57
A resposta renal apropriada em presença de um excesso de água é excretar urina maximamente diluída. Quando isto não ocorre, deve-se suspeitar de que exista ação do
ADH ou anormalidade renal.61 Na urina, a osmolalidade
auxilia a diferenciar entre uma alteração na capacidade de
excretar urina diluída (presente na maior parte dos casos)
e a polidipsia primária, na qual a excreção de água é normal, mas a ingesta é tão volumosa que ultrapassa a capacidade de excreção. Na polidipsia primária, a resposta à
hiponatremia é a supressão do HAD, resultando numa
urina com osmolalidade abaixo de 100 mOsm/kg e densidade menor que 1,003. No restante dos casos, a secreção
de HAD continua apesar da hiponatremia, prejudicando
a diluição urinária e mantendo a osmolalidade urinária
maior ou igual a 300 mOsm/kg.57
Concentrações urinárias de sódio menores que 25 mEq/L
sugerem a participação de perdas não-renais de sódio na
gênese da hiponatremia, enquanto concentrações superiores a 40 mEq/L sugerem secreção inapropriada de HAD.57
A dosagem do potássio e a verificação do estado ácidobásico podem auxiliar a diferenciar algumas situações: por
exemplo, alcalose metabólica e hipocalemia indicam uso
de diuréticos ou vômitos; acidose metabólica e hipocalemia sugerem diarréia ou uso de laxantes, e acidose metabólica e hipercalemia sugerem insuficiência adrenal.57
TRATAMENTO DA
HIPONATREMIA
Linhas Gerais
Com exceção da pseudo-hiponatremia e da hiperglicemia, a hiponatremia implica um desvio de água para dentro das células e edema das células. Este desvio é particularmente importante no sistema nervoso central, uma vez
que o cérebro está alojado no espaço inextensível da caixa
craniana e o edema cerebral causa sintomas graves.61
A idade do paciente, rapidez de instalação da hiponatremia, avaliação do volume do compartimento extracelular e a concentração do sódio urinário são muito importantes no planejamento terapêutico dos pacientes com hiponatremia (Quadros 9.9 e 9.11).45 A doença básica deve ser
125
capítulo 9
Quadro 9.9 Interpretação e manejo da hiponatremia*
Distúrbio
básico
Compartimento
extracelular
Déficit de água
total e déficit
maior de sódio
total
Depleção do
volume extracelular
Causas clínicas
Perdas renais:
excesso de
diuréticos;
Deficiência de
mineralocorticóide;
Nefrite perdedora
de sal;
Acidose tubular
renal com
bicarbonatúria
Perdas extra-renais:
vômitos, diarréias,
terceiro espaço;
queimaduras,
pancreatite
Concentração
urinária de
sódio (NaU)**
NaÜ > 20 mEq/L
Tratamento
Solução salina
isotônica
NaÜ 10 mEq/L
Excesso de
água total
Discreto excesso de
volume extracelular (sem edema)
Defic. de glicocorticóide;
Hipotireoidismo;
Dor, emoção, drogas;
Síndrome de secreção
inapropriada de HAD
NaÜ 20 mEq/L
Restrição de água
Excesso de
sódio total
e maior
excesso de
água total
Excesso do
volume extracelular (edema)
Síndrome nefrótica;
Insuf. cardíaca;
Cirrose hepática
NaÜ 10 mEq/L
Restrição de água
Insuf. renal aguda
e crônica
NaÜ 20 mEq/L
*Modificado de Berl, T. e cols.8
**NaÜ indica a concentração urinária de sódio.
avaliada e tratada adequadamente. Deve ser interrompido o uso de qualquer agente farmacológico que interfira
com o manejo renal da água.45
A maior parte dos pacientes hiponatrêmicos são assintomáticos e apresentam concentração plasmática de sódio
maior que 120 mEq/L. Nestes, a correção da hiponatremia
pode ser feita de modo mais lento e gradual, através da
restrição de água livre,62 e o tratamento com solução salina hipertônica não é indicado.45 Com a restrição de água
livre para menos de 1 litro ao dia, ocorre balanço negativo
de água, e o sódio plasmático é corrigido lentamente. Em
pacientes que se alimentam normalmente por via oral, a
taxa de correção do sódio com a restrição de água raramente excede 1,5 mEq/dia. Já nos que não estão recebendo
nutrição via oral, e são mantidos apenas com fluidos intravenosos, o balanço entre as perdas insensíveis e a reposição pode estar próximo de zero, e será ainda mais difícil
obter um balanço negativo de água.45
Em um paciente hiponatrêmico com depleção do extracelular concomitante, a solução salina isotônica (154 mEq
de sódio por litro) é a solução escolhida. A solução salina
causa repleção do extracelular, interrompendo o estímulo
para a liberação de HAD, permitindo que a água em excesso seja eliminada. Além disso, a solução salina também
auxilia na correção da hiponatremia por possuir uma concentração de sódio mais elevada (154 mEq/L) que o plasma hiponatrêmico.62
Se o paciente apresenta excesso do extracelular concomitantemente, ou se o paciente estiver perdendo o sódio
infundido através da urina, pode ser administrado diurético de alça juntamente com a salina hipertônica. Nesta
situação, é necessário avaliar a dosagem do sódio na urina após início do tratamento, para que este sódio seja reposto, ao menos parcialmente. Se a correção do sódio plasmático for menor que a esperada, a infusão deve ser reajustada. 45
Na hiponatremia que ocorre no diabetes, a correção
da hiperglicemia fará a água retornar para o interior das
células, normalizando a concentração plasmática de sódio.
A hiponatremia associada a um excesso de sódio total
no organismo ocorre na insuficiência cardíaca, insuficiência renal, cirrose ou síndrome nefrótica. O manejo destes
pacientes com excesso de água e sal baseia-se na restrição
126
Metabolismo da Água
Quadro 9.10 Diagnóstico diferencial da hipernatremia
HIPERNATREMIA
AVALIAR
VOLEMIA
NORMOVOLEMIA
– Água corporal total 앗
– Sódio corporal total ↔
HIPOVOLEMIA
– Água corporal total 앗앗
– Sódio corporal total 앗
NaU 20
NaU 20
Perda Renal
de H2O Na
Diurético
osmótico
de alça
Pósdesobstrução
Doença renal
Perda
Extra-renal
de H2O Na
Sudorese
excessiva
Queimaduras
Diarréia
Fístulas
NaU variável
Perda
Renal
de H2O
D insipidus
Hipodipsia
Perda Extra-renal
de H2O
Perda insensível
Pele
Respiratória
HIPERVOLEMIA
– Água corporal total 앖
– Sódio corporal total 앖앖
NaU 20
Ganho de Sódio
Primário
Hiperaldosteronismo
S. Cushing
Diálise hipertônica
Bic. sódio hipertônico
Comprimidos de NaCl
Adaptado de Schrier, R.W.31
NaU sódio urinário (mEq/L).
Quadro 9.11 Diagnóstico diferencial da hiponatremia
HIPONATREMIA
AVALIAR
VOLEMIA
HIPOVOLEMIA
– Água corporal total 앗
– Sódio total 앗앗
NaU 20
Perda Renal
– Diuréticos
– Deficiência de
mineralocorticóide
– Nefrite intersticial
crônica
– Diurese osmótica
Adaptado de Schrier, R.W.31
NaÜ sódio urinário (mEq/L).
NaU 20
Perda
Extra-renal
– Vômitos
– Diarréia
– Terceiro
espaço
EUVOLEMIA
– Água corporal total 앖
– Sódio total ↔
NaU 20
– Deficiência de
glicocorticóide
– Hipotireoidismo
– Drogas
– Estresse
– SIHAD
HIPERVOLEMIA
– Água corporal total 앖앖
– Sódio total 앖
NaU 20
– Insufic.
renal
aguda
ou
crônica
NaU 20
– Síndrome
nefrótica
– Cirrose
– Insufic.
cardíaca
127
capítulo 9
de água e sal e no uso apropriado de diuréticos. Considerar hemodiálise nos casos de concomitante insuficiência
cardíaca congestiva ou síndrome nefrótica.
O manejo dos pacientes com hiponatremia e depleção
do volume extracelular baseia-se na expansão do volume
circulante com solução salina isotônica. Os diuréticos, se
em uso, deverão ser suspensos, e potássio deverá ser administrado, se houver hipocalemia. No caso da insuficiência de adrenal, deve ser feita a adequada reposição hormonal.
Nos pacientes com hiponatremia e sem sinais de alteração do sódio total do organismo, como ocorre na SIHAD e
reajuste do osmostato, o manejo básico é a restrição líquida, que geralmente normaliza a concentração plasmática
do sódio. Apenas quando há sintomas de intoxicação aquosa, há necessidade de uma correção mais rápida (estupor,
coma, convulsões). Em caso de necessidade de uso de solução contendo sódio, considerar que o manejo renal do
sódio na SIHAD está intacto, ao contrário da depleção do
extracelular, em que o sódio é retido. Isto significa que o
sódio administrado será eliminado na urina, e para isso
necessitará de um volume de água. Por exemplo, ao se
administrar 1 litro de solução salina isotônica (300 mOsm),
o sódio será eliminado juntamente com cerca de 500 ml de
água. Os 500 ml restantes terminarão por diluir ainda mais
o plasma hiponatrêmico. Se for administrada uma solução
hipertônica a 3% (1.026 mOsm/L), o sódio será eliminado
pela urina, mas para isso necessitando de um volume maior
de água, o que produz um balanço negativo de água, colaborando para a correção da hiponatremia. Concluindo, na
hiponatremia sintomática da SIHAD a osmolalidade do
fluido administrado deve exceder a osmolalidade da urina (que nesta síndrome geralmente é superior a 300
mOsm/L). Portanto, a solução salina é de pouca utilidade
nesta situação. Pode haver benefício também na administração de diurético de alça, o qual inibe a reabsorção de
cloro no ramo ascendente espesso da alça de Henle, o que
interfere com o mecanismo de contracorrente e induz um
estado de resistência ao ADH. A demeclociclina e o lítio
diminuem a responsividade do túbulo coletor ao HAD e
aumentam a excreção de água.62
Para os pacientes hiponatrêmicos com insuficiência cardíaca, cirrose ou SIHAD, uma perspectiva para o futuro é
a utilização de um antagonista seletivo dos receptores V2
(antidiuréticos) do HAD, atualmente em fase de testes. Este
agente produziria um balanço negativo de água sem produzir mudanças na excreção de sódio e potássio.62,63
Cálculo do Excesso de Água
Calcular qual o excesso de água em um paciente de 70
kg, com sódio plasmático de 120 mEq/L.
1.° passo: Calcular qual seria a água total normal deste paciente: 70 kg 60% 42 litros.
2.° passo: Calcular a quantidade de água total que este paciente possui com o sódio em 120 mEq/L.
Água atual Água normal Sódio normal
Sódio atual
42 140
120
49 litros
3.º passo: Excesso de água: Água atual água normal
49 42 7 litros de excesso de água.
Tratamento da Hiponatremia Sintomática
A hiponatremia sintomática é uma emergência médica,
e muitas vezes os pacientes necessitam de suporte avançado de vida, dada a intensidade do edema cerebral. Os
sinais neurológicos e sintomas já foram descritos. Esta síndrome pode ocorrer em qualquer estado hiposmolar, independente do volume extracelular do paciente. Mesmo
pacientes com hiponatremia e grave depleção de volume
podem desenvolver edema cerebral.
Nestas circunstâncias, é necessária correção mais ágil do
distúrbio (v. Quadro 9.12). Por isso, a restrição de água não
é considerada terapia adequada para a hiponatremia sintomática, uma vez que promove correção lenta do sódio
plasmático.45 Nos indivíduos com hiponatremia sintomática, o tratamento de escolha é a administração de solução
salina hipertônica (a 3%).
O cálculo da quantidade de sódio necessária para elevar a concentração plasmática a um determinado valor é
feito com a fórmula a seguir:
Na necessário (mEq) Água corporal normal (Na
desejado Na atual)
Por exemplo, quantos mEq de sódio são necessários para
elevar o sódio plasmático de 110 para 120 mEq/L num
paciente de 70 kg? Na necessário (mEq) 42 L (120 110) 420 mEq
Então, são necessários 420 mEq de sódio.
Uma vez que a solução salina a 3% contém aproximadamente 514 mEq de sódio por litro, serão necessários cerca
de 800 ml desta solução para atingir o objetivo, o que pode
causar sobrecarga de volume, principalmente nos pacientes com baixa reserva cardíaca. Quando a solução salina a
3% não estiver disponível, pode ser preparada a partir da
solução salina isotônica a 0,9%, acrescentando 10 ml de cloreto de sódio a 20% para cada 100 ml de salina isotônica.
Observe que, no exemplo acima, a correção de 10 mEq estaria dentro do limite de segurança para as 24 horas, mas,
na presença de sintomas, a correção inicial pode chegar a
1,5-2 mEq nas primeiras 3-4 horas, até a melhora dos mesmos (v. Quadro 9.12).
Este modo de correção não deve ser usado para restaurar o
sódio plasmático a níveis normais! A utilização da salina hipertônica visa a melhora dos sintomas neurológicos mais graves.
Durante o intervalo em que a correção da hiponatremia
sintomática estiver sendo feita, devem ser monitorados os
128
Metabolismo da Água
Quadro 9.12 Tratamento da hiponatremia, com base na duração e nos sintomas
HIPONATREMIA
SINTOMÁTICA
AGUDA
Solução salina
hipertônica
1-2 ml/kg/h
Furosemide
A correção não
deve ultrapassar 2
mEq/L por hora
ASSINTOMÁTICA
CRÔNICA
Solução salina
hipertônica
1-2 ml/kg/h
Furosemide
AGUDA
CRÔNICA
Restrição
de
água livre
Não é
necessária
correção
imediata
A correção não
deve ultrapassar
10-12 mEq/dia
Baseado em Berl, T.51
eletrólitos plasmáticos, até que o paciente esteja neurologicamente estável.45 Além disso, há necessidade de se
monitorar a volemia, se possível com medida da pressão
central venosa (considerando suas limitações potenciais)
ou pressão em capilar pulmonar com o cateter de SwanGanz.
Em 1973, Hantman e colaboradores propuseram o emprego de furosemida no manejo da hiponatremia.64 Isto se
aplica sobretudo aos pacientes que não podem tolerar uma
expansão do compartimento extracelular. A administração
endovenosa de furosemida induz um balanço negativo de
água, quando ao mesmo tempo se repõem as perdas eletrolíticas (sódio e potássio) através de uma solução mais
concentrada. Os autores propõem a administração inicial
de 1 mg/kg de furosemida. A concentração urinária de
sódio e potássio é determinada a cada hora, e a quantidade excretada é reposta através de uma solução salina hipertônica (3%) com a quantidade apropriada de potássio.
Nesta circunstância, a infusão de salina hipertônica deve
ser igual às perdas de sódio, potássio e cloro. O balanço
negativo de água assim obtido é a diferença entre o fluxo
urinário e a quantidade de solução hipertônica administrada. Doses subseqüentes de furosemida são administradas para manter o balanço líquido negativo.
No caso de uma correção muito rápida ocorrer e ser
prontamente reconhecida, deve-se suspender temporariamente a correção da hiponatremia e administrar DDAVP
para os pacientes com osmolalidade urinária baixa, pois o
ADH é suprimido pela hiponatremia. No caso da SIHAD,
suspender a salina hipertônica. Os dados obtidos experimentalmente sugerem que o benefício deste tipo de abor-
dagem ocorre se o tratamento for iniciado antes do aparecimento de sintomas neurológicos, ou seja, nas primeiras
24 horas. Não há benefício se a desmielinização já se instalou.62
Ritmo de Correção
Não se sabe ao certo com que rapidez se deve corrigir
uma hiponatremia grave. Em pacientes assintomáticos,
considera-se adequado corrigir cerca de 10-12 mEq/dia (0,5
mEq/hora).
Já os pacientes sintomáticos necessitam de uma correção mais rápida, com outra estratégia, mas mantendo os
limites de segurança. Nos pacientes sintomáticos, com convulsões ou outros sintomas graves, recomenda-se uma
correção inicial mais rápida, cerca de 1,5-2 mEq/hora, nas
primeiras 3-4 horas, ou até melhora dos sintomas neurológicos. A correção no primeiro dia também não deve ultrapassar 12 mEq.
Complicações do Tratamento
A adaptação que preserva o volume cerebral na hiponatremia crônica protege contra o aparecimento de edema
cerebral, mas cria problemas no momento do tratamento,
pois um aumento rápido na concentração de sódio no plasma durante a correção pode levar à mielinólise pontina
central (ou desmielinização osmótica).
O termo mielinólise pontina central pode não ser o mais
adequado, uma vez que a desmielinização é geralmente
mais difusa e muitas vezes não envolve a ponte. Estas al-
129
capítulo 9
terações podem ocasionar graves repercussões neurológicas que permanecem transitória ou definitivamente após
o tratamento.
Na hiponatremia crônica (desenvolve-se em mais de
48 horas) há perda de osmóis intracelulares como proteção contra o edema cerebral. Porém, estes osmóis não
podem ser rapidamente repostos quando o cérebro diminui de volume durante a elevação do nível de sódio no
sangue. Como resultado, o volume do cérebro diminui
durante a correção rápida da hiponatremia. É nas áreas
onde o reacúmulo de osmóis é mais lento que as lesões
de mielinólise são mais intensas. Um mecanismo possível é que a diminuição de volume dos axônios induzida
pela variação osmótica produza a desmielinização pela
ruptura de conexões dos axônios com sua bainha de mielina.60
De maneira geral, as manifestações clínicas de desmielinização osmótica ocorrem 2-6 dias após a correção dos
níveis de sódio. Os sintomas incluem disartria, disfagia,
letargia, paraparesia ou quadriparesia e até coma. Estes
sintomas podem não ser reversíveis.62 Evidências demonstram que é a rapidez de correção nas primeiras 24
horas que determina a ocorrência de lesões desmielinizantes. Estas lesões são mais freqüentes quando a correção ultrapassa 20 mEq/dia ou quando o sódio se eleva
para mais de 140 mEq/L, e mais raras com correções
abaixo de 0,5 mEq/hora ou 10-12 mEq/dia. Lesões desmielinizantes não são vistas quando a correção é mais
lenta.62
A tomografia computadorizada e a ressonância magnética detectam as lesões de desmielinização, sendo este último método o preferido.65 Às vezes são necessárias até
quatro semanas para as lesões serem detectadas.62
Encontram-se em maior risco para o desenvolvimento
da desmielinização osmótica: mulheres na fase pré-menopausa usando tiazídicos, etilistas, desnutridos, queimados,
pacientes depletados em potássio e crianças pré-púberes
e pacientes em insuficiência respiratória.51,66 Os pacientes
psiquiátricos que desenvolvem polidipsia com hiponatremia de modo geral corrigem rapidamente a hiponatremia,
sem seqüelas.60,62
Pontos-chave:
• O tratamento da hiponatremia depende da
gravidade dos sintomas e rapidez de
instalação. Os sintomas mais graves
decorrem de edema cerebral
• A hiponatremia sintomática é corrigida com
a administração de solução salina
hipertônica a 3%
• A correção da hiponatremia sintomática não
deve ultrapassar 0,5 mEq/L/hora
EXERCÍCIOS
1) Um paciente de 35 anos sofreu trauma cranioencefálico grave e foi internado em coma, escala de Glasgow 5, evoluindo para Glasgow 3. Seu
débito urinário nos primeiros dois dias foi de aproximadamente 7 litros/dia. Além de receber 2 litros de solução salina isotônica e 1 litro
de solução glicosada a 5% a cada dia, manitol era administrado na dose
de 70 ml a cada 8 horas. Seus exames atuais demonstraram: Na 165
mEq/litro. Responda:
a) Existe distúrbio hidroeletrolítico? Qual?
b) Qual a causa mais provável para o mesmo?
c) Como você corrigiria este distúrbio?
2) Para um sódio plasmático de 150 mEq/litro, num paciente de 70 anos
de idade, com 60 kg e assintomático, calcule:
a) Qual a água normal?
b) Qual a água atual?
c) Como corrigir este distúrbio?
3) Mulher de 55 anos, usuária de fluoxetina, internada por broncopneumonia. Na admissão, espaço extracelular aparentemente normal,
contactuando adequadamente. Na 128 mEq/litro. Durante a internação atual, tornou-se confusa e progressivamente sonolenta. Na
117 mEq/litro. Peso = 55 kg.
a) Existe distúrbio hidroeletrolítico? Qual?
b) Qual a causa mais provável?
c) Como tratar?
4) Homem portador de síndrome nefrótica, em anasarca, internado por
tromboflebite em membro inferior. Sem outros sintomas. Peso = 72
kg. Na 125 mEq/L.
a) Qual a água normal?
b) Qual a água atual?
c) Qual o tratamento?
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plasma osmolality. Up To Date, v.9, n.3, 2001.
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Excelente capítulo do Atlas on-line de Doenças Renais de
Robert Schrier. Ótimas figuras.
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http://www.aafp.org/afp/20000615/3623.html — Artigo
sobre hipo- e hipernatremia em idosos.
http://www.emedicine.com/emerg/topic263.htm — Boa
revisão sobre hipernatremia.
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revisão sobre hiponatremia.
http://www.learndoctor.com/chapterpages/chapter19.htm
— Auto-avaliação em metabolismo da água.
http://www.swmed.edu/stars/resources/toto.pdf —
Grupo de slides muito bons sobre hipernatremia.
capítulo 9
http://www.curriculum.som.vcu.edu/m2/renal/ppt/
Homeostasis/ — Grupo de slides sobre distúrbios do
metabolismo do sódio e da água.
http://www.ndif.org/Translation/jtran-160.html —
Resumo de um artigo da Medical Clinics of North
America de maio de 1997, pela Nephrogenic Diabetes
Insipidus Foundation.
RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
OBS.: Nestes exercícios utilizaremos 60% como a percentagem de água
em relação ao peso corporal, para homens e mulheres.
1) 35 anos, trauma cranioencefálico, sódio 165 mEq/litro.
a) Existe distúrbio hidroeletrolítico? Sim. Qual? Hipernatremia.
b) Qual a causa mais provável? Este paciente apresenta pelo menos três causas em potencial para o desenvolvimento de hipernatremia. A primeira é o trauma cranioencefálico, que pode
causar dano à secreção ou liberação de HAD, tornando o paciente incapaz de concentrar a urina, o que explicaria a poliúria
apresentada. Em segundo lugar, a administração de manitol
induz à produção de urina hipotônica. E por último, as perdas
de água livre através da respiração e pela urina não estão sendo adequadamente repostas.
c) Para corrigir esta hipernatremia, deveria ser reposta uma solução hipotônica. O déficit de água que o paciente apresenta é de:
Sódio atual água atual sódio normal água normal
Água atual 140 (70 0,6)/165 35,6 litros
Déficit de água água atual água normal 35,6 42 6,36 litros
Portanto, para que o sódio retorne ao normal (140 mEq/litro), é necessário administrar 6,36 litros de solução salina hipotônica ou SG 5%. A
correção não deve ultrapassar 0,5 mEq/litro/hora, em pelo menos 50
horas (a dosagem de sódio está 25 mEq/litro acima do normal; 25 divididos pela taxa de 0,5 50 horas).
131
2) 70 anos de idade, 60 kg, sódio 150 mEq/litro.
a) Água normal 60% do peso 60 0,6 36 litros
b) Sódio atual água atual sódio normal água normal
Água atual 140 36/150 33,6 litros
Déficit de água 33,6 36 2,4 litros
c) Deve ser administrada solução salina hipotônica (2,4 litros) em
20 horas (a dosagem de sódio está 10 mEq/litro acima do normal; 10 divididos pela taxa de 0,5 20 horas).
3) 55 anos, broncopneumonia. Sódio 117 mEq/litro.
a) Trata-se de hiponatremia.
b) Existem algumas possibilidades: a primeira é que a paciente
tenha uma SIHAD pela broncopneumonia, daí a impossibilidade de eliminar urina diluída. Em segundo lugar, está em uso
de fluoxetina, que pode induzir aumento na liberação de HAD.
Neste caso, deveria ser cuidadosamente verificado o balanço
de fluidos dos dias antecedentes, para excluir a participação
de uma reposição excessiva de soro glicosado a 5%.
c) Como a paciente tornou-se agudamente sintomática, deve receber solução salina hipertônica (3%). A quantidade de sódio
necessária para elevar o sódio plasmático para 125 mEq é:
Sódio necessário água corporal normal (sódio desejado atual)
Sódio necessário (55 60%) (125 117) 33 8 264 mEq
Sabendo que a solução salina hipertônica tem 514 mEq/litro, serão
necessários aproximadamente 500 ml desta solução. Nas primeiras 3-4
horas, o ritmo de correção pode ser mais rápido (1,5-2 mEq/hora), e depois manter 0,5 mEq/hora.
Observe que em 264 ml desta solução há tanto sódio como em 1.700
ml de salina isotônica. Além de corrigir a hiponatremia sintomática, este
sódio também estará provocando expansão do extracelular, com o risco
de congestão circulatória.
4) Paciente com síndrome nefrótica, em anasarca. Sódio 125 mEq/
litro.
a) Água normal (72 0,6) 43 litros.
b) Água atual 43 140/125 48 litros.
c) Este paciente apresenta excesso de 5 litros de água e está assintomático. Deve ser restrita a ingestão de água e administrado diurético, pois apresenta extracelular aumentado.
Capítulo
10
Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema
Miguel Carlos Riella, Maria Aparecida Pachaly e Leonardo Vidal Riella
INTRODUÇÃO
Balanço do sódio
RESPOSTA DO RIM ÀS ALTERAÇÕES NA INGESTA DE
SÓDIO
QUEM PERCEBE E REGULA AS ALTERAÇÕES DO
VOLUME EXTRACELULAR?
REGULAÇÃO INTRA-RENAL DA EXCREÇÃO DE SÓDIO
Fatores derivados do endotélio
Prostaglandinas
Sistema nervoso simpático
Diurese pressórica
DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO DO SÓDIO
Depleção de sódio ou do volume extracelular
Dados laboratoriais
Auto-regulação renal
Conseqüências da depleção do volume extracelular
Filtração glomerular — balanço glomérulo-tubular
Tratamento da depleção
Reabsorção e propriedades físicas no capilar peritubular
Tipo de solução
Pressão oncótica peritubular
Velocidade de administração
Pressão hidrostática no capilar peritubular
Volume a ser infundido (grau de depleção)
Balanço glomérulo-tubular e fatores humorais intra-renais
Reabsorção dependente da velocidade do fluxo de
líquido tubular
Reabsorção dependente do volume do túbulo proximal
TIPOS DE TRANSPORTE DE SÓDIO
REABSORÇÃO NOS DIFERENTES SEGMENTOS DO
NEFRO
Monitorização do tratamento
EXCESSO DE VOLUME EXTRACELULAR—EDEMA
Fisiopatologia do edema
Edema localizado
Edema generalizado
Fisiopatologia do edema em situações clínicas específicas
Insuficiência cardíaca congestiva (ICC)
Túbulo contornado proximal (TCP)
Cirrose hepática
Segmentos delgados da alça de Henle
Síndrome nefrótica
Segmento ascendente espesso da alça de Henle
Glomerulonefrite aguda
(segmento diluidor)
Túbulo contornado distal (TCD)
Ducto coletor
OUTROS FATORES QUE REGULAM A EXCREÇÃO DE
SÓDIO
Redistribuição do filtrado glomerular
Angiotensina II
Edema observado em mulheres
Causas diversas de edema
Princípios gerais no tratamento do edema
Tratamento da doença básica
Adequação da ingesta de sal e água
Mobilização do edema
Indução de balanço negativo de sódio
Aldosterona
EXERCÍCIOS
Fatores físicos e volume do espaço extracelular
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Hormônio natriurético
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Fator natriurético atrial (FNA)
RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
133
capítulo 10
INTRODUÇÃO
O sódio é o íon mais abundante do compartimento extracelular, e a quantidade de sódio neste compartimento é
que determina o seu volume. O sódio e seus dois principais ânions, o cloro e o bicarbonato, constituem 90% ou
mais da quantidade de soluto no líquido extracelular. Por
outro lado, a quantidade de sódio no líquido intracelular
é pequena, devido a mecanismos que ativamente eliminam
o sódio das células.
A concentração de solutos é a mesma nos compartimentos intra e extracelular devido à livre movimentação da
água pelas membranas celulares, em resposta a um gradiente osmótico. Portanto, se há retenção de sódio no líquido extracelular, a pressão osmótica deste compartimento
aumenta e a água intracelular move-se para o compartimento extracelular até que haja equilíbrio osmótico. A hiperosmolalidade do líquido extracelular também pode
estimular a sede e a liberação do hormônio antidiurético,
ambos determinando um balanço positivo de água. Então,
o resultado final de um aumento de sódio no líquido extracelular é um aumento do volume extracelular. Da mesma forma, uma diminuição da quantidade de sódio no líquido extracelular determina uma redução do volume extracelular. Tudo indica, portanto, que o sistema que controla o balanço de sódio faz parte integrante do sistema que
controla o volume extracelular.
Tendo em vista que a maior parte do volume líquido
extracelular corresponde à água, seria legítimo supor que
a regulação daquele volume fosse realizada por intermédio dos mecanismos que controlam o balanço de água.1 No
entanto, as alterações na liberação de HAD e na excreção
de água são mediadas principalmente pela tonicidade dos
líquidos no organismo, a qual é controlada pelo sistema
osmorregulador e não pelo sistema de controle do volume extracelular. Desde que o balanço de sódio é preservado, o controle da tonicidade serve para manter o volume
de líquido extracelular constante.
Contudo, em algumas situações, a excreção de água é
regulada primariamente pelo volume e não pela tonicidade. Isto ocorre, por exemplo, quando há uma intensa contração do volume extracelular. Neste caso, a água é continuamente reabsorvida (apesar da hipotonicidade que se
estabelece), na tentativa de restaurar o volume extracelular. Nesta situação, a regulação do volume tem preferência sobre a osmorregulação.
Num indivíduo normal, o volume de líquido extracelular e o balanço de sódio variam dentro de limites estreitos,
mesmo em face de grandes variações na ingesta e excreção renal de água e sal. E é o rim que mantém o volume
extracelular constante, modulando a excreção de sódio.
Assim, qualquer distúrbio que reduza o volume do compartimento extracelular é acompanhado por uma redução
da excreção de sódio, enquanto um aumento de volume
do compartimento extracelular determina aumento na
excreção de sódio.
Se determinarmos a osmolalidade plasmática ou sérica,
teremos a relação da soma dos solutos osmoticamente ativos (intra e extracelulares) com o volume de água nestes
compartimentos. Como o sódio é o principal soluto no líquido extracelular, a concentração do sódio no plasma ou
soro indica a relação existente entre a quantidade total de
soluto e água no organismo.
Normalmente, a excreção de sódio na urina não depende da concentração plasmática de sódio, e vários experimentos demonstram isto. Por exemplo, quando se expande o volume extracelular com solução salina isotônica, a
excreção urinária de sódio aumenta. Da mesma forma, a
ingestão de água, combinada à administração de vasopressina, causa retenção de água que, eventualmente, acarreta
expansão do volume extracelular. Com o volume extracelular expandido, há aumento na excreção urinária de sódio, apesar da hiponatremia causada pela administração
simultânea de água e vasopressina. Um outro exemplo é a
situação em que o organismo só perde água, o que causa
diminuição do volume extracelular e, conseqüentemente,
diminuição da excreção urinária de sódio, apesar da hipernatremia.
Balanço do Sódio
A ingestão média de cloreto de sódio em um adulto
normal é de 7 g ou 150 mEq por dia.1 Para manter o equilíbrio, a mesma quantidade deve ser excretada.2 Ao contrário da água, cuja ingestão é controlada pela sede, não
existe no ser humano um apetite específico para sódio.
Uma vez absorvido, o íon sódio distribui-se no organismo da seguinte maneira: 45% para o líquido extracelular, 7% para o líquido intracelular e 48% para o esqueleto. O sódio do esqueleto se apresenta sob duas formas:
permutável (50%) e não-permutável (50%). Esta divisão
é baseada na maior ou menor facilidade com que o sódio
se liberta do osso para a circulação. O sódio não-permutável integra áreas firmemente mineralizadas, sendo
menos acessível à circulação e, portanto, dificilmente se
liberta do esqueleto. O sódio permutável pode libertarse do osso em condições especiais como a acidose metabólica, onde o carbonato de sódio dos cristais depositados na matriz óssea neutraliza o íon H⫹, trocando-o pelo
sódio.1
A concentração plasmática de sódio está entre 135 e 145
mEq/L, sendo a concentração intracelular em torno de 10%
da concentração plasmática. O sódio é eliminado do organismo na urina, fezes e suor. Para efeito de balanço, o que
importa é a excreção urinária de sódio. A eliminação pelo
suor adquire importância somente em casos de sudorese
profusa, pois a concentração de sódio no suor é baixa. Da
mesma forma, diarréias graves podem determinar perdas
consideráveis de sódio nas fezes.
134
Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema
RESPOSTA DO RIM ÀS
ALTERAÇÕES NA INGESTA DE
SÓDIO
Quando se altera a ingesta de sódio, a adaptação na
excreção renal de sódio é lenta, podendo levar muitos dias
para que se iguale à ingesta.3 Observem na Fig. 10.1 que,
quando a ingestão de NaCl aumenta, apenas uma parte
deste incremento é eliminada no primeiro dia. O restante
é retido, juntamente com água, resultando numa expansão
do volume extracelular. A expansão do volume extracelular estimula progressivamente um aumento na excreção de
sódio, até que a quantidade excretada se iguale à ingerida.
Por outro lado, se a ingesta de sódio for reduzida abruptamente, levará muitos dias para que a excreção de sódio seja
reduzida a uma quantidade igual à ingesta.
O mecanismo pelo qual alterações no volume extracelular modificam a excreção de sódio não está totalmente
esclarecido e será abordado a seguir. Normalmente, a
quantidade de sódio excretado na urina está em torno de
0,5% da quantidade filtrada pelo rim. Na Fig. 10.2, um
único nefro representa a função total de ambos os rins.
Considerando uma filtração glomerular de 125 ml/min e
um sódio plasmático de 140 mEq/L, o sódio total filtrado
por dia será de 25.200 mEq. Aproximadamente 67% do
sódio filtrado são reabsorvidos no túbulo contornado proximal e 10% na parte reta do túbulo proximal. Isto significa que a reabsorção proximal de sódio está em torno de 80%
da carga filtrada, enquanto 20% do sódio filtrado são reabsorvidos em segmentos distais ao túbulo proximal.
RFG ⫽ 125 ml/min = 180 L/DIA
PNa⫹ ⫽ 140 mEq/L
UNa⫹ ⫽ 100 mEq/L
Fig. 10.2 Filtração e excreção diária de sódio num adulto normal.
No diagrama, o nefro representa toda a população de nefros de
ambos os rins. Observe que cerca de 80% do sódio filtrado são reabsorvidos no nefro proximal e que no final apenas 0,6% da carga
filtrada aparece na urina. Observe, também, que a quantidade excretada é mais ou menos igual à quantidade ingerida, o que indica
que há um balanço. (Baseado na concepção de Valtin, H. 53)
Considerando-se um fluxo urinário normal de 1 ml por
minuto (1.440 minutos em 24 horas), o volume urinário estará em torno de 1.500 ml. Se a concentração urinária de
sódio for de 100 mEq/L, a excreção urinária diária de sódio
será em torno de 150 mEq ou 0,6% do sódio total filtrado.
Fig. 10.1 Balanço de sódio no homem. Observe que, quando a ingesta de sódio é subitamente elevada, apenas cerca da metade do
incremento aparece na urina no primeiro dia. O restante do incremento fica retido no organismo e aumenta o volume de líquido
extracelular, que se traduz por um aumento do peso. Nos dias subseqüentes, uma fração menor de sódio é retida, e a excreção de
sódio aumenta progressivamente, até que em três a cinco dias a excreção se iguala à ingestão. O estímulo para o aumento na excreção de sódio se deve à expansão do volume extracelular. Observe também que, quando se reduz abruptamente a ingesta, a diminuição na excreção de sódio é também gradual e os mesmos mecanismos operam, só que de maneira inversa. (Obtido de Earley, L.E.3)
capítulo 10
Pelo exposto, poderíamos deduzir que uma alteração da
filtração glomerular ou da reabsorção tubular de sódio
pode comprometer o balanço de sódio e, conseqüentemente, o volume dos compartimentos líquidos do organismo.
Pontos-chave:
• A concentração plasmática de sódio é de
135-145 mEq/L
• A adaptação renal às variações na ingesta
de sódio é lenta
• A excreção urinária diária de sódio deve
equilibrar-se com a ingesta
• Apenas 0,6% de todo o sódio filtrado é
eliminado na urina
QUEM PERCEBE E REGULA AS
ALTERAÇÕES DO
VOLUME EXTRACELULAR?
A homeostase dos fluidos é essencial para a manutenção da estabilidade circulatória. Pequenas modificações no
volume extracelular devem ser prontamente identificadas
e corrigidas, para que o equilíbrio seja mantido.4 Existem
estruturas no organismo que agem como receptores de
volume, e, através de mecanismos nervosos, humorais e
hormonais, provocam adaptações funcionais em vários
órgãos e fornecem aos rins os elementos para correção dos
desvios no volume extracelular1 (Quadro 10.1). Por exemplo, a expansão de volume ativa uma seqüência de sinais
provenientes de vários destes receptores, aumentando a
excreção de sódio. Ao contrário, a resposta à depleção de
volume é a conservação renal de sal e água.4
A redistribuição interna do volume intravascular, mesmo sem mudança no volume circulante, provoca alteração
na excreção de sódio. Por exemplo, quando um indivíduo
se deita, a excreção de sódio aumenta, e, quando fica de
Quadro 10.1 Receptores mecânicos sensíveis a
alterações regionais da volemia
Receptores de volume intratorácicos
Aurículas
Ventrículo direito
Capilares pulmonares
Receptores de volume no sistema arterial
Artérias carótidas
Arco aórtico
Receptores de volume no rim
Receptores de volume no sistema nervoso central
Receptores de volume no fígado
135
pé, a excreção de sódio diminui.3 Isto significa que a postura influi sobre a excreção de sódio. Epstein e cols. verificaram que, quando se comprimia externamente uma fístula arteriovenosa grande, a excreção de sódio na urina
aumentava.5 No caso da fístula arteriovenosa, a compressão externa impede a passagem do sangue arterial para o
sistema venoso, causando aumento do volume arterial efetivo. Isto sugere que o volume arterial efetivo exerce controle sobre o volume extracelular.
Há receptores de volume no leito vascular venoso e
pulmonar (intratorácicos),6 capazes de perceber reduções
no retorno venoso e ativar uma diminuição na excreção
urinária de sal. Isto ocorre, por exemplo, quando o indivíduo fica muito tempo em pé, quando se aplicam torniquetes nas pernas ou em indivíduos em ventilação com pressão positiva. De modo inverso, o aumento do retorno venoso torácico aumenta a excreção urinária de sódio, como
se observa em indivíduos em decúbito dorsal.
O tônus simpático e a secreção de adrenalina e noradrenalina são ativados quando existe queda no débito cardíaco ou queda de pressão arterial. Esta redução na pressão
ativa os receptores cardíacos e arteriais, aumentando as
descargas em tronco cerebral que aumentam o tônus simpático, iniciando eventos que levam à normalização da
perfusão, entre eles um aumento da reabsorção tubular de
sódio.7
Talvez a demonstração mais convincente da influência
da volemia intratorácica e receptores cardiopulmonares na
natriurese derive de estudos com indivíduos normais imersos em água até o pescoço. A pressão hidrostática do líquido de imersão ocasiona a redistribuição do fluido intravascular e do interstício dos membros inferiores para o tórax.
O conseqüente aumento no volume circulante central provoca natriurese e aumento da diurese. Resposta similar é
obtida em pacientes cirróticos, que excretam pouco sódio
em condições basais.7
Foram identificados receptores de volume localizados nos
átrios, seio carotídeo e arco aórtico. Quando existe queda na
pressão arterial ou débito cardíaco, o tônus simpático e a
secreção de adrenalina e noradrenalina são ativados por
estes receptores, iniciando eventos que levam à normalização da perfusão, entre eles aumento da reabsorção tubular
de sódio.7 Além disso, estes receptores estão associados ao
controle da liberação de HAD (v. Cap. 9).
A liberação de HAD e a sede, mecanismos de restauração do déficit de água, podem também ser estimulados por
aumento da osmolalidade plasmática e pela contração isosmótica do volume extracelular (através do sistema reninaangiotensina).
O rim percebe alterações no volume e na pressão intravascular através de um sistema barorreceptor localizado
no aparelho justaglomerular da arteríola aferente e células da mácula densa no túbulo distal (v. Cap. 7). Estes receptores influenciam a atividade do sistema renina-angiotensina-aldosterona, endotelina e óxido nítrico.7 Uma re-
136
Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema
dução na pressão de perfusão renal promove liberação de
renina do aparelho justaglomerular, com formação de angiotensina II, liberação de aldosterona e retenção de sódio.
A administração de soluções distintas causa diferentes
taxas de excreção de sódio. Uma expansão do compartimento intravascular com a administração de plasma ou
sangue, por exemplo, causa natriurese menos significativa do que a obtida com quantidades equivalentes de solução salina isotônica. Todavia, a administração de uma solução hipertônica de albumina expande o intravascular e
contrai o compartimento intersticial, podendo não modificar a excreção de sódio. Isto indica que outros estímulos,
além da expansão absoluta do volume extracelular, são
importantes na excreção de sódio.3
Há sugestões de que o fígado também possua receptores especiais e participe da regulação da excreção de água
e sal. Estudos demonstraram que a infusão de solução salina isotônica ou hipertônica no sistema porta causa uma
natriurese mais significativa do que se a mesma solução
fosse infundida numa veia sistêmica.8
Pontos-chave:
• O sódio é o principal cátion do extracelular
• A quantidade de sódio no organismo
determina o volume do espaço extracelular
• Para manter a estabilidade circulatória, o
volume extracelular deve ser
adequadamente controlado
• Os sensores de volume e pressão
desencadeiam mecanismos de regulação do
extracelular, aumentando ou diminuindo a
excreção de sódio
REGULAÇÃO INTRA-RENAL DA
EXCREÇÃO DE SÓDIO
Num indivíduo sadio a quantidade reabsorvida de sódio é superior a 99% da quantidade filtrada. Como a quantidade filtrada excede em muito a excretada, torna-se claro que o rim deve possuir um sistema de conservação de
sódio altamente desenvolvido.
Auto-regulação Renal
Vários mecanismos mantêm a quantidade de sódio filtrada relativamente constante. Os rins são capazes de manter a taxa de filtração glomerular constante, mesmo que
haja amplas variações da pressão de perfusão renal. Este
fenômeno é chamado auto-regulação renal. Respostas na
musculatura lisa das arteríolas aferentes ocorrem em direta proporção com mudanças na pressão de perfusão re-
nal, mantendo estáveis o fluxo sanguíneo renal, TFG e sódio filtrado.9
Porém, somente modificações na TFG não são suficientes para explicar os ajustes na excreção de sódio.4
Filtração Glomerular — Balanço
Glomérulo-tubular
Observou-se que uma diminuição da filtração glomerular, causada por hemorragia ou constrição da artéria renal,
diminuía a excreção de sódio. Já um aumento na filtração
glomerular causado pela administração de solução salina
era acompanhada por aumento na excreção de sódio. Portanto, estes estudos demonstravam um paralelo entre filtração glomerular e excreção de sódio.
Entretanto, De Wardener10 e outros investigadores demonstraram que o aumento na excreção de sódio que
ocorre com a expansão do volume extracelular permanece mesmo quando se reduz a filtração glomerular e conseqüentemente a quantidade de sódio filtrada. Por outro
lado, ao se produzir um aumento na filtração glomerular, mas sem expandir o volume extracelular, a excreção
de sódio permanece inalterada ou aumenta muito pouco. Isto tudo indica que as alterações na filtração glomerular não são essenciais para o rim regular o volume extracelular.6 O ponto principal na regulação do equilíbrio
de sódio é o controle de sua reabsorção,2 como veremos a
seguir.
Numerosas investigações demonstraram que alterações
na filtração glomerular são acompanhadas por alterações
proporcionais na reabsorção de líquido no túbulo proximal, de modo que a fração do volume filtrado que é reabsorvida pelo túbulo proximal permanece mais ou menos
constante.1 Normalmente, 80% do filtrado glomerular são
reabsorvidos pelo túbulo proximal.
O fenômeno pelo qual alterações na taxa de filtração
glomerular se acompanham de modificações correspondentes na reabsorção tubular de sódio é chamado de balanço glomérulo-tubular (v. Quadro 10.2).1,2 Este balanço
evita alterações excessivas na excreção de sódio quando a
filtração é abruptamente aumentada ou diminuída. Os
principais mecanismos responsáveis pelo balanço glomérulo-tubular são: pressão oncótica e hidrostática peritubu-
Quadro 10.2 Balanço glomérulo-tubular
Filtração
Glomerular
(ml/min)
150
100
50
Reabsorção
Proximal
(ml/min)
Fração de
Volume não
Reabsorção Reabsorvido
(%)
(ml/min)
120
80
40
Obtido de Malnic, G. e Marcondes, M.1
80
80
80
30
20
10
capítulo 10
lares, fatores humorais intra-renais, velocidade do fluxo
tubular e volume do túbulo proximal.11 Estes mecanismos
são descritos a seguir.
Reabsorção e Propriedades Físicas no
Capilar Peritubular
PRESSÃO ONCÓTICA PERITUBULAR
Alterações na concentração de albumina e pressão oncótica nos capilares peritubulares afetam o movimento
transtubular de sódio. A concentração de albumina no capilar peritubular é determinada pela concentração plasmática de albumina na arteríola eferente e pela fração de filtração (porção do fluxo plasmático renal que é filtrada).
Portanto, um aumento no ritmo de filtração glomerular
aumenta a fração de filtração, formando o ultrafiltrado
(plasma sem proteínas), retirando água e eletrólitos do
capilar glomerular e aumentando a concentração relativa
de albumina no capilar peritubular. Este aumento da pressão oncótica favorece a reabsorção de sal e água. A diminuição da filtração glomerular tem efeito oposto.
Brenner e cols. demonstraram que a diminuição da reabsorção de sódio no túbulo proximal, que ocorre durante a
expansão do volume extracelular com solução salina isotônica, é decorrente da diminuição da pressão oncótica do
capilar peritubular. Quando os autores perfundiam o capilar peritubular com uma solução de albumina, normalizando a pressão oncótica, a inibição da reabsorção de sódio era corrigida.12,13
PRESSÃO HIDROSTÁTICA NO
CAPILAR PERITUBULAR
Earley e cols. sugeriram que alterações na pressão hidrostática do capilar peritubular seriam responsáveis por modificações na reabsorção de sal e água.14 Um aumento da
pressão capilar peritubular causaria natriurese, e a diminuição da pressão capilar teria um efeito oposto. O mesmo grupo de investigadores demonstrou que a natriurese induzida por aumento na pressão hidrostática do capilar peritubular poderia ser inibida por um aumento da pressão oncótica do plasma. Estas observações levaram o grupo a postular que o ritmo de reabsorção de sódio pode ser influenciado pelo balanço das forças de Starling (v. Cap. 8).
Existem importantes diferenças no movimento transcapilar de líquido entre os capilares periféricos, glomerulares e peritubulares. As forças de Starling que norteiam a
troca de líquido no capilar periférico já foram abordadas
no Cap. 8, enquanto as forças que governam a filtração
glomerular foram abordadas no Cap. 3.
No capilar peritubular são muito distintas as forças responsáveis pela troca de líquido. A arteríola eferente, funcionando como um vaso de resistência, contribui para a
redução da pressão hidrostática entre o glomérulo e o capilar peritubular. Além do mais, como o capilar peritubu-
137
lar recebe sangue do glomérulo, a pressão oncótica plasmática é alta no início do capilar devido ao ultrafiltrado
glomerular (líquido sem proteína). Logo, quanto maior for
o ritmo de filtração glomerular em relação ao fluxo plasmático (fração de filtração), maior será a concentração protéica na arteríola eferente. Assim sendo, ao contrário do
capilar periférico e glomerular, o capilar peritubular é caracterizado por valores elevados de pressão oncótica que
em muito excedem a pressão hidrostática, resultando em
absorção de líquido. Apesar de a pressão oncótica no capilar peritubular diminuir ao longo do capilar, à medida
que o líquido é reabsorvido, esta pressão permanece maior que a pressão hidráulica.
BALANÇO GLOMÉRULO-TUBULAR E
FATORES HUMORAIS INTRA-RENAIS
A participação de um fator luminal na reabsorção de
sódio foi sugerida por Leyssac.15 Segundo este autor, um
aumento na reabsorção tubular proximal reduz a pressão
intraluminal e, conseqüentemente, aumenta as forças que
promovem a filtração glomerular. Um maior ritmo de filtração glomerular aumenta a quantidade de líquido
ofertado ao túbulo proximal, restaurando o balanço glomérulo-tubular. Uma diminuição na reabsorção tubular
aumentaria a pressão intraluminal, a qual diminuiria a filtração glomerular.
Thuray e Schnermann, por sua vez, propuseram um
mecanismo diferente para explicar a relação entre a filtração glomerular e a reabsorção tubular de sódio.16 Segundo
estes autores, a quantidade de sódio que atinge a mácula
densa do nefro pode, por um mecanismo de feedback (controle retrógrado), controlar a filtração glomerular deste
nefro, através da liberação local de renina e geração de
angiotensina II, que é um potente constritor de músculo
liso.
Um aumento na filtração glomerular aumenta a quantidade de sal e água que chega à mácula densa. Isto promove a liberação de renina e formação de angiotensina II.
A angiotensina II causa constrição da arteríola aferente,
diminuindo a filtração glomerular e restaurando, assim, o
balanço glomérulo-tubular. Uma redução da filtração glomerular resulta em diminuição da quantidade de sal e água
que atinge a mácula densa, havendo então redução na liberação de renina. Com isso, menos angiotensina II é formada, resultando em vasodilatação da arteríola aferente,
o que causa aumento na filtração glomerular. Posteriormente, os mesmos autores concluíram que não era a concentração de sódio intraluminal na mácula densa que daria o sinal para liberação de renina, e sim a quantidade de
sódio transportada pelas células da mácula densa e que
entraria em operação somente quando houvesse aumento
no transporte de sódio a esse nível. No entanto, até o momento esta teoria é conflitante e talvez não tenha participação na regulação da filtração glomerular em condições
fisiológicas.
138
Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema
REABSORÇÃO DEPENDENTE DA VELOCIDADE
DO FLUXO DE LÍQUIDO TUBULAR
Alguns estudos mostram que a reabsorção de líquido é
maior no segmento inicial do túbulo contornado proximal
do que nos segmentos mais distais. Postulou-se, então, que
o acúmulo de um soluto pouco reabsorvível nos segmentos iniciais do túbulo contornado proximal (acúmulo devido à reabsorção de água, que progressivamente concentra este soluto) inibiria a reabsorção de sal nos segmentos
mais distais. Entretanto, túbulos isolados e perfundidos in
vitro não exibiram esta característica de reabsorção aumentada no segmento inicial do túbulo contornado proximal
(TCP). Mas, quando o líquido perfundido utilizado foi um
ultrafiltrado do plasma, esta relação entre fluxo e reabsorção de sódio foi novamente detectada.17 A conclusão é de
que esta relação fluxo/reabsorção ainda padece de demonstração mais convincente.
REABSORÇÃO DEPENDENTE DO VOLUME
DO TÚBULO PROXIMAL
Esta teoria propõe que o ritmo de absorção de líquido
do túbulo proximal é diretamente proporcional ao volume tubular. Segundo os proponentes desta teoria, a variação do volume tubular é importante, pois expõe o filtrado
glomerular a uma maior ou menor área de reabsorção e
permite um maior tempo de contato do líquido intratubular com as paredes do túbulo proximal.18 Assim sendo, um
aumento na filtração glomerular proporciona um volume
maior de filtrado e, conseqüentemente, maior volume tubular, que se acompanha de aumento na sua capacidade
de reabsorção. Uma redução da filtração glomerular reduz
o volume de filtrado, e, portanto, o volume tubular, reduzindo a capacidade reabsortiva. Em face de outras investigações, que concluíram que o volume tubular não é fator
importante no balanço glomérulo-tubular, a hipótese original não é por todos aceita.
Em resumo, pode-se afirmar que alterações na filtração
glomerular podem ou não ser acompanhadas de alterações
na excreção de sódio. Tudo depende de como se alterou a
Pontos-chave:
• O ponto principal na regulação do balanço
do sódio é o controle de sua reabsorção
• Balanço glomérulo-tubular: é um
mecanismo de ajuste na reabsorção de sódio
pelos túbulos, de acordo com a filtração
glomerular
• Variações nas pressões oncótica e
hidrostática peritubulares, pressão e volume
tubulares e fatores hormonais afetam a
excreção de sódio
filtração glomerular. Se o volume extracelular não é alterado, um aumento na filtração glomerular acompanha-se
de pouco ou nenhum aumento na excreção de sódio. Por
outro lado, uma expansão do volume extracelular sempre
causa aumento na excreção de sódio, mesmo que não se
reduza a filtração glomerular.
Atualmente, vários investigadores têm tentado esclarecer o papel destes fatores na reabsorção distal de sódio.
Alguns estudos sugerem que as alterações nas forças de
Starling são também capazes de alterar a reabsorção de
sódio no nefro distal.
TIPOS DE TRANSPORTE
DE SÓDIO
O transporte ativo de Na⫹ através de tecidos epiteliais
é o processo fisiológico primário responsável pela manutenção do balanço de sal em vertebrados.
O conhecimento que se tem sobre o transporte tubular
de sódio deve-se ao estudo de segmentos isolados do nefro
através da técnica de micropunção em animais como o rato
(Quadro 10.3). Nesta técnica, obtêm-se amostras do líquido tubular através de micropipetas. Além disto, os segmentos do nefro podem ser isolados e perfundidos in vitro,
observando-se sua função. Mais recentemente, a evolução
das técnicas de micropunção (patch-clamp) e a biologia
molecular trouxeram grandes progressos no entendimento do transporte de íons e solutos através de membranas
biológicas.
Pela técnica patch-clamp uma pipeta cheia de líquido é
colocada contra a superfície da célula e leve sucção é aplicada, permitindo o estudo do movimento de íons pelos
canais existentes nesta área. É possível até mesmo obter
dados de um único canal e saber quanto tempo permanece aberto ou fechado (gating).
Os mecanismos de entrada de sódio nas células tubulares são:
a) Via canais de sódio: Esta entrada é característica do
túbulo distal (contornado) e ducto coletor, e ocorre pela
membrana apical. Estes canais são especificamente bloqueados pelo diurético amiloride.
b) Acoplada ao movimento de outros íons ou solutos:
Estes sistemas de co-transporte são encontrados em todo
o nefro e são as vias predominantes de transporte apical de Na⫹ no túbulo proximal e ramo espesso ascendente da alça de Henle. Os sistemas de co-transporte são
classificados em symporters ou antiporters. Os symporters
operam o movimento de Na⫹ e o íon ou soluto acoplado na mesma direção. Por exemplo, o transportador de
Na⫹/glicose, em que ambos são transportados para
dentro da célula. Já os antiporters trocam o Na⫹ por outro íon ou soluto. Um exemplo de sistema antiporter é o
co-transporte de Na⫹/H⫹.
139
capítulo 10
Quadro 10.3 Transporte de NaCl e permeabilidade de diferentes segmentos do nefro a H2O e NaCl
Permeabilidade
PROXIMAL
Contornado
Pars recta
SEGMENTO DELGADO
ALÇA DE HENLE
Descendente
Ascendente
DISTAL
Segmento diluidor
Contornado
SEGMENTO COLETOR
Ducto coletor
Ducto papilar
Absorção
Ativa
H2O
NaCl
Na⫹
Na⫹
⫹⫹⫹
⫹⫹⫹⫹
⫹⫹⫹
⫹⫹⫹
Nenhuma
Nenhuma
⫹⫹⫹⫹
⫾
⫹
⫹⫹⫹⫹
Cl⫺
Na⫹
±
⫾
⫹⫹⫹
⫹
Na⫹
Na⫹
± HAD ⫹⫹⫹
⫾
⫹
⫹
Modificado de Burg, M.B.19
c) Transporte pela via paracelular: Além dos mecanismos acima, no tecido epitelial tubular há uma via adicional para o movimento de íons entre células através das
tight junctions; esta via é conhecida como via paracelular.
O transporte paracelular é passivo e depende da magnitude e direção de gradientes químicos e elétricos
transepiteliais.
REABSORÇÃO NOS DIFERENTES
SEGMENTOS DO NEFRO
Túbulo Contornado Proximal (TCP)
O túbulo proximal é constituído por um segmento contornado proximal e uma parte reta (pars recta). Cada célula do túbulo proximal possui uma membrana luminal (apical) e uma membrana peritubular (basolateral). As células
adjacentes estão ligadas no bordo apical por uma estrutura denominada zonula occludens ou tight junction (Fig. 10.5)
(v. Cap. 1). O transporte realizado através da membrana
apical é chamado de transcelular, e o realizado através da
membrana basolateral é chamado paracelular.
A permeabilidade do túbulo proximal a água, sódio e
cloro é muito alta. Cerca de 67% do sódio filtrado são reabsorvidos no túbulo contornado proximal e 10% na pars
recta. A reabsorção de líquido no túbulo proximal é isosmótica, isto é, mesmo após a reabsorção de 2/3 do líquido
filtrado, o líquido remanescente no lúmen do túbulo proximal tem a mesma osmolalidade do plasma. Portanto, a
concentração do sódio em condições normais permanece
constante em toda a extensão do túbulo proximal.
A reabsorção de líquido está acoplada ao transporte ativo de sódio. Isto significa que, se o sódio é substituído por
outro cátion, a reabsorção de líquido cessa.19 O principal
ânion que acompanha a reabsorção do sódio neste segmento é o bicarbonato. Além do sódio e bicarbonato, a glicose,
aminoácidos e outros substratos orgânicos como o lactato
são reabsorvidos neste segmento. Observa-se também aqui
que, se estes substratos são retirados do líquido tubular, a
reabsorção diminui.19
Na porção inicial do túbulo proximal (S1) o sódio é reabsorvido junto com o HCO3⫺ e com vários solutos orgânicos, como glicose e aminoácidos. Como resultado desta
reabsorção preferencial de ânions não-cloro, a concentração luminal de cloro aumenta. Nas outras porções do túbulo proximal (S2 e S3) a reabsorção de Na⫹e Cl⫺ é acoplada. A membrana apical das células S1 contém um sistema
de co-transporte para açúcares acoplado ao sódio. O
symporter Na/glicose transporta um Na⫹ junto com uma
molécula de glicose. Há também sistemas de transporte
acoplados ao Na⫹ para aminoácidos, ácidos orgânicos e
íons inorgânicos, como fosfato e sulfato. Como já frisamos,
uma grande parte do Na⫹ é reabsorvida durante o processo de “resgate” do HCO3⫺ filtrado. Isto ocorre devido à
atividade do antiporter Na⫹/H⫹ na membrana apical da
célula. A entrada de Na⫹ na célula, favorecida pelo gradiente eletroquímico, gera uma força secundária para o transporte de H⫹ para o lúmen (secreção), o qual vai titular o
HCO3⫺, gerando CO2 e H2O.
Esta interação entre os substratos orgânicos (glicose,
aminoácidos) e o sódio também é encontrada no intestino
delgado, onde o transporte ativo destes substratos aumenta
a entrada de sódio nas células absortivas do intestino. Com
o transporte de sódio, há um transporte adicional de ânions e líquido. Este mecanismo tem sido aproveitado na
prática no manejo de pacientes portadores de cólera.20 Na
cólera, a diarréia é profusa, e grandes quantidades de líquidos e eletrólitos precisam ser administradas. Natural-
140
Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema
mente a via oral é mais prática e mais econômica. No entanto, a administração de uma solução de água e eletrólitos acompanha-se de uma reabsorção intestinal pequena,
insuficiente para corrigir as perdas. No entanto, se a solução eletrolítica contiver glicose, ocorre aumento na reabsorção intestinal de sódio e, conseqüentemente, de outros
ânions e líquido.
Do total de NaCl reabsorvido, estima-se que 2/3 movem-se pela via transcelular e 1/3 pela via paracelular. Como
a concentração intracelular de sódio é baixa, a entrada de
sódio do lúmen para a célula depende de um gradiente
eletroquímico. Já a principal via de saída do Na⫹ da célula
é pela membrana basolateral, através da Na,K-ATPase.
Além disto, o Na⫹ sai através do symporter 1 Na⫹/3HCO3⫺.
O transporte de sódio para fora da célula é ativo (Fig. 10.4).
O transporte paracelular de NaCl é passivo. É movido
por gradientes químicos e elétricos transepiteliais (transporte difuso) ou por fluxo de líquido através do epitélio
(transporte convectivo ou solvent drag effect — efeito arrastão). A via paracelular tem uma alta permeabilidade a NaCl
e água. Já mencionamos também que a composição do líquido tubular é diferente nas porções iniciais e finais do
túbulo proximal. Assim, no segmento inicial do TP há uma
queda dramática na concentração de HCO3⫺, glicose e
aminoácidos, e um aumento concomitante no cloreto. Na
parte final do TP este cloreto se difunde para o interstício
passivamente e a geração de voltagem proporciona a força para a reabsorção difusa de Na⫹.
A reabsorção de água pelo TP proporciona um mecanismo adicional para o transporte paracelular de NaCl.
Com a reabsorção de solutos, o líquido luminal fica um
pouco hipotônico em relação ao interstício. Este pequeno
gradiente osmótico é suficiente para causar a reabsorção
de grande quantidade de água e junto levar o NaCl pelo
efeito de arrasto.
O sódio parece entrar na célula passivamente, através
da membrana apical, e é transportado para o espaço intercelular. Isto causa aumento na concentração (osmolalidade) no espaço intercelular, o que atrai água passivamente devido ao gradiente osmótico. Com a chegada de
água, a pressão hidrostática aumenta no espaço intercelular e o líquido é forçado a sair através da membrana
basal (Fig. 10.5). Portanto, a pressão hidrostática elevada
do espaço intercelular cria um gradiente de pressão entre este espaço e o interstício, fazendo com que este líquido passe para o interstício. Daí para o capilar, há um outro gradiente de pressão determinado pela pressão hidrostática intracapilar (que favorece a saída de líquido) e
pela pressão oncótica do plasma (que se opõe à filtração
do líquido). Os solutos orgânicos transportados para o
espaço intercelular aumentam a osmolalidade, explicando em parte por que eles, quando presentes no líquido
tubular, aumentam a reabsorção de líquido. Naturalmente, o líquido tubular contém vários íons e o movimento
de sódio altera o ritmo de absorção destes íons. Quando
Fig. 10.3 Repercussões sobre a excreção urinária de sódio quando se aumenta o ritmo de filtração glomerular, com ou sem expansão simultânea do volume extracelular, através de solução
salina isotônica e hormônio da paratireóide (PTH), respectivamente. Observe que, quando se administra PTH, a carga filtrada
de sódio (CFNa) aumenta aproximadamente 6.000 mEq/min, enquanto a excreção de sódio (UNaV) aumenta somente 100 mEq/
min. Durante a expansão do volume, a CFNa aumentou 1.200
mEq/min com uma natriurese significativa (1.600 mEq/min).
(Obtido de Slatopolski, E. e col.54)
o ambiente hiperosmolar do espaço intercelular criado
pela reabsorção ativa de sódio atrai água, também atrai
outros solutos. (efeito arrastão). Isto explica por que, quando se expande o volume extracelular e se reduz a reabsorção proximal de sal e água, também se percebe diminuição na reabsorção de potássio, cloro, bicarbonato, cálcio e fosfato.
O balanço dos gradientes de pressão oncótica e hidrostática é que determina a força que move o líquido do interstício para o capilar peritubular. Se a pressão hidrostática aumentar, ou a pressão oncótica diminuir, menos líquido passará do interstício para o capilar. A presença de
mais líquido no interstício aumenta a pressão hidrostática
no local. Haverá, então, inversão do gradiente de pressão
no espaço intercelular e fluxo retrógrado de sal e água para
o lúmen tubular. Além disto, poderá haver redução no
transporte ativo de sódio para o espaço intercelular devi-
capítulo 10
141
Fig. 10.4 Transporte de sódio através da célula tubular proximal. Observe que a entrada de sódio na célula é passiva, devido ao
gradiente de potencial eletroquímico. Para sair da célula para o sangue, o sódio deve vencer um gradiente de potencial eletroquímico e para isto precisa ser ativamente eliminado através de uma bomba de sódio. (Modificado de Burg, M.B.19)
Fig. 10.5 Mecanismo proposto para o transporte isosmótico de líquido através de membranas epiteliais. (Obtido de Valtin, H.53)
do ao movimento lento de líquido no espaço, permitindo
aumento na concentração de sódio. Esse aumento na concentração de sódio limita o transporte de sódio das células, devido a um elevado gradiente de concentração entre
as células e o espaço intercelular.
Por outro lado, um aumento na pressão oncótica ou uma
diminuição na pressão hidrostática dos capilares peritubulares aumentam o transporte do líquido do interstício para
o capilar.
Este modelo oferece a explicação provável para algumas
interações importantes entre fluxos de diferentes solutos
através do túbulo proximal e a ligação com o transporte de
sódio. O espaço intercelular é o local provável desta ligação.
O processo ativo de transporte do sódio também envolve alguma forma de troca com o íon hidrogênio.21 Afirmase freqüentemente que, ao longo do nefro e mais especialmente no túbulo proximal, o hidrogênio secretado é trocado pelo sódio, implicando uma certa ligação direta no
movimento destes dois íons. Mas não parece haver uma
bomba que troque ativamente sódio e hidrogênio. Aceitase, no entanto, que a passagem do hidrogênio da célula
para o lúmen é um processo ativo, mas a passagem do
sódio do lúmen para a célula é um processo passivo. No
momento, acredita-se que o mecanismo de troca (Na⫹/H⫹)
não é específico e resulta da necessidade de manter uma
neutralidade elétrica dentro do lúmen tubular.21
Nos segmentos mais distais do túbulo contornado proxi-
142
Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema
mal, o transporte ativo de sódio ainda é o processo básico
responsável pela absorção de líquido. Como no segmento
proximal do TCP a reabsorção de bicarbonato foi mais rápida que a de cloro (devido ao processo de acidificação),
neste segmento distal a concentração de bicarbonato no
líquido tubular é menor e a do cloro maior, e é possível que
o transporte de cloro neste segmento seja passivo, devido
ao gradiente de concentração entre o lúmen e o sangue.
Alguns acreditam que a difusão do cloro, através deste
gradiente químico, possa ser a força primária na reabsorção de água e sal nestes segmentos mais distais do TCP.
Devido à extensa reabsorção no segmento inicial do TCP,
a concentração de glicose, aminoácidos e outros substratos orgânicos diminui no segmento distal, e, conseqüentemente, o ritmo de absorção de líquido também diminui. A
pars recta é relativamente inacessível à micropuntura, razão pela qual tem sido estudada em preparações in vitro.
O transporte de sódio é ativo, e o de cloro, provavelmente
passivo.
Segmentos Delgados da Alça de Henle
As características de permeabilidade dos segmentos
delgados à água e solutos são bastante importantes para a
compreensão do transporte destes elementos.19
No segmento delgado descendente a permeabilidade à
água é alta, enquanto no segmento delgado ascendente é
baixa. A permeabilidade ao sódio e à uréia é maior no segmento delgado ascendente do que no descendente. No
segmento ascendente a permeabilidade ao sódio excede a
da uréia.
A evidência atual é de que não há transporte ativo de
NaCl nos segmentos delgados da alça de Henle, e as características de permeabilidade anteriormente descritas
explicam o transporte passivo de NaCl e uréia nos segmentos delgados da alça de Henle.
No segmento descendente ocorre concentração de soluto devido à saída passiva de água, determinada pelo
gradiente osmótico. Alguns autores sugeriram que o aumento na concentração de soluto também se dá devido à
entrada de soluto do interstício para o lúmen tubular (devido ao gradiente osmótico), embora em menor proporção
que a saída de água. Na curva da alça, o líquido é hiperosmolar e tem a mesma osmolalidade que o interstício, mas
a concentração de NaCl é superior à do interstício. A
isosmolalidade é dada pela uréia, cuja concentração no
interstício é maior que a do lúmen tubular. Devido a estas
características de concentração e de permeabilidade do
segmento ascendente delgado, o NaCl difunde-se do lúmen para o interstício. A uréia não se difunde tão rapidamente do interstício para o lúmen, porque o segmento é
mais permeável ao sódio do que à uréia.
Desta forma, ocorre a reabsorção de NaCl e diluição do
líquido tubular no segmento ascendente delgado da alça
de Henle (v. Cap. 4).
Segmento Ascendente Espesso da Alça
de Henle (Segmento Diluidor)
Este segmento estende-se do ramo ascendente delgado
à mácula densa. A permeabilidade à água é baixa e a reabsorção de sal em excesso (em relação à água) gera um fluido tubular diluído. No segmento espesso ascendente, a
reabsorção ativa de cloro gera uma diferença de potencial
capaz de reabsorver passivamente o sódio.
O ritmo de reabsorção de NaCl no segmento diluidor
depende da quantidade absoluta de NaCl que chega. Por
outro lado, o ritmo de transporte de NaCl no segmento
diluidor depende da concentração de NaCl no lúmen. Se
aumenta a quantidade absoluta do NaCl que chega ao segmento diluidor, aumenta a concentração de NaCl no segmento e, portanto, aumenta a reabsorção de NaCl. Se a
reabsorção de NaCl no túbulo proximal diminui, aumenta a quantidade de NaCl que chega ao segmento diluidor,
e logo aumenta a reabsorção de NaCl, minimizando as alterações na quantidade de NaCl ofertada ao túbulo contornado distal.
Este segmento normalmente absorve 20% da carga filtrada de NaCl. A entrada de Na⫹ e Cl⫺ ocorre através da
membrana apical por um symporter eletroneutro: 1 Na⫹:1
K⫹:2 Cl⫺. Os diuréticos de alça são inibidores específicos
deste transportador. O gradiente de Na⫹ do lúmen para a
célula gera um grande componente da força propulsora
para reabsorção destes íons. O gradiente de Na⫹ é mantido pela Na,K-ATPase na membrana basolateral, que ativamente elimina o Na⫹ do interior da célula. Além da via
transcelular, o Na⫹ é reabsorvido pela via paracelular. Como
durante o transporte transcelular se gera uma voltagem
transepitelial, a absorção de Na⫹ se faz pela via paracelular (aproximadamente 50% da reabsorção de Na⫹).
Túbulo Contornado Distal (TCD)
Aproximadamente 7% da carga filtrada de NaCl é aqui
reabsorvida. Estende-se da mácula densa até a junção com
outro túbulo contornado, formando, a partir de então, o
ducto coletor cortical.
A reabsorção de sal continua neste segmento e a reabsorção de água depende da resposta deste segmento ao
HAD. O líquido tubular que chega ao TCD é hiposmótico
devido à reabsorção de NaCl no segmento diluidor. Em
algumas espécies de animais, como o cão e o macaco, o
líquido permanece hiposmótico porque a parte distal do
TCD (túbulo coletor) não responde à ação do HAD. Em
outras espécies animais, a osmolalidade do líquido aumenta, e isto porque o segmento distal do TCD responde à ação
do HAD.
Acredita-se que Na⫹ e Cl⫺ entram na célula por um sistema de transporte eletroneutro e a força propulsora é o
gradiente de Na⫹ do lúmen para a célula. O gradiente é
143
capítulo 10
mantido pela atividade da Na,K-ATPase na membrana
basolateral. A reabsorção de cloro ocorre de modo ativo e
passivo.
Ducto Coletor
Normalmente este segmento reabsorve 3% da carga filtrada de sódio. Entretanto, é nesta porção que existem os
maiores gradientes de concentração entre sangue e urina
e onde são feitos os ajustes finais para a excreção de íons.
Os ductos coletores vão desde o córtex externo até a
ponta da papila. São divididos em três segmentos. O primeiro segmento (ducto coletor cortical) se estende do córtex externo até a junção corticomedular. Contém dois tipos de células: célula principal e célula intercalada. A célula principal é local de reabsorção de Na⫹ e K⫹, e a célula
intercalada está envolvida na acidificação da urina. A reabsorção ativa de Na⫹ se faz pela atividade da Na,K-ATPase
localizada na membrana basolateral. Com esta atividade,
estabelece-se um grande gradiente eletroquímico para a
entrada do Na⫹ na célula através de um canal seletivo de
Na⫹, sensível ao amiloride. O segundo segmento (ducto
coletor medular externo) vai da junção corticomedular até
a junção da medula interna e externa. O transporte de Na⫹
parece ser o mesmo do ducto coletor cortical. O terceiro
segmento (ducto coletor medular interno) é um segmento
muito ramificado com um único tipo de célula. Pouco se
sabe sobre o transporte de íons neste segmento.
Pontos-chave:
• O túbulo proximal (parte contornada e
parte reta) é o principal local de reabsorção
do sódio filtrado — cerca de 77% do sódio
filtrado são aí reabsorvidos
• O restante do sódio é reabsorvido nos
segmentos distais ao túbulo proximal
OUTROS FATORES QUE
REGULAM A EXCREÇÃO DE
SÓDIO
A regulação da excreção de sódio depende em última
análise do controle da diferença entre a quantidade de sódio filtrada e a quantidade reabsorvida. Teoricamente, a
excreção de sódio pode ser regulada por alterações na filtração glomerular ou reabsorção tubular. Mas, como já foi
mencionado, a filtração glomerular não é peça crítica na
excreção de sódio, e, portanto, alterações na excreção são
resultado de alterações da reabsorção tubular. Os fatores
que parecem ter um papel importante na regulação da
excreção de sódio são apresentados a seguir.11
Redistribuição do Filtrado Glomerular
O rim do mamífero é formado por uma população heterogênea de nefros. Aproximadamente 85% dos nefros são
superficiais, localizados próximo ao córtex (nefros corticais), e possuem alças de Henle curtas. Os nefros restantes, mais ou menos 15%, estão localizados na junção do
córtex com a medula (nefros justamedulares) e possuem
alças de Henle longas.
A excreção renal de sódio pode ser influenciada por
uma redistribuição de filtrado glomerular entre os nefros
corticais e justamedulares. Os nefros corticais (alça curta)
teriam mais chances de deixar o sódio escapar do que os
justamedulares (alça longa). Por outro lado, uma redistribuição do filtrado dos nefros corticais para os justamedulares facilitaria a retenção de sódio. Embora seja uma hipótese atraente, ainda faltam dados mais convincentes
para aceitá-la.
Angiotensina II
A angiotensina II é produzida quando a renina é liberada pelo aparelho justaglomerular. A angiotensina integra
o sistema renina-angiotensina-aldosterona (v. Cap. 7). Uma
diminuição do volume circulante efetivo é estímulo à produção de renina, que gera angiotensina; esta estimula a
secreção de aldosterona, que, por sua vez, aumenta a reabsorção tubular de sódio, tentando restaurar o volume circulante.
O principal efeito renal da angiotensina II é estimular a
reabsorção de NaHCO3⫺ no túbulo contornado proximal.
Como o fluido deve permanecer isosmótico neste local, a
água é reabsorvida, e o cloro intraluminal aumenta. Este
aumento cria uma diferença de concentração que leva à
reabsorção passiva de cloro (arrastando sódio pela eletroneutralidade e água pela isosmolalidade). A angiotensina II é também potente vasoconstritora seletiva de arteríolas eferentes. Com isso, ocorre aumento na fração de filtração, alterando a reabsorção proximal devido a fatores
físicos.2
Aldosterona
É um hormônio secretado pela zona glomerulosa das
glândulas adrenais. É capaz de estimular o transporte de
eletrólitos por células epiteliais de glândulas salivares, trato
gastrintestinal e túbulos renais. A aldosterona tem um
papel importante na manutenção da homeostase do Na⫹,
e chega a ser responsável por 5% da reabsorção total de
sódio.
A secreção de aldosterona é estimulada pela angiotensina, concentração de potássio plasmático e hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Aparentemente a aldosterona
entra na célula por difusão, migra até o núcleo e induz a
144
Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema
síntese de proteínas que aumentam a entrada de sódio do
meio externo para o interior da célula.
No epitélio tubular, a aldosterona induz aumento da
permeabilidade da membrana apical ao sódio e, ao mesmo tempo, excreção de potássio. Após ser absorvido, o
sódio é então removido para o capilar peritubular pela
bomba de sódio. O transporte ao nível da bomba de sódio também está vinculado ao de potássio. À medida que o sódio
é expulso da célula, aumenta a concentração intracelular
de potássio, o qual, devido ao gradiente químico que se
estabelece entre o meio intracelular e o meio extracelular,
sai passivamente da célula1 (v. também Cap. 12).
Fatores Físicos e Volume do
Espaço Extracelular
Como já abordamos, há evidência de que fatores físicos
influenciam o ritmo de absorção de líquido do túbulo contornado proximal. Os principais fatores são: hematócrito,
concentração plasmática de proteínas e as pressões hidrostáticas na artéria renal, veia renal e ureter.22
O papel das pressões oncótica e hidrostática do capilar
peritubular já foi comentado. Com relação à pressão venosa
renal, demonstrou-se que um aumento desta pressão diminui a reabsorção de sódio no nefro proximal, desde que
não haja redução da filtração glomerular. Quando o volume do espaço extracelular está reduzido, a urina eliminada contém quantidades muito pequenas de sódio. O inverso ocorre quando o espaço extracelular encontra-se expandido. Nos indivíduos euvolêmicos, o rim excreta a carga
diária de NaCl. Então, não se costumam definir valores
“normais” de sódio na urina, pois os mesmos devem ser
avaliados de acordo com o estado fisiológico e a ingesta
pelo paciente.2
Quanto ao hematócrito, uma redução deste causa aumento na excreção de sódio e redução da fração de filtração e da resistência vascular renal. Estes efeitos podem ser
mediados pela alteração da viscosidade do sangue na circulação pós-glomerular, a qual, alterando a fração de filtração e a resistência vascular renal, altera as pressões
peritubulares oncótica e hidrostática, respectivamente.
Hormônio Natriurético
Observações experimentais conduziram ao conceito da
existência de um regulador da bomba Na,K-ATPase há
mais de 30 anos.10 Foram as experiências de De Wardener
e cols. que demonstraram que a natriurese que ocorria com
a infusão de solução salina não dependia dos dois fatores
até então considerados importantes no controle da excreção de sódio, isto é, ritmo de filtração glomerular e aldosterona.10 Os experimentos iniciais foram feitos com circulação cruzada entre animais, um dos quais tinha o volume
extracelular expandido.10 Os efeitos natriuréticos da expan-
são do espaço extracelular em um animal também ocorriam no segundo animal. A expansão do intravascular com
solução salina provocava diurese ativa, sem modificações
na pressão de perfusão renal, taxa de filtração glomerular,
ou atividade mineralocorticóide. Presumiu-se que a natriurese era devida a uma substância circulante que exercia
seus efeitos diretamente nos processos de reabsorção tubular de sódio.
Experimentos posteriores confirmaram que extratos do
plasma, urina e certos tecidos eram natriuréticos in vivo e
apresentavam um efeito direto no transporte transepitelial do sódio. Entre os vários fatores natriuréticos isolados,
o fator isolado por Bricker e cols. parece apresentar a melhor correlação com a manipulação renal de sódio. Este
fator foi encontrado também no sangue e na urina de pacientes urêmicos.23,24 Estas substâncias possuem características semelhantes aos digitálicos. A descoberta destas substâncias nos tecidos dos mamíferos e a existência de isoformas de Na,K-ATPase com diferentes afinidades pelos glicosídeos cardíacos sugerem que a bomba Na,K-ATPase é
endogenamente regulada por este composto. Porém, ainda não foi esclarecido se o hormônio natriurético e o inibidor digital-like da bomba Na,K-ATPase são a mesma molécula. Possivelmente o local de origem do hormônio natriurético é o hipotálamo. Cogita-se que esta substância se
origina nas adrenais.25,26
O hormônio natriurético induz:
a) natriurese in vivo;
b) inibição do transporte ativo de sódio in vitro;
c) inibição da Na,K-ATPase;
d) inotropismo positivo e
e) reatividade vascular aumentada (pode estar envolvido
na gênese da hipertensão essencial).
Recentemente a estrutura química do inibidor endógeno da Na,K-ATPase foi caracterizada como um isômero do
glicosídeo cardíaco ouabaína. É possível que mais de um
composto digital-like esteja presente em humanos.25
Outros hormônios conhecidos afetam a excreção de sódio. A ocitocina pode aumentar a excreção de sódio, mas
não há evidência de que normalmente participe da regulação da excreção de sódio. A vasopressina, quando administrada por muito tempo, pode aumentar a excreção de
sódio, parecendo isto ocorrer por expansão do volume
extracelular, devido à retenção de água.
A angiotensina, quando administrada em doses capazes de elevar a pressão arterial, pode aumentar a excreção
de sódio, na ausência de uma elevação da filtração glomerular. O efeito parece ser devido a um aumento na pressão
hidrostática do capilar peritubular.
Fator Natriurético Atrial (FNA)
Na década de 60, estudos demonstraram a presença de
grânulos nos miócitos atriais. Em 1981 confirmou-se que
145
capítulo 10
estes grânulos produzem substâncias que possuem importante participação na regulação do volume extracelular. A
investigação inicial demonstrou que a administração endovenosa de um extrato atrial causava uma abrupta diurese, natriurese, caliurese e uma diminuição da pressão
arterial. Mais recentemente verificou-se que este fator atrial
natriurético é um peptídeo, cuja seqüência de aminoácidos
já foi identificada e sintetizada. Em seres humanos este
peptídeo provoca redução da pressão arterial média, elevação do ritmo de filtração glomerular, do fluxo urinário
e aumento da excreção de sódio e potássio. A elevação do
ritmo de filtração produzida se acompanhou de fluxo plasmático renal inalterado ou diminuído.26,27
O mecanismo pelo qual o fator atrial eleva a filtração
glomerular não está elucidado. É possível que exerça efeito vasoconstritor aferente e eferente,26 elevando a pressão
capilar glomerular e, portanto, o ritmo de filtração. Outras
hipóteses seriam: redistribuição da filtração glomerular
para nefros mais profundos e elevação do coeficiente de
filtração. O FNA também diminui a reabsorção de sódio
no túbulo proximal, através da liberação local de dopamina e inibição da liberação de renina pelo rim, inibição da
liberação de aldosterona pelas adrenais e inibição da reabsorção proximal mediada pela angiotensina II.26,27 A redução da secreção de renina pode ser devida em parte a
um aumento na carga de sódio para a mácula densa gerada pela elevação do ritmo de filtração glomerular. No músculo liso de grandes artérias isoladas e pré-constritas, leitos vasculares periféricos e músculo liso intestinal, o FNA
produz relaxamento.
Aparentemente, o estiramento das paredes dos átrios
cardíacos é o principal estímulo à síntese do fator natriurético atrial, como ocorre na sobrecarga de volume.25 Porém,
as células ventriculares podem ser recrutadas para a sua
produção.24 Em pacientes com doença cardíaca ou pulmonar, o FNA pode ser utilizado como marcador de prognóstico, pois existe correlação entre os níveis de FNA circulantes e as pressões de átrio direito e esquerdo.25
A principal forma circulante de FNA é um peptídeo de
28 aminoácidos, consistindo nos aminoácidos 99 a 126 da
extremidade C da pró-FNA. Além desta forma, já foram
isolados e descritos outros tipos de agentes natriuréticos,
que podem ter importância similar ou superior ao FNA em
termos de natriurese.26 Estas substâncias diferem do FNA
pela seqüência de aminoácidos envolvida: além de pelo
menos quatro subtipos de FNA, existem ainda o peptídeo
natriurético cerebral (BNF) e o peptídeo atrial natriurético
tipo C (CNF). O local de produção varia de um tipo para
outro, mas estas substâncias mantêm funções similares ao
FNA.26,27
Estes agentes natriuréticos e diuréticos, com certo efeito vasodilatador renal seletivo, têm potencial terapêutico
em situações clínicas tais como: insuficiência renal aguda,
síndrome hepatorrenal e insuficiência cardíaca congestiva. Além disso, podem ser úteis no manejo da retenção
de sódio e sobrecarga de volume da insuficiência renal crônica.26,27
Fatores Derivados do Endotélio
O endotélio é importante fonte de substâncias capazes
de regular o tônus vascular, tais como a endotelina, o óxido nítrico (antes conhecido como fator de relaxamento
derivado do endotélio — FRDE) e a prostaciclina. Estas
substâncias estão envolvidas no equilíbrio do sódio e água,
pois têm propriedades vasodilatadoras e vasoconstritoras
que regulam a pressão de perfusão dos rins, coração e vasculatura.4
A endotelina tem efeitos vasoconstritores, com redução
do fluxo sanguíneo renal e TFG e retenção de sódio e água.
O óxido nítrico pode ser produzido na mácula densa e tem
efeito vasodilatador aferente,28 com aumento da natriurese por inibição da Na,K-ATPase e aumento da diurese.4
Prostaglandinas
As prostaglandinas têm efeitos sobre o fluxo sanguíneo
renal e sobre o manejo tubular de água e sal. Aparentemente, os resultados finais da estimulação da síntese de prostaglandinas pelo rim são: vasodilatação, aumento da perfusão renal, natriurese e facilitação da excreção de água.
Quando se bloqueia a ciclo-oxigenase com antiinflamatórios não-hormonais, existe diminuição da excreção de sódio, aumento da resposta vasoconstritora renal à angiotensina II e queda da TFG.4
Sistema Nervoso Simpático
O tônus simpático aumenta a reabsorção de sódio pelos túbulos por um efeito direto e pela secreção de angiotensina II e aldosterona.7
Diurese Pressórica
Em indivíduos normais, mesmo pequenas elevações da
pressão arterial são acompanhadas de um aumento na
excreção renal de sódio e água, por diminuição da reabsorção no túbulo proximal e alça de Henle. Possivelmente
o aumento da pressão arterial sistêmica seja transmitido ao
interstício, desencadeando estas alterações. As prostaglandinas e o óxido nítrico podem estar envolvidos.29
Ponto-chave:
• O aumento ou diminuição da excreção renal
de sódio resulta de uma ampla rede de
eventos, em que participam fatores físicos,
hemodinâmicos, humorais e hormonais
146
Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema
DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO
METABOLISMO DO SÓDIO
Distúrbios do equilíbrio do sódio são diagnosticados através de uma avaliação do volume extracelular. Um déficit de
sódio total no organismo causa depleção do volume extracelular, e as manifestações clínicas dependem da magnitude
desta depleção. Um excesso de sódio total no organismo
expande o volume extracelular e, se a expansão for considerável, poderá manifestar-se clinicamente por edema.
O termo desidratação, freqüentemente empregado,
pode causar confusão. Partilhamos da opinião de outros,
segundo os quais as expressões excesso ou depleção do volume extracelular refletem melhor a idéia de que distúrbios do
sódio são distúrbios de volume e envolvem déficit ou excesso de uma solução isotônica de sódio, o que tem também implicações terapêuticas.30 Os pacientes com depleção
do extracelular perderam sal e água, e a concentração plasmática de sódio é de modo geral normal.
Ao contrário, os distúrbios do balanço de água são distúrbios da osmolalidade plasmática, traduzida por alterações na concentração de sódio plasmático e indicados pela
terminologia déficit ou excesso de água. Talvez o termo desidratação seja melhor empregado em situações em que
existe déficit de água, como nas hipernatremias.31 É preciso salientar que os distúrbios do balanço de água dependem somente da quantidade relativa de água (em relação à
quantidade de soluto), e não da quantidade absoluta de
água. Assim, um paciente com edema pode ter aumento
na água total do corpo, mas desde que o sódio e a água
retidos no extracelular sejam isotônicos, não haverá alteração na água intracelular e, portanto, não haverá distúrbio do balanço de água.
Habitualmente grande parte do volume secretado na luz
do trato gastrintestinal é reabsorvida, resultando num
volume fecal de cerca de 100-200 ml ao dia. Porém, em situações em que a reabsorção se encontra diminuída, como
nas diarréias e sondagem gástrica, perdas significativas de
fluido extracelular podem ocorrer, resultando em depleção.32
Os rins possuem um sistema de ajuste para equilibrar a
excreção com a ingesta. Mas se este sistema falha e a excreção é excessiva, a depleção pode instalar-se. São exemplos disso situações como o uso de diuréticos, nefropatias
perdedoras de sal e o hipoaldosteronismo.32
Não existe nenhum método laboratorial prático para se
determinar o volume extracelular. O diagnóstico se baseia
na história clínica, exame físico e alguns exames laboratoriais. O dado mais importante no diagnóstico é a história
de perda de líquido que contém sódio.
Na história clínica, o paciente relata vômitos e/ou diarréia, sudorese profusa, poliúria etc. O diagnóstico de depleção do volume extracelular, na ausência de história de
perda de líquido que contém sódio, obriga-nos a questionar e rever o diagnóstico. Isto porque, se a ingesta de sódio cessa, o mecanismo renal de conservação do sódio é tão
eficiente que um déficit de sódio não se estabelecerá.
O paciente pode inicialmente apresentar fraqueza, anorexia, náuseas e, a seguir, tonturas, síncope e, finalmente,
um estado de colapso circulatório.
Os sintomas resultam de inadequado volume circulante
e dependem de quatro fatores principais: a) magnitude da
perda de volume; b) velocidade na perda de volume; c)
natureza do fluido perdido, se somente água, água com
sódio, ou sangue; e d) resposta vascular à redução de volume.4
Por exemplo, a perda aguda de 1 litro de sangue por
hemorragia gastrintestinal resulta em oligúria e manuten-
Pontos-chave:
• A avaliação e o diagnóstico dos distúrbios
clínicos do metabolismo do sódio e do
espaço extracelular são feitos através da
história clínica e do exame físico,
detectando-se a depleção ou o excesso
(edema)
• O diagnóstico de distúrbios do metabolismo
da água é feito através da dosagem do sódio
plasmático
Depleção de Sódio ou do
Volume Extracelular
As causas de depleção do espaço extracelular encontram-se listadas no Quadro 10.4, sendo divididas basicamente em causas renais e não-renais.
Quadro 10.4 Causas de depleção de sódio
1. Perdas renais
A. Ausência de doença renal
a. Diurese osmótica (glicosúria, manitol etc.)
b. Diuréticos (tiazídicos, furosemida etc.)
c. Insuficiência adrenal (primária)
d. Secreção inapropriada de HAD
(primária)
B. Enfermidades renais
a. Nefropatia crônica (particularmente doença
medular cística e nefrite intersticial)
b. Fase diurética da necrose tubular aguda
c. Uropatia pós-obstrução
2. Perdas extra-renais
A. Gastrintestinal: vômitos, diarréia, fístulas etc.
B. Pele: sudorese, queimaduras
C. Iatrogênicas: paracentese, toracocentese
D. Terceiro espaço: pancreatite aguda, fraturas,
esmagamentos, íleo
Modificado de Chapman, W.H. e col.30
capítulo 10
ção do hematócrito, com pouca contribuição do fluido intersticial em expandir o intravascular. A perda mais lenta
da mesma quantidade de sangue permite que haja transferência de fluido do intersticial para o intravascular, com
queda conseqüente do hematócrito. Com a parcial restauração do volume sanguíneo, o volume de urina e a resposta hemodinâmica à contração de volume podem estar pouco afetados.4
Os achados clínicos também dependem do tipo de fluido perdido. A perda de 1 litro de água sem eletrólitos num
paciente de 70 kg reduz o volume sanguíneo em 2,5%, e a
hemodinâmica renal e sistêmica são pouco afetadas. A
perda de 1 litro de fluido extracelular reduz o volume de
sangue em 6,6%, e instalam-se oligúria e taquicardia discretas com o paciente deitado. A perda de 1 litro de sangue reduz o volume em 20%, resultando em oligúria grave e choque.4
Entre os sinais mais sensíveis no diagnóstico de um inadequado volume circulante, destacamos as alterações ortostáticas de pressão arterial e a determinação simultânea do
pulso periférico. Portanto, determinam-se a pressão arterial e o pulso com o paciente deitado, sentado no leito, com
os pés para fora da cama e de pé, quando possível. Fazer o
paciente sentar-se no leito, sem que os pés fiquem pendentes para fora da cama, pode não ser suficiente para produzir uma queda ortostática da pressão arterial. Normalmente, quando o paciente muda da posição deitada para a sentada ou de pé, a sua pressão sistólica quase não se altera, e a
pressão diastólica aumenta 5 ou 10 mm Hg. Se há um inadequado volume circulante, as pressões sistólica e diastólica caem 10 mm Hg ou mais, e nota-se aumento da freqüência cardíaca ou pulso periférico. Uma queda ortostática da
pressão arterial também pode ocorrer independente do volume circulante e estar relacionada com comprometimento
do sistema nervoso autônomo periférico, tal como ocorre no
diabetes mellitus, insuficiência renal crônica ou com o uso de
drogas, especialmente bloqueadores adrenérgicos. É necessário salientar que pressão arterial aparentemente normal
pode ser encontrada em indivíduos previamente hipertensos que estejam depletados.32
Os sinais chamados clássicos de depleção do volume
extracelular, como diminuição do turgor da pele, diminuição do volume da língua ou diminuição do tônus ocular,
têm pouco valor clínico. Quando estes sinais são detectáveis, o grau de depleção do volume extracelular é de tal
ordem que o paciente está quase em choque. Por outro
lado, pessoas obesas, jovens ou com depleções leves podem
apresentar turgor de pele normal.32
Um outro sinal clínico bastante útil é a avaliação do enchimento venoso no pescoço. Quando um paciente está em
decúbito dorsal, as veias jugulares são visíveis até quase o
ângulo da mandíbula. Se as veias jugulares não forem visíveis ou mostrarem pobre enchimento, suspeita-se de
depleção do volume extracelular. É necessário, no entanto, salientar que, em algumas pessoas normais, as veias
147
jugulares são invisíveis e, em outras, se apresentam cheias
por possuírem válvulas ou alterações da elasticidade, sem
refletirem o volume circulante. Desta forma, em alguns
casos, necessitamos da determinação direta da pressão venosa central.
Quando a depleção de volume é intensa, o débito cardíaco cai, o mesmo ocorrendo com a pressão venosa sistêmica intratorácica. Portanto, a determinação da pressão
venosa central (PVC) poderia ser um indicador sensível de
redução no retorno venoso e débito cardíaco. Entretanto,
como os limites de normalidade são muito amplos em indivíduos diferentes, é impossível definir hipovolemia
numa única determinação. Por outro lado, uma única determinação do volume sanguíneo não dá idéia do grau de
deficiência e de como o coração vai tolerar a restauração
do volume. Quando se correlacionaram o volume sanguíneo e a PVC em pacientes em choque, observou-se que a
correlação era pobre33 (v. Fig. 10.6). Talvez o melhor guia
da adequação do volume sanguíneo circulante não seja
uma única determinação da PVC ou do volume sanguíneo,
e, sim, a observação da resposta cardiovascular à expansão do volume (v. próxima seção). Para uma boa interpretação da PVC, os seguintes princípios são importantes:33
1. Uma PVC reduzida não permite uma conclusão evidente de que o volume sanguíneo está reduzido.
2. Num paciente com insuficiência circulatória (choque),
uma PVC baixa indica que uma expansão do volume
será benéfica. No entanto, uma PVC alta não contra-indica uma expansão do volume sanguíneo, mas deve
permanecer a mesma ou cair à medida que o volume
sanguíneo aumenta. Por outro lado, se a PVC inicial é
elevada e continua a elevar-se à medida que a expansão de volume prossegue, a infusão deve ser suspensa.
3. Uma elevação da PVC acima do normal, durante a expansão, indica que a expansão está sendo excessiva.
É preciso lembrar que o controle da PVC fornece-nos
uma idéia mais ou menos precisa da pressão de enchimento
do ventrículo direito, mas não nos esclarece nada sobre a
função do ventrículo esquerdo. Num indivíduo normal, a
expansão de volume eleva simetricamente as pressões de
átrio direito e esquerdo, o que não ocorre em indivíduos
com insuficiência ventricular esquerda. A pressão venosa
intratorácica, normalmente, não deve exceder 8 cm de
água, podendo ser determinada através de um cateter em
veia cava superior e tomando-se o zero do manômetro na
altura da linha axilar média.
DADOS LABORATORIAIS
Entre os exames de laboratório, a elevação do hematócrito e da concentração plasmática das proteínas acompanha a depleção do volume extracelular, pois ambos estão
confinados ao espaço intravascular. Uréia e creatinina podem estar elevadas, dependendo do grau de redução da
taxa de filtração glomerular.32
148
Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema
Fig. 10.6 Comparação entre a pressão venosa central (PVC) e o volume sanguíneo em 46 pacientes em choque. Embora exista uma
correlação grosseira, observe que alguns pacientes com volume sanguíneo baixo têm PVC elevada. (Obtida de Cohn, J.N.33)
A determinação urinária do sódio ou cloro também é um
guia útil para as necessidades de sódio. Na presença de
função renal normal e depleção do volume extracelular, a
concentração urinária de sódio e cloro geralmente é inferior a 10 e 50 mEq/L, respectivamente. A densidade urinária acima de 1.015 é consistente com uma urina concentrada, encontrada nas situações de depleção do espaço
extracelular. Além disso, a urinálise é praticamente normal.32
Dependendo da causa da depleção do espaço extracelular, podem ser encontradas anormalidades na concentração plasmática de potássio e sódio e no estado ácidobásico.32
o aumento do fluxo sanguíneo medular, dissipa-se o gradiente osmótico córtico-papilar. Como a concentração urinária de sódio é baixa, não explica a hipertonicidade da
urina, que se deve à concentração urinária elevada de
uréia.1
Quando a depleção de volume é significativa, o sistema
nervoso simpático entra em atividade. Ocorre venoconstrição, mobilizando sangue da periferia para a circulação
central, assegurando o enchimento cardíaco. A estimulação cardíaca aumenta a freqüência e a força de contração
do miocárdio. A vasoconstrição arterial mantém a pressão
arterial e a perfusão de áreas críticas. A resposta final traduz-se por taquicardia, oligúria e vasoconstrição cutânea.
Conseqüências da Depleção do
Volume Extracelular
Tratamento da Depleção
Como conseqüência da depleção do espaço extracelular, há queda do ritmo de filtração glomerular, aumento
moderado da fração de filtração e diminuição proporcional do fluxo sanguíneo medular em relação ao cortical. Se
a depleção for grave, a fração de filtração se reduz e o fluxo sanguíneo medular se eleva.1
Observa-se aumento da reabsorção proximal de sódio,
com a liberação de um menor volume de fluido isotônico
para as porções distais do nefro. Há também maior produção de aldosterona e de HAD. Conseqüentemente, há
redução da diurese e natriurese e a urina final é hipertônica.
Mas se a depleção for intensa, a pressão osmótica da
urina se aproxima da plasmática. Isto ocorre porque, com
TIPO DE SOLUÇÃO
O tipo de solução a ser administrado depende do tipo
de fluido que foi perdido e da existência de outros distúrbios hidroeletrolíticos34 (v. Cap. 15).
O tratamento da depleção do espaço extracelular deve
ser feito com uma solução que contenha sódio, preferencialmente a solução salina isotônica (1 litro de solução salina a 0,9% contém 154 mEq de sódio e 154 mEq de cloro).
Após a administração de 1 litro de solução salina isotônica, 300 ml permanecem no intravascular.4
A repleção do espaço extracelular também pode ser feita com a solução de Ringer lactato35 (1 litro contém 130 mEq
de sódio, 109 mEq de cloro, 4 mEq de potássio, 3 mEq de
cálcio e 28 mEq de lactato). Em situações em que a quantidade a ser reposta é muito grande, esta solução apresenta
capítulo 10
benefícios, pois o lactato é convertido a bicarbonato no fígado e ameniza ou evita uma acidose dilucional. Não deve
ser utilizada em pacientes hipercalêmicos e com função
renal comprometida.
As soluções colóides (plasma, albumina) expandem
principalmente o intravascular, pois suas grandes moléculas não ultrapassam o endotélio capilar. Este tipo de fluido deve ser reservado para situações graves, em que a expansão do intravascular necessita ser rápida e efetiva, como, por exemplo, em queimaduras extensas e choque. Não
se justifica a administração destas soluções em outras situações. Devem também ser levados em conta fatores como
o alto custo e a meia-vida curta destas soluções.4 Mais recentemente, tem sido utilizado o amido hidroxietílico
(hetastarch), cujas moléculas têm cerca de 200.000 daltons
e que permanece por até 24-36 horas no compartimento
intravascular. No Brasil, estão disponíveis as apresentações
a 6% e 10% (Haes-steril®), que em 1 litro contém 60-100 g
do amido e 154 mEq de sódio.
Ao se administrar sangue, este permanece inteiramente no intravascular. Deve ser administrado quando hemorragia tiver sido a causa da depleção e das alterações hemodinâmicas já mencionadas.4 O hematócrito não deve ser
elevado acima de 35%.36
A administração de solução glicosada a 5% não é adequada no tratamento da depleção do extracelular, pois
equivale à administração de água sem sódio, que se distribui uniformemente na água corporal total e não permanece em volume suficiente no intravascular. Por exemplo,
após a administração de 1 litro de solução glicosada a 5%,
permanecem no intravascular apenas 75-100 ml.
VELOCIDADE DE ADMINISTRAÇÃO
A velocidade de administração da solução salina depende da magnitude da insuficiência circulatória. Desde que
não haja cardiopatia, pode-se administrar um litro de solução salina por hora ou até em menor intervalo, em casos
graves. Não há necessidade de que todo o déficit de volume seja corrigido em poucas horas. O importante é que os
sinais de hipovolemia grave desapareçam. A partir de então, a reposição de volume pode ser mais lenta.
Um dos elementos muito importantes no manejo clínico é o controle dos fatores precipitantes: sangramento,
vômitos, diarréia etc. Não havendo mais perdas, uma
maior parcela do líquido administrado permanecerá no
espaço extracelular, restaurando o seu volume.
VOLUME A SER INFUNDIDO
(GRAU DE DEPLEÇÃO)
O grau de depleção do volume extracelular pode ser
estabelecido pela história clínica e achados de exame físico, sendo o cálculo aproximado. Por exemplo: um indivíduo de 70 kg tem 14 litros, aproximadamente, de volume
extracelular (20% do peso corporal).
149
Uma depleção leve (10-15% de redução no EEC) não
cursa com sinais clínicos muito significativos, mas há história de perda. Uma depleção moderada está entre 20 e 30%
de redução no volume extracelular.37 O paciente pode apresentar, em decúbito dorsal, pressão arterial normal, mas ao
mesmo tempo ter taquicardia, pobre perfusão capilar e
diminuição da temperatura da pele (devido à vasoconstrição). Uma determinação dos sinais vitais, na posição sentada ou em pé, aumenta os sinais de insuficiência circulatória. Considerando o paciente acima, o déficit seria de 2,8
a 4,2 litros de solução salina isotônica (v. Cap. 15 para
maiores detalhes sobre reposição hidroeletrolítica).
Uma depleção intensa representa 40 a 50% de redução
do volume extracelular.37 Clinicamente, o paciente apresenta hipotensão arterial mesmo em decúbito dorsal, ou já está
em choque. O déficit de volume extracelular será, portanto, de 5,6 a 7 litros. Além disso, os pacientes em choque
hipovolêmico apresentam intensa ativação adrenérgica,
caracterizada por taquicardia, extremidades frias com enchimento capilar lento, cianose de extremidades, oligúria
e agitação e confusão mental, que se devem à diminuição
do fluxo sanguíneo cerebral.32
MONITORIZAÇÃO DO TRATAMENTO
Em pacientes com reserva cardíaca normal, o efeito de
um desafio líquido pode ser monitorizado pela avaliação
do pulso, pressão arterial e fluxo urinário. Em pacientes
com função cardíaca comprometida, a determinação seriada da PVC ou preferencialmente da pressão em capilar
pulmonar (PCap) e débito cardíaco através de um cateter
de Swan-Ganz possibilitam o diagnóstico precoce de sobrecarga de volume secundária ao desafio hídrico. Estas
medidas devem ser seriadas e sua avaliação dinâmica, ou
seja, à medida que se vai expandindo o volume circulante.
Administra-se rapidamente um volume de 100 ml e observam-se as mudanças na PVC e PCap. Durante a expansão
de volume, a PVC ou a pressão em capilar pulmonar podem inicialmente subir para depois cair. Esta elevação inicial se deve à infusão de fluidos num leito vascular vaso-
Pontos-chave:
• São sinais sensíveis para o diagnóstico de
depleção do espaço extracelular: alterações
ortostáticas da pressão arterial e pulso,
enchimento das jugulares e débito urinário
• A depleção pode ser classificada como leve,
moderada e intensa, dependendo das
alterações encontradas no exame físico
• O tratamento geral da depleção do
extracelular consiste na administração de
solução isotônica contendo sódio
150
Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema
constrito.4 Enquanto persistirem o choque, a hipotensão, ou
se a PVC não se elevar, a expansão do volume é considerada inadequada.
Um outro dado útil na avaliação da adequação do volume sanguíneo é o volume urinário horário. Se, durante a reposição do volume, o volume urinário aumentar de 0-10 ml/h
para 50 ml/h ou mais, isto indica um adequado plano de reposição. Por outro lado, a queda do volume urinário indica
que a reposição não está sendo suficientemente rápida.
EXCESSO DE VOLUME
EXTRACELULAR — EDEMA
Um excesso de sódio total no organismo acompanha-se
de expansão do volume extracelular, que, se considerável,
se manifestará por edema. Edema é o acúmulo anormal de
fluido em qualquer parte do organismo. Geralmente isto
ocorre em pacientes com cardiopatia, nefropatia, hepatopatia ou hipoproteinemia.
Fisiopatologia do Edema
Edema significa um acúmulo excessivo de líquido no
compartimento intersticial, ou seja, na parte não-vascular
do compartimento líquido extracelular. A passagem para
o interstício de fluido ultrafiltrado do plasma (sem proteínas), decorrente da alteração das forças de Starling, é denominada transudação.38 São exemplos deste mecanismo os
edemas decorrentes de obstrução venosa, insuficiência
cardíaca e edema pulmonar cardiogênico.
Outro tipo de edema ocorre por aumento da permeabilidade dos capilares a determinados solutos, tais como as
proteínas, num mecanismo de exsudação. 38 Este mecanismo de formação de edema é observado em queimaduras,
trauma, abcessos.
O edema pode ser bem localizado, como numa pequena inflamação, ou generalizado, como na insuficiência cardíaca.
EDEMA LOCALIZADO
O edema localizado resulta de fatores inflamatórios ou
físicos que aumentam a formação ou diminuem a remoção de líquido intersticial em uma região do corpo.9 O
mecanismo de formação do edema localizado pode ser
adequadamente explicado com base numa alteração das
forças de Starling que controlam a troca de líquido entre o
plasma e o interstício. Estas forças estão relacionadas na
seguinte expressão: 39
.
q Kf [(Pc Pt) – (p t)
.
onde: q ritmo do fluxo de líquido através da parede capilar
Kf coeficiente de filtração (proporcional à permeabilidade capilar e à área do leito capilar)
Pc pressão hidrostática intracapilar
Pt pressão do turgor tecidual
p pressão oncótica do plasma
t pressão oncótica intersticial
O edema localizado ocorre quando as alterações nas forças de Starling estão restritas a um órgão ou a um determinado território vascular. Normalmente, o balanço de forças
de Starling na porção arteriolar do capilar é de tal ordem que
ocorre filtração de líquido para o interstício. Com isto ocorre diminuição da pressão hidráulica capilar e aumento da
pressão coloidosmótica do plasma (v. também Cap. 8). De
acordo com a visão clássica de distribuição de líquido transcapilar, a reversão do balanço das forças de Starling ocorria
na porção terminal venosa do capilar, havendo então reabsorção do líquido filtrado. Assim sendo, havendo equilíbrio
entre o líquido filtrado e reabsorvido, apenas uma pequena
quantidade deveria retornar ao sistema vascular via linfáticos. No entanto, recentemente demonstrou-se que a pressão hidráulica transcapilar excede a pressão coloidosmótica do plasma em toda a extensão do capilar, de sorte que a
filtração ocorre ao longo de todo o capilar.40 O líquido filtrado retorna à circulação via linfáticos. Desta forma a circulação linfática passa a ter um papel importante no controle da formação do edema.
Também existe vasodilatação que aumenta a saída de
líquido do capilar principalmente através de aumento da
pressão hidrostática intracapilar e do coeficiente de filtração. O aumento do Kf ocorre devido à abertura de novos
capilares, dilatação dos capilares e aumento da permeabilidade. Uma diminuição da p e um aumento da t também contribuem para a saída de líquido do capilar (Quadro 10.5).
Edema Generalizado
É a principal manifestação clínica da expansão do volume líquido do compartimento extracelular e está invariavelmente associado a uma retenção renal de sódio. É uma
manifestação comum em situações clínicas tais como: insuficiência cardíaca, cirrose hepática e síndrome nefrótica,
onde a retenção renal de sódio é apenas uma resposta renal a um distúrbio hemodinâmico determinado pela enfermidade básica (Quadro 10.6).
A distribuição do edema generalizado é afetada por fatores locais e gravitacionais. Assim sendo, o líquido intersticial em excesso pode acumular-se nos membros inferiores de pacientes ambulatoriais e na região pré-sacra de
pacientes acamados. A baixa pressão do turgor tecidual nas
regiões periorbital e escrotal pode acentuar o edema nestas áreas.9
O edema classifica-se em dois tipos: edema duro e edema mole.42 O edema mole revela o sinal do cacifo quando a
capítulo 10
Quadro 10.5 Fatores que contribuem para a
formação do edema*
1. Dilatação arteriolar
A. Inflamação
B. Calor
C. Toxinas
D. Excesso ou déficit neuro-humoral
2. Redução da pressão osmótica
A. Hipoproteinemia
a. Desnutrição
b. Cirrose hepática
c. Síndrome nefrótica
d. Gastroenteropatia perdedora de
proteína
B. Aumento da permeabilidade capilar
a. Inflamação
b. Queimaduras
c. Trauma
d. Reação alérgica ou imunológica
C. Obstrução linfática
3. Aumento da pressão venosa
A. Insuficiência cardíaca congestiva
B. Tromboflebite
C. Cirrose hepática
4. Retenção de sódio
A. Ingesta excessiva de sal
B. Elevada reabsorção tubular renal de sódio
a. Redução da perfusão renal
b. Aumento da secreção de reninaangiotensina-aldosterona
*Baseado em Leaf, A. e Cotran, R.S.41
pressão digital deixa uma depressão transitória na pele,
como ocorre por exemplo na insuficiência cardíaca. O edema duro não revela o sinal do cacifo, pois a pressão digital
não consegue mobilizar o líquido intersticial devido a obstrução linfática (linfedema), fibrose do tecido subcutâneo,
como pode ocorrer na obstrução venosa crônica, ou aumento da matriz intersticial, como no mixedema.43
É importante salientar que pode haver um acúmulo de
4 a 5 litros de líquido no compartimento extracelular antes
que o paciente ou o médico percebam o edema com sinal
do cacifo presente. Há, no entanto, sinais e sintomas sugestivos do excesso de líquido no organismo: ganho de peso,
flutuações diárias no peso (mais pesado à noite), redução
da diurese, noctúria, tosse ou dispnéia ao deitar-se e dispnéia aos esforços.
A intensidade do edema é graduada em cruzes (, ,
ou /4), dependendo da profundidade da
depressão criada com a compressão digital e também de
acordo com a extensão do edema. Por exemplo, um paciente com síndrome nefrótica com moderado edema de
membros inferiores até os joelhos tem um edema de /
4. Já um paciente com edema até a raiz das coxas, edema
de parede abdominal e sinais de ascite tem um edema de
/4 e anasarca.42
A fisiopatogenia do edema em situações clínicas diversas será abordada na próxima seção.
151
Quadro 10.6 Causas de edema generalizado
1. Enfermidades renais
A. Glomerulonefrite aguda
B. Síndrome nefrótica
C. Insuficiência renal aguda
D. Insuficiência renal crônica
2. Insuficiência cardíaca
A. Baixo débito
B. Alto débito (anemia, beribéri, tireotoxicose,
sepse etc.)
3. Enfermidades hepáticas
A. Cirrose
B. Obstrução da drenagem hepática venosa
4. Enfermidades confinadas a mulheres
A. Gravidez
B. Toxemia gravídica
C. Síndrome da tensão pré-menstrual
D. Edema cíclico idiopático
5. Enfermidades vasculares
A. Fístulas arteriovenosas
B. Obstrução das veias do tórax
a. Veia cava inferior
b. Veia cava superior
6. Distúrbios endócrinos
A. Hipotireoidismo
B. Excesso de mineralocorticóides
C. Diabetes mellitus
7. Drogas
A. Estrogênios, anticoncepcionais orais
B. Agentes anti-hipertensivos
8. Miscelânea
A. Hipocalemia crônica
B. Anemia crônica
C. Edema nutricional
D. Síndrome da permeabilidade capilar elevada
Pontos-chave:
• Um dos principais sinais de excesso de
sódio no organismo é o edema
• O edema pode ser localizado ou
generalizado, e forma-se por transudação ou
exsudação
Fisiopatologia do Edema em Situações
Clínicas Específicas
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA (ICC)
A ICC ocorre quando o coração falha na sua função de
bomba e está habitualmente associada a uma retenção renal de sal e água e com edema pulmonar ou periférico. Há
muito se discutem os fatores que estariam envolvidos na
retenção renal de sódio na insuficiência cardíaca. A teoria
de “insuficiência retrógrada” propõe que à medida que o
coração falha, as pressões venosas periféricas e centrais
aumentam, elevando a pressão hidráulica transcapilar e
152
Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema
conseqüentemente promovendo a transudação de líquido
no espaço intersticial, edema e contração do volume circulante. A teoria da “insuficiência anterógrada” diz que,
com o comprometimento da função cardíaca e do ventrículo esquerdo, a periferia, incluindo o rim, passa a ser mal
perfundida, o que estimula mecanismos renais e intra-renais para a retenção renal de sódio. É provável que haja
uma interdependência entre as duas teorias, e que o acontecimento básico seria uma retenção renal de sódio, e a transudação transcapilar seria um evento secundário.
Na insuficiência cardíaca os rins estão funcionando adequadamente e retêm sódio numa tentativa de restaurar o
volume circulante efetivo. Este mecanismo, denominado
“subpreenchimento” (underfilling) é também observado na
cirrose hepática e síndrome nefrótica.38
Volume Sanguíneo Arterial Efetivo
Na insuficiência cardíaca congestiva há um distúrbio na
relação normal do volume intravascular (volume efetivo) e
a capacidade do leito vascular. Há sugestões de que o aumento da reabsorção tubular renal de sódio seja decorrente
de alterações circulatórias percebidas por sensores de volume nos átrios cardíacos e grandes vasos torácicos. Como já
mencionado anteriormente, talvez os efeitos na excreção
renal de sódio sejam oriundos da estimulação mecânica dos
átrios cardíacos, através da liberação de um peptídio atrial
natriurético e por reflexos neurais bem estabelecidos.
A importância do fluxo sanguíneo no circuito arterial para
controle da volemia foi demonstrada pela resposta renal à
abertura e fechamento de uma fístula arteriovenosa.44 O fechamento da fístula acarretava uma rápida natriurese sem
alteração no ritmo de filtração glomerular, enquanto a abertura da fístula novamente reduzia a excreção de sódio. Nestas circunstâncias, as pressões hidráulicas nos átrios e circulação pulmonar diminuíam com o fechamento da fístula
e aumentavam com a abertura da fístula.
A percepção arterial ocorre em vários locais do leito
vascular arterial. Existem os barorreceptores carotídeos e
os barorreceptores intra-renais no aparelho justaglomerular. Uma redução da pressão de perfusão renal estimula a
liberação de renina do aparelho justaglomerular resultando na formação de angiotensina II, aldosterona e retenção
de sódio (Fig. 10.7). Esta retenção de sódio é na verdade
um mecanismo protetor para preservar a adequação do
volume circulante.
Papel do Rim na Retenção de Sódio
Na ICC há aumento do tônus simpático e das catecolaminas circulantes, responsáveis por aumento da resistência vascular periférica. No rim também ocorre aumento da resistência vascular e freqüentemente redução
do ritmo de filtração glomerular (RFG). Mas não é a redução do RFG a responsável pela retenção de sódio, pois
esta ocorre mesmo na ausência de qualquer alteração no
Fig. 10.7 Esquema dos mecanismos envolvidos na retenção de sódio e edema da insuficiência cardíaca. (Baseado em Schrier, R.W.9)
capítulo 10
153
Fig. 10.8 Controle peritubular da reabsorção de líquido do túbulo proximal.
p pressão hidráulica transcapilar
pressão oncótica transcapilar
A elevação da resistência vascular renal na ICC reduz a . O aumento da fração de filtração na ICC aumenta a . As alterações
em ambas as pressões aumentam a reabsorção proximal de sódio.
RFG. Na ICC os nefros apresentam elevada fração de filtração, decorrente de aumento da resistência arteriolar
eferente. Com a elevação da fração de filtração há aumento da pressão oncótica pericapilar tubular, alterando as
forças peritubulares de Starling e acarretando aumento
da reabsorção de sódio a nível de túbulo proximal (Fig.
10.8).
Outras alterações hemodinâmicas intra-renais podem
estar envolvidas: talvez o aumento do tônus simpático a
nível renal cause uma redistribuição do fluxo sanguíneo
para nefros justamedulares (alças de Henle longas) que
podem reabsorver sódio mais avidamente que nefros corticais.
Sistema Renina-angiotensina-aldosterona (SRAA)
Como já frisamos, a diminuição da perfusão renal estimula a liberação de renina com formação de angiotensina
I e II e aldosterona. A manutenção da pressão arterial em
face de uma redução do volume sanguíneo arterial é explicada pela elevação da angiotensina II. A retenção renal
de sódio decorre da ação hemodinâmica da angiotensina
II (vasoconstrição da arteríola glomerular eferente e aumento da fração de filtração), da sua ação direta no túbulo
proximal e do hiperaldosteronismo.
Prostaglandinas
Mesmo que haja variação no volume plasmático, a interação entre angiotensina II e prostaglandinas mantém o
fluxo sanguíneo renal quase constante. A inibição da síntese da prostaglandina em animais normovolêmicos não
compromete a filtração glomerular, mas quando há depleção de volume e níveis elevados de angiotensina II, o blo-
queio da síntese de prostaglandina reduz o fluxo sanguíneo renal e a filtração glomerular. Da mesma maneira, a
inibição da síntese de prostaglandina só reduz a excreção
de sódio se houver concomitante depleção de volume ou
comprometimento intrínseco da função renal.
Em resumo, os níveis elevados de substâncias vasoconstritoras, especialmente angiotensina II e catecolaminas, têm
um importante papel na preservação de um adequado fluxo sanguíneo renal na ICC.
Fator Natriurético
A infusão contínua deste fator atrial causa uma redução da pressão arterial média, com elevação do ritmo de
filtração glomerular, do fluxo urinário e da excreção de
sódio e potássio. A influência do FNA na pressão arterial
relaciona-se à sua capacidade de suprimir níveis plasmáticos de renina e em relaxar diretamente os vasos sanguíneos. Como o FNA pode aumentar a filtração glomerular
em doses que diminuem a pressão arterial e o fluxo sanguíneo renal, pode vir a ser útil no tratamento agudo do
coração insuficiente.45
Ao estudarem as anormalidades na excreção de sódio e
água na ICC, Mettaurer et al. verificaram que os principais
fatores determinantes na excreção de sódio eram a ativação do sistema renina-angiotensina e a função ventricular.46
Com relação à excreção de água, os fatores mais importantes foram os níveis plasmáticos de vasopressina e norepinefrina, a função renal e o grau de comprometimento da
função ventricular esquerda. Um dos principais mecanismos de que o organismo lança mão para compensar a queda do débito cardíaco é a ativação de sistemas neuro-humorais. Na ICC, a secreção de vasopressina e a ativação
154
Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema
dos sistemas simpático e renina-angiotensina servem para
otimizar a pré-carga e aumentar a contratilidade do miocárdio.
CIRROSE HEPÁTICA
As alterações hepáticas estruturais terminam por causar obstrução à drenagem venosa hepática, hipertensão
portal e shunt sanguíneo porta-sistêmico. Além destas alterações hemodinâmicas, a função hepatocelular está comprometida, causando redução na síntese de albumina e
fatores de coagulação. Há comprometimento na excreção
de sal e água e redução do ritmo de filtração glomerular
(RFG). De modo semelhante à insuficiência cardíaca, a retenção renal de sódio e água não se deve a uma anormalidade intrínseca dos rins, mas a mecanismos extra-renais que regulam a excreção renal destes elementos.
Alguns autores, como Levy, Wexler e Allotey propõem
que um mecanismo de overflow esteja presente ao menos
nas fases iniciais da cirrose. De acordo com este conceito,
uma retenção de sódio pelo rim, não dependente de volume, é o distúrbio primário na homeostase do sódio em
pacientes com cirrose. Nesta teoria, a retenção de sódio e
expansão plasmática resultam da ausência do “escape” de
mineralocorticóides e antecedem o “subpreenchimento”.
A predileção pelo acúmulo de líquido no peritônio, sob
forma de ascite, deve-se às alterações localizadas das forças de Starling, pela hipertensão portal. Aqueles autores
demonstraram aumento no volume efetivo de sangue nas
fases iniciais da cirrose. A retenção de sódio ocorreu independentemente de débito cardíaco, pressão arterial
média, fluxo sanguíneo esplâncnico e hepático, TFG, fluxo sanguíneo renal, níveis de aldosterona, estrógenos e
progesterona ou atividade simpática.4
Há várias outras influências independentes do volume sistêmico que sustentam a hipótese de overflow. A percepção de uma obstrução da drenagem venosa hepática
e elevada pressão hepática intra-sinusoidal através de
uma via neural reflexa podem ser importantes mecanismos na retenção renal de sal e água, efetivada através de
aumento na atividade simpática renal e cardiopulmonar
(Fig. 10.9).47
Mesmo que o volume plasmático total esteja elevado na
cirrose, o enchimento relativo do leito vascular arterial
estará reduzido devido à redução da resistência vascular
periférica, inclusive com comprometimento dos reflexos
vasomotores autônomos e diminuição da resposta pressórica a angiotensina II e catecolaminas.48 Isto resulta num
leito vascular dilatado, hiporreativo a alterações de volemia e comprometido na sua capacidade de regular o tônus
e a capacidade. Assim sendo, pacientes cirróticos se tornam
Fig. 10.9 Esquema dos mecanismos envolvidos na retenção de sódio e edema na cirrose hepática. (Baseado em Schrier, R.W.9 e Seifter,
J.L. et al.47)
capítulo 10
muito vulneráveis e sujeitos a um colapso hemodinâmico
quando sofrem uma perda de volume aguda, como numa
hemorragia ou diurese agressiva.47 A percepção por sensores intratorácicos e arteriais da redução do volume sanguíneo arterial efetivo promove a retenção de sódio. A redução da resistência vascular periférica observada em cirrose hepática avançada está relacionada, pelo menos em
parte, a shunts arteriovenosos, mas talvez um vasodilatador (produzido, ou não inativado pelo fígado) tenha alguma participação. A seqüestração venosa esplâncnica que
ocorre secundária à hipertensão portal também contribui
para a redução da volemia.
Com a obstrução da drenagem hepática venosa, os sinusóides hepáticos (altamente permeáveis a proteínas)
permitem a passagem para o interstício de um elevado fluxo de filtrado rico em proteínas, resultando num aumento
da formação de linfa hepática, principal responsável pela
ascite em cirróticos. Quando o ritmo de formação da linfa
hepática excede o ritmo de retorno do líquido extracelular
à circulação via ducto torácico, ocorre diminuição do volume intravascular.47 O sucesso de procedimentos tais
como o shunt peritoniovenoso, nos cirróticos com ascite,
parece estar relacionado a uma rápida elevação do volume intravascular. Além disso, a hipoalbuminemia freqüentemente presente nos cirróticos e a resultante redução da
pressão coloidosmótica do plasma contribuem para a transudação de líquido no compartimento intersticial e cavidade abdominal.
Em conjunto, estes fatores levariam a um “subpreenchimento” da árvore arterial levando à ativação do sistema
renina-angiotensina-aldosterona e do eixo simpático e liberação de vasopressina. Estes eventos causariam a retenção de sódio e água pelo rim em fases mais avançadas da
cirrose hepática.4
Função Renal na Cirrose Hepática
Os distúrbios característicos de função renal na cirrose
são a retenção de sódio e o comprometimento no clearance
de água livre.47 A retenção renal de sódio pode ocorrer na
cirrose na vigência de um RFG normal. Com a redução do
volume intravascular efetivo, há um aumento na reabsorção tubular proximal de sódio e uma redução da oferta de
líquido aos túbulos distais, sendo esta última a causa da
redução do clearance de água livre.
Renina-angiotensina-aldosterona
Embora as causas de diminuição do volume sanguíneo
arterial efetivo sejam distintas na cirrose e na insuficiência
cardíaca, são similares os eventos subseqüentes que causam retenção renal de sódio e água. A resistência vascular
renal está elevada nos cirróticos com ascite. A angiotensina II determina aumento da resistência da arteríola glomerular eferente, causando aumento da fração de filtração,
aumento da pressão oncótica pericapilar tubular e conse-
155
qüentemente aumento da reabsorção de sódio ao nível do
túbulo proximal. O aldosteronismo secundário ocorre devido à elevação de angiotensina II, esta última procurando preservar a pressão arterial. Portanto, face a uma redução do volume intravascular, a ativação do eixo reninaangiotensina-aldosterona serve para preservar a pressão
arterial numa situação em que a capacidade vascular está
muito aumentada. Além da estimulação da angiotensina
II sobre a produção de aldosterona, a redução do fluxo
sanguíneo hepático compromete a degradação da aldosterona e contribui ainda mais para a elevada atividade da
aldosterona na cirrose. Entretanto, como na insuficiência
cardíaca, antagonistas da aldosterona não são efetivos em
aumentar a excreção de sódio no tratamento do edema e
da ascite do cirrótico.9
Na síndrome hepatorrenal existe caracteristicamente
uma pronunciada redução do fluxo sanguíneo renal com
isquemia cortical e elevada resistência vascular renal,
provavelmente devido à ação de substâncias vasoconstritoras como a angiotensina II e norepinefrina.
Prostaglandinas
A função das prostaglandinas na cirrose descompensada é provavelmente a mesma de outros estados hipovolêmicos: manutenção do fluxo sanguíneo renal e ritmo de
filtração glomerular através do antagonismo aos efeitos
pressóricos da angiotensina II e outros vasoconstritores na
microvasculatura renal.
SÍNDROME NEFRÓTICA
Pacientes com síndrome nefrótica apresentam proteinúria maciça, hipoalbuminemia, edema periférico ou generalizado (anasarca) e hipercolesterolemia.49 O fenômeno
primário na síndrome nefrótica é a perda maciça de proteínas pelo rim.
Estudos iniciais revelam uma correlação entre a concentração sérica de albumina e o grau de edema em pacientes
nefróticos. Em face destas observações, achava-se que a
hipoalbuminemia, através da redução da pressão oncótica do plasma, era responsável pela saída de líquido do
compartimento intravascular para o intersticial. Entretanto, investigações experimentais não corroboraram esta hipótese: diminuições da concentração plasmática de proteína no homem e em animais eram acompanhadas de volume plasmático constante ou elevado. Logo, ponderouse que ajustes nos mecanismos de troca transcapilar periférico deveriam ocorrer: queda da pressão oncótica do líquido intersticial, aumento na pressão hidráulica do líquido intersticial e aumento do fluxo linfático e proliferação
linfática.50
Outros estudos recentes demonstraram que a permeabilidade do capilar periférico à albumina varia diretamente com as alterações na concentração sérica de albumina e inversamente com as alterações do volume plas-
156
Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema
Quadro 10.7 Mecanismos protetores contra a
formação do edema periférico em estados
hipoalbuminêmicos*
Elevada drenagem linfática
Vasoconstrição pré-capilar
Diluição da proteína do líquido intersticial
Baixa complacência do tecido intersticial
Ajustes da permeabilidade da parede capilar à albumina
*Obtido de Skorecki, K.L. et al.50
mático.40,51 Portanto, há certos mecanismos protetores contra a formação de edema em estados hipoproteinêmicos
(Quadro 10.7).
Parece, então, que o grau de edema não está tão relacionado com o grau de hipoalbuminemia per se, mas com
alterações de mecanismos renais de controle do volume
extracelular. Na síndrome nefrótica por lesões mínimas na
criança, a hipoalbuminemia tem um papel importantíssimo na formação do edema. Nestes casos a redução do volume intravascular ativa a retenção renal de sódio (mecanismo de underfilling). A seqüência de eventos que determinam aumento na reabsorção renal de sódio pode ser
apreciada na Fig. 10.10 e é semelhante à que ocorre na insuficiência cardíaca e cirrose.
Entretanto, convém salientar que muitos pacientes com
síndrome nefrótica podem ter volume plasmático elevado.
O perfil renina-angiotensina-aldosterona também tem va-
riado de acordo com o volume plasmático. Ativação do
eixo renina-angiotensina-aldosterona é encontrada nos
casos de volume plasmático reduzido e supressão do eixo
nos casos de volume plasmático elevado. Logo, parece não
haver um único mecanismo para explicar a retenção renal
de sal na síndrome nefrótica.
Como na insuficiência cardíaca e cirrose hepática, a atividade simpática e o nível de catecolaminas circulantes
estão elevados, refletindo-se num aumento de resistência
vascular renal. Entretanto, o fluxo sanguíneo renal e o RFG
não estão uniformemente diminuídos na síndrome nefrótica e, em algumas circunstâncias, o RFG está elevado. Esta
filtração elevada é devida à hipoalbuminemia, que diminui a pressão oncótica do capilar glomerular e, portanto,
tende a aumentar a pressão de filtração glomerular. Por
outro lado, em situações de importante hipoalbuminemia,
a vasoconstrição da arteríola aferente do glomérulo pode
diminuir a pressão hidrostática do capilar glomerular e
reduzir o aumento do RFG. Portanto, na síndrome nefrótica, o RFG pode estar normal, elevado ou reduzido, dependendo do balanço entre o efeito da redução da pressão
oncótica do plasma, a resistência vascular renal e a pressão de filtração glomerular.
Outro aspecto do edema nefrótico quando comparado
com o cirrótico ou cardíaco é o seguinte: há uma maior
diminuição na reabsorção tubular proximal de sódio e água
devido à redução da pressão oncótica peritubular causada pela hipoalbuminemia. Além disso, quando se bloqueia
a reabsorção distal de sódio com diuréticos, os nefróticos
excretam uma fração maior da carga filtrada de sódio.
Logo, nefróticos podem responder melhor do que cardíacos e cirróticos a diuréticos que agem no nefro distal. Estes achados sugerem que o principal local de retenção de
sódio na síndrome nefrótica está no nefro distal. Não se
sabe se a elevada atividade da aldosterona explica este
achado.
Em certos casos de síndrome nefrótica causada por
glomerulonefrites do tipo membranosa e membranoproliferativa, pode existir lesão renal que afete a capacidade
intrínseca do rim em excretar sódio, resultando na retenção líquida e edema pelo mecanismo de overflow.38
GLOMERULONEFRITE AGUDA
Fig. 10.10 Esquema dos mecanismos atuantes na retenção de sódio e edema da síndrome nefrótica. (Baseado em Schrier, R.W.9)
Glomerulonefrite proliferativa difusa aguda e outras
formas de lesão glomerular aguda podem causar retenção
de sódio e água e formação de edema sem muitas alterações na concentração plasmática de albumina. Este balanço positivo de sódio e água aumenta o volume sanguíneo
e a pressão arterial. Se houver elevação também da pressão hidráulica capilar, há desequilíbrio nas forças de
Starling, com passagem de fluido intravascular para o interstício. Se as defesas do interstício forem vencidas (aumento do fluxo linfático, características físicas do interstício), ocorre edema. Este mecanismo de retenção de líquido devido a uma incapacidade renal de excretar sódio e
capítulo 10
água é conhecido como “transbordamento”(overflow) e é
também observado na insuficiência renal crônica.38 Os
mecanismos envolvidos na retenção de sódio na glomerulonefrite aguda (Fig. 10.11) são discutidos a seguir.
Comprometimento do Coeficiente de Ultrafiltração
A lesão glomerular compromete o coeficiente de ultrafiltração (Kf) causando redução do ritmo de filtração glomerular (RFG), o qual causa redução na excreção de sódio.
Havendo manutenção da ingestão normal de sódio, haverá balanço positivo de sódio com expansão do volume extracelular. Em condições normais esta expansão do volume extracelular acarretaria uma série de reações que alterariam a reabsorção tubular de sódio, aumentando a excreção fracional de sódio e restaurando o balanço. Por razões desconhecidas, na glomerulonefrite aguda estas adaptações na reabsorção de sódio não ocorrem.
Alterações na Função Tubular Renal
Não é surpresa que lesões obstrutivas e inflamatórias
dos capilares glomerulares resultem em alterações significativas das forças de Starling do capilar peritubular, modificando o ritmo de absorção tubular.
Um achado característico na glomerulonefrite aguda é
uma queda da fração de filtração (FF), que se acompanha
de diminuição da pressão oncótica capilar, a qual, transmi-
157
tida ao capilar peritubular, resulta numa redução de reabsorção de líquido no túbulo proximal. Há, no entanto, pouca evidência de que as alterações na reabsorção proximal de
sódio sejam o principal mecanismo na retenção de sódio da
glomerulonefrite aguda. Existem evidências de que o nefro
distal participe ativamente na reabsorção de sódio da nefrite aguda. Com a redução do coeficiente de ultrafiltração e
do RFG, diminui a oferta distal de sódio e conseqüentemente
cai a excreção absoluta e fracional de sódio.
A atividade plasmática da renina está reduzida face à
expansão do volume extracelular e a secreção de aldosterona habitualmente não está elevada.
Insuficiência Cardíaca
A insuficiência cardíaca que pode ocorrer na glomerulonefrite aguda, tanto pela elevação da pré-carga (volume)
como da pós-carga (hipertensão arterial), acaba sendo mais
um mecanismo que determina retenção de sódio.
O edema na glomerulonefrite aguda resulta de uma expansão do volume extracelular e elevação da pressão intracapilar sistêmica, alterando as forças de Starling nos capilares periféricos. Com isto há saída de sal e água para o interstício, e, dependendo do grau de volume e pressão do
líquido intersticial, haverá evidência clínica de edema.
EDEMA OBSERVADO EM MULHERES
Edema da Gravidez
Numa gravidez normal há aumento na retenção renal
de sal, expansão do volume plasmático e ganho de peso.
Há também aumento significativo do RFG, fluxo plasmático renal e do débito cardíaco. Esta retenção de sódio na
gravidez é considerada fisiológica para satisfazer as necessidades do feto, o aumento da capacidade vascular materna e a seqüestração de líquido na cavidade amniótica. Alguns dos fatores importantes na retenção de sódio da gravidez estão enumerados no Quadro 10.8.29 Alterações de
fatores físicos atuantes no túbulo renal parecem ser importantes na retenção de sódio. O RFG está mais elevado do
que o fluxo plasmático renal, resultando num aumento da
fração de filtração.42,43 Edema localizado nas extremidades
inferiores ocorre em 75% das mulheres grávidas. Este edema ocorre por várias razões:
• Efeito mecânico do útero aumentando a pressão venosa nos membros inferiores;
• Perfusão elevada nas pernas devido a um aumento no
débito cardíaco e diminuição da resistência vascular
periférica;
• Aumento do volume plasmático e redução da pressão
oncótica do plasma;
• Outros fatores enumerados no Quadro 10.8.
Fig. 10.11 Fisiopatologia do edema nefrítico. (Baseado em Glassock, R.J. et al.56)
Edema generalizado pode ocorrer em até 20% das mulheres grávidas e na ausência de toxemia é considerado até
fisiológico.
158
Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema
Quadro 10.8 Possíveis fatores importantes na
retenção renal de sódio da gravidez normal*
1. Obstrução ureteral devida ao útero grávido
2. Efeitos da postura no RFG e na perfusão renal
3. Efeitos da postura na seqüestração venosa nos
membros inferiores
4. Possível aumento no apetite por sal
5. Mecanismos responsáveis pela retenção tubular
renal de sódio
a. Níveis elevados de aldosterona e outros
mineralocorticóides
b. Níveis elevados de estrogênios
c. Presença de fatores humorais retentores
de sódio ?
d. Diminuição da resistência vascular
periférica
e. Aumento anatômico da capacidade vascular
*Obtido de Levy & Seely.57
Edema Pré-menstrual
O edema geralmente faz parte da síndrome pré-menstrual caracterizada por nervosismo, irritabilidade e cefaléia.
A causa da retenção de sódio não é conhecida mas é provavelmente devida a um distúrbio endócrino como uma
alteração na relação estrógeno/progesterona ou, como
sugerido mais recentemente, uma elevação dos níveis plasmáticos de prolactina.52
CAUSAS DIVERSAS DE EDEMA
Síndrome da Permeabilidade Capilar Elevada
Há relatos de alguns pacientes que apresentaram angioedema generalizado recorrente. Desconhece-se a causa da
elevada permeabilidade capilar, sendo a única anormalidade detectada a presença de uma paraproteína monoclonal IgG.53
Hipocalemia Crônica
Toxemia Gravídica
Os fatores responsáveis pela elevada retenção de sódio
na toxemia são desconhecidos. Os níveis de renina-angiotensina-aldosterona diminuem com o aparecimento da
toxemia assim como diminuem o RFG e o fluxo sanguíneo
renal. Postula-se que a retenção de sódio pode ser devida
a um comprometimento do balanço glomérulo-tubular
resultante de uma hiper-reabsorção do filtrado, a exemplo
do que ocorre numa glomerulonefrite proliferativa aguda,
pois na toxemia há importante lesão endotelial com deposição de material fibrinóide.
Edema Cíclico Idiopático
Esta é uma síndrome observada predominantemente em
mulheres obesas, adultas, que ainda não entraram na menopausa. A síndrome é caracterizada por períodos de edema, cefaléia, irritabilidade e distensão abdominal. A investigação não revela alterações cardíacas, renais ou hepáticas.
Como a maioria destas pacientes apresenta boa diurese
e natriurese quando em repouso no leito, questiona-se se
a elevada reabsorção de sódio não estaria associada à posição ortostática. Além do componente ortostático de retenção de líquido, há considerável evidência de que estas
pacientes têm diminuição do volume plasmático.
Entre outros fatores aventados para explicar o edema
destacam-se: defeito na permeabilidade capilar e elevados
níveis de prolactina. Muitas pacientes usam ou usaram
diuréticos. Como os diuréticos causam contração do volume circulante, há um estímulo à retenção de sódio com
elevação dos níveis de renina-angiotensina-aldosterona e
participação de outros mecanismos. O edema parece ocorrer principalmente após a cessação do uso dos diuréticos.
A magnitude do ganho de peso está aumentada com uma
dieta alta em sal e em carboidratos.
Alguns pacientes com depleção crônica de potássio
podem apresentar edema periférico. Não se conhece a causa da elevada reabsorção tubular de sódio.
Medicamentos
Várias substâncias administradas e pacientes podem
determinar um aumento na reabsorção de sódio: estrogênios (anticoncepcionais); diazóxido; hidralazina; minoxidil e outras drogas simpatolíticas como metildopa, guanetidina e clonidina. Mais recentemente antiinflamatórios
não-esteróides foram incluídos neste grupo de drogas.
O mecanismo da retenção de sódio dos estrógenos não
é conhecido, mas provavelmente relaciona-se a uma ação
a nível tubular.
Os vasodilatadores utilizados na hipertensão arterial
reduzem a resistência vascular periférica, alterando a relação volume plasmático/capacitância vascular.
Microangiopatia Capilar do Diabetes Mellitus
Há relatos de alguns diabéticos com função renal normal que apresentam edema idiopático. Para estes casos tem
sido sugerido que, na posição ereta, pode haver uma passagem excessiva de líquido para o interstício devido a uma
microangiopatia capilar, com conseqüente retenção de
sódio e edema.
Pontos-chave:
• A fisiopatogênese do edema na insuficiência
cardíaca, cirrose, síndrome nefrótica e
síndrome nefrítica tem a participação dos
mecanismos de subpreenchimento e/ou
transbordamento
• O tratamento medicamentoso do edema é
feito com diuréticos
159
capítulo 10
Princípios Gerais no Tratamento
do Edema
TRATAMENTO DA DOENÇA BÁSICA
Como a redução do volume sanguíneo arterial efetivo
é um denominador comum na retenção de sódio da insuficiência cardíaca, cirrose hepática e síndrome nefrótica, o
manejo clínico deve ser dirigido para a correção deste distúrbio básico. Assim sendo, na insuficiência cardíaca melhorar o débito cardíaco restaura o volume circulante efetivo. Na síndrome nefrótica por lesões mínimas o uso de
corticosteróides reduz a proteinúria e conseqüentemente
a hipoalbuminemia.
ADEQUAÇÃO DA INGESTA DE SAL E ÁGUA
Embora a restrição de sódio seja efetiva na prevenção
do aumento do edema, ela não causa um balanço negativo de sódio. A diurese de pacientes cardíacos hospitalizados e colocados em dietas hipossódicas está mais relacionada ao efeito benéfico do repouso no débito cardíaco do
que resultante da dieta hipossódica.
Pacientes que estão formando edema retêm uma fração
da ingesta diária de sal a fim de restaurar o volume sanguíneo arterial efetivo. A excreção urinária diária de sódio
destes pacientes reflete a capacidade de excreção renal.
Conhecendo-se a oferta de sódio na dieta, a determinação
da excreção de sódio nas 24 horas permite saber se o balanço de sódio é positivo ou negativo. Concentrações urinárias de sódio da ordem de 10 a 15 mEq/L geralmente
indicam um balanço positivo, ou seja, maior quantidade
de sódio está sendo reabsorvida nos túbulos renais.
A maior parte dos pacientes edemaciados tem um
comprometimento na excreção renal de água. A ingesta
diária de líquido deve ser ajustada para as perdas insensíveis (500 a 700 ml) por dia mais as perdas urinárias.
Quadro 10.9 Princípios gerais no tratamento do
edema*
1. Avaliação da adequação do tratamento da doença
básica responsável pelo edema
2. Avaliação do grau de ingesta de água e sal
3. Mobilização do edema
4. Avaliação da indicação do uso de diuréticos
A. Comprometimento da função respiratória
a. Edema pulmonar
b. Ascite com elevação dos diafragmas e
associada a atelectasias
B. Comprometimento da função cardiovascular
secundária a sobrecarga de volume
C. Excesso de líquido comprometendo a atividade
física e causando desconforto
D. Permitir maior liberalização do sal na dieta,
aumentando o paladar dos alimentos
E. Indicação cosmética
*Obtido de Schrier, R.W.9
pacientes em uso de diuréticos seja feita cuidadosa monitorização diária do peso, volume urinário e pressão arterial com o paciente deitado, sentado e em pé.38 Além disso,
é essencial o conhecimento da potência, local de ação e
complicações do uso de diuréticos (ver Cap. 43).
A presença de edema per se não é uma indicação de uso
de diuréticos. Em geral, o uso dos diuréticos deve ficar
restrito a situações tais como: comprometimento da função cardíaca e/ou respiratória; desconforto físico devido
ao acúmulo excessivo de líquido e permitir liberalização
do sal na alimentação de pacientes que toleram pouco dietas hipossódicas (Quadro 10.9).
EXERCÍCIOS
(Respostas no final do capítulo.)
MOBILIZAÇÃO DO EDEMA
O repouso no leito é capaz de induzir diurese devido à
redução da seqüestração venosa na periferia, aumentando assim o volume sanguíneo arterial efetivo. Efeito similar possuem as meias elásticas.
INDUÇÃO DE BALANÇO NEGATIVO DE SÓDIO
É possível induzir balanço negativo de sódio com a utilização de diuréticos (v. Cap. 43). Com a eliminação de
sódio provocada por estas drogas, há redução do volume
circulante, diminuição da pressão capilar e conseqüente
movimentação de fluido do interstício para o intravascular, devido à modificação das forças de Starling. O fluido
assim trazido ao intravascular torna-se disponível para a
filtração glomerular.38
Deve ser salientado, porém, que a redução no volume
intravascular obtida com os diuréticos pode provocar hipovolemia e insuficiência renal. Recomenda-se que nos
1) Num indivíduo de 70 kg, qual o volume do espaço extracelular?
Nos exercícios 2 e 3, responda às seguintes perguntas:
a. Qual o distúrbio do extracelular que este paciente apresenta?
b. Qual a intensidade deste distúrbio (em percentagem aproximada)?
c. Que tipo de solução administrar?
d. Qual a quantidade de solução a infundir?
e. Em quantas horas deve ser administrada esta solução?
2) Tome como exemplo o mesmo indivíduo acima, com história de
dois dias de evolução com vômitos e diarréia profusa. Ao exame
físico apresenta queda de 15 mmHg na pressão sistólica e diastólica quando fica em pé. A mucosa oral está seca e as jugulares têm
enchimento lento.
3) Considere uma paciente de 60 kg, que permaneceu internada por
três dias em outra cidade, com quadro de encefalite, com drenagem por sonda nasogástrica de aproximadamente 2 litros de estase ao dia, utilizando manitol, e recebendo solução glicosada 2.000
ml/dia. Esta paciente é admitida, no hospital onde você é plantonista, com PA 60 30 mmHg, FC 132 bpm, extremidades frias
e perfusão periférica comprometida, enchimento capilar lento,
jugulares colabando com a inspiração e anúria. Além disso, encon-
160
Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema
tra-se confusa e sonolenta. Assim que a paciente chega, você punciona uma veia jugular e encontra uma PVC de 3 cm H2O.
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ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
http://www.kidneyatlas.org/book1/adk1-02.pdf — Excelente capítulo do atlas on-line editado pelo Dr Schrier.
http://umed.med.utah.edu/ms2/renal/Word%20files/
c)%20Disorders%20of%20Volume-Ed.htm — página que
aborda a fisiopatogenia e tratamento do edema.
http://www.medonline.com.br/med-ed/med10/
orimicc.htm — artigo que aborda as alterações renais encontradas na insuficiência cardíaca.
http://www.geocities.com/HotSprings/4234/cirrose.html
— página que entre outros itens descreve a fisiopatogenia
das alterações renais encontradas na cirrose hepática.
http://www.learndoctor.com/chapterpages/chapter22.htm
— site com questões de auto-avaliação.
RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
1) Espaço extracelular 20% do peso. Paciente de 70 kg 14 litros.
2) Paciente de 70 kg com diarréia e queda de PA e aumento da FC
ortostáticas.
a. Depleção do espaço extracelular.
b. 20-30% de depleção.
c. Solução salina isotônica.
d. 70 kg 14 litros de EEC; 20-30% de DEEC 14 0,2-0,3 2,8-4,2 litros de solução a infundir, pois este é o déficit apresentado.
e. Na primeira hora infundir volume suficiente para que os sinais
hemodinâmicos encontrados sejam melhorados; o restante do
volume infundir nas próximas horas.
3) Paciente de 60 kg com história de perda por sonda gástrica e uso
de diurético osmótico.
a. Esta paciente apresenta um grau avançado de depleção do espaço extracelular, com sinais de choque hipovolêmico.
b. Depleção de 40-50% do espaço extracelular.
c. Solução salina isotônica.
d. 60 kg 12 litros de EEC; 40-50% de DEEC 12 0,4-0,5 4,86 litros de solução a infundir, pois este é o déficit apresentado.
e. Na primeira hora é importante infundir volume suficiente para
desaparecerem os sinais de comprometimento hemodinâmico.
A monitorização da diurese auxilia a verificar a adequação da
reposição; continuar monitorizando a PVC, avaliando este parâmetro sem esquecer de suas limitações.
Capítulo
11
Metabolismo Ácido-Básico
Miguel Carlos Riella e Maria Aparecida Pachaly
INTRODUÇÃO
Manifestações clínicas e efeitos sistêmicos
CONCEITOS E PRINCÍPIOS QUÍMICOS
Achados laboratoriais
Tratamento
Ácido
Alcalose metabólica
Base
Sistema tampão
Causas de alcalose metabólica
pH
Geração da alcalose metabólica
Lei de ação das massas
Manutenção da alcalose metabólica
Equação de Henderson-Hasselbalch
Mecanismos de defesa do pH na alcalose
metabólica
Eletroneutralidade
METABOLISMO ÁCIDO-BÁSICO
Manifestações clínicas
SISTEMAS TAMPÃO
Dados laboratoriais
Tratamento
Sistema tampão ácido carbônico-bicarbonato
Acidose respiratória
Proteínas plasmáticas
Hemoglobina
Causas
Tamponamento nos ossos
Conseqüências clínicas
Conseqüências fisiológicas
CONTROLE RESPIRATÓRIO DA PCO2
CONTROLE RENAL DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO
Tratamento
Alcalose respiratória
Reabsorção tubular do bicarbonato filtrado
Secreção tubular de H
Causas
Fatores que influenciam na reabsorção do bicarbonato
Conseqüências clínicas
Conseqüências fisiológicas
filtrado
Tratamento
Excreção de acidez titulável (AT)
4
Distúrbios ácido-básicos mistos
Excreção de amônio (NH )
Produção proximal e secreção de NH4
Diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos
4
Gradiente intersticial corticopapilar para NH /NH3
Secreção de amônia nos ductos coletores (NH3)
Difusão não-iônica
DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO
ÁCIDO-BÁSICO
Acidose metabólica
Causas
Roteiro para interpretação dos distúrbios
ácido-básicos
Alguns exemplos
EXERCÍCIOS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
163
capítulo 11
INTRODUÇÃO
Para que seja mantida a estabilidade do meio interno,
deve haver equilíbrio entre a produção e a remoção de íons
hidrogênio (H) em nosso organismo. Os rins são fundamentais na eliminação do H, mas o controle da concentração deste íon envolve ainda outros mecanismos, como
o tamponamento realizado pelo sangue, células e pulmões.1
A quantidade de íon hidrogênio é mantida dentro de
limites estreitos, num processo extremamente sensível,
uma vez que a quantidade de hidrogênio no extracelular
(40 nanoequivalentes/litro 0,00004 mEq/litro) é cerca
de 1 milionésimo das concentrações do sódio, potássio ou
cloro.2
A manutenção desta baixa concentração hidrogeniônica é essencial para a função celular normal. Os íons hidrogênio são altamente reativos, particularmente com porções
de moléculas protéicas com carga negativa.2 Assim, variações na concentração de hidrogênio produzem grande
impacto sobre as funções celulares, pois quase todos os
sistemas enzimáticos de nosso organismo e proteínas envolvidas na coagulação e contração muscular são influenciados pela concentração de íons hidrogênio.2,3
Sistema Tampão
É o sistema formado por um ácido e uma base a ele conjugada, cuja finalidade é a de minimizar alterações na concentração hidrogeniônica [H] de uma solução. Em outras
palavras, uma base fraca se liga aos H dissociados de um
ácido forte para formar um ácido fraco pouco dissociável,
tamponando e, portanto, minimizando as alterações na
concentração de H. Além disso, um sistema tampão também pode doar H.5
pH
Como a concentração hidrogeniônica [H] é muito
baixa, torna-se mais simples expressar esta concentração
em escala logarítmica, utilizando as unidades de pH. O
pH é inversamente proporcional à concentração hidrogeniônica. Um baixo pH corresponde a uma alta concentração de íons hidrogênio, enquanto um pH alto corresponde a uma concentração hidrogeniônica baixa. Portanto, a atividade dos íons H em uma solução determina
a sua acidez.1,6
pH log 1/H log [H]
Para a [H] normal de 40 mEq/litro, o pH é:
pH log [0,00000004] 7,4
CONCEITOS E PRINCÍPIOS
QUÍMICOS
Ácido
Substância capaz de doar íons H (prótons). Exemplos:
H2CO3, NH4, HCl. Um ácido forte como o HCl se dissocia
rapidamente e libera grandes quantidades de H. Os ácidos fracos têm uma menor tendência à dissociação, liberando H com menor intensidade. O acúmulo excessivo de
íons H é chamado de acidose.1,4
Base
Substância (íon ou molécula) capaz de receber íons H.
Exemplos: HCO3, NH3, HPO4. Uma base forte (p.ex., o
OH) reage de maneira rápida e intensa com o H, removendo-o de uma solução. Uma base fraca reage de maneira pouco intensa. O termo base é usado como sinônimo de
álcali. Álcali é uma molécula formada pela combinação de
um metal alcalino (p. ex., sódio, potássio) com um íon fortemente básico, como o íon hidroxila (OH). Os íons hidroxila reagem rapidamente com os íons hidrogênio, portanto são bases típicas. A remoção excessiva de íons H dos
líquidos corporais é chamada de alcalose. No equilíbrio
ácido-básico normal, a maior parte dos ácidos e bases existentes no espaço extracelular é fraca.1
Nos líquidos corporais e diferentes tecidos existe uma
ampla variação de pH. O pH arterial normal é 7,40, sendo um pouco menor no sangue venoso e interstício
(7,35), devido à quantidade de CO2 que se difunde dos
tecidos. O pH urinário pode variar de 4,5 a 8,0, dependendo do estado ácido-básico do fluido extracelular. No
estômago, a produção de HCl pode reduzir o pH para
0,8.1
Considera-se o pH como normal se estiver entre 7,35 e
7,45. Os limites de pH sanguíneo compatível com a vida
são 6,8 e 8,0.1
Lei de Ação das Massas
A lei de ação das massas estabelece que a velocidade de
uma determinada reação química é proporcional à concentração dos reagentes. Por exemplo, na reação abaixo, a velocidade com que a reação ocorre para a direita ou para a
esquerda é uma constante que depende da concentração
dos substratos.
HPO4 H ↔ H2PO4
Em equilíbrio, são iguais as constantes para cada lado
da equação. Porém, se houver maior quantidade de substrato em um lado, a reação se dirige para o lado oposto. A
lei de ação das massas é útil para descrever a dissociação
de todos os ácidos e bases do organismo. Por exemplo, para
a dissociação de um ácido HA em H A: 7
164
Metabolismo Ácido-Básico
Ka [H] [A]
[HA]
Onde:
Ka constante de dissociação para este ácido (há um valor para cada ácido).
Equação de Henderson-Hasselbalch
A equação que acabamos de ver pode ser reorganizada, originando a equação de Henderson-Hasselbalch, que
quando aplicada ao sistema tampão ácido carbônico-bicarbonato, um dos mais importantes de nosso organismo,
define a relação entre pH, PCO2 e HCO3. Neste caso, pK é
a constante de dissociação do ácido carbônico. Fica assim
demonstrado que o pH do sangue é determinado pela concentração de bicarbonato e tensão de CO2.6,7
log [HCO3]
pH pK log [H2CO3]
Eletroneutralidade
É o princípio segundo o qual não pode haver acúmulo
de quantidades significativas de cargas elétricas em sistemas biológicos, pois isto geraria diferenças muito altas de
potencial elétrico nos tecidos. Então, ao ser absorvido um
cátion, é necessário que seja reabsorvido um ânion, ou eliminado outro cátion, de forma que resulte o mesmo número de cargas positivas e negativas.8
METABOLISMO ÁCIDO-BÁSICO
O metabolismo de gorduras e carboidratos origina CO2
e H2O. Aproximadamente 20.000 mEq de CO2 são produzidos diariamente. Ao observar a reação abaixo, percebe-se
que se o CO2 não fosse eliminado, a reação se dirigiria no
sentido de produção do H2CO3, que se dissociaria e aumentaria a quantidade de hidrogênio no organismo, resultando
em acidose. A eliminação do CO2 é realizada pelos pulmões;
por este motivo o CO2 é chamado de ácido volátil.2
CO2 H2O ↔ H2CO3 ↔ H HCO3
Além da produção de ácido volátil, são produzidos
outros ácidos em nosso metabolismo. A dieta ocidental
contém aminoácidos e outras substâncias ácidas. Por exemplo, o cloreto de lisina é metabolizado em ácido clorídrico
e uréia; a hidrólise de proteínas e ácidos nucléicos forma
ácido fosfórico, e a oxidação de aminoácidos que contêm
enxofre gera ácido sulfúrico. Desta forma, produz-se uma
carga ácida diária da ordem de 1 mEq/kg/dia. Além disso, a oxidação incompleta da glicose pode originar 20-30
mEq de ácidos orgânicos por dia.9
A produção endógena de ácidos é um processo normal,
mas pode estar aumentada na presença de certas influências hormonais, substratos exógenos ou interrupção das
vias de controle. Alguns estados patológicos se caracterizam por um aumento significativo na produção de ácidos
orgânicos, como os cetoácidos formados no diabetes melito descompensado, alcoolismo ou jejum prolongado. Drogas e toxinas podem acelerar a produção de ácidos orgânicos, como o ácido fórmico a partir do metanol; ácido
oxálico a partir do etilenoglicol, e ácido salicílico a partir
da aspirina. Outro mecanismo para acúmulo de ácido ocorre quando seu metabolismo e excreção estiverem comprometidos. Exemplo disso é o acúmulo de ácido láctico, caso
sua conversão para glicose (ciclo de Cori) seja interrompida por algum motivo; como o tecido muscular produz
imensas quantidades deste ácido todos os dias, ele rapidamente se acumularia.9 Ao contrário do CO2, que pode ser
eliminado pelos pulmões, os demais ácidos são denominados ácidos não-voláteis ou fixos e devem ser eliminados
pelo rim.
Além do ganho diário de ácidos voláteis e não-voláteis,
nosso organismo também deve compensar as perdas fisiológicas de substâncias alcalinas, de cerca de 20-30 mEq de
bicarbonato por dia. Em algumas doenças diarréicas, esta
perda pode aumentar dez vezes.1
Frente a todos estes dados, percebemos que existe em
nosso organismo uma predominância de mecanismos que
levam a um excesso de ácidos. A manutenção de um pH
normal nos fluidos corporais frente a uma carga ácida requer a integração de mecanismos fisiológicos que impedem
que haja variações muito intensas na concentração de hidrogênio.
A primeira linha de defesa que atua na manutenção de
um pH fisiológico frente à adição de ácidos são os tampões
(bicarbonato e outros tampões extracelulares), que agem
instantaneamente. Já a segunda linha de defesa envolve o
sistema respiratório e consiste na variação da PCO2 de acordo com a [H] em minutos a horas. Por último, há a terceira linha de defesa, que envolve o sistema renal através do
controle da concentração de bicarbonato. A eficácia máxima deste último sistema é atingida 24 a 48 horas após o
início do desequilíbrio.2,10
Desta maneira, e voltando à equação de HendersonHasselbalch, podemos compreender que o organismo atua
na normalização do pH atuando nas variáveis que determinam o pH: PCO2 e HCO3.
O desvio do pH arterial abaixo de 7,35 ou acima de 7,45
é referido como acidemia e alcalemia, respectivamente. Os
processos que tendem a reduzir ou elevar o pH são chamados acidose e alcalose. Desta maneira, poderemos ter
quatro alterações primárias do estado ácido-básico:
1. acidose metabólica: quando o HCO3 diminuir, ou quando a concentração de H aumentar;
2. alcalose metabólica: quando o HCO3 estiver elevado ou
quando ocorrer uma perda de H;
165
capítulo 11
3. acidose respiratória: quando ocorrer um aumento na
PCO2;
4. alcalose respiratória: quando a PCO2 for reduzida.
Porém, há situações em que duas ou mais anormalidades estão presentes, caracterizando os distúrbios ácidobásicos mistos.2
Pontos-chave:
• Os ácidos voláteis e não-voláteis,
produzidos diariamente, são eliminados
pelos pulmões e rins, respectivamente
• pH normal 7,35-7,45. Para preservar as
funções celulares, variações de pH devem
ser corrigidas, através das seguintes linhas
de defesa:
1.ª (instantânea): Sistemas tampão
2.ª (minutos): Componente respiratório
3.ª (horas a dias): Componente renal (lento)
SISTEMAS TAMPÃO
A manutenção de um pH relativamente constante no
organismo se deve à integração renal-respiratória, já mencionada, e à atuação de sistemas tampão (componente
químico), que minimizam as variações de pH conseqüentes a uma carga ácida ou alcalina.
Os sistemas tampão são de modo geral formados por ácidos fracos (e o sal correspondente ou base), que não se dissociam completamente e, portanto, têm a capacidade de receber ou doar H quando a concentração de H se altera. Por
exemplo, quando um ácido forte é introduzido no sangue, ele
se dissocia completamente e aumenta a concentração de H. Ao
entrar em contato com o sistema tampão, o hidrogênio
dissociado do ácido forte liga-se ao sal do sistema tampão,
reduzindo a atividade de H. Assim, o ácido forte é substituído por um ácido fraco, de dissociação menos intensa.1,11
Ácido forte base fraca ↔ sal neutro ácido fraco
Exemplo: HCl Na2HPO4 ↔ NaCl NaH2PO4
Ao acrescentar uma base forte a um sistema tampão, ela
é substituída por seu sal de base e um ácido fraco.1,11
Base forte ácido fraco ↔ base fraca água
Exemplo: NaOH NaH2PO4 ↔ Na2HPO4 H2O
A capacidade do sistema tampão em resistir às alterações do pH é dependente da concentração e do pK do sistema tampão (Fig. 11.1). Quanto mais próximo do pK do
sangue estiver o pK do tampão, maior será a sua capacidade de tamponamento.
Quando se adiciona ácido (H) ao organismo, parte dele
é tamponada quimicamente no líquido extracelular, e parte
Fig. 11.1 Alteração no pH de uma solução tampão, à medida que
um ácido é adicionado à solução. Observem que, quando o tampão estiver 50% livre e 50% combinado com H (pK do tampão),
haverá pouca alteração do pH. Portanto, o tampão será mais eficiente em soluções com um pH nesta faixa. (Obtido de Makoff,
D.L.49)
difunde-se para dentro das células (Fig. 11.2). Aproximadamente 60% são tamponados nas células e nos ossos, num
processo que envolve troca de H por Na ou K. Os 40%
restantes são tamponados no líquido extracelular pelos
tampões existentes. Quando se adiciona uma substância
alcalina, aproximadamente 70% são tamponados em líquido extracelular e o restante nas células.12 O movimento de
H, OH ou HCO3 através da membrana celular é importante para o tamponamento de variações de pH que ocorrem no extracelular ou intracelular.10
No organismo, os seguintes sistemas tampão são importantes: bicarbonato, proteínas plasmáticas (extracelulares)
e hemoglobina, fosfato, complexos organofosfatados, amônio, proteínas intracelulares e cristais de apatita do osso.
De acordo com o princípio iso-hídrico, todos os tampões em
uma solução estão em equilíbrio com a mesma concentração de hidrogênio. Estes vários sistemas tampão não agem
isoladamente; eles atuam ao mesmo tempo, cada qual com
seu pK e concentração. Quando ocorre uma variação na
concentração de hidrogênio, ocorrem modificações em
todos os sistemas tampão. Qualquer condição que modifique o equilíbrio de um sistema tampão altera o equilíbrio
de todos os outros.1,8
Sistema Tampão Ácido CarbônicoBicarbonato
É o principal sistema tampão do organismo. Observe que
as reações químicas deste sistema tampão obedecem à quantidade existente de substrato e acontecem ao mesmo tempo
no sangue e nos túbulos renais. Quando íons H são adici-
166
Metabolismo Ácido-Básico
Fig. 11.2 Mecanismos de defesa frente a um excesso de ácido. Quando ocorre alcalose, as reações se processam em sentido inverso.
(Obtido de Makoff, D.L.49)
onados ao organismo, combinam-se com o HCO3 do plasma, formando H2CO3, que se dissocia em água e CO2, o qual
pode ser removido pelos pulmões. Neste sistema, o pH do
líquido extracelular é controlado pela eliminação ou recuperação de HCO3 pelos rins e remoção de CO2 pelos pulmões.
H HCO3 ↔ H2CO3 ↔ CO2 H2O
Devido à sua importância no equilíbrio ácido-básico, o
sistema tampão ácido carbônico-bicarbonato será abordado em mais detalhe ao longo deste capítulo.
Proteínas Plasmáticas
As proteínas e aminoácidos do sangue e intracelulares
são tampões importantes, pois possuem grupos químicos
capazes de receber ou liberar H, comportando-se como
ácidos ou bases. As proteínas possuem numerosos grupos
carboxila (COOH), que podem perder um próton e formar COO. Também apresentam grupos amino (NH2),
que podem receber um próton e formar NH3.10 A ação
tamponante de uma proteína pode ser vista na Fig. 11.3.
A carga elétrica das proteínas varia com o pH do extracelular. Para uma determinada proteína, a carga é determinada pelo equilíbrio entre seus grupos de carga negativa e positiva. Uma proteína pode ser caracterizada pelo seu
ponto isoelétrico, isto é, o pH em que não apresenta cargas negativas. Para as proteínas plasmáticas, o ponto isoelétrico está em torno de 5,1-5,7, ou seja, bem abaixo do pH
normal de nosso organismo. Por isso, de modo geral as
proteínas plasmáticas se comportam como poliânions.10
A albumina realiza uma parte significativa da ação
tamponante do plasma que não é executada pelo bicarbonato, pois há vários grupos imidazol em sua molécula. Sua
capacidade tamponante é superior à da globulina.10
Fig. 11.3 Representação esquemática da ação tamponante de uma proteína.
167
capítulo 11
As proteínas localizadas no espaço intracelular também
contribuem para o tamponamento do H. Por exemplo, as
proteínas intracelulares do músculo esquelético colaboram
com 60% do tamponamento não realizado por bicarbonato, sendo os 40% restantes realizados por fosfatos orgânicos e inorgânicos.10
Hemoglobina
A hemoglobina é responsável pela maior parte do tamponamento plasmático não realizado pelo bicarbonato,
devido à sua alta concentração nas hemácias e sua grande
capacidade de tamponamento, por possuir vários grupos
ácidos ou básicos em sua molécula: carboxila (COOH),
amino (NH2), amônia (NH3).
O CO2 proveniente do metabolismo tissular difunde-se
para dentro das hemácias. A hemoglobina reduzida, presente ao nível tecidual, tem máxima afinidade por radicais
ácidos, favorecendo a captação e o transporte de CO2. Dentro das hemácias, apenas uma pequena parte do CO2 permanece dissolvida. A maior parte do CO2 que adentra a
célula sofre hidratação, por ação da anidrase carbônica
(presente em grandes quantidades nas hemácias), formando H2CO3, que se dissocia em H e HCO3. O hidrogênio
assim liberado é tamponado por grupos amino da hemoglobina, a qual se transforma em H-Hb. 10
CO2 H2O ↔ H2CO3 ↔ H HCO3
앖
anidrase carbônica (AC)
Com o aumento da concentração intra-eritrocitária de
bicarbonato, este se difunde para o plasma devido ao gradiente de concentração. Portanto, é nas hemácias que se
forma parte do bicarbonato plasmático. Com a saída de
HCO3, o Cl adentra a célula, a fim de manter a eletroneutralidade.10
Pontos-chave:
• Tampões são substâncias capazes de doar
ou receber íons hidrogênio, atenuando
variações de pH
• Os principais tampões existentes em nosso
organismo são:
Bicarbonato
Proteínas plasmáticas e intracelulares
Hemoglobina
Ossos
• Cerca de 95% dos ácidos voláteis são
tamponados no intracelular. Dos ácidos
fixos, 50% são tamponados no intracelular e
50% no extracelular
No sangue que transita pelos pulmões, a reação química anterior sofre uma inversão, e o CO2 é eliminado.10
Tamponamento nos Ossos
Os ossos contêm cerca de 60% do CO2 do organismo,
sendo a maior parte sob a forma de carbonato, formando
complexos com cálcio, sódio e outros cátions. O restante
existe sob a forma de bicarbonato, associado à hidroxiapatita. Existem evidências demonstrando que na acidose crônica (como na insuficiência renal crônica) a necessidade de
tamponamento leva à dissolução óssea, com liberação de
tampões fosfato e carbonato, num mecanismo possivelmente mediado pelo paratormônio.10
CONTROLE RESPIRATÓRIO
DA PCO2
A segunda linha de proteção contra distúrbios ácidobásicos é o controle da concentração de CO2 pelos pulmões.
A equação de Henderson-Hasselbalch demonstra que a
variação da PCO2 através da respiração é uma importante
maneira de normalizar o pH. Assim, quando há aumento
da concentração de H, este se combina com o bicarbonato, formando ácido carbônico (H2CO3), que se dissocia em
H2O e CO2. O CO2 continuamente produzido pelo metabolismo e resultante das reações dos sistemas tampão é
rapidamente eliminado pelos pulmões.
H HCO3 ↔ H2CO3 ↔ H2O CO2 씮 respiração
앖
metabolismo
Além disso, a ventilação alveolar é estimulada ou inibida por variações na [H]. Quando a concentração hidrogeniônica está elevada, o centro respiratório é estimulado,
aumentando a amplitude dos movimentos respiratórios
(hiperventilação alveolar), eliminando mais CO2. Uma inibição do centro respiratório (hipoventilação alveolar) ocorre se a concentração de hidrogênio está baixa, por um
mecanismo de feedback.1
CONTROLE RENAL DO
EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO
Apesar da eficiência dos sistemas tampão e do controle
respiratório, estes mecanismos proporcionam proteção
temporária, minimizando alterações do pH quando ácidos
fortes ou bases são adicionados ao organismo, ou quando
a concentração de CO2 se altera.
Um mecanismo mais duradouro é realizado pelos rins,
através da reabsorção de quase todo o bicarbonato filtrado e recuperação do HCO3 que foi consumido no proces-
168
Metabolismo Ácido-Básico
Fig. 11.4 Filtração, reabsorção e excreção de bicarbonato de acordo com a concentração plasmática. Observem que todo o bicarbonato será reabsorvido quando a concentração plasmática for inferior a 25-26 mM/L. (Modificado de Pitts, R.F.50)
so de tamponamento de ácidos fixos. Este último processo é obtido através da excreção de uma quantidade equivalente de H na urina.3 Para cada molécula de bicarbonato consumida, o rim reabsorve ou regenera uma nova
molécula de bicarbonato.8 A urina torna-se ácida pela reabsorção das substâncias alcalinas ou pela adição de ácido ao
fluido tubular.13
Reabsorção Tubular do
Bicarbonato Filtrado
Como o sódio e outros solutos, o bicarbonato é filtrado
livremente pelo glomérulo. Em adultos, cerca de 4.500 mEq
de bicarbonato são filtrados por dia. Se houvesse perdas
de bicarbonato, mesmo que pequenas em relação ao total,
os estoques seriam rapidamente esgotados. Isto é evitado
pela existência de uma grande avidez tubular pela reabsorção de bicarbonato, que ultrapassa 99,9% do bicarbonato filtrado, ou seja, apenas 2 mEq de bicarbonato são excretados por dia.3
Secreção Tubular de H
Os estudos de Pitts e colaboradores na década de 1940
demonstraram que grande parte do ácido excretado chega até a urina não por filtração glomerular, e sim por secreção tubular. Dentro das células tubulares, a água está
em equilíbrio com o H e OH. O hidrogênio é secretado
para a luz tubular principalmente por dois mecanismos:
1) Através de um processo ligado à entrada passiva de
sódio filtrado para a célula (troca Na / H)13,14 e 2) Através de um processo ativo por uma bomba iônica (H-ATPase). A presença e importância de cada um desses mecanis-
mos na secreção de H varia nos diferentes segmentos tubulares. Nos ductos coletores há um terceiro mecanismo,
por meio de uma bomba H-K-ATPase.3
A maior capacidade secretora de H ocorre no túbulo
proximal (80-90%), alça de Henle e túbulo contornado distal (10-20%), e apenas uma pequena fração no túbulo coletor. No entanto, os segmentos proximais conseguem pequenas alterações de pH urinário; as maiores alterações são
obtidas no ducto coletor.
Vários fatores interferem com a secreção de hidrogênio
na luz tubular, como a PCO2, níveis de potássio e hormônios adrenais. A secreção de hidrogênio aumenta quando
há retenção de CO2. Se a PCO2 cair, aumenta o pH intracelular e diminui a secreção de H.
O potássio também interfere na secreção de H. Quando existe depleção de potássio, ocorre aumento na concentração intracelular de H, com aumento de sua secreção e
da reabsorção de bicarbonato. Quando existe excesso de
potássio, diminuem a concentração intracelular e a secreção de hidrogênio, diminuindo também a reabsorção de
bicarbonato.
A elevação dos níveis circulantes de hormônios adrenais
leva a um aumento na reabsorção de HCO3 principalmente em presença de deficiência de potássio. Quando não há
déficit de potássio, a aldosterona parece atuar apenas nas
porções mais distais do nefro, aumentando sua capacidade de secretar H. Aldosterona causa expansão do extracelular, diminuindo sua capacidade de reabsorção proximal de HCO3 e contrabalançando o aumento que causa
na secreção distal de H. Então, em presença de potássio
normal, não há nem alcalose nem acidose. Porém, quando
há hipocalemia, o déficit de potássio aumenta a reabsorção proximal de bicarbonato, suplantando o efeito supressor da expansão do extracelular sobre a reabsorção do
capítulo 11
mesmo, e ainda secretando mais hidrogênio. Como resultado, estabelece-se uma alcalose metabólica.
Outro fator que interfere com a secreção do H é a presença de ânions não-reabsorvíveis em alta concentração no
túbulo distal, como carbenicilina e penicilina. Isto aumenta o fluxo e a eletronegatividade intraluminal, favorecendo a secreção de hidrogênio e potássio, resultando em alcalose metabólica.15,16
Uma vez na luz tubular, o hidrogênio secretado se combina com HCO3 filtrado, formando H2CO3, que é convertido em CO2 e H2O. No túbulo proximal e ramo ascendente espesso da alça de Henle (mas não em segmentos mais
distais), esta reação ocorre em milissegundos, sob influência da anidrase carbônica, que é uma enzima presente na
membrana luminal das células e que não existe no fluido
tubular. A anidrase carbônica é encontrada na porção contornada do túbulo proximal, porção ascendente espessa da
alça de Henle e túbulo contornado distal. A inibição desta
enzima (p.ex., pela acetazolamida) bloqueia a reabsorção
de bicarbonato e acidificação urinária.
O CO2 assim formado dentro do lúmen se difunde para
dentro da célula, onde se combina com o OH que resulta
da dissociação da água, e novamente, sob ação da anidrase carbônica, forma-se HCO3. O HCO3 então se difunde
passivamente para o fluido peritubular e sangue. Em muitos segmentos do nefro o HCO3 atravessa a membrana
basolateral por difusão facilitada, acompanhando o Na
(por um co-transportador), ou em troca por Cl. Apesar de
que algum Na que acompanha o HCO3 então atravesse
a célula passivamente, a maior parte é transportada ativamente para o fluido peritubular e sangue, pela bomba NaK-ATPase. Assim, para cada H secretado um HCO3 retorna ao fluido peritubular e sangue, e praticamente todo
o bicarbonato filtrado é recuperado. Note que este não é
um mecanismo puro de secreção de hidrogênio, pois o CO2
Fig. 11.5 Mecanismo de reabsorção do bicarbonato filtrado. Ver
o texto. (Adaptado de Valtin, H.; Schafer, J.A.3)
169
formado dentro dos túbulos pelo H secretado retorna à
célula, formando mais H por hidroxilação. Até aqui, não
houve secreção verdadeira de hidrogênio.3
Como se observa na Fig. 11.5, a maior parte da reabsorção de bicarbonato (70-85%) ocorre nos segmentos iniciais
do túbulo proximal e proporções variáveis na alça de Henle, túbulo distal e ducto coletor. 3
Fatores que Influenciam na Reabsorção
do Bicarbonato Filtrado
A proporção de bicarbonato que retorna ao sangue é
afetada por fatores que interagem entre si, como: a) quantidade de bicarbonato apresentada aos túbulos; b) estado
do espaço extracelular; e c) PCO2 arterial. É possível que
estes fatores alterem a reabsorção de bicarbonato principalmente através de modificações na ativação ou no número de trocadores Na/K e H-ATPases. Alguns hormônios e substâncias vasoativas (paratormônio, hormônios
adrenais, angiotensina II, catecolaminas e dopamina) afetam a reabsorção de bicarbonato, através de mecanismos
ainda não muito compreendidos. Outros fatores, como a
deficiência de potássio e cloro, exercem influência importante apenas em presença de doença.3
1) A quantidade de bicarbonato filtrado e apresentado
aos túbulos varia de acordo com a concentração plasmática de bicarbonato e a taxa de filtração glomerular. Se as outras variáveis estiverem constantes (p.ex.,
o volume do extracelular), a quantidade de bicarbonato reabsorvido é quase igual à quantidade filtrada.
O mecanismo deste efeito ainda não está esclarecido,
mas a taxa de reabsorção parece estar ligada à reabsorção de sódio, principalmente no túbulo proximal.
Isto pode ser em parte decorrente da necessidade de
conservar sódio e manter o espaço extracelular.3,13
2) Efeito do volume do extracelular: quando o volume
está bastante expandido, ocorre diminuição da reabsorção de bicarbonato filtrado; o oposto ocorre quando o extracelular está contraído. Novamente, o mecanismo parece estar ligado a modificações na reabsorção de sódio impostas pelas variações no volume
extracelular.3
3) Influência de modificações prolongadas na PCO2:
quando ocorre diminuição da PCO2 (como, por exemplo, por hiperventilação crônica), a reabsorção do
bicarbonato diminui; quando há elevação da PCO2,
aumenta a reabsorção de bicarbonato. Dois mecanismos parecem estar envolvidos nesta variação de reabsorção: a) mudança na quantidade de bicarbonato
filtrado e apresentado aos túbulos (isto só ocorre em
distúrbios crônicos, pois, nos agudos, a concentração
plasmática de bicarbonato muda muito pouco); e b)
efeito direto da PCO2 sobre a atividade da H-ATPase e H-K-ATPase.3
170
Metabolismo Ácido-Básico
Como já foi mencionado, a dieta ocidental rica em proteínas produz vários ácidos não-voláteis (fixos), como o
ácido sulfúrico, fosfórico e ácidos orgânicos. Estes ácidos
são tamponados nos seguintes tipos de reação:
2 H SO4 2 Na 2 HCO3
↔ 2 Na SO4 2 H2O 2 CO2
2 H HPO4 2 Na 2 HCO3
↔ 2 Na HPO4 2 H2O 2 CO2
Nestes exemplos, o CO2 assim produzido é eliminado
pelos pulmões, e os dois sais neutros, Na2SO4 e Na2PO4, são
filtrados pelo glomérulo. Se estes sais fossem excretados
pela urina, o organismo ficaria em déficit de bicarbonato
de sódio (NaHCO3), o principal tampão extracelular utilizado na neutralização dos ácidos fixos. Os rins evitam este
déficit de bicarbonato de sódio através da excreção de NH4
e de acidez titulável. Em ambas as operações, o bicarbonato recém-formado nas células tubulares renais é absorvido para o sangue peritubular, juntamente com o sódio que
foi filtrado.3
Fig. 11.6 Mecanismo de formação de acidez titulável. Ver o texto. (Adaptado de Valtin, H.; Schafer, J.A.3)
Excreção de Amônio (NH4)
Excreção de Acidez Titulável (AT)
Se considerarmos uma urina com pH de 5,2, podemos
adicionar a ela uma substância alcalina até que seu pH se
iguale ao pH do sangue, ou seja, 7,4. A quantidade de
substância alcalina (em ml) necessária para titular a urina até se igualar ao pH do sangue é equivalente à quantidade de H ligada aos tampões filtrados. Esta quantidade de ácido assim excretada é calculada e denominada acidez titulável.
Com a reabsorção de bicarbonato, a urina nos túbulos
renais se torna ácida. O hidrogênio secretado para a luz
tubular se combina com outros tampões que foram filtrados. Como parte deste último processo, o sal neutro
Na2HPO4 é convertido no sal ácido NaH2PO4, principal
maneira de excreção de acidez titulável. Outros tampões
filtrados, como ânions orgânicos, citrato, acetato e 3-hidroxibutirato, são também titulados, mas de modo geral contribuem pouco para a AT, devido à sua baixa concentração e baixo pK.3
O esquema de formação da AT urinária é mostrado na
Fig. 11.6 (note as semelhanças com a Fig. 11.5). A principal
reação que gera o hidrogênio secretado parece ser a dissociação da água; o OH que é simultaneamente liberado se
combina com o CO2 intracelular, sob ação da anidrase carbônica. Forma-se HCO3, que é adicionado ao fluido peritubular e sangue. No lúmen tubular, o H secretado se
combina com Na e HPO4, formando NaH2PO4, que é
excretado como ácido titulável na urina. Estas reações ocorrem no túbulo proximal, túbulo distal e ductos coletores.
O efeito aqui obtido é reabastecer o sangue com um bicarbonato para cada bicarbonato consumido no processo de
tamponamento de um ácido fixo.3
Se a formação de acidez titulável fosse o único mecanismo para excretar H, a quantidade de hidrogênio eliminado na urina seria muito limitada pela quantidade de fosfato e outros tampões que são filtrados. A observação de
que na acidose existe um aumento não só da AT mas também do NH4 na urina gerou a hipótese de que o NH4
pudesse constituir um mecanismo adicional. Note que o
amônio aparece na urina sob forma de sais neutros (p.ex.,
cloreto de amônio — NH4Cl), o que serve para excretar H
sem uma maior diminuição no pH urinário.3
O provável mecanismo para a excreção de NH4 é demonstrado nas Figs. 11.7 e 11.8. Este processo consta de três
etapas: 1) produção e secreção de NH4 nos túbulos proximais; 2) mecanismo de contracorrente multiplicador de
NH4 nas alças de Henle, resultando no desenvolvimento
de um gradiente corticopapilar para NH4/ NH3 dentro do
interstício medular; e c) difusão não-iônica de NH3 para
dentro dos ductos coletores.3
PRODUÇÃO PROXIMAL E SECREÇÃO DE NH4ⴙ
Esta primeira etapa ocorre predominantemente nas células tubulares proximais, onde a deaminação da glutamina produz dois íons NH4 e um íon de alfa-cetoglutarato.
O metabolismo do último para glicose, ou para CO2 e água,
produz dois novos íons HCO3. Assim como na excreção
de AT, esta reação adiciona um HCO3 para cada H que
é excretado — neste caso, como parte do NH4. O sódio que
acompanha o HCO3 pode adentrar o fluido peritubular
através da Na-K-ATPase ou via co-transportador HCO3.
Em muitas circunstâncias, o NH4 produzido no túbulo
proximal é responsável por quase todo o NH4 excretado
na urina.3 É importante lembrar que nos quadros de aci-
capítulo 11
171
Nos segmentos ascendentes delgados a reabsorção de
NH4 pode ser passiva. A secreção de NH4 nos ramos
descendentes pode ocorrer mais por secreção paralela de
H e NH3 do que por secreção de NH4. O efeito final é o
mesmo, e a conseqüência importante é que a concentração
intersticial de amônia total (isto é, NH4 e NH3) se eleva
com a proximidade da papila.3
SECREÇÃO DE AMÔNIA NOS
DUCTOS COLETORES (NH3)
Fig. 11.7 Produção de amônio (NH4) nos túbulos proximais, a
partir da glutamina. (Adaptado de Valtin, H.; Schafer, J.A.3)
dose metabólica há um aumento significativo na produção de NH3 a partir da glutamina, tornando-se a molécula de NH4 o principal meio de excreção dos íons H na
urina. Além disso, a hipocalemia aumenta a produção de
NH4, levando a uma maior secreção de H para o lúmen
tubular.
GRADIENTE INTERSTICIAL CORTICOPAPILAR
PARA NH4ⴙ/NH3
Nas alças de Henle, há um mecanismo contracorrente
multiplicador de NH4 que produz um gradiente para
NH4/NH3 no interstício medular. Nos segmentos ascendentes espessos, o NH4 é reabsorvido principalmente por
transporte ativo secundário, substituindo o K no co-transportador Na:K:2Cl que se localiza na membrana apical.
O segmento distal dos túbulos coletores e o ducto coletor são constituídos por pelo menos dois tipos principais de
células, uma das quais, a célula intercalada alfa, secreta H
mas não reabsorve Na. Nesta célula, o H que é derivado
da dissociação da água é secretado na luz tubular por dois
co-transportadores, H-ATPase e H-K-ATPase. O H secretado se combina com o NH3 para formar NH4, que é
então excretado sob a forma de sais neutros, como o NH4Cl
ou (NH4)2SO4. O NH3 pode difundir-se passivamente do
interstício onde é gerado pelo mecanismo de contracorrente multiplicador, através da célula, para a luz tubular.3
O HCO3 formado pela dissociação da água cruza a membrana basolateral para o fluido peritubular por difusão facilitada, através de um trocador HCO3/Cl. Então, como
na excreção de AT e com o mecanismo do NH4 dos túbulos proximais, o resultado da reação nos ductos coletores é
a recuperação de um HCO3 para cada H que é excretado,
ou seja, exatamente o que é preciso após um HCO3 ter sido
consumido no tamponamento de um H adicionado. O sódio filtrado é reabsorvido pelas células principais.3
DIFUSÃO NÃO-IÔNICA
A amônia (NH3) é um gás que atravessa a membrana
celular com grande facilidade, por ser lipossolúvel, e pode
Fig. 11.8 Produção de amônio nas células intercaladas alfa dos ductos coletores. (Adaptado de Valtin, H.; Schafer, J.A.3)
172
Metabolismo Ácido-Básico
difundir-se do interstício para o lúmen tubular. Praticamente todo o NH3 que se difunde é transformado em NH4,
pois o fluido tubular é ácido. Quanto mais ácida for a urina, maior é esta transformação. Devido à impermeabilidade do segmento, o NH4 formado não pode difundirse novamente através do epitélio, e então tem que ser excretado. Mais de 98% da amônia total (NH3 NH4) estão sob a forma de NH4, pois o pH urinário está na faixa
de 4,4-7,4.3
A excreção ácida total corresponde à soma da acidez
titulável e amônio urinário, menos o bicarbonato restante
na urina (AT NH4 HCO3 urinário).17
Ponto-chave:
• O controle renal do equilíbrio ácido-básico é
realizado através dos seguintes
mecanismos:
Reabsorção do HCO3 filtrado
Regeneração de HCO3 através da excreção
de H ligado a tampões (AT) e na forma de
amônio (NH4)
DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO
METABOLISMO ÁCIDO-BÁSICO
O estado ácido-básico é avaliado através da gasometria,
e não há diferenças significativas entre uma amostra arterial ou venosa com relação ao pH, bicarbonato e PCO2. No
sangue arterial, porém, é possível avaliar também as variáveis de oxigenação, como a PO2 e a saturação arterial de
oxigênio, que permitem considerações sobre a ventilação
do paciente. Tomar o cuidado de não utilizar garrote e
heparinizar a seringa adequadamente. Após a coleta do
sangue, homogeneizar o conteúdo, eliminar as bolhas de
ar e vedar a seringa, encaminhando a amostra imediatamente para laboratório ou mantendo-a refrigerada até o
momento da análise. A demora em processar a amostra
promove o consumo de oxigênio e a produção de CO2,
modificando os resultados.18,19
Como mencionamos há pouco, a observação da equação
de Henderson-Hasselbalch indica que quatro distúrbios
primários do metabolismo ácido-básico podem ocorrer: acidose metabólica, acidose respiratória, alcalose metabólica e
alcalose respiratória. Em princípio, pode parecer que o diagnóstico de anormalidade metabólica ou respiratória pode ser
feito apenas conhecendo-se o bicarbonato plasmático e a
PCO2, respectivamente. Em realidade, isto não é possível,
pois cada distúrbio ácido-básico primário produz uma reação compensatória secundária. Além das reações compensatórias normais, podem surgir distúrbios ácido-básicos
mistos, como veremos nas próximas seções.
Acidose Metabólica
A acidose metabólica é um distúrbio em que há elevação na concentração de hidrogênio, gerando pH baixo no
fluido extracelular. O bicarbonato encontra-se diminuído,
por estar sendo consumido no tamponamento do excesso
de ácido (H). O hidrogênio em excesso estimula o centro
respiratório, provocando hiperventilação como mecanismo compensatório, eliminando mais CO2.19
CAUSAS
A acidose metabólica pode ser resultado de um aumento
na produção ou diminuição na excreção renal de ácido, ou
ainda, perda de bicarbonato (v. Quadro 11.1).
Produção Aumentada de Ácido
Quando existe aumento na produção de ácidos, pode ocorrer acidose grave, causando significativa diminuição no bicarbonato plasmático. São exemplos disso a acidose láctica, a
cetoacidose diabética ou alcoólica e a intoxicação por algumas
drogas (como, por exemplo, o ácido acetilsalicílico).19
ACIDOSE LÁCTICA. O ácido láctico é normalmente
produzido em nosso organismo, sendo quase todo convertido em glicose ou piruvato, no fígado e nos rins. O lactato
acumula-se quando sua produção está aumentada ou sua
utilização diminuída.19
Quadro 11.1 Causas de acidose metabólica
Produção ácida aumentada
a) Acidose láctica
• Hipoperfusão tecidual
• Metformin
• Etilismo
• Doenças malignas
• Infecção por HIV
• Acidose D-láctica
b) Cetoacidose
• Diabetes melito
• Etilismo
c) Toxinas ingeridas
• Aspirina
• Etilenoglicol
• Metanol
Perda de bicarbonato pela urina ou fezes
a) Diarréia
b) Fístulas pancreáticas, biliares
c) Acidose tubular renal proximal (tipo 2)
Redução na excreção renal de ácido
a) Insuficiência renal
b) Acidose tubular renal tipo 1
c) Acidose tubular renal tipo 4
(hipoaldosteronismo)
Outras
• Dilucional
Adaptado de Rose, B.D.19
capítulo 11
A produção deste ácido aumenta em situações em que
a oferta de oxigênio para os tecidos é inferior às necessidades, como, por exemplo, na hipoperfusão presente no
choque hipovolêmico, cardiogênico ou séptico. Nestas circunstâncias, além de o piruvato ser preferencialmente convertido a lactato, sua utilização está diminuída, devido às
alterações na perfusão do fígado e rins.19 Menos freqüentemente, a produção de ácido láctico pode aumentar ou seu
metabolismo diminuir, por doenças hepáticas ou deficiências enzimáticas hereditárias.20
O uso de metformin no diabetes melito pode produzir
acidose láctica, principalmente em presença de disfunção
renal, hepática, ou etilismo. Eventualmente, pacientes etilistas apresentam acidose láctica, causada por hipoperfusão ou diminuição da utilização hepática de lactato.21
Nas doenças malignas, o metabolismo anaeróbio que
ocorre dentro de massas celulares mal vascularizadas pode
ocasionar acidose láctica. Em pacientes com SIDA, a acidose láctica está relacionada à doença hepática ou miopatia induzidas pela zidovudina, ou à presença de deficiência de riboflavina.21
A acidose D-láctica ocorre em pacientes submetidos a
bypass jejuno-ileal, ressecção de intestino delgado ou outras causas de síndrome do intestino curto. Nestas situações, na presença de crescimento exagerado de bactérias
anaeróbicas, o cólon converte glicose e amido em ácido Dláctico, que é absorvido pela circulação. A desidrogenase
L-láctica, que metaboliza o L-lactato fisiológico em piruvato, não atua sobre o ácido D-láctico. Os pacientes apresentam anormalidades neurológicas após sobrecarga de
carboidratos.22
CETOACIDOSE. A cetoacidose diabética é uma desordem em que a deficiência de insulina e o excesso de glucagon produzem aumento da síntese hepática de cetoácidos,
principalmente ácido beta-hidroxibutírico e ácido acetoacético.19
O jejum prolongado também pode produzir cetoacidose, mas de modo geral os ácidos gerados não consomem
mais do que 3-4 mEq de bicarbonato/litro. Em etilistas, a
associação de um aporte deficiente de carboidratos com os
efeitos do álcool inibindo a gliconeogênese e estimulando
a lipólise também pode produzir cetoacidose. A presença
de diabetes agrava esta condição.23
INGESTÃO DE TOXINAS. Em nosso organismo, o
ácido acetilsalicílico é convertido em ácido salicílico. A
intoxicação por altas doses deste ácido produz acidose
metabólica devido à interferência com o metabolismo oxidativo, levando ao acúmulo de ácidos orgânicos, como o
lactato e cetoácidos. Em doses menores, o ácido acetilsalicílico pode induzir alcalose respiratória, por estimulação
direta do centro respiratório.19,24
A intoxicação pelo metanol produz um quadro característico de sintomatologia do sistema nervoso central, ocular e abdominal. Agudamente os pacientes apresentam sintomas de embriaguez, confusão mental, dor abdominal e
173
vômitos, podendo evoluir com pancreatite. As alterações
oculares, como hiperemia conjuntival, diplopia e amaurose, acompanham-se de alteração da fundoscopia, que demonstra neurite óptica. O metabolismo do metanol produz
ácido fórmico, responsável pela acidose.24,25
O etilenoglicol está presente em produtos anticongelantes
e fluido de radiador, e é também utilizado em algumas etapas na indústria de bebidas. O etilenoglicol ingerido é metabolizado em compostos tóxicos, como o ácido oxálico, pela
ação da desidrogenase alcoólica. Estes compostos tóxicos
provocam disfunção neurológica aguda, com ataxia, confusão, convulsões e coma. Nos rins, determinam a deposição
de cristais de oxalato de cálcio e insuficiência renal aguda.25
Perda de Bicarbonato
Para cada molécula de base que é perdida, um próton deixa
de ser tamponado, resultando em acúmulo de ácido fixo.20 A
perda de secreções alcalinas do pâncreas e árvore biliar e as
diarréias induzidas ou não por laxantes podem causar acidose metabólica.19 Na acidose tubular renal proximal ocorre perda de grandes quantidades de bicarbonato.
Redução na Excreção Renal de Ácido
Para que o equilíbrio ácido-básico seja mantido na insuficiência renal, é necessário que ocorram adaptações nos
nefros restantes. Inicialmente, há aumento da excreção de
amônio (NH4) por nefro. Porém, quando a taxa de filtração glomerular cai para menos de 30-40% do normal, começa a haver retenção da carga ácida diária; acidose ocorre quando a massa renal remanescente estiver em torno de
20%. A diminuição da excreção ácida na falência renal é
causada principalmente pela pequena quantidade de
nefros funcionantes. Aumento de PTH, expansão volêmica e diurese de solutos, observados na insuficiência renal,
inibem a reabsorção de bicarbonato. Também ocorre diminuição da produção de amônia (NH3). Como o bicarbonato está sendo consumido, outros tampões acabam sendo
acumulados (sulfato e fosfato).24 Os tampões plasmáticos
são utilizados para neutralizar parte do ácido retido, mas
a principal forma de tamponamento nesta situação é feita
dentro das células e nos ossos.19
As acidoses tubulares do tipo 1 (distal) e 4 (hipoaldosteronismo) são raras. Na ATR tipo 1, o acúmulo de ácido
resulta de uma incapacidade de diminuir o pH urinário
para menos que 5,5-6. O pH urinário alcalino que resulta
impede os mecanismos de produção de acidez titulável e
aprisionamento da amônia no lúmen tubular sob forma de
amônio.19 Na acidose distal tipo 4, a deficiência de aldosterona impede a secreção distal de hidrogênio e potássio,
resultando em acidose metabólica e hipercalemia.18
Outras
Cabe aqui um comentário sobre a acidose dilucional.
Esta acidose, de modo geral discreta, resulta da diluição
174
Metabolismo Ácido-Básico
do bicarbonato plasmático pela infusão rápida de grandes
quantidades de fluido que não contém bicarbonato ou seus
precursores (p.ex., o lactato). Habitualmente a queda no
bicarbonato não ultrapassa 10% e é rapidamente corrigida pelos rins.18,25
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E
EFEITOS SISTÊMICOS
As manifestações clínicas da acidose metabólica dependem da doença primária que está produzindo a acidose e
da velocidade de instalação do distúrbio. Porém, em circunstâncias graves, pode haver sintomas decorrentes da
própria acidose metabólica.
Como já foi mencionado, a acidose metabólica produz
uma hiperventilação, com movimentos respiratórios profundos (respiração de Kussmaul), observada ao exame físico, principalmente quando o pH é menor que 7,20.
Observam-se vômitos, dores pelo corpo e fadiga. Com o
aumento da gravidade da acidose, geralmente com bicarbonato inferior a 10 mEq/litro, observa-se diminuição da
contratilidade miocárdica, dilatação arteriolar, venoconstrição periférica e arteriolar pulmonar. Conseqüentemente há
diminuição do débito cardíaco, hipotensão arterial, diminuição do fluxo sanguíneo para os rins e fígado, maior sensibilidade a arritmias cardíacas e diminuição da responsividade cardiovascular às catecolaminas. A associação destas
manifestações gera um ambiente propício para o desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva.
Há também manifestações neurológicas, com progressiva diminuição do nível de consciência e até coma. Observa-se também maior degradação protéica e redução da
densidade óssea, principalmente nas acidoses crônicas.26
ACHADOS LABORATORIAIS
A acidose metabólica caracteristicamente causa uma
diminuição do pH, diminuição do bicarbonato e diminuição da PCO2. A compensação respiratória se inicia na primeira
hora e se completa em até 24 horas. Esta compensação causa a queda de 1,2 mmHg na PCO2 para cada redução de 1
mEq/litro na concentração de bicarbonato.
[HCO3] 1,2 [CO2]
(podem ser aceitas diferenças de 2 mEq/litro)27
Por exemplo, para um bicarbonato de 18 (redução de 6
em relação ao normal), a hiperventilação deverá trazer a
PCO2 para cerca de 32,8 (PCO2 normal de 40 7,2). Se a
PCO2 estiver maior ou menor que este valor, o paciente tem
um distúrbio misto: além da acidose metabólica, acidose
ou alcalose respiratória, respectivamente.25,27
Pode haver hipercalemia, causada pelo desvio iônico conseqüente à necessidade de tamponamento do excesso de
hidrogênio dentro das células.26 Um íon hidrogênio entra
na célula, mas ao mesmo tempo, para manter a eletroneutralidade, deve sair da célula um outro íon de carga positiva — o potássio, principal cátion do intracelular. Talvez
esta saída do potássio da célula se deva a uma inibição da
bomba Na-K-ATPase celular pela acidose. Ao se corrigir a
acidose, o potássio retorna para dentro das células, pois não
existe mais necessidade de tamponamento intracelular.
Além dos dados da história clínica, uma medida que
auxilia no diagnóstico causal da acidose metabólica é o
cálculo do anion gap (hiato-iônico).28 A necessidade de
manter a eletroneutralidade faz com que o número de cátions no plasma seja igual ao número de ânions. Os cátions são representados principalmente pelo sódio (o potássio não é habitualmente incluído no cálculo, pois sua interferência é pequena), e os ânions, pelo cloro e bicarbonato. Porém, há outros ânions, que não são dosados habitualmente, mas que contribuem para a fração aniônica do
plasma: proteínas, lactato fosfato e sulfato. Esta fração de
ânions é identificada ao se verificar que a soma dos ânions
medidos não é igual à dosagem do sódio.24
Anion gap Na (Cl HCO3)
Utilizando as concentrações normais dos eletrólitos na
fórmula acima (Na 140, HCO3 24, e Cl 105), verificamos que entre cátions e ânions existe uma diferença de
8-16 mEq/litro, e que corresponde aos ânions que não foram medidos (ânions “não mensuráveis”), mas que estão
presentes no plasma e contribuem para contrabalançar as
cargas catiônicas.20,24 Possivelmente os ânions que constituem o hiato iônico sejam os tampões aniônicos do espaço
extracelular. 20
Observe a fórmula do hiato iônico. Se a concentração de
cloro se mantém constante na acidose metabólica, mesmo
havendo queda no bicarbonato (usado no tamponamento
do hidrogênio dissociado), a manutenção da eletroneutralidade se faz à custa do aumento de algum ânion que não
o cloreto.20 Os fosfatos e as proteínas não sofrem variações
rápidas, de forma que existe pequena possibilidade de que
sejam os responsáveis pelo aumento. Então, a eletroneutralidade deve estar sendo mantida pelo aumento de algum
ânion que em condições normais não está presente no plasma. Exemplos disso são: a) lactato, que se acumula na acidose láctica; b) beta-hidroxibutirato na cetoacidose; c) aumento dos ânions sulfato, fosfato e ácidos orgânicos, na
insuficiência renal crônica; d) ácido fórmico na intoxicação
pelo metanol; oxalato e glicolato na intoxicação por etilenoglicol, e lactato e cetonas na intoxicação pelo ácido acetilsalicílico.27 Esse tipo de acidose metabólica, em que o
cloro permanece normal, é chamada de acidose normoclorêmica, ou com anion gap (hiato iônico) aumentado.20,27
Ao contrário, nas acidoses causadas por perda de bicarbonato, como as diarréias, não há retenção de ânions anômalos, e o hiato iônico praticamente não se altera, já que à
medida que diminui o bicarbonato, pela perda intestinal,
aumenta a reabsorção de cloro, para manter a eletroneutralidade. Este tipo de acidose, em que há perda de bicarbonato, com aumento do cloro, é chamada de acidose hiperclorêmica, ou com anion gap normal (v. Fig. 11.10).20
capítulo 11
Fig. 11.9 Relação entre o pH urinário e a excreção de NH3. Observem que, quando o pH urinário diminui, a produção de NH3
aumenta. (Obtido de Pitts, R.F.50)
Alguns autores têm ressaltado o fato de que outros ânions e cátions, medidos rotineiramente ou não, podem alterar o cálculo do hiato iônico, e que, na verdade, o termo
anion gap não é correto. Na verdade, o hiato iônico seria a
diferença entre os ânions e os cátions não mensuráveis (ânions não mensuráveis cátions não mensuráveis). Assim,
fica mais simples compreender o AG aumentado em conse-
175
qüência de hipocalcemia, hipomagnesemia ou hiperalbuminemia na contração de volume, e o AG diminuído em
presença de hipercalemia ou hipoalbuminemia.27 Porém,
rotineiramente, a interpretação tradicional do anion gap é
suficiente. No Quadro 11.2 são observadas as concentrações normais dos cátions e ânions não determinados.
As acidoses metabólicas podem ser classificadas de acordo com o anion gap (v. Quadro 11.3). Esta classificação pode
auxiliar principalmente quando há dificuldade em definir
a causa da acidose metabólica, por exemplo, num paciente comatoso, cuja história clínica se desconhece; o cálculo
do anion gap permite situar entre as causas mais prováveis, possibilitando uma abordagem apropriada para cada
caso.
Além do desvio de potássio originado pela necessidade de manter a eletroneutralidade, os níveis de potássio no
sangue podem fornecer pistas quanto à etiologia da acidose
metabólica. No Quadro 11.4 observa-se a correlação entre
os níveis de potássio e causas de acidose metabólica.
Em algumas situações pode haver sobreposição de causas de anion gap normal ou aumentado. Por exemplo, de
modo geral, a cólera causa acidose com anion gap normal,
como as outras diarréias. Porém, quando esta doença cursa
com hipoperfusão (acidose láctica) e contração de volume
(hiperalbuminemia), o anion gap pode estar aumentado.27
Além destas alterações laboratoriais, a acidose metabólica ocasiona leucocitose, hiperfosfatemia, hiperglicemia e
hiperuricemia. A leucocitose, muitas vezes superior a
25.000 leucócitos, é conseqüente a uma diminuição da
marginação leucocitária, devendo ser excluídos processos
infecciosos subjacentes.24
A acidose láctica hipóxica pode provocar degradação
muscular e hiperfosfatemia. A acidose inibe a ação periférica da insulina, gerando hiperglicemia. A competição de
ânions orgânicos e uratos pela secreção leva a um aumento dos níveis de ácido úrico no sangue.24,26
Fig. 11.10 Classificação da acidose metabólica de acordo com o anion gap. (Adaptado de Adrogué, H.J.; Madias, N.E. In: Schrier, R.
Atlas of Kidney Diseases on line — www.HDCN.com)
176
Metabolismo Ácido-Básico
Quadro 11.2 Concentrações normais dos cátions e
ânions não mensurados rotineiramente
Quadro 11.4 Correlação entre os níveis de
potássio, anion gap e causas de acidose metabólica
Cátions não
determinados
Anion gap normal
Anion gap aumentado
mEq/L
Ânions não
determinados
mEq/L
4,5
Proteína
15
Potássio sérico
reduzido
Potássio sérico normal
ou elevado
Ca
5
PO4
2
Diarréia
Mg
1,5
SO4
Cetoacidose
diabética
1
Ácidos orgânicos
5
Inibição da anidrase
carbônica
Cetoacidose
alcoólica
Acidose tubular
renal
Acidose láctica
K
Total
11
23
Intoxicação por
salicilato
TRATAMENTO
O tratamento é dirigido à doença básica e, em algumas
situações, à própria acidose metabólica, como veremos a
seguir.
Tratamento da Doença de Base
A acidose metabólica é manifestação de uma doença
primária, e o tratamento deve ser dirigido à correção desta doença.
Na cetoacidose diabética, o ponto fundamental no tratamento é a administração de insulina e a correção dos
distúrbios da água, sódio e potássio. Não se deve administrar álcali de rotina, pois o metabolismo dos cetoácidos
Quadro 11.3 Causas de acidose metabólica de
acordo com o hiato iônico
Hiato iônico normal (hiperclorêmica)
Perdas de bicarbonato
a) Gastrointestinal
• Diarréia
• Fístulas pancreáticas, biliares
b) Renal
• Inibidores da anidrase carbônica
• Acidose tubular renal
Outras
• Acidose dilucional
• Nutrição parenteral
Hiato iônico aumentado (normoclorêmica)
Produção ácida aumentada
• Cetoacidose diabética ou alcoólica
• Acidose láctica
• Erros inatos do metabolismo
Ingestão de substâncias tóxicas
• Intoxicação por salicilato
• Ingestão de metanol
• Ingestão de etilenoglicol
Falha na excreção ácida
• Insuficiência renal aguda ou crônica
Adaptado de Shapiro, J.I.18
Potássio sérico
elevado
Metanol
Administração de
NH4Cl
Ingestão de
paraldeído
Pielonefrite crônica
Etilenoglicol
Uropatia obstrutiva
Insuficiência renal
retidos resulta em rápida regeneração do bicarbonato, com
resolução parcial ou completa da acidemia. O álcali pode
até mesmo retardar a recuperação, por aumentar a cetogênese hepática. Em pacientes com cetoacidose diabética e pH
inferior a 7,10, pequenas doses de bicarbonato podem ser
administradas com o objetivo de minimizar a depressão
miocárdica e hipoperfusão tecidual.29
A cetoacidose alcoólica é corrigida com a apropriada
reposição de nutrientes e interrupção da ingestão de etanol. A infusão de glicose estimula a secreção de insulina
mas inibe a secreção de glucagon, promovendo a regeneração dos estoques de bicarbonato a partir do metabolismo dos cetoácidos retidos.29
Nos casos de acidose láctica causada por oxigenação
tecidual inadequada, o ponto essencial no tratamento é a
correção da mesma, com repleção do volume circulante
efetivo, suporte ventilatório, agentes inotrópicos e tratamento da septicemia. Na acidose láctica resultante de intoxicação por metanol ou etilenoglicol, está indicada a diálise para remoção das toxinas, além da administração de
grandes quantidades de álcali. Etanol é o antagonista do
metanol. 29
Tratamento da Acidose Metabólica
Para pacientes com acidemia leve ou moderada (pH 7,20), ou quando o processo subjacente possa ser rapidamente
controlado, muitas vezes a administração de álcali não é necessária. Porém, em pacientes com acidose grave (pH menor
que 7,20; bicarbonato inferior a 8), já existem depressão miocárdica e disfunções enzimáticas significativas, e a adminis-
capítulo 11
tração de bicarbonato de sódio pode ser benéfica. A acidose
deve ser tratada se estiver causando disfunções orgânicas
graves.18 Para calcular a quantidade necessária de bicarbonato a ser administrada, utilizamos a fórmula a seguir:
Bic necessário (Bicdesejado Bicatual) espaço do Bic18
Onde:
Bicnecessário quantidade de bicarbonato de sódio a administrar (em mEq)
Bicdesejado nível desejado de bicarbonato
Bicatual bicarbonato dosado no sangue
Espaço do Bic 50% do peso corporal
O espaço de bicarbonato é uma estimativa da capacidade total de tamponamento do organismo, que inclui o bicarbonato do extracelular, proteínas intracelulares e carbonato do osso. Com bicarbonato normal ou pouco reduzido, o excesso de hidrogênio é tamponado proporcionalmente na água corporal total, e o espaço aparente de bicarbonato é de 50% do peso magro do indivíduo.18,30 Este
espaço aumenta na acidose metabólica grave, pois as células e o osso passam a contribuir cada vez mais para o
tamponamento, podendo chegar a 70% do peso corporal
quando a concentração de bicarbonato cai abaixo de 10
mEq/litro; com bicarbonato menor que 5 mEq/litro, o espaço pode ser de 100%.29-31
Por exemplo, um paciente de 70 kg tem um bicarbonato de 9 mEq/litro, que se deseja elevar para 15 mEq/litro.
O espaço de bicarbonato é de 70% e 50% para estas concentrações, respectivamente. Considere então como espaço de bicarbonato a média entre 70% e 50%, ou seja, 60%.
Bicnecessário (Bicdesejado Bicatual) espaço do Bic
Bicnecessário (15 9) (0,7 70 kg) 6 49 294 mEq
Então, de acordo com este cálculo, cerca de 290 mEq de
álcali (geralmente bicarbonato de sódio intravenoso) podem ser administrados nas primeiras 4-6 horas. Alguns
autores sugerem que sempre se utilize o valor de 50% para
o espaço de bicarbonato, independente do valor do bicarbonato plasmático.29 Deve ser assinalado que esta estimativa não é exata, e são necessárias avaliações do pH extracelular pelo menos 30 minutos após o término da infusão.
Com o pH em nível mais seguro, não é mais necessária
reposição intravenosa, pois os rins serão capazes de regenerar o bicarbonato necessário.30
O tratamento da acidose metabólica é controverso, em
função dos potenciais efeitos deletérios do bicarbonato
administrado.18 A infusão de grandes quantidades de bicarbonato de sódio a 8,4% (1 mEq/ml) pode ocasionar hipernatremia, hiperosmolalidade, diminuição da fração
ionizada do cálcio, hipocalemia e aumento da produção de
ácidos orgânicos.26 Outra complicação que ocorre principalmente em pacientes cardiopatas ou nefropatas é a sobrecarga de volume ocasionada pelo sódio da solução, que
pode ser evitada ou tratada com o uso de diuréticos de alça,
177
e, se necessário, diálise. Outro aspecto desfavorável é a
possibilidade de alcalose muito abrupta, quando a correção da acidose for muito agressiva.29
O tamponamento de prótons pelo bicarbonato libera
CO2 (HCO3 H ↔ H2CO3 ↔ H2O CO2), elevando a
PCO2 nos líquidos corporais. Este efeito pode ser prejudicial em pacientes com reserva ventilatória limitada, falência circulatória ou que estão sendo submetidos a ressuscitação cardiopulmonar. Nestas circunstâncias, paradoxalmente pode ocorrer piora da acidose intracelular e extracelular, se a PCO2 exceder a fração de HCO3. No sistema
nervoso central isto traz conseqüências graves, pois o CO2
em maior quantidade atravessa rapidamente a barreira liquórica, elevando a PCO2 do líquor e piorando a acidose
do sistema nervoso central.29,32
De acordo com os consensos mais recentes da Sociedade
Americana de Cardiologia sobre parada cardiorrespiratória,
o uso de bicarbonato de sódio na parada cardiorrespiratória é considerado Classe 3 (tratamento inadequado, sem
evidência científica de validade, e que pode ser prejudicial). Porém, em situações especiais, e sob monitorização adequada, o bicarbonato de sódio pode vir a ser utilizado: a)
Quando houver acidose e hipercalemia comprovada (Classe 1 — considerado tratamento útil e efetivo); b) No tratamento de acidose metabólica responsiva a bicarbonato (Classe 2a — existência de evidências favoráveis ao seu uso); e c)
Para controle de acidose pós-circulação espontânea em parada cardiorrespiratória de longa duração e como coadjuvante na parada cardiorrespiratória desencadeada por antidepressivos tricíclicos (Classe 2b — tratamento não validado em estudos clínicos, podendo ser útil em alguns doentes e provavelmente sem reações adversas).33
Nas acidoses metabólicas crônicas, o bicarbonato de
sódio pode ser administrado por via oral.18 No Brasil está
disponível o bicarbonato de sódio em pó, contendo 12 mEq
de bicarbonato e 12 mEq de bicarbonato por grama.
Pontos-chave:
• A acidose metabólica é classificada de
acordo com o hiato iônico, que indica qual a
causa mais provável: hiato iônico Na (HCO3 Cl)
Hiato iônico aumentado: acréscimo de ácido
Hiato iônico normal: perda de bicarbonato
• O mecanismo esperado de compensação é a
eliminação de CO2, através de
hiperventilação
• A administração de bicarbonato tem
indicações precisas, e a quantidade é
calculada pela fórmula:
Bicnecessário (Bicdesejado Bicatual) espaço do
Bic
178
Metabolismo Ácido-Básico
Como alternativa à administração de bicarbonato, que
tem como inconveniente a produção de CO2, poderia ser
utilizada uma mistura de bicarbonato de sódio com carbonato de sódio (Carbicarb® — ainda não disponível para
uso clínico), que gera mais bicarbonato do que CO2; além
disso, o carbonato de sódio reage com o ácido carbônico,
consumindo o CO2. Esta solução não evita hipervolemia e
hipertonicidade.29
Alcalose Metabólica
É a situação clínica em que há pH elevado (alcalino),
baixa concentração hidrogeniônica, aumento na concentração de bicarbonato e PCO2 elevada.
A alcalose é um distúrbio ácido-básico relativamente
comum, e sua importância pode ser melhor avaliada quando se correlacionam mortalidade e grau de alcalose. Em um
grupo de 177 pacientes cirúrgicos intensamente alcalóticos,
verificou-se que, num pH de 7,54 a 7,56, a mortalidade foi
de 40%, e num pH de 7,65 a 7,7, ela atingiu 80%.34
CAUSAS DE ALCALOSE METABÓLICA
Ao se avaliar um paciente com alcalose metabólica, é
necessário esclarecer dois pontos fundamentais: o motivo
que levou ao aumento do bicarbonato (fase de geração da
alcalose metabólica) e os fatores que evitaram a excreção
de bicarbonato pelos rins, permitindo a persistência da
alcalose (fase de manutenção)2,35 (v. Quadros 11.4 e 11.5).
GERAÇÃO DA ALCALOSE METABÓLICA
Perda de Hidrogênio
O íon H pode ser perdido do líquido extracelular através do trato gastrintestinal, dos rins ou por um desvio para
o interior das células. Se a perda for maior que o ganho de
ácido proveniente da dieta e catabolismo, ocorrerá um
aumento da concentração plasmática de bicarbonato. O
Quadro 11.4 mostra as diversas situações clínicas em que
esta perda de H pode ocorrer.
PERDA GASTROINTESTINAL DE Hⴙ. Em indivíduos normais, a secreção de ácido pelo estômago não leva a
alcalose metabólica, pois esta perda de hidrogênio equilibra-se com uma perda de bicarbonato nas secreções pancreáticas. Porém, quando o suco gástrico é eliminado através de vômitos ou drenagem gástrica por sondas, há tendência para alcalose metabólica por dois motivos: perda
pura do hidrogênio e ausência de estímulo para a secreção de bicarbonato. Quando se perde hidrogênio, a reação
do sistema ácido carbônico-bicarbonato gera HCO3, de
forma que para cada mEq de hidrogênio perdido é gerado
1 mEq de bicarbonato.2
CO2 H2O ↔ H2CO3 ↔ H HCO3
PERDA RENAL DE Hⴙ. É possível haver perda renal
de hidrogênio quando a secreção distal deste íon estiver
aumentada. Isto ocorre em situações em que existe aporte
adequado de sódio e água aos sítios tubulares distais e
aumento dos níveis de aldosterona. Além de estimular a
bomba H-ATPase, a aldosterona estimula a reabsorção de
sódio, tornando a luz tubular mais eletronegativa e minimizando a retrodifusão dos íons hidrogênio para fora da
luz tubular. A secreção distal de potássio também está
aumentada, resultando em hipocalemia.35
O excesso primário de mineralocorticóides cursa com
alcalose metabólica e freqüentemente com hipertensão
arterial. Porém, os pacientes com hiperaldosteronismo secundário (p.ex., na cirrose ou insuficiência cardíaca) de
modo geral não apresentam alcalose metabólica ou hipocalemia, pois o efeito estimulatório da aldosterona é contrabalançado pelo menor aporte distal de sódio e menor
volume urinário. Estes fatores reduzem a quantidade de
hidrogênio e potássio na urina final. Se um ânion não
reabsorvível (p.ex., penicilina) for administrado na vigência de depleção de volume, a excreção deste ânion obriga
a perda de H ou K para manter a eletroneutralidade,
levando então a hipocalemia e alcalose metabólica.35
O uso de diuréticos de alça ou tiazídicos produz aumento do aporte distal de sódio e água, possibilitando a indução de excreção aumentada de hidrogênio. Uma diurese
volumosa pode produzir algum grau de depleção, contribuindo para o desenvolvimento de alcalose metabólica.35
A acidose respiratória crônica leva a um aumento na
secreção de hidrogênio, ao mesmo tempo em que o bicarbonato do plasma aumenta, para normalizar o pH (mecanismo de compensação). Mas quando se reduz abruptamente a PCO2 (p.ex., em ventilação mecânica), desenvolve-se alcalose metabólica, por não ter havido tempo para
os rins eliminarem o excesso de bicarbonato. Nesta situação, podem desenvolver-se graves anormalidades neurológicas, pois o pH no cérebro aumenta rapidamente com a
diminuição da PCO2. Estas complicações justificam a necessidade de redução gradual da PCO2 em pacientes com
acidose respiratória crônica.35
DESVIO DO HIDROGÊNIO PARA O INTRACELULAR. O desvio do íon hidrogênio para o espaço intracelular pode ocorrer na hipocalemia (v. Cap. 12). Com o objetivo de repor o potássio do espaço extracelular, a hipocalemia induz a saída do potássio do intracelular; para manter a eletroneutralidade, o hidrogênio entra nas células,
diminuindo os níveis plasmáticos e aumentando o pH.
Adição de Bicarbonato ao Líquido Extracelular
A administração de bicarbonato ou seus precursores,
tais como lactato, citrato ou acetato, num ritmo maior que
a produção diária de ácido elevará os níveis plasmáticos
de bicarbonato. Se a função renal for normal, uma carga
de bicarbonato é quase toda excretada, causando pequena
variação no pH (v. Quadro 11.5). Porém, se a capacidade
de excreção renal for ultrapassada, a alcalose metabólica
se estabelece.
capítulo 11
Quadro 11.5 Etiologia e classificação da alcalose
metabólica
Responsiva ao cloreto (cloro urinário menor que
10 mEq/L)
a) Distúrbios gastrointestinais
• Vômitos
• Drenagem gástrica
• Adenoma viloso do cólon
• Cloridorréia congênita
b) Uso de diuréticos
c) Correção de hipercapnia crônica
d) Fibrose cística
Resistente ao cloreto (cloro urinário maior que
20 mEq/L)
a) Excesso de mineralocorticóide
• Hiperaldosteronismo
• Síndrome de Cushing
• Síndrome de Bartter
• Alcaçuz
b) Hipocalemia
Adaptado de Shapiro, J.I.18
Outro fato a ser considerado é que o lactato (na acidose
láctica) e o beta-hidroxibutirato (na cetoacidose diabética)
regeneram bicarbonato quando são metabolizados. Nestas
duas circunstâncias, a administração de bicarbonato exógeno representaria um excesso de álcali, resultando em
alcalose metabólica.
O citrato utilizado em anticoagulação para hemodiálise em pacientes com risco de sangramento, ou na anticoagulação de hemoderivados, pode também ser convertido
a bicarbonato. A administração de mais de oito unidades
de sangue estocado ou plasma fresco congelado produz
este efeito.35
Perda de Líquido Contendo Grandes
Quantidades de Cloro
Quando se perde sódio, cloro e pouco bicarbonato, como
ocorre na administração de diurético de alça, há contração
do extracelular com aumento relativo na concentração do
bicarbonato.
Em certas situações, porém, há perda de fluidos muito ricos em cloro. São exemplos disso a perda de secreções
gástricas em pacientes com acloridria, a diarréia no adenoma viloso do cólon e cloridorréia congênita (esta última
um defeito raro na reabsorção intestinal de cloro e secreção de bicarbonato, com diarréia crônica). Note que grande parte dos adenomas vilosos do cólon, que constituem
5% dos pólipos intestinais e que têm potencial de malignidade, produzem acidose metabólica hiperclorêmica,
pela perda de grandes volumes de fluido contendo potássio e bicarbonato. Cerca de 10-20% destes tumores têm
um padrão secretor diverso, com secreção preferencial de
cloro.36
179
A síndrome de Bartter é uma desordem rara, diagnosticada principalmente em crianças, e que causa hipocalemia
e alcalose metabólica resistente ao cloreto (v. próximas
seções). Os pacientes apresentam cloro urinário elevado,
alcalose metabólica, hiperplasia do aparelho justaglomerular (inespecífica), gradiente transtubular de potássio inapropriadamente alto e hiperaldosteronismo hiperreninêmico, sem hipertensão arterial. É causada por uma
alteração na função do co-transportador potássio/cloreto.37
A síndrome de Gitelman tem características semelhantes à síndrome de Bartter, porém com hipomagnesemia e
hipocalciúria. É causada por alteração na função do cotransportador sódio/cloreto no túbulo contornado distal.37
MANUTENÇÃO DA ALCALOSE METABÓLICA
Como já foi mencionado, normalmente os rins são capazes de excretar os excessos de bicarbonato. Portanto,
para que uma alcalose metabólica persista, é necessária a
presença de dois grupos de anormalidades: 1) Perda continuada de hidrogênio, desvio transcelular de hidrogênio,
administração de bicarbonato ou alcalose de contração; e
2) Aumento na reabsorção renal de bicarbonato ou diminuição na secreção distal de bicarbonato.35
Em presença de função renal normal, o aumento ou
manutenção da reabsorção de bicarbonato pelos rins se
deve a pelo menos um dos seguintes fatores: a) Depleção
do volume circulante efetivo; b) Depleção de cloro; c) Hipocalemia, e d) Hipoventilação e hipercapnia.35
Estes fatores acima mencionados são responsáveis pela
manutenção da alcalose metabólica, pois impedem a atuação dos mecanismos renais fisiológicos de eliminação de
maiores quantidades de bicarbonato que levariam à normalização do bicarbonato no plasma. O esclarecimento de
qual o fator envolvido auxilia na classificação das alcaloses
metabólicas e no planejamento terapêutico posterior.
Volume Extracelular
A depleção de volume aumenta a reabsorção de sódio
e o resgate de bicarbonato no túbulo proximal. No túbulo
distal, também ocorre um aumento na reabsorção de sódio (mediada por mineralocorticóide) em troca da secreção de H ou K. Com um aumento da secreção de H,
ocorre regeneração de bicarbonato.
Um aumento na reabsorção distal de sódio também
pode ocorrer na ausência de depleção de volume extracelular, devido a um excesso de mineralocorticóide, como no
hiperaldosteronismo primário. A elevada reabsorção distal de sódio pode gerar e manter uma concentração elevada de bicarbonato se os hormônios mineralocorticóides
estimularem a secreção de H.18
Deficiência de Cloro
Para que seja mantida a eletroneutralidade, quando a
concentração plasmática de bicarbonato se eleva, a con-
180
Metabolismo Ácido-Básico
centração de cloro deve reduzir-se. Porém, com a perda de
sódio, e conseqüente contração do volume extracelular, o
estímulo para restaurar o volume extracelular supera o
estímulo para aumentar a excreção de bicarbonato. O papel do cloro é crucial nesta situação, pois é o único outro
ânion, além do bicarbonato, que pode acompanhar a reabsorção de sódio. Portanto, para se elevar ou manter a reabsorção de sódio enquanto simultaneamente se eleva a excreção de bicarbonato, um ânion reabsorvível (cloro) precisa estar presente para acompanhar a reabsorção de sódio. Se há deficiência de cloro, os rins reabsorvem outro
ânion, o bicarbonato, perpetuando a alcalose metabólica.18
Depleção de Potássio
É um fator importante na origem e manutenção da alcalose metabólica. Com a saída de potássio das células,
aumenta a concentração de H intracelular, inclusive nas
células tubulares renais. Havendo mais H para secreção,
maior será o resgate de bicarbonato. Além disso, em presença de hipocalemia, as bombas H-K-ATPase (que promovem reabsorção de potássio e secreção de hidrogênio)
e a síntese de NH3 são estimuladas, resultando em eliminação de maiores quantidades de H, na forma de NH4.18,35
Hipoventilação e Hipercapnia
Da mesma forma que a depleção de potássio, a hipercapnia aumenta a concentração intracelular de H disponível
para secreção e, portanto, para resgate de bicarbonato.
MECANISMOS DE DEFESA DO pH NA
ALCALOSE METABÓLICA
Com a elevação do bicarbonato plasmático por um dos
três mecanismos básicos já mencionados, os mecanismos
de defesa do organismo entram em ação, na tentativa de
normalizar o pH.
de elevação até 60-75 mmHg em indivíduos normais. Devido a estes fatores, a compensação respiratória na alcalose metabólica é menos intensa que na acidose metabólica.
Correção Renal
O rim é responsável pela terceira fase do mecanismo de
defesa do pH. O rim tem a capacidade de eliminar o excesso de bicarbonato, a não ser que outros fatores comprometam esta capacidade renal (v. a seguir). Esta eliminação
de base é bem mais rápida que a capacidade renal de excretar H.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Na maioria das vezes, os sinais e sintomas da enfermidade básica dominam o quadro clínico e dificilmente poderão ser separados. Não há sintomas ou sinais patognomônicos. A avaliação do espaço extracelular fornece dados
muito importantes. Num paciente depletado, com deficiência de potássio, a causa provável da alcalose metabólica
é a perda renal (diuréticos) ou gastrintestinal (vômitos).
Além destes sintomas, há os referentes à hipocalemia, como
fraqueza ou paralisia muscular, distensão abdominal, íleo
e arritmias cardíacas, poliúria e aumento da produção de
amônia (que aumenta o risco de encefalopatia em hepatopatas).38 Um extracelular expandido, com hipertensão
arterial e hipocalemia, leva à suspeita de hiperaldosteronismo.37
O elevado risco de intoxicação digitálica, intervalo QT
prolongado e ondas U são complicações conhecidas da
alcalose. A resistência vascular cerebral é sensível à PCO2
e a hipocapnia é uma potente força vasoconstritora cerebral. Um fluxo sanguíneo cerebral reduzido pode justificar muitos sinais e sintomas neurológicos observados,
como cefaléia, convulsões, letargia, delirium e estupor.38
DADOS LABORATORIAIS
Sistema Tampão
A fase de tamponamento é controlada pelo imediato
tamponamento químico. Aproximadamente 1/3 do excesso de bicarbonato é tamponado pelo H intracelular, que
sai das células para o líquido extracelular. Exemplo disto
é a saída de lactato das células musculares, para tamponar
o espaço extracelular.
Compensação Respiratória
A segunda fase do mecanismo de defesa do pH é controlada pelo sistema respiratório. Para que o pH retorne ao
normal, em face de uma elevação na concentração de bicarbonato, a PCO2 deve ser elevada. Isto ocorre através da
hipoventilação alveolar, com retenção de CO2 e elevação
da PCO2. O grau de compensação é limitado pelas necessidades de O2, já que a pO2 será reduzida com a hipoventilação. O limite superior de elevação compensatória da
PCO2 é geralmente aceito como 55 mmHg, mas há relatos
O padrão diagnóstico no sangue arterial é elevação do
pH, da concentração de bicarbonato e PCO2. O padrão eletrolítico é de hipocloremia e hipocalemia. A hipocalemia é
basicamente conseqüente à perda urinária de potássio que
se deve a uma elevada secreção distal.
Como o mecanismo de compensação da alcalose é a retenção de CO2 através de hipoventilação, em alguns casos
observa-se hipóxia, dependendo da função pulmonar prévia do paciente.
A concentração urinária de cloro é muito útil na avaliação inicial da alcalose metabólica. Concentração de cloro
numa amostra de urina inferior a 10 mEq/litro indica que
o rim está reabsorvendo sódio avidamente, compatível
com situações associadas à depleção de volume e que respondem à infusão de cloreto de sódio (“sensíveis” ao cloreto de sódio) (v. a seguir).
Concentração urinária de cloro superior a 20 mEq/litro
demonstra que não há depleção de volume e que o cloro
capítulo 11
não é um elemento crucial na manutenção da alcalose; este
perfil geralmente corresponde às alcaloses resistentes ao
cloreto de sódio. O sódio urinário não é útil nestas circunstâncias porque pode estar elevado durante períodos de
bicarbonatúria.
Como a alcalemia estimula a glicólise anaeróbica e aumenta a produção de ácido láctico e cetoácidos, pode haver moderada elevação no anion gap.
A alcalemia aguda reduz a liberação de oxigênio para
os tecidos, por aumentar a afinidade entre oxigênio e hemoglobina. A alcalemia crônica anula este efeito, aumentando a concentração de ácido 2,3 difosfoglicérico nas hemácias.38
TRATAMENTO
Pelo exposto, fica evidente a necessidade de serem corrigidos os mecanismos que impedem os rins de excretarem
quantidades maiores de bicarbonato. Abordaremos o tratamento da alcalose metabólica de acordo com sua classificação.
Alcalose Metabólica Responsiva ao Cloreto
Apesar de a correção do déficit de cloreto ser essencial,
a seleção do cátion que o acompanha em solução (sódio,
potássio ou próton) depende do estado do espaço extracelular, da presença e do grau de depleção de potássio associada, e do grau e reversibilidade de qualquer diminuição
da taxa de filtração glomerular. Quando a função renal é
normal, ao se repor cloreto o excesso de bicarbonato será
eliminado pelos rins.36
Se existe depleção de cloreto e do extracelular concomitantemente (que é a situação mais comum), a administração de solução salina isotônica (NaCl 0,9%) é adequada e
corrige os dois déficits. Em presença de sinais de depleção
do extracelular, a quantidade a ser administrada está em
torno de 3-5 litros de solução salina isotônica. Porém, se não
há sinais de depleção do extracelular, o déficit de cloro
pode ser calculado pela fórmula: 0,2 peso (kg) aumento desejado no cloreto plasmático (mEq/litro).
As perdas continuadas de cloro e potássio devem ser
calculadas e acrescentadas à reposição. Como se instala
diurese alcalina com a correção do cloreto, recomenda-se
acrescentar 10-20 mEq de potássio por litro de solução
administrada, para evitar que se some uma hipocalemia.36
Na presença de sobrecarga de volume, está contra-indicada a reposição de grandes quantidades de volume
contendo sódio; então repor cloreto sob forma de cloreto
de potássio, em doses de 10-20 mEq.
O HCl é indicado se o NaCl ou KCl não puderem ser
usados, ou se houver necessidade de correção imediata, por
exemplo, se o pH for maior que 7,55, ou na presença de
encefalopatia hepática, arritmia cardíaca, intoxicação digitálica ou alteração do estado mental. A quantidade necessária de HCl, administrado como solução 0,1 ou 0,2 M, é
calculada pela fórmula: 0,5 peso (kg) redução deseja-
181
da no bicarbonato plasmático (mEq/L). O objetivo do tratamento com HCl é reverter uma alcalose grave, e inicialmente deve-se calcular uma correção parcial do bicarbonato, e não total. Pode-se preparar uma solução isotônica
de HCl adicionando-se 150 ml de ácido clorídrico 1 N em
1 litro de água destilada. A infusão de 1 a 2 litros desta
solução, em 24 horas, corrige a alcalose na maioria dos
casos.36 (Obs: solução 0,1-0,2 N é a solução contendo 100200 mEq de hidrogênio por litro.)38
O HCl deve ser administrado em ambiente de terapia
intensiva, por cateter em veia cava ou outra veia central de
grande calibre, sendo a posição do cateter necessariamente confirmada por RX, já que a administração de HCl fora
do vaso provocaria repercussões dramáticas.36 A velocidade de infusão pode chegar a 25 ml/hora. Recentemente
Knutsen mostrou a possibilidade de se administrar, através de uma veia periférica, ácido clorídrico 0,15 N em uma
solução de aminoácidos e emulsão lipídica.39
Alternativas ao HCl são: o cloreto de amônio (NH4Cl) e
a arginina mono-hidrocloreto. O cloreto de amônio (374
mEq de hidrogênio por litro) pode ser administrado por
veia periférica, em quantidade não superior a 300 mEq nas
24 horas; é contra-indicado na insuficiência renal ou hepática.36 A arginina mono-hidrocloreto (475 mEq de H por
litro) pode causar hipercalemia grave em pacientes com
insuficiência renal, principalmente se houver doença hepática concomitante.38
Se a taxa de filtração glomerular for adequada, o uso de
acetazolamida, que é um diurético inibidor da anidrase
carbônica, na dose de 250-500 mg via oral ao dia aumenta
significativamente a excreção renal de bicarbonato e potássio. É benéfico para pacientes que tenham sobrecarga de
volume e particularmente útil para os pacientes em que se
necessita manter eliminação de sódio ou quando o potássio
estiver elevado. Se não houver hipocalemia, é aconselhável
a reposição de potássio, pela alta probabilidade de se desenvolver hipocalemia na vigência de diurese alcalina.18,36
Caso não haja resposta renal após a repleção de cloro ou
for necessária diálise para o controle da insuficiência renal, a diálise corrigirá a alcalose metabólica. Porém, se só
estiverem disponíveis os líquidos de diálise com altas concentrações de bicarbonato ou seus precursores, pode ser
realizada diálise peritoneal de emergência com solução
salina isotônica, sendo a manutenção de potássio, cálcio e
magnésio feita pela via intravenosa.36
No caso de a alcalose ser conseqüência de perdas continuadas de suco gástrico, são úteis os antieméticos. Na alcalose da gastrocistoplastia, a administração de um inibidor da bomba de prótons, como o omeprazol, bloqueará a
secreção gástrica na neobexiga.
Alcalose Metabólica Resistente ao Cloreto
Quando a hipocalemia estiver associada com uma alcalose discreta a moderada, a administração de 40-60 mEq
de KCl quatro vezes ao dia é de modo geral suficiente. No
182
Metabolismo Ácido-Básico
entanto, se estiver presente arritmia cardíaca ou situação
de ameaça à vida, o KCl pode ser administrado na proporção de 40 mEq/hora, em concentrações não superiores a
60 mEq/litro, sob monitorização eletrocardiográfica. A
glicose deve ser inicialmente omitida da solução de reposição, pois a secreção de insulina pode diminuir ainda mais
a concentração de potássio. Uma vez iniciada a reposição
de potássio, a presença de glicose na solução auxilia na
repleção celular de potássio.36
Quando a causa for um excesso de mineralocorticóide,
o tratamento é dirigido à remoção cirúrgica da fonte ou
bloqueio da mesma. Os efeitos do mineralocorticóide sobre o sódio, o potássio e o bicarbonato podem ser revertidos com a espironolactona, diurético poupador de potássio. Além disso, podem ser úteis a restrição de sódio e o
acréscimo de potássio na dieta.36
Nas síndromes de Bartter e Gitelman, o principal objetivo do tratamento é diminuir a perda urinária de potássio. Na síndrome de Bartter, os inibidores da enzima conversora reduzem a produção de angiotensina II e diminuem a secreção de aldosterona. Como a síntese de prostaglandinas está elevada nesta síndrome, e pode contribuir
para as perdas de sódio, cloro e potássio, inibidores da
prostaglandina sintetase podem melhorar a alcalose metabólica. Na síndrome de Gitelman, os diuréticos poupadores de potássio e a suplementação dietética de potássio
são necessários.36
Pontos-chave:
• A alcalose metabólica apresenta as fases de
geração e manutenção. Na fase de
manutenção a eliminação de bicarbonato
pelos rins está prejudicada
• Classificação: responsiva ou resistente ao
cloreto
• O tratamento se baseia na correção de:
Espaço extracelular
Deficiência de potássio
Deficiência de cloro
• Em casos graves, pode ser necessária a
administração de ácido clorídrico
Acidose Respiratória
Ocorre quando há uma retenção de CO2 (hipercapnia)
no organismo e traduz-se por uma elevação da PCO2 no
sangue. Isto ocorre quando a produção de CO2 nos tecidos
excede a capacidade de remoção pelos pulmões.
CAUSAS
Mais comumente são distúrbios neuromusculares (lesões do sistema nervoso central, da parede torácica e mio-
patias) ou enfermidades pulmonares (asma, enfisema etc.).
O denominador comum é uma hipoventilação alveolar,
que pode ser causada por uma simples obstrução das vias
aéreas superiores. V. Quadro 11.6.
CONSEQÜÊNCIAS CLÍNICAS
Clinicamente, há uma diferença entre o estabelecimento rápido e o gradual da retenção de CO2. Os pacientes se
adaptam melhor quando a elevação é gradual.
A retenção de CO2 pode causar confusão mental, tremor
do tipo flapping e coma. O único sinal clínico fidedigno de
hipercapnia é a demonstração de PCO2 elevada no sangue.
A PCO2 venosa é geralmente 6 mmHg mais elevada que a
arterial.
CONSEQÜÊNCIAS FISIOLÓGICAS
Observando-se a equação de Henderson-Hasselbalch,
fica claro que, para o organismo manter o pH sanguíneo,
a concentração plasmática de bicarbonato deve variar.
Os tampões celulares desempenham o papel principal
na resposta a alterações agudas da concentração de CO2.
Quando a PCO2 aumenta, aumenta também a concentração de H2CO3, e, portanto, a concentração de H. O H
Quadro 11.6 Causas de acidose respiratória
(aguda e crônica)
Acidose respiratória aguda
a) Anormalidades neuromusculares
• Lesão neurológica (tronco, medula alta)
• Síndrome de Guillain-Barré, miastenia gravis
• Drogas
b) Obstrução de vias aéreas
• Corpo estranho
• Edema ou espasmo de laringe
• Broncoespasmo grave
c) Desordens tóraco-pulmonares
• Tórax instável
• Pneumotórax
• Pneumonia grave
• Inalação de fumaça
• Edema pulmonar
d) Doença vascular pulmonar
• Embolia pulmonar maciça
e) Ventilação mecânica controlada
• Parâmetros inadequados (freqüência, volume
corrente)
• Espaço morto aumentado
Acidose respiratória crônica
a) Anormalidades neuromusculares
• Paralisia diafragmática
• Síndrome de Pickwick
b) Desordens tóraco-pulmonares
• Doença pulmonar obstrutiva crônica
• Cifoescoliose
• Doença pulmonar intersticial terminal
Baseado em Kaehny W.D.43
183
capítulo 11
entra na célula em troca por Na e K e é tamponado pelas
proteínas celulares, deixando o bicarbonato no líquido
extracelular. Este tamponamento celular é responsável por
aproximadamente 50% do aumento agudo na concentração plasmática de bicarbonato.40
Ao mesmo tempo, parte do CO2 entra na hemácia, formando H2CO3, o qual, dissociando-se, libera H e HCO3.
O íon H é tamponado pela hemoglobina, e o bicarbonato
entra no líquido extracelular em troca de cloro. Este mecanismo é responsável por aproximadamente 30% do aumento agudo na concentração plasmática de bicarbonato. No
homem, a magnitude do aumento na concentração de bicarbonato plasmático é pequena, sendo inferior a 5 mEq
quando a PCO2 aumenta gradualmente de 40 para 80 mm
Hg.40,41
Quando a hipercapnia continua, a capacidade de tamponamento se esgota rapidamente. A necessidade de compensação leva a um aumento na excreção de H e na reabsorção e produção de bicarbonato.
Schwartz e cols. mostraram, em cães expostos a uma
atmosfera de CO2, que o rápido aumento que ocorria nas
primeiras 24 horas no bicarbonato plasmático não se acompanhava de um aumento na excreção urinária de H. Mas,
entre três e seis dias, o bicarbonato plasmático continuava
aumentando, até atingir um platô. O autor, então, demonstrou que este último aumento no bicarbonato estava associado a um aumento na excreção urinária de H, sob a forma de NH4, e, durante esta fase, o rim restaurou os tampões celulares e extracelulares consumidos durante a fase
aguda, gerando novo bicarbonato (v. Fig. 11.9).42 Portanto,
na retenção crônica de CO2, o limiar da reabsorção de bicarbonato está elevado, assim como há uma excreção elevada de cloro. É preciso mencionar que, no homem com
retenção crônica de CO2, não há uma compensação completa.
TRATAMENTO
É dirigido à causa da hipoventilação alveolar. Exemplo:
desobstrução das vias aéreas superiores, alívio do broncoespasmo do asmático, etc.
Alcalose Respiratória
Ocorre quando há uma redução de CO2 no organismo e
traduz-se por uma diminuição da PCO2 no sangue. Esta
situação é conhecida como hipocapnia e é o resultado de
uma hiperventilação alveolar.
CAUSAS
Qualquer condição que estimule a ventilação pulmonar
poderá ocasionar uma redução da PCO2. Exemplos: dor,
ansiedade, salicilatos, tumores cerebrais ou acidentes vasculares encefálicos, estados de hipóxia (cardiopatias cianóticas, altitudes, insuficiência cardíaca congestiva, anemia
etc.), estados infecciosos (septicemias), estados hipermetabólicos (febre, delirium tremens), insuficiência hepática, estados conversivos, etc.43
CONSEQÜÊNCIAS CLÍNICAS
Clinicamente, a hiperventilação pulmonar, além das
manifestações clínicas da enfermidade básica, pode ser
acompanhada de outros sintomas e sinais, possivelmente
relacionados com o pH do sangue, circulação cerebral e
nível de cálcio iônico: parestesias nas extremidades e região perioral, alteração na consciência e espasmos
carpopedais.
CONSEQÜÊNCIAS FISIOLÓGICAS
Quando há redução da PCO2 (hipocapnia), ocorrem reações em sentido inverso ao daquelas que mencionamos
durante retenção de CO2. Os tampões intracelulares liberam H e trocam cloro e bicarbonato na direção oposta.40
Estes processos causam redução do bicarbonato plasmático. Geralmente, esta redução é da ordem de 7-8 mEq/L
quando a PCO2 é reduzida de 40 para 15 mmHg. Há também redução do limiar de reabsorção renal de bicarbonato e retenção de cloro pelo rim.
TRATAMENTO
É dirigido ao distúrbio que originou a hiperventilação
alveolar. No entanto, a PCO2 pode ser rapidamente elevada, fazendo-se o paciente respirar uma mistura de gás carbônico a 5%, ou aumentando o espaço morto e diminuindo o volume-minuto quando em uso de ventilador.
Distúrbios Ácido-básicos Mistos
Chamamos distúrbio ácido-básico misto à ocorrência de
dois ou mais distúrbios ácido-básicos simultaneamente no
mesmo paciente. Assim, as desordens combinadas podem
mascarar umas às outras, resultando em pH relativamente normal. Distúrbios ácido-básicos graves podem passar
despercebidos, a menos que uma abordagem passo a passo seja utilizada na avaliação das gasometrias.44
DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS
ÁCIDO-BÁSICOS
História clínica e exame físico completos devem ser realizados, verificando antecedentes de perdas fluidas, uso de
medicamentos e estado do espaço extracelular. Verifique
os valores encontrados na gasometria (arterial ou venosa)
e compare com os valores normais (Quadro 11.7).
Alguns autores sugerem que, antes de iniciar a avaliação dos resultados da gasometria, seja verificada a validade interna dos dados obtidos, através da fórmula de
Henderson: [H] 24 PCO2/[HCO3]. A concentração
hidrogeniônica (em mEq/litro) para cada pH é encontrada no Quadro 11.8. Os valores intermediários podem ser
184
Metabolismo Ácido-Básico
Quadro 11.7 Valores normais para a gasometria em sangue arterial e venoso
pH
HCO3
PCO2
pO2
Sangue arterial
7,35-7,45
22-26 mEq/litro
35-45 mmHg
80-100 mmHg
Sangue venoso
0,05 unidade menor
igual ao arterial
6 mmHg maior
50% menor
Obtido de Kratz, A.52
Quadro 11.8 pH e concentração hidrogeniônica correspondente
pH
6,80
6,90
7,00
7,10
7,20
7,30
7,40
7,50
7,60
7,70
7,80
[H]
160
125
100
80
63
50
40
32
26
20
16
calculados por interpolação. Caso não haja correspondência entre a [H] e o pH, há erro na medida de uma das
variáveis, no registro dos dados, ou ainda, as amostras
foram obtidas em momentos diferentes.45
ROTEIRO PARA INTERPRETAÇÃO DOS
DISTÚRBIOS ÁCIDO-BÁSICOS
1) Primeira etapa: através do pH, PCO2 e HCO3ⴚ, identificar a desordem mais aparente (Quadro 11.9).
a) Se pH menor que 7,35 acidemia = acidose metabólica
ou acidose respiratória.
Se o HCO3 estiver baixo, é uma acidose metabólica. Se
a PCO2 estiver alta, é uma acidose respiratória.
b) Se pH maior que 7,45 alcalemia alcalose metabólica ou alcalose respiratória.
Se o HCO3 estiver alto, é uma alcalose metabólica. Se a
PCO2 estiver baixa, é uma alcalose respiratória.
c) Se o pH estiver normal (7,35-7,45), mas o HCO3 e/ou a
PCO2 estiverem alterados, verificar qual deles está mais
anormal. Por exemplo, pH 7,40; PCO2 60; HCO3
36. Tanto a PCO2 como o HCO3 estão alterados.
Como o pH está normal neste caso, os diagnósticos possíveis seriam uma alcalose metabólica (bicarbonato elevado) ou acidose respiratória (PCO2 elevada).46
2) Aplicar as fórmulas para verificar se a compensação
está adequada (Quadro 11.10).
Uma vez identificado um distúrbio, a aplicação da fórmula específica permite identificar se um segundo distúrbio está presente. A pergunta deve ser: a compensação está
adequada para o que era previsto? Por exemplo: para as
desordens metabólicas, qual deveria ser a PCO2 após a
compensação. Para as desordens respiratórias, qual deveria ser a concentração de bicarbonato após a compensação?
As fórmulas mostram aproximadamente a compensação
esperada. Se a compensação não foi consistente com o que
se previa, então um segundo distúrbio está presente.46
Uma medida auxiliar no diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos é o mapa ácido-básico idealizado por Arbus (v.
Fig. 11.11).47
3) Calcular o anion gap.
Isto permite classificar a acidose metabólica, como foi
discutido anteriormente. Anion gap entre 16 e 20 pode ser
causado por outras situações, além da acidose metabólica.
Quadro 11.9 Roteiro de diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos: identificação da desordem mais evidente,
através do pH, PCO2 e HCO3
Distúrbio
pH
PCO2
HCO3
Acidose metabólica
Diminuído
Diminuída (secundária)
Diminuído (primário)
Alcalose metabólica
Aumentado
Aumentada (secundária)
Aumentado (primário)
Acidose respiratória
Diminuído
Aumentada (primária)
Aumentado (secundário)
Alcalose respiratória
Aumentado
Diminuída (primária)
Diminuído (secundário)
Adaptado de Preston, R.A.46
capítulo 11
185
Quadro 11.10 Roteiro de diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos: aplicar as fórmulas para verificar se a
compensação está adequada
Acidose metabólica
PCO2 1,5 [HCO3] 8 ou
[HCO3] 1,2 [CO2]
Variação aceita nos distúrbios simples: 2 mEq/litro
Alcalose metabólica
PCO2 40 0,7 [HCO3 atual HCO3 normal]
Variação aceita nos distúrbios simples: 5 mEq/litro
Acidose respiratória
Aguda: [HCO3] aumenta 1 mEq para cada 10 mmHg de aumento na PCO2
Crônica: [HCO3] aumenta 3,5 mEq para cada 10 mmHg de aumento na PCO2
Alcalose respiratória
Aguda: [HCO3] diminui 2 mEq para cada 10 mmHg de queda na PCO2
Crônica: [HCO3] diminui 5 mEq para cada 10 mmHg de queda na PCO2
Adaptado de Preston, R.A.46
Valores acima de 30 sempre significam acidose metabólica com anion gap aumentado. Para valores acima de 20,
existe alta probabilidade de ser acidose metabólica com
anion gap aumentado.46
Observação: Os elementos BE (base excess) e BD (base deficit) da gasometria refletem o excesso de álcalis na alcalose
e a falta de bases na acidose metabólica. Valores normais:
BE 2 mEq/L; BD 2mEq/L. Na alcalose metabóli-
BICARBONATO
mEq/l
PCO2 (mmHg)
Fig. 11.11 Mapa ácido-básico. A área central (N) representa a área de normalidade. Conhecendo-se pelo menos duas das variáveis
(PCO2, pH e HCO3), traça-se uma linha pelos respectivos valores, e o ponto de encontro de duas linhas indica o distúrbio ácidobásico e a variação normal de compensação que pode ocorrer. Se o ponto de encontro das linhas cair fora das áreas sombreadas, as
chances são de que o paciente tenha um distúrbio ácido-básico misto. (Obtido de Arbus, G.S.47)
186
Metabolismo Ácido-Básico
ca encontramos valor positivo de BE e valor negativo de
BD. Na acidose metabólica, valor negativo de BE e valor
positivo de BD. Não julgamos aconselhável utilizar os conceitos de déficit ou excesso de base como ferramenta principal de diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos. De fato,
entre 152 pacientes estudados por Fencl e colaboradores,
o BE deixou de diagnosticar distúrbio ácido-básico grave
em 1/6 dos pacientes.48
ALGUNS EXEMPLOS
Exemplo 1
Paciente com os seguintes valores na gasometria arterial:
pH 7,15; HCO3 6 mEq/litro; PCO2 18 mmHg
Na 135 mEq/litro; Cl 114 mEq/litro; K 4,5
Etapa 1: Com pH baixo e bicarbonato baixo = acidose
metabólica
Etapa 2: Qual deveria ser a PCO2 para esta acidose metabólica? PCO2 (1,5 6) 8 17
Então, a PCO2 esperada seria de 17 mmHg, e está em 18.
Como os valores estão muito próximos e a variação não é
superior a 2 mmHg, consideramos que se trata de uma
acidose metabólica pura (simples).
Etapa 3: Anion gap [Na] [Cl HCO3] 135 (114 6) 15. Portanto, o anion gap está normal.
Diagnóstico final: Acidose metabólica simples, com
anion gap normal.
Exemplo 2
pH 7,08; HCO3 10 mEq/litro; PCO2 35 mmHg.
Anion gap 14
Etapa 1: Com pH baixo e bicarbonato baixo acidose
metabólica
Etapa 2: Qual deveria ser a PCO2 para esta acidose metabólica? PCO2 (1,5 10) 8 23
Então, a PCO2 esperada seria de 23 mmHg, e está em 35,
ultrapassando em muito a variação aceitável. O paciente deveria ter tido uma hiperventilação suficiente para que sua PCO2 caísse até 23 mmHg, mas ela
permaneceu em torno de 35. Podemos concluir que
o paciente hipoventilou, e não eliminou CO2. Então,
o distúrbio que apresenta é uma acidose metabólica
com acidose respiratória.
Etapa 3: Anion gap 14. Portanto, o anion gap está normal.
Diagnóstico final: Acidose mista, metabólica e respiratória, com anion gap normal.
Exemplo 3
pH 7,15; HCO3 6 mEq/litro; PCO2 12 mmHg
(não é necessário calcular o AG neste exemplo)
Etapa 1: Com pH baixo e bicarbonato baixo acidose
metabólica
Etapa 2: Qual deveria ser a PCO2 para esta acidose metabólica? PCO2 = (1,5 6) 8 17
Então, a PCO2 esperada seria de 17 mmHg, e está em
12. Este valor ultrapassa a variação aceitável. A hiperventilação estimulada pela acidose metabólica deveria
ter permitido que a PCO2 chegasse a 17, porém, o que
ocorreu foi uma variação acima da esperada, por hiperventilação. Portanto, o distúrbio que o paciente apresenta é misto: uma acidose metabólica com alcalose respiratória.
Diagnóstico final: Distúrbio misto (acidose metabólica
e alcalose respiratória).
No Quadro 11.11, você encontra resumidos alguns
exemplos de distúrbios ácido-básicos.
Quadro 11.11 Quadro gasométrico resumido dos principais distúrbios ácido-básicos
pH
PCO2
[HCO3]
[Cl]
[Na]
Hiato
iônico
Normal
7,40
40
24
100
140
20
Acidose metabólica com hiato iônico normal
7,32
29
14
111
140
20
Acidose metabólica com hiato iônico aumentado
7,32
29
14
100
130
30
Alcalose metabólica
7,63
49
36
Acidose respiratória aguda
7,21
70
27
Acidose respiratória crônica
7,35
70
38
Alcalose respiratória aguda
7,63
20
20
Alcalose respiratória crônica
7,50
20
15
Adaptado de Zatz.20
capítulo 11
EXERCÍCIOS
Nos exercícios a seguir, avalie os dados clínicos e laboratoriais, e utilizando o roteiro sugerido, responda: a) Qual o distúrbio ácido-básico?
b) Qual a compensação esperada? c) Qual o hiato iônico?
pH 7,54; PCO2 53; HCO3 42; Na 141; K 3,1; Cl 88.
pH 7,27; PCO2 26; HCO3 12; Na 142; K 3,6; Cl 100.
pH 7,10; PCO2 20; HCO3 11; Na 140; K 3,8; Cl 110.
pH 7,54; PCO2 32; HCO3 16; Na 141; K 3,1; Cl 88. Paciente ingeriu 6 g de ácido acetilsalicílico há 12 horas. Freqüência respiratória: 32 mrm.
5) pH 7,18; PCO2 65; HCO3 48; Na 137; K 4,3; Cl 95. Paciente enfisematoso, internado com extensa broncopneumonia. Creatinina 4,5 mg/dl.
1)
2)
3)
4)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Metabolismo Ácido-Básico
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
http://www.kidneyatlas.org/book1/adk1 – 06.pdf —
Excelente capítulo do Atlas de Doenças Renais on line de
Robert Schrier.
http://www.biology.arizona.edu/biochemistry/
problem – sets/medph/01q.html — Tutorial muito interessante com perguntas e respostas comentadas.
http://perfline.com/cursos/cursos/acbas/acbas.htm —
Revisão geral do equilíbrio ácido-básico e testes.
RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
1) pH 7,54; PCO2 53; HCO3 42.
a) Distúrbio ácido-básico: pH alto, bicarbonato alto, PCO2 alta 씮 alcalose metabólica.
b) Compensação esperada para a alcalose metabólica é a hipoventilação alveolar, com aumento na PCO2, como se observa nesta gasometria. Aplicando a fórmula para verificar se a compensação da
alcalose metabólica é adequada:
(PCO2 40 0,7 [HCO3 atual HCO3 normal]) 씮 53 40 0,7 (42 24) 씮 53 52,6. Portanto, a compensação está dentro
do que era esperado, e se trata de um distúrbio simples.
c) Anion gap Na (HCO3 Cl) 씮 AG 11.
2) pH 7,27; PCO2 26; HCO3 12; Na 142; K 3,6; Cl 100.
a) Distúrbio ácido-básico: pH baixo, bicarbonato baixo, PCO2 baixa
씮 acidose metabólica.
b) A compensação esperada para a acidose metabólica é a hiperventilação alveolar, com diminuição na PCO2, como se observa nesta
gasometria. Aplicando a fórmula para verificar se a compensação
da acidose metabólica é adequada: PCO2 1,5 [HCO3] 8 씮
26 (1,5 12) 8 씮 26 26. Portanto, a compensação está adequada: a acidose estimulou a hiperventilação, reduzindo a PCO2 ao
nível que era esperado.
c) Anion gap Na (HCO3 Cl) 씮 AG 142 – (12 100) 씮
AG 30. O anion gap está aumentado. Verificar quais as causas
prováveis.
3) pH 7,10; PCO2 32; HCO3 11; Na 140; K 3,8; Cl 110.
a) Distúrbio ácido-básico: pH baixo, bicarbonato baixo, PCO2 baixa
씮 acidose metabólica.
b) Compensação esperada para a acidose metabólica é a hiperventilação alveolar, com diminuição na PCO2, como se observa nesta
gasometria. Aplicando a fórmula para verificar se a compensação
da alcalose metabólica é adequada: PCO2 1,5 [HCO3] 8 씮
32 (1,5 11) 8 씮 24,5 17. O mecanismo de compensação
foi insuficiente e não reduziu a PCO2 aos níveis esperados. Portanto, trata-se de uma acidose mista (acidose metabólica acidose respiratória).
c) Anion gap Na (HCO3 Cl) 씮 AG 140 – (11 110) 씮
AG 19. O anion gap está normal. Verifique as causas prováveis.
4) pH 7,54; PCO2 32; HCO3 16; Na 141; K 3,1; Cl 88.
Paciente ingeriu 6 g de ácido acetilsalicílico há 12 horas. Freqüência
respiratória: 32 mrm.
a) Distúrbio ácido-básico: pH alto, bicarbonato baixo, PCO2 baixa 씮
alcalose respiratória.
b) Compensação esperada para a alcalose respiratória é a eliminação
de bicarbonato e retenção de ácido pelo rim. Aplicando a fórmula
de alcalose respiratória (aguda) para verificar se a compensação é
adequada: [HCO3] deveria diminuir 2 mEq para cada 10 mmHg
de queda na PCO2. Como a PCO2 caiu 8 mmHg, a concentração
de bicarbonato deveria cair para cerca de 22,4 mEq/L. Porém, a
queda no bicarbonato foi superior, chegando a 16 mEq/L. O mecanismo de compensação foi inadequado, e conclui-se que este
paciente apresenta um distúrbio ácido-básico misto: alcalose respiratória e acidose metabólica.
c) AG Na (HCO3 Cl) 씮 AG 37.
5) pH 7,18; PCO2 65; HCO3 28; Na 137; K 4,3; Cl 95.
Paciente enfisematoso, internado com extensa broncopneumonia.
Creatinina 4,5 mg/dl.
a) Distúrbio ácido-básico: pH baixo, bicarbonato alto, PCO2 alta 씮
acidose respiratória.
b) Compensação esperada para a acidose respiratória é a retenção de
bicarbonato pelo rim. Aplicando a fórmula de acidose respiratória (crônica) para verificar se a compensação é adequada: [HCO3]
Deve aumentar 3,5 mEq para cada 10 mmHg de aumento na PCO2.
Como a PCO2 aumentou 25 mmHg, o bicarbonato deveria estar
em torno de 32,75. Observe que o bicarbonato elevou-se pouco,
frente ao que era esperado, talvez devido ao comprometimento de
função renal que este paciente apresenta. Então, o distúrbio apresentado por ele é uma acidose mista (metabólica respiratória).
c) AG Na (HCO3 Cl) 씮 AG 14.
Capítulo
12
Metabolismo do Potássio
Miguel Carlos Riella e Maria Aparecida Pachaly
INTRODUÇÃO
DISTRIBUIÇÃO DO POTÁSSIO NO ORGANISMO
MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA QUANTIDADE DE
POTÁSSIO NO ORGANISMO
Concentração plasmática do potássio
Hormônios adrenocorticais
Como age a aldosterona?
ADAPTAÇÃO A NÍVEIS ELEVADOS DE POTÁSSIO
Adaptação renal ao potássio
Adaptação extra-renal ao potássio
Determinação do potássio total com 40K
PAPEL DO BALANÇO ÁCIDO-BÁSICO
Determinação do potássio trocável
HOMEOSTASIA DO POTÁSSIO NA INSUFICIÊNCIA RENAL
Outros métodos
Papel do sistema renina-angiotensina-aldosterona
INTERPRETAÇÃO DO POTÁSSIO PLASMÁTICO
Excreção gastrintestinal de potássio
FATORES QUE AFETAM A DISTRIBUIÇÃO
Tolerância celular ao potássio
TRANSCELULAR DE POTÁSSIO
BALANÇO DO POTÁSSIO
Ingesta e excreta
AÇÃO DOS DIURÉTICOS
DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO DO POTÁSSIO
Depleção de potássio (hipocalemia)
Excreção renal de potássio
Causas de hipocalemia
Transporte tubular renal de potássio
Manifestações clínicas
Canais de potássio
Diagnóstico diferencial
Túbulo proximal
Tratamento da hipocalemia
Ramo descendente da alça de Henle (RDAH)
Cálculo do déficit de potássio
Ramo ascendente da alça de Henle (RAAH)
Túbulo distal (TD)
Reposição de potássio em algumas situações especiais
Excesso de potássio (hipercalemia)
Reciclagem medular de potássio
Causas de hipercalemia
Fatores que influenciam a secreção de potássio nos
Diagnóstico diferencial
túbulos distal e coletor
SISTEMAS HORMONAIS ATUANTES NA HOMEOSTASIA
DO POTÁSSIO
Manifestações clínicas
Tratamento da hipercalemia
EXERCÍCIOS
Insulina
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Glucagon
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Catecolaminas
RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
190
Metabolismo do Potássio
INTRODUÇÃO
O potássio é o cátion intracelular mais abundante e sua
influência se faz sentir em vários processos metabólicos da
célula. A função neuromuscular e os potenciais de membrana dependem de maneira crítica da relação entre a concentração de potássio intracelular e extracelular.
Em vista disso, os mecanismos que regulam a concentração de potássio devem ser bastante precisos. Embora a
concentração de potássio no líquido extracelular seja reduzida, quando comparada com a concentração intracelular,
a variação é pequena (3,5 a 5,0 mEq/L). As repercussões
clínicas de pequenas variações nesta concentração extracelular de potássio são, no entanto, dramáticas. Cabe ao rim
grande parte da responsabilidade pelo controle da concentração de potássio.
DISTRIBUIÇÃO DO POTÁSSIO NO
ORGANISMO
O potássio total do corpo está em torno de 55 mEq/kg,
e portanto, num indivíduo de 70 kg, há aproximadamente
3.500 mEq de potássio, sendo pelo menos 90% intracelulares1,2 e 10% extracelulares (Fig. 12.1). Porém, apenas 2% do
potássio extracelular se encontram no plasma e fluido intersticial (50-70 mEq); o restante encontra-se no tecido ósseo, de onde pode ser mobilizado lentamente.3
A maior parte do potássio intracelular (em torno de
3.000 mEq) está no interior das células musculares, o que
não implica um acúmulo relativo de potássio no músculo,
mas apenas reflete a preponderância da massa muscular
em relação à massa corporal.
A acentuada diferença de concentração entre os espaços intracelular e extracelular é mantida pela bomba iônica sódio-potássio-ATPase (Na-K-ATPase), que ativamen-
te transporta o potássio para dentro e o sódio para fora das
células.4
O papel do potássio intracelular com relação à água é
análogo ao papel do sódio no líquido extracelular, isto é,
cada um é o principal determinante da osmolalidade do
seu compartimento e a quantidade absoluta de cada um
está relacionada com o volume do compartimento intraou extracelular.5
A facilidade com que se pode determinar a concentração de sódio no líquido extracelular contrasta com as dificuldades existentes na determinação direta do potássio
intracelular.
MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA
QUANTIDADE DE POTÁSSIO NO
ORGANISMO
Concentração Plasmática do Potássio
Demonstrou-se que há uma correlação entre a quantidade
de potássio no plasma e a quantidade total de potássio no
organismo de um indivíduo normal.6 Embora alguns estudos não tenham mostrado uma correlação entre a concentração plasmática de potássio e o potássio total do organismo, há muita evidência na literatura que demonstra que
a concentração plasmática de potássio reflete a quantidade total de potássio no organismo.5
Determinação do Potássio Total com 40K
A administração de potássio radioativo (40K) permite a
detecção externa de toda a radiação emitida pelo 40K proveniente do corpo.7 Por este método, chegou-se à conclusão de que o potássio total do homem está em torno de 55
mEq/kg, e o da mulher, em torno de 49 mEq/kg.1 A dife-
Fig. 12.1 Distribuição do potássio num adulto pesando 70 kg. Observe que a maior parte do potássio está contida nas células musculares. (Obtido de Black, D.A.K.1)
capítulo 12
rença deve-se ao fato de as mulheres possuírem maior
quantidade de tecido adiposo e menor massa muscular.
Quadro 12.1 Alterações no potássio sérico
Distribuição transcelular alterada
1. Ácido-básico
a. Acidose: para cada 0,1 unidade de pH que cai, o
potássio se eleva em 0,6 mEq/L
b. Alcalose: para cada 0,1 unidade de pH que sobe, o
potássio diminui em 0,1 mEq/L
Determinação do Potássio Trocável*
O potássio trocável representa 92 a 99% do potássio total e refere-se ao potássio que se mobiliza com mais facilidade. O método baseia-se na administração de uma quantidade conhecida de 42K, e, após um período de equilíbrio,
a concentração de 42K, multiplicada pela dose administrada, fornece o potássio trocável.
2. Insulina
3. Aldosterona
4. Agentes ␤-adrenérgicos (epinefrina)
Alteração das reservas de potássio
1. Depleção — 1 mEq/L de redução para um déficit de
200-300 mEq
2. Retenção — 1 mEq/L de aumento reflete um excesso
de 200 mEq
Outros Métodos
A determinação do potássio total ou trocável não nos
permite saber a concentração intracelular de potássio. Para
isto haveria necessidade de determinar a água do organismo e o volume do compartimento extracelular.5 Estas determinações são difíceis e não muito precisas. Felizmente,
existem outras maneiras de expressar os dados de potássio: o potássio do organismo pode ser relacionado com o
peso do indivíduo (v. Quadro 12.2), com a sua massa corporal sem gordura e com a altura e excreção de creatinina.
Além disso, há métodos de análise tissular. A biópsia
de músculo é útil, pois o músculo contém aproximadamente 60% do potássio do organismo, e uma estimativa do
potássio muscular total dá uma idéia grosseira do potássio total do organismo.5
A determinação do potássio intracelular em eritrócitos
e leucócitos também tem sido utilizada para a estimativa
do potássio total.
Os vários métodos existentes refletem as dificuldades
encontradas pelos investigadores.
INTERPRETAÇÃO DO POTÁSSIO
PLASMÁTICO
Scribner e Burnell desenvolveram a idéia de que depleção e excesso de potássio devem ser definidos em face das
alterações do potássio total do organismo, tomando-se um
ponto de referência.8 Os autores acreditavam que um ponto
*A determinação da massa de eletrólitos no corpo está intimamente relacionada com a determinação do volume dos líquidos no corpo. Quando
se administra sódio ou potássio radioativo, eles são diluídos pelos isótopos, que ocorrem normalmente no corpo. Alguns eletrólitos do corpo
estão em solução e se equilibram rapidamente com os eletrólitos marcados por substâncias radioativas. Outros eletrólitos estão incorporados em
fáscias, tendões, ossos etc. e se equilibram mais lentamente com os eletrólitos marcados. Isto dificulta o cálculo da massa total de determinado
eletrólito. A massa de eletrólito que se equilibra ou se troca rapidamente
com o eletrólito marcado é denominada massa trocável ou permutável. Daí
as expressões sódio ou potássio trocável, de troca ou permutável. É óbvio que
a massa trocável será sempre inferior à massa total do organismo.7
191
Modificado de Tannen, R.L. Manual of Nephrology. Edit. Robert Schrier.
Little, Brown and Co., 1981.
Quadro 12.2 Depleção de potássio: algumas causas
gastrintestinais
Diarréia
Fezes líquidas: cólera, síndrome de Zollinger-Ellison
Fezes formadas: esteatorréia, pós-gastrectomia
Secreção de tumores: adenoma viloso
Exsudato inflamatório: colite ulcerativa
Vômito e diarréia: gastroenterite
Vômito: estenose pilórica
Aspiração gástrica contínua
Fístulas: biliar, pancreática, gastrocólica
Outras: abuso de purgativos, enemas
Modificado de Black, D.A.K.1
de referência era essencial, pois que alterações no potássio
total, per se, não tinham significado. Exemplificavam com
o paciente em jejum, que perde potássio mas não se torna
deficiente em potássio porque, ao mesmo tempo, destrói
massa protéica (devido ao jejum). O ponto de referência
escolhido foi denominado capacidade total do potássio (total
potassium capacity)§ e refere-se à soma de todos os ânions e
outros grupos químicos fora do líquido extracelular e capazes de reter íons K⫹ ou ligarem-se a estes. A capacidade
do potássio teria vários componentes (v. Fig. 12.2). As células musculares contribuiriam com a maior parcela, além
do fígado, glicogênio, hemácias e ossos.
Desta maneira, define-se depleção de potássio como uma
diminuição do potássio total em relação à capacidade do
potássio. Exemplo: depleção de potássio devido a perdas
gastrintestinais ou renais, sem ingesta adequada (v. Fig.
12.2).
§
O termo capacidade total do potássio talvez não traduza com fidelidade o
significado do termo total potassium capacity.
192
Metabolismo do Potássio
Fig. 12.2 Diagrama ilustrando as relações entre o potássio total e a capacidade do potássio. (Modificado de Chapman, W.H. e cols.44)
Define-se excesso de potássio como um aumento na relação potássio total/capacidade do potássio. Como os rins
normalmente excretam rapidamente um excesso de potássio, a causa mais comum de excesso de potássio é uma
diminuição da capacidade do potássio e não um aumento
no potássio total. O exemplo representativo seria aquele do
paciente com insuficiência renal aguda. O paciente geralmente não se alimenta, de forma que o potássio total permanece constante, pois o rim cessou a excreção. No entanto, devido ao jejum, ele passa a destruir a sua massa celular em busca de fontes de energia, consome as reservas de
glicogênio e, assim, reduz a sua capacidade do potássio
(Fig. 12.2).
Quando existe um quadro de caquexia ou jejum prolongado, não há depleção de potássio, pois o potássio total e a capacidade do potássio decrescem simultaneamente (Fig. 12.2).
Entretanto, como veremos a seguir, existem fatores que
afetam a distribuição transcelular de potássio, sem alterarem a quantidade total de potássio no organismo.
FATORES QUE AFETAM A
DISTRIBUIÇÃO TRANSCELULAR
DE POTÁSSIO
a) Estado ácido-básico: a acidose determina a saída de
potássio das células, enquanto a alcalose age no sentido inverso, determinando redução na concentração sérica do potássio. A isto chamamos desvio iônico.
b) Insulina: promove a entrada de potássio nas células. Deficiência de insulina aumenta o potássio no extracelular.
c) Aldosterona: modifica a excreção urinária de potássio.
Deficiência de aldosterona provoca retenção de potássio e aumento do potássio no extracelular.
d) Agentes adrenérgicos: por exemplo, a epinefrina promove a entrada de potássio nas células.
Se nenhum dos fatores acima estiver atuando, a concentração sérica de potássio reflete o potássio total. Para se avaliar a magnitude da depleção a partir do potássio sérico,
podemos utilizar a seguinte regra prática: a redução de 1
mEq/L no potássio sérico corresponde a uma perda aproximada de 200-300 mEq do potássio total. Uma outra maneira de se interpretar a magnitude do déficit leva em consideração o nível sérico de potássio: nível sérico entre 2,5 e
3,5 mEq/L significa aproximadamente uma redução de 10%
(200-400 mEq) no potássio total. Este déficit geralmente não
acarreta sintomas e pode ser manejado com reposição oral
de potássio. Nível sérico inferior a 2,5 mEq/L indica 15-20%
ou mais de depleção do potássio total (400-700 mEq) e pode
exigir uma reposição mais agressiva, dependendo das ma-
Pontos-chave:
• Potássio normal ⫽ 3,5-5,0 mEq/L
• O nível de potássio no sangue deve ser
avaliado com base na capacidade calêmica
total
• O potássio pode redistribuir-se entre os
compartimentos extra- e intracelular e viceversa, de acordo com o estado ácido-básico,
insulina e estímulo adrenérgico
193
capítulo 12
H⫹
H⫹
H⫹
H⫹
H⫹
H⫹
H⫹
H⫹
H⫹
K⫹
K⫹
K⫹
K⫹
K⫹
K⫹
K⫹
ACIDOSE
앗0,1 pH ⫽앖K 0,6 mEq/L
K⫹ K⫹
K⫹
K⫹
K⫹
ALCALOSE
앖0,1 pH ⫽앗K 0,1 mEq/L
Fig. 12.3 Desvio iônico do potássio em presença de acidose e alcalose. Na acidose, para cada 0,1 de queda no pH, há uma elevação de 0,6 mEq/L no potássio sérico. Na alcalose, para cada 0,1
de aumento no pH, o nível do potássio sérico cai 0,1 mEq/L.
guma excreção também ocorre nos segmentos proximais,
enquanto alguma reabsorção ocorre no ducto coletor. Cerca
de 65% do potássio filtrado são reabsorvidos no túbulo
proximal, e 25-30% na alça de Henle, principalmente no
ramo ascendente espesso. Como estes segmentos tubulares mais proximais executam principalmente processos de
reabsorção de potássio, a maior parte da variação em sua
excreção é causada por ajustes na secreção nos segmentos
tubulares mais distais (como os túbulos distais e túbulos
coletores).2
Transporte Tubular
Renal de Potássio
CANAIS DE POTÁSSIO
nifestações clínicas. É difícil imaginar-se o déficit quando o
nível sérico é inferior a 1,8-2,0 mEq/L. Em caso de hipercalemia, um aumento de 1 mEq/L no potássio sérico reflete
pelo menos 200 mEq de excesso de potássio total.
BALANÇO DO POTÁSSIO
Ingesta e Excreta
Normalmente, a quantidade diária de potássio ingerida varia entre 50 e 150 mEq. A quantidade de potássio
excretada pela pele através do suor é pequena, cerca de 16
a 18 mEq/L. A excreção de potássio nas fezes é da ordem
de 5 a 10 mEq por dia, mas perdas consideráveis ocorrem
nas diarréias, esteatorréias e com uso de laxantes.1
Em vista da pequena excreção cutânea e intestinal de
potássio, é óbvio que a maior responsabilidade pela excreção do potássio cabe ao rim.2
Excreção Renal de Potássio
A excreção renal de potássio depende de três processos:
a) taxa de filtração glomerular do potássio (que é igual
à taxa de filtração glomerular ⫻ concentração plasmática
de potássio); b) taxa de transporte de potássio do lúmen
tubular para o sangue (reabsorção), e c) taxa de transporte
do potássio do sangue para o lúmen tubular (secreção). Em
condições habituais, a taxa de filtração do potássio é mantida constante, e a maior parte do potássio excretado não
resulta do processo de filtração glomerular, e sim do processo de secreção tubular. Em circunstâncias em que a taxa
de filtração glomerular está reduzida, como a insuficiência renal, pode haver acúmulo de potássio com graves repercussões clínicas.2
De maneira geral, as porções iniciais do nefro reabsorvem potássio e as mais distais o secretam. No entanto, al-
Sabe-se atualmente que o movimento passivo de íons e
água através de membranas biológicas é facilitado por um
grupo de proteínas conhecidas como canais. Canal de íon
é definido como uma proteína transmembrana com um
orifício ou poro através do qual os íons podem passar por
eletrodifusão.
Canais de potássio (K⫹) constituem um grupo de proteínas de membrana que facilitam o movimento passivo (guiado pelo gradiente eletroquímico para K⫹) de K⫹ através
de membranas celulares. Um ou mais tipos de canais de
K⫹ podem ser detectados em virtualmente todas as células de mamíferos. Os canais de K⫹ que se abrem e fecham
em resposta a alterações na voltagem da membrana são
chamados de canais voltagem-dependentes (Kv). Uma
subclasse de canais Kv necessita de cálcio para ativação e
são conhecidos como maxicanais K⫹. Recentemente verificou-se que canais Kv têm um papel crucial na regulação
da contração vascular da musculatura lisa e portanto na
resistência vascular periférica e pressão arterial.
Os íons K⫹ atravessam as membranas fundamentalmente por dois mecanismos: via canais ou carregadores. A força
propulsora do movimento de potássio através do canal é
a diferença de potencial eletroquímico. O transporte de
potássio mediado por carregador envolve a ligação com uma
proteína específica carregadora, e a alteração na conformação desta proteína é necessária para atravessar a barreira
celular.
Embora a importância fisiológica de canais Kv não possa
ser imediatamente óbvia no epitélio renal, está claro que
vários destes genes se expressam no rim e que os Kv podem ter um papel na secreção de potássio no ducto coletor cortical e na reciclagem de K na medula interna.9
TÚBULO PROXIMAL
Após a filtração, 60-65% do potássio no líquido tubular
são reabsorvidos no túbulo contornado proximal. O túbulo proximal funciona como um epitélio de baixa resistência, onde ocorre uma extensa reabsorção de água, sódio,
potássio e outros íons. Duas forças passivas promovem
194
Metabolismo do Potássio
CARGA FILTRADA
600-700 MEQ/DIA
RAMO ASCENDENTE DA ALÇA
DE HENLE (RAAH)
REABSORÇÃO DE K⫹
60-70%
SECREÇÃO DE K⫹
INICIAL MÉDIA
⫹
K
REABSORÇÃO
Túbulo proximal
20-30%
FINAL
Túbulo distal
SECREÇÃO
DE K⫹
Túbulo
coletor
Está bem estabelecido que a reabsorção de potássio através da membrana luminal se faz contra um gradiente eletroquímico e através de um mecanismo de co-transporte,
de tal forma que um Na⫹, um K⫹ e dois Cl⫺ são translocados
simultaneamente. Este processo eletricamente neutro constitui o transporte ativo secundário de potássio. A força
promotora origina-se da extrusão ativa de sódio através da
membrana baso-lateral da célula. A saída de potássio da
célula se faz pela membrana baso-lateral e pode ser por
difusão através de canais de potássio ou acoplado a íons
cloro via um co-transportador KCl.
TÚBULO DISTAL (TD)
EXCREÇÃO
URINÁRIA
90 mEq/dia
Fig 12.4 Reabsorção tubular de potássio nos diferentes segmentos do nefro. Adaptado de DeFronzo, R.A.; Smith, J.D.47
reabsorção transepitelial de potássio: a) o movimento de
líquido através de junções intercelulares provoca um arrasto de potássio no mesmo sentido (solvent drag effect); b)
uma força eletroquímica, determinada por uma diferença
de potencial transepitelial que varia de valores positivos
no túbulo proximal, favorecendo a reabsorção, a valores
negativos nos segmentos distais (túbulo coletor), favorecendo a secreção de potássio. Desta forma, ocorre uma reabsorção passiva por eletrodifusão.4
Além destas forças passivas, há evidência de uma via
transcelular ativa para reabsorção de potássio. Esta informação deriva de experimentos em que a reabsorção de líquido e sódio é marcadamente reduzida e a reabsorção de
potássio continua.
A saída de potássio da célula para o líquido peritubular e capilar peritubular é exclusivamente passiva. Isto
ocorre pelo gradiente eletroquímico e pela alta permeabilidade da membrana celular baso-lateral.
RAMO DESCENDENTE DA ALÇA
DE HENLE (RDAH)
Atualmente, acredita-se que o potássio seja secretado no
líquido tubular neste segmento do nefro. Jamison e cols.
mostraram que, no final deste segmento, a quantidade de
potássio excede a filtrada e concluíram que este potássio
secretado provém do potássio absorvido no ramo ascendente da alça de Henle (v. a seguir) e que o ritmo de secreção depende do gradiente existente entre o interstício medular e o lúmen tubular. Portanto, o mecanismo de transporte parece ser passivo.10
A porção do túbulo distal responsável pela secreção de
potássio parece estar restrita à parte final do segmento
entre a mácula densa e a confluência de dois túbulos distais: a parte mais distal do TD e o túbulo coletor cortical. A
parte convoluta do TD (parte inicial) não participa funcionalmente do transporte de potássio.
Há dois tipos de células no túbulo distal que participam
do transporte de potássio: as células principais (claras), mais
numerosas e responsáveis pela reabsorção e secreção de
potássio, e as células intercaladas (escuras), que regulam a
reabsorção de potássio e a secreção de íons H⫹.4
A célula principal transporta o K⫹ através da membrana baso-lateral pela atividade Na-K-ATPase. O movimento preferencial do K⫹ se faz para o lúmen, e isto ocorre pela
eletrodifusão de sódio do lúmen para a célula pela membrana apical. A secreção de potássio pode ser poderosamente influenciada por qualquer coisa que altere a entrada de sódio (íons) na célula através da membrana apical.
A aldosterona aumenta a condução de sódio pela membrana apical, aumentando secundariamente a secreção e a
saída de potássio.
Um segundo tipo de reabsorção de potássio está nos
ductos coletores medulares. É possível que o transporte de
potássio e hidrogênio esteja ligado neste local. A estimulação da secreção de H⫹ aumenta o potencial positivo do
lúmen, aumentando a reabsorção passiva de potássio, e
vice-versa.
RECICLAGEM MEDULAR DE POTÁSSIO
Há evidência recente de que é diferente o transporte de
potássio entre os nefros superficiais (corticais) e os profundos (justamedulares). A base da alça de Henle contém mais
K⫹ do que está presente no filtrado glomerular. Há evidência de que este K⫹ adicionado à alça de Henle provém do
ducto coletor medular. Desta forma, o K sofre uma reciclagem na medula renal, similar ao que ocorre com a uréia. A
alta concentração medular de K origina um gradiente que
favorece a secreção passiva de potássio na pars recta e ramo
fino descendente da alça de Henle. A reciclagem de K
195
capítulo 12
proporciona ótimas condições para o nefro distal excretar
K. Quando ocorre uma alta ingesta de K, a urina deve excretar o excesso. Assim, a alta concentração de K no ducto
coletor não se dissipa para o interstício devido à alta concentração de K na medula.
FATORES QUE INFLUENCIAM A SECREÇÃO
DE POTÁSSIO NOS TÚBULOS DISTAL E
COLETOR
a) Ingesta de potássio: a secreção de potássio aumenta
quando o potássio dietético é elevado e diminui quando este é reduzido. O efeito do aporte de potássio sobre
a secreção é mediado por alterações na concentração
plasmática de potássio, aumentando ou diminuindo a
atividade da enzima sódio-potássio-ATPase da membrana baso-lateral. Além disso, a elevação dos níveis de
potássio estimula a secreção de aldosterona, que aumenta a secreção de potássio.2,4
b) Fluxo de líquido tubular distal e concentração intracelular: se o fluxo é maior, aumenta a secreção de potássio.3 Porém, a secreção depende também da concentração intracelular de potássio: mesmo que haja um
aumento de fluxo tubular, se a concentração intracelular de potássio for baixa, não há aumento em sua secreção.4,11
c) Aporte de sódio aos segmentos distais: como já mencionamos, a concentração de sódio intraluminal a esse
nível pode potencialmente modificar o ritmo de secreção de potássio. A entrada de sódio pela membrana luminal das células principais diminui a negatividade intracelular, favorecendo a secreção de potássio. Com o
aumento da concentração intracelular de sódio, aumenta
também a atividade da sódio-potássio-ATPase baso-lateral, o que aumenta o potássio intracelular e aumenta
sua secreção. Então, quando a concentração de sódio do
TCD aumenta, a secreção de potássio também aumenta.12 Isto explica por que situações em que existe aumento da oferta de sódio às porções finais do túbulo distal
(por exemplo, uso de diuréticos) podem levar a um déficit de potássio.3 Quando se remove o sódio do lúmen,
a secreção de potássio diminui.12
d) Aldosterona: é um hormônio produzido pelas glândulas adrenais; influencia diretamente alguns dos principais determinantes da secreção de potássio, tais como
concentração de potássio intracelular, permeabilidade
da membrana luminal ao potássio e diferença de potencial transepitelial4 (v. adiante).
e) Ânions não absorvíveis na luz tubular: o gradiente
transepitelial distal é lúmen-negativo devido à contínua
reabsorção ativa de sódio; a presença de ânions como
bicarbonato, sulfato e fosfato ajuda a manter negativa a
diferença de potencial elétrico entre luz e interstício,
favorecendo a secreção de potássio. Quanto mais negativo o gradiente, maior é a secreção de potássio.3,4
f) Modificações agudas no estado ácido-básico: a alcalose aguda aumenta e a acidose aguda diminui a secreção de potássio. É possível que com elevações na concentração de íons H⫹ (acidose) haja diminuição da atividade da Na-K-ATPase das células, gerando acúmulo
de potássio no extracelular. O pH ácido pode também
aumentar a permeabilidade celular à saída de potássio.
Nas células principais, isto ocasiona redução na secreção, sendo o resultado final uma retenção de potássio.
Nas alcaloses, o movimento de potássio é do extracelular para o intracelular, levando à hipocalemia.3,4
Pontos-chave:
• A principal forma de excreção do potássio é
através de secreção nos segmentos mais
distais do nefro
• A excreção renal de potássio sofre a
influência dos níveis plasmáticos do íon,
aldosterona, fluxo tubular e estado ácidobásico
SISTEMAS HORMONAIS
ATUANTES NA HOMEOSTASIA
DO POTÁSSIO
A regulação da concentração do potássio extra- e intracelular e da sua excreção pelo rim parece estar sob a influência de vários sistemas hormonais. E eles se inter-relacionam de maneira a garantir a existência de um mecanismo de segurança contra falhas. Se ocorrer elevação dos
níveis de potássio, todo o sistema é acionado, procurando
reduzir sua concentração.
Insulina
A insulina provoca a entrada de potássio para dentro das células, de modo independente de sua ação sobre o metabolismo da glicose.3 Este efeito se deve à capacidade da insulina de ativar a Na-K-ATPase, aumentando a concentração intracelular de potássio e diminuindo a de sódio. A interação insulina-receptor também
ativa um contratransportador Na⫹-H⫹, que resulta em
entrada de sódio na célula e que estimula ainda mais a NaK-ATPase, com os efeitos já descritos. Além disso, a hipercalemia aguda estimula a liberação de insulina pelo pâncreas.3,13
Há muito tempo já se reconhecia que a administração
de glicose reduzia a concentração de potássio no plasma e
na urina. Hoje, sabe-se que a insulina liberada pela hiperglicemia promove a transferência de potássio para muitos
196
Metabolismo do Potássio
tecidos, sobretudo fígado e músculo esquelético. Esta capacidade da insulina em transferir potássio para dentro das
células pode ser clinicamente observada durante o tratamento da cetoacidose diabética e tem uma extraordinária
importância prática na terapêutica da hipercalemia.13,14
Uma discreta hipercalemia num indivíduo normal é
acompanhada de uma liberação de insulina. Isto faz pressupor que um indivíduo com deficiência de insulina seria
mais propenso a desenvolver hipercalemia. Porém, os
mecanismos de defesa contra uma hipercalemia não dependem só da insulina, mas também de aldosterona, a qual
tem uma ação mais retardada. A implicação prática desta inter-relação é a propensão de pacientes diabéticos a
desenvolverem hipercalemia quando recebem uma droga que interfere com a ação da aldosterona, tipo triamterene.14,15
Assim como a alteração no metabolismo dos carboidratos provoca mudanças no metabolismo do potássio, o inverso é também verdadeiro. Há evidências na literatura de
que uma deficiência de potássio compromete o metabolismo dos carboidratos. Demonstrou-se que o uso de diuréticos tiazídicos, em pacientes com curva anormal de tolerância à glicose, era capaz de causar diabetes mellitus sintomático.14,16 Esta intolerância à glicose que se desenvolve em
pacientes que recebem tiazídicos pode ser corrigida com
suplementação de potássio. A implicação prática é de que
uma intolerância aos carboidratos clinicamente importante associada a diuréticos ocorre mais provavelmente em
pacientes diabéticos ou com diabetes mellitus latente. Talvez pela deficiência de insulina, pode não haver hipocalemia, o que pode levar o médico a não suspeitar de um déficit de potássio.
do pâncreas. A insulina, por sua vez, causa a entrada de
potássio nas células.
Com a estimulação ␤-adrenérgica há passagem de potássio para dentro das células do músculo esquelético. As
implicações são as seguintes:14
1.º) Alguns agentes que possuem atividade estimuladora
de receptor ␤-adrenérgico podem ser úteis no tratamento da hipercalemia aguda;
2.º) Agentes ␤-bloqueadores como o propranolol, que evitam a entrada de potássio no músculo esquelético,
podem ser úteis em estados hipocalêmicos nos quais
a entrada de potássio no músculo está acelerada. Exemplo: paralisia periódica.
3.º) Pacientes que recebem ␤-bloqueadores podem desenvolver hipercalemia, pelo menos em cinco situações:
deficiência de insulina, insuficiência renal, exercício,
administração de KCl e quando ingerem simultaneamente drogas que interferem com a ação da aldosterona, tipo espironolactona.
A infusão endovenosa de epinefrina ou nor-epinefrina
pode causar uma hipercalemia aguda transitória que parece ocorrer por liberação de potássio do fígado.18 A epinefrina aumenta a produção de glucagon pelas células alfa
do pâncreas e estimula a produção de glicose pelo fígado.
Ambos os mecanismos podem estimular a liberação de
insulina, a qual, como já mencionamos, é capaz de reduzir
o potássio plasmático.
A estimulação α-adrenérgica causa efeitos opostos, podendo originar hipercalemia pela saída de potássio das
células e inibição da liberação de insulina pelo pâncreas.12
Hormônios Adrenocorticais
Glucagon
A administração de doses farmacológicas de glucagon
pode causar hiperglicemia e hipercalemia agudas. O glucagon tem efeito glicogenolítico potente, responsável pela
hiperglicemia. A hipercalemia é proveniente da liberação
de potássio pelo fígado.17
Catecolaminas
Os efeitos das catecolaminas na concentração de potássio do espaço extracelular são complexos e dependem do
tipo de receptor estimulado.
Os estímulos aos receptores ␤2-adrenérgicos estimulam
o movimento de potássio para dentro das células, provavelmente via Na-K-ATPase, podendo causar hipocalemia.3,13 Este mecanismo pode envolver um aumento no
AMP cíclico e, como resultado, fosforilação e ativação da
sódio-potássio-ATPase. As catecolaminas também podem
atuar de modo indireto, estimulando a glicogenólise, que
leva a hiperglicemia e liberação de insulina pelas células β
A aldosterona é um dos mais potentes mineralocorticóides naturais e tem uma participação importantíssima na
regulação da quantidade de sódio e potássio no organismo. Este hormônio, atuando nos túbulos renais, aumenta
a reabsorção de sódio e a secreção de potássio. Embora as
ações sejam opostas, o balanço de sódio permanece estável, mesmo quando a ingesta de potássio varia muito, e
vice-versa.
Um aumento de 0,3 mEq/L na concentração de potássio é suficiente para produzir um aumento significativo na
secreção de aldosterona.19,20 A administração de potássio
aumenta a secreção de aldosterona, ao passo que a depleção a diminui. Além dos níveis de potássio, outro fator de
estímulo à síntese de aldosterona pelas adrenais são os
níveis de angiotensina II.
A depleção de volume ou de sódio ativa a secreção de
renina pelas células dos aparelhos justaglomerulares dos
rins. A renina age sobre um substrato plasmático chamado angiotensinogênio, convertendo-o em angiotensina I, o
qual, sob o efeito da enzima conversora no pulmão, converte-se em angiotensina II. Esta estimula a secreção de
197
capítulo 12
aldosterona, que causa secreção tubular de potássio e reabsorção de sódio, restaurando a volemia, a qual inibe o estímulo inicial para produção de renina. Como se pode
observar, estes fatores não atuam isoladamente, e o conjunto recebe o nome de sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA).2,13
Uma concentração elevada de potássio estimula a secreção de aldosterona, a qual, atuando nos túbulos renais,
aumenta a excreção de potássio, normalizando o potássio
plasmático. Quando a concentração de potássio plasmático cai, desaparece o estímulo para secreção de aldosterona, completando-se um sistema fechado de controle retrógrado. Simultaneamente, o potássio plasmático elevado
inibe diretamente a secreção de renina e vice-versa.
COMO AGE A ALDOSTERONA?
Estudos mostram que a aldosterona e os mineralocorticóides atuam no túbulo coletor cortical e não no túbulo contornado distal, como se pensava anteriormente. Acredita-se
que a aldosterona entra na célula pelo lado sanguíneo e se
liga a um receptor de proteína no citoplasma, o qual se une
com o núcleo para promover síntese protéica. As proteínas
assim sintetizadas poderiam aumentar a permeabilidade da
membrana plasmática apical ao sódio, aumentando o aporte de sódio para o lado sanguíneo da célula (local do transporte ativo). A bomba de sódio na face peritubular, estimulada pela maior síntese protéica, aumenta a extrusão de sódio da célula para o espaço extracelular. Este maior transporte de sódio determina um maior gradiente elétrico transtubular, criando condições para maior secreção de potássio.6
A entrada de potássio pela membrana peritubular em troca
pelo sódio é mediada pela Na-K-ATPase. Cargas de potássio aumentam a atividade de Na-K-ATPase, independente
da secreção de aldosterona.
Pontos-chave:
• A insulina e os estímulos ␤2-adrenérgicos
estimulam a captação do potássio pelas
células
• A aldosterona atua no túbulo coletor
cortical, aumentando a reabsorção de sódio
e a secreção de potássio
ADAPTAÇÃO A NÍVEIS
ELEVADOS DE POTÁSSIO
Atualmente, aceita-se a existência de um mecanismo de
adaptação que explica a tolerância de animais a doses elevadas de potássio. Por exemplo, quando se administram
por via endovenosa doses elevadas de potássio a animais
submetidos a uma ingestão alta de potássio, há uma rápi-
da secreção urinária deste íon. Da mesma forma, na insuficiência renal crônica, os nefros remanescentes aumentam
a sua capacidade de excretar potássio.21
Adaptação Renal ao Potássio
Em vista do que mencionamos acima, concluímos que
o rim tem uma capacidade intrínseca de responder a uma
carga de potássio, excretando mais potássio na urina. O
mecanismo responsável por esta secreção elevada de potássio reside na atividade das células do nefro distal, já
abordada anteriormente.
São um pouco contraditórios os dados experimentais
com relação ao local no nefro responsável pela adaptação
ao potássio. Parece não haver dúvida de que o túbulo distal tem um papel crítico na secreção de potássio, mas a
participação do sistema coletor não está definida. Wright
e cols., por exemplo, mostraram que, em ratos submetidos
à ingestão crônica de potássio, só o túbulo distal era responsável pela excreção elevada de potássio. No entanto,
se os animais não recebiam sódio, o sistema coletor contribuía significativamente para a excreção de potássio. Estudos mostraram que o epitélio do sistema coletor é potencialmente capaz de secretar potássio.22
Adaptação Extra-renal ao Potássio
Em situações de excesso de potássio, outros órgãos podem contribuir para a homeostase do potássio. Há várias
evidências de que a aldosterona age em outros tecidos de
modo semelhante ao observado nos túbulos renais.3 Por
exemplo, o cólon pode aumentar a excreção de potássio,
num mecanismo mediado pela aldosterona. No tecido
muscular, a aldosterona parece deslocar o potássio para o
intracelular.3 Experimentalmente, a entrada de potássio nas
células é maior em animais submetidos à ingestão elevada crônica de potássio (e presumivelmente com níveis elevados de aldosterona), do que em animais submetidos a
uma ingesta normal de potássio.23
As inter-relações potássio-insulina-glucagon e catecolaminas já foram analisadas nas páginas precedentes.
PAPEL DO BALANÇO
ÁCIDO-BÁSICO
Existe evidência de que a produção de amônia está intimamente relacionada com a homeostase do potássio.24,25
Assim, durante uma depleção de potássio, há um aumento
na excreção de amônio (NH4⫹), possivelmente devido a um
aumento na produção renal de amônia (NH3). Simultaneamente, observa-se um aumento no pH urinário, o que
levou alguns autores a postular a possível coexistência de
um defeito no gradiente de hidrogênio.
198
Metabolismo do Potássio
Existe um pouco de controvérsia quanto ao distúrbio
ácido-básico que uma depleção de potássio produz. Alguns
investigadores demonstraram que, no cão, a depleção de
potássio causa acidose sistêmica, e esta seria responsável
pela produção aumentada de amônia.26 Já no rato, ocorre
alcalose metabólica e no homem não há alteração ou ocorre discreta alcalose metabólica. Em vista desta discrepância, acredita-se, no momento, que não é o estado ácidobásico sistêmico que influi sobre a produção de amônia e
pH urinário.24
Em face de um excesso de potássio, ocorre uma diminuição na excreção de amônio.
O metabolismo do sódio parece estar intimamente relacionado com a homeostase potássio/ácido-básico. A inter-relação, embora ainda controvertida, seria da seguinte
maneira:19
A depleção de potássio aumenta a atividade da renina plasmática e diminui a secreção de aldosterona. Parece também
resultar num aumento da reabsorção de sódio no nefro
proximal e numa diminuição da reabsorção do nefro distal.27 É provável que a diminuição da reabsorção de sódio
no nefro distal seja mediada pela diminuição na secreção
de aldosterona.
Um excesso de potássio diminui a atividade da renina e
estimula a secreção de aldosterona. Além disto, diminui a
reabsorção proximal de sódio e estimula a sua reabsorção
distal. O aumento da secreção de aldosterona contribui
para a reabsorção distal elevada de sódio.
Estes ajustes na reabsorção de sódio servem para manter a homeostase do sódio e do potássio quando a ingesta
de potássio é modificada. Assim, na presença de um déficit de potássio, como há um aumento na reabsorção proximal de sódio, menos sódio chega ao nefro distal, onde
normalmente ocorre a troca Na⫹-K⫹, e como a secreção de
aldosterona também está diminuída, a reabsorção distal de
sódio também é reduzida. Assim, o balanço de sódio é
mantido, enquanto a excreção de potássio é diminuída.
Quando há um excesso de potássio, ocorre o inverso.
Várias observações indicam que a reabsorção de sódio
também influencia a excreção de hidrogênio no nefro distal.28 Acredita-se que a produção de amônia possa minimizar as alterações ácido-básicas quando a reabsorção de
sódio é modificada.
Se existe menos amônia para tamponar o H⫹ no lúmen,
o pH urinário cai muito, elevando o gradiente transtubular para a secreção de H⫹ e, portanto, diminuindo a excreção de ácido.24
Na presença de uma depleção de potássio, há uma diminuição na reabsorção distal de sódio e um aumento na
produção de amônia. A amônia tampona o H⫹ no lúmen,
transformando-se em amônio (NH4⫹). Com isto, o pH no
lúmen não cai muito e, por conseguinte, o gradiente transtubular para a secreção de H⫹ também não é muito grande, e logo a excreção de ácido não é reduzida. Portanto, o
papel da amônia é manter a excreção de ácido na vigência
de uma diminuição na reabsorção distal de sódio, a qual,
como mencionamos anteriormente, se acompanha de uma
diminuição na excreção de ácido.24
Uma das implicações práticas do aumento na produção
de amônio foi dada em 1963. É clássico o conceito de que
hipocalemia pode precipitar coma hepático. Como em
pacientes cirróticos muitas vezes se administram diuréticos, estes podem causar hipocalemia, a qual aumenta a
produção de amônia, e o paciente com disfunção hepática
pode ser incapaz de metabolizar a amônia, predispondose à instalação de coma hepático.29
A secreção de K⫹ e H⫹ depende muito da concentração
intracelular destes íons. Por exemplo, numa alcalose aguda (respiratória ou metabólica), o potássio passa do líquido extracelular para o interior das células, e, numa acidose (respiratória ou metabólica), o potássio sai das células.
O mecanismo deste movimento transcelular não está
bem esclarecido. Portanto, na alcalose, a concentração intracelular de potássio aumenta (inclusive na célula tubular renal), e mais potássio está disponível para excreção.
Na acidose, ocorre o contrário.
Uma alcalose sistêmica aumenta a perda urinária de
potássio, enquanto uma acidose sistêmica diminui a excreção renal de potássio. Mas, na verdade, o potássio e o hidrogênio não competem pela secreção, e os dados experimentais mostram que, enquanto a secreção de hidrogênio
aumenta, a de potássio também aumenta, e vice-versa.12
HOMEOSTASIA DO POTÁSSIO NA
INSUFICIÊNCIA RENAL
A manutenção do balanço de potássio, durante a instalação de insuficiência renal crônica, reflete a participação
progressiva de mecanismos de adaptação.30
A concentração plasmática de potássio aumenta apenas
na fase terminal da insuficiência renal crônica. Isto implica que, à medida que cai o ritmo de filtração glomerular, a
fração do potássio filtrado também aumenta.
Bank e cols. demonstraram que, em ratos com insuficiência renal causada por nefrectomia subtotal, não havia alteração na fração de reabsorção de potássio ao longo do túbulo distal (quando comparados com o grupo-controle), mas
aumentava muito a secreção de potássio no ducto coletor.31
Tanto na insuficiência renal como na ingestão crônica
de potássio, a adaptação renal resulta de um aumento de
atividade da Na-K-ATPase.
Papel do Sistema
Renina-Angiotensina-Aldosterona
A aldosterona é um estimulador potente da secreção
tubular de potássio. A evidência baseada em dados experimentais é de que uma produção elevada de aldosterona
199
capítulo 12
não é indispensável para a manutenção do equilíbrio de
potássio na uremia.
Vários autores mostraram que a concentração plasmática de aldosterona na insuficiência renal terminal é normal, desde que a renina e o potássio plasmático estejam
dentro do normal. Quando aumenta a concentração plasmática de potássio e/ou renina, aumenta a concentração
de aldosterona.32
A conclusão é de que há necessidade, pelo menos, de
níveis normais de aldosterona, pois se uma insuficiência
renal se complica com hipoaldosteronismo, ocorre hipercalemia.33
Excreção Gastrintestinal de Potássio
Normalmente, a quantidade de potássio excretada nas
fezes representa uma quantidade pequena da ingesta diária. No entanto, o intestino é potencialmente uma fonte de
perda de potássio, como ocorre nas diarréias. Estudos em
indivíduos normais e urêmicos, numa dieta normal de
potássio, mostraram que, enquanto nos indivíduos normais a excreção fecal era de 12% da ingesta, em urêmicos
era de 34%.34
Tem sido sugerido que o mecanismo da excreção intestinal aumentada de potássio seja mediado pela aldosterona.
Como alguns diuréticos inibem a reabsorção proximal
de sódio, uma maior quantidade de sódio chega ao nefro
distal, e postulou-se inicialmente que a caliurese que ocorria com estes diuréticos era resultado da maior concentração intraluminal de sódio no túbulo distal cortical.
Atualmente, não se acredita que esta concentração intraluminal de sódio limite a secreção de potássio (apenas
potencialmente, como já foi frisado). Mas há evidência de
que, no sistema coletor (cortical e medular), a concentração intraluminal de sódio limita a secreção de potássio.
Assim, um aumento da oferta de sódio ao sistema coletor
aumenta a secreção de potássio (v. também Cap. 43).
DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO
METABOLISMO DO POTÁSSIO
Depleção de Potássio (Hipocalemia)
Refere-se a uma diminuição do potássio total em relação à capacidade do potássio ou resultado de uma distribuição transcelular e traduz-se habitualmente por uma
redução na sua concentração plasmática (hipocalemia ⬍ 3,5
mEq/L). A alcalose é a causa mais comum de alteração na
distribuição transcelular. Um déficit real de potássio resulta
geralmente de perdas gastrintestinais ou renais.
Tolerância Celular ao Potássio
Quando se administra potássio a urêmicos, o potássio
sérico aumenta muito mais do que em pacientes normais.
Isto indica que a tolerância celular ao potássio diminui na
insuficiência renal. Conclui-se, portanto, que um mecanismo de adaptação renal existe em indivíduos normais e
urêmicos, mas um mecanismo de adaptação extra-renal só
existe em normais.30
Ponto-chave:
• Na insuficiência renal, existe uma
adaptação aos níveis elevados de potássio,
com aumento da excreção renal e intestinal
frente a cargas de potássio, pela ação da
aldosterona
CAUSAS DE HIPOCALEMIA
A depleção a que nos referimos é a que se deve à perda
do íon K⫹ e não pela redução da massa celular (capacidade do potássio). Isto pode ocorrer durante um período de
ingesta reduzida de potássio, não compensada por uma
redução na excreção de potássio. Isto não é freqüente, pois
quando a ingesta diminui por letargia, anorexia, coma etc.,
a excreção também diminui. Portanto, depleção de potássio por falta de ingesta só ocorre se os rins forem impedidos de conservar potássio.
A causa mais comum de depleção de potássio é uma
perda elevada de potássio do corpo. Como a perda de
potássio pela pele é desprezível (a não ser em sudorese
profusa), restam o rim e o trato gastrintestinal como vias
importantes na perda de potássio.
Desvio Transcelular ou Redistribuição
AÇÃO DOS DIURÉTICOS
Como já mencionamos, um dos fatores determinantes
do ritmo de secreção distal de potássio é o fluxo de urina
pelo segmento do nefro. Portanto, quanto maior o fluxo de
urina pelo túbulo distal cortical, maior é a excreção de
potássio. E os diuréticos são agentes que aumentam o fluxo de urina.12
Apenas uma pequena fração do potássio corporal total
está localizada no espaço extracelular, e pequenos desvios
para o intracelular produzem grandes variações na concentração plasmática de potássio.35 Estes desvios podem ser
causados por:
a) Alterações do estado ácido-básico: na alcalose metabólica ou respiratória, íons hidrogênio saem das células
para minimizar as mudanças no pH do extracelular. A
necessidade de manter a eletroneutralidade entre os
200
Metabolismo do Potássio
compartimentos leva à entrada de potássio nas células.
Este efeito produz um aumento de 0,6 mEq/L no potássio do extracelular para cada 0,1 unidade de pH que cai,
no caso da alcalose metabólica, e 0,1 mEq/L no caso de
alcalose respiratória.36
b) Ação da insulina: como já comentado anteriormente, a
insulina promove a entrada de potássio nas células
musculares e hepáticas, reduzindo os níveis plasmáticos. Este efeito pode ser observado após a administração de insulina na hiperglicemia grave ou na cetoacidose
diabética.36
c) Infusão de glicose: a concentração plasmática de potássio diminui com a administração de glicose, por mecanismo similar à insulina.36
d) Atividade ␤-adrenérgica: a estimulação de receptores ␤2adrenérgicos promove a entrada de potássio nas células.
Então, hipocalemia transitória pode ser observada em
situações em que há liberação de epinefrina, como, por
exemplo, intoxicação por teofilina e isquemia coronariana. A infusão de aminas vasoativas também pode provocar este efeito, que pode ser utilizado terapeuticamente na hipercalemia: a administração de um agonista ␤adrenérgico (como a terbutalina e o albuterol) reduz os
níveis de potássio em cerca de 0,5-1 mEq/L.36
e) Paralisia periódica hipocalêmica: um raro distúrbio caracterizado por ataques recorrentes de paralisia flácida
desde a infância, acompanhados de hipocalemia devido a uma redistribuição do potássio para o interior das
células.36,37
f) Envenenamento pelo bário (carbonato de bário): pode
produzir paralisia flácida e hipocalemia devido a um
bloqueio dos canais de potássio na membrana, que normalmente permitem a passagem de potássio para o extracelular. O sulfato de bário utilizado em exames radiográficos não acarreta risco para os pacientes.36
g) Tratamento de anemias graves: resulta em rápida assimilação do potássio para dentro das hemácias que estão sendo produzidas, levando a hipocalemia. Este efeito
habitualmente é observado dois dias após o início do
tratamento da anemia.35
h) Outras causas: hipotermia, intoxicação por teofilina,
cloroquina.35,36
Perdas Gastrintestinais
As principais causas gastrintestinais de hipocalemia
estão enumeradas no Quadro 12.2.
a) Aporte dietético insuficiente: pode ocorrer em pacientes idosos e etilistas, em que a ingesta de potássio é inadequada, e em pacientes em fase de rápida síntese celular, como os submetidos a hiperalimentação.
b) Diarréias: normalmente, a excreção de potássio para um
volume fecal habitual de 200 ml não excede 10 mEq/dia,
mas pode elevar-se muito em certas situações, como nas
diarréias agudas ou crônicas e abuso de laxativos. As
hipocalemias causadas pelas diarréias podem cursar
também com acidose metabólica pela perda de bicarbonato. A acidose provoca um desvio iônico que mesmo
em vigência de hipocalemia provoca a saída de potássio de dentro das células, mascarando os níveis plasmáticos de potássio.
Normalmente, a resposta à perda de potássio pelo
intestino é a conservação renal de potássio, através da
diminuição de sua secreção tubular. Porém, esta resposta sofre um efeito antagônico: como a diarréia provoca
depleção de sódio e hipovolemia, e estas ocasionam
maior produção de aldosterona, a secreção de potássio
pode estar elevada.3
c) Ureterossigmoidostomia: resulta em absorção anormal
de cloreto de sódio em associação com secreção de potássio e bicarbonato para a luz da alça intestinal. Causa
também acidose metabólica do tipo hiperclorêmica.37
d) Vômitos: o teor de potássio no suco gástrico não é elevado, mas os vômitos ou a drenagem nasogástrica podem ocasionar hipocalemia. Isto se deve mais à perda
de ácido clorídrico do que à perda de potássio.3,38 A perda de ácido leva à alcalose metabólica, a qual produz um
desvio iônico de potássio para dentro das células e secreção de potássio pelas células tubulares distais. Também está ativo o sistema renina-angiotensina-aldosterona, pela perda de água e sódio, o que acelera a perda de
potássio pelos rins.3
Perdas Renais
Já apresentamos, nas páginas precedentes, muita evidência da importância do rim como via final de controle
da homeostase do potássio. Muitas vezes, a resposta renal
é apropriada pela interferência dos mecanismos de controle
do balanço de potássio. Outras vezes, a resposta renal indica uma nefropatia ou um distúrbio na ação dos mecanismos de controle, como ocorre, por exemplo, com o uso de
diuréticos.
a) Diuréticos: o uso de diuréticos é, talvez, a causa mais
freqüente de hipocalemia na prática clínica. Todos os
diuréticos provocam excreção de potássio, exceto os
chamados poupadores de potássio (v. Cap. 43 para maiores informações).
Os tiazídicos causam maior perda de potássio porque
aumentam o fluxo de urina pelos segmentos corticais do
nefro distal, além de, em parte, serem inibidores da anidrase carbônica.12
O furosemide e o ácido etacrínico inibem a reabsorção
ativa de cloro no ramo ascendente da alça de Henle,
responsável provável pela reabsorção passiva de potássio neste segmento. Ademais, além de produzirem um
maior fluxo de urina, estes agentes parecem inibir a reabsorção proximal de potássio, promovendo caliurese.12
Os inibidores da anidrase carbônica, tipo acetazolamida, não afetam o transporte proximal de potássio mas
capítulo 12
aumentam a secreção de potássio no nefro distal. O mecanismo parece ser duplo: a inibição da secreção de H⫹
no nefro distal causa hiperpolarização transtubular, que
é uma força para o movimento passivo do potássio da
célula para a urina. Além disto, como estes agentes inibem a reabsorção proximal de bicarbonato, mais bicarbonato chega ao nefro distal e, sendo ele pouco reabsorvível, induz um aumento do fluxo de urina, como fazem
outros agentes.12 Algumas drogas utilizadas na prática
clínica, como a anfotericina e a carbenicilina, também
aumentam a perda de potássio.
Os diuréticos osmóticos, tipo manitol, também aceleram
a excreção de potássio por elevarem o fluxo de líquido
tubular no nefro distal.
b) Hiperaldosteronismo: a produção excessiva de aldosterona por um tumor ou hiperplasia adrenais (hiperaldosteronismo primário) ou por hipovolemia e hipoperfusão renal (hiperaldosteronismo secundário) determina um aumento na excreção de potássio pelos mecanismos já abordados anteriormente, com conseqüente hipocalemia. O mesmo ocorre com a estenose de artéria
renal.38
O alcaçuz (Glycyrrhiza glabra, elemento utilizado na
fabricação de laxantes, indústria de doces, tabaco e cervejarias) contém um esteróide, o ácido glicirrízico, o qual
inibe uma enzima que converte o cortisol em cortisona.
Desta forma o cortisol em níveis elevados induz um
aumento na atividade mineralocorticóide.38
c) Alterações tubulares: como as estruturas tubulares do
nefro distal excretam a maior parte do potássio ingerido, é fácil compreender que alterações tubulares podem
levar a uma excreção excessiva de potássio. Exemplos:
acidose tubular renal, síndrome de Fanconi, pielonefrite, fase poliúrica da necrose tubular aguda, etc.
d) Alterações genéticas: a síndrome de Bartter é uma desordem rara que se manifesta na infância e cursa com hipocalemia, alcalose metabólica, hiper-reninemia, hiperaldosteronismo, hiperplasia do aparelho justaglomerular e, algumas vezes, hipomagnesemia. São comuns
poliúria, polidipsia, hipercalciúria. Mais rara é a ocorrência de hipomagnesemia. Também existe aumento na
liberação renal de prostaglandinas vasodilatadoras, o
que pode explicar a pressão arterial normal. Resulta de
anormalidades na função tubular, primariamente no
transporte de cloreto de sódio na porção espessa da alça
de Henle. Com isso, ocorre uma discreta depleção de
volume, que ativa o sistema renina-angiotensina-aldosterona. A combinação de hiperaldosteronismo e aumento do fluxo distal (pelo defeito reabsortivo) aumenta a
secreção de potássio e hidrogênio nos túbulos coletores,
levando a hipocalemia e alcalose metabólica.36
A síndrome de Gitelman cursa com os mesmos achados da síndrome de Bartter, porém o defeito é no cotransportador sódio-potássio do segmento inicial do
túbulo distal.3 Nesta síndrome, perda de magnésio é
201
mais comum, e podem ocorrer tetania e fadiga. Geralmente é diagnosticada em crianças maiores ou adultos
jovens.36
e) Ânions não reabsorvíveis: normalmente o gradiente
elétrico negativo no túbulo coletor, gerado pela reabsorção de sódio, é equilibrado pela reabsorção de cloreto.
Em algumas situações, o sódio chega ao nefro distal
acompanhado de um ânion não reabsorvível (por exemplo, bicarbonato, penicilina). Nestes casos, parte do sódio será reabsorvida em troca com o potássio, aumentando sua excreção.36
f) Hipomagnesemia: uma grande parte dos pacientes com
hipocalemia apresentam hipomagnesemia (por uso de
diuréticos, diarréia). A hipomagnesemia induz à perda
renal de potássio por mecanismos complexos. É comum
encontrar hipomagnesemia em pacientes em que existe
dificuldade para correção da hipocalemia; nestes casos,
só se conseguirá corrigir o potássio após a reposição de
magnésio.35,36
g) Anfotericina B: este medicamento modifica a permeabilidade celular através da interação com esteróis da
membrana, promovendo secreção de potássio.36
h) Outras causas: gentamicina e cisplatina têm efeito tóxico direto sobre as células tubulares, induzindo à perda
renal de potássio.35
Ponto-chave:
• A hipocalemia (potássio ⬍ 3,5 mEq/L) pode
ser causada por redistribuição, perdas
gastrintestinais e renais
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Metabólicas
A hipocalemia pode afetar o metabolismo protéico e
gerar dificuldade em obter balanço nitrogenado positivo
durante nutrição parenteral. Testes de tolerância à glicose
podem estar alterados, possivelmente devido a uma menor resposta das células beta do pâncreas à glicose. Além
disso, encontram-se comprometidas, também, a liberação
de aldosterona e hormônio de crescimento.37
Cardiovasculares
Ocorrem irregularidades do ritmo cardíaco, caracterizadas por batimentos ectópicos e alterações eletrocardiográficas: alargamento do QRS, depressão do segmento ST,
diminuição de ondas T e, eventualmente, o aparecimento
de ondas U após as ondas T (Fig. 12.7). Estas alterações
refletem o impacto da hipocalemia sobre o potencial de
membrana. A depleção de potássio também aumenta o
risco de arritmias em pacientes recebendo digital. Estes
pacientes costumam receber diuréticos e uma dieta pobre
202
Metabolismo do Potássio
Complexo
juncional
Via paracelular
Membrana basal
em sal, o que aumenta a propensão para um déficit de
potássio.
É relatada também a associação de hipocalemia com o
desenvolvimento de hipotensão arterial ortostática pelos
efeitos sobre o sistema nervoso autônomo e diminuição da
resistência vascular sistêmica.37
Espaço intercelular lateral
Na⫹
K⫹
Na⫹
Neuromusculares
K⫹
Na⫹
Na⫹
Na⫹
K⫹
Na⫹
K⫹
Membrana apical Membrana basolateral
Fig. 12.5 Representação esquemática de células dos túbulos proximais. A via de transporte transcelular consiste nas membranas
apical e basolateral. A via paracelular consiste nos complexos juncionais e espaços intercelulares laterais. (Baseado em: Brenner, ␤.4)
0
Potencial
de ação
Milivolts
⫺65
⫺90
Os sinais e sintomas de depleção de potássio habitualmente não aparecem até que a deficiência seja significativa.
A hipocalemia diminui a excitabilidade neuromuscular. Os
sintomas podem ir desde apatia, fraqueza, parestesias, até
tetania. Uma depleção grave causa fraqueza no músculo
esquelético e, eventualmente, paralisia flácida. Uma das
conseqüências da hipocalemia sobre o músculo esquelético
é a rabdomiólise, por diminuição do fluxo sanguíneo para
o músculo, redução dos depósitos de glicogênio e diminuição da sódio-potássio-ATPase e potencial de membrana.37
Em pacientes portadores de doença hepática grave a
hipocalemia pode precipitar ou exacerbar a encefalopatia,
aumentando a concentração de amônia no tecido cerebral
e líquor.37
Limiar normal
Repouso
NORMAL
Kⴙ
ELEVADO
Kⴙ
BAIXO
Caⴙⴙ
ELEVADO
Caⴙⴙ
BAIXO
Fig. 12.6 Efeitos do potássio e cálcio séricos nos potenciais de membrana. (Adaptado de Leaf, A.; Cotran, R.S.48)
Fig. 12.7 Alterações eletrocardiográficas seqüenciais na hipocalemia. (Modificado de Krupp, A.M.49 — gentileza do Dr. Olavo G.
Ferreira da Silva Jr.)
203
capítulo 12
Digestivas
Podem ocorrer sintomas digestivos, como náuseas e
distensão abdominal e de alças intestinais (íleo paralítico).
Renais
Como conseqüência da hipocalemia, os mecanismos de
conservação de potássio encontram-se ativados, e a concentração urinária de potássio está diminuída.
Além disso, vários estudos, no ser humano e em animais,
demonstraram que a depleção de potássio está associada a
uma vacuolização das células epiteliais tubulares, mais pronunciada no túbulo proximal, todavia também vista no túbulo contornado distal. Tudo indica que as lesões são reversíveis, pelo menos nas fases iniciais da depleção.39 Há uma
sugestão na literatura, baseada em observações clínicas e
experimentais, de que a depleção de potássio torna os indivíduos (e animais) suscetíveis à pielonefrite.40
Podem ocorrer ainda polidipsia por estímulo da sede e
poliúria pela incapacidade de concentrar maximamente a
urina, como um diabetes insípido nefrogênico. Aparentemente, a hipocalemia causa uma dificuldade de o ADH
formar o segundo mensageiro, o AMP cíclico.37,38
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Naturalmente para se determinar a causa da hipocalemia devemos verificar se a mesma resulta de uma redistribuição do potássio ou representa realmente um déficit. As
causas de alteração na distribuição (alcalose, insulina, aldosterona e drogas ␤-adrenérgicas) já foram abordadas. Se
a causa da hipocalemia não estiver na redistribuição do
potássio, estaremos frente a um déficit real de potássio, e
devemos determinar se a perda de potássio é renal ou extra-renal (Quadros 12.3 e 12.7).
Pela própria história clínica podemos ter idéia da causa
Quadro 12.3 Diagnóstico diferencial de hipocalemia
I - Perda extra-renal (K urinário ⬍ 20 mEq/dia)
A. Ácido-básico normal
1. Ingesta inadequada
a. anorexia nervosa
b. dieta de chá c/torradas
2. Pele
a. suor
II - Perda renal (K urinário ⬎ 20 mEq/dia)
A. Acidose metabólica
1. Acidose tubular renal
a. distal (tipo I)
b. proximal (tipo II)
2. Diamox
3. Cetoacidose diabética
4. Enterostomia ureteral
a. ureterossigmoidostomia
b. ureteroileostomia
C. Alcalose metabólica
Cloro urinário baixo
(cloro urinário < 10 mEq/dia)
Cloro urinário elevado
(cloro urinário ⬎ 10 mEq/dia)
Excesso de mineralocorticóide
(hipertensão arterial)
앖 Aldosterona
Aldosterona N ou ↓
B. Acidose metabólica
1. Perdas gastrintestinais
a. diarréia
b. fístula
c. adenoma viloso
d. abuso de laxativos
B. Ácido-básico variável
1. Síndrome de Fanconi
2. Fase diurética (NTA, pós-obstrução)
3. Nefrite intersticial
4. Leucemia
5. Antibióticos (penicilina, carbenicilina)
6. Depleção de magnésio
a. adquirida
b. perda renal hereditária
1.
2.
3.
4.
앗 Renina 1. Hiperaldosteronismo primário
a. adenoma
b. hiperplasia
앖 Renina 1. Hipertensão renovascular
2. Hipertensão maligna
3. Tumor secretor de renina
1. Excesso de corticosterona ou DOC
2. Alcaçuz
3. Síndrome de Liddle
4. Síndrome de Cushing
5. ACTH ectópico
Outros 1. Diuréticos, síndrome de Bartter, depleção grave de K
Modificado de Narins, R.G.; Heilig, C.W.; Kupin, W.L.41
Vômitos ou perda gástrica
Diuréticos
Pós-hipercapnia
Diarréia perdedora de Cl (congênita)
204
Metabolismo do Potássio
do distúrbio, porém alguns dados laboratoriais além da
dosagem do potássio plasmático podem fornecer significativas informações. Por exemplo, a dosagem do potássio em urina
de 24 horas pode auxiliar a determinar se a causa da hipocalemia é uma perda urinária ou não. Caso o potássio urinário esteja acima de 20 mEq/litro, suspeita-se de perda
renal. Se menor que 20 mEq/litro, demonstra que a conservação renal de potássio está ocorrendo, e a causa da
hipocalemia é extra-renal. A dosagem de potássio em
amostra aleatória de urina pode ser usada, mas é menos
precisa.36
Também a gasometria venosa, além de demonstrar a possibilidade de desvio iônico, pode evidenciar uma causa provável para o distúrbio: por exemplo, vômitos e síndrome de
Bartter cursam com alcalose; alguns distúrbios tubulares
renais e cetoacidose diabética cursam com acidose.
Ponto-chave:
• Além da dosagem plasmática de potássio,
auxiliam no diagnóstico de hipocalemia:
Dosagem de potássio na urina
Gasometria venosa
TRATAMENTO DA HIPOCALEMIA
Está indicada a reposição de potássio para os pacientes
que apresentem hipocalemia cuja causa não seja a redistribuição entre compartimentos.38
A hipocalemia é raramente uma emergência, e, sempre
que possível, a via oral deverá ser empregada para reposição de soluções de potássio, preferencialmente sob a forma de cloreto.35 No Brasil, estão disponíveis as seguintes
apresentações de cloreto de potássio: drágeas de 500 mg,
drágeas de liberação lenta contendo 600 mg e xarope contendo 900 mg em 15 ml. Na prática, a correção de hipocalemia somente pela ingestão de alimentos com alto teor de
potássio não é adequada.
A via endovenosa só será utilizada se houver necessidade de uma administração mais rápida ou se o paciente
não puder ingerir. A urgência na administração do potássio depende basicamente das repercussões cardíacas e neuromusculares. Pacientes com envolvimento muscular significativo ou alterações eletrocardiográficas deverão receber quantidades maiores e em menor tempo.
A maior parte da literatura indica que não mais de 40
mEq de potássio devam ser colocados em cada litro de
solução para uso endovenoso e que a administração não
deve ser inferior a 60 minutos. Hamill sugere que a infusão de até 0,5 mEq/kg em uma hora é segura para pacientes gravemente doentes.42 Outros sugerem 0,75 mEq/kg ou
30 mEq/m2 em pessoas obesas durante 1 a 2 horas. As
quantidades de potássio a serem administradas serão tanto maiores quanto maior a depleção, pois primeiramente
o potássio adentra as células e refaz os estoques intracelulares, para em seguida iniciar a normalização dos níveis no
extracelular.
É importante lembrar que a administração de potássio
em solução que contenha glicose pode reduzir ainda mais
os níveis de potássio; se for possível, a reposição inicial
deve ser feita em solução salina isotônica.36
Numa hipocalemia grave (⬍ 2,0 mEq/L) e associada a
arritmias cardíacas, até 80-100 mEq deverão ser administrados em 1 hora para suprimir a irritabilidade cardíaca.
O fator limitante nestas altas doses é a dor no trajeto venoso durante a infusão. Uma solução para este problema seria a administração através de dois acessos periféricos, cada
infusão contendo 40-50 mEq/L. Se houver problema de
excesso de volume, podemos concentrar a solução, mas aí
devemos utilizar uma veia de alto fluxo, como por exemplo uma veia femoral. A infusão de grandes quantidades
através das veias subclávia, jugular ou através de cateter
atrial não é recomendada, pois as altas concentrações intracardíacas de potássio podem causar arritmias. Sempre
que for urgente a reposição de potássio, esta deverá ser
efetuada sob controle eletrocardiográfico.
No Brasil, a apresentação de cloreto de potássio mais
utilizada para uso endovenoso é na concentração de 19,1%,
onde cada ml tem 2,5 mEq de potássio e 2,5 mEq de cloro.
Os riscos da utilização de potássio dependem da via de
administração, idade e presença de co-morbidades, como
por exemplo a insuficiência renal. Mesmo administrado
por via oral, o potássio pode ocasionar parada cardíaca por
hipercalemia, sendo este fato mais observado em pacientes idosos, pacientes com insuficiência renal, pacientes que
recebem simultaneamente potássio por via oral e endovenosa e naqueles que recebem potássio e diuréticos poupadores de potássio.43
As drágeas de potássio para liberação entérica eventualmente provocam ulceração do intestino delgado. Já as
preparações líquidas de potássio não têm bom paladar,
mas raramente causam ulcerações intestinais.
CÁLCULO DO DÉFICIT DE POTÁSSIO
Na ausência de um distúrbio ácido-básico, a magnitude do déficit pode ser calculada considerando-se a capacidade para potássio (massa muscular) do paciente44 (Quadro 12.4) ou utilizando-se as regras práticas já enumeradas. Portanto, se o potássio total pode ser estimado (considerando-se o peso e a massa muscular do paciente), podese calcular o déficit de potássio em mEq (v. exercícios adiante).
Se desejarmos usar o potássio plasmático como guia da
terapêutica, há necessidade de uma estimativa grosseira da
influência do distúrbio ácido-básico na relação entre o
potássio plasmático e o intracelular. Esta relação é exposta na Fig. 12.9, a qual indica a influência do pH sanguíneo
na concentração do potássio plasmático sem que haja alteração no potássio total. Pode-se verificar que, para cada
205
capítulo 12
Quadro 12.4 Estimativa da capacidade do potássio
Massa Muscular
Normal
Perda moderada
Perda acentuada
Potássio Total (mEq/kg)
Homens
Mulheres
45
32
23
35
25
20
Modificado de Chapman, W.H. e col.44
Excesso de Potássio
(Hipercalemia)
O excesso de potássio é definido como um aumento na
relação potássio total/capacidade de potássio ou devido a
uma redistribuição transcelular e é geralmente identificado por um aumento da concentração plasmática acima dos
valores normais (hipercalemia > 5 mEq/L).
CAUSAS DE HIPERCALEMIA
alteração no pH de 0,1 unidade, ocorre uma alteração no
potássio plasmático de 0,6 mEq/L. Portanto, tendo-se o pH,
pode-se deduzir o potássio plasmático, como se não houvesse distúrbio ácido-básico (v. exercícios adiante).
REPOSIÇÃO DE POTÁSSIO EM ALGUMAS
SITUAÇÕES ESPECIAIS
Em pacientes não edemaciados e que desenvolvem hipocalemia durante a administração de diuréticos tiazídicos, pode-se normalizar o potássio plasmático administrando-se 60 mEq de cloreto de potássio por dia.43 Apenas alguns permanecem hipocalêmicos mesmo que se administrem 100 mEq por dia.45 A administração de diuréticos que
poupam potássio normaliza o potássio plasmático durante a terapia com diuréticos tiazídicos ou de alça, mas a experiência clínica mostra que a administração de cloreto de
potássio em quantidades suficientes tem o mesmo efeito.
O bom senso atual indica que, em pacientes não edemaciados recebendo diuréticos de modo crônico, não há necessidade de administrar potássio profilaticamente. Nestes
pacientes, recomenda-se um controle laboratorial a cada
um ou dois meses e, se a concentração plasmática do potássio chegar a menos de 3 mEq/L, administra-se uma
solução de potássio a 10% por via oral, proporcionandose 50-60 mEq por dia.43
A administração de sais de potássio ou diuréticos poupadores de potássio a pacientes edemaciados está particularmente indicada naqueles que recebem digital ou que são
suscetíveis ao desenvolvimento de coma hepático. A administração diária de 40-80 mEq de uma solução de potássio é em geral suficiente. Se a administração de sais de
potássio por via oral não corrige o déficit, podem-se empregar agentes bloqueadores da secreção de potássio no
nefro distal. A espironolactona é eficiente, mas o custo é
elevado e a terapia prolongada pode causar ginecomastia.
O custo do triamterene é menor, mas ele já é menos eficiente.
Em pacientes com alcalose metabólica e hipocalemia, a
administração de sais de potássio, sob a forma de acetato,
gluconato ou lactato, não corrige o déficit de potássio, a não
ser que o déficit de cloro seja corrigido através da administração de cloreto de potássio ou através da administração simultânea de um destes sais de potássio e uma outra
fonte de cloro (v. Cap. 11).
As situações que mais comumente resultam em hipercalemia são aquelas em que o rim não mais consegue excretar o potássio ingerido ou proveniente de uma liberação endógena. A capacidade de excreção renal do potássio é muito grande, e, em indivíduos normais, a ingestão
excessiva de potássio não produz um excesso de potássio.
Pseudo-hipercalemia
Refere-se à elevação da concentração sérica ou plasmática de potássio por movimento deste íon para fora das
células durante ou após a coleta de sangue. Geralmente isto
se relaciona a trauma durante a coleta, quando o garrote é
mantido por muito tempo antes da punção venosa, ou
quando há demora no processamento da amostra, resultando em liberação de potássio das hemácias por hemólise.36,46 Leucócitos acima de 100.000/mm3 ou plaquetas acima de 400.000/mm3 podem resultar em pseudo-hipercalemia, pois estas são células ricas em potássio, que pode
ser liberado durante o processo de coagulação.36
O ECG pode ser útil na diferenciação entre a hipercalemia verdadeira e a factícia, pois alterações só ocorrem na
hipercalemia verdadeira.
Redistribuição
A entrada de íons hidrogênio em excesso pelas células,
como ocorre nas acidoses, leva a um movimento de potássio para fora das células com o objetivo de manter a eletroneutralidade. Para cada 0,1 unidade de pH que cai, o
potássio extracelular sobe 0,6 mEq/L.
Uma liberação rápida de potássio pode ocorrer também
em destruição celular maciça após cirurgia, trauma com
esmagamento e lesão muscular (rabdomiólise), infecções
extensas ou hemólise maciça.38 Estes quadros geralmente
se acompanham de um comprometimento da função renal e conseqüente redução na excreção de potássio.
Outras causas de hipercalemia por redistribuição seriam: uso de ␤-bloqueadores, intoxicação digitálica, paralisia periódica familiar hipercalêmica, exercícios extenuantes e administração de succinilcolina.38
Insuficiência Renal Aguda
Na insuficiência renal aguda, há uma redução importante na excreção do potássio, pois se estabelece um quadro de oligúria ou anúria, geralmente com destruição ce-
206
Metabolismo do Potássio
lular num paciente hipercatabólico, diminuindo a capacidade do potássio e lançando na circulação o potássio liberado das células. Hipercalemia em insuficiência renal crônica não é comum, por razões já abordadas nas páginas
precedentes. Cumpre apenas salientar que vários estudos
mostram que a secreção de potássio na insuficiência renal
crônica está aumentada, talvez pelo maior aporte de sódio
ao nefro distal. De modo geral, pacientes renais crônicos
sem aporte excessivo de potássio podem manter-se sem
hipercalemia enquanto o clearance de creatinina estiver
acima de 5-10 ml/min.35
Insuficiência Adrenal
Os principais estímulos fisiológicos para a liberação de
aldosterona são a angiotensina II (gerada pela liberação de
renina pelos rins) e a elevação do potássio plasmático. Deste modo, a hipercalemia por diminuição do efeito da aldosterona se deve geralmente a doença renal (prejudicando a
secreção de renina), disfunção adrenal (alterando a liberação de aldosterona) ou resistência tubular à ação da aldosterona.
Na insuficiência adrenal com hipoaldosteronismo, se o
paciente ingere uma dieta adequada em sal, não ocorre
hipercalemia, talvez porque, havendo uma oferta adequada de sódio ao nefro distal, haverá secreção de potássio,
apesar do hipoaldosteronismo. A hipercalemia é mais freqüentemente observada na crise addisoniana, que depende de uma depleção de sódio.1
Existe uma situação chamada hipoaldosteronismo hiporreninêmico, que acomete principalmente idosos diabéticos com algum grau de insuficiência renal. Neles, a hipercalemia seria causada por uma baixa produção de renina devido à lesão de células justaglomerulares. Esta seria também uma explicação para o fato de que os pacientes diabéticos são mais suscetíveis a desenvolverem hipercalemia quando utilizam diuréticos poupadores de potássio.
A heparina e inibidores da enzima conversora também
podem suprimir a produção de aldosterona.
Pontos-chave:
• A hipercalemia (potássio ⬎ 5,0 mEq/L)
pode ocorrer por problemas durante a
coleta ou por redistribuição, insuficiência
adrenal e insuficiência renal
• É raro ocorrer hipercalemia sem disfunção
renal
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Ao se identificar uma hipercalemia, devemos diferenciar entre uma falsa determinação laboratorial (pseudohipercalemia), fenômeno de redistribuição e um aumento
real do potássio total (Quadro 12.5). Mais uma vez, a his-
Quadro 12.5 Diagnóstico diferencial de
hipercalemia
I - Pseudo-hipercalemia
1. Hemólise
2. Trombocitose
3. Leucocitose
II - Redistribuição
1. Acidose
2. Insulina
3. Bloqueio ␤-adrenérgico
4. Infusão de arginina
5. Succinilcolina
6. Intoxicação digitálica (superdose)
7. Paralisia periódica
III - Retenção de potássio
RFG ⬍ 5 ml/min — 1. Oligoanúria
2. Carga de potássio
a. exógena
b. endógena — necrose
tissular
hemólise
hipercatabolismo
RFG ⬎ 20 ml/min
앗 Aldosterona
Diuréticos Poupadores (Retentores) de Potássio
A utilização de espironolactona, amiloride e triamterene pode causar hipercalemia, sobretudo se empregados em
pacientes com insuficiência renal. Como já mencionamos
nas páginas precedentes, a administração de diuréticos
poupadores de potássio a pacientes diabéticos os predispõe à hipercalemia.
Ureterojejunostomia
O jejuno absorve o potássio existente na urina, provocando elevação dos níveis sanguíneos deste íon.
Outras Causas
Trimetoprim, antiinflamatórios não-esteróides.
Aldosterona
normal
1. Doença de Addison
2. Hipoaldosteronismo
hiporreninêmico
3. Inibição de prostaglandina
sintetase
1. Tubulopatias primárias
a. Adquiridas
— transplante renal
— lúpus eritematoso
— amilóide
— anemia de células
falciformes
b. Hereditárias
2. Drogas
a. espironolactona
b. amiloride
c. triamterene
Modificado de Narins, R.G.; Heilig, C.W.; Kupin, W.L.41
capítulo 12
207
tória clínica e a correlação com a gasometria arterial também são importantes na determinação correta da etiologia
do distúrbio.41 (V. Quadro 12.8.)
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
As manifestações clínicas podem estar ausentes, mas,
quando ocorrem, são intensificadas pela presença concomitante de hiponatremia, hipocalcemia ou acidose. As
manifestações neuromusculares são similares às da hipocalemia e as parestesias podem ser manifestações mais
precoces. Outras manifestações neuromusculares são: fraqueza, arreflexia e paralisia muscular ou respiratória.
Neuromusculares
Fig. 12.8 Relação entre a concentração plasmática e o potássio
total. (Obtido de Chapman, W.H. e cols.44)
A facilidade em gerar um potencial de ação (chamada
excitabilidade de membrana) depende da magnitude do
potencial de repouso e do estado de ativação dos canais de
sódio da membrana. A abertura destes canais de sódio leva
à difusão passiva de sódio do extracelular para o interior
das células. De acordo com a equação de Nernst, o potencial de repouso depende da relação entre o potássio intra
e extracelular. Uma elevação do potássio extracelular diminui esta relação e parcialmente despolariza a membrana das células musculares (torna o potencial de repouso
menos eletronegativo). Entretanto, o efeito final no paciente é que a despolarização persistente inativa os canais de
sódio da membrana, produzindo uma diminuição na excitabilidade, o que clinicamente se manifesta como alteração na condução cardíaca ou fraqueza e paralisia musculares. Pequenas são as repercussões sobre o sistema nervoso central.
Cardiovasculares
As manifestações cardíacas são freqüentes quando a
concentração plasmática do potássio ultrapassa 8,0 mEq/L.
Elas são incomuns quando a concentração é inferior a 6,07,0 mEq/L. As repercussões cardíacas incluem: bradicardia, hipotensão, fibrilação ventricular e parada cardíaca. As
manifestações eletrocardiográficas seqüenciais (v. Fig.
12.10) são: ondas T altas, pontiagudas nas derivações precordiais (devido à despolarização mais rápida); segmento
ST deprimido; diminuição de amplitude das ondas R; prolongamento do intervalo PR, ondas P diminuídas ou ausentes e alargamento do complexo QRS com prolongamen-
Fig. 12.9 Relação entre o pH sanguíneo e a concentração plasmática de potássio. (Obtido de Chapman, W.H. e cols.44)
to do intervalo QT. Pode ocorrer a fusão de um complexo
QRS com uma onda T, formando uma configuração ondulada ou sinusoidal. Arritmias ventriculares ou parada cardíaca podem ocorrer. Estas manifestações indicam grave
risco de vida para o paciente. 37,38
Fig. 12.10 Alterações eletrocardiográficas seqüenciais na hipercalemia. (Modificado de
Krupp, A.M.49 — gentileza do Dr. Olavo G.
Ferreira da Silva Jr.)
208
Metabolismo do Potássio
Hormonais e Renais
Em resposta à hipercalemia, há aumento da insulina e
aldosterona, que efetuam mecanismos protetores, como
entrada de potássio nas células e aumento da excreção
através do túbulo distal. Se há número reduzido de nefros,
há um sensível aumento na secreção de potássio pelo sistema coletor. Portanto, o sistema coletor sobressai como
um importante órgão de reserva, colocado no final do
nefro para impedir uma intoxicação de potássio no organismo.12
TRATAMENTO DA HIPERCALEMIA
A primeira etapa é confirmar a dosagem de potássio com
uma nova coleta, desta vez sem garrote. Como regra geral
deve ser suspensa qualquer medicação que forneça ou retenha potássio.35
A forma de tratamento empregado (antagonizar os efeitos do potássio, desviar o potássio para dentro das células
ou remover o potássio do organismo) depende da gravidade da hipercalemia refletida pela concentração plasmática de potássio e presença de alterações eletrocardiográficas. Portanto, toda vez que se identifica um paciente
hipercalêmico, um eletrocardiograma deve ser obtido. Se
o paciente apresentar potássio menor que 6,5 mEq/litro e
sem alterações eletrocardiográficas, pode ser suficiente
diminuir a ingesta e suspender as drogas que diminuam a
excreção de potássio.
Se houver alterações eletrocardiográficas ou se o potássio for maior que 6,5 mEq/L, medidas mais agressivas
devem ser tomadas (Quadro 12.6).
potássio na célula muscular cardíaca. O aumento do cálcio no extracelular restaura a diferença normal entre o
potencial de repouso e o limiar, tornando normal a excitabilidade. Sempre que o eletrocardiograma apresentar sinais
de hipercalemia, o cálcio é a primeira droga a ser utilizada, pois sua ação é imediata. Seu uso é contra-indicado no
paciente digitalizado, pois pode precipitar a intoxicação
digitálica.36 Sob controle eletrocardiográfico, 10 a 20 ml de
gluconato de cálcio a 10% são injetados lentamente na veia.
Ao mesmo tempo, prepara-se uma solução de manutenção, contendo 500 ml de soro glicosado a 5% e 10 ml de
gluconato de cálcio a 10%; esta solução deve ser infundida
continuamente na veia, em velocidade suficiente para
manter o eletrocardiograma normal.
O cálcio não deve ser administrado em soluções contendo bicarbonato, pois ocorre precipitação de carbonato de
cálcio.36
Bicarbonato de Sódio
Desvia o potássio para dentro das células e é mais eficaz em pacientes que apresentam algum grau de acidose.36
O bicarbonato de sódio (50-100 mEq) pode ser administrado por via endovenosa em 15 a 30 minutos. Lembrar que
cada grama de bicarbonato de sódio leva consigo 12 mEq
de sódio, o que pode ser um fator limitante nos pacientes
com excesso de volume extracelular. No Brasil, uma das
apresentações disponíveis de bicarbonato de sódio é na
concentração de 8,4%, onde 1 ml contém 1 mEq de bicarbonato e 1 mEq de sódio.
Agonistas ␤-adrenérgicos
Cálcio
A administração endovenosa de cálcio não reduz o potássio plasmático, mas antagoniza os efeitos tóxicos do
A administração endovenosa ou inalatória destes agentes também provoca uma redistribuição do potássio para
o intracelular. Estudos foram feitos com o uso de albute-
Quadro 12.6 Terapêutica da hipercalemia aguda
Mecanismo
Dose
Início
Duração
Gluconato de cálcio 10%
Antagonismo de
membrana
10-20 ml EV
1-3 min
30-60 min
Bicarbonato de sódio
Redistribuição
50-100 mEq EV
5-10 min
2h
Insulina e glicose
Redistribuição
20 U de insulina
simples ⫹ 40 g
de glicose EV
em 1 hora
30 min
4-6 h
␤-agonistas inalatórios
(Albuterol)
Redistribuição
10-20 mg
30 min
2h
Resina catiônica de
troca (Kayexalate, Sorcal)
Remoção
20-50 g VO
ou 100 g retal com
sorbitol
1-2 h
4-6 h
Hemodiálise ou diálise
peritoneal
Remoção
Minutos
Da diálise
209
capítulo 12
Quadro 12.7 Diagnóstico da hipocalemia
HIPOCALEMIA
Pseudo-hipocalemia
Redistribuição
Depleção real de potássio
Perda extra-renal
(potássio urinário ⬍ 20 mEq/L)
Perda renal
(potássio urinário ⬎ 20 mEq/L)
Pressão Arterial
Bicarbonato
Baixo
Normal
Alto
Diarréias
Fístulas
intestinais
baixas
Sudorese
profusa
Diuréticos
Vômitos
Fístula
gástrica
Normal
Elevada
Renina Plasmática
Alta
Hipertensão:
Maligna
Renovascular
Túbulo secretor
renina
Bicarbonato
Baixa
Baixo
Aldosterona
Acidose Tubular
Renal
Alta
Hiperaldosteronismo
primário
Baixa
S. de Cushing
Mineralocorticóide
Hiperpasia
congênita
de adrenais
Alto
Cloreto Urinário
⬍ 10 mEq/dia
Vômitos
⬎ 10 mEq/dia
Diuréticos
S. de Bartter
Hipomagnesemia
Hiperaldosteronismo
com pressão
normal
Depleção extrema
de potássio
Adaptado de Narins, R.G.; Heilig, C.W.; Kupin, W.L.41
rol, 10-20 mg por via inalatória em 4 ml de solução salina,
ou 0,5 mg via endovenosa (no Brasil, o albuterol não é disponível). Também pode ser utilizada a epinefrina via endovenosa (0,05 ␮g/kg/minuto). Deve ser lembrado que a
absorção via inalatória é errática e a administração endovenosa é potencialmente arritmogênica. Outros efeitos incluem: taquicardia e angina de peito em indivíduos suscetíveis. Então, estes agentes devem ser evitados em pacientes com doença coronariana. Em pacientes renais crônicos,
que muitas vezes têm doença coronariana subclínica, deve
ser feita monitorização cuidadosa.36
Infusão de Glicose-Insulina
Desvia o potássio para dentro das células, causando
rápida redução do potássio plasmático. Pode-se utilizar 1
unidade de insulina para cada 2 g de glicose. Se o paciente
não estiver alimentando-se e para evitar hipoglicemia, recomenda-se administrar 4 g de glicose para cada unida-
de de insulina. Costuma-se gotejar na veia 200 ml de soro
glicosado a 20% com 20 unidades de insulina, durante 60
minutos. É necessária cuidadosa observação para sinais de
hipoglicemia, como sonolência, sudorese, taquicardia.
Resinas de Troca
As resinas de troca removem o potássio do organismo,
mas atuam mais lentamente. As resinas são substâncias
que, administradas por via oral ou retal, promovem a troca de sódio ou cálcio (dependendo da resina empregada)
pelo potássio plasmático. Elas são capazes de remover 1
mEq de potássio por grama de resina. É importante lembrar que as resinas que trocam sódio por potássio (1,7 a 2,5
mEq de Na⫹/mEq de K⫹) podem acarretar um excesso de
sódio no organismo e, conseqüentemente, determinar sobrecarga cardiovascular. No Brasil, a resina disponível é à
base de poliestirenossulfonato de cálcio (Sorcal), apresentada em envelopes de 30 gramas.
210
Metabolismo do Potássio
Quadro 12.8 Diagnóstico da hipercalemia
HIPERCALEMIA
PSEUDO-HIPERCALEMIA
REDISTRIBUIÇÃO
Garrote
Hemólise
Leucocitose
Trombocitose
Acidose
Hiperglicemia
Beta-bloqueadores
Succinilcolina
Intoxicação digitálica
Paralisia periódica
EXCESSO REAL DE POTÁSSIO
TFG ⬍ 10 ml/min
TFG ⬎ 20 ml/min
Oligúria de qualquer causa
Aporte de potássio
Exógeno
Endógeno
Hemólise
Necrose de tecido
Hipercatabolismo
Aldosterona normal ou alta
Aldosterona baixa
Renina plasmática baixa
Hipoaldosteronismo
hiporreninêmico
Inibição da PG sintetase
Ciclosporina
Renina plasmática
normal ou alta
Desordens tubulares primárias
Transplante renal
Lúpus eritematoso
Amiloidose
Anemia falciforme
Uropatia obstrutiva
Drogas
Espironolactona
Triamterene
Amiloride
Trimetoprim
Doença de Addison
Defeitos hereditários na síntese de aldosterona
Heparina
Inibidores da enzima conversora
Adaptado de Narins, R.G.; Heilig, C.W.; Kupin, W.L.41
Diálise
Quando os métodos conservadores falham, o tratamento dialítico remove o potássio do organismo (v. Cap. 48).
apropriada para sintomas de sobrecarga de volume, uma
vez que retém sódio ao mesmo tempo em que elimina
potássio.
Mineralocorticóides
A fludrocortisona é usada no tratamento dos pacientes com hipoaldosteronismo, porém com monitorização
Pontos-chave:
• A hipercalemia é um distúrbio grave,
principalmente por suas repercussões sobre
a condução cardíaca
• Eletrocardiograma sempre deve ser
solicitado na hipercalemia
• Os achados no ECG determinam a rapidez
com que deve ser tratada a hipercalemia
EXERCÍCIOS
1) Um homem de 70 kg e sem perda aparente de massa muscular chega
ao hospital após um quadro de gastroenterite, e a investigação laboratorial mostra um potássio plasmático de 2,8 mEq/L. Calcular o
potássio total e a percentagem de déficit.
2) Um paciente chega ao hospital após três dias de vômitos e a investigação mostra um pH de 7,6 e um potássio plasmático de 3,0 mEq/L.
Qual seria a concentração de potássio com pH de 7,4?
3) Um paciente etilista, com quadro de vômitos há três dias, vem ao
pronto-socorro. Seu espaço extracelular está reduzido em 20%. Potássio = 2,3 mEq/L; pH de 7,52 e bicarbonato de 40 mEq/L. Que distúrbio de potássio apresenta e qual a causa?
4) Ao ser chamado(a) para avaliar uma paciente diabética, renal crônica, com potássio de 6,8, qual sua conduta?
5) Paciente de 27 anos, admitido na UTI em mal epiléptico após overdose
de cocaína. pH ⫽ 6,9; bicarbonato ⫽ 12 mEq/L; potássio ⫽ 8,5 mEq/L.
capítulo 12
Urina acastanhada, positiva para hemoglobina. Enzimas musculares
elevadas. Explique os motivos pelos quais este paciente apresenta
hipocalemia e qual é o potássio real para um pH de 7,4.
23.
24.
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ECG e potencial de ação.
RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
1) Com a ajuda do Quadro 12.4, obtém-se: 45 mEq ⫻ 70 kg ⫽ 3.150 mEq.
Como não há distúrbio ácido-básico, verificamos, na Fig. 12.8, que um
potássio plasmático de 2,8 corresponde a um déficit de aproximadamente 13% do potássio total, ou seja, em torno de 400 mEq.
2) Na Fig. 12.9, verificamos que, se não houver alteração no potássio total,
a concentração normal de potássio para um pH de 7,6 seria 3,0 mEq/L.
Isto significa que, se o pH fosse corrigido para 7,4, o potássio plasmático seria de 4,5 mEq/L.
3) Este paciente apresenta hipocalemia (potássio menor que 3,5 mEq/L),
que provavelmente se deve à perda renal de potássio, uma vez que a
depleção do espaço extracelular ativa o sistema renina-angiotensinaaldosterona, aumentando a excreção renal de potássio. Além disso, o
bicarbonato age como um ânion pouco reabsorvível, carregando sódio para o túbulo coletor, o que também aumenta a secreção de potássio na luz tubular. A alcalose metabólica que este paciente apresenta pode ter ocasionado um desvio iônico de cerca de 0,6 mEq/L
de potássio para o intracelular; seu potássio real deve ser em torno de
2,3 ⫹ 0,6 ⫽ 2,9 mEq/L.
4) Interromper qualquer administração de potássio. Obter um eletrocardiograma. A presença de ondas T apiculadas confirma a hipercalemia verdadeira. Neste caso, é necessária intervenção imediata para
antagonizar os efeitos tóxicos do potássio sobre a fibra cardíaca (administrar cálcio EV). Prosseguir com as outras etapas de tratamento
da hipercalemia: bicarbonato, glicose-insulina, agentes ␤2-adrenérgicos, resinas de troca e diálise. Afastar a possibilidade de redistribuição. Afastar a possibilidade de pseudo-hipercalemia.
5) Este paciente apresenta dados compatíveis com rabdomiólise, possivelmente decorrente das convulsões prolongadas. Além disso, apresenta acidose metabólica, que pode ter sido causada pelo metabolismo anaeróbio induzido pela hipoxemia e convulsões. O potássio dosado é de 8,5 para um pH de 6,9. O potássio real deste paciente para
um pH de 7,4 é de 5,5. As causas da hipercalemia neste caso poderiam ser: redistribuição, pela acidose metabólica, e destruição de células musculares, principal reservatório de potássio no organismo. Devemos realizar um ECG imediatamente e tratar a hipercalemia de
acordo com a seqüência já mencionada.
Capítulo
13
Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio
Marcelo Mazza do Nascimento, Miguel Carlos Riella e Marcos Alexandre Vieira
CÁLCIO
Introdução
Introdução
Causas
Homeostase do cálcio
Quadro clínico
Distribuição do cálcio
Absorção, excreção, balanço interno
Fatores que regulam a homeostase do cálcio
PTH e vitamina D
Diagnóstico
Formas de apresentação
Hiperfosfatemia
Introdução
Funções no organismo
Causas
Hipocalcemia
Pseudo-hiperfosfatemia
Definição
Causas de hipocalcemia
Diagnóstico
Quadro clínico
Tratamento
Hipercalcemia
Quadro clínico
Tratamento
MAGNÉSIO
Homeostase do magnésio
Distribuição
Unidades de medida
Definição
Absorção, excreção e balanço interno
Resposta adaptativa
Fatores que influenciam a excreção de magnésio
Causas de hipercalcemia
Funções do magnésio no organismo
Quadro clínico
Hipomagnesemia
Diagnóstico
Causas
Tratamento
Quadro clínico
FÓSFORO
Introdução
Homeostase do fósforo
Diagnóstico
Tratamento
Hipermagnesemia
Distribuição
Definição
Absorção, excreção e balanço interno
Causas de hipermagnesemia
Mecanismos de transporte
Quadro clínico
Fatores que regulam a excreção de fósforo
Tratamento
Funções do fósforo no organismo
Hipofosfatemia
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
214
Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio
CÁLCIO
Introdução
A manutenção da homeostase do cálcio é de fundamental importância, do ponto de vista fisiológico, metabólico
e estrutural, em nosso organismo. Sua participação na cascata da coagulação, reações enzimáticas e na transmissão
neuromuscular dá a dimensão de sua importância para que
se mantenham níveis plasmáticos normais.
Os mecanismos fisiológicos necessários à manutenção
de níveis séricos normais de cálcio, bem como as alterações
deste equilíbrio (hipocalcemia, hipercalcemia), serão discutidos a seguir.
Homeostase do Cálcio
DISTRIBUIÇÃO DO CÁLCIO
Cerca de 99% do cálcio do nosso organismo encontrase no esqueleto. Um indivíduo normal de 70 kg contém
aproximadamente 1,2 kg de cálcio. Deste total, 5,3 g estão
no fluido intracelular, 1,3 g no fluido extracelular (excluindo-se ossos) e mais de 1 kg encontra-se nos ossos sob a
forma de cristais de hidroxiapatita.
A distribuição sanguínea do cálcio se dá da seguinte
maneira: cerca de 50% na forma difusível (cálcio ionizável
e na forma de complexos) e o restante, não-difusível, ligado às proteínas plasmáticas.
Como a albumina é a proteína mais abundante no plasma, 90% do cálcio ligado às proteínas encontra-se ligado a
ela. Sendo assim, a diminuição dos níveis séricos de albumina determina alterações na concentração de cálcio sérico total. Por exemplo, a diminuição em 1,0 g/dl da concentração sérica de albumina diminui a concentração de cálcio total em 0,8 mg/dl. As alterações da concentração sérica de globulinas determinam menores variações na concentração de cálcio sérico (1,0 g/dl de globulina para 0,12
mg/dl de cálcio total).
A porção do cálcio difusível se divide em fração ionizável, 90% do total (ultrafiltrável), e o restante formando
complexos com bicarbonato, citrato, fosfato, lactato e sulfato. A fração ionizável de cálcio varia com o pH sanguíneo, sendo que a alcalose diminui a concentração de cálcio ionizável, ao contrário da acidose. Alteração em 0,1
unidade no pH sérico modifica a ligação proteína-cálcio em
0,12 mg/dl.1,2,3
ABSORÇÃO, EXCREÇÃO, BALANÇO INTERNO
Absorção Intestinal
Um indivíduo normal ingere aproximadamente 1.000
mg de cálcio elementar ao dia (15 mg/kg/dia). Dependendo da concentração de 1,25-diidroxivitamina D3 (calcitriol) e do conteúdo de cálcio na dieta, 20 a 40% deste total é
absorvido no duodeno (400 mg). O suco digestivo acresce
cerca de 200 mg de cálcio nas 24 horas, perfazendo no total uma absorção diária de 600 mg.
Os mecanismos de transporte do cálcio são realizados
tanto de forma ativa quanto passiva. O transporte ativo se
dá principalmente pela presença de sódio na luz intestinal,
baixa concentração de cálcio e ação do calcitriol. O mecanismo não dependente de energia ocorre quando a concentração de cálcio no lúmen intestinal é alta (13 mg/dl).1,2,3
Rins
A filtração renal do cálcio se dá pela sua porção difusível (complexos na forma de vários sais e fração ionizável),
isto é, 60% do cálcio total. A reabsorção tubular do cálcio
acontece principalmente no túbulo contornado proximal,
ramo ascendente espesso da alça de Henle e no túbulo
contornado distal.
Ponto-chave:
• Cálculo da concentração plasmática de
cálcio na presença de hipoalbuminemia
[Ca] corrigido [Ca] medido 0,8 (4,5 [albumina]
[Ca] medido em mg/dl
Albumina medida em g/dl
Exemplo: [Ca] medido 7,6 mg/dl
Albumina 2,5 g/dl
[Ca] corrigido 7,6 0,8 2 9,2 mg/dl
No túbulo contornado proximal, o cálcio é reabsorvido
conjuntamente com o sódio, e em estados de depleção de
volume extracelular a sua reabsorção é aumentada. Em
situações de expansão do espaço extracelular, porém, ocorre o inverso. Cerca de 60% do cálcio filtrado é reabsorvido
no túbulo contornado proximal.
No ramo espesso ascendente da alça de Henle, outros
20 a 25% do cálcio filtrado são reabsorvidos, e drogas que
atuam neste segmento específico do néfron, como o furosemide, aumentam a excreção de cálcio, como se verá posteriormente.
Ponto-chave:
• No túbulo contornado proximal o cálcio é
reabsorvido conjuntamente com o sódio e
na presença de depleção extracelular a sua
reabsorção aumenta. Na presença de
expansão extracelular, ocorre o inverso, e
isto pode ser usado no tratamento da
hipercalcemia
215
capítulo 13
pela tireóide, fazendo com que aconteça uma diminuição na
produção de calcitriol, normalizando os níveis de cálcio.
Os principais reguladores da atividade da 1-hidroxilase são o PTH (estímulo) e o fósforo inorgânico, sendo que
a hiperfosfatemia possui uma ação inibidora da atividade
enzimática, ao contrário da hipofosfatemia.
Funções no Organismo
Fig. 13.1 Demonstração das áreas e da proporção de reabsorção
de cálcio.
A regulação da reabsorção do cálcio ocorre no túbulo
contornado distal (10% do total), pela ação do PTH e do
calcitriol. Estas substâncias aumentam a reabsorção local
através de mecanismos ativos da bomba de cálcio e trocas
de sódio por cálcio.
Fatores que Regulam a
Homeostase do Cálcio
PTH E VITAMINA D
A vitamina D3 é formada a partir da dieta e da clivagem
fotolítica na pele do 7-desidrocolesterol. A vitamina D2, proveniente de fonte dietética (ergosterol), juntamente com a
vitamina D3, são as formas ativas da vitamina D no sangue.
No fígado a vitamina D sofre a ação da 25-hidroxivitamina D3 (calcidiol), que nos rins, pela ação da 1-hidroxilase diidroxivitamina D3 (1-hidroxilase), transforma-se
em calcitriol.
Em situações de hipocalcemia ou em estados de demanda de cálcio, é feita a conversão de calcidiol em calcitriol,
porém em estados de normocalcemia o calcitriol não é formado em grande quantidade.1,2,3
O calcitriol aumenta o transporte de cálcio no intestino,
age no néfron distal aumentando a reabsorção de cálcio e
nos ossos aumenta a mobilização de cálcio.
O PTH em situações de hipocalcemia tem sua síntese
aumentada e agirá sobre os ossos aumentando a atividade das células reabsortivas (osteoclastos). Nos rins, no túbulo distal aumenta a reabsorção de cálcio e estimula a
atividade da enzima 1-hidroxilase, com conseqüente
maior síntese de calcitriol. A normocalcemia e o aumento
do calcitriol agem como inibidores da secreção de PTH.
Já em situações de hipercalcemia, dar-se-á uma inibição da
produção de PTH e um estímulo à liberação de calcitonina
A função do cálcio no organismo humano a nível celular se dá principalmente pela estabilização das membranas celulares e pelo transporte de sódio e potássio. Seu
papel em processos como a endocitose e a exocitose está
bem estabelecido.1,2,3,7
No osso exerce função estrutural. A transmissão neuromuscular e a excitação nervosa são dependentes do cálcio, já
que este regula a entrada de sódio e potássio no interior da
célula, necessária para a propagação do potencial de ação.7
No músculo o cálcio se liga à superfície da célula determinando o nível de despolarização necessária para que se
inicie a contração. Também a intensidade de contração
depende da concentração de cálcio ionizado a nível intracelular. Daí se percebe que as alterações para cima ou para
baixo dos níveis de cálcio causam sinais e sintomas principalmente a nível neuromuscular.
Hipocalcemia
DEFINIÇÃO
A queda do cálcio sérico total abaixo de 8,8 mg/dl é
indicativo de hipocalcemia, porém isto não define uma
diminuição da concentração da fração ionizável, já que
existe uma ligação do cálcio à albumina. Para cada queda
de albumina em 1,0 g/dl abaixo de 4,0 g/dl, adicionamos
0,8 mg/dl à concentração total de cálcio plasmático (v. fórmula mais precisa no ponto-chave, anteriormente).
Nas situações de hipocalcemia, a resposta do organismo
se dá pela atuação das paratireóides na liberação de PTH.
Quando a normocalcemia é atingida, diminui a secreção de PTH, e este efeito de retroalimentação negativo é
exercido e estimulado pelo aumento do calcitriol e normalização dos níveis de cálcio.7,8
HIPOCALCEMIA
PTH
Fração excretora de cálcio
Atividade da 1-hidroxilase
25(OH)D3
Calcitriol
NORMOCALCEMIA
Mobilização
óssea
216
Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio
CAUSAS DE HIPOCALCEMIA
São inúmeras as causas de hipocalcemia. As principais
que se apresentam na prática clínica serão comentadas a
seguir (v. Quadro 13.1).
Hipoparatireoidismo
Idiopático. A forma idiopática se encontra ligada a defeitos na embriogênese ou sendo parte de síndromes
poliglandulares. Na primeira forma, há uma ausência congênita das quatro glândulas que, quando associada à ausência de timo, é conhecida como síndrome de DiGeorge.1,10
Quando associado a síndromes poliglandulares, inclui
insuficiência supra-renal, hipogonadismo primário, diabetes mellitus, hepatite crônica ativa, má absorção, anemia
perniciosa. Anticorpos antiparatireóide são encontrados
em até 40% dos casos.10
Pós-cirúrgico. A forma mais comum de hipoparatireoidismo é a cirurgia na região cervical (doença de Graves,
das paratireóides, câncer de tireóide). Estes pacientes podem desenvolver hipocalcemia grave com 24 horas de pósoperatório. A hipofosfatemia e a hipomagnesemia acompanham o quadro clínico.10
Pseudo-hipoparatireoidismo
Nesta síndrome há uma resistência periférica (rins e
esqueleto) à ação do PTH. A osteodistrofia hereditária de
Albright (pseudo-hipoparatireoidismo do tipo 1), com suas
alterações somáticas características (face arredondada,
pescoço grosso, retardo mental, encurtamento de falange,
tórax em barril), é o exemplo clássico deste quadro, que tem
como característica uma não-formação de AMP cíclico
(AMPc) em resposta ao PTH.1,2,10
Os pacientes apresentam sinais de hipocalcemia crônica (catarata, achados neuromusculares, dentição anormal,
Quadro 13.1 Causas de hipocalcemia
HIPOPARATIREOIDISMO PRIMÁRIO
Idiopático
Pós-cirúrgico
PSEUDO-HIPOPARATIREOIDISMO
HIPOCALCEMIA ASSOCIADA A DOENÇA MALIGNA
HIPOMAGNESEMIA
SÍNDROME DO CHOQUE TÓXICO NEONATAL
PANCREATITE AGUDA
INSUFICIÊNCIA RENAL
HIPERFOSFATEMIA RELACIONADA À VITAMINA D
Dietético (baixa ingesta)
Má absorção
Terapia anticonvulsivante
Doença hepática
Raquitismo dependente de vitamina D
DOENÇAS TUBULARES RENAIS
DROGAS (mitramicina, colchicina, furosemide, citrato
endovenoso, drogas anticonvulsivantes)
alterações cardiovasculares). O diagnóstico é feito por um
não-aumento do AMP cíclico urinário à infusão de PTH.
No pseudo-hipoparatireoidismo tipo 2, há a formação
de AMPc urinário, porém com uma resposta fosfatúrica
prejudicada (diminuída). Os níveis de PTH no sangue se
apresentam normais ou elevados.
Hipomagnesemia (v. Hipomagnesemia)
A hipocalcemia vista nos pacientes com deficiência em
magnésio acontece principalmente nos etilistas, que concomitantemente apresentam má absorção intestinal e déficit de vitamina D. Níveis séricos menores que 0,8 mEq/L
de magnésio atuam sobre as paratireóides diminuindo a
liberação e a ação do PTH; nos ossos, reduzindo a mobilização de cálcio e inibindo sua ação diretamente no túbulo
renal. A hipocalcemia nesta situação só será corrigida com
reposição de magnésio.11
Hiperfosfatemia (v. Hiperfosfatemia)
A hiperfosfatemia causa diminuição na produção de
calcitriol, pela inibição da atividade da 1-hidroxilase, com
conseqüente menor formação de calcitriol diminuindo a
absorção intestinal e óssea de cálcio. A infusão de fósforo
pode fazer com que haja precipitação de cálcio quando o
produto cálcio fósforo atinge 70.2,3,13,14
Drogas Anticonvulsivantes
Cerca de 20% dos pacientes epilépticos recebendo drogas anticonvulsivantes apresentam hipocalcemia e osteomalácia.
Níveis subnormais de calcitriol, por inibição da 1-hidroxilase ou maior degradação enzimática do calcidiol no
hepatócito, são hipóteses que tentam explicar este achado.
Relacionadas à Vitamina D
Má Absorção. Encontrada em etilistas, idosos e pacientes com esteatorréia (lipossolubilidade da vitamina D), que
apresentam absorção diminuída de vitamina D.
Drogas. Rifampicina, isoniazida e cetoconazol podem
diminuir a síntese de calcitriol e calcidiol. A gentamicina
pode causar hipocalcemia por mecanismo indireto devido à perda de magnésio pela urina.
Pontos-chave:
• Hipocalcemia resistente ao tratamento pode
ser secundária a hipomagnesemia e só
melhora com a correção dos níveis séricos
de magnésio
• Hiperfosfatemia inibe a atividade da 1hidroxilase, diminuindo a produção de
calcitriol e logo diminuindo a reabsorção
intestinal de cálcio
capítulo 13
Doença Hepática Crônica. A hipocalcemia pode ocorrer nesta situação pela deficiência na 25-hidroxilação da
vitamina D e deficiência na formação de bile (diminuição
na absorção intestinal da vitamina D).
Raquitismo Dependente de Vitamina D. Há dois tipos
fundamentais:
Tipo I – Deficiência enzimática da 1-hidroxilase.
Tipo II – Resistência periférica à ação ao calcitriol.
Estes pacientes desenvolvem hipofosfatemia grave, por
diminuição da absorção intestinal de fósforo, e fosfatúria
devido ao hiperparatireoidismo secundário, ocasionando
deformidades ósseas significativas.8,10,12
Causas Renais
Síndrome Nefrótica. A diminuição dos níveis de
calcidiol tem sido relatada, proporcionalmente à intensidade da proteinúria e da hipoalbuminemia. Suspeita-se
que a perda da proteína ligante de vitamina D seja eliminada na urina.
Disfunções Tubulares. As disfunções tubulares distais
e proximais podem causar hipocalcemia e raquitismo. A
interferência da acidose na produção de calcitriol tem sido
descrita.
Insuficiência Renal Crônica. A hipocalcemia aparece
devido à retenção de fósforo e diminuição da produção de
calcitriol, com conseqüente hiperparatireoidismo secundário.1,2,3,6,13 A concentração sérica elevada ou normal de
calcidiol, com calcitriol diminuído, sugere a presença de
insuficiência renal crônica ou raquitismo dependente de
vitamina D.
Outras Causas
Doenças Malignas. Câncer de próstata, mama, ou leucemia aguda podem causar hipocalcemia (não devido à
hipoalbuminemia) em decorrência de lesões osteoblásticas
no esqueleto que captam cálcio.
Pancreatite Aguda. Várias causas concorrem para a hipocalcemia nesta situação: insuficiência renal aguda, níveis elevados de calcitonina, necrose gordurosa, que nesta situação formam sais insolúveis de gordura com o cálcio.
Hipocalcemia Pré-natal. Níveis baixos de PTH e níveis
elevados de calcitonina nos três primeiros dias de nascimento podem ser responsáveis por esta síndrome. Ocorre
mais em filhos de mães diabéticas, prematuros e com angústia respiratória.
Síndrome do Choque Tóxico. Ocorre em mulheres jovens que utilizam tampões durante a menstruação e é produzida por algumas cepas de estafilococo que provocam
o choque endotóxico.
Alcalose Respiratória. Aumenta a ligação do cálcio ionizável à albumina.
217
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de hipocalcemia deve levar em conta a sua
fração ionizável, que se detecta por medidas diretas (normal de 4,75 a 5,2 mg/dl) ou do cálcio sérico total, considerando as correções quanto à medida de albumina sérica e
pH (v. discussão anterior).
O comportamento dos níveis séricos de fósforo pode
auxiliar na descoberta da etiologia da hipocalcemia. A hiperfosfatemia sugere hipoparatireoidismo, pseudo-hipoparatireoidismo e insuficiência renal, enquanto a hipofosfatemia é comumente observada nos casos de hiperparatireoidismo secundário (diminuição na produção renal de
calcitriol) e em outros distúrbios da vitamina D.
Medidas séricas do PTH podem distinguir os pacientes
com hipoparatireoidismo primário de pacientes com pseudo-hipoparatireoidismo.
A medida na urina de fósforo, cálcio e AMP cíclico após
infusão de PTH (teste de Ellsworth-Howard) auxilia no
diagnóstico diferencial de hipoparatireoidismo primário,
que apresenta aumento dos níveis de AMPc e fósforo com
diminuição da excreção de cálcio, não havendo nenhuma
mudança destes parâmetros quando da suspeita de pseudo-hipoparatireoidismo.
A concentração de calcidiol se encontra diminuída nos
pacientes com má absorção intestinal e déficit de vitamina
D. A suspeita de hipomagnesemia, como causa de hipocalcemia, dá-se quando os níveis plasmáticos de magnésio se encontram abaixo de 1,2 mg/dl.1,2,3,7,8,12,13,14 Nos pacientes com concentração diminuída de calcidiol, a presença de hipocalcemia e hipofosfatemia são indicadores de
baixa absorção e ingestão de alimentos. As concentrações
de PTH devem ser dosadas conjuntamente com cálcio sérico e variam conforme a causa de hipocalcemia. Pacientes com hipomagnesemia podem ter PTH elevado, normal
ou baixo. Sua concentração geralmente é reduzida nos
pacientes com hipoparatireoidismo. Anormalidades como
pseudo-hipoparatireoidismo ou distúrbios no metabolismo da vitamina D apresentam concentrações de PTH elevadas.
QUADRO CLÍNICO
As principais manifestações clínicas encontradas na hipocalcemia são principalmente de caráter neuromuscular
(v. Quadro 13.2).
Neuromuscular. Tetania e convulsões são as manifestações mais graves. A tetania latente pode ser demonstrada pelo sinal de Chvostek (encontrado em 10% da população normal) percutindo-se o nervo facial após sua saída
do canal auditivo, sendo positivo quando se observa uma
contração da musculatura da hemiface.1,2,3
Outro sinal para se detectar tetania incipiente é o de
Trousseau, que não se encontra em pessoas normais e
consiste em se insuflar o manguito do aparelho de pressão arterial 3 mmHg acima da pressão arterial sistólica por
218
Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio
Quadro 13.2 Manifestações clínicas da hipocalcemia
NEUROMUSCULARES
Tetania
Convulsões
Papiledema
Ansiedade, depressão, psicose
ECTODÉRMICAS
Pele seca
Perda de cabelo
Catarata
Eczema
CARDIOVASCULARES
Hipotensão
Arritmias
Insuficiência cardíaca
GASTRINTESTINAL
Esteatorréia
3 min, observando-se então a pressão de contração espasmódica dos músculos da região. O sinal é negativo em 34%
dos pacientes com hipocalcemia latente.
Convulsões e distúrbios emocionais, como irritabilidade, labilidade emocional, alucinações e depressão, também
são observados.1,2,3
Cardiovascular. Hipotensão arterial e arritmias (cujo
eletrocardiograma aponta prolongamento do intervalo QT
e alterações de onda T) têm sido descritas.
Lesões Dermatológicas. Anormalidades da pele, unhas,
dentes e oculares são vistas na hipocalcemia crônica.
Gastroenterológicas. Constipação e dor abdominal
podem fazer parte do quadro. Diarréia com deficiência de
absorção de vitamina B6 e gorduras ocasionalmente podem
aparecer.
TRATAMENTO
Deve-se tratar a hipocalcemia quando o valor corrigido
de cálcio sérico total é inferior a 7 mg/dl e naqueles pacientes cujos sintomas neuromusculares (tetania, parestesias, convulsões) estão presentes.
A terapêutica também se divide quanto à apresentação
na forma aguda e crônica.
Forma Aguda. A situação clínica mais evidente nesta
forma de apresentação é pós-paratireoidectomia. A abordagem nesta situação deve ser encarada como urgente. Os
sintomas geralmente estão presentes quando os valores de
cálcio total são menores que 7,0 mg/dl.
A administração endovenosa de gluconato de cálcio
a 10% (1 a 2 g de gluconato de cálcio-cálcio intravenoso,
100 a 200 mg de cálcio elementar), infundindo num tempo não inferior a 10 minutos, é a abordagem inicial. Outras formas de apresentação incluem o cloreto e o citrato
de cálcio. O gluconato de cálcio é a apresentação escolhida geralmente pela menor propensão a necrose teci-
dual quando ocorre infusão rápida ou no extravasamento
tecidual.
A administração de cálcio deve ser feita até o desaparecimento dos sintomas, repetindo a infusão de gluconato a
10% lentamente na dose de 0,5 a 1,5 mg/kg/hora (90 mg
de cálcio elementar em 10 ml da ampola), com monitoração dos níveis séricos, até atingir uma concentração de
cálcio total de 8,0 mg/dl.
Alguns cuidados devem ser tomados quanto à infusão
de cálcio.
• Pacientes tomando digital. A infusão de cálcio aumenta a sensibilidade miocárdica à intoxicação por digital,
devendo-se fazer a monitoração cardíaca durante a infusão.
• Hipopotassemia e hipomagnesemia devem ser corrigidas.
• Irritação endovenosa pode acontecer, se a solução for
muito concentrada.
• A solução não deve ter bicarbonato ou fosfato, pois podem formar complexos insolúveis com o cálcio.
Forma Crônica. Administração oral de cálcio e vitamina D nas situações de deficiência vitamínica e diminuição
da função das paratireóides.
Cálcio na forma oral deve ser dado para que se atinja
uma concentração de 1 g de cálcio elementar ao dia. As
formas de apresentação incluem o carbonato de cálcio em
comprimidos de 500 mg com 400 mg de cálcio elementar,
e acetato de cálcio, comprimidos de 350 mg com 87,5 mg
de cálcio elementar.
Pontos-chave:
• Hipocalcemia: Ca 8,8 mg/dl
• Relação cálcio-albumina: Redução de 1,0 g/
dl no valor da albumina abaixo de 4,0 eleva
0,8 no valor do cálcio total
• Diagnóstico: Nível de cálcio total corrigido
ou cálcio ionizável. Correlacionar com
níveis de fósforo e PTH e calcidiol para
facilitar o diagnóstico. Pesquisar sinais de
Trousseau e Chvostek
• Quadro clínico: Caracteriza-se por
manifestações neuromusculares
• Tratamento: Forma aguda — Gluconato de
cálcio 10% lentamente. Correção do
magnésio e potássio concomitante se
necessário
• Tratamento: Forma crônica — Cálcio oral,
vitamina D ou tiazídicos conforme a
etiologia
capítulo 13
Vitamina D. A vitamina D, como já foi visto, aumenta
os níveis séricos de cálcio, conseqüentemente provocando
hipercalciúria. Devido a este fato, nefrocalcinose e calcificação de tecidos moles podem ser observadas.
A monitoração dos níveis de cálcio no sangue e na urina deve ser feita periodicamente. As formas de vitamina
D mais utilizadas são o calcitriol (biologicamente mais
potente — de 0,5 a 1,0 g) e a outra menos ativa, o ergocalciferol (vitamina D3 — 1 a 10 g/dia).
A hiperfosfatemia pode acontecer com a correção da
hipocalcemia pela vitamina D e aumentar os riscos de nefrocalcinose e calcificação de partes moles. Manutenção dos
níveis de fósforo através da dieta e drogas como acetozolamide pode ser de utilidade clínica.
Tiazídicos. Limitam a excreção urinária de cálcio, diminuindo as necessidades de vitamina D e cálcio (v. Hipercalcemia).1,2,3,13
Hipercalcemia
DEFINIÇÃO
A hipercalcemia é definida quando os níveis séricos de
cálcio total são superiores a 10,5 mg/dl. Em aproximadamente 80% dos casos, as causas mais comuns são hiperparatireoidismo e tumores malignos.
RESPOSTA ADAPTATIVA
Os eventos metabólicos principais que ocorrem em resposta à hipercalcemia são apresentados abaixo:
A hipercalcemia provoca a diminuição na liberação de
PTH e aumento na produção de calcitonina, provocando
diminuição na atividade da 1-hidroxilase e conseqüen-
CAUSAS DE HIPERCALCEMIA
As duas principais causas de hipercalcemia são hiperparatireoidismo e malignidade. As etiologias principais deste distúrbio serão descritas a seguir (v. Quadro 13.3).
Hiperparatireoidismo Primário
Incidência. O hiperparatireoidismo primário apresenta uma média anual de incidência na população de 22 casos por 100.000, havendo um aumento progressivo com a
idade, sendo duas vezes mais comum nas mulheres do que
nos homens.
Causas. Cerca de 85% dos pacientes com hiperparatireoidismo primário têm como causa principal o adenoma
simples de uma das quatro glândulas da paratireóide. O
restante se deve à hiperplasia e carcinoma, este responsável por menos de 1% dos casos.
As causas podem ser de origem genética ou devido à
irradiação da região cervical. A causa genética mais conhecida é a neoplasia endócrina do tipo I. Prévia irradiação da
cabeça e pescoço pode dar origem a adenomas, numa incidência que pode atingir 4 a 11%. A hipercalcemia se desenvolve pelo aumento da produção de PTH, com conseqüente aumento na reabsorção tubular de cálcio e diminuição de sua excreção. O conseqüente estímulo da atividade
osteoclástica e aumento do turnover ósseo é demonstrado
pelo aumento dos níveis de fosfatase alcalina, osteocalcina e hidroxiprolina urinária.
O aumento dos níveis de calcitriol determina incremento
da absorção intestinal de cálcio. O PTH também eleva a
Quadro 13.3 Causas de hipercalcemia
HIPERPARATIREOIDISMO
• Primário
• Terciário: Má absorção/Insuficiência renal crônica
(IRC)
HIPERCALCEMIA
Liberação de PTH
e
Calcitonina
Atividade 1-hidroxilase
25(OH)D3
Fração excretora de cálcio
Mobilização
óssea
Calcitriol
NORMOCALCEMIA
te redução do calcitriol. Por conseguinte, isto se traduz na
redução da absorção e reabsorção do cálcio na luz intestinal e no túbulo distal, respectivamente, com aumento
da fração excretora de cálcio e diminuição da mobilização do cálcio ao nível ósseo, levando à normocalcemia.1,2,5,17
219
ASSOCIADA A DOENÇAS MALIGNAS
ASSOCIADA A DOENÇAS ENDÓCRINAS
• Hipertireoidismo
• Feocromocitoma
• Insuficiência adrenal
SARCOIDOSE E OUTRAS DOENÇAS
GRANULOMATOSAS
INTOXICAÇÃO POR VITAMINA D
INTOXICAÇÃO POR VITAMINA A
SÍNDROME ÁLCALI-LEITE
IMOBILIZAÇÃO PROLONGADA
ASSOCIADA A DROGAS
• Diuréticos tiazídicos
• Carbonato de lítio
• Estrógenos
DOENÇA DE PAGET
HIPERCALCEMIA IDIOPÁTICA DA INFÂNCIA
220
Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio
excreção de fósforo e bicarbonato urinário, devido à diminuição da reabsorção no túbulo proximal destes íons e
ocasionando uma acidose metabólica hiperclorêmica, além
de elevação do AMPc urinário.
Diagnóstico. Além da hipercalcemia, a elevação dos
níveis de PTH (tanto fração terminal como região média
da molécula) é característica da doença. Os pacientes se
apresentam habitualmente com cálculos renais recorrentes e ocasionalmente com alterações ósseas características
(aumento da reabsorção óssea pelo aumento da atividade
osteoclástica), levando à osteíte fibrosa e à osteopenia. É
importante notar que pacientes apresentam carcinoma de
paratireóide em 10% dos casos.
Tratamento. A cirurgia com remoção do tecido anormal
da paratireóide é o tratamento de escolha. Naqueles pacientes com quadro discreto, assintomáticos, o tratamento
clínico pode estar indicado, devendo o paciente ser acompanhado freqüentemente (v. tratamento da hipercalcemia).
Em mãos experimentadas, a cura pela cirurgia pode chegar a 95% dos casos.1,2,5,6,12,17
Malignidade
Incidência. É a causa mais comum de hipercalcemia
encontrada em pacientes internados, sendo a segunda causa mais freqüente, depois do hiperparatireoidismo. Estimase a incidência de 135 casos de câncer por ano que desenvolvem hipercalcemia. Os principais tumores envolvidos
estão descritos no Quadro 13.4.
Causas. Os mecanismos principais envolvidos no desenvolvimento de hipercalcemia incluem:
Produção de PTHrP (Peptídio Relacionado ao Paratormônio). Esta substância produzida pelo tumor, com estrutura de aminoácidos semelhante ao PTH, liga-se aos seus
receptores, aumentando a reabsorção tubular de cálcio e
também ao nível ósseo.
Os tumores mais envolvidos na produção de PTHrP são:
tumor de células escamosas do pulmão, pescoço e carcinoma de células renais. A abordagem da hipercalcemia
induzida por câncer poderá ocorrer com a redução da liberação de proteína relacionada ao PTH. O uso de análo-
Quadro 13.4 Hipercalcemia e malignidade
INCIDÊNCIA
(em porcentagem)
Pulmão
Mama
Hematológico
(mieloma, linfoma)
Cabeça/Pescoço
Renal
Próstata
Origem desconhecida
Outros
35
25
14
6
3
3
7
8
Adaptado de Mundy, G.R. e Martin, T.J. Metabolism, 31:1247-77, 1982.
gos do calcitriol, como 22-oxacalcitriol, pode ser uma alternativa no futuro.54
Produção de Fatores que Estimulam Osteoclastos e
Análogos da Vitamina D. Tumores hematológicos como
o mieloma causam hipercalcemia devido à liberação de
citocinas produzidas pelas células malignas, que são os
fatores de ativação do osteoclasto nas superfícies ósseas trabeculares. Linfomas de células T podem produzir calcitriol. Os tumores de mama, além de poderem aumentar a
absorção óssea diretamente através de suas células malignas, podem produzir prostaglandinas que estimulam a
atividade osteoclástica.2,5,17,18
Tireotoxicose
É uma causa relativamente freqüente de hipercalcemia,
com incidência chegando a 10 a 20% dos pacientes portadores deste distúrbio. O hormônio tireoidiano age diretamente no osso, acelerando o turnover ósseo. O tratamento
do hipertireoidismo é eficaz na diminuição dos níveis de
cálcio.2,5
Doenças Granulomatosas
Dentre as doenças granulomatosas, como tuberculose,
histoplasmose, candidíase e coccidioidomicose, destaca-se
a sarcoidose como a principal causa de hipercalcemia.
A hipercalcemia na sarcoidose se deve ao fato dos macrófagos (localizados no pulmão destes pacientes) converterem o calcidiol em calcitriol. Isto provoca um aumento
da reabsorção intestinal de cálcio, com conseqüente supressão da produção de PTH, resultando em hipercalciúria, formação de cálculos de oxalato de cálcio e nefrocalcinose.
O acometimento renal pela sarcoidose associado a nefrocalcinose leva à insuficiência renal observada neste distúrbio. A medida da concentração sérica do PTH é de fundamental importância no diagnóstico diferencial, pois o hiperparatireoidismo pode ocorrer conjuntamente com a sarcoidose.1,2,5
Imobilização
A imobilização prolongada é uma causa conhecida de
hipercalcemia e hipercalciúria. A perda de massa óssea é
acompanhada de paralisia muscular de qualquer etiologia
— a chamada osteoporose de desuso.
A hipercalcemia suprime a produção de PTH e formação de calcitriol, promovendo a hipercalciúria e conseqüente nefrolitíase. A causa principal de imobilização é o trauma raquimedular, porém outras situações como poliomielite, síndrome de Guillain-Barré e queimaduras extensas
são outras causas descritas.1,2,5
Intoxicação por Vitamina D
A maior parte dos casos desenvolve-se durante o tratamento com vitamina D em casos de hipoparatireoidismo,
capítulo 13
doenças ósseas ou tentativas de minorar os efeitos do corticóide sobre o esqueleto a longo prazo.
Também doses excessivas de suplementos vitamínicos
podem causar intoxicação. A hipercalcemia é devida tanto a um aumento na absorção óssea, como a um aumento
na absorção intestinal. A presença de hiperfosfatemia, diminuição da função renal (nefrocalcinose) e deposição tecidual de cálcio nos tecidos são outros achados. Altas concentrações de vitamina D aumentam a 25-hidroxilação
hepática, elevando os níveis de calcidiol. Por outro lado, a
1-hidroxilação no rim é inibida por altas concentrações
de calcitriol, determinando nesta situação níveis altos de
calcidiol e normais de calcitriol.1,2,5,8,16,17
Drogas
Diuréticos Tiazídicos. A maior parte de seus efeitos no
metabolismo de cálcio pode ser explicada pela contração
do volume plasmático, associada à dieta hipossódica geralmente prescrita aos pacientes hipertensos (aumentando a reabsorção proximal de cálcio conjuntamente com o
sódio, devido à depleção de volume extracelular). Especula-se um efeito potencializador do PTH nos rins.
Geralmente não se observam elevações significativas
dos níveis séricos de cálcio (acima de 11 mg/dl), ocorrendo na maioria das vezes a reversão da hipercalciúria e hipercalcemia. Elevações significativas do cálcio sérico com
uso crônico de tiazídico devem levar à suspeita de outras
doenças subjacentes, em especial o hiperparatireoidismo.1,2,5,17
Diuréticos de Alça. Agem diminuindo a reabsorção de
cálcio na alça de Henle, porém este efeito pode ser mascarado pela contração de volume. Nestes casos, geralmente
associados a dieta hipossódica, maior quantidade de cálcio é reabsorvida no túbulo proximal e menos cálcio chega até a alça de Henle, podendo piorar estados prévios de
hipercalcemia.1,2,5,17,39
Carbonato de Lítio. Têm sido descritos casos (em torno de 5%) de pacientes em uso desta mediação nos quais a
suspensão da droga faz com que haja retorno dos níveis
de cálcio sérico aos valores normais.
Pontos-chave:
• Hiperparatireoidismo e doença maligna são
as principais causas de hipercalcemia
• Neoplasias de pulmão e mama são as mais
freqüentemente associadas à hipercalcemia
• Hipercalcemia e hipofosfatemia sugerem
hiperparatireoidismo ou malignidade
• Mais recentemente o uso indiscriminado de
multivitamínicos contendo vitamina D tem
sido associado à hipercalcemia
221
Aminofilina. A toxicidade por aminofilina tem sido
relatada como causa de hipercalcemia em até 20% dos casos. A causa do distúrbio é desconhecida.1,2,5
Aspirina. Níveis tóxicos de ácido acetilsalicílico podem
causar hipercalcemia, sem aumento nos níveis de albumina.
Estrógenos e Antiestrógenos. Podem causar hipercalcemia no tratamento do câncer de mama metastático.
Outras Causas
Síndrome Álcali-leite. Esta doença está associada à ingestão de carbonato de sódio (forma de antiácido) mais
leite. A fisiopatologia deste distúrbio envolve a hiperabsorção intestinal de cálcio e álcali, como também a excreção urinária inadequada de cálcio, diminuição da função
renal e alcalose metabólica. Hoje em dia esta síndrome é
menos comum, restringindo-se aos casos de uso de cálcio
no tratamento da osteoporose.2,5,17
Intoxicação por Vitamina A. A vitamina A é um fator
de estímulo à atividade do osteoclasto e, quando ingerida
numa quantidade superior a 50.000 UI/dia, pode causar
osteopenia por diminuição da função do osteoblasto. O
achado radiológico característico é a calcificação laminar
periosteal que pode ser vista na radiografia das mãos.5,17
Hipercalcemia Hipocalciúrica Familiar. É uma patologia que se caracteriza pela presença de hipercalcemia e
diminuição na fração excretora de cálcio (menor que 100
mg/g de creatinina), transmitindo-se como um traço autossômico dominante. Difere do hiperparatireoidismo por
apresentar uma diminuição na fração excretora de cálcio e
níveis normais de PTH. A presença de familiares com este
distúrbio auxilia no diagnóstico. A maioria dos pacientes
não requer tratamento.1,2,5,17
Doença de Addison. Os mecanismos envolvidos nesta
patologia devem-se principalmente à contração de volume aumentando a reabsorção tubular de cálcio e deficiência na ação do glicocorticóide, que normalmente possui
uma ação antivitamina D.17
Insuficiência Renal Aguda. A hipercalciúria pode, por
si só, causar insuficiência renal (mecanismo de vasoconstrição renal), principalmente na sarcoidose, mieloma, intoxicação por vitamina D, ou ser sua conseqüência, como
ocorre na fase de recuperação da insuficiência renal aguda e na rabdomiólise.1,2,5,17
Insuficiência Renal Crônica. É observada principalmente nos pacientes em hemodiálise em que a água usada
no tratamento contém alta concentração de alumínio. Isto
ocorre pelo fato de que o alumínio, ao ser depositado no
osso, retarda a formação óssea e inibe a atividade osteoblástica. A osteomalácia resultante não responde à vitamina D, e o osso não atua mais como depósito de cálcio, resultando em hipercalcemia.
A hipocalcemia crônica da IRC pode levar ao desenvolvimento de hiperparatireoidismo secundário, por estímulo contínuo na glândula, tornando-se esta autônoma. O uso
222
Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio
continuado de quelantes de fósforo, que contenham cálcio
(carbonato de cálcio e acetato de cálcio), e de calcitriol pode
levar à hipercalcemia.1,2,5,17
Pseudo-hipercalcemia. Elevações na concentração de
proteínas plasmáticas no sangue podem levar ao aumento do cálcio sérico total porém sem aumento da fração livre. Isto pode ocorrer após infusão de grande quantidade
de plasma (tratamento da púrpura trombocitopênica
trombótica) e no mieloma múltiplo, quando a proteína do
mieloma se liga ao cálcio, aumentando sua concentração
sérica.1,5,17
QUADRO CLÍNICO
Sintomas Gerais. A hipercalcemia na sua forma leve
pode não apresentar sintomas, porém nos quadros mais
graves sintomas como anorexia, náuseas, vômitos, obnubilação, cefaléia, poliúria e nictúria podem estar presentes
(v. Quadro 13.5).
Sistemas Afetados
Nervoso. Embora os mecanismos não estejam completamente estabelecidos, o aumento do cálcio livre no sistema nervoso central pode acarretar diminuição da condução nervosa nos terminais nervosos, traduzindo-se em letargia em casos mais graves, confusão mental, coma.
Cardiovascular. Pacientes portadores de hipercalcemia
desenvolvem hipertensão arterial provavelmente por mecanismos de vasoconstrição.
No coração, o cálcio provoca um aumento da contratilidade cardíaca. As alterações eletrocardiográficas mais comuns são encurtamento do espaço PR e do QT, bloqueio
AV de primeiro grau e alterações da onda T.
Gastrintestinal. A ação do cálcio na musculatura lisa e
condução nervosa, além de seu efeito sobre a produção de
gastrina, aponta para as principais manifestações clínicas,
que são: constipação, anorexia, náuseas, vômitos e úlcera
duodenal.
Renal. A litíase renal pode ser observada nos quadros
de hiperparatireoidismo. A nefrocalcinose (calcificação
parenquimatosa principalmente a nível da medula renal)
não é necessariamente associada à litíase, sendo que nos
pacientes com hiperparatireoidismo as duas condições
podem ocorrer separadamente.
A insuficiência renal é multifatorial e decorre de:
• Obstrução tubular
• Depósito parenquimatoso (nefrite intersticial)
• Vasoconstrição renal, depleção do volume extracelular.
A correção da hipercalcemia pode reverter e melhorar
significativamente o ritmo de filtração glomerular.
Outra anormalidade causada pela hipercalcemia é a
resistência à ação do ADH nos túbulos coletores, cujo mecanismo exato não está estabelecido. Alcalose metabólica,
devido ao aumento da capacidade de tamponamento ósseo, pelo acometimento do esqueleto nos tumores malignos, pode ser responsável por este distúrbio ácido-básico.
Acidose tubular renal pode ser ocasionada nos pacientes com hiperparatireoidismo pela ação do PTH no túbulo
contornado proximal, resultando em perda de bicarbonato e conseqüente acidose metabólica hiperclorêmica. Perdas renais de sódio, magnésio e potássio também são descritas na hipercalcemia.1,2,5,15,16,18
Pontos-chave:
• Hipercalcemia pode acarretar depleção do
volume extracelular e contribuir para
aumentar a reabsorção proximal de cálcio
• Na hipercalcemia há uma resistência à ação
do hormônio antidiurético nos túbulos
coletores, contribuindo para a poliúria
observada na hipercalcemia
Quadro 13.5 Sinais e sintomas de hipercalcemia
NEUROLÓGICOS: Confusão mental, estupor,
irritabilidade, coma.
CARDIOVASCULARES: Aumento da contratilidade
miocárdica, alterações no ECG (aumento do QTc,
bloqueio AV de primeiro grau, etc.), hipertensão
arterial sistemática.
GASTRINTESTINAIS: Constipação, náusea, vômito,
úlcera duodenal.
RENAIS: Nefrocalcinose, litíase renal, insuficiência renal,
diabetes insipidus nefrogênico, distúrbios ácido-básicos
(acidose e alcalose metabólica), perdas renais de
fosfato, magnésio, potássio, glicose e aminoácidos.
OCULAR: Calcificação da conjuntiva e da córnea.
HEMATOLÓGICO: Fibrose de medula óssea nos casos
de hiperparatireoidismo secundário.
DIAGNÓSTICO
Cerca de 80 a 90% dos casos de hipercalcemia são causados por hiperparatireoidismo ou tumores malignos. Estes mais encontrados em pacientes hospitalizados e aquele, em pacientes assintomáticos. A história clínica, o exame físico e a dosagem de PTH sérico oferecem uma precisão diagnóstica em 99% dos casos.
Além disto, é importante destacar que no hiperparatireoidismo alguns detalhes clínicos são de fundamental
importância no auxílio diagnóstico, destacando-se:
• Hipercalcemia assintomática
• História familiar ou evidência de neoplasia endócrina
• Irradiação prévia na região cervical
• Mulheres na menopausa.
223
capítulo 13
Fósforo. A hipofosfatemia só acontece nas situações de
elevação do PTH sérico, como no hiperparatireoidismo, ou
na presença do PTHrP nos tumores malignos, em conseqüência destes aumentarem a excreção de fósforo pelos
rins.
A hiperfosfatemia estará presente nas outras situações
onde não acontece uma maior excreção de fósforo urinário, como se presencia nas doenças granulomatosas, intoxicação por vitamina D, síndrome leite-álcali e tireotoxicose, entre outras.
Cálcio Urinário. A dosagem do cálcio urinário é um
importante auxílio diagnóstico principalmente na síndrome de hipercalcemia hipocalciúrica familiar, quando a
evidência de uma dosagem de cálcio na urina menor que
100 mg/g de creatinina faz o diagnóstico. Outras duas situações em que se presencia a hipocalciúria são a síndrome álcali-leite e o uso de tiazídicos.
Cloro. Devido à redução de bicarbonato (bicarbonatúria), evidenciada no hiperparatireoidismo, a dosagem de
cloro pode ser de ajuda diagnóstica, já que concentrações
acima de 103 mEq/L podem ser encontradas. Na síndrome leite-álcali se verá a situação inversa, ou seja, a presença de alcalose metabólica com dosagem de cloro inferior a
100 mEq/L.
RX. A presença de alterações radiológicas características da osteíte fibrosa — reabsorção subperiosteal falangiana, lesões císticas na clavícula e imagens de “pimenta e
sal” no crânio — é observada em 5% dos casos de hiperparatireoidismo.
PTH. A dosagem da fração intacta do PTH, pelo método imunorradiométrico, é o exame de escolha no diagnóstico do hiperparatireoidismo primário. A presença de níveis de PTH normais deve ser vista com cuidado, pois a
hipercalcemia persistente suprime a sua produção. A presença de elevação do PTHrP acontece nos tumores malignos.17,18
Vitamina D. Quando as dosagens de PTH e PTHrP estão normais, e não for encontrada nenhuma evidência de
neoplasia maligna, deve-se proceder à dosagem de calcitriol e calcidiol. O aumento do calcidiol sugere intoxicação
por vitamina D. O calcitriol se elevará nas seguintes condições clínicas: doenças granulomatosas, linfomas, produção renal aumentada causada por hiperparatireoidismo.1,2,5,16,17,18
Deve-se iniciar o tratamento da hipercalcemia naqueles
pacientes sintomáticos ou que apresentam cálcio sérico
acima de 15 mg/dl. Conforme o mecanismo fisiopatológico causador da hipercalcemia, modalidades terapêuticas
diferenciadas são instituídas (v. Quadro 13.6).
TRATAMENTO
Aborda-se este distúrbio tentando, conforme a causa
subjacente, agir sobre o mecanismo desencadeador da hipercalcemia, promovendo:
Quadro 13.6 Tratamento da hipercalcemia
Diminuição da absorção intestinal
• Corticóide
• Fosfato oral
Aumento da excreção urinária
• Solução salina + furosemide
Diminuição na reabsorção óssea
• Calcitonina
• Mitramicina
• Difosfonatos
• Nitrato de gálio
Diálise
Quelação do cálcio ionizado
• EDTA
• Fosfato endovenoso ou oral
•
•
•
•
Diminuição da absorção intestinal de cálcio
Aumento na excreção urinária
Diminuição na reabsorção óssea
Quelação do cálcio ionizado.
Os pacientes assintomáticos que apresentam cálcio sérico com valores menores ou iguais a 13 mg/dl também
devem ser tratados, pelos efeitos deletérios da hipercalcemia crônica. As principais drogas utilizadas no tratamento da hipercalcemia serão discutidas a seguir.1,2,5,16,17,18,19
Corticóides. São utilizados em pacientes nos quais a
causa da hipercalcemia é uma maior absorção de cálcio
intestinal. Agem diretamente no epitélio intestinal, inibindo a absorção de cálcio. Na sarcoidose e em outras doenças granulomatosas, têm seu efeito direto sobre a atividade da doença.
São eficazes nas doenças malignas em 30% dos casos, e
especialmente naqueles com doença hematológica. Têm
seu efeito em torno de 7 a 10 dias do início de seu uso, utilizando-se prednisona na dose de 1 mg/kg/dia.1,2,5,17,19
Solução Salina e Furosemide. O cálcio é principalmente reabsorvido no túbulo contornado proximal e na alça
de Henle, devido ao gradiente elétrico criado pela reabsorção concomitante de sódio e cloro, neste segmento do
néfron.
Desta forma, a inibição da reabsorção de sódio no túbulo contornado proximal inibe o transporte passivo de
cálcio, promovendo a calciúria. A expansão de volume
plasmático ocasionada pela infusão salina leva à natriurese e conseqüentemente à excreção concomitante de cálcio
pela urina. Como há uma maior oferta de sódio, cálcio e
água na alça de Henle, a adição de furosemide inibe o transporte destes íons, incrementando o efeito calciúrico da infusão salina.
Deve-se ter cuidado antes da infusão de furosemide, já
que a maioria destes pacientes podem estar depletados
224
Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio
pelas condições clínicas subjacentes às quais estão sujeitos
e devido ao próprio efeito natriurético da hipercalcemia.
A infusão prévia de solução salina, antes de administrar
furosemide, faz-se necessária.
O regime sugerido é a administração de solução salina
isotônica (3 a 5 L/dia), com a verificação e eventual reposição de potássio e magnésio sendo feita de acordo com as
medidas séricas. Utilizando-se este esquema, espera-se
normalizar os níveis de cálcio em 12 a 24 horas.1,5,17
Regimes com maior infusão salina são descritos, iniciando-se a infusão de 1 a 2 litros de solução salina isotônica
em período de 1 hora, acrescido de furosemide, 80 mg a
cada 2 horas, a fim de se manter um débito urinário não
inferior a 250 ml/h. Este regime produz uma maior excreção urinária de sódio, fósforo, cálcio, cloro, magnésio e
água, sendo que se este tratamento tiver duração maior que
100 horas, a infusão de magnésio se faz necessária, num
ritmo de 15 mg/h.
O volume urinário deve ser reposto a cada hora, com
solução contendo soro glicosado a 5%, 90 a 120 mEq/L de
sódio e 10 a 20 mEq/L de potássio. Haverá queda do cálcio
sérico, de 2 a 4 horas, havendo normalização em até 24 horas. Deve-se lembrar da necessidade de reposição dos outros eletrólitos (sódio, fósforo, cloro, magnésio), através de
suas medidas na urina coletadas a intervalos de 4 horas.2
O regime deve ser cuidadosamente avaliado em pacientes portadores de insuficiência cardíaca e renal onde a
sobrecarga de volume pode ser uma complicação. O diurético só é utilizado quando se descarta a presença de depleção do espaço extracelular.1,2,5,17,18
Pontos-chave no manejo da hipercalcemia:
• Lembrar que a expansão do volume
extracelular inibe o transporte passivo de
cálcio, promovendo a calciúria
• A adição de um diurético de alça
(furosemide) inibe a reabsorção de cálcio a
este nível mas não deve ser usado sem antes
corrigir-se a depleção do volume
extracelular
Bifosfonatos. Este grupo de drogas se utiliza no tratamento da hipercalcemia na malignidade, conjuntamente
com a infusão salina. Sua ação se dá pela inibição da atividade osteoclástica, diminuindo os níveis de cálcio sérico e
diminuindo a dor nos pacientes com lesões osteolíticas significativas.
O efeito máximo dos bifosfonatos se dá entre o quinto e
o sétimo dia. Nos Estados Unidos, o etidronato e o pamidronato são as drogas disponíveis, existindo uma terceira
droga, o clodronato, sendo maior a experiência clínica com
as duas primeiras.
O etidronato (EDHP) deve ser iniciado na forma endovenosa, 7,5 mg/kg/dia em 250 ml de solução salina em um
período não inferior a 4 horas, por três dias. O prolongamento do tratamento de três para cinco dias aumenta a
resposta em 60 a 100%.
A duração da normocalcemia é de 1 a 7 semanas. A terapia deve ser mantida por via oral, na dose de 10 mg/kg/
dia, e é ineficaz sem o uso intravenoso prévio. Os efeitos
colaterais mais importantes são a hiperfosfatemia, devido
a uma maior reabsorção de fosfato. A dosagem deve ser
reduzida em 50% na presença de insuficiência renal.
O pamidronato é mais potente que o etidronato e causa
menor desmineralização óssea, sendo a droga de escolha
entre os bifosfonatos. É utilizada na forma intravenosa,
numa dose inicial de 30 mg num período de infusão de 4
horas em dose única, podendo ser repetida em sete
dias.2,5,17,18,19
Em caso de hipercalcemia grave, a dose pode ser de até
90 mg. Várias preparações orais estão sendo propostas para
substituir o pamidronato como agente de escolha na hipercalcemia associada a malignidade.
Os bifosfonatos têm sido utilizados no tratamento dos
pacientes com hiperparatireoidismo primário, porém com
menor eficácia do que nos pacientes portadores de neoplasias.
Calcitonina. Utilizada na maioria das vezes em pacientes com hipercalcemia associada a malignidade e nos pacientes com função renal alterada. Em situações onde os
bifosfonatos são contra-indicados, a calcitonina, na dose de
4 UI/kg intramuscular ou subcutânea, age rapidamente,
normalizando o cálcio em até 2 a 3 horas. A resposta ocorre em 60 a 70% dos pacientes que a utilizam. Há controvérsia na literatura quanto ao uso simultâneo de corticóide, no sentido de diminuir o aparecimento de resistência
à calcitonina. Quando utilizado, administra-se hidrocortisona na dose de 100 mg a cada 6 horas.2,5,17,18
Mitramicina. É uma droga antineoplásica que inibe a
síntese de DNA dependente de RNA e é altamente efetiva
no tratamento da hipercalcemia, principalmente associada às neoplasias. Utiliza-se na dose de 25 g/kg em um
período de 6 horas, com pico máximo de ação em 12 horas, durando seu efeito por alguns dias e repetindo-se a
dose a cada 3 a 7 dias.
Hepatotoxicidade, nefrotoxicidade e disfunção plaquetária limitam o seu uso.2,5,17,18
Fósforo Oral. Tem utilidade no tratamento dos pacientes
portadores de hiperparatireoidismo primário, com hipofosfatemia (menor que 3,5 mg/dl), na dose de 1 a 3 g/dia.
Outros quelantes do cálcio ionizado, como o EDTA (ácido etileno diaminotetracético), e o fósforo endovenoso
podem determinar insuficiência renal, precipitação de cálcio e fósforo em partes moles e arritmias fatais, limitando
a sua utilização.1,2,5,17,18
Estrógenos. Nos pacientes portadores de hiperparatireoidismo primário, a cirurgia é a terapia de eleição, po-
225
capítulo 13
rém, quando a cirurgia é contra-indicada, em quadros de
hipercalcemia sintomática, ou níveis superiores a 11 mg/
dl nas mulheres em menopausa, os estrógenos podem ser
utilizados.
O seu modo de ação é desconhecido, podendo ser utilizado como estilbestrol ou preparação equivalente de etinil estradiol.1,2,5,17
Cloroquina e Cetoconazol. Utilizados na sarcoidose.
Devido a não existir grande experiência na utilização destes medicamentos, serão utilizados nos casos de ausência
de resposta ao corticóide e na contra-indicação destes.1,2,5,17
Nitrato de Gálio. É um inibidor da reabsorção óssea,
com relatos de ser mais potente que o etidronato, sendo
administrado pela via endovenosa por até cinco dias, tornando seu uso de alto custo. Tem efeito nefrotóxico comprovado.1,2,5,17
Diálise. Está reservada àqueles pacientes que apresentam insuficiência cardíaca ou insuficiência renal em que a
infusão salina não pode ser suportada. A utilização de diálise peritoneal é uma alternativa à hemodiálise.1,2,5,15
Agentes calcimiméticos, como a norcalcina, ligam-se aos
receptores sensíveis ao cálcio e suprimem a liberação de
PTH, podendo ser um tratamento futuro do hiperparatireoidismo primário. O uso de anticorpos contra os hormônios responsáveis pela hipercalcemia pode ser feito
futuramente. Imunização em pacientes com hipercalcemia
por carcinoma de paratireóide também pode ter resultados benéficos.59,60,61
FÓSFORO
Introdução
Embora o fósforo não seja o principal ânion em nosso
organismo (é o sexto mais abundante), seu papel é de fundamental importância na manutenção do metabolismo
celular, processo de mineralização óssea e manutenção do
equilíbrio ácido-básico, entre outras funções.
A sua homeostase é dependente da interação entre os
sistemas digestivo, ósseo e dos rins, cabendo ao paratormônio (PTH) e à vitamina D a sua regulação.
Homeostase do Fósforo
DISTRIBUIÇÃO
O fósforo representa 1% do peso corporal total. A sua
distribuição é a seguinte: 85% se encontram nos ossos, 14%
nos tecidos moles e 1% no fluido extracelular.
O fósforo se apresenta no sangue principalmente na
forma de fosfolipídio (fósforo orgânico), cerca de 70% do
total, sendo os 30% restantes na forma inorgânica. Nesta
última forma, 15% estão ligados a proteínas e 75% são formas livres; destas, 50% formam fosfato monovalente e di-
valente, e outros 40% formam sais com sódio, magnésio e
cálcio. Menos de 0,01% existe na forma de PO4. Os valores
normais nos adultos vão de 2,5 a 4,5 mg/dl (0,81 a 1,45
mmol).
ABSORÇÃO, EXCREÇÃO E BALANÇO INTERNO
Os mecanismos envolvidos na regulação do fósforo
envolvem o trato gastrintestinal, rins e ossos. O PTH, cálcio, vitamina D e a calcitonina desempenham papel fundamental na homeostase deste ânion.
Absorção Intestinal. A ingestão diária varia de 800 a
1.850 mg/dia; deste total, 65% são absorvidos principalmente a nível de duodeno e jejuno.
No duodeno, sua absorção ocorre por meio de transporte ativo, intimamente relacionado e estimulado pela presença de vitamina D (cujo mecanismo é independente da
absorção de cálcio), e pela concentração de sódio no lúmen
intestinal.
Outro mecanismo envolvido é o transporte passivo do
íon, que ocorre no jejuno e no íleo e é diretamente proporcional à concentração de fósforo nestes segmentos.
O PTH age indiretamente na absorção de fosfato por
aumentar os níveis de calcitriol e conseqüentemente aumentando a absorção intestinal de fósforo.
O cálcio e o magnésio em altas concentrações no lúmen
digestivo se ligam ao fósforo, diminuindo sua absorção. O
alumínio também forma complexos insolúveis no trato
digestivo com o fósforo, sendo esta uma terapia utilizada
na hiperfosfatemia da insuficiência renal crônica, por tempo limitado.1,2,21,23,25
Ossos. O fósforo participa de maneira direta e indireta
do processo de mineralização óssea. Indiretamente, através da ação do PTH e da vitamina D. A hipofosfatemia leva
a defeitos da mineralização óssea, além de aumento da
atividade absortiva do osso por aumento dos níveis de
vitamina D. Diretamente, pela ação do fosfato na matura-
Quadro 13.7 Fatores que influenciam a excreção
de fósforo
HIPERCALCEMIA
DIMINUI
PTH
AUMENTA
ACIDOSE
AUMENTA
ALCALOSE
DIMINUI
VITAMINA D
DIMINUI
INSULINA
DIMINUI
GLUCAGON
AUMENTA
DIURÉTICOS
AUMENTA
EXPANSÃO DE VOLUME
AUMENTA
CALCITONINA
AUMENTA
CORTICÓIDE
DIMINUI
226
Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio
ção e mineralização da matriz óssea, participando da produção de colágeno.20
Rins. Em um adulto normal, cerca de 5,25 g de fósforo inorgânico (Pi) são filtrados diariamente. Deste total,
80 a 97% são reabsorvidos nos túbulos renais. No túbulo
contornado proximal (TCP) acontece 80% da reabsorção, com reabsorção quase nula a nível de alça de Henle. No túbulo contornado distal, 10% do total de Pi filtrado é reabsorvido, sendo controversa a reabsorção nos
ductos coletores.
MECANISMOS DE TRANSPORTE
O principal mecanismo de transporte, no túbulo proximal, é transcelular, dependente de energia, mantido pelo
gradiente de sódio gerado pela bomba Na-K-ATPase na
membrana basolateral.
Este mecanismo é saturável, necessitando da presença
de sódio no local de entrada na célula (bordo em escova
da membrana), sugerindo assim um mecanismo carreador.
O transporte se dá em torno de uma molécula de fósforo para duas moléculas de sódio, ou seja, sódio e fósforo
são co-transportados.23,24
FATORES QUE REGULAM A EXCREÇÃO DE
FÓSFORO
Gradiente de Sódio e pH. Estes fatores fazem a regulação renal a curto prazo (modificação alostérica). Quando
a concentração de sódio luminal está aumentada, ocorre
uma maior absorção de fósforo pelos mecanismos já descritos.
A atividade de co-transporte de sódio e fósforo é reduzida pelo aumento da concentração luminal de íons hidrogênio, sendo o efeito luminal da acidose maior quando a
concentração de sódio no lúmen tubular diminui; isto pode
ser explicado por um efeito inibitório da acidose no transporte de sódio.20,23,24,25
PTH. É o fator hormonal mais importante na reabsorção do fósforo nos rins, especialmente no túbulo contornado proximal. Sua ação a nível intracelular parece ser
mediada pelo AMPc e proteína cinase C, regulando o cotransporte de sódio e Pi e inibindo a reabsorção local de
fósforo.23,24
Vitamina D. A vitamina D, em especial o calcitriol, tem
ação independente do PTH, pela maior absorção de fósforo no trato digestivo, promovendo sua maior reabsorção
no túbulo contornado proximal.
Calcitonina. Tem efeito hiperfosfatúrico pela diminuição do cálcio ionizado plasmático, diminuindo assim a
reabsorção de fósforo no túbulo proximal.
Insulina, Glicose e Glucagon. A insulina tem um efeito independente, aumentando a entrada de fósforo no interior da célula e levando à hipofosfatemia. A inibição da
neoglicogênese diminui a concentração do fósforo citosólico e aumenta a reabsorção tubular de fósforo.
A administração de glicose provoca fosfatúria devido à
diurese osmótica por ela provocada.
Cálcio. A hipercalcemia provoca alterações na quantidade de Pi filtrado no túbulo, principalmente provocada
pela saída de fósforo do interior da célula e conseqüente
formação de complexos com o cálcio [Ca(PO4)2]; este efeito independe da ação do PTH. O efeito indireto se dá pela
ação do PTH na hipercalcemia anteriormente descrita no
metabolismo do cálcio.
Corticóides. O corticóide diminui a reabsorção tubular
de fósforo agindo diretamente no túbulo proximal, como
acontece na síndrome de Cushing.
FUNÇÕES DO FÓSFORO NO ORGANISMO
Nos ossos, o fósforo tem papel fundamental na mineralização óssea, pois ele é depositado na forma de cristais de
hidroxiapatita, na matriz orgânica do osso. A sua deficiência pode ocasionar osteomalácia e raquitismo.
Nos tecidos moles é componente das membranas celulares, material genético (DNA e RNA) e fator intermediário no metabolismo celular. Os fosfolipídios são os constituintes essenciais das membranas celulares e das organelas intracelulares.
No eritrócito, o 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG) exerce
influência direta na disponibilidade de oxigênio aos tecidos. Na deficiência de fósforo há redução na síntese de 2,3DPG, aumentando a afinidade da hemoglobina com o oxigênio e diminuindo sua disponibilidade aos tecidos.
O fósforo faz parte da formação da adenosina trifosfato
(ATP), que fornece energia para vários processos metabólicos fundamentais na vida da célula.1,2,20,25
Pontos-chave:
• Em torno de 80% do fósforo filtrado é
reabsorvido no túbulo contornado proximal
• PTH é o fator mais importante na
reabsorção de fósforo pelos rins
Hipofosfatemia
INTRODUÇÃO
Cerca de 1% do fósforo se distribui no espaço extracelular, sendo que deste total 30% representam a sua fração
inorgânica, e é esta fração que é medida no plasma (Pi).
Sendo assim, pode-se ter uma depleção do fósforo corporal total com concentrações “normais” no sangue.
A hipofosfatemia é considerada leve quando os níveis
de Pi estão em torno de 1 a 2,5 mg/dl, e grave quando esta
concentração se encontra abaixo de 1,5 mg/dl. Um grupo
especial de pacientes, os etilistas, desenvolvem mais freqüentemente este distúrbio, chegando à incidência de 10%
em pacientes hospitalizados.25,26
capítulo 13
227
CAUSAS
Diminuição da Absorção Intestinal
São três os mecanismos responsáveis pela diminuição
da concentração plasmática de Pi: redistribuição do fosfato extracelular para dentro da célula, diminuição da absorção intestinal e aumento das perdas urinárias. As principais causas de hipofosfatemia são listadas no Quadro
13.8.
A causa mais comum nesta situação é o uso de antiácidos, que formam complexos insolúveis com o fósforo e não
são absorvidos. Doenças do trato gastrintestinal que causam dificuldade de absorção de fósforo (doença de Crohn,
síndrome do intestino curto, doença celíaca, entre outras)
e má absorção de vitamina D também são responsáveis
pela diminuição na absorção.
A diminuição da ingesta de fósforo é raramente causa
isolada de hipofosfatemia, mas freqüentemente esta situação é associada a diarréia crônica, onde a deficiência de
vitamina D também desempenha o seu papel, causando
hiperparatireoidismo secundário e aumentando a excreção
de fósforo.
O jejum prolongado por si só raramente causa deficiência de fósforo, já que nesta situação há uma hipoinsulinemia e aumento do catabolismo celular, liberando fósforo
da célula. Quando esses pacientes são novamente alimentados, este processo se inverte sem reposição de fósforo, e
a hipofosfatemia aparecerá.2,28,30
Redistribuição Interna
Nutrição. No processo de nutrição (enteral ou parenteral) em pacientes desnutridos, há um consumo maior de
fósforo intracelular. Se quantidades insuficientes de fósforo são fornecidas na repleção nutricional destes pacientes, e concomitantemente grandes quantidades de carboidrato (estímulo à liberação de insulina) forem fornecidas,
a hipofosfatemia aguda pode desenvolver-se. Pacientes
submetidos a nutrição parenteral podem, por má absorção, jejum e aumento do metabolismo, desenvolver o
mesmo quadro se a repleção de fosfato não for adequada.2,21
Alcalose Respiratória. A queda da pressão parcial de
CO2 provoca a saída de CO2 do interior da célula, não sendo acompanhada na mesma proporção pelo bicarbonato.
Isto desencadeia uma alcalose intracelular, com ativação
da glicólise (ativada pela fosfofrutoquinase) e deslocamento do fósforo do extra- para o intracelular.
É a causa mais comum de hipofosfatemia em pacientes
hospitalizados. Situações clínicas como alcoolismo, síndrome de abstinência, queimaduras, hiperalimentação, uso de
corticóides, calcitonina e catecolaminas determinam este
distúrbio ácido-básico, levando à hipofosfatemia.31
Leucose. Contagens superiores a 100.000 leucócitos em
leucemias ou crise blástica podem aumentar o consumo de
fósforo pela intensa proliferação celular.
Síndrome do Osso Faminto. Deposição de cálcio e fósforo nos ossos após cirurgia na região cervical (paratireoidectomia) causa hipocalcemia e hipofosfatemia, pela intensa deposição de cálcio e fósforo ósseo.
Quadro 13.8 Causas de hipofosfatemia
REDISTRIBUIÇÃO INTERNA
Aumento de insulina, durante nutrição
Alcalose respiratória aguda
Síndrome do osso faminto
DIMINUIÇÃO DA EXCREÇÃO URINÁRIA
Hiperparatireoidismo primário e secundário
Raquitismo resistente à vitamina D
• ligado ao X (infância)
• osteomalácia oncogênica (no adulto)
Raquitismo hereditário hipofosfatêmico com
hipercalciúria
Síndrome de Fanconi
Acetazolamida
Aumento da Excreção Urinária
Hiperparatireoidismo e Raquitismo. A hipersecreção
de PTH ou análogo (PTHrP) leva a um quadro de hipofosfatemia por aumento na secreção de fosfato. A forma hereditária de raquitismo (raquitismo resistente à vitamina
D) ou em associação a tumores na vida adulta (osteomalácia oncogênica) provoca defeitos seletivos tubulares na
reabsorção de fósforo.
Raquitismo severo, osteomalácia e retardo do crescimento manifestam-se nas crianças. Os níveis de calcitriol
são reduzidos nas duas situações. Outra forma mais rara
de raquitismo é aquele conhecido como hereditário
hipercalciúrico hiperfosfatêmico de transmissão autossômica recessiva, apresentando níveis elevados de calcitriol
devido à hipercalciúria2,21,23,26
Diabetes Mellitus. Pacientes que apresentam diabetes
descompensado com glicosúria, poliúria e acidose aumentam a excreção de fósforo na urina em grandes quantidades.
No quadro de cetoacidose ocorre uma maior produção
de fósforo intracelular, havendo maior liberação para o
plasma e aumentando ainda mais a sua excreção renal.
A correção da cetoacidose com insulina e repleção do
volume extracelular leva a queda rápida dos níveis de fósforo, porém a níveis dificilmente inferiores a 1 mg/dl, tornando sua reposição na maioria das vezes desnecessária.21,25,26
Síndrome de Fanconi. É uma disfunção tubular proximal que acontece no adulto geralmente em decorrência de
mieloma múltiplo e na criança devido a cistinose ou doença de Wilson, que se traduz por glicosúria, aminoacidúria e hipouricemia com acidose tubular renal tipo 2, além
de hiperfosfatúria.
228
Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio
QUADRO CLÍNICO
Sistema Cardiopulmonar
A hipofosfatemia causa uma variedade de sinais e sintomas. O quadro clínico é decorrente da diminuição dos
níveis de 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG) e de compostos
energéticos fundamentais à base de fósforo que mantêm o
metabolismo celular (adenosina trifosfato-ATP).
Os pacientes sintomáticos apresentam níveis de Pi abaixo de 1,0 mg/dl. As condições clínicas mais associadas à
sintomatologia são: alcoolismo crônico, hiperalimentação
sem fosfato e ingestão crônica de antiácidos.
A cetoacidose diabética e a hiperventilação causam hipofosfatemia grave, porém em menor freqüência por não
causar uma depleção crônica. Os principais sistemas atingidos com suas respectivas repercussões clínicas serão
descritos adiante.2,21,26,27,28
A depleção de ATP prejudica a contratilidade miocárdica, levando à insuficiência cardíaca de baixo débito, podendo levar à falência miocárdica franca quando os níveis de
fósforo atingem limites inferiores a 1,0 mg/dl. O acometimento da musculatura diafragmática e insuficiência respiratória podem acontecer em casos graves de hipofosfatemia.21
Disfunção Hematológica
Hemácias. A diminuição intracelular do ATP leva a uma
maior rigidez do eritrócito, promovendo a hemólise quando as concentrações de fósforo são inferiores a 0,5 mg/dl.
Leucócitos. Também a diminuição do ATP intracelular
leva a defeitos na fagocitose e quimiotaxia.
Plaquetas. Trombocitopenia com defeitos na retração do
coágulo é observada.
Sistema Nervoso Central
Um quadro de encefalopatia metabólica pode ocorrer,
levando a sintomas de irritabilidade, confusão mental, estupor e até mesmo coma, por provável mecanismo de hipóxia.
Sistema Músculo-esquelético
Os músculos necessitam de grande quantidade de ATP
para manter atividades de contração e manutenção de
potencial de membrana, que são prejudicadas pela hipofosfatemia.
A hipofosfatemia crônica leva a um acúmulo de água,
sódio e cloro no interior da célula. O quadro clínico pode
apresentar-se como uma miopatia proximal ou disfagia
(atingindo a musculatura lisa).
A rabdomiólise pode ocorrer quando a hipofosfatemia
aguda acontece em um paciente que já apresenta depleção
prévia de fósforo. Tais situações são vistas no alcoolismo
crônico e em pacientes recebendo hiperalimentação sem
suplemento de fósforo. Elevação da creatinina fosfoquinase
aponta para necrose muscular.29
Sistema Ósseo
A hipofosfatemia leva a um aumento de calcitriol que
dá origem a uma maior reabsorção óssea, levando à hipercalciúria pela liberação de cálcio do osso. Hipofosfatemia
prolongada leva ao raquitismo na infância e à osteomalácia no adulto, por defeitos na mineralização óssea.30
DIAGNÓSTICO
Na maioria das vezes a causa da hipofosfatemia é aparente, pelos dados de história e exame físico. Quando a
depleção de fosfato se estabelece, a reabsorção renal é
máxima: sendo assim, podem-se diferenciar as situações
clínicas calculando-se a fração excretora de fósforo ou
medindo-se a sua concentração urinária nas 24 horas.
A fração excretora de fósforo é calculada da seguinte
maneira:
Fep fósforo urinário creatinina plasmática
100
fósforo plasmático creatinina urinária
Uma fração excretora de fósforo abaixo de 5% ou uma
concentração urinária menor que 100 mg na urina de 24
horas afasta o diagnóstico de perda renal de fosfato.
As principais causas envolvidas nesta situação se devem
ou a um desvio intracelular de fósforo ou a uma diminuição da absorção intestinal. O desvio intracelular aumentado acontece mais freqüentemente se o paciente recebeu
infusões de glicose ou insulina, como no tratamento do
diabetes mellitus descompensado ou realimentação. A alcalose respiratória se encontra dentro das principais causas.
Diarréia crônica, uso de antiácidos ou deficiência de vitamina D são as principais causas de má absorção.
Quando a fração excretora de fósforo é maior que 20%
ou a urina de 24 horas apresenta uma concentração maior
que 100 mg, a perda renal de fosfato está presente, devendo-se investigar como causas principais hiperparatireoidismo primário e secundário (hipercalcemia, hipofosfatemia,
perda urinária de fósforo), defeitos tubulares já anteriormente descritos, como a síndrome de Fanconi, raquitismo
resistente à vitamina D (na criança) e osteomalácia oncogênica no adulto.1,2,21,25
Os sintomas de hipofosfatemia se iniciam quando os
níveis séricos de fósforo atingem níveis inferiores a 1,5 mg/
dl; a maioria dos pacientes hipofosfatêmicos são assintomáticos, de maneira que o tratamento da causa subjacente
é o principal objetivo.
Por outro lado, nos pacientes sintomáticos, ou nos que
tenham defeitos tubulares crônicos e que venham a desenvolver hipofosfatemia, a correção com suplementos à base
de fósforo deve ser feita.
O fósforo dosado no plasma é a forma elementar (inorgânico), e o fosfato se encontra nos sistemas biológicos,
embora na prática não se faça esta distinção. A concentração plasmática de fosfato (2,5 a 4,5 mg/dl) é medida em
229
capítulo 13
mg/dl ou mmol/L, sendo que a conversão de uma unidade em outra obedece aos seguintes cálculos:2
1 mmol de fosfato 31 mg de fósforo elementar
1 mmol de fosfato 3,1 mg/dl de fósforo
1 mg de fósforo 0,032 mmol de fosfato
1 mg/dl de fósforo 0,32 mmol/L de fosfato
A reposição é preferível na forma oral, já que a reposição endovenosa apresenta riscos de precipitação com cálcio, insuficiência renal e arritmias cardíacas. A administração oral se dá numa dose de 2,5 a 3,5 g (80 a 110 mmol)
diários em doses divididas.
Valores séricos abaixo de 1,0 mg/dl podem causar danos importantes ao paciente, como rabdomiólise, sendo a
administração endovenosa necessária.58
No paciente sintomático a administração endovenosa não
deve ultrapassar 2,5 mg (0,08 mmol/L)/kg a cada 6 horas,
com monitorização dos níveis de fósforo, cálcio, potássio e
magnésio a cada 6 horas, podendo a dose ser dobrada se as
manifestações clínicas são muito graves. A infusão deve ser
suspensa quando os níveis de fósforo atingem 2,0 mg/dl e
os de cálcio estão menores que 8,0 mg/dl.1,2,21,25
FORMAS DE APRESENTAÇÃO
Intravenosa
Fosfato de Potássio. Cada ml contém 3 mmol de fosfato (93 mg de fósforo) e 4,4 mEq de potássio. Ampola de 5
ml e 15 ml são disponíveis.
Fosfato de Sódio. Cada ml contém 3 mmol de fosfato
(93 mg de fósforo) e 4 mEq de sódio. Ampolas de 15 e 30
ml são disponíveis.
Via Oral
K/Phos Neutro. Cada tablete possui 250 mg de fósforo,
13 mEq de sódio e 1,1 mEq de potássio.
Pontos-chave:
• Hipofosfatemia: Fósforo 2,5 mg/dl
• Freqüente em alcoólatras
• Diagnóstico através do quadro clínico e
exame físico
• Fração excretora de fósforo auxilia o
diagnóstico
• Dieta geralmente é o suficiente para tratar o
déficit
• Quando presentes sintomas graves, preferir
a reposição endovenosa
• Dipiridamol parece elevar os níveis de
fósforo
Neutra-Phos. 75 ml de solução contém 250 mg e fósforo e 7,1 mEq de sódio e potássio.
Neutra-Phos-K. Cada cápsula ou 75 ml de solução contém 350 mg de fósforo e 14,2 mEq de potássio.
Prie demonstrou que o uso de dipiridamol na dose de
75 mg quatro vezes ao dia pode ser útil para aumentar os
níveis de fósforo em pacientes com aumento idiopático da
fosfatúria.69
Hiperfosfatemia
INTRODUÇÃO
A hiperfosfatemia, na maioria das vezes, é resultado da
incapacidade dos rins em excretar, de maneira eficiente, o
fosfato do organismo. Em indivíduos normais, elevações
na ingesta de fósforo não acarretam elevações similares na
concentração plasmática. A hiperfosfatemia é diagnosticada quando o nível plasmático de fósforo se encontra acima de 4,5 mg/dl.1,2,22
CAUSAS
As principais causas de hiperfosfatemia são conseqüências de:
• Aumento da ingesta
• Diminuição de sua excreção
• Desvios intracelulares de fósforo.
A seguir se discutirão as principais causas dos distúrbios e suas conseqüências clínicas (v. Quadro 13.9).
Quadro 13.9 Causas de hiperfosfatemia
DIMINUIÇÃO NA EXCREÇÃO RENAL
Insuficiência renal
• aguda
• crônica
Hipoparatireoidismo
Pseudo-hiperparatireoidismo
Acromegalia
Difosfonatos
Calcinose tumoral
DESVIOS TRANSCELULARES
Infecções
Estados hipercatabólicos
Leucose/leucemia
Acidose metabólica e respiratória
Síndrome de esmagamento (rabdomiólise)
Hipertermia
Anemia hemolítica
PSEUDO-HIPERFOSFATEMIA
Paraproteinemias
Mieloma múltiplo
Macroglobulinemia de Waldenström
Hiperlipidemia
Refrigeração prolongada
Contaminação por heparina sódica
230
Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio
Diminuição na Excreção
Insuficiência Renal. A hiperfosfatemia acontece quando o ritmo de filtração glomerular cai em torno de 20 a 25
ml/min, mantendo-se uma ingesta normal de fósforo. Na
insuficiência renal crônica, a carga de fósforo filtrada por
néfron aumenta, porém à custa da elevação dos níveis plasmáticos. Já na insuficiência renal aguda, quando há uma
queda repentina do ritmo de filtração glomerular, este fenômeno compensatório não acontece, observando-se maiores elevações nos níveis plasmáticos de fósforo.
Hipoparatireoidismo. As situações clínicas de deficiência na produção ou resistência na ação do PTH (pseudohipoparatireoidismo) levam à hiperfosfatemia. A diferenciação entre estas duas situações clínicas se dá pela medida dos níveis de PTH (que se encontram elevados no pseudo-hipoparatireoidismo) e pela medida do AMP cíclico
urinário (diminuído no hipoparatireoidismo).
Acromegalia/Hipertireoidismo. Cerca de um terço dos
pacientes com hipertireoidismo podem apresentar hiperfosfatemia leve devido a uma maior reabsorção tubular e
óssea de fósforo. Na acromegalia por ação do hormônio de
crescimento se dá uma maior reabsorção tubular e óssea
de fósforo. Na acromegalia por ação do hormônio de crescimento se dá uma maior reabsorção tubular e óssea de
fósforo, porém na maioria das vezes de forma discreta, sem
repercussão clínica.33
Drogas. Os bifosfonatos usados no tratamento da hipercalcemia e doença de Paget diminuem a excreção, bem
como provocam desvios intracelulares de fósforo, elevando seus níveis séricos. Outras medicações, como uso abusivo de enemas e laxativos à base de fósforo, bem como a
administração endovenosa de fosfato e derivados de vitamina D (calcitriol) em portadores de insuficiência renal, são
outras causas bem estabelecidas.
Calcinose Tumoral. É uma síndrome rara, encontrada
em pacientes jovens da raça negra que apresentam calcificações ao longo de suas articulações. Trata-se de uma anormalidade genética causada por um aumento na reabsorção tubular de fósforo. Os níveis de cálcio e PTH são normais, porém há elevação dos níveis de calcitriol. O fósforo
forma complexos com o cálcio causando hipocalcemia. Os
níveis de cálcio permanecem normais devido a uma maior reabsorção no néfron distal, não havendo evidência de
hipoparatireoidismo ou pseudo-hipoparatireoidismo.
Desvios Intracelulares de Fósforo
Sendo o fósforo o ânion predominante no espaço intracelular, o intenso catabolismo celular ou sua destruição
permite a passagem de fósforo do interior da célula para o
meio extracelular. Situações clínicas que provocam necrose celular, tais como hepatite fulminante, hipertermia maligna e síndrome de esmagamento com rabdomiólise, causam hiperfosfatemia.
A terapia citotóxica em doenças hematológicas, como
a leucemia linfoblástica aguda e linfomas, provoca a cha-
mada síndrome de lise tumoral, caracterizada por hiperfosfatemia, hipocalcemia, hiperuricemia e hiperpotassemia. Quando existe precipitação de ácido úrico nos túbulos renais, ocorre insuficiência renal, podendo agravar a
hiperfosfatemia. Na cetoacidose diabética, apesar de haver uma diminuição do fósforo corporal total devido à
diurese osmótica, há um desvio de fósforo (Pi) do intracelular para o extracelular (v. hipofosfatemia), revertido
com o tratamento e que posteriormente evolui para hipofosfatemia.1,2,22,32
A acidose metabólica provoca um maior metabolismo
do fósforo orgânico para inorgânico e conseqüente liberação para o extracelular.2
PSEUDO-HIPERFOSFATEMIA
Situações como a hemólise durante a coleta de sangue,
ou a presença de gamopatias monoclonais (provocando
uma maior ligação do fósforo com as paraproteínas), podem causar elevações falsas dos níveis plasmáticos.35
QUADRO CLÍNICO
As manifestações clínicas da hiperfosfatemia se dão em
função de sua ação sobre os níveis de cálcio sérico, PTH,
calcitriol e na ação inibitória sobre a atividade da 1α-hidroxilase. A hiperfosfatemia grave leva à hipocalcemia, devido aos depósitos de cálcio e fósforo nos tecidos moles, além
do efeito inibitório sobre o calcitriol.
Este processo de deposição é visto quando o produto
cálcio e fósforo ultrapassa o valor de 70 (normal de 40), e a
calcificação se dá nos vasos sanguíneos, pulmão, córnea,
rins, pele e mucosas.2,22,32,33
A síndrome do olho vermelho, devido à calcificação da
córnea, e deposição periarticular atingindo articulações dos
dedos, costelas e ombros são outros achados.
A hipocalcemia sintomática aparecerá, levando a convulsões em casos graves de hiperfosfatemia. Mesmo assim,
elevações súbitas dos níveis de fósforo, que atinjam 6 mg/
dl, podem causar sintomas.2
Pontos-chave:
• A insuficiência renal é a principal causa de
hiperfosfatemia
• Sendo o fósforo o principal ânion
intracelular, situações clínicas de destruição
celular (ex., rabdomiólise) se acompanham
de hiperfosfatemia
TRATAMENTO
Os princípios do tratamento da hiperfosfatemia são
aqueles que procuram atingir a causa subjacente do distúrbio, diminuindo a absorção e promovendo a maior excreção renal deste íon. Em pacientes que apresentam função
231
capítulo 13
renal normal, o aumento da ingesta de fósforo raramente
causa hiperfosfatemia.
Na síndrome de lise tumoral, quando da quimioterapia,
a promoção de uma diurese vigorosa (como aquela promovida na hipercalcemia), com infusão de solução salina
e uso de acetazolamida 15 mg/kg ou 500 mg a cada 6 horas, diurético que alcaliniza a urina impedindo a precipitação de cristais de ácido úrico e promovendo a natriurese, é eficaz na produção de uma maior excreção de fósforo.2,22
Nos pacientes portadores de insuficiência renal crônica, quando o ritmo de filtração glomerular atinge 20 a 25
ml/min, a restrição da ingesta de fósforo em 600 a 900 mg/
dia se faz necessária, porém a utilização de substâncias que
se liguem ao fósforo na luz intestinal (quelantes), impedindo a sua absorção, é de uso corriqueiro.34 O hidróxido de
alumínio na dose de 500 a 1.800 mg 3 a 6 vezes por dia com
as refeições ou 20 minutos após as refeições está indicado
para pacientes com hiperfosfatemia visando à redução
mais rápida dos níveis séricos de fósforo.
As formas de apresentação podem ser cápsulas, líquido, suspensão e tabletes. As cápsulas se apresentam nas
doses de 400 mg ou 500 mg; líquido, 600 mg/5 ml; suspensão oral, 320 mg/5 ml, 450 mg/5 ml ou 675 mg/5 ml; e tabletes de 300 mg, 500 mg ou 600 mg.51,63 No Brasil a forma
mais comum de apresentação parece ser a suspensão oral.
O carbonato de cálcio na dose de 8,5 g (variando de 2,5
a 20 g/dia), com efeito máximo de 1 g junto às refeições,
liga-se ao fosfato tanto exógeno como endógeno (secretado pelo pâncreas e parótidas) na luz intestinal e inibe de
maneira eficaz a absorção do fósforo.1,2,22,34 A dose de carbonato de cálcio é aumentada gradualmente até o fósforo
plasmático atingir uma concentração entre 4,5 e 5,5 mg/
dl. Hipercalcemia é uma complicação comum com o uso
de carbonato de cálcio, ocorrendo mais freqüentemente
quando usadas preparações de vitamina D (calcitriol).62,63
O uso crônico de hidróxido de alumínio em pacientes em
hemodiálise pode levar à intoxicação por este metal, com
quadro de encefalopatia, osteomalácia resistente à vitamina D, anemia e miopatia, devendo-se fazer substituição
pelo carbonato de cálcio. Quando há hipercalcemia, cálcio
em torno de 11 mg/dl com hiperfosfatemia persistente em
níveis elevados, o acréscimo de hidróxido de alumínio deve
ser feito por um período provisório até o melhor controle
de cálcio e fósforo.22
Um novo agente não contendo cálcio, alumínio e magnésio, assim evitando os problemas das medicações contendo estes íons, está sendo usado com bons resultados. O
sevelamar é um polímero catiônico que quela o fósforo por
troca iônica. Trabalhos mostraram que o sevelamar foi tão
efetivo quanto os quelantes habitualmente usados, como
carbonato de cálcio ou acetato de cálcio, não alterando a
concentração plasmática de cálcio e controlando os níveis
de fósforo. Também foi constatado um efeito na redução
dos níveis de colesterol total. O uso de sevelamer (Rena-
gel®) fica reservado, geralmente, para pacientes com hipercalcemia, devido aos seus custos.64,65,68
Em pacientes portadores de hipoparatireoidismo, a administração de PTH aumentaria a excreção de fosfato urinário, porém o uso a longo prazo determina a formação de
auto-anticorpos, limitando sua ação terapêutica. A importância de sua utilização se dá na diferenciação do hipoparatireoidismo primário do pseudo-hipoparatireoidismo, quando se mede o fósforo urinário nestas duas situações, após
sua administração. Observar-se-á que, no pseudo-hiperparatireoidismo, não há aumento na excreção urinária de fósforo, ao contrário do que ocorre no hipoparatireoidismo.
Os genes responsáveis pelo transporte fosfato-sódio
dependente foram recentemente isolados. Novas drogas
estão sendo estudadas para tratar a hiperfosfatemia. Estas
drogas atuam nos transportadores fosfato-sódio, como o
ácido fosfomórfico (PFA), que inibe o transporte fosfatosódio-dependente no túbulo renal. Em ratos esta droga
aumentou a fração de excreção de fósforo, resultando em
melhora dos valores séricos. O uso de PFA em humanos é
limitado pela toxicidade renal.66,67
Pontos-chave:
• Hiperfosfatemia: Fósforo 4,5 mg/dl
• Quadro clínico: Semelhante à hipocalcemia.
Predomínio de sintomas neurológicos.
Depósitos nos tecidos moles quando
produto cálcio fósforo 70
• Tratamento da causa. Restrição dietética de
fósforo. Evitar prescrever hidróxido de
alumínio devido a doença óssea relacionada
ao alumínio. Uso restrito para redução
rápida do fósforo
• Sevelamer: Uso na presença de
hipercalcemia concomitante
MAGNÉSIO
Homeostase do Magnésio
DISTRIBUIÇÃO
O magnésio (Mg) é o quarto íon mais abundante do
organismo, sendo a nível intracelular o segundo mais prevalente, após o potássio. Um adulto normal possui cerca
de 24 g de Mg, sendo a fração sérica muito pequena em relação ao magnésio corporal total, distribuindo-se da seguinte maneira:
• 60% nos ossos
• 39% no espaço intracelular
• 1% no espaço extracelular.
232
Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio
No plasma cerca de 60% do magnésio se encontram livres (fração iônica),30 35% ligados às proteínas e 5 a 10%
formando complexos com bicarbonato, citrato e fosfato.
Néfron Justamedular
Néfron Cortical Superficial
UNIDADES DE MEDIDA
O magnésio é mensurado em três unidades; mmol/L,
mg/dl e mEq/L. 1 mEq/L corresponde a 0,5 mmol/L e 1,2
mg/dl.
O valor definido como normal para a concentração sérica de magnésio é de 1,4 a 1,7 mEq/L.
ABSORÇÃO, EXCREÇÃO E BALANÇO
INTERNO
Absorção Intestinal
A dieta habitual de Mg é de aproximadamente 4 mg/
kg/dia. Deste total, 25 a 60% são absorvidos no intestino
delgado. Os mecanismos envolvidos neste processo são:
difusão passiva e difusão facilitada. O movimento de água
na luz intestinal tem papel relevante na absorção de Mg.
Os principais fatores que influenciam na absorção intestinal de magnésio são:
• proteínas, carboidratos, sódio, água e vitamina D ⇒
estimulam a absorção
• fosfato ⇒ inibe a absorção.
A quantidade de magnésio na dieta é de fundamental
importância, pois dietas com baixo teor de magnésio aumentam a capacidade de absorção intestinal em até 90%
do total ingerido. A excreção diária de magnésio é em torno de 30 a 40 mg/dia pelas fezes.1,2,36
Rins
O Mg difere da absorção de outros ânions pelo fato
de o túbulo contornado proximal não ser o responsável
principal pela sua reabsorção e sim a alça de Henle (ramo
ascendente espesso). Do total de 3.400 mg/dia de Mg
filtrado, 15 a 25% são reabsorvidos no TCP e 5 a 10% no
túbulo distal, sendo o restante na alça de Henle.1,2,36
Os mecanismos responsáveis pela absorção de magnésio na alça de Henle não estão completamente estabelecidos, porém o transporte paracelular por difusão devido a
um gradiente elétrico favorável, gerado pela reabsorção de
cloreto de sódio, é a teoria mais aceita.36 A reabsorção paracelular parece ser facilitada por uma proteína chamada
paracelin 1 (PCLN-1). A perda de magnésio estaria relacionada a mutações no gene da proteína PCLN-1, que estão
localizadas na alça espessa de Henle.52
A ação do PTH, aumentando a reabsorção local, é um
fator relevante no transporte deste íon no ramo ascendente espesso da alça de Henle. Também o transporte passivo
de Mg se dá devido a um gradiente eletronegativo no
interior da célula, gerado por uma concentração intracelular de magnésio de 1,0 mEq/L, facilitando o transporte
do lúmen tubular para o interior da célula.2,36
Fig. 13.2 Demonstração das áreas de reabsorção de magnésio no
néfron justamedular e néfron cortical superficial.
A célula tubular da alça de Henle na membrana basolateral possui um processo ativo de transporte de Mg para
fora da célula, através de bomba ativa ou troca de Na por
Mg.
No túbulo proximal, a absorção do magnésio é de 15 a
25%, sendo o mecanismo unidirecional e dependente da
quantidade de magnésio na luz tubular. Já no túbulo distal, 10% do Mg filtrado é ofertado a este segmento, onde
somente uma pequena fração é reabsorvida, através de
canais de magnésio da membrana luminal e com mecanismos na membrana basolateral semelhantes àqueles da alça
de Henle.1,2,36
Ponto-chave:
• Reabsorção de magnésio: Principalmente no
ramo espesso da alça de Henle (70 a 75%),
ao contrário de outros íons
FATORES QUE INFLUENCIAM A EXCREÇÃO DE
MAGNÉSIO
Os principais fatores envolvidos na excreção do magnésio são:
Hipo- e Hipermagnesemia. A concentração de magnésio plasmático é a principal responsável pela excreção urinária, principalmente no segmento cortical ascendente da
alça de Henle. A hipermagnesemia diminui a reabsorção,
ao contrário da hipomagnesemia. Há alguma evidência de
que a concentração intracelular de Mg regula esta resposta, modificando o número de canais de Mg na membrana luminal.36
Hipo- e Hipercalcemia. A hipercalcemia parece aumentar a excreção de magnésio devido ao fato de o cálcio com-
capítulo 13
petir com o transporte passivo de magnésio. Por outro lado,
a hipocalcemia pode aumentar a reabsorção de Ca e
Mg. Este fato se reflete nos pacientes portadores da síndrome de hipercalcemia hipocalciúrica que apresentam
hipermagnesemia devido à ausência do efeito inibitório da
hipercalcemia na reabsorção de magnésio.
PTH. Como já foi visto, o PTH aumenta a reabsorção de
magnésio, principalmente na alça de Henle.
Diuréticos. Tanto os diuréticos de alça como os tiazídicos e diuréticos osmóticos causam hipermagnesiúria, principalmente por diminuir o transporte de sódio, cloro e cálcio.38
Expansão de Volume. A expansão de volume causa
uma diminuição na reabsorção de sódio, água e magnésio,
por um aumento do fluxo tubular que chega à alça de
Henle, gerando um menor gradiente elétrico transtubular
comprometendo a reabsorção.
Ossos. Aproximadamente 60% do magnésio total se
encontra nos ossos, na superfície óssea na forma de cristais, pronto para a mobilização em estados de deficiência.
A hipocalcemia que se dá em situações de hipomagnesemia pode em parte ser explicada pela troca a nível da superfície óssea do cálcio pelo magnésio.1,2,36
FUNÇÕES DO MAGNÉSIO NO ORGANISMO
O magnésio participa de múltiplas funções no organismo. É importante para a ação de cerca de 300 enzimas, na
glicogenólise e respiração celular, nas funções da membrana e aderência celular, transporte transmembrana de sódio, potássio e cálcio. Participa das funções de contração e
relaxamento muscular, neurotransmissão e condução do
potencial de ação e influencia na função de proteínas e
mitocôndrias. Também auxilia na estrutura do ribossomo
e na ligação do RNA mensageiro ao ribossomo.70,71
Hipomagnesemia
Define-se hipomagnesemia quando a concentração sérica de magnésio é menor que 1,4 mEq/L (0,7 mmol/L ou
1,7 mg/dl). A incidência deste distúrbio chega a 12% dos
pacientes hospitalizados, chegando em unidades de tratamento intensivo a 65%. Desnutrição, hipoalbuminemia e
uso de aminoglicosídeos contribuem para esta maior incidência, nas unidades de tratamento intensivo.37,44
CAUSAS
Há três mecanismos principais causando a hipomagnesemia: redução na absorção intestinal, aumento da perda
urinária e desvio intracelular do íon. As causas principais
de hipomagnesemia se encontram no Quadro 13.10.
Perdas Gastrintestinais
As principais causas de perdas gastrintestinais se devem
a quadros de má absorção intestinal, como o espru tropi-
233
Quadro 13.10 Causas principais de
hipomagnesemia
PERDAS GASTRINTESTINAIS
Diarréia, pancreatite aguda, síndrome do intestino curto,
hipomagnesemia intestinal primária, esteatorréia
PERDAS RENAIS
Diuréticos (de alça e tiazídicos), cisplatina,
aminoglicosídeos, anfotericina B, pentamidina,
ciclosporina
Álcool
Expansão de volume
Hipercalcemia
Transplante renal
Diurese pós-obstrutiva
Síndrome de Bartter
Perda renal primária de magnésio
MISCELÂNEA
Síndrome do osso faminto
Foscarnet
Pós-operatório
cal, ressecção intestinal, fístulas biliares, causadoras de
perdas significativas de magnésio. Outras condições, como
a pancreatite aguda, causam deficiência de magnésio.
A esteatorréia, outra situação de perda gastrintestinal,
forma “sabões” na luz intestinal, com perda de magnésio.
Aspiração nasogástrica contínua sem reposição concomitante de magnésio causa hipomagnesemia, já que o fluido gástrico tem aproximadamente 1 mEq/L de magnésio.
Outra situação mais rara é um erro inato do metabolismo
caracterizado por deficiência seletiva na absorção de magnésio, sendo que esta desordem se apresenta no período
neonatal, quando ocorre hipocalcemia, que se corrige com
reposição de magnésio. O desenvolvimento de hipomagnesemia por ingestão diminuída é uma causa rara do distúrbio. O abuso de laxativos e diarréia crônica são outras
causas.2,36,37,45
Perdas Renais
As perdas renais de magnésio se dão ou por defeitos
tubulares específicos no transporte de magnésio, ou por
defeitos tubulares específicos no transporte de sódio, com
conseqüente déficit na reabsorção de magnésio nos segmentos do néfron onde ocorre o transporte passivo de sódio e magnésio.36,45
Diuréticos. Os diuréticos de alça e os tiazídicos inibem a
reabsorção de magnésio, enquanto os poupadores de potássio aumentam o transporte de magnésio do lúmen tubular
para o interior da célula no túbulo coletor. A diurese osmótica, provocada por estados de hiperglicemia, e a diurese
pós-obstrutiva causam perdas de magnésio na urina.2,36,41
Nefrotoxinas. Os aminoglicosídeos causam hipomagnesemia, hipocalcemia e hipopotassemia. A cisplatina é
234
Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio
outra droga que causa hipomagnesemia, chegando a 50%
dos pacientes em algumas séries. Outras drogas são a anfotericina B, que causa acidose tubular renal e hipomagnesemia leve, e a ciclosporina, que ocasiona perda renal de
magnésio após transplante renal e de medula óssea.1,2,36,43,45
Álcool. Vários mecanismos estão envolvidos no desenvolvimento de hipomagnesemia nos pacientes etilistas:
diarréia, baixa ingestão e efeito direto do álcool no túbulo
renal, causando perda urinária de magnésio.
Hipercalcemia. Cálcio e magnésio parecem competir
pelo mesmo local de reabsorção no ramo espesso ascendente da alça de Henle, onde a hipercalciúria nesta situação
provoca maior perda de magnésio na urina. Isto pode ser
comprovado pela hipomagnesemia leve encontrada no hiperparatireoidismo primário.2,36
Disfunção da Alça de Henle. Disfunções aí localizadas,
como na fase de recuperação da necrose tubular aguda,
diurese pós-obstrutiva e na síndrome de Bartter (defeito
congênito que promove a perda renal de potássio, alcalose metabólica, hipercalciúria e hipomagnesemia).45
Expansão de Volume. O maior exemplo é o que acontece nos estados de hiperaldosteronismo cuja expansão do
volume extracelular leva a um menor efeito de reabsorção
do magnésio através de seus mecanismos passivos.
Miscelânea. Dentre outras causas, destacamos a cetoacidose diabética antes do tratamento, pelo quadro hipercatabólico, e a perda urinária devida à diurese osmótica
intensa.
Na síndrome do osso faminto pós-tireoidectomia com
ressecção inadvertida da paratireóide ou paratireoidectomia pode ocorrer uma maior deposição de magnésio ao
nível ósseo.
Na insuficiência renal crônica, acidose tubular renal e
nefrite intersticial, pode-se observar uma perda maior de
magnésio na urina.1,2,36,41,43,44,45
Outros estudos demonstram que a administração de
magnésio após eventos isquêmicos nas primeiras 24 horas
diminui a incidência de arritmias neste período. O risco de
intoxicação digitálica pode ser observado na hipomagnesemia, pela perda intracelular de potássio. Isto decorre do
fato de que a diminuição na concentração de magnésio
intracelular provoca uma diminuição na atividade do ATP,
responsável por inibir a secreção de potássio do interior da
célula, abrindo-se os canais permeáveis ao potássio com
conseqüente secreção deste para o interior do lúmen tubular. A hipocalemia se desenvolve e só é corrigida com a
reposição concomitante de magnésio.39
O papel que desempenha o magnésio na patogênese da
hipertensão arterial é investigado, parecendo haver uma
correlação inversa entre a ingestão de magnésio e a incidência de hipertensão.2,36
Hipocalcemia. O sinal mais proeminente de hipomagnesemia grave é a hipocalcemia, onde são encontrados
níveis de PTH normais ou baixos. A hipomagnesemia suprime a secreção de PTH, aumenta a resistência óssea ao
hormônio e diminui os níveis de AMPc em resposta à ação
do PTH.2,36,42,45
QUADRO CLÍNICO
Onde U e P são as amostras das concentrações urinária
e plasmática de magnésio e creatinina, respectivamente. A
concentração plasmática de magnésio é multiplicada por
0,7 devido ao fato de 70% do magnésio se encontrar livre
no plasma; este produto é então multiplicado pela concentração urinária de creatinina. A coleta da amostra para
determinação do magnésio sérico pode alterar-se quando
ocorre hemólise, elevando in vitro a sua concentração. Para
cada 1 g/L de queda de hemoglobina por lise, há elevação
de 0,05 mmol/L. Valores de FE Mg maiores que 2% ou
magnésio medido nas 24 horas maior que 10 mg representam perdas devido ao uso de drogas (aminoglicosídeos,
cisplatina, diuréticos).1,2,44
O quadro clínico da hipomagnesemia é acompanhado
na maioria das vezes por outros distúrbios metabólicos,
como hipopotassemia, hipocalcemia e alcalose metabólica, além de depender da velocidade de instalação do distúrbio.
Manifestações Neuromusculares. A tetania é um achado comum, quando associada a hipocalcemia, sendo rara
na ausência deste distúrbio. O sinal de Chvostek é mais
comum que o de Trousseau na hipomagnesemia. Convulsões, tremores e mioclonia também são outros achados.2 Os
sinais neuromusculares são mais comuns em etilistas e
pacientes com má absorção intestinal.
Manifestações Cardiovasculares. As manifestações cardiovasculares mais importantes são as arritmias ventriculares, especialmente durante os fenômenos isquêmicos.
Muitos estudos não controlados têm apontado uma maior
incidência de arritmias ventriculares em pacientes com hipomagnesemia do que com níveis normais de magnésio.42,45
DIAGNÓSTICO
A hipomagnesemia deve ser suspeitada na presença de:
diarréia crônica, uso de diuréticos, hipocalcemia, hipopotassemia refratária, arritmias ventriculares particularmente
após eventos isquêmicos. Para diferenciar se a causa da
hipomagnesemia é de origem renal ou gastrintestinal,
deve-se medir a excreção de magnésio nas 24 horas. A
medida em 24 horas e não em uma amostra é importante
devido às variações diurnas na excreção do magnésio.53 A
fração de excreção de magnésio se calcula através da seguinte fórmula:
FE Mg MgU CrP / (0,7 MgP) CrP
TRATAMENTO
A hipomagnesemia leve (níveis em torno de 1,4 mg/dl
a 1,7 mg/dl) não necessita de tratamento, mas de correção
da causa subjacente. Alguns autores recomendam terapia
oral com tabletes de magnésio para pacientes assintomáti-
capítulo 13
cos. O uso de 2 a 4 tabletes com 5 a 7 mEq por tablete parece ser suficiente. Nos casos mais severos deve-se aumentar para 6 a 8 tabletes.
Já em casos de emergência, pacientes apresentando convulsões ou tetania, as primeiras medidas são infusão de 200
mg (8,2 mmol) de sulfato de magnésio a 50%, ou 4 ml de
MgSO4 a 50% em 100 ml de solução salina isotônica, devendo ser administrados em 10 minutos e os níveis de
magnésio novamente medidos em 30 minutos. Pode ser
repetida a dose quando necessário.1,2,36
Em casos menos urgentes, uma infusão constante de 0,5
mmol/kg nas 24 horas ou 2 ml de sulfato de magnésio a
50% (4,1 mmol ou 100 mg) intramuscular a cada 3 ou 4
horas podem ser administrados no primeiro dia, com posterior redução da dose.
Outra forma de reposição, quando há presença de arritmia ou tetania, é realizar a infusão de 50 mEq de magnésio via endovenosa em 8 a 24 horas, com o intuito de
manter a concentração de magnésio acima de 1,0 mg/dl.
Em pacientes sob nutrição parenteral, a adição de 4,1
mmol (100 mg) previne o desenvolvimento de hipomagnesemia. Adultos com perda intestinal podem receber terapia oral na dose de 240 a 720 mg/dia.1,36,45 Como o magnésio plasmático é o principal responsável pela reabsorção
renal, elevações abruptas no plasma podem levar à eliminação de 50% do magnésio infundido, pela abolição do
estímulo de conservação do magnésio.36
Pontos-chave:
• Hipomagnesemia geralmente é
acompanhada de outros distúrbios
metabólicos, como hipocalcemia e
hipopotassemia. A hipocalcemia é um
indicador de gravidade da hipomagnesemia
• Hipomagnesemia leve: sem tratamento
• Hipomagnesemia com sintomas severos:
terapia endovenosa
Hipermagnesemia
DEFINIÇÃO
Define-se hipermagnesemia quando os níveis de magnésio são superiores a 2,1 mEq/L (1 mmol/L ou 2,6 mg/
dl). Em indivíduos com ingestão normal, ao redor de 3%
do magnésio ingerido é excretado na urina, em especial no
ramo ascendente espesso da alça de Henle.2,48,49
CAUSAS DE HIPERMAGNESEMIA
As causas principais de hipermagnesemia encontramse no Quadro 13.11. Como o aumento de magnésio não
possui um sistema hormonal regulador e o rim é o principal responsável pela sua excreção, a hipermagnesemia se
235
Quadro 13.11 Causas principais de
hipermagnesemia
AUMENTO DA INGESTA
• Administração excessiva de magnésio: oral, retal; rara
em pacientes com função renal normal
DIMINUIÇÃO DA EXCREÇÃO RENAL
• Aumento da ingesta de substâncias que contenham
magnésio, como antiácidos, laxativos, lítio, diuréticos,
poupadores de potássio
• Conteúdo alto de magnésio no dialisado
OUTRAS CAUSAS
• Hiperparatireoidismo primário
• Hipercalcemia hipocalciúrica familiar
• Cetoacidose diabética
• Estados hipercatabólicos
• Tratamento da intoxicação por teofilina
• Síndrome álcali-leite
• Insuficiência supra-renal
desenvolverá em casos de insuficiência renal ou devido ao
abuso de magnésio administrado sob a forma oral (antiácidos e laxativos), enema ou endovenosa.1,2,48,49,50
Insuficiência Renal. Como se sabe, o rim tem grande
capacidade de excretar o excesso de magnésio do organismo. Desta maneira, a hipermagnesemia acontece nos pacientes portadores de insuficiência renal crônica e em pacientes que estão em hemodiálise. O uso, nesta população,
de antiácidos, enemas e dialisados com alta concentração
de magnésio são causas deste distúrbio.
Aumento da Ingestão. Em pacientes com função renal
normal, a administração excessiva de magnésio por via
oral, retal ou endovenosa pode ser responsável pelo aumento dos níveis de magnésio no plasma.
O exemplo clássico é o tratamento da eclâmpsia, quando níveis de 6 a 8,5 mg/dl podem causar hipocalcemia
materna (inibição da liberação de PTH) e hipopotassemia
neonatal.
Quantidades substanciais de magnésio são absorvidas
pelo intestino grosso na forma de enemas. Por exemplo, 400
a 800 mmol/d de magnésio via retal aumentam a concentração plasmática de 7,2 até 19,2 mg/dl.
Outras Causas. A insuficiência supra-renal e o hiperparatireoidismo têm sido relatados como causa de hipermagnesemia, por provocarem contração de volume plasmático no primeiro caso e pelo efeito direto do PTH no segundo, aumentando a reabsorção tubular de magnésio. A hipercalcemia diminui a reabsorção renal de magnésio, contrabalançando o efeito do PTH e deixando os níveis de
magnésio normais e até baixos. Nos pacientes com a síndrome familiar da hipercalcemia hipocalciúrica, a ausência do efeito inibitório do cálcio no túbulo renal provoca a
hipermagnesemia.
O desvio de magnésio para o extracelular pode dar-se
236
Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio
em casos de acidose, feocromocitoma, estados hipercatabólicos e síndrome de lise tumoral.1,2,48,49
QUADRO CLÍNICO
A hipermagnesemia é uma situação rara na ausência de
insuficiência renal ou administração de substâncias que
contenham magnésio. A gravidade e a presença dos sintomas vão variar com a intensidade do distúrbio que, quando leve (menor que 3 mEq/L, 3,6 mg/dl ou 5 mmol/L),
causa poucos sintomas.
Neuromuscular. O aumento dos níveis de magnésio
diminui o impulso nervoso através da junção neuromuscular, provocando um efeito curarizante. Há diminuição
dos reflexos profundos, notados quando os níveis atingem
4 a 6 mEq/L (4,8 a 7,2 mg/dl ou 2 a 3 mmol/L); se houver
maior elevação dos níveis plasmáticos, poder-se-ão observar quadriplegia flácida e paralisia respiratória.47
Cardiovascular. No coração o magnésio tem efeito através do bloqueio dos canais de cálcio e de potássio, levando a efeito inotrópico negativo e arritmogênico, quando sua
concentração atinge 4 a 5 mEq/L (4,8 a 7,2 mg/dl ou 2,0 a
2,5 mmol/L), com conseqüente hipotensão arterial e bradicardia. Em quadros mais graves, bloqueio atrioventricular total poderá ocorrer.46
Hipocalcemia. Hipermagnesemia leve a moderada
pode levar a inibição na secreção de PTH, levando a uma
redução transitória na concentração de cálcio e na maioria
das vezes não associada a sintomas, além de exercer um
efeito bloqueador sobre os canais de cálcio.2,46,48
Hiperpotassemia. A hipermagnesemia provoca o bloqueio dos canais de secreção de potássio.2,48
TRATAMENTO
A maioria dos casos de hipermagnesemia pode ser evitada, como nos renais crônicos, não utilizando produtos
que contenham magnésio. Quando a função renal é normal, a parada de infusão de magnésio determina a resolução do distúrbio.
Nos pacientes com quadro de risco de vida a infusão de
gluconato de cálcio, 100 a 200 mg, infundido em 5 a 10
minutos, agindo como antagonista do magnésio (o magnésio é um bloqueador dos canais de cálcio), deve ser feita
imediatamente. A associação de insulina e glicose aumenta a entrada de magnésio para o interior da célula.48,49
Nos pacientes em hemodiálise se fará o tratamento com
um dialisado livre de magnésio.2,48,49
3.
4.
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capítulo 13
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Capítulo
14
Metabolismo do Ácido Úrico
Paulo Henrique Fraxino e Miguel Carlos Riella
INTRODUÇÃO
Nefropatia hiperuricêmica familiar
METABOLISMO DAS PURINAS E SÍNTESE DO ÁCIDO
Nefrolitíase pelo ácido úrico
ÚRICO
Hiperuricemia no transplante renal
METABOLISMO DO ÁCIDO ÚRICO
Produção de ácido úrico
Manejo clínico e farmacológico dos estados de
hiperuricemia
Produção exógena de ácido úrico
Hiperuricemia assintomática
Produção endógena de ácido úrico
Gota
Excreção de ácido úrico
Nefropatia aguda pelo ácido úrico
Aparelho gastrintestinal
Nefropatia crônica pelo ácido úrico
Aparelho urinário
Nefropatia hiperuricêmica familiar
ESTADOS DE HIPERURICEMIA
Definição
Nefrolitíase pelo ácido úrico
Hiperuricemia no transplante renal
Classificação
ESTADOS DE HIPOURICEMIA
Hiperuricemia primária
Definição
Hiperuricemia secundária
Diminuição na produção de ácido úrico
Epidemiologia
Deficiência da xantina-oxidase
Apresentação clínica
Excreção aumentada de ácido úrico
Gota
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Nefropatia aguda pelo ácido úrico
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Nefropatia crônica pelo ácido úrico
INTRODUÇÃO
O conhecimento das particularidades do metabolismo
do ácido úrico torna-se imprescindível para a compreensão da gênese de diversas patologias relacionadas, bem
como dos seus tratamentos.
É sabido que alterações dos níveis séricos do ácido úrico poderão implicar complicações sistêmicas importantes,
como gota, nefropatia aguda e crônica pelo ácido úrico e
litíase renal, patologias geralmente relacionadas a estados
de hiperuricemia. Ou ainda, situações clínicas observadas
em associação a estados de hipouricemia, a saber: na deficiência de xantina-oxidase, em doenças hepáticas, na síndrome de Fanconi, na síndrome da imunodeficiência adquirida, entre outras.
É objetivo deste capítulo revisar a síntese do ácido úrico,
como ocorre sua produção e excreção, as patologias decorrentes das alterações do seu metabolismo, as manifestações clínicas destas doenças e seus manejos clínicos e terapêuticos.
239
capítulo 14
METABOLISMO DAS PURINAS E
SÍNTESE DO ÁCIDO ÚRICO
A partir do metabolismo dos nucleotídeos das purinas é que
teremos a formação do ácido úrico (Fig. 14.1). Sabe-se que a
síntese das purinas dar-se-á a partir da ribose-5’-fosfato. Inicialmente ocorrerá uma aminação do 5’-fosforribosil-1’-pirofosfato (PRPP), catalisada pela enzima PRPP-sintetase. Seqüencialmente observa-se a utilização de um nitrogênio amídico
da glutamina associada a uma inversão do C-1 da ribose, originando a 5’-fosforribosil-1’-amina. A partir de então esta
amina será conjugada a glicina. O resultante desta reação será
amidado com o nitrogênio amídico da glutamina. A etapa
seguinte corresponderá a uma desidratação, dependente de
ATP, e fechamento do anel originando a porção imidazólica
da purina (5’-aminoimidazol-ribonucleotídeo). O 5’-aminoimidazol-ribonucleotídeo sofrerá uma carboxilação e uma
amidação, formando um intermediário denominado 5’-aminoimidazol-4’-carboximida-ribonucleotídeo, que sofrerá uma
Ribose-5ⴕ-Fosfato
PRPP-Sintetase
5’-Fosforribosil-1ⴕ-Pirofosfato (PRPP)
ⴙ
Glutamina
5ⴕ-Fosforribosil-1ⴕ-Alanina
Glutamina
Glicina
5ⴕ-Aminoimidazol-Ribonucleotídeo
Aspartato
CO2
5ⴕ-Aminoimidazol-4ⴕ-Carboximida-Ribonucleotídeo
Formato
Ácido Guanílico
H2O
Ácido Inosínico
Ácido Adenílico
HPRT
Guanosina
Inosina
Adenosina
HPRT
Guanina
Hipoxantina
Xantina-oxidase
Guanase
Xantina
Xantina-oxidase
Ácido Úrico
Fig. 14.1 Representação esquemática: Metabolismo da purina no homem. (Baseado em Brobeck, J.; Herbert, P.N.; Hricik, D.2)
240
Metabolismo do Ácido Úrico
formilação, recebendo um último átomo de carbono. Após a
sua desidratação completar-se-á a síntese do ribonucleotídeo
da hipoxantina, o ácido inosínico (IMP).34
Como podemos observar na Fig. 14.1, que corresponde à
representação esquemática do metabolismo das purinas nos
seres humanos, a partir da formação do ácido inosídico (IMP)
teremos uma ramificação na via de biossíntese das purinas.
Para um lado ocorrerá oxidação e aminação do IMP na dependência do ATP, originando o ácido guanílico (GMP), e
para outro, dependendo agora do GTP, o IMP sofrerá aminação para originar o ácido adenílico (AMP). Seguindo-se a
via de biossíntese, observamos que o ácido inosídico (IMP)
passará a inosina e esta a hipoxantina, que por ação da enzima xantino-oxidase originará a xantina e esta o ácido úrico
na dependência da ação da mesma enzima.34
Uma vez revisado o metabolismo das purinas, vale ressaltar que a velocidade de formação ou síntese do ácido
úrico dependerá da concentração intracelular da PRPP.
Portanto, é correto afirmar que uma ação maior da enzima PRPP-sintetase implicará concentração maior de PRPP
e conseqüente biossíntese acelerada de purinas com maior formação de ácido úrico. Outra forma possível de aumento da PRPP seria por uma deficiência ou menor atividade da enzima hipoxantina-guanina-fosforribosil-transferase (HPRT), enzima esta responsável pela conversão da
hipoxantina em IMP e da guanina em GMP.34
Segundo a literatura, cerca de 10% dos pacientes com produção aumentada de ácido úrico teriam como causa principal uma deficiência parcial de HPRT.2 Tanto esta alteração
quanto a hiperatividade da PRPP-sintetase são defeitos familiares herdados como caráter ligado ao cromossomo X.3
Pontos-chave:
• A maioria das espécies mamíferas tem
níveis muito baixos de ácido úrico porque o
mesmo é convertido em alantoína, um
produto excretado e altamente solúvel
• Em humanos o ácido úrico é o produto final
do metabolismo das purinas porque o
homólogo humano do gene uricase dos
mamíferos foi modificado e não tem
expressão (pseudogene)
METABOLISMO DO ÁCIDO
ÚRICO
Produção de Ácido Úrico
O ácido úrico é produzido no fígado a partir da degradação de purinas sintetizadas de forma endógena ou ingeridas
através da alimentação. Uma quantidade significativa de pre-
cursores de uratos é oriunda da dieta alimentar; sabe-se que
fórmulas dietéticas livres de purinas chegam a reduzir a excreção urinária de ácido úrico em aproximadamente 40%.33
O processo de produção de uratos envolve a quebra dos
nucleotídeos de purinas, o ácido guanílico (GMP), o ácido
inosínico (IMP) e o ácido adenílico (AMP). Finalmente, a
guanina e a hipoxantina são então metabolizadas em xantina e esta, sob a ação irreversível da xantina-oxidase, em
ácido úrico.
PRODUÇÃO EXÓGENA DE ÁCIDO ÚRICO
Uma dieta alimentar sem restrição de purinas será suficiente para a manutenção da excreção urinária de ácido
úrico. Esta, por sua vez, dependerá da quantidade e do tipo
de purina existentes na dieta.34 Adultos jovens e hígidos,
submetidos a uma dieta sem purina, reduzirão a concentração sérica de ácido úrico em cerca de 37% em 10 dias e
a excreção urinária em torno de 33%, no mesmo período.4
PRODUÇÃO ENDÓGENA DE ÁCIDO ÚRICO
A síntese continuada e o turnover endógenos das purinas mantêm a excreção urinária do ácido úrico em torno
de 300 a 400 mg/dia, fato este que independerá até mesmo de uma restrição dietética de purinas.34
Excreção de Ácido Úrico
De uma maneira geral, o organismo humano não é capaz de metabolizar o urato, o que significa dizer que para
a manutenção da homeostase de seu metabolismo o urato
deverá ser eliminado através dos rins ou intestino.
Um indivíduo adulto do sexo masculino apresenta um
pool de ácido úrico de aproximadamente 1.200 mg, sendo
que, nas mulheres, esta quantidade se reduz a 600 mg. Diariamente, 50 a 60% das quantidades acima citadas serão renovadas através dos metabolismos endógeno e exógeno. A
excreção diária média através da urina será em torno de 450
mg, e a intestinal, de aproximadamente 200 mg.4
APARELHO GASTRINTESTINAL
Sabe-se que a entrada de urato através do intestino ocorre por um processo passivo variável de acordo com a concentração sérica do ácido úrico. As bactérias do trato intestinal são capazes de degradar o ácido úrico em dióxido
de carbono e amônia, através da ação das uricases,
alantoinases, alantoicases e ureases, num processo denominado “uricólise intestinal”.4,34 A quantidade de ácido
úrico encontrada nas fezes, apesar de pequena, poderá
estar aumentada em alguns estados patológicos, como nas
situações de insuficiência renal.
APARELHO URINÁRIO
Os processos que envolvem a excreção renal de ácido
úrico têm sido definidos através de estudos de fisiologia e
241
capítulo 14
farmacologia renal em animais de experimentação e em
seres humanos. Cerca de 5% do ácido úrico circulante está
ligado a proteínas, o que significa dizer que todo o restante poderá ser filtrado pelos glomérulos renais livremente.5,6
Além da filtração glomerular, outras três etapas do seu
metabolismo poderão ser identificadas como de responsabilidade renal: a reabsorção pré-secretória, a secreção e a
reabsorção pós-secretória, todas ocorrendo no túbulo proximal.5, 35
Pontos-chave:
• A uricólise intestinal é responsável por
aproximadamente 1/3 do metabolismo total
de urato e é responsável pela eliminação
extra-renal de todo o urato
• A excreção urinária de urato é responsável
pelos 2/3 restantes do ácido úrico
produzido diariamente
• O clearance de ácido úrico, no entanto, está
em 7-12% de toda a carga filtrada
Filtração Glomerular
Como já foi visto, apenas uma pequena porcentagem do
ácido úrico circulante está ligado à proteína. Conclui-se,
desta forma, que uma grande quantidade deste será filtrada pelos glomérulos diariamente. Apesar disto, o clearance do ácido úrico em adultos normais encontra-se em torno de 7 a 12% de toda a carga filtrada, justificado pelo fato
de que cerca de 90% do urato filtrado sofre reabsorção tubular.
Túbulo Proximal
Após sofrer a filtração glomerular, o urato que chega ao
túbulo proximal passará por três processos distintos:4,35
• Reabsorção, no início do túbulo proximal, de cerca de
90 a 100% de tudo que foi filtrado.
• No segmento S2 do túbulo proximal, haverá secreção de
urato, proporcionando um retorno de 50% do que foi
filtrado novamente ao lúmen tubular.
• Finalmente no segmento S3 ocorrerá a dita absorção póssecretória.
Os mecanismos através dos quais estes processos ocorrem não estão completamente definidos. Acredita-se, no
entanto, que as trocas aniônicas desempenhem um importante papel. A reabsorção de urato poderá ser mediada por
um urato-OH (ou urato-HCO3) contratransportador na
membrana luminal do túbulo proximal que opera em paralelo a uma troca Na-H (Fig. 14.2).
A secreção de uratos no segmento S2 do túbulo proximal envolve mecanismos mais complexos no que diz respeito à troca de ânions. Essa secreção depende, na realidade, de um transporte ativo secundário que envolve um
processo de co-transporte de sódio, que permite a excreção renal não somente do ácido úrico mas também de fármacos, como aspirina, antibióticos e diuréticos.43 Desta forma, identificam-se situações de hiperuricemia resultantes
da redução da secreção habitual de uratos por ação de alguns destes ácidos.35 Modernamente, tenta-se explicar este
mecanismo com a teoria de carreadores de ânions na membrana basolateral e, talvez, na membrana luminal.7,8,9 O
número e a distribuição de cargas negativas parecem ser
os principais determinantes do grau de ligação. Os compostos formados adentram a célula através de um co-trans-
Célula do Túbulo Proximal
Lúmen
Capilar Peritubular
3 Na
Na
ATP ase
2 K
H
OH
Ur
Ur
A(?Cl)
Ur
Fig. 14.2 Representação esquemática. Reabsorção de ácido úrico no túbulo proximal.
242
Metabolismo do Ácido Úrico
porte com o sódio e, também, podem ser produzidos dentro destas células criando um gradiente favorável que servirá como um mediador nas trocas aniônicas7,8,34,43 (Fig.
14.3). Além disso, um gradiente elétrico favorável poderá
propiciar um transporte por difusão facilitada de um ânion orgânico para o interior da luz tubular, permitindo,
desta forma, a sua secreção.8
Após o exposto, conseguimos compreender a importância dos mecanismos que permitem ao túbulo proximal secretar e, especialmente, reabsorver ácido úrico. A concentração urinária deste será reflexo direto daquilo que acontece principalmente nos segmentos S2 e S3 do túbulo proximal. Em termos numéricos, sabe-se que apenas 12% do
ácido úrico filtrado aparecerão na urina.4
geral, como resultado de uma excessiva produção de uratos, pela diminuição da sua excreção renal ou por uma
combinação de ambos os fatores.36 Baseados neste conhecimento, poderemos classificar a hiperuricemia em duas
categorias: primária e secundária.
Classificação
HIPERURICEMIA PRIMÁRIA
Corresponde às situações em que níveis séricos elevados de ácido úrico são identificados sem doenças coexistentes ou uso de drogas que possam diminuir a sua excreção ou aumentar a sua produção (Quadro 14.1).
HIPERURICEMIA SECUNDÁRIA
ESTADOS DE HIPERURICEMIA
Definição
A melhor definição para o que é uma hiperuricemia baseia-se no limite de solubilidade dos uratos nos fluidos humanos, ou seja, ocorrerá quando a concentração de uratos
séricos corresponder a um estado de maior saturação neste
compartimento orgânico. Esta definição físico-química corresponde à concentração de urato excedendo 7 mg/dl quando utilizarmos métodos enzimáticos (uricase) na sua mensuração. Um valor inferior em até 1 mg/dl poderá ser aceito quando métodos calorimétricos sejam utilizados.
A persistência de níveis séricos elevados de ácido úrico
(hiperuricemia) é uma alteração bioquímica relativamente comum em nosso meio. Tal situação ocorrerá, de maneira
Nesta categoria encontramos as situações resultantes de
uma excessiva produção de uratos (Quadro 14.2) ou quando se identifica uma diminuição de seu clearance renal
(Quadro 14.3) por uso de drogas, toxinas, dieta ou outra
doença associada.
Uma situação clínica que merece discussão especial é a
hiperuricemia assintomática. Neste caso a situação de
hiperuricemia não se encontra associada a nenhum achado clínico específico, como artrite, tofo ou litíase urinária.
Embora a hiperuricemia esteja freqüentemente associada
a outras entidades clínicas, como hipertensão, obesidade,
dislipidemias ou abuso no consumo de álcool, não há evidência clínica de que o ácido úrico seja um fator causal para
elas.39 Alguns indivíduos apresentam este estado hiperuricêmico durante toda a sua vida sem o desenvolvimento
de qualquer outro tipo de complicação de maior gravidade.10,37,38
Célula do Túbulo Proximal
Lúmen
Capilar Peritubular
3 Na
ATP ase
2 K
Ur
A(?Cl)
Ur
Ur
A
Fig. 14.3 Representação esquemática. Secreção de ácido úrico no túbulo proximal.
243
capítulo 14
Quadro 14.1 Origem das hiperuricemias
Hiperuricemias Primárias
Hiperuricemias Secundárias
A. Produção Aumentada de Purina:
1. Idiopática
2. Defeitos enzimáticos (s. de Lesch-Nyhan, doenças do
armazenamento de glicogênio)
A.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Aumento do Catabolismo e do Turnover de Purina
Distúrbios mieloproliferativos
Distúrbios linfoproliferativos
Sarcoma e carcinoma disseminados
Anemias hemolíticas crônicas
Drogas citotóxicas
Psoríase
B. Diminuição do Clearance Renal do Ácido Úrico:
1. Idiopático
B.
1.
2.
•
•
•
•
•
Diminuição do Clearance Renal do Ácido Úrico:
Doença renal intrínseca
Alteração da função de transporte tubular
Induzido por drogas (tiazídicos, probenecide)
Lactacidemia (acidose láctica, alcoolismo)
Cetoacidose (diabetes)
Diabetes insipidus
Síndrome de Bartter
Modificado de Hellmann, D.B.11
Quadro 14.2 Causas de hiperuricema secundária.
Aumento da biossíntese de purinas e/ou da
produção de uratos
A. Defeitos Enzimáticos Genéticos:
1. Deficiência de hipoxantina-guanina-fosforribosiltransferase.
2. Deficiência de fosfatase-6-glicose.
3. Hiperatividade da fosforribosil-pirofosfato-sintetase.
B. Alterações Clínicas que Cursam com Aumento da
Produção de Purinas ou Uratos:
1. Doenças mieloproliferativas.
2. Doenças linfoproliferativas.
3. Hemólise.
4. Psoríase.
5. Hipóxia tecidual.
6. Síndrome de Down.
7. Doenças malignas.
C. Aumento da Produção de Purinas Induzida por
Drogas, Dieta e Toxinas:
1. Etanol.
2. Dieta rica em purinas.
3. Frutose.
4. Vitamina B12 (pacientes com anemia perniciosa).
5. Ácido nicotínico.
6. Drogas citotóxicas.
7. Warfarina.
Quadro 14.3 Causas de hiperuricemia secundária
pelo decréscimo do clearance renal
A.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
B.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
Alterações Clínicas:
Insuficiência renal crônica de qualquer etiologia.
Depleção de volume.
Nefropatia por chumbo.
Cetoacidose diabética.
Acidose láctica.
Pré-eclâmpsia.
Obesidade.
Hiperparatireoidismo.
Hipotireoidismo.
Sarcoidose.
Nefropatia hereditária associada a hiperuricemia ou
gota.
Induzida por Droga ou Dieta:
Diuréticos tiazídicos e de alça.
Ciclosporina.
Salicilatos em baixas doses.
Etambutol.
Pirazinamida.
Etanol.
Levodopa.
Abuso de laxantes (alcalose).
Restrição de sal.
244
Metabolismo do Ácido Úrico
Epidemiologia
A incidência de hiperuricemia difere entre os sexos masculino e feminino, especialmente quando as mulheres encontram-se em idade reprodutiva; este fato justifica-se devido a um maior clearance de uratos por ação estrogênica.41
De uma maneira geral, os homens hiperuricêmicos já apresentam início de elevações dos níveis de ácido úrico durante a puberdade, e as manifestações clínicas se fazem presentes, em média, duas décadas após.
Apresentação Clínica
A hiperuricemia poderá apresentar-se clinicamente de
diversas formas; abordaremos a seguir as principais: gota,
nefropatia aguda pelo ácido úrico, nefropatia crônica pelo
ácido úrico, nefropatia hiperuricêmica familiar e nefrolitíase pelo ácido úrico.
Fig. 14.5 GOTA: Deformidade articular e tofo.
GOTA
A gota é um transtorno metabólico de natureza heterogênea e familiar, decorrente de alterações no metabolismo
das purinas, que se caracteriza, principalmente, por hiperuricemia associada ao depósito de ácido úrico em diversas estruturas (preferencialmente articulações). Sendo assim, as crises agudas de artrite, geralmente monoarticulares, são achados freqüentes. Com a evolução do quadro
clínico a artrite torna-se crônica, associando-se a deformidades articulares e ao aparecimento de tofos, que são depósitos de monourato de sódio (Figs. 14.4 a 14.6).
A maior incidência de gota nos homens ocorre entre 30
e 45 anos de idade, e nas mulheres, entre 55 e 70 anos (pósmenopausa). Cerca de 90% dos pacientes com gota primária são do sexo masculino.11 Campion e cols, em 1982, após
um acompanhamento de 2.046 homens saudáveis por 15
anos, evidenciaram uma incidência de gota em 4,9%, 0,5%
e 0,1% em decorrência de um aumento dos níveis séricos
de ácido úrico maiores que 9,0 mg/dl, entre 7,0 e 8,9 mg/
dl e inferiores a 7,0 mg/dl, respectivamente.37 Já Langford
e cols, em 1987, demonstraram que apenas 12% dos pacientes com níveis de ácido úrico sangüíneo entre 7,0 e 7,9
Fig. 14.4 GOTA: Deformidade articular e tofo (gonagra).
Fig. 14.6 Monourato de sódio.
mg/dl desenvolveram gota num período de estudo de 14
anos.42
Alguns autores afirmam que 90% dos casos de gota
possam estar relacionados com uma excreção de ácido
úrico deficiente.2 Tal situação será identificada quando tivermos uma menor filtração glomerular de uratos, um
aumento na reabsorção tubular, uma menor secreção tubular ou ainda uma combinação dos fatores citados.34 Nos
quadros de insuficiência renal, aguda ou crônica, a redução do clearance renal do ácido úrico poderá resultar em
hiperuricemia; contudo, a gota raramente se manifesta nos
pacientes renais, talvez por uma diminuição da resposta
inflamatória aos cristais de ácido úrico proporcionada pela
uremia.2
Berger e Yu afirmam que a gota por si só raramente levará a uma deterioração da função renal.12,13,14 Gota acompanhada de insuficiência renal grave poderá ser vista em
associações com outras patologias subjacentes, como litíase urinária, hipertensão arterial sistêmica, infecção urinária e outras.34 A maioria dos investigadores acredita que a
nefropatia gotosa é uma manifestação dependente do grau
e da duração da hiperuricemia.34
Vários estudos correlacionam achados histopatológicos
encontrados em biópsias renais com a ocorrência concomitante de hiperuricemia.12,15,16,17,18
capítulo 14
Pontos-chave:
• As mulheres pré-menopausa têm um
clearance maior de uratos devido à ação
estrogênica
• Cerca de 90% dos pacientes com gota
primária são homens
• Gota per se raramente causa deterioração da
função renal
Quadro Clínico
Clinicamente, manifesta-se por um quadro de artrite
aguda, de aparecimento súbito, que ocorre na maioria das
vezes durante a noite, extremamente doloroso, que se segue a flutuações rápidas dos níveis de ácido úrico após
ingestão excessiva de álcool ou certos tipos de alimentos,
cirurgias, infecção, diuréticos ou drogas uricosúricas.34,40
Febre de até 39°C poderá estar presente.11 O quadro artrítico acomete preferencialmente a primeira articulação
metatarsofalangiana (podagra), entretanto, outras articulações poderão estar comprometidas, como os joelhos
(gonagra — Fig. 14.4) e, menos freqüentemente, os punhos
(quiragra).40 Nas mãos a articulação mais afetada é a interfalangiana do quinto pododáctilo. As apresentações
poliarticulares são infreqüentes, e quando presentes caracterizam-se por serem assimétricas.
De uma maneira geral, após a primeira crise (monoartrite aguda), crises poliarticulares poderão surgir. Com a
evolução da doença o período intercrítico se reduz progressivamente, acabando por instalar-se uma artrite crônica
que sofre períodos de agudização. Nesse momento depósitos de monourato de sódio em tecidos moles começam a
ser reconhecidos, sendo denominados de tofos. Estes acometem preferencialmente as mãos, pés, olécrano, patela e
pavilhão auricular. A aspiração do material contido nos
tofos confirma a deposição dos cristais birrefringentes de
urato de sódio que poderão aparecer livres ou no interior
de neutrófilos.
O comprometimento articular crônico, caracterizado por
lesões de reabsorção osteocartilaginosa em “saca-bocado”
e deformidades, aparecerá com a evolução da doença (Fig.
14.5).
Diagnóstico Laboratorial
1. Níveis elevados de ácido úrico (7,5 mg/dl), excetuando-se os casos em que drogas para sua redução tenham
sido empregadas.
2. VHS elevado nos surtos agudos.
3. Elevação na contagem de células brancas poderá acompanhar também os quadros agudos.
4. Cristais de urato de sódio observados na aspiração do
conteúdo dos tofos ou líquido sinovial confirmam o
diagnóstico (Fig. 14.6).
245
Diagnóstico por Imagem
1. Ausência de achados radiológicos nos quadros iniciais
(radiografia negativa pode não afastar a gota).
2. O aparecimento de cavidades ou erosões marginais nas
extremidades ósseas poderá ser identificado nos quadros de mais longa duração.
3. Edema, do tipo granuloso, nos tecidos moles de pacientes portadores de tofo gotoso.19
É importante a observação de que achados radiológicos
semelhantes aos da gota poderão ser identificados na artrite reumatóide, sarcoidose, mieloma múltiplo, hiperparatireoidismo e na doença de Hand-Schüller-Christian.11
Diagnóstico Diferencial
1. Celulite.
2. Artrite piogênica aguda.
3. Condrocalcinose aguda (pseudogota), onde se identificam depósitos de pirofosfato de cálcio no líquido sinovial, raio X positivo e nível sérico de ácido úrico normal.
4. Artrite reumatóide, sarcoidose, mieloma múltiplo, hiperparatireoidismo e doença de Hand-SchüllerChristian.
NEFROPATIA AGUDA PELO ÁCIDO ÚRICO
A característica desta patologia é o aparecimento de um
quadro de insuficiência renal oligúrica ou anúrica decorrente da precipitação intratubular de ácido úrico.20,21,34 Tal
situação relaciona-se a uma produção ou excreção aumentada de ácido úrico em pacientes portadores de linfoma,
leucemia, doenças mieloproliferativas (policitemia vera),
particularmente naqueles submetidos à radioterapia ou
quimioterapia, em decorrência de uma intensa lise celular.
Outras causas, porém com menor freqüência, são: crises
convulsivas que levam a um maior catabolismo celular,
tratamento de tumores sólidos, síndrome de deficiência da
enzima hipoxantina-guanina-fosforribosil-transferase
(HPRT) ou na síndrome Fanconi-like por diminuição na reabsorção de uratos no túbulo proximal.20,21,22,34
Quadro Clínico
Deve-se suspeitar do diagnóstico em pacientes que desenvolvam um quadro de insuficiência renal associada às situações clínicas anteriormente mencionadas e que cursem com
quadro de hiperuricemia. Os níveis de ácido úrico geralmente são superiores a 15 mg/dl, diferente de outras situações
de insuficiência renal aguda, onde estes valores geralmente
são inferiores a 12 mg/dl (faz-se exceção às de etiologia prérenal).
Sintomas urinários não necessariamente se fazem presentes, podendo-se observar dor lombar ou em flanco referida por pacientes que apresentem litíase associada.
246
Metabolismo do Ácido Úrico
Diagnóstico Laboratorial
1. Hiperuricemia.
2. Função renal alterada.
3. Urinálise evidenciando cristais de ácido úrico. Quando
normal não afasta o diagnóstico.
4. A relação entre ácido úrico (mg)/creatinina (mg) em
uma amostra de urina será maior que 1,0. Nas demais
causas de insuficiência renal aguda costuma variar entre 0,60 e 0,75.20
5. Hipercalemia, hiperfosfatemia e hipocalcemia poderão
ser identificadas nos pacientes que apresentem síndrome de lise tumoral.33,44
NEFROPATIA CRÔNICA PELO ÁCIDO ÚRICO
Esta é uma forma de insuficiência renal crônica decorrente da deposição de cristais de urato de sódio no interstício medular, originando microtofos. Tal deposição determinará uma resposta inflamatória crônica que levará a uma
fibrose intersticial.44 A deposição de cristais de urato no
interior dos túbulos renais também poderá ocorrer, causando lesão epitelial e obstrução intratubular. Alguns autores
sugerem que a deposição intersticial ocorra como conseqüência dos depósitos intratubulares de ácido úrico, que
promoveriam uma ruptura da membrana basal com posterior retubulização.23
A hiperuricemia como causa primária de insuficiência
renal crônica não é algo comum.34 A nefropatia por urato
já foi relacionada num passado à gota tofácea. Na atualidade a formação de tofos e, especialmente, o comprometimento da função renal são infreqüentes.16
Quadro Clínico
Uma manifestação inicial comum da nefropatia crônica pelo ácido úrico é a albuminúria que, normalmente, é
leve e de caráter intermitente.34 Com a progressão da doença renal, aparecem os sinais de uremia. Neste estágio, é
difícil diferenciar se a doença renal é causa ou conseqüência da hiperuricemia.34
Diagnóstico Laboratorial
Considera-se uma elevação dos níveis séricos de ácido
úrico desproporcional ao grau de insuficiência renal quando
este excede 9 mg/dl frente a uma creatinina plasmática igual
ou inferior a 1,5 mg/dl, 10 mg/dl nas situações em que a
concentração de creatinina esteja entre 1,5 e 2,0 mg/dl, e 12
mg/dl nas situações de insuficiência renal mais avançada.17
NEFROPATIA HIPERURICÊMICA FAMILIAR
A nefropatia hiperuricêmica familiar foi descrita no início da década de 60 por Duncan e Dixon.24 Embora seja uma
patologia rara, vários relatos sobre ela permeiam a literatura médica nas últimas décadas.25 A sua etiologia está
relacionada com uma irregularidade na mobilização tubular renal de urato, que resultaria de uma incapacidade das
células tubulares renais em fazer a remoção de ácido úrico
do interstício.3 Não há portanto, nestes pacientes, síntese
acelerada de purinas.25,26
A exemplo do que foi descrito na nefropatia crônica pelo
ácido úrico, a presença de uratos no interstício renal levaria
inicialmente a uma reação inflamatória local que se seguirá
de fibrose e comprometimento progressivo da função renal.
NEFROLITÍASE PELO ÁCIDO ÚRICO
A incidência de nefrolitíase pelo ácido úrico pode ser
bastante variável, estando relacionada diretamente com a
população analisada. As características nutricionais, genéticas e ambientais parecem ser bastante significativas no que
diz respeito à sua epidemiologia. Nos Estados Unidos da
América e Europa a sua prevalência é de aproximadamente 5 a 10% do total de casos relatados de nefrolitíase.4 Em
países em desenvolvimento esta prevalência poderá chegar
a 40%, especialmente naqueles de clima árido e quente, nos
quais há uma maior tendência de se observar um volume
urinário menor e um pH urinário mais ácido, favorecendose assim a precipitação de cristais de ácido úrico. Um estudo multicêntrico acerca da litíase renal no Brasil observou
hiperuricosúria em aproximadamente 30% dos litiásicos.49
Sabe-se que este tipo de cálculo pode incidir também numa
população sem história prévia de gota; contudo, cerca de
20% dos portadores de gota acabam por desenvolvê-lo.4
Mais de 80% dos cálculos de urato, encontrados em
pacientes portadores de gota, são exclusivamente de ácido úrico. Nos demais casos geralmente se observa oxalato
de cálcio ou fosfato de cálcio circundando um núcleo central de urato. A prevalência de cálculos de oxalato de cálcio entre pacientes com gota chega a ser 10 a 30 vezes maior que na população não-gotosa.
Na gota primária, a incidência na formação de cálculos
variará de acordo com a quantidade de ácido úrico excretada. Incidirá em 10 a 20% dos pacientes com excreção
urinária normal (800 mg/dia no homem e 750 mg/dia na
mulher), podendo variar entre 40 e 50% quando a excreção de ácido úrico atinja 1.000 mg/dia.28,52,53
A formação de cálculos de ácido úrico, decorrente da
precipitação urinária de seus cristais, está na dependência
direta de dois fatores: a sua alta concentração urinária e o
pH urinário ácido. Observe a equação a seguir:
H Urato ↔ Ácido Úrico
O desvio desta reação converterá sais relativamente
solúveis de urato em ácido úrico insolúvel.27 A solubilidade total do ácido úrico na urina cai de 200 mg/dl num pH
urinário de 7,0 para 15 mg/dl num pH de 5,0.27
Outras situações clínicas também poderão estar relacionadas com a formação de litíase por ácido úrico, como:
aumento na produção do ácido úrico nas doenças mieloproliferativas, uso de drogas uricosúricas (aspirina, probenecide) diminuindo a sua reabsorção tubular, nas diarréias crônicas em virtude da diminuição do volume urinário
247
capítulo 14
associado a uma queda do pH urinário27,28 ou pelo aumento
da excreção de ácido úrico proporcionado pelo uso de alguns hormônios, como estrógenos e corticosteróides.4
Houve a preocupação de alguns clínicos com a possibilidade de que aqueles pacientes que apresentavam hiperuricemia induzida pelo uso de tiazídicos pudessem desenvolver nefrolitíase no momento em que se associassem
inibidores da enzima de conversão da angiotensina ou
mesmo antagonistas dos receptores de angiotensina II.54 Tal
fato parece infundado em virtude de drogas como o losartan, por exemplo, serem capazes de aumentar o pH urinário pela redução da reabsorção de bicarbonato.
Para finalizar, poderíamos citar ainda casos idiopáticos
de nefrolitíase pelo ácido úrico, acometendo pacientes que
apresentam sua concentração plasmática e renal normais
porém com uma tendência à acidificação urinária sem
outras anormalidades da função renal.4
Fig. 14.8 Nefrolitíase. Dilatação ureteral, pielocalicial e hidronefrose por uropatia obstrutiva.
Quadro Clínico
HIPERURICEMIA NO TRANSPLANTE RENAL
Os achados clínicos são comuns às demais situações de
litíase urinária com ou sem uropatia obstrutiva (ver capítulo específico) (Figs. 14.7 e 14.8).
Nestes pacientes o que nos chama a atenção é a presença de quadro sugestivo de urolitíase subjacente a outras
patologias que cursem com hiperuricemia e/ou hipersecreção urinária de ácido úrico.
Lin e colaboradores, em 1989, demonstraram a incidência de hiperuricemia em 84% dos pacientes transplantados
em uso de ciclosporina comparada a 30% naqueles pacientes que tinham a sua imunossupressão feita com azatioprina e prednisona.29 A artrite gotosa tem sido relatada em
7 a 24% dos pacientes tratados com ciclosporina,29,30 sendo
o diagnóstico inicial mais freqüentemente feito entre os
meses 17 e 24 após o transplante renal.29
Além da ciclosporina, que pode promover hiperuricemia por uma diminuição do fluxo plasmático renal, outros
fatores também poderão ser relacionados, como o uso de
diuréticos e as situações de insuficiência renal decorrente
de episódios de rejeição.29,30,31
Diagnóstico Laboratorial
1.
2.
3.
4.
Dosagem sérica de ácido úrico.
pH urinário.
Dosagem da concentração urinária de ácido úrico.
Análise bioquímica do cálculo eliminado e/ou retirado.
Diagnóstico por Imagem
1. Os cálculos puros de ácido úrico não são radiopacos,
desta forma o exame radiológico simples poderá ser
negativo.
2. Ultra-som e/ou tomografia de rins e vias urinárias poderão identificar a presença do cálculo.
3. A urografia excretora revelará uma lesão intraluminar
radiotransparente, sendo imprescindível o diagnóstico
diferencial com tumores e presença de coágulos.
Fig. 14.7 Nefrolitíase. Hidronefrose por uropatia obstrutiva.
Manejo Clínico e Farmacológico dos
Estados de Hiperuricemia
HIPERURICEMIA ASSINTOMÁTICA
Considerações Gerais
A hiperuricemia assintomática na grande maioria das
vezes (80 a 90%) ocorrerá por um excesso no consumo de
purinas, por uma secreção diminuída de uratos ou uma
soma destes dois fatores. Um grupo menor de pessoas
poderão apresentá-la devido a um aumento da sua produção endógena.
As causas etiológicas de hiperuricemia secundária deverão ser investigadas e tratadas individualmente (Quadro 14.2, Quadro 14.3). A coleta da urina de 24 horas, com
dosagem de ácido úrico e da creatinina, em pessoas com
função renal normal (recebendo uma dieta standard, com
exclusão de álcool e drogas que alterem o metabolismo do
ácido úrico) geralmente poderá estabelecer se estamos frente a uma superprodução de ácido úrico ( 800 mg/dia ou
12 mg/kg/dia) ou uma diminuição de seu clearance renal.
248
Metabolismo do Ácido Úrico
A relação entre o clearance de urato e creatinina na urina
de 24 horas menor que 6% define um déficit de excreção.
Pacientes que persistem com níveis urinários superiores a
670 mg/dia, mesmo após uma dieta baixa em purinas
durante um período de cinco dias (Quadro 14.4), deverão
ser considerados inicialmente como superprodutores.
artrítico agudo e da hiperuricemia.34,56 Sabe-se que reduções súbitas nos níveis séricos de ácido úrico poderão precipitar episódios de artrite gotosa.34 Pelo exposto, o manejo do quadro de hiperuricemia deverá ser postergado até
a resolução do quadro artrítico agudo.
Tratamento Farmacológico do Quadro Agudo
Tratamento Farmacológico
Quando analisamos riscos e benefícios, o tratamento
com drogas hipouricemiantes nestes pacientes, na maioria das vezes, não se fará necessário. Entretanto, três situações clínicas deverão merecer atenção especial, com conseqüente instituição de tratamento famacológico, são elas:
• Paciente em radioterapia ou quimioterapia deverá receber alopurinol na profilaxia da nefropatia
aguda pelo ácido úrico.21
• Níveis séricos de ácido úrico persistentemente altos, 13 mg/dl no homem e 10 mg/dl na mulher.34
• Alopurinol deverá ser prescrito para paciente que
apresente excreção urinária de ácido úrico maior
que 1.000 mg/dia, quando o controle dietético não
está sendo satisfatório.34 Deve-se objetivar uma excreção urinária de 800 mg/dia.
GOTA
Considerações Gerais
Uma abordagem equivocada relativamente freqüente,
nos portadores de gota, é o manejo simultâneo do quadro
Quadro 14.4 Conteúdo de purina nos alimentos
A. Alimentos com Pouca Purina:
1. Cereais refinados e seus produtos, flocos de milho,
arroz branco, massa, araruta, sagu, farinha de milho,
bolos, pães, fubá, tapioca.
2. Leite e seus derivados, ovos.
3. Açúcar, doces, gelatina.
4. Manteiga, margarina poliinsaturada, outras
gorduras.
5. Tomate, vegetais de folhas verdes (algumas exceções).
6. Frutas, nozes, manteiga de amendoim.
7. Sopas ou cremes feitos com vegetais permitidos e sem
carnes.
8. Água, suco de frutas, bebidas carbonatadas, chá,
café.
B.
1.
2.
3.
Alimentos com Muita Purina:
Todos os tipos de carnes.
Extratos e molhos de carne.
Fermento e derivados, cerveja, outras bebidas
alcoólicas.
4. Feijão, ervilha, lentilha, grão-de-bico, espinafre,
aspargo, couve-flor, soja, cogumelos.
5. Cereais integrais (arroz, trigo, centeio, aveia).
6. Coco, castanha-do-pará, castanha de caju.
• Repouso
O paciente deverá ser mantido em repouso por pelo
menos 24 horas após melhora dos sintomas agudos. Isto
porque a deambulação precoce poderá precipitar a recorrência do quadro artrítico.56
• Antiinflamatórios não-hormonais (AINH)
Os AINH têm sido as drogas de escolha no manejo do
quadro artrítico agudo. Dentre eles, tradicionalmente, prescreve-se a indometacina, embora outros antiinflamatórios
tenham bons resultados. A dose preconizada é de 25 a 50
mg a cada 8 horas por 5 a 10 dias, período este em que os
sintomas deverão estar resolvidos.10,11,34,56 Nos casos em que
há risco do desenvolvimento de sangramento digestivo
uma opção seria o uso dos inibidores da COX-2,56 nas doses recomendadas pela farmacopéia. É importante salientarmos, no entanto, que o risco do desenvolvimento de
nefropatia pelos antiinflamatórios ditos tradicionais ou
aqueles inibidores da COX-2 é similar.57
• Colchicina
A colchicina é uma droga que poderá ser empregada tanto nos períodos intercrise como no manejo do quadro agudo
da gota. Esta droga é capaz de inibir a fagocitose de cristais
de urato pelos neutrófilos, não interferindo no metabolismo
dos uratos.34 Sua excreção se dará através da bile, secreções
intestinais e urina.34 Sua administração deverá ser iniciada
poucas horas após o início dos sintomas.56 O esquema posológico preconizado é de 0,5 a 0,6 mg via oral a cada hora até
que sintomas gastrintestinais apareçam, como náuseas, vômitos ou dor abdominal.56 A dose total necessária geralmente variará entre 4 e 6 mg e não deverá jamais exceder 8 mg.56
O uso endovenoso poderá ser uma opção para que não tenhamos sintomas gastrintestinais, contudo dor local, extravasamento com dano tecidual e supressão de medula óssea
são complicações possíveis. A dose endovenosa inicial será
de 1 a 2 mg diluídos em 20 a 50 ml de solução salina administrados através de catéter intravascular.10,11,32,56 Duas doses adicionais de 2 mg poderão ser administradas em intervalos de
seis horas.56 Não se deverá exceder um total de 4 mg, e a colchicina não deverá ser administrada pela via oral por pelo
menos três semanas.56 Pacientes portadores de insuficiência
renal ou hepática e indivíduos idosos deverão ter a dose reduzida em 50%. É importante salientar que o risco de toxicidade estará aumentado para aqueles pacientes que fazem uso
simultaneamente de drogas inibidoras da enzima P-450 (eritromicina, cimetidina, tolbutamina).32 Frente à associação
capítulo 14
entre doença hepática e renal, a via de administração endovenosa deverá ser proscrita11
• Corticóides
Os corticóides estarão bem indicados para aqueles pacientes que apresentarem contra-indicação para o uso de
AINH.56 Uma possibilidade para o seu uso seria através de
injeções intra-articulares nos pacientes que apresentem
comprometimento monoarticular, desde que o diagnóstico de artrite séptica já tenha sido afastado.34 A administração intra-articular poderá ser feita com o uso de triancinolona, 10 a 40 mg, na dependência do tamanho da articulação comprometida.56 Nos casos de gota com comprometimento poliarticular, a via endovenosa deverá ser priorizada, com a administração de metilprednisolona, 40 mg ao
dia, com redução da dose e retirada dentro de sete dias.56
O uso oral de corticóides também poderá ser uma opção
de tratamento; preconiza-se o uso de prednisona, 40 a 60
mg ao dia, com retirada da droga em sete dias.56
• Analgésico
Poderemos lançar mão dos opióides somente nos casos
de dor intensa.
Tratamento Farmacológico do Período Intercrise
249
• Evitar medicamentos hiperuricemiantes
Diuréticos de alça e tiazídicos inibem a secreção renal
de ácido úrico e portanto devem ser evitados. O uso de
baixas doses de aspirina ( 3 g/dia) também agrava a hiperuricemia.56
Redução dos Níveis Séricos de Ácido Úrico
• Agentes uricosúricos
Estas drogas diminuem o pool de uratos pelo bloqueio
de sua reabsorção tubular. Seu emprego é ineficaz em pacientes com creatinina maior que 2 mg/dl.11 Sua principal
indicação seria nos casos em que há um aumento na freqüência ou gravidade dos ataques agudos, desde que a
excreção urinária diária de ácido úrico seja inferior a 800
mg.11 O probenecide pode ser usado na dose de 500 mg por
dia, chegando até 1 a 2 gramas ao dia.32,56 A sulfinpirazona
é utilizada em dose inicial de 50 a 100 mg duas vezes ao
dia, com aumentos graduais até 200 a 400 mg duas vezes
ao dia.32,56 Para minimizar o risco de precipitação de cristais de ácido úrico com conseqüente formação de cálculos,
sempre que optarmos pelo uso destas drogas deveremos
manter o pH urinário em torno de 6,0 (citrato de potássio,
30 a 80 mEq/dia) e um volume urinário superior a 2 litros
ao dia.
• Orientações dietéticas
As purinas contidas na dieta usualmente não contribuirão com mais que 1 mg/dl na concentração sérica de uratos.32
Mesmo com uma pequena contribuição aparente, a orientação dietética deverá sempre ser feita, especialmente para
aqueles pacientes com alta ingesta de purinas (Quadro 14.4).
A obesidade, o uso abusivo de álcool bem como períodos
prolongados de jejum deverão ser desencorajados. Um débito urinário superior a 2 litros ao dia deverá ser estimulado através de uma ingesta hídrica adequada.
• Alopurinol
Pacientes hiperuricêmicos, que apresentem uma excreção urinária diária de ácido úrico superior a 800 mg, se
beneficiarão com o uso de alopurinol. Esta droga é uma
inibidora da xantina-oxidase e prontamente diminui os
níveis plasmáticos e urinários de ácido úrico. A dose inicial é de 100 mg ao dia por sete dias, com aumento da dose
caso os níveis séricos de ácido úrico permaneçam elevados.
Os melhores resultados serão obtidos com doses entre 200
a 300 mg de alopurinol ao dia.32,56
• Colchicina
A colchicina aparece como uma das melhores opções na
profilaxia dos quadros agudos. A dose preconizada é de 0,5
a 0,6 mg duas vezes ao dia.10,11,32,56 Pacientes com disfunção
hepática ou renal deverão receber uma única dose ao dia,
reduzindo-se assim o risco do desenvolvimento de neuropatia periférica e miosite.56 A interrupção da droga poderá ser
feita quando não mais ocorrerem crises agudas num período
de 6 a 8 semanas.10,11,32 Além da prevenção dos quadros agudos, o uso da colchicina também estará indicado no momento em que iniciarmos a administração de drogas uricosúricas
ou alopurinol, evitando-se quadros agudos precipitados por
mudanças abruptas nos níveis séricos de ácido úrico.11
NEFROPATIA AGUDA PELO ÁCIDO ÚRICO
• Antiinflamatórios não-hormonais (AINH)
Doses diárias de indometacina ou seus equivalentes
poderão ser utilizadas nos casos em que a colchicina isolada falha na prevenção de quadros agudos.32
A nefropatia aguda pelo ácido úrico é uma entidade
clínica que acontece como parte da síndrome de lise tumoral, com já foi descrito anteriormente. A sua prevenção
parece ser a melhor conduta terapêutica. Pacientes que
serão submetidos a radioterapia ou quimioterapia para
tratamento de neoplasias, que possuem um alto turnover
celular, deveriam receber profilaticamente alopurinol em
doses elevadas (600 a 900 mg/dia).21,45 O débito urinário
deverá ser mantido elevado, acima de 2,5 litros ao dia, que
poderá ser conseguido através da administração de solução salina e até mesmo manitol.
A alcalinização da urina com o uso de acetazolamida ou
bicarbonato é controversa na literatura. Conger e colaboradores, em 1976, num trabalho clássico demonstraram que
a simples hidratação com solução salina seria tão efetiva
quanto a alcalinização no sentido de diminuir a precipitação de cristais de ácido úrico.45 A alcalinização da urina
250
Metabolismo do Ácido Úrico
objetivaria transformar o ácido úrico em sais de urato, mais
solúveis e portanto com menor risco de precipitação. Contudo, tal conduta poderia promover a precipitação de fosfato de cálcio em pacientes com hiperfosfatemia.
Pacientes que evoluem com a instalação de um quadro de
insuficiência renal aguda devem ser manejados com a prescrição de alopurinol, hidratação vigorosa e diuréticos de alça,
estando contra-indicado o uso de bicarbonato de sódio. O
tratamento dialítico (hemodiálise) deverá ser restrito aos casos em que se necessita remover o excesso de ácido úrico circulante porém não se consegue induzir a diurese.
Outros agentes têm sido usados no manejo destes pacientes, que são a uricase e o polietileno-glicol-uricase (PEGuricase), ainda em fase experimental. Sabe-se que a uricase
ou urato oxidase é uma enzima que catalisa a oxidação do
ácido úrico em compostos mais solúveis.58 O seu uso atualmente tem sido limitado a pacientes com câncer que desenvolvem hiperuricemia induzida pela quimioterapia. Isto
porque a sua administração associa-se com certa freqüência a reações alérgicas com possibilidade de anafilaxia.59
NEFROPATIA CRÔNICA PELO ÁCIDO ÚRICO
Uma vez que se instale a insuficiência renal crônica, o
tratamento mais efetivo no que diz respeito à remoção de
uratos é a hemodiálise. Conseguimos uma depuração de
150 ml/min utilizando-se um fluxo de bomba de sangue
em torno de 300 a 400 ml/min. Estes valores são muito
superiores àqueles obtidos através da diálise peritoneal.4
Mejias e Maldonado referem a possibilidade de uma redução superior a 50% da concentração plasmática inicial de
ácido úrico em um período de 6 horas de hemodiálise.4
Pacientes que já estejam em programa de tratamento dialítico regular e que mesmo assim persistam com níveis séricos de ácido úrico acima dos valores desejados devem ser
tratados com alopurinol, para que se previnam surtos de artrite recorrente. Sabendo-se que o alopurinol é uma droga
que depende da excreção renal para sua eliminação, o ajuste de dose se faz necessário.47 Uma sugestão de prescrição
baseada no clearance de creatinina seria a seguinte: pacientes com Clcreatinina entre 20 e 50 ml/min deveriam receber apenas 1/3 da dose habitual, enquanto pacientes com
Clcreatinina inferior a 20 ml/min, 1/6 da dose diária recomendada.48
NEFROPATIA HIPERURICÊMICA FAMILIAR
O tratamento desta entidade patológica deve fundamentar-se no uso de agentes uricosúricos, do alopurinol, que
tem demonstrado alguns bons resultados, como demonstraram Reitter e colaboradores em 1995,3 além do controle
rigoroso dos níveis pressóricos.
NEFROLITÍASE PELO ÁCIDO ÚRICO
Existem três pontos fundamentais que regem o tratamento dos pacientes portadores de litíase urinária pelo
ácido úrico: 27,28
• Deve-se manter um débito urinário em torno de 2 litros
ao dia no intuito de se diminuir a concentração urinária de ácido úrico.
• Alcalinizar a urina, pois se sabe que, em torno de um
pH de 6,5, cerca de 90% do ácido úrico urinário estará
sob a forma de urato, minimizando-se assim o risco de
precipitação. Tal eficácia poderá ser comprovada pela
observação da equação de Henderson-Hasselbalch, que
demonstra a relação entre urato e ácido úrico:
pH 5,35 log ([urato] [ácido úrico])
• Uso de alopurinol, para que se reduza a produção de
ácido úrico e conseqüentemente a sua excreção.
A administração de bicarbonato ou citrato de potássio,
na dose de 60 a 80 mEq/dia,28,37 pode ser eficaz na dissolução dos cálculos já formados ou na prevenção da formação de novos cálculos. A alcalinização utilizando-se sais de
sódio não produz o efeito desejado, pois a expansão de
volume resultante de sua administração aumentará a excreção de sódio e secundariamente de cálcio.27,28 A hipercalciúria resultante poderá trazer conseqüências indesejáveis, pois o ácido úrico poderá atuar como um nicho para
a formação de cálculos de oxalato de cálcio.27,28
Habitualmente, os pacientes que mantêm uma excreção
de ácido úrico diária superior a 1.000 mg e que não respondem a alcalinização e hidratação requerem o uso continuado de alopurinol.27 Agentes uricosúricos são proscritos.
Procedimentos como litotripsia extracorpórea geralmente não são necessários, visto que as recomendações
acima mencionadas podem levar à dissolução dos cálculos de ácido úrico.
HIPERURICEMIA NO TRANSPLANTE RENAL
Sabendo-se que o tratamento da hiperuricemia nestes
pacientes não é isento de riscos, recomenda-se que pacientes assintomáticos não deverão ser tratados. Dado o
grande número de interações medicamentosas, especialmente no que diz respeito às drogas imunossupressoras,
a hiperuricemia ou gota em pacientes transplantados renais só deverá ser conduzida por profissionais experimentados nesta área.
• Colchicina
É a droga de escolha para os casos de artrite gotosa aguda em pacientes transplantados. A dose recomendada variará de 0,15 a 0,6 mg ao dia, prescrito somente para pacientes que não apresentem disfunção renal. Convém lembrar que a administração simultânea de ciclosporina ou
tacrolimus à colchicina diminui seu clearance.60,61
• Antiinflamatórios não-hormonais (AINH)
O uso deste grupo farmacológico poderá aumentar os
riscos de nefrotoxicidade à ciclosporina em função da diminuição da taxa de filtração glomerular possibilitada pela
capítulo 14
251
inibição da síntese renal de prostaglandinas. Riscos e benefícios deverão ser avaliados antes da prescrição dos
AINH.
enzima xantina-oxidase. O emprego desta droga talvez seja
a causa mais comum de hipouricemia, porém os níveis
séricos dificilmente serão inferiores a 2,5 mg/dl.
• Corticóides
Aumento nas doses de prednisona para 20 ou 30 mg ao
dia poderá ser uma medida eficaz frente a quadros artríticos agudos.
• Doenças hepáticas
Comprometimentos hepatocelulares graves poderão
culminar com uma perda da ação enzimática da xantinaoxidase hepática, levando a uma situação de hipouricemia.
• Alopurinol
Pacientes que fazem uso de azatioprina não deverão
receber alopurinol. O seu uso implicará o acúmulo de um
metabólito ativo da azatioprina denominado 6-mercaptopurina, que acarretará maior risco de toxicidade à medula
óssea.62,63
Em situações em que o uso do alopurinol seja imprescindível, duas alternativas se apresentam: a primeira delas seria a redução na dose diária de azatioprina em pelo
menos 50%, com monitorização rigorosa da contagem de
células brancas, ou até mesmo a descontinuação da droga;
e a segunda seria a prescrição do micofenolato em lugar
da azatioprina.
• Xantinúria hereditária
A xantinúria é resultante de uma marcada redução da
atividade da enzima xantina-oxidase e está associada com
os mais profundos graus de hipouricemia no homem. Este
defeito enzimático leva à síntese reduzida de ácido úrico
com acúmulo de seus precursores, hipoxantina e xantina.
A concentração sérica de ácido úrico na xantinúria é usualmente inferior a 1 mg/dl.4,34
• Agentes uricosúricos
O uso de drogas como probenecide ou sulfinpirazona
só poderá ser aventado para aqueles pacientes que apresentem função renal normal e não tenham história de cálculos renais. Lembrando que a sulfinpirazona reduz os
níveis de ciclosporina.
ESTADOS DE HIPOURICEMIA
Definição
A hipouricemia, por definição, corresponderia a todas
as situações clínicas em que nos deparamos com um nível
sérico de ácido úrico igual ou inferior a 2 mg/dl.4 Esta situação poderá ser identificada em até 2% dos pacientes
hospitalizados e em menos de 0,5% na população em geral.64 Os estados de hipouricemia de maneira geral resultarão de uma diminuição na produção de uratos ou do
aumento de sua excreção.
Diminuição na Produção de Ácido Úrico
Muitos mecanismos poderão estar envolvidos neste
processo; em seguida descreveremos alguns deles.
DEFICIÊNCIA DA XANTINA-OXIDASE
• Alopurinol
O alopurinol é uma droga que atua na redução dos níveis séricos de ácido úrico através da inibição da ação da
EXCREÇÃO AUMENTADA DE ÁCIDO ÚRICO
• Expansão de volume extracelular
A hipouricemia nesta situação será induzida pela redução na reabsorção de sódio e ácido úrico no túbulo proximal, decorrente da expansão do volume extracelular. Tal
situação poderá ser identificada nos pacientes que estão
recebendo grandes quantidades de líquido endovenoso,
nos portadores de síndrome da secreção inapropriada do
hormônio antidiurético, ou ainda naqueles com polidipsia
psicogênica.52,65
• Síndrome de Fanconi
Esta síndrome mais freqüentemente é observada em
crianças portadoras de cistinose e em adultos com mieloma múltiplo. Observa-se uma redução na reabsorção de
ácido úrico nos túbulos proximais e também de glicose,
fosfato, potássio, bicarbonato e aminoácidos.
• Hipouricemia renal familiar
Esta é uma síndrome de herança autossômica caracterizada por um defeito tubular no transporte de uratos.
• Síndrome da imunodeficiência adquirida
A hipouricemia tem sido identificada em alguns pacientes portadores de SIDA e relacionada a algum comprometimento intracraniano, a doença disseminada relacionada e a um pobre prognóstico. Um outro fator associado que
poderá justificar a sua presença seria o uso de altas doses
de sulfametoxazol-trimetoprim no tratamento das infecções por Pneumocystis carinii.55
• Drogas
Talvez uma das causas mais comuns de hipouricemia
fosse secundária ao uso de alguns fármacos. Alguns autores referem que este tipo de etiologia poderia representar
cerca de 66% do total de casos de hipouricemia.4 Algumas
252
Metabolismo do Ácido Úrico
drogas poderiam induzir a uricosúria diminuindo a ligação de urato às proteínas plasmáticas, inibindo a reabsorção do urato filtrado ou dificultando a secreção de urato
na porção média do túbulo proximal. Exemplos clássicos
são os salicilatos em altas doses, certos tipos de contrastes
radiológicos, o sulfametoxazol-trimetoprim e ainda alguns
antagonistas dos receptores de angiotensina II, como por
exemplo o losartan.
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Capítulo
15
Terapia Parenteral. Reposição Hidroeletrolítica
Miguel Carlos Riella e Maria Aparecida Pachaly
INTRODUÇÃO
Correções para o sódio
COMO SE FORMULA O PLANO PARENTERAL DIÁRIO?
CÁLCULO DA NECESSIDADE BÁSICA
Perdas urinárias
O terceiro espaço
Sangue e plasma
Ácido-básico
Volume
Potássio
Sódio
PRINCÍPIOS GERAIS DO PLANO PARENTERAL
Potássio
PLANO DE ADMINISTRAÇÃO
Cloro
PRESCRIÇÃO MÉDICA
Sensível e insensível
EXEMPLOS
Perdas gastrintestinais
APÊNDICE
Volume
Soluções cristalóides
Eletrólitos
Soluções colóides
CÁLCULO DAS CORREÇÕES
Correções para a água
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da terapia parenteral iniciou-se por
volta de 1616, quando William Harvey descobriu a circulação do sangue. Mas foi só em 1818 que Blundell realizou
a primeira transfusão humana. No início, as complicações
foram muitas. Os grupos sangüíneos não eram conhecidos
e as reações fatais eram freqüentes, a ponto de a troca de
sangue humano ter sido proibida por lei.
Atribuiu-se a Thomas Latta, da Escócia, em 1831, o mérito de ter sido o primeiro a empregar a terapia parenteral
de maneira racional. Ele administrou uma solução salina
a pacientes com cólera e diarréia intensa.
Quando Karl Landsteiner descobriu os grupos sangüíneos em 1901, reavivou-se o interesse na transfusão de
sangue e na terapia parenteral. Porém, os problemas com
as infecções e as reações pirogênicas continuavam de-
Outras soluções e aditivos para uso parenteral
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
sencorajando os investigadores. Apenas quando Florence Seibert descobriu por que havia substâncias pirogênicas
na água destilada, o progresso da terapia parenteral foi
mais rápido.
No entanto, a grande utilidade da terapia parenteral no
pós-operatório foi restringida durante muitas décadas, pelo
conceito de que o paciente cirúrgico apresentava uma intolerância ao sal. Isto se baseava na observação de que, no
pós-operatório, a excreção urinária de sódio diminuía muito, chegando a quase zero quando se administravam pequenas quantidades de soluções salinas. Na época, acreditouse que isto refletia uma incapacidade do rim, pós-cirurgia,
de tolerar grandes quantidades de sal. Em vista disso, pacientes no pós-operatório receberam, por muitos anos,
apenas uma solução de água e glicose. É evidente que,
numa análise retrospectiva, muitas das complicações pósoperatórias, como o íleo prolongado, insuficiência renal,
hipotensão, catabolismo excessivo, etc., podem ser atribu-
255
capítulo 15
ídas a déficits de volume e sódio.1 Apenas quando se evidenciou que a redução de sódio urinário no pós-operatório era uma resposta compensatória, é que passaram a ser
administradas soluções mais balanceadas.
Nas últimas décadas, têm havido grandes progressos
nesta área. Técnicas mais sofisticadas permitiram uma análise da composição corporal, de seus vários compartimentos líquidos e de seus constituintes. Foram determinadas as
necessidades básicas diárias do organismo com relação à
água, a eletrólitos, minerais, vitaminas e, inclusive, necessidades energéticas (calorias) e suas fontes: lipídios, carboidratos e proteínas. Com isto, tornou-se possível modificar a
necessidade básica, para corrigir déficits decorrentes de
perdas anormais de água, solutos e fontes de energia.
O suporte nutricional e a hiperalimentação passaram a
ter um lugar de destaque na terapia parenteral, complementando a terapia hidroeletrolítica. A escolha entre a reposição hidroeletrolítica e a de agentes nutritivos (nutrição parenteral) passou a depender do período em que o
paciente permanecerá em jejum. A reposição de água e
eletrólitos não deverá prolongar-se por mais de sete dias
(em média), sem um suporte nutricional. A partir de então, a nutrição parenteral poderá atender às necessidades
básicas de água, eletrólitos e substratos energéticos.
O capítulo atual integra os conhecimentos adquiridos
nos capítulos anteriores sobre a fisiologia e distúrbios dos
compartimentos líquidos, água, sódio, potássio e equilíbrio
ácido-básico, abordando os princípios da reposição hidroeletrolítica. As indicações, técnica, complicações e resultados da nutrição parenteral são os assuntos do capítulo seguinte.
COMO SE FORMULA O PLANO
PARENTERAL DIÁRIO?
A etapa inicial para a formulação do plano parenteral é
a obtenção de todos os dados possíveis da história clínica,
exame físico e dados laboratoriais.2
Na história, alguns sintomas podem sugerir distúrbios
hidroeletrolíticos específicos. Por exemplo, se o paciente
relatar que está vomitando, é mais provável que apresente uma alcalose metabólica e um déficit de sódio e potássio. Se ele tiver sintomas de insuficiência cardíaca congestiva, poderá apresentar um excesso de sódio. Rápidas
mudanças no peso geralmente traduzem ganho ou perda
líquida. As informações sobre ingesta e excreta são extremamente úteis.2
Há necessidade de uma anotação diária do volume de
líquido administrado e da quantidade excretada sob a forma de urina, perdas gastrintestinais, drenagem etc. A determinação diária do peso, quando possível, pode servir como
guia para as necessidades diárias de sódio (v. a seguir).
As determinações das concentrações plasmáticas de
sódio, potássio, cloro, bicarbonato, glicose, uréia e creatinina já são rotina na maioria dos hospitais e, como veremos, são de extrema valia no diagnóstico e correção dos
distúrbios hidroeletrolíticos.
O método delineado a seguir, para a reposição hidroeletrolítica, foi idealizado e aperfeiçoado pelo Dr. Belding
H. Scribner, da Universidade de Washington, em Seattle,
Estados Unidos.2 Ele acredita que o método é útil porque
permite a formulação de um plano parenteral diário para
cada paciente. Portanto, o plano é individualizado, de acordo com as necessidades do paciente naquele momento.
Acreditamos, particularmente, que a sua grande utilidade
também está em proporcionar um plano de trabalho para
o diagnóstico e o tratamento de problemas complexos.
Uma vez obtida toda a informação possível do paciente, a formulação do plano obecede à seguinte ordem:
1) Cálculo da necessidade básica: refere-se à quantidade
de líquidos e eletrólitos que se prevê como perdas para
o paciente nas próximas 24 horas. Estas perdas incluem:
perdas urinárias, digestivas e perdas sensíveis e insensíveis (pele e pulmão).
2) Cálculo das correções hidroeletrolíticas em face dos distúrbios detectados através de uma avaliação clínica e
laboratorial.
3) O balanço entre a necessidade básica e as correções indica o total de líquido e eletrólitos a ser administrado.
CÁLCULO DA NECESSIDADE
BÁSICA
O plano parenteral básico tem por objetivo a reposição
de perdas de fluidos e eletrólitos ocorridas em 24 horas,
através da pele, pulmões, urina e outros fluidos corporais.
A necessidade básica de líquidos e eletrólitos corresponde à somatória das perdas ocorridas nas últimas 24 horas.
Os volumes e a quantidade de eletrólitos necessários encontram-se expostos no Quadro 15.1. As estimativas baseiamse em valores médios de populações saudáveis. Porém,
quando o paciente se encontra internado, e estiver sendo
monitorizada a diurese ou a dosagem dos eletrólitos urinários, estes valores são mais exatos e devem ser utilizados.
Recomendamos que seja utilizado o Quadro 15.3, para
organizar a anotação dos volumes das perdas líquidas e
eletrolíticas de cada paciente. Uma vez tabulados todos os
dados de forma sistematizada, torna-se muito mais fácil
calcular os subtotais, assegurando que todas as perdas sejam consideradas e repostas.
Perdas Urinárias
VOLUME
O volume urinário para um indivíduo normal varia
entre 500 ml (em condições de restrição hídrica intensa) e
256
Terapia Parenteral. Reposição Hidroeletrolítica
Quadro 15.1 Necessidades básicas diárias
Perdas
ÁGUA
ELETRÓLITOS (mEq/dia)
(ml/dia)
Sódio
Potássio
Cloro
Urina
1.500
75
40
115
Sensível e Insensível
1.000
0
0
0
50 mEq/L
100 mEq/L
10 mEq/L
10 mEq/L
100 mEq/L
100 mEq/L
Gastrintestinalb
pH 4
pH 4
a
a) indica-se o volume perdido no dia anterior.
b) a secreção gástrica contém ainda 90 mEq de H por litro.
2.500 ml ao dia. O volume urinário de 1.500 ml, utilizado
para cálculo, representa um valor médio entre os volumes
urinários mínimo e máximo excretados habitualmente.
Desta forma, se o volume líquido administrado for excessivo em relação às necessidades do paciente, o rim excretará o excesso, e se porventura for insuficiente, ele conservará o máximo possível de líquido. É necessário lembrar
também que a urina contém dois componentes líquidos:
um, correspondente à água sem eletrólitos, e outro, em que
a água veicula eletrólitos. Por exemplo, num volume urinário de 1.500 ml, com sódio de 75 mEq/litro, concluímos
que cerca de 500 ml são suficientes para a eliminação do
sódio sob forma de uma solução isotônica, enquanto os
restantes 1.000 ml correspondem a água livre.
Quando o paciente apresenta um distúrbio da função
renal, os rins não são capazes de variar a excreção de água
e eletrólitos de acordo com a ingesta. Por exemplo: a) se o
paciente apresenta oligúria devido a um comprometimento
orgânico do rim, haverá uma incapacidade do rim em regular o balanço de água. A administração excessiva de líquido em relação ao volume excretado causará um excesso de água no organismo. Nestes casos, o volume urinário
da necessidade básica deverá ser igual ao volume de urina excretada (v. também manejo da insuficiência renal
aguda — Cap. 20); b) da mesma forma, a presença de edema implica um excesso de volume extracelular e, portanto, de sódio total. É preciso, então, reduzir a necessidade
básica de sódio a zero.
É necessário lembrar que o metabolismo de proteínas,
gorduras e carboidratos produz a chamada água endógena, num volume de cerca de 400 ml ao dia. O metabolismo
de 1 g de lipídios gera 1 ml de água; de 1 g de glicose, 0,64
ml de água, e de 1 g de proteína, 0,4 ml de água. Este volume de água pode, em algumas circunstâncias especiais,
como a insuficiência renal anúrica, contribuir para o aparecimento de hiponatremia dilucional.
mais sódio quando há modificações da dieta, num processo de adaptação que é efetivo após alguns dias (v. Cap. 10).
Para atender às necessidades básicas, costumamos administrar 50-75 mEq diários de sódio, permitindo ao rim eliminar uma maior ou menor quantidade, de acordo com as
necessidades.3
POTÁSSIO
A perda diária habitual pela urina e fezes é de 40 mEq
(v. Cap. 12).3 Na necessidade básica, administramos estes
40 mEq, observando que caberá ao rim modular a excreção deste íon, de acordo com as necessidades.
CLORO
A necessidade básica de cloro é deduzida pela soma da
necessidade dos dois cátions: Na e K.
SENSÍVEL E INSENSÍVEL
Habitualmente consideramos, para a necessidade básica, uma perda líquida diária pela pele e pulmões da ordem de 1.000 ml. A perda diária através da pele está em
torno de 400 ml, mas aumenta muito por sudorese profusa, febre, ambientes quentes e de pouca umidade. As perdas eletrolíticas na sudorese e respiração são desprezíveis
(v. Quadro 15.1: zero nas colunas de sódio, potássio e cloro), e a reposição é feita apenas com água. Caso haja febre, acrescentar mais 100 ml de água para cada grau acima de 38°C. Em presença de taquipnéia, adicionar 100200 ml para cada 4 movimentos respiratórios por minuto acima de 20 no homem e 16 na mulher. Se a sudorese
for excessiva, haverá perdas eletrolíticas que deverão ser
repostas.
Perdas Gastrintestinais
VOLUME
SÓDIO
A ingesta média diária de sódio é de 135 a 170 mEq (8 a
10 g de sal). Os rins são capazes de conservar ou excretar
No plano parenteral básico são levadas em conta as
perdas ocorridas pela drenagem de fluidos corporais, através de sondas e fístulas. Procura-se fazer uma estimativa
257
capítulo 15
antecipada do volume a ser eliminado nas próximas 24
horas, baseando-se nas perdas ocorridas em dias anteriores. Isto é, se um paciente vem eliminando 1.000 ml de suco
gástrico ao dia, é natural esperar que ele elimine a mesma
quantidade nas próximas 24 horas. No entanto, é importante salientar que, se uma avaliação ao final das primeiras oito horas revela um volume eliminado próximo do
esperado para as 24 horas, há necessidade de revisar o plano terapêutico traçado.
ELETRÓLITOS
Sem dúvida, o melhor meio de avaliar as perdas eletrolíticas em um determinado fluido do trato gastrintestinal
é proceder à análise bioquímica do líquido. Como isto não
é realizado rotineiramente, utilizamos algumas regras práticas. No caso do suco gástrico, costuma-se utilizar o seguinte raciocínio: suco gástrico de pH superior a 4 tem uma
concentração de sódio em torno de 100 mEq/L, ou 10% do
volume eliminado; se o pH for inferior a 4, a concentração
de sódio será de 50 mEq/L, ou 5% do volume eliminado.
De modo geral, consideramos que o suco gástrico eliminado apresenta pH menor que 4. Exemplo: volume de suco
gástrico eliminado 1.500 ml, com pH 6; quantidade
provável de sódio eliminado: 10% de 1.500 150, ou seja,
150 mEq de sódio.
A perda de potássio no suco gástrico é pequena e não
varia com a acidez do líquido. O cálculo é geralmente feito
na base de 10 mEq/L, ou 1% do volume eliminado. A concentração habitual de cloro está em torno de 100 mEq/L
(Quadro 15.2).
Para as demais secreções do trato gastrintestinal, o Quadro 15.2 demonstra as concentrações eletrolíticas médias
nos fluidos pancreáticos, biliares, intestinais, etc. Estas
perdas também devem ser repostas no plano básico.
CÁLCULO DAS CORREÇÕES
A segunda fase do plano parenteral tem por objetivo a
correção de distúrbios encontrados em cada uma das categorias enumeradas a seguir: 1) água; 2) sódio; 3) ácidobásico; 4) potássio, e 5) sangue e plasma. Deve ser rotineiramente verificada a presença de distúrbios em cada um
destes elementos. Isto será extremamente útil na abordagem dos distúrbios hidroeletrolíticos mais complexos.
Na folha de reposição hidroeletrolítica, há uma seção
específica para correções (Quadro 15.3). Se não há distúrbios a corrigir, deve-se colocar um zero na coluna apropriada. Um sinal de adição () ou subtração () indica se a
quantidade deverá ser adicionada ou retirada do plano
parenteral.
Correções para a Água
Naturalmente as considerações feitas no Cap. 9 são valiosas para a análise e a compreensão dos distúrbios do
metabolismo da água. Como foi frisado, a maneira mais
prática de avaliar a necessidade de água é determinar o
sódio plasmático, que reflete a osmolalidade plasmática.
O objetivo é administrar uma quantidade de água que
mantenha o sódio plasmático entre 130 e 135 mEq/L.
Considerando que a água corporal total (ACT) equivale a cerca de 60% do peso corporal, o déficit ou excesso de
água podem ser calculados pela fórmula abaixo. Ao se
comparar a água corporal normal com a atual, será possível verificar a magnitude do excesso ou déficit.
Água atual Água normal Sódio normal
Sódio atual
Quadro 15.2 Conteúdo eletrolítico dos fluidos corporais (mEq/L)
LÍQUIDO
Naⴙ
Kⴙ
Clⴚ
HCO3ⴚ
Volume (L/dia)
Saliva
Suco gástrico — pH 4
Suco gástrico — pH 4
Bile
Duodeno
Pâncreas
Íleo
Ceco
Cólon
Suor
Ileostomia — recente
Ileostomia — adaptada
Colostomia
30
50
100
145
140
140
130
80
60
50
130
50
50
20
10
10
5
5
5
10
20
30
5
20
5
10
35
100
100
110
80
75
110
50
40
55
110
30
40
15
40
50
90
30
20
20
30
25
20
1-1,5
2,5
2
1,5
0,7-1
3,5
0-3
0,5-2
0,4
0,3
Adaptado de Koch, S.M.7
258
Terapia Parenteral. Reposição Hidroeletrolítica
Quadro 15.3 Folha de reposição hidroeletrolítica
Plano Básico
Fonte
Volume
Naⴙ
Kⴙ
Clⴚ
Urina
Sensível Insensível
Gastrintestinal
Total – Básico (A)
Plano de Correções
Fonte
Volume
Naⴙ
Kⴙ
Clⴚ
Bic
Água
Sódio
Potássio
Ácido-Básico
Sangue e plasma
Total – Correções (B)
TOTAL (A + B)
Prescrição médica:
1.____________________________________________________________________________________________________________
2.____________________________________________________________________________________________________________
3.____________________________________________________________________________________________________________
4.____________________________________________________________________________________________________________
Adaptado de Scribner, B. H.2
Exemplo: Um paciente de 65 anos, que usualmente
pesa 70 kg, chega ao hospital com um quadro de gastroenterite, queixando-se de sede. A determinação do sódio
plasmático revela uma concentração de 154 mEq/L. Baseado no sódio plasmático, o diagnóstico inicial é de hipernatremia (déficit de água livre). Que quantidade de
água livre deve ser administrada no plano parenteral de
correção? Observe o cálculo, empregando-se a fórmula
anterior.
Água corporal total normal 60% de 70 kg 42 litros
Água atual Água normal Sódio normal
Sódio atual
Água atual 42 140
38
154
Portanto, se a água normal é 42 litros e a atual é 38 litros, existe déficit de 4 litros de água livre. Na coluna de
correção para a água, anotaremos: 4.000 ml.
Correções para o Sódio
Os dados importantes de história e exame físico para
uma avaliação das necessidades de sódio já foram abordados no Cap. 10, onde mencionamos que se pode estimar o
déficit de sódio através de uma avaliação criteriosa dos
sinais físicos e pressão arterial e pulso nas três posições
(deitado, sentado e de pé). A ausência de sinais ao exame
físico, mas com história de perdas fluidas, permite o diagnóstico de depleção de pelo menos 10%. A variação da
pressão e pulso permite a caracterização de graus mais
intensos de déficit de sódio: 20 a 30% ou 40 a 50% do volume extracelular.
A orientação dada no Cap. 10 para avaliar o sódio no
organismo é a habitualmente utilizada no dia-a-dia. Poderão ocorrer, uma ou outra vez, dúvidas quanto às reais
necessidades de sódio. Podemos, então, lançar mão de uma
outra maneira de avaliar as necessidades de sódio, com
base na interpretação das alterações do peso corporal. Estas alterações podem refletir mudanças no volume extracelular e, portanto, mudanças no sódio total. Mas, para que
capítulo 15
259
o peso reflita o volume extracelular, duas correções são
necessárias: uma para o catabolismo e outra para a água
intracelular.
Estas correções são necessárias, pois é óbvio que, se um
indivíduo perdeu 2 kg nas últimas 48 horas, parte pode ter
sido devido a uma diminuição do volume extracelular,
parte a um déficit de água, e o restante, ao catabolismo por
jejum, infecção etc. Atribui-se ao catabolismo uma perda
diária de peso (massa protéica e gordurosa) entre 0,3 e 0,5
kg, dependendo do grau de catabolismo. A seguinte equação indica os fatores que causam alterações no peso:
Comentário: A análise dos dados deste paciente permite deduzir que, no 10.º dia de pós-operatório, ele deveria
ter perdido 3 kg à custa do catabolismo. No entanto, ele
perdeu só 2 kg, e, como não houve variação no sódio plasmático, deduz-se que não houve variação na água intracelular. Portanto, o aumento de 1 kg foi à custa de um aumento no volume extracelular.
Suponhamos agora que, no mesmo exemplo anterior, o
sódio plasmático esteja em 126 mEq/L no 10.º dia de pósoperatório. Vejamos qual a alteração no volume extracelular.
peso VEC LIC Perda de massa protéica e gordurosa, onde:
peso VEC (0,4 peso) (PNai PNaf)/PNai (0,3
n.º dias)
peso diferença entre o peso inicial e final;
2 kg VEC (0,4 60) (140 126)/140 0,3 10
VEC diferença entre o volume de líquido extracelular
inicial e final;
2 kg VEC 24 10% 3
LIC diferença entre a quantidade de líquido (água)
intracelular inicial e final;
2 kg VEC 0,6
Perda de massa protéica e gordurosa diferença na massa celular devido ao catabolismo diário.
A água intracelular equivale a 40% do peso corporal, e
supõe-se que alterações na água intracelular reflitam alterações na osmolalidade plasmática e, conseqüentemente,
alterações no sódio plasmático. Desta forma, a diferença no
líquido intracelular será:
LIC LIC PNa
PNa diferença entre o sódio plasmático inicial (PNai) e o
sódio plasmático final (PNaf) em relação ao sódio plasmático inicial.
Pode-se também usar a percentagem de alteração no
sódio plasmático ( % Na). Logo, LIC (0,4 peso)
(PNai - PNaf)/ PNai
A equação final será:
peso VEC (0,4 peso) (PNai PNaf)/PNai (0,3
n.º dias)
2 kg VEC 2,4 3
VEC 1,4 litro.
Comentário: Como houve uma redução do sódio plasmático da ordem de 10% (140 126 14 ou 10% de 140),
este paciente ganhou 10% do volume de água intracelular
(24 litros), ou seja, 2,4 litros. Como no final de 10 dias ele
deveria ter perdido 3 kg devido ao catabolismo e adquirido 2,4 kg pelo ganho de água, a redução de peso deveria
ser de apenas 0,6 kg. Mas, como ele perdeu 2 kg, isto significa que o volume extracelular foi reduzido em 1,4 litro,
como se deduziu acima.
A correção para sódio implica a administração de uma
solução isotônica de água e sódio. Se chegarmos à conclusão de que há um déficit de sódio da ordem de 1.000 ml,
colocamos na coluna de volume o valor de 1.000 ml precedido do sinal . Nas colunas do sódio e cloro, colocamos
o valor 150 mEq, que se refere à quantidade de sódio e cloreto existente por litro de solução salina isotônica.
Na presença de edema e, portanto, de excesso de sódio
no organismo, nenhuma solução contendo sódio será administrada, e a coluna de Na terá apenas zeros.
ou, substituindo (PNai PNaf)/PNai por % Na:
peso VEC (0,4 peso) % Na (0,3 n.o dias)
Exemplo: Um paciente de 60 kg é submetido a uma gastrectomia total, recebendo apenas água e eletrólitos por via
parenteral. No 10.º dia de pós-operatório, seu peso é de 58
kg. O sódio plasmático inicial e agora no 10.º dia é o mesmo: 140 mEq/L. Qual foi a alteração no volume extracelular?
Aplicando a equação anterior, teremos:
2 kg VEC (24 litros 0 3kg)
2 kg VEC (0 3 kg)
2 kg VEC 3 kg
VEC 1 litro.
O TERCEIRO ESPAÇO
Este termo foi criado para descrever um compartimento físico ou fisiológico no qual líquidos do organismo, especialmente o líquido extracelular, acumulam-se em decorrência de uma lesão e não mais participam do volume circulante.1,4 Seria talvez mais preciso imaginar este líquido
como um volume seqüestrado internamente e oriundo do
líquido extracelular. Desta forma, pode haver uma enorme diminuição no volume extracelular, sem que haja alteração do peso. Como dissemos, este líquido localiza-se
mais comumente em tecidos lesados, como na pele, após
queimaduras; na superfície peritoneal, após uma agressão
química ou bacteriana; na massa muscular esquelética,
após trauma ou esmagamento; acúmulo intraluminal de
260
Terapia Parenteral. Reposição Hidroeletrolítica
secreções digestivas no caso de uma obstrução intestinal e
o próprio líquido ascítico. Até que exista um restabelecimento da integridade celular dos tecidos lesados, este líquido acumulado não tem valor funcional. É importante
relembrar que, como este líquido se origina do extracelular, inicialmente há uma redução do volume extracelular,
e o organismo responde com retenção de água e sal, que
se traduz por aumento do peso.
A redução da excreção de sódio urinário que ocorre no
pós-operatório, que por muitos anos foi interpretada como
uma intolerância do rim ao sódio (v. introdução do capítulo), nada mais é que uma resposta fisiológica face a uma
redução do volume extracelular, decorrente de uma seqüestração de líquido (terceiro espaço) na área de incisão
cirúrgica, área de dissecção e nos espaços manipulados,
como ocorre com o edema das alças intestinais pós-manipulação.
Sangue e Plasma
Se houver uma redução importante do volume globular ou evidência de sangramento ativo, a administração de
sangue pode estar indicada. Da mesma forma, nos processos inflamatórios intraperitoneais (peritonites) ou no grande queimado, a perda de plasma é significativa, e a sua reposição será importante na manutenção de um bom volume circulante.
É importante salientar que o volume plasmático e o
volume extracelular podem variar em direções opostas. Por
exemplo, na presença de hipoproteinemia e edema, o volume extracelular está aumentado e o volume plasmático
reduzido, podendo haver sinais de hipovolemia.
Ácido-básico
O processo diagnóstico de um distúrbio ácido-básico já
foi abordado no Cap. 11. Ficou explícito que, se houver uma
alcalose metabólica, a correção da depleção do volume
extracelular e do déficit de potássio, em geral, será suficiente. Raramente há necessidade da administração de ácidos minerais.
Se o diagnóstico é de acidose metabólica, calculamos a
quantidade de bicarbonato de sódio a ser administrada (já
abordada no Cap. 11) e anotamos na coluna do sódio. Lembrar de anotar, na coluna de volume, a quantidade de líquido que será utilizada para administrar o bicarbonato.
Também é necessário deduzir, da necessidade básica ou da
correção para sódio, a quantidade de sódio administrada
com o bicarbonato de sódio.
Potássio
O potássio plasmático nos dá uma idéia do potássio total
do organismo. Uma vez determinado o déficit (método
exposto no Cap. 12), anotamos o valor na coluna do potássio e do cloro. Um outro modo de fazer um cálculo aproximado do déficit de potássio é o seguinte:3
1. Se K sérico 3 mEq/L: para elevar o K sérico em
1 mEq/L, há necessidade de administrar de 100 a 200
mEq de potássio.
2. Se K sérico 3 mEq/L: para elevar o K sérico em
1 mEq/L, há necessidade de administrar de 200 a 400
mEq de potássio.
3. Para cada alteração no pH de 0,1 unidade, há uma alteração inversa de 0,6 mEq/L na concentração sérica de K.
Exemplo: pH 7,3; K 4,6 mEq/L. Como houve uma
redução de 0,1 no pH, o K sérico se elevou em 0,6 mEq/L.
Com a correção do pH para 7,4, o K sérico voltará a 4,0
mEq/L.
PRINCÍPIOS GERAIS DO PLANO
PARENTERAL
1. É necessário que se faça apenas uma estimativa da magnitude do distúrbio, a qual servirá de guia para a reposição. Uma determinação exata não é possível e tampouco necessária.
2. À medida que se faz a correção do distúrbio, o plano
terapêutico seguinte deverá aproximar-se da necessidade básica e permitir que o próprio rim faça os ajustes
finais.
3. Nunca há necessidade de corrigir o distúrbio completamente nas primeiras 24 horas.
4. Cálcio, magnésio e fósforo normalmente não são acrescentados às soluções hidrossalinas que se destinam a uma
reposição hidroeletrolítica de poucos dias de duração,
porém são essenciais na nutrição parenteral. No Cap. 13
se encontram as diretrizes para o diagnóstico e o tratamento dos distúrbios relacionados a esses elementos.
PLANO DE ADMINISTRAÇÃO
Na folha de reposição hidroeletrolítica, determinam-se
os totais combinados de volume e eletrólitos da necessidade básica e correções.
Sódio. É administrado sob a forma de solução salina
isotônica, na qual cada 1.000 ml possui 150 mEq de sódio.
Se a quantidade de sódio a ser determinada for de 300 mEq,
são necessários 2.000 ml de solução salina isotônica (soro
fisiológico). Este volume (2.000 ml) é deduzido do volume
total do líquido previsto na reposição.
Água. É administrada sob a forma de uma solução de
glicose a 5% (isotônica). Soluções de glicose mais concentradas (10, 20 ou 50%) poderão ser utilizadas, mas por veia
central, já que em veia periférica soluções hipertônicas
causam flebite.
capítulo 15
Potássio. É encontrado sob a forma de cloreto de potássio, acetato de potássio e fosfato de potássio. Na reposição
hidroeletrolítica, geralmente utilizamos o cloreto de potássio. As outras formas de apresentação são reservadas para
a nutrição parenteral. O KCl a 19,1% (ampolas de 10 ml)
contém 2,5 mEq de K por ml. A quantidade de potássio
prevista na reposição é distribuída preferencialmente pelos frascos de soro glicosado a 5%. Evita-se a colocação de
potássio em soro fisiológico porque, numa emergência (p.
ex., choque), o líquido a ser administrado rapidamente é o
soro fisiológico e nunca o soro glicosado. Se o soro fisiológico contiver K, sua administração rápida poderá causar
sérias arritmias cardíacas. Evitar uma concentração de K
superior a 30 mEq/L, pois concentrações maiores causam
irritação e dor ao longo da veia. Se o paciente se apresenta
oligúrico ou com retenção nitrogenada, é preferível não
adicionar potássio ao primeiro frasco de solução. Se houver boa diurese em resposta à reposição líquida, adicionase potássio aos demais frascos.
PRESCRIÇÃO MÉDICA
A prescrição do plano parenteral:
a) especifica a solução básica a ser administrada: soro fisiológico, soro glicosado a 5% etc.;
b) especifica o volume de cada solução básica: 1.000 ml,
3.000 ml etc.;
c) identifica os frascos de cada solução por um número
consecutivo: p. ex., soro fisiológico, 3.000 ml; frascos 1,
2 e 3;
d) indica os aditivos a serem usados na solução: p. ex.,
adicionar 10 ml de KCl 19,1% aos frascos 4, 5, 6 e 7 de
soro glicosado a 5%;
e) indica a velocidade de infusão, ou gotejamento por minuto. Aproximadamente, utilizando-se equipos comuns
de infusão, a seguinte relação é válida:
gotas/min
ml/h
L/24 h
6
12
18
24
21
42
63
84
0,5
1
1,5
2
EXEMPLOS
Exemplo n.º 1: Uma jovem de 28 anos é submetida a uma
colecistectomia e, 24 horas após, apresenta-se bem, apenas
com sede. Dados vitais: PA 140/80 mm Hg, deitada; pulso: 80 b.p.m.; T 36,2°C; FR 10 m.r.m.; peso 60 kg; diurese das 24 horas: 600 ml; sódio e potássio plasmáticos: 147
mEq/L e 3,9 mEq/L, respectivamente; drenagem nasogástrica: 2.500 ml (pH 6,0). Formular o plano parenteral para
as próximas 24 horas. Acompanhe pelo Quadro 15.4.
261
1.ª etapa — cálculo do plano básico:
• Perda por diurese 600 ml, com 30 mEq de Na; 15 mEq
de K e 45 mEq de cloreto.
• Perda sensível e insensível 1.000 ml (sem eletrólitos).
• Perda gastrintestinal 2.500 ml (é previsto um volume
de perda igual ao do dia anterior). Como o pH do suco
gástrico é elevado, a perda de sódio equivale a 10% do
volume eliminado, ou seja, 250 mEq; a perda de potássio geralmente é de 1% do volume eliminado: 25 mEq.
2.ª etapa — cálculo do plano de correções:
• Água: A análise deste caso mostra que há um déficit de
água (traduzido por hipernatremia). No cálculo do déficit, verificamos que a água corporal normal desta paciente deveria ser 36 litros; porém, com sódio plasmático de 147 mEq/L, a água corporal (atual) se encontra em
34,2 litros. Existe, portanto, um déficit de 1.800 ml.
• Sódio: Não são evidenciados sinais de depleção ou excesso do extracelular, apesar de uma certa redução no
débito urinário em relação ao esperado para um adulto
normal. Observe que os dados de pressão arterial e pulso
estão normais. Não é necessária correção.
• Potássio: O potássio sérico está normal. Não é necessária correção.
• Ácido-básico: Não há dados.
• Sangue e plasma: Não há dados.
Exemplo n.º 2: Um homem de 35 anos é trazido para o
Serviço de Emergência do hospital após ter sido encontrado por amigos num estado semi-estuporoso. Segundo os
amigos, ele vinha bebendo muito nos últimos dias. A história médica pregressa era irrelevante, a não ser por um
tratamento ambulatorial de úlcera péptica. Ao exame físico, ele se apresentava obnubilado, com os seguintes dados
vitais:
PA (deitado): 100/60 mm Hg
PA (sentado): 40/? mm Hg
Pulso (deitado): 100 b.p.m.
Pulso (sentado): 140 b.p.m.
Freq. Resp.: 18 m.r.m.
Temp 38°C
Peso: 60 kg
As veias jugulares não eram visíveis em decúbito dorsal.
O exame do abdome acusou dor epigástrica e ruídos hidroaéreos hipoativos. Não havia edema. Os exames de laboratório revelaram: hematócrito 45%; 10.500 leucócitos
com 75% de polimorfonucleares; glicemia 120 mg/100
ml; sódio plasmático 125 mEq/L; potássio plasmático 3,0 mEq/L; cloro plasmático 75 mEq/L; bicarbonato
plasmático 25 mEq/L; creatinina 1,8 mg/100 ml; pH
arterial 7,41; pCO2 38 e pO2 60. Formular o plano
parenteral para as próximas 24 horas (Quadro 15.5).
Quadro 15.4 Plano parenteral: exemplo n.º 1
Plano Básico
Fonte
Volume
Naⴙ
Kⴙ
Clⴚ
600
30
15
45
Sensível Insensível
1.000
0
0
0
Gastrintestinal
2.500
250
25
275
Subtotal — Básico
4.100
310
40
320
Urina
Plano de Correções
Fonte
Volume
Naⴙ
Kⴙ
Clⴚ
Bic
Água
1.800
0
0
0
0
Sódio
0
0
0
0
0
Potássio
0
0
0
0
0
Ácido-Básico
0
0
0
0
0
Sangue e plasma
0
0
0
0
0
Subtotal — Correções
1.800
0
0
0
0
TOTAL
5.900
310
40
320
0
Do total de 5.900 ml, qual volume de soro fisiológico (SF) é necessário para repor 310 mEq de sódio? Em 1 litro de SF há 150 mEq de sódio e 150 mEq
de cloreto. Por uma regra de três, concluímos que são necessários aproximadamente 2.000 ml de SF. O restante do volume será reposto sob forma de
soro glicosado a 5% (SG 5%).
São necessários ainda 40 mEq de potássio, ou seja, 16 ml de KCl a 19,1%. O cloreto é veiculado com o sódio (NaCl) e com o potássio (KCl).
Prescrição médica para o exemplo n.º 1:
1. Soro fisiológico: 2.000 ml (frascos 1 e 2); EV, 24 gotas/minuto.
2. Soro glicosado a 5%: 4.000 ml (frascos 3, 4, 5 e 6); EV, 48 gotas/minuto.
3. KCl a 19,1% — acrescentar 4 ml em cada frasco de soro glicosado a 5% (frascos 3, 4, 5 e 6).
Quadro 15.5 Plano parenteral: exemplo n.º 2
Plano Básico
Fonte
Volume
Naⴙ
Kⴙ
Clⴚ
Urina
1.500
75
40
115
Sensível Insensível
1.000
0
0
0
0
0
0
0
2.500
75
40
115
Gastrintestinal
Subtotal — Básico
Plano de Correções
Fonte
Volume
Naⴙ
Kⴙ
Clⴚ
Bic
Água
2.000
0
0
0
0
Sódio
3.600
540
0
540
0
Potássio
0
0
90
90
0
Ácido-Básico
0
0
0
0
0
Sangue e plasma
0
0
0
0
0
Subtotal — Correções
1.600
540
0
630
0
TOTAL
4.100
615
130
745
0
Do total de 4.100 ml, qual volume de soro fisiológico (SF) é necessário para repor 615 mEq de sódio? Cerca de 4.000 ml. Você percebe que, nesta
situação, todo o volume a ser administrado para o paciente será composto por soro fisiológico.
São necessários 130 mEq de potássio (52 ml), que, pela ausência de SG 5% no plano, serão fracionados entre os frascos de SF.
Prescrição médica para o exemplo n.º 2:
1. Soro fisiológico: 4.000 ml (frascos 1, 2, 3 e 4); EV, 48 gotas/minuto.
2. KCl 19,1%: acrescentar 13 ml em cada frasco de soro fisiológico (frascos 1, 2, 3 e 4).
263
capítulo 15
atual de cerca de 40 litros. Portanto, o excesso de água é
de 4 litros. Não há necessidade de fazer a correção total
nas primeiras 24 horas. Além disso, se retirarmos os 4
litros, não teremos volume para administrar sódio. Portanto, na coluna para volume, colocamos 2.000 ml.
• Sódio: Existe uma diminuição da pressão arterial e aumento da freqüência cardíaca com a mudança da posição deitado para sentado, e jugulares invisíveis. Isso
permite fazer o diagnóstico de uma depleção do espaço
extracelular de cerca de 20-30%. Como o espaço extracelular equivale a 20% do peso corporal, a depleção
1.ª etapa — cálculo do plano básico:
• Perda por diurese desconhecida – considerar 1.500 ml,
com 75 mEq de Na; 40 mEq de K e 115 mEq de cloreto.
• Perda sensível e insensível 1.000 ml (sem eletrólitos).
• Perda gastrintestinal não houve.
2.ª etapa — cálculo do plano de correções:
• Água: A hiponatremia apresentada significa excesso de
água. A água normal deste paciente de 60 kg deveria ser
36 litros. O cálculo da água atual demonstra um valor
Quadro 15.6 Conversões comumente utilizadas
mEq do ânion ou cátion/g de sal
mg de sal/mEq
NaCl
17§
58
NaHCO3
12
84
Lactato de sódio
9
112
NaSO4 1OH2O
6
161
KCl
13
75
Acetato de potássio
10
98
Gluconato de potássio
4
234
CaCl2 2H2O
14
73
Gluconato2 de cálcio 1H2O
4
224
Lactato2 de cálcio 5H2O
6
154
MgSO4 7H2O
0,8
123
NH4Cl
19
54
§Lembrar que, numa dieta, 1 g de Na contém 43 mEq, enquanto 1 g de sal (NaCl) contém 17 mEq de Na. Desta forma, uma dieta contendo 4 g de
sódio tem a mesma quantidade de sódio que uma dieta com 10 g de sal.
Modificado de Boedecker E.C. e Dauber J.H.8
Quadro 15.7A Composição* das principais soluções utilizadas em terapia hidroeletrolítica
Naⴙ
Clⴚ
Kⴙ
Caⴙⴙ
Soro glicosado a 5%
0
0
0
0
Solução salina a 0,9%
154
154
0
0
308
5,7
0
Solução salina a 3%
513
513
0
0
1.025
5,8
0
Ringer lactato**
130
109
4
3
275
6,5
0
Albumina 5%
130-160
130-160
0
0
308
6,9
20
Albumina 25%
130-160
130-160
0
0
1.500
6,9
100
Plasma fresco
140
100
4
0
300
6,7-7,3
20
Hidroxietil-amido (6%)
154
154
0
0
310
5,5
70
Dextran 70 (6%)
154
154
0
0
287
3-7
60
FLUIDO
*Eletrólitos em mEq/L
** Contém 28 mEq de lactato por litro.
Osm osmolaridade (mOsm/L)
PCO pressão coloidosmótica (mm Hg)
Adaptado de Kumar, A.; Wood, K.E.9
Osm
pH
PCO
252
5,0
0
Quadro 15.7B Expansão inicial de volume ( 3 horas) com alguns fluidos intravenosos (ml)*
FLUIDO
EIC
EEC
EIT
PL
Soro glicosado a 5%
600
40
255
85
Solução salina a 0,9%
100
1.100
825
275
2.950
3.950
2.690
990
Ringer lactato
0
1.000
670
330
Albumina 5%
0
1.000
100
900
Albumina 25%
0
1.000
3.500
4.500
Papa de hemácias
0
1.000
130
870
Plasma fresco
0
1.000
0
1.000
Solução salina a 3%
Sangue total
0
1.000
0
1.000
Dextran 70 (6%)
0
1.000
1.000
2.000
HAES-steril
0
1.000
500
1.500
*Após infusão de 1 litro de solução.
EIC espaço intracelular
EIT espaço intersticial
EEC espaço extracelular
PL volume plasmático
Adaptado de Carlson, R.W.; Rattan, S.; Haupt, M.10
Quadro 15.8 Principais aditivos utilizados
ADITIVOS
ELETRÓLITOS – mEq/ml
Na
K
Cl
Ca
Mg
HCO3§
NaCl 20%
3,4
-
3,4
-
-
-
KCl 19,1%
-
2,5
2,5
-
-
-
Gluc. Cálcio 10%
-
-
4,8
-
-
4,8
CaCl2 10%
-
-
13,6
13,6
-
-
Sulfato de Mg 10%
-
-
-
-
8,1
-
1,2
-
-
-
-
1,2
-
-
3,75
-
-
-
NaHCO3 10%
NH4Cl 20%
§Incluídos lactato, gluconato, acetato.
Modificado de Faintuch, J.11
Quadro 15.9 Perda estimada de líquido e sangue de acordo com os dados clínicos iniciais do paciente
Classe I
Classe II
Classe III
Classe IV
Perda de sangue (ml)
Até 750
750-1.500
1.500-2.000
2.000
Perda de sangue (% volume sanguíneo)
Até 15%
15-30%
30-40%
40%
100
100
120
140
Pulso (b.p.m.)
Pressão de pulso (mm Hg)
N ou 앖
앗
앗
앗
Freq. respiratória (m.r.m.)
14-20
20-30
30-40
35
Diurese (ml/h)
30
20-30
5-15
Desprezível
Ansiedade
Ansiedade
Ansiedade e
Confusão e
leve
moderada
confusão
letargia
Cristalóide
Cristalóide
Cristalóide e
sangue
Cristalóide e
sangue
Estado mental / SNC
Reposição volêmica
(regra 3:1)
A regra 3:1 se baseia no fato de que a maior parte dos pacientes em choque hemorrágico necessita de 300 ml de solução eletrolítica para cada 100 ml
de sangue perdido. A avaliação clínica contínua de cada paciente pode minimizar as dificuldades existentes para o cálculo exato da quantidade e
tipo de fluidos a administrar. Baseado em: Advanced Trauma Life Support.12
265
capítulo 15
apresentada neste caso corresponde a 2.400-3.600 ml.
Neste caso, optamos por reposição de 3.600 ml, pois a
PA e o pulso em decúbito dorsal poderiam ser considerados alterados.
• Potássio: O potássio sérico encontra-se diminuído (2,5
mEq/litro). Como não há distúrbio ácido-básico nem
desvio iônico, a necessidade de potássio deste paciente
está entre 200 e 400 mEq. Outra forma de calcular a necessidade de potássio é através da Fig. 12.5, onde verificamos que para um potássio de cerca do 3,0, corresponde uma deficiência de 10%. Calculando o potássio
total (45 mEq/kg 45 60 2.700 mEq), concluímos
que o déficit é de 270 mEq. Não há necessidade de corrigir este déficit nas primeiras 24 horas, e, além do mais,
como estamos restringindo água livre, não temos volume para administrar o potássio, pois não desejamos ultrapassar a concentração de 30 mEq/L. Em vista disso,
optamos pela correção de apenas 1/3 do déficit total e
anotamos 90 mEq na coluna do potássio e cloro.
• Ácido-básico: sem distúrbios.
• Sangue e plasma: sem distúrbios.
lução que contenha sódio tende a se distribuir no espaço de distribuição do sódio, ou seja, no extracelular.
Soluções hipotônicas contêm um maior teor de água livre, que se distribuirá parte para o extracelular e parte
para o intracelular. A solução salina isotônica é adequada para a correção de depleção do espaço extracelular,
manejo líquido em pós-operatório (em que soluções
hipotônicas causariam hiponatremia), correção inicial
do choque, hemorragias e queimaduras. Por ser isotônica, esta solução não provoca desvios de líquido entre
compartimentos. Em 1 litro desta solução há aproximadamente 150 mEq de sódio.5,6
3) Ringer lactato: é uma solução levemente hipotônica, que
contém sódio e lactato. No fígado, o lactato é convertido em bicarbonato. Sua utilização atenua a acidose
metabólica dilucional que poderia ocorrer em situações
em que é necessária a reposição de grandes volumes de
solução salina isotônica.
4) Solução salina a 3%: é uma solução cristalóide hipertônica, que promove desvios de água do intracelular para
o intravascular. É utilizada no tratamento da hiponatremia sintomática.
APÊNDICE
Soluções Colóides
Soluções Cristalóides
São suspensões de partículas muito grandes, que não
atravessam membranas semipermeáveis. Sua presença em
um dos lados da membrana exerce uma força de atração
(pressão oncótica) que é proporcional à sua concentração.
Os colóides são utilizados para manter o volume plasmático, produzindo uma expansão efetiva do volume circulante, com pouca ou nenhuma perda para o interstício. A
permanência destas soluções no intravascular (quando o
endotélio está íntegro) aumenta a duração de sua ação. Se
o endotélio estiver lesado, pode haver escape de solução
colóide para o interstício. Devido às características da distribuição destas soluções, doses menores de colóide causam maior expansão do intravascular que os cristalóides.
De modo geral, na ausência de lesão endotelial significativa, são necessários três volumes de solução cristalóide para
promover um efeito equivalente a 1 volume de solução
colóide em expansão do intravascular (“regra 3:1”). Esta
distribuição modifica-se muito no choque séptico. São
exemplos de colóides: a albumina, o hidroxietil-amido, os
dextrans e as gelatinas.5
As referências bibliográficas 13 a 23 demonstram a controvérsia atual existente em torno da escolha da solução
mais adequada a ser administrada em situações especiais.
São soluções verdadeiras em que sólidos cristalinos estão dissolvidos em água, sob a forma de íons ou moléculas. Exemplo: solução salina isotônica, solução de Ringer
lactato, solução glicosada 5%. Os cristalóides são infundidos no espaço intravascular, mas distribuem-se em todo o
espaço extracelular e, eventualmente, para o intracelular.5
1) Soro glicosado a 5% (SG 5%): é uma solução hipotônica,
que veicula água e pequena quantidade de glicose. Em
condições normais, a glicose é assimilada pelas células e
não causa alterações na glicemia do paciente. Porém, no
diabetes melito, pode desenvolver-se hiperglicemia. Num
paciente não-diabético, ao administrarmos SG 5% juntamente com SSI, a SSI permanecerá no espaço intravascular; a glicose será metabolizada, e a água livre se distribuirá no espaço extracelular e intracelular. É útil no tratamento da hipernatremia, como forma de administração
de água livre, veículo para a administração de medicamentos, manutenção de acessos venosos permeáveis.
Soluções mais concentradas de glicose (10, 20 ou 50%)
podem ser utilizadas, mas causam flebite quando infundidas em veias periféricas. Como não contém sódio, não
é adequada para repleção do extracelular.6
2) Solução salina a 0,9% — isotônica (SSI): esta solução é
denominada isotônica por apresentar tonicidade semelhante à do plasma. É utilizada quando se necessita expandir o espaço extracelular, pois o sódio é o principal
cátion deste espaço, e determina seu volume. Uma so-
1) Albumina (Albumina Humana 20%): é a principal proteína do soro, contribuindo com 80% da pressão oncótica do plasma. É disponível em solução a 20%. Doses
acima de 20 ml/kg causam maior aumento no intravascular que o volume infundido, pois o incremento na
pressão oncótica provoca movimento de líquido para o
266
Terapia Parenteral. Reposição Hidroeletrolítica
intravascular. A meia-vida intravascular da albumina é
de 16 horas. É um efetivo expansor de volume no trauma e choque. São argumentos contra seu uso a possibilidade de transmissão de doenças infecciosas (hepatite
e SIDA) e a ocorrência de eventuais reações anafiláticas.5
2) Hidroxietil-amido (Haes-Steril): é um polímero ramificado da glicose, com peso molecular e clearance variáveis. É um expansor efetivo de volume. Acima de 20 ml/
kg, pode causar coagulopatia. Não possui o risco de
transmitir infecções; a possibilidade de reações anafiláticas é pequena.5
3) Dextrans (Dextran 40): são misturas de polímeros da
glicose, de vários tamanhos e pesos moleculares (dextran 40 e dextran 70). A expansão de volume causada
por estas soluções depende do peso molecular, quantidade, velocidade de administração e taxa de eliminação.
A infusão de dextran 70 causa expansão mais prolongada e efetiva que o dextran 40. Estas soluções modificam as propriedades reológicas do sangue na microcirculação (diminuem a viscosidade), podendo melhorar
o consumo de oxigênio em pacientes gravemente doentes. Como os outros colóides sintéticos, pode causar reações de hipersensibilidade e efeitos sobre a coagulação.5
4) Gelatinas (Haemacel e Hisocel a 3,5%): o nível e a
duração de seu efeito sobre o volume plasmático dependem da taxa de infusão. De modo geral não alteram a
coagulação e são eliminadas inalteradas pelos rins e
intestino. Experimentalmente, demonstrou-se que esta
solução pode extravasar para o compartimento intersticial com certa rapidez.5
trado rapidamente é o soro fisiológico e nunca o soro
glicosado. Se o soro fisiológico contiver potássio, sua
administração poderá causar complicações cardíacas.
Cada ml desta solução contém 25 mEq de potássio.
2) Bicarbonato de sódio: está disponível a solução de bicarbonato de sódio a 8,4%, que contém 1 mEq de bicarbonato e 1 mEq de sódio por ml. Frascos de 250 ml.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
Outras Soluções e Aditivos para
Uso Parenteral
1) Cloreto de potássio a 19,1% (KCl 19,1%): é o aditivo utilizado para repor as perdas e deficiências de potássio,
principalmente em pacientes intolerantes ao potássio
administrado por via oral. A dose prescrita deve ser
cuidadosamente observada. O potássio é um agente irritante para as veias, dependendo de sua diluição (se
maior que 30 mEq/litro). Mais importante, porém, é que
pacientes com disfunção renal podem desenvolver hipercalemia fatal.6 Neste caso é preferível não adicionar
potássio ao primeiro frasco de solução. Se houver boa
diurese em resposta à reposição líquida, adiciona-se
potássio aos demais frascos. O potássio pode ser administrado com o soro glicosado ou com solução salina
isotônica. Como apresentado no Cap. 12, a infusão com
soro glicosado causa a entrada de potássio mais rapidamente nas células, devido à liberação de insulina, o que
dificultaria a correção do potássio no sangue. Por outro
lado, após a correção de uma hipocalemia grave, evitase colocar o potássio em soro fisiológico, pois, numa
emergência (p.ex., o choque), o líquido a ser adminis-
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
22.
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