A ILEGALIDADE DA COBRANÇA DA TAXA DE RETORNO NO FINANCIAMENTO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES GUILHERME MOOJEN DIEHL ROBERTA SILVA MARTINS Pós-graduandos em Direito e Processo Tributário pela PUC-GO Orientadora Esp. Mércia Mendonça Lisita RESUMO Tem-se que as relações de financiamento inserem-se no bojo das chamadas relações de consumo. Assim, a pessoa que financia um veículo automotor, por exemplo, tem a proteção, ao menos teórica, do Código de Defesa do Consumidor, com todos os direitos que lhe são inerentes. Dentre tais direitos, insere-se o chamado “direito à informação”, segundo o qual o consumidor tem o direito de receber, quando da concretização do negócio entre consumidor e fornecedor, a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. Ocorre assim flagrante ilegalidade quando a chamada “taxa de retorno”, que nada mais é do que um preço bancário, é incluída nos contratos de financiamento de veículo automotor camufladamente, sem que o consumidor possa se aperceber do fato. Isto porque tem-se então uma violação ao retrocitado direito à informação pertencente ao consumidor (art. 6º, III, do CDC). Os métodos utilizados para a confecção deste artigo foram o dedutivo e o compilatório. Palavras-chave: 1. Taxa de retorno. 2. Consumidor. 3. Financiamento. 4. Tributos. INTRODUÇÃO O estudo abordará a problemática da inconstitucionalidade na cobrança da chamada taxa de retorno no financiamento de veículos automotores. Para tanto, ter-se-á em foco a análise do aparato constitucional brasileiro a partir do documento de 1988, valendo-se também do estudo doutrinário e jurisprudencial. Abordar-se-á também a questão da correta conceituação da taxa de retorno como sendo taxa ou tarifa bancária. Este tema foi escolhido por se tratar de um assunto de interesse geral, posto que envolve uma parcela muito grande da sociedade, sendo significativo o número de pessoas que tomam a via do financiamento para a aquisição de veículo automotor. Ressalte-se que, destas, a maioria é ignorante quanto ao verdadeiro teor da problemática aqui debatida, tendo em vista que a chamada “taxa de retorno” é repassada de maneira obscura ao consumidor final, sendo que contratos de financiamento nem sempre deixam claro a inclusão da cobrança nas prestações dos financiamentos. Tem-se que o consumidor é detentor do direito à informação clara e adequada sobre diferentes produtos e serviços (art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor), devendo ser coibida toda prática comercial obscura, que imponha ao consumidor preços abusivos ou o custeio de serviços não contratados. Desta forma, este artigo irá contribuir na discussão do problema, aclarando áreas antes entenebrecidas pela falta de saber e pela ausência de clareza no atuar das concessionárias em conluio com as financeiras. Para tanto, será utilizado material doutrinário, artigos publicados na internet e material jurisprudencial. Para a confecção do presente artigo, utilizar-se-á o método dedutivo compilatório. Dedutivo por que envolve a explicitação de um conhecimento antes implícito, qual seja, o de que a chamada taxa de retorno é ilegal. E compilatório por que envolve a transcrição da opinião de diversos juristas sobre o tema. Eis que a pesquisa envolverá análise teórico-bibliográfica, com o estudo comparativo de toda a teoria e prática relacionados com a problemática da constitucionalidade da chamada "taxa de retorno". 1 DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS NA CF/88 1.1 Da Relação Entre a Taxa de Retorno e os Tributos A denominação taxa de retorno é de certa forma problemática. Isto porque ela imediatamente nos remete ao universo tributário, levando-se a indagar qual a relação entre esta e as espécies tributárias. Acontece que, considerando o fato de que o tributo em si mesmo implica na presença do Estado em um dos polos da relação jurídica estabelecida, percebe-se de plano a impropriedade presente em tal nomenclatura. Contudo, ela não é de todo sem propósito, posto que a espécie guarda certa semelhança com os chamados tributos. Pois bem, sabe-se que, a teor do art. 3º do Código Tributário Nacional, “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Tributo é prestação, posto que ele se estabelece no contexto de uma relação obrigacional, onde existem um credor e um devedor. O primeiro é o Fisco e o segundo é o contribuinte. Semelhantemente, a taxa de retorno localiza-se em meio a uma relação obrigacional, onde o polo ativo é ocupado pelo banco/financeira e o polo passivo pelo consumidor. Sabe-se que relação obrigacional é aquela estabelecida entre dois sujeitos (ativo e passivo), tendo em vista um dado objeto. Sobre o tema, preleciona Silvio Rodrigues1: A ideia acima exposta constitui o próprio conceito de obrigação. É o vínculo de direito pelo qual alguém (sujeito passivo) se propõe a dar, fazer ou não fazer qualquer coisa (objeto), em favor de outrem (sujeito ativo). Essa noção já se encontra, de resto, no conceito romano de obrigação. Ora, a taxa de retorno nada mais é do que uma obrigação de dar, resumindose esta última na tradição (entrega) de algo ao credor da relação obrigacional. E, no presente caso, este algo nada mais é do que o valor correspondente a dita taxa. Assim como os tributos, a taxa de retorno é uma prestação pecuniária. Segundo o ensinamento de Guilherme Ribeiro, etimologicamente, o termo vem do latim pecus, que tem o significado de gado. Ora, na Roma primitiva o gado nada mais era do que um representativo de riqueza, sendo que o termo “pecunia” referia-se ao patrimônio em gado do indivíduo. Com o passar do tempo, o termo passou a se referir à riqueza em geral, vindo posteriormente a significar somente riqueza em moeda de cobre. 2 Pecuniária denota que a prestação objeto da relação obrigacional, de acordo com o ensinamento do art. 3º do CTN, é “em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir”. Pois bem, esta não é uma característica isolada dos tributos, sendo fato presente na grande maioria das transações comerciais, dentre as quais a relação em que se insere a chamada taxa de retorno. É fato notório que, no direito contratual, preconiza-se a chamada autonomia da vontade, sendo o indivíduo livre para contratar. Apenas tem-se que o objeto da relação deve ser lícito. Assim sendo, bem poderia o pagamento da taxa de retorno ser estabelecido, por exemplo, em galináceos. Contudo, até onde se sabe, isto nunca ocorreu, posto que é inúmeras vezes mais prático e econômico para os agentes financeiros a manutenção do caráter pecuniário da prestação. Até mesmo, deve-se considerar que a prestação in natura, no contexto de um financiamento de veículo 1 RODRIGUES, Silvio. Direito civil – Parte Geral das Obrigações - v. 2. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 87. 2 RIBEIRO, Guilherme. Apontamentos Sobre a História da Evolução da Língua. Disponível em: http://esjmlima.prof2000.pt/hist_evol_lingua/R_GRU-I.HTM. Acesso em 30 jul 2011. automotor, seria bizarra e inviável. No termo compulsória é que principiam as distinções entre os tributos e a taxa de retorno. Quando se diz que os tributos são de natureza compulsória, isto significa que tal prestação não depende da vontade do sujeito passivo da relação obrigacional tributária, ou seja, do contribuinte. A cobrança do tributo advém da lei, e não de um instrumento contratual. Ao contrário, a taxa de retorno nasce em um contexto claro de manifestação de vontade, posto que advém de instrumento contratual firmado por ambas as partes, quais sejam, banco/financeira e consumidor. Ora, não se está querendo dizer que, no contrato de financiamento de veículo automotor, a cobrança da taxa de retorno traduz a perfeita vontade do consumidor. Sabe-se que, na grande maioria das vezes, tal prestação vem disfarçada com outras nomenclaturas, de modo a ludibriar o incauto comprador. Caso ela viesse às claras, é bem provável que o repúdio popular à aquisição de veículo por intermédio de financiamento seria muito grande. Quando se diz que a cobrança tributária não depende da vontade do sujeito passivo, apenas se quer dizer que, na formação da lei que a estabelece, o contribuinte não exerce uma participação direta, diferentemente do que ocorre quando da formação do contrato de financiamento de veículo automotor. Tanto é verdade que, se o consumidor possuísse maiores conhecimentos técnicos, poderia repelir tal cobrança antes da assinatura do instrumento pactual. Tributo “não constitui sanção de ato ilícito” (art. 3º do CTN). Em outras palavras, a cobrança tributária não é uma penalidade instituída em decorrência da prática de um ato ilícito. Ao contrário, a obrigação tributária sempre nasce de um fato lícito previsto em lei. Semelhantemente, a taxa de retorno não é uma punição estabelecida contratualmente em desfavor do consumidor e cobrada quando do inadimplemento contratual. A sua cobrança não se insere no bojo da sanção ao pactuante descumpridor do acordo. Como frisado anteriormente, a relação obrigacional tributária implica na presença do Estado em um dos polos da relação jurídica estabelecida, sendo ela de natureza compulsória. Pois bem, de que maneira poderá o Estado constranger o contribuinte para que pague o tributo devido? Sabe-se que, a teor do art. 5º, II, da Constituição Federal, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (princípio da legalidade). Tal dispositivo constitucional concebe uma segurança para os administrados, sendo um limite à atuação da Administração Pública. No âmbito do Direito Público, dentro do qual se insere o Direito Tributário, o princípio da legalidade assume a feição de que o Estado só poderá fazer aquilo que a lei expressamente permite. Assim, o tributo só poderá ser cobrado se a exação manifestamente estiver instituída em lei, sendo também necessário que o aparato legal esteja em conformidade com a Constituição Federal e com os Princípios do Direito Tributário. Deste modo, no Direito Tributário a atuação do Estado será estritamente pautada pela lei. Em outras palavras, a cobrança do tributo se dará mediante atividade estatal plenamente vinculada à lei, não havendo discricionariedade por parte da Administração Pública. Já no âmbito do Direito Privado, onde se localiza a ciência contratual, tal princípio assume o significado de que as partes tudo podem, desde que façam somente aquilo que a lei não proíbe. Assim, a redação do contrato de financiamento de veículo automotor somente terá como limites as proibições constantes na lei. Não é necessário que a lei expressamente preveja a cobrança da taxa de retorno. Porém, tal cobrança não pode estar em desacordo com as proibições veiculadas pelo aparato legal brasileiro. As partes estão livres para pactuarem como bem quiserem, havendo assim discricionariedade. Pois bem, como visto, existe certa similitude entre a chamada taxa de retorno e os tributos. Porém, a simples semelhança não é suficiente para o enquadramento da primeira na ciência tributária. Ao estudar a taxa de retorno, devem-se visualizar a nomenclatura empregada tão somente como se tratando de uma homenagem frente às semelhanças que esta prestação guarda para com os tributos. Porém, além de semelhanças, existem diferenças que impedem a identificação de ambas como se tratando da mesma coisa. Entretanto, o estudo das espécies tributárias mostra-se um exercício saudável que pode nos ajudar numa maior compreensão da temática. 1.2 Do Imposto O art. 16 do Código Tributário Nacional define imposto como sendo um “tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. Em outras palavras, imposto é um tributo não vinculado a uma contraprestação estatal voltada ao contribuinte. Este é o fato distintivo do imposto em relação às demais espécies tributárias. O fato gerador do imposto, ou seja, a situação definida em lei e cuja ocorrência faz surgir a obrigação tributária, não guarda correlação alguma com atividade do Estado em prol do contribuinte (de acordo com o art. 16 do CTN). Não se paga imposto, por exemplo, em virtude da manutenção das rodovias federais ou em virtude do serviço de coleta de lixo domiciliar. O imposto não é um tributo de caráter retributivo, sendo unicamente um meio de captação de riquezas em prol do Estado. Na verdade, o imposto é um tributo contributivo, posto que a ênfase de sua cobrança está na capacidade contributiva do sujeito passivo da relação tributária. Cada um contribui conforme as próprias possibilidades. Quem pode mais contribui com mais. Difere assim, por exemplo, da taxa (tributo vinculado por natureza), que coloca atenção no proveito obtido pelo contribuinte em razão da atuação estatal. Quem granjeou maior benefício com a ação do Estado contribui com mais, na proporção do proveito obtido. A teor do art. 167, inciso IV, da Constituição Federal brasileira, a vinculação é vedada no âmbito dos impostos, sendo a sua receita destinada a custear despesas públicas gerais. Porém, existem algumas exceções à regra, permitindo-se a vinculação dos impostos a ações e serviços públicos de saúde, à manutenção e desenvolvimento do ensino e à realização de atividades da administração tributária. Estabelece o art. 145, § 1º, da Constituição Federal que: sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. Ora, a pessoalidade e a graduação, no âmbito dos impostos, buscam oferecer um tratamento igualitário a todos os contribuintes, posto que às vezes uma igualdade efetiva implica num tratamento desigual aos desiguais (de acordo com o ensinamento do saudoso Rui Barbosa) 3. A título de exemplo, a aplicação de uma mesma alíquota, no imposto de renda, implica num ônus distinto para duas pessoas de classes sociais diferentes. Uma alíquota de 15% sobre a renda pode comprometer todo o sustento de uma família de classe média-baixa, mas não trará maiores incômodos para uma família abastada. Segundo Fernanda Matos Badr, pessoalidade significa que, na medida do 3 BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. 5 ed. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 1999, p. 26. possível, os impostos deverão levar em conta aspectos pessoais do indivíduo. 4 Por exemplo, ainda no caso do imposto de renda, a aplicação de uma mesma alíquota a dois indivíduos com proventos iguais poderá implicar em um ônus distinto para cada qual. Uma alíquota de 15% é muito mais leve para um homem solteiro e sem filhos do que para um homem casado e com filhos. Graduação, conforme lição exposta por Robinson Sakiyama Barreirinhas, significa aplicação de alíquotas progressivas 5. Quanto maior a base de cálculo, maior será a alíquota aplicada. Logo, o imposto terá alíquotas distintas conforme a capacidade econômica do contribuinte. Deve-se frisar que o atendimento ao princípio da capacidade contributiva (exposto no art. 145, § 1º, da CF) alcança até mesmo os chamados impostos reais, ou seja, aqueles impostos que incidem sobre a propriedade ao invés de atenderem a uma característica pessoal do contribuinte (como ocorre nos chamados impostos pessoais, onde a tributação atende a um caráter sobremaneira subjetivo). Sabe-se que, no âmbito destes impostos, segundo entendimento do judiciário, é impossível a graduação de alíquotas6 (com algumas exceções à regra, posto que o ITR e o IPTU contam com previsão constitucional de progressividade, de acordo com os arts. 153, § 4º, I e 156, § 1º, I, ambos da CF). Assim, ao menos teoricamente, a aplicação do princípio da capacidade contributiva aos impostos que recaem sobre a “res” seria inviável. Contudo, a própria posse do bem, em si mesmo considerada, já revela capacidade contributiva. Em outras palavras, se alguém é possuidor de certo bem, este bem em si mesmo já demonstra a existência de capacidade contributiva por parte do sujeito passivo da relação jurídico tributária. Neste sentido está o ensinamento do professor Roque Antonio Carrazza 7: Em relação aos impostos sobre a propriedade (imposto territorial rural, imposto predial e territorial urbano, imposto sobre a propriedade de veículos automotores etc.), a capacidade contributiva revela-se com o 4 BADR, Fernanda Matos. Princípio da Capacidade Contributiva - pessoalidade e progressividade no imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/14465/principio-da-capacidade-contributiva. Acesso em 30 jul 2011. 5 BARREIRINHAS, Robinson Sakiyama. Como se Preparar Para o Exame de Ordem - Tributário. 6. ed. São Paulo: Editora Método, 2009, p. 21. 6 BARREIRINHAS, Robinson Sakiyama. Como se Preparar Para o Exame de Ordem - Tributário. 6. ed. São Paulo: Editora Método, 2009, p. 21. 7 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 100. próprio bem, porque a riqueza não advém apenas da moeda corrente, mas do patrimônio, como um todo considerado. Se uma pessoa tem, por exemplo, um apartamento que vale um milhão de dólares, ela tem capacidade contributiva, ainda que nada mais possua. Apenas sua capacidade contributiva está imobilizada. A qualquer tempo, porém, esta pessoa poderá transformar em dinheiro aquele bem de raiz. Todos haverão de concordar comigo que não tem sentido dizer que alguém que ganhou de presente um automóvel da marca Mercedes-Benz, modelo do ano, tem que pagar menos IPVA porque é pobre. Não. Se esta pessoa não tem como pagar o IPVA incidente sobre seu veículo de luxo, deve, na pior das hipóteses, vendê-lo. Nunca, porém, ser dispensada do pagamento do IPVA, por falta de capacidade contributiva. Até porque capacidade contributiva ela tem, já que, como disse, a capacidade contributiva se revela no patrimônio como um todo considerado, e não apenas por meio do exame da conta bancária. Conheci pessoa que, por herança de família, tinha valioso quadro de pintor flamengo do século XVII. Um dia, ela vendeu seu quadro e, com o dinheiro apurado, comprou belíssimo apartamento. Essa pessoa, que, tirante o quadro, poderia ser considerada pobre, tinha - graças ao mesmo quadro - capacidade contributiva. Tanto tinha que, transformando o quadro em moeda corrente, adquiriu um imóvel luxuoso. Por fim, a competência para a instituição de impostos foi repartida entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (art. 145, I, da CF), sendo ela privativa. Ora, tem-se que a lista de impostos federais, estaduais e municipais é taxativa (ou, em outras palavras, numerus clausus, não sendo possível a criação de novos impostos além daqueles já previstos pelo legislador constituinte). 1.3 Da Contribuição de Melhoria Contribuição de melhoria é o tributo que tem como foco a cobrança em virtude da valorização imobiliária sobrevinda da realização de uma obra pública, sendo a competência para a sua instituição pertencente ao ente federativo que a tenha concretizado (art. 81, do CTN). Esta cobrança tem como finalidade ressarcir o ente público pelos gastos quando da realização da obra em questão, posto que os proprietários dos imóveis lindeiros granjearam certo proveito com ela. O fato gerador da contribuição de melhoria é a valorização imobiliária experimentada em decorrência da realização de obra pública, a teor do que expõe o art. 81 do CTN. Verificando-se o aumento do preço do imóvel adjacente, tem-se a ocorrência do fato gerador. Contudo, se a obra pública não resultar num acréscimo do valor pecuniário do imóvel ou, até mesmo, se ela implicar numa desvalorização do mesmo, tem-se por não ocorrido o fato gerador da contribuição de melhoria, o que desautoriza a sua cobrança. Ressalte-se que, em caso de depreciação, caberá ao Estado oferecer uma indenização ao proprietário do imóvel. Quanto à base de cálculo deste tributo, ela é encontrada através da subtração do valor do imóvel antes da obra do valor do imóvel depois da obra. Em outras palavras, a base de cálculo da contribuição de melhoria é a quantia correspondente ao aumento do preço do imóvel. Sabe-se que esta espécie tributária possui dois limites bem definidos, quais sejam, o limite total e o limite individual (art. 81, do CTN). Em termos totais, a arrecadação não pode ultrapassar o custo de realização da obra. Já individualmente, não pode ser cobrado do indivíduo uma quantia que ultrapasse a valorização real experimentada pelo imóvel deste. Para que a cobrança da contribuição de melhoria seja possível, é necessário que a lei que a instituir publique previamente (art. 82 do CTN c/c art. 5º do Decreto Lei n. 195/67) o memorial descritivo do projeto, o orçamento do custo da obra, a determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição, a delimitação da zona beneficiada e a determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma das áreas diferenciadas nela contidas. Tanta publicidade procura proteger o contribuinte, garantindo-lhe o direito de impugnar obras superfaturadas. A contribuição de melhoria difere da taxa. Ambas se tratam de tributos vinculados, porém esta última se vincula aos chamados serviços públicos, enquanto que a primeira está vinculada à realização de uma obra pública. E, justamente por se tratar de um tributo vinculado, a contribuição de melhoria difere também do imposto. 1.4 Das Contribuições Sociais Contribuição Social é um tributo de competência privativa da União (art. 149, da CF), mas que, excepcionalmente, também pode ser exigido pelos demais entes políticos. A teor do art. 149, § 1º, da Constituição Federal, os Estados, o DF e os Municípios só podem exigir a Contribuição Social de seus próprios servidores públicos, a fim de custear o regime previdenciário deles. Esta espécie tributária tem como intuito fundamental o financiamento da seguridade social. Pois bem, a teor do art. 194, caput, da Constituição Federal, esta última sustenta-se em três bases distintas, quais sejam, a saúde, a previdência e a assistência social. Cabe ressaltar que, de acordo com o art. 195 da Carta Magna, também financiam a seguridade social recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Assim, praticamente toda a sociedade, de forma direta (através do pagamento das chamadas Contribuições Sociais) ou indireta (através de recursos provenientes dos orçamentos dos entes públicos), financia a seguridade social. Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, as contribuições sociais dividem-se em contribuições sociais gerais, em contribuições de seguridade social e em contribuições residuais. As Contribuições Sociais gerais são compostas fundamentalmente pela contribuição ao salário-educação, veiculada pelo art. 212, §5º, da Constituição Federal, e pelas contribuições ao sistema S. Estas reservam-se às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical (art. 240, da CF), tais como o SESC e o SESI, enquanto que aquelas destinam-se a financiar a educação básica pública. As contribuições de seguridade social, também conhecidas como Contribuições Sociais Previdenciárias, objetivam financiar a previdência social. Elas possuem quatro fontes básicas de custeio, quais sejam, os empregadores, as receitas de loteria, os trabalhadores, e as importações de bens ou serviços (art. 195, da CF). Quanto aos empregadores, a sua contribuição incide sobre a folha de pagamentos, sobre a receita ou faturamento e sobre o lucro líquido (art. 195, I, a’, b’ e c’ da CF). Quanto às contribuições residuais, elas referem-se às outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social a que faz menção o art. 195, § 4º, da Constituição Federal. Podem ser instituídas por lei complementar, desde que observem a não cumulatividade e desde que não utilizem fato gerador ou base de cálculo de imposto previsto na Carta Magna. As Contribuições Sociais submetem-se à noventena, ou seja, elas só podem ser exigidas noventa dias depois da publicação da lei que as instituir ou modificar. Contudo, elas não observam o princípio da anterioridade, podendo ser cobradas no mesmo exercício financeiro em que for publicada a lei retrocitada (art. 195, § 6º, da CF). Por fim, ressalte-se que a imunidade, com relação às Contribuições Sociais, abrange as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei (art. 195, § 7º, da CF) e as receitas decorrentes de exportação (art. 149, § 2º, I, da CF). 1.5 Do Empréstimo Compulsório De acordo com o art. 148 da Constituição Federal: A União, mediante lei complementar, poderá instituir Empréstimo Compulsório para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência e no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional. Ora, o empréstimo compulsório é uma espécie de tributo cuja competência é privativa da União. Ele é instituído mediante lei complementar em dois possíveis casos, quais sejam, no caso de despesas extraordinárias advindas de situações repentinas que demandem ação estatal imediata (calamidade pública e guerra externa ou sua iminência) e no caso de necessidade imperiosa e imediata de investimentos cujo interesse seja proeminentemente de toda a nação. Frise-se, porém, que as situações autorizativas da instituição do empréstimo compulsório não correspondem ao fato gerador do mesmo. Como a própria nomenclatura empregada indica, tratam-se apenas de situações autorizativas, sendo que o fato gerador estará contido na lei que instituir a cobrança desta está espécie tributária. A arrecadação do empréstimo compulsório está vinculada à situação autorizativa que baseou a sua criação. Deste modo, no caso de um empréstimo compulsório instituído em decorrência de calamidade pública, quando do fim desta ter se-á o fim da cobrança desta espécie tributária. Esta vinculação implica também no fato de que os valores arrecadados a título de empréstimo compulsório devem obrigatoriamente ser empregados na situação que fundamentou a sua cobrança. Caso contrário, tem-se a chamada tredestinação ou desvio de finalidade, o que é terminantemente proibido (art. 148, parágrafo único, da CF), configurando malversação do dinheiro público. No empréstimo compulsório coexistem dois deveres que se realizam ao mesmo tempo, quais sejam, o dever de pagar, pertencente ao contribuinte, e o dever de restituição do valor pago, pertencente ao Fisco. Observe-se que este direito à restituição entra no rol dos chamados direitos adquiridos (art. 5º, XXXVI, da CF), não podendo ser suprimido após o recolhimento da espécie tributária. E é justamente esta restituibilidade que distingue o empréstimo compulsório dos demais tributos. Pois é justamente em respeito à restituibilidade que o art. 15, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, estabelece que a lei deverá fixar, obrigatoriamente, o prazo do empréstimo e as condições de seu resgate. Trata-se de uma garantia oferecida ao contribuinte, posto que assim o Estado não poderá maliciosamente postergar ad infinitum a restituição das quantias recolhidas. Por último, ressalta-se que o inciso III do art. 15 do CTN não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Assim, conjuntura que exija a absorção temporária de poder aquisitivo não constitui hipótese autorizativa para a instituição de empréstimo compulsório. 1.6 Das Taxas 1.6.1 Conceito e fato gerador A teor do art. 145, II, da Constituição Federal, os entes públicos poderão instituir “taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”. Pois bem, taxa é um tributo vinculado ao exercício do poder de polícia pelo Estado ou a um serviço público específico e divisível prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição. Estas situações correspondem aos fatos geradores da espécie tributária em tela. Importante ressaltar que o fato gerador, no universo das taxas, refere-se sempre à atuação estatal e nunca à atividade do particular. Não se exige taxa, por exemplo, em razão de serviço prestado por empresa privada. A ideia principal aqui é a remuneração do ente estatal em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. O ente estatal pratica certa atividade dentro de seu âmbito de competência constitucionalmente estabelecido (sem o que se impossibilita a cobrança desta espécie tributária) em prol do contribuinte. Assim, deve o sujeito passivo oferecer uma contraprestação em razão do serviço público prestado, pelo que se afirma que a taxa é um tributo contraprestacional, ou, em outras palavras, uma espécie tributária de obrigações correspondentes. Quanto à competência para a instituição das taxas, ensina o estimado professor Roberto Luiz Ribeiro 8: Cabe observar que as taxas são espécies de tributos de competência de 8 RIBEIRO, Roberto Luiz. Direito tributário brasileiro: Parte geral. 2. ed. Goiânia: Kelps, 2008, p. 69. todos os entes federados - União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios -, cada qual na sua competência. Por exemplo:quando nos dirigimos à sede da Polícia Federal e lá damos entrada no procedimento de expedição do passaporte, nos é cobrado um valor o qual é classificado como taxa e neste caso, federal; quando solicitamos a expedição da segunda via da nossa carteira de identidade, do registro geral de identificação, normalmente de competência das Secretarias de Segurança Pública Estaduais, pagamos um valor que também é uma taxa, e desta feita estadual; ao solicitarmos a, comumente chamada, “licença na prefeitura”, uma autorização expedida pelo executivo municipal dando permissibilidade de funcionamento a um estabelecimento comercial, por exemplo, pagamos um valor e esse valor é uma taxa, no caso em questão, municipal, ou ainda, nesta esfera, o também comumente conhecido, “habite-se”, originado no poder de polícia do Estado, pois se trata de uma atividade municipal de verificação e se constitui em uma declaração de habitualidade ou de uso de uma edificação (construção) nova, expedida pelo município, que por isso cobra uma taxa, municipal, é claro. Todas citadas neste parágrafo são em função do poder de polícia. Assim, a taxa é um tributo de competência comum, podendo ser instituída por todos os entes públicos, dentro da respectiva área de competência de atuação de cada qual. Poder de polícia administrativa, de acordo com a lição exposta no art. 78 do Código Tributário Nacional, é o poder de fiscalização do correto seguimento dos referenciais comportamentais impostos a cada indivíduo em benefício da sociedade em geral. Como exemplo, tem-se a fiscalização dos padrões higiênicos (estabelecidos em lei) de estabelecimentos de saúde. Quanto ao serviço público que motiva a cobrança de taxa, tem-se que ele deverá ser específico e divisível. Serviço público é a atividade por intermédio da qual o Estado busca satisfazer certas necessidades da coletividade. Ele será específico quando for possível se determinar individualmente quem é beneficiário da ação estatal. E ele será divisível quando for possível a quantificação do proveito de cada indivíduo com a ação estatal. Caso o serviço seja prestado a toda a coletividade indistintamente ou caso não seja praticável a mensuração do serviço prestado ao cidadão, não será possível a cobrança de taxa. Como visto anteriormente, a utilização do serviço público poderá ser efetiva ou potencial. Serviço de utilização efetiva é aquele que se verifica somente quando da eficaz utilização por parte do indivíduo. Ao contrário, serviço de utilização potencial é aquele que, sendo de utilização obrigatória, se verifica ainda que não utilizado efetivamente pelo cidadão, tendo sido posto à sua disposição. 1.6.2 Taxa, preço público e tarifa Como visto, taxa é tributo cobrado em razão do “exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”. Ela tem a função primordial de remunerar serviços públicos específicos e divisíveis, se assemelhando assim com o chamado preço público. Ocorre que este último não é tributo, e os serviços remunerados por ele são de utilização facultativa. Logo, a distinção entre ambos está na facultatividade de utilização do serviço público. Se houver, tratar-se-á de preço público. Caso contrário, será taxa. Neste sentido está a súmula 545 do STF: Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e tem sua cobrança condicionada a prévia autorização orçamentária, em relação a lei que as instituiu. Como exemplo, o serviço de coleta de esgoto. Visando a manutenção da saúde pública, a sua utilização é obrigatória, não cabendo ao indivíduo o benefício da escolha. Do contribuinte é cobrada a taxa correspondente ao serviço público de coleta de esgoto, mesmo que ele não o tenha usado efetivamente. No caso em questão, a utilização foi potencial, posto que o serviço, devido à sua essencialidade, foi posto à disposição do cidadão. Ora, e como aqui se tem um serviço de utilização obrigatória, exige-se que a taxa correspondente seja veiculada por lei, em obediência ao princípio tributário da legalidade. Já quanto ao serviço de cópia de peças processuais, prestado em cartórios judiciais, tem-se a facultatividade de sua utilização. O indivíduo pode muito bem optar por tirar as cópias em outro lugar e, assim, não se valer do serviço oferecido. Trata-se de um serviço estatal prestado em regime de direito privado, cuja utilização é absolutamente facultativa (não sendo essencial ao interesse público). É importante não confundir serviço de utilização absolutamente facultativa com serviço de utilização relativamente facultativa. No primeiro, o indivíduo poderá se valer do serviço posto à sua disposição pelo Estado ou utilizar o serviço oferecido pela iniciativa privada. Já no segundo, o serviço só é prestado pelo ente estatal, mas o indivíduo não é obrigado a se valer dele. Como exemplo, temos o serviço de expedição de passaportes. Sabe-se que na emissão de passaportes tem-se presente a exclusividade estatal, não sendo o serviço também oferecido pela iniciativa privada. Porém, o cidadão pode muito bem decidir por não viajar e, assim, não se valer de tal serviço. 9 Por fim, ter-se-á a tarifa quando o serviço for prestado por uma empresa concessionária de serviço público. Frise-se, contudo, que há divergência doutrinária a este respeito. Assim, haverá tarifa, por exemplo, no caso de uma concessionária prestando o serviço público de abastecimento de água. Como não é o ente estatal que está prestando o serviço público, não há sujeição aos princípios tributários. 2 DO FINANCIAMENTO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES O financiamento de veículo automotor é basicamente uma operação financeira onde tem-se a entrega de recursos, por parte do agente financiador, à parte financiada. A finalidade é a realização de determinado investimento, sendo que este estará previsto no contrato de financiamento. No caso em tela, o investimento corresponde à aquisição de veículo automotor. Não se trata de simples empréstimo, posto que o destino dos recursos fornecidos pelo agente financeiro está adstrito ao previsto no instrumento pactual. Em troca, a instituição financeira poderá cobrar juros sobre o valor repassado ao indivíduo que obteve o financiamento. Tem-se que o financiamento de veículos é uma facilidade oferecida por bancos e instituições financeiras às pessoas que almejam adquirir um veículo automotor, posto que, devido ao alto valor destes últimos, a realização de tal compra à vista é geralmente inviável. No entanto, sabe-se que muitas vezes esta forma de aquisição acaba por ser mais onerosa ao consumidor. Isto porque, além de juros abusivos, é comum a inclusão de algumas taxas ilegais, geralmente nomeadas como serviços de terceiros, nos contratos de financiamento. Dentre essas taxas ilegais, tem-se como as mais frequentes a taxa de emissão de boleto, a taxa de retorno, a taxa de liquidação antecipada e a taxa de abertura de crédito (TAC). A ilegalidade, nos casos retrocitados, é notadamente reconhecida pelo Banco Central e pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A taxa de emissão de boletos, como o próprio nome indica, nada mais é do que a cobrança, feita pelas financeiras, em virtude da emissão de boleto bancário ao comprador. No caso específico de financiamento de veículos, o seu valor tem variado de R$ 1,50 a R$ 5,00 por boleto emitido. A taxa de retorno, objeto do presente artigo, é a comissão repassada pelos 9 BARREIRINHAS, Robinson Sakiyama. Como se Preparar Para o Exame de Ordem - Tributário. 6. ed. São Paulo: Editora Método, 2009, p. 25. bancos/financeiras aos vendedores de carros (concessionárias) como prêmio pela venda realizada em que se deu a assinatura de um contrato de financiamento. Acontece que esta quantia advém dos próprios consumidores, sendo ela embutida no valor total do financiamento e aparecendo nos contratos com o nome de serviço de terceiros. A taxa de liquidação antecipada é cobrada quando da antecipada quitação total do débito feita pelo comprador, antes do prazo estabelecido no contrato de financiamento. Isto termina por fazer com que a instituição financeira não receba os juros contratados, configurando por ela quebra de contrato. Acontece que a antecipada quitação do débito é um direito garantido pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo ilegal a cobrança de tal taxa. Quanto à taxa de abertura de crédito (TAC), o seu pagamento se dá em razão da concessão do crédito pela instituição financeira, sendo suportada pelo indivíduo que toma um crédito naquela instituição financeira pela primeira vez. Ela está proibida desde 2008 por regulamentação própria do Conselho Monetário Nacional. A repulsa em relação à cobrança dessas taxas abusivas só é possível àquela pessoa que possua maiores conhecimentos técnicos sobre o assunto. Dificilmente um leigo logrará reconhecer tais abusos quando da leitura do instrumento contratual relativo ao financiamento de veículo automotor. E, devido a isto, os bancos/financeiras continuam a praticar tal disparate contra os consumidores, posto que, em relação ao número de pessoas que se valem de financiamento, poucas serão as que, reconhecendo as ilegalidades presentes, buscarão a tutela judicial em prol da revisão do contrato de financiamento. Assim, o custo/benefício da ação ilegal perpetrada pelos bancos/financeiras é um estimulo à prática. 3 DA TAXA DE RETORNO NO FINANCIAMENTO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES 3.1 Conceituação Como explicitado anteriormente, a taxa de retorno consiste em uma gratificação que os bancos/financeiras repassam às revendas de automóveis em virtude da assinatura de contrato de financiamento de veículo. Em outras palavras, é um prêmio à concessionária por ter indicado aquela instituição financeira específica para a realização do financiamento do veículo que se está por adquirir. Acontece que tal gratificação provém do bolso do próprio consumidor. A taxa de retorno costuma aparecer nos contratos de financiamento camufladamente com o nome de serviços de terceiros e o seu valor pode atingir estratosféricos 10%. Estando a cobrança escondida em meio às parcelas do financiamento, o consumidor nem chega a se aperceber da cobrança. 3.2 Taxa ou Tarifa Bancária Como visto no início deste artigo, é impróprio o emprego do termo taxa para a presente cobrança. Em primeiro lugar, isto se deve ao fato de que taxa é uma espécie tributária, o que implica na presença do Estado em um dos polos da relação estabelecida. Ocorre que, no caso em tela, tem-se a presença do agente financiador e do financiado, mas não do ente estatal. Ora, a taxa de retorno não se sujeita aos princípios gerais tributários. Diferentemente das espécies tributárias, ela não se submete ao princípio da legalidade, sendo a sua cobrança instituída em contrato e não em lei. Logo, ela se localiza na esfera do Direito Privado e não do Direito Público. Assim como os tributos, a taxa de retorno trata-se de uma prestação, posto que se estabelece no contexto de uma relação obrigacional onde existem um credor e um devedor. Também, esta prestação é pecuniária (já que ela é em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir), não constituindo sanção de ato ilícito. Acontece que a taxa de retorno, diferentemente dos tributos, não é compulsória. Também, ela não é instituída em lei, mas em instrumento contratual. O nome taxa de retorno, como visto, não corresponde a uma propriedade técnica. Trata-se apenas de uma homenagem aos tributos frente às semelhanças que a presente cobrança mantém para com aqueles. Ela se deve, em grande parte, à natureza contraprestacional da cobrança em tela (que fica evidente sob a nomenclatura serviços de terceiros), o que de pronto nos faz pensar nas taxas. Acontece que nem toda cobrança de natureza contraprestacional pode ser identificada como taxa. Pois bem, a chamada taxa de retorno não corresponde realmente a uma taxa propriamente dita. Seria ela então uma tarifa bancária? Ao que parece, tal denominação também não é adequada. Como visto anteriormente, tem-se a tarifa quando da prestação de um serviço público por uma empresa concessionária. Neste sentido, a definição de Cretella Junior 10: “Tarifa é a quantia em dinheiro que os usuários são obrigados a pagar 10 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário acadêmico de direito. 5. ed. São Paulo: Método, 2008, p. 454. à empresa concessionária quando se utilizam de serviço público”. Como no caso em questão não há a prestação de um serviço público por uma empresa concessionária, vê-se inapropriado chamar de tarifa a taxa de retorno. Talvez fosse mais adequado a utilização da palavra preço, no sentido de preço cobrado em virtude do serviço realizado. Assim, o instituto em discussão passaria a se chamar preço de retorno. 3.3 Da Ilegalidade da Cobrança Ora, a cobrança da taxa de retorno em si mesmo considerada não é ilegal. As partes são livres para convencionarem como bem entenderem (segundo o primado da liberdade contratual). O que não se admite é a ocultação do preço bancário ora discutido em meio ao contrato de financiamento de maneira a ludibriar a pessoa que toma o financiamento. Pois bem, a teor do art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária adentram na esfera consumerista. Assim, a pessoa que obtém um financiamento nada mais é do que um consumidor, consequentemente desfrutando da proteção concedida pela legislação consumerista. Eis que o art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor, preceitua que é direito do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”. Ora, ante à vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor, a informação adequada sobre produtos e serviços é fundamental para que se estabeleça uma relação mais igual entre ambos. E, dentre estas informações requeridas, está também abrangida a informação acerca do preço do produto ou serviço. Assim, é direito da pessoa que obtém o financiamento receber informações detalhadas e claras acerca de todas as cobranças que serão acrescidas ao valor das parcelas pagas. O direito à informação tem por fim conceder ao consumidor outro direito, qual seja, o de livre escolha. Neste mesma toada, o Banco Central estabeleceu (através da Resolução n. 3517/2007) que as instituições financeiras devem previamente informar o cliente acerca do custo total da operação, expresso na forma de taxa percentual anual. Este custo total da operação recebe o nome de Custo Efetivo Total (CET). Assim, todos os valores acrescidos às parcelas do financiamento contratado serão previamente detalhados, dando ao contratante a ciência de tudo o que está sendo pago (art. 1º da Resolução n. 3517/2007 do BACEN). Ademais, o Decreto n. 5.903, de 20 de setembro de 2006, que dispõe sobre as práticas infracionais que atentam contra o direito básico do consumidor de obter informação adequada e clara sobre produtos e serviços, estabelece em seu art. 3º que é dever da financeira discriminar “o valor total a ser pago com financiamento, o número, periodicidade e valor das prestações, os juros e os eventuais acréscimos e encargos que incidirem sobre o valor do financiamento”. Assim, conclui-se que o consumidor tem o direito à total informação acerca do financiamento que se está por pactuar, de tal forma que até mesmo um leigo possa entender as suas particularidades. Caso contrário, tem-se uma ilegalidade por ofensa ao direito à informação, pertencente ao consumidor e exigido na totalidade das relações de consumo. CONCLUSÃO Tem-se por conclusão que a taxa de retorno não é, realmente, uma taxa. Aliás, nem mesmo se trata de tarifa, mas tão somente de preço bancário. Também, este preço, em si mesmo considerado, não é ilegal. Ora, a lei não proíbe a entrega de comissão às concessionárias pela indicação do banco/financeira quando da venda de veículo automotor. Até mesmo, esta atitude é de se esperar. O que realmente é proibido é o repasse camuflado deste preço ao consumidor. A inclusão disfarçada deste preço no contrato de financiamento de veículo automotor configura-se como flagrante ofensa ao direito de informação pertencente ao consumidor (art. 6º, III, do CDC). Também viola o art. 1º da Resolução n. 3517/2007 do BACEN e o art. 3º do Decreto n. 5.903/2006, que exigem a discriminação, ao consumidor, de todos os valores acrescidos às parcelas do financiamento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário acadêmico de direito. 5. ed. São Paulo: Método, 2008. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. RIBEIRO, Roberto Luiz. Direito tributário brasileiro: Parte geral. 2. ed. Goiânia: Kelps, 2008. RODRIGUES, Silvio. Direito civil – Parte geral das obrigações. 30 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. SIQUEIRA, Rogério Fontes. Taxas ilegais cobradas em financiamento de veículo. Disponível em: http://www.artigonal.com/doutrina-artigos/taxas-ilegais-cobradas-emfinanciamento-de-veiculo-4772172.html. Acesso em: 30 jul 2011. ULBRICH, Giselle. Taxas abusivas em financiamento de veículos. Disponível em: http://www.paranaonline.com.br/canal/automoveis/news/303979/?noticia=TAXAS+ABUSIVAS+EM+FI NANCIAMENTO+DE+VEICULOS. Acesso em 30 jul 2011. RIBEIRO, Guilherme. Apontamentos Sobre a História da Evolução da Língua. Disponível em: http://esjmlima.prof2000.pt/hist_evol_lingua/R_GRU-I.HTM. Acesso em 30 jul 2011.