Deivson Wendell

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO CUIDADOS CLÍNICOS EM
ENFERMAGEM E SAÚDE
DEIVSON WENDELL DA COSTA LIMA
A ESCUTA NO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM AO
SOFRIMENTO PSÍQUICO: DISCURSOS E RUPTURAS
FORTALEZA
2012
DEIVSON WENDELL DA COSTA LIMA
A ESCUTA NO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM AO SOFRIMENTO
PSÍQUICO: DISCURSOS E RUPTURAS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação Cuidados Clínicos em
Enfermagem e Saúde (PPCCLIS), do
Centro de Ciências da Saúde da
Universidade Estadual do Ceará, como
requisito parcial para obtenção do título
de Mestre .
Área de Concentração: Cuidados Clínicos
em Enfermagem e Saúde.
Orientadora:
Silveira
FORTALEZA
2012
Prof.ª
Dr.ª
Lia
Carneiro
DEIVSON WENDELL DA COSTA LIMA
A ESCUTA NO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM AO SOFRIMENTO
PSÍQUICO: DISCURSOS E RUPTURAS
Dissertação submetida ao Programa de
Pós-graduação Cuidados Clínicos em
Enfermagem e Saúde (PPCCLIS), do
Centro de Ciências da Saúde da
Universidade Estadual do Ceará, como
requisito parcial para obtenção do Título
de Mestre .
Área de Concentração: Cuidados Clínicos
em Enfermagem e Saúde.
Data da Defesa: ___/___/____
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________
Profª. Drª. Karla Corrêa Lima Miranda (1º Membro efetivo)
Professor Assistente da Universidade Estadual do Ceará
_____________________________________________________________
Profº Dr. Antonio Marcos Tosoli Gomes (2º Membro efetivo)
Professor Titular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
_____________________________________________________________
Profª. Drª. Maria Rocineide Ferreira da Silva (Suplente)
Professor Adjunto da Universidade Estadual do Ceará
_____________________________________________________________
Profª. Drª. Lia Carneiro Silveira (Orientadora)
Professor Assistente da Universidade Estadual do Ceará
FORTALEZA
2012
Ao meu avô Aluizio Marques (In memoriam),
exemplo de homem, pai e avô.
DEDICO
AGRADECIMENTOS
Esse momento dos agradecimentos me convidou falar daquelas pessoas que
fizeram parte das tramas da minha história durante o mestrado. Foram com essas
pessoas que vivenciei angústias e alegrias; que encontrei novas discussões teóricas
e diversidades de contextos; que construi e fortaleci laços. Nesse instante, abro
espaço para os agradecimentos representados por algumas palavras de afeto e
reconhecimento, acreditando que sempre ao falar algo sobre alguém, nem tudo será
dito, algo poderá faltar no dizer. Nas palavras de Freud, o que é dito e não-dito tem
algum sentido na nossa vida, que nos configura como sujeitos.
Á Deus, que esteve sempre comigo nas conquistas, nos desestímulos, nas alegrias,
nos cansaços, nas dores. Obrigado por fortalecer minha fé e dar sabedoria durante
tuas provações que foram conduzidas pela sua vontade. “Tu és fiel Senhor! Dia após
dia com bênçãos sem fim...”
Á vóvó Mocinha, um exemplo de mulher e mãe. Digo sempre que ela tem mais
saúde do que muita gente. Sempre cuidadosa com sua família, casa e flores.
Pretendo sempre está por perto recebendo seus abraços que me confortam e suas
palavras que me alegram.
Á minha mãe Rosilene, uma grande guerreira da vida que sempre me apoiou nas
minhas escolhas e me incentivou a lutar e ultrapassar obstáculos. Ofereço a minha
sincera gratidão pela compreensão dos meus atos, pelas ajudas quando as vezes
nem podia fazer, pelos conselhos de cuidado e carinho.
Ao meu pai Rogério, um homem trabalhador e conquistador. Hoje acredita que o
estudo pode nos fazer crescer profissionalmente. Fico feliz em ter provocado essa
mudança. Seus abraços e suas bênçãos me confortavam em cada viagem.
Ao meu irmão Dennis, um dos que me incentiva sempre a viver. Admiro sua
perseverança nos estudos e acredito que você atingirá seus objetivos. Obrigado pela
força e pelas palavras chatas e sábias que, de certa forma, são também afetivas.
Ao meu primo Djalma, que me ajudou em algumas das minhas idas e vindas a
Fortaleza e que compartilhou momentos de alegria e aflição.
Á minha orientadora e mestre Lia Silveira. Aprendi com suas orientações que
necessito aprender mais e que preciso lidar sempre com a falta. Compreendi
também que precisamos, no exercício de cada dia, responsabilizar por nossos atos
e ter a consciência que as nossas ações nos identificam, nos involucram. Estes
invólucros não nos enrijecem, são absolutamente temporários, não enraizados, não
territorializados. São rizomáticos e por isso nos permitem ser sempre diferentes e
até melhores com o passar do tempo. Agradeço a você que tem compromisso com o
Outro, que desvencilha do "Suposto Poder", que fez e faz diferença na minha vida.
À Alcivan Nunes, meu ex-professor e hoje um grande amigo. Posso afirmar que foi
um co-orientador deste estudo que dedicou tempo e companheirismo na leitura dos
capítulos, trazendo suas observações valorosas. Agradeço o incentivo para eu fazer
esse mestrado, a confiança no meu potencial e a escuta das minhas inquietações.
Aos docentes do PPCCLIS, devo o mais sincero reconhecimento, respeito e
consideração. Proporcionaram novos encontros, novas experiências e os sabores do
“devir-ser-professor”.
Aos docentes Ana Ruth Monteiro, Violante Braga, Marcos Gomes, Karla Miranda e
Maria Rocineide pelo aceite de participarem da banca e pelas ricas contribuições
teóricas.
A 7ª turma do mestrado do PPCCLIS, obrigado pelas discussões regadas de
sorrisos, abraços, choros e amizade. Foi a diversidade de histórias de vida que nos
nomeou “The best of Word”. Não poderia ser diferente porque missão dada, é
missão cumprida! Agradeço em especial Juce Ally, Bruna Camarotti e Suzane
Tavares. Vocês foram minhas melhores companhias. Juntos superamos algumas de
nossas dificuldades, compartilhamos saberes e vivências, sempre com muita
emoção e acreditando que ia dar certo. Obrigado pelos encontros nas construções
de trabalho, nos lanches, nos eventos sociais e culturais. Essa galera da saúde
mental me mata de orgulho!
A Juce Ally, amiga e companheira de longas datas. Estamos juntos concluindo mais
um etapa de nossas vidas. Vivenciamos momentos de risadas, choros, discussões e
sofrimento. Obrigado pela preocupação, confiança, cuidado e carinho de sempre. És
uma amiga e irmã do coração!
A Bruna Camarotti, esse mestrado sem você não seria o mesmo. Como foi bom está
ao seu lado durante as aulas, os trajetos para orientação e as infindáveis conversas
no facebook. Estarei sempre bem próximo de você e pode ter certeza que não te
esquecerei.
A Rúbia Mara, amiga que admiro pela sua batalha diária. Tem um jeito simples de
viver que cativa e implica. Obrigado pelo apoio e compreensão. É uma amizade para
toda vida.
A Camila Carrilho e Kisia Melo, pela gentileza de terem se prontificado em me
ajudar. Kisia e Sâmara Fontes, obrigado por entender minhas inquietações e dedicar
palavras de força e de carinho.
Ao LACSU - Clínica do Sujeito: saber, saúde e laço social e ao Fórum do Campo
Lacaniano, que nos encontros vivenciados contribuiram com minhas aproximações
com a psicanálise.
A FAEN/UERN, através dos discentes, dos docentes e do pessoal técnicoadministrativo; espaço de construções, criatividade e implicações. Agradeço a todos
docentes que, em alguns momentos, compreenderam minhas ausências e
compartilharam valiosos momentos de aprendizado. E aos discentes por
acreditarem junto comigo que a escuta é possível de ser conduzida nos serviços de
saúde.
A Universidade Potiguar, através dos discentes e dos docentes pelos inúmeros
encontros, e-mails e discussões sobre as disciplinas. Foram, cada um a seu modo,
parceiros inenarráveis.
Essa dissertação representa um desejo de colocar no papel algo que acredito e que
é possível. As pouquíssimas leituras sobre psicanálise me faz inacabado, me faz
crer que não existe algo pronto, somente aberturas e nenhuma saída. Posso dizer
que esses agradecimentos nunca serão encerrados, como diz Freud (1900/1996),
no inconsciente nada pode ser encerrado, nada é passado ou está esquecido.
"Fazemos o que podemos. Cada um, de um jeito
diferente, aprende a nadar se jogando na água! Neste
ensino lá não temos um bom ponto de entrada, não
podemos dizer: comecem pelo começo, peguem os
primeiros textos e vocês irão até o fim! Primeiro porque
precisaria de muitos anos para lê-los todos; em seguida,
porque eles não são forçadamente mais fáceis que os
seguintes. Algumas vezes é o contrário; isto que vem
após clareia os primeiros. Então entramos como
podemos, pela porta que encontramos, no momento onde
a encontramos; com a sensação de que às vezes
estamos perdidos. Afinal de contas, eu entrei no ensino
de Lacan com o sentimento que eu não compreendia
nada! Passo a passo, eu acredito que acabei por me
orientar..." (Colette Soler)
RESUMO
INTRODUÇÃO: Na atual política de saúde mental tem ganhado força e ênfase o
conceito de escuta enquanto ferramenta para a fundamentação das práticas
desenvolvidas no âmbito dos serviços de saúde. Entretanto, percebe-se que, tanto
nestas práticas como na produção científica da área, existem várias formas de
conceber e desenvolver a escuta conforme os diversos referenciais teóricos
adotados. Evidencia-se, portanto, o seguinte paradoxo: de um lado o lugar axial que
a escuta ocupa, ou deveria ocupar, na elaboração de qualquer estratégia de
intervenção em saúde mental. Do outro, a pouca delimitação deste conceito e o risco
de banalizarmos seu potencial, deixando-a reduzir-se a uma simples repetição de
um discurso estéril. OBJETIVOS: Partindo da problemática deste estudo, tivemos
como objetivo geral analisar os discursos dos enfermeiros sobre a escuta na
produção do cuidado clínico em saúde mental. Como objetivos específicos
procuramos conhecer as formações discursivas dos enfermeiros acerca da escuta
em saúde mental; identificar qual a formação ideológica que sustenta essas
formações discursivas; discutir os pontos de ruptura dessas formações discursivas
em sua relação com as práticas de cuidado desenvolvidas por estes enfermeiros.
METODOLOGIA: Trata-se de uma pesquisa de caráter descritivo com abordagem
qualitativa realizada com nove enfermeiros inseridos nos serviços de saúde mental
do município de Mossoró/RN. Sob a égide da Resolução 196/96, submetemos esta
pesquisa ao Comitê de Ética da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte –
UERN, que foi aprovada com o parecer nº 60577. Adotamos como referencial
teórico-metodológico a Análise do Discurso na perspectiva da corrente francesa,
representada por Pechêux. Realizamos a entrevista semi-estruturada para produção
dos dados e os seguintes etapas do processo de análise dos discursos: passagem
da superfície linguística para o objeto discursivo; passagem do objeto discursivo
para o processo discursivo; constituição dos processos discursivos. RESULTADOS
E DISCUSSÕES: Inicialmente realizamos uma caracterização dos sujeitos
entrevistados e, em seguida, procedemos à análise das formações discursivas
encontradas, a saber: “A escuta no discurso biomédico”, que envolve os elementos
que apontam para uma concepção de escuta pautada nos pressupostos da psiquiatria
moderna, amparada por um discurso científico, que objetifica o sujeito em sua doença;
“A escuta no discurso da enfermagem vocacional religiosa”, remete às discussões
sobre a escuta pautada pelas concepções eminentemente de enfermagem,
construída a partir de seus referenciais específicos, em destaque, o modelo religioso
vocacional; “A escuta no discurso psicossocial”, aborda a escuta pautada no modelo
psicossocial para atenção em saúde mental conforme preconizado pelo referencial
da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Apresentamos também a análise da formação
ideológica que subsidia estas formações discursivas, a qual optamos chamar de
“médico-científico-capitalista” e por fim, discutimos os pontos de ruptura com essa
formação ideológica. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O estudo possibilitou a
evidenciação do discurso dos sujeitos, que por sua vez ultrapassam as falas
propriamente ditas; o método desenvolvido revelou que a escuta em alguns
momentos é citada como inerente ao cuidado de enfermagem em saúde mental, no
entanto, constitui-se em práticas que não condizem com os supostos conceitos
apresentados por esses sujeitos. Este estudo tem sua contribuição por promover
uma reflexão crítica acerca da concepção de escuta na perspectiva de superar os
olhares reducionistas sobre a escuta da doença e a escuta a partir de suas próprias
questões do enfermeiro. Portanto, apostamos que é a escuta, a partir do referencial
da psicanálise, que considera a dimensão do inconsciente, sendo realizada pelos
enfermeiros em qualquer serviço de saúde mental, pode produzir efeitos que
presentifica o desejo do sujeito.
Palavras-chave: Enfermagem. Saúde mental. Psicanálise.
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO........................................................................................
10
1.1
É difícil, ser gente, sentir e sobretudo escutar..................................
10
1.2
Uma questão a ser problematizada....................................................
14
2
DELINEANDO A ESCUTA NO CUIDADO CLÍNICO AO
SOFRIMENTO PSÍQUICO......................................................................
19
2.1
A escuta como meio.............................................................................
20
2.2
A escuta como intervenção.................................................................
23
3
ANÁLISE DO DISCURSO E PESQUISA NA ENFERMAGEM:
DISCUTINDO UM REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO........
29
3.1
Historicidade da análise do discurso..................................................
30
3.2
Conceitos fundamentais da Análise do Discurso: o sujeito, a
linguagem e o discurso.......................................................................
32
3.3
Desvelando o percurso metodológico................................................
34
3.3.1
Tipo de pesquisa...................................................................................
35
3.3.2
Sujeitos da pesquisa............................................................................
35
3.3.3
Locais da pesquisa...............................................................................
36
3.3.4
Procedimentos éticos e produção dos dados...................................
37
3.3.5
O processo de análise do discurso.....................................................
39
4
A ESCUTA NO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE
45
MENTAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO............................................
4.1
Caracterização dos sujeitos.................................................................
45
4.2
A análise das formações discursivas dos enfermeiros acerca da
escuta em saúde mental.........................................................................
47
4.2.1
A escuta no discurso biomédico.........................................................
47
4.2.2
A escuta no discurso da enfermagem................................................
57
4.2.3
A escuta no discurso psicossocial.....................................................
71
4.3
Análise da formação ideológica “médico-científico-capitalista”.....
81
4.4
Análise dos pontos de ruptura no discursos dos enfermeiros........
89
5
CONSIDERAÇÕES INICIAIS.................................................................
97
6
REFERÊNCIAS......................................................................................
99
7
ANEXO ................................................................................................
109
8
APÊNDICE .........................................................................................
111
13
1 INTRODUÇÃO
1.1 É difícil, ser gente, sentir e sobretudo escutar
Sabia que não ia ser fácil iniciar a construção dessa dissertação. Vou lidar
diretamente com algo que faz parte da história da minha família, sendo retratada
com mais substancialidade na figura do meu avô. Ele portava uma falta constitutiva,
estrutural, que provocava um insuportável mal-estar.
Após vários internamentos num hospital psiquiátrico, meu avô andava
apenas dentro de casa, olhava o movimento da rua e pessoas através das
venezianas das janelas e muitas vezes não queria comer e nem falar, ficava muito
tempo em silêncio. Poderia ser escutado, mas sua fala não foi privilegiada como
possibilidade de escolher caminhos para se haver com as dificuldades da vida.
As vezes me pego a questionar sobre as tramas de sua história e os
significados que atribuiria ao seu sofrimento, bem como o porquê da ausência de
uma equipe de saúde responsável no seu cuidado em saúde mental. Queria ser um
profissional da saúde e a única graduação na minha cidade nesta área era
enfermagem.
Então, em busca de respostas, ingressei no curso de graduação em
enfermagem na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Embora fossem
elementares minhas aproximações na disciplina Enfermagem no Processo
Saúde/Doença do Adulto (que contemplava os conteúdos de Saúde Mental), essa
experiência foi determinante na construção de mais curiosidades sobre a vivência de
pessoas em sofrimento psíquico e a atuação dos enfermeiros em uma instituição
hospitalar psiquiátrica.
Apesar da riqueza da experiência, fiquei me perguntando: e os aspectos
subjetivos dessa realidade? Lembro bem que a subjetividade não foi considerada e
penso que existiu pouca aproximação com os sujeitos em sofrimento psíquico,
dificultando assim problematizar as perspectivas do cuidado em saúde mental que
são possíveis ao trabalho do enfermeiro.
Visualizei situações conflituosas e existenciais do sofrimento humano
14
naquele hospital psiquiátrico. O lugar tinha cinco unidades de hospitalização com
portas trancadas, colchões sujos e rasgados, baixa iluminação, camas quase na
altura do chão, boa ventilação, banheiro coletivo e um salão amplo e coberto. Os
profissionais estavam silenciados, cansados e somente chegavam perto dos
pacientes no tempo determinado da medicação, comida e banho. De tanto vivenciar
essa realidade, ela já havia se tornado um hábito; em geral, não pareciam
considerar os sentimentos e as atitudes que perpassavam o paciente e a família; ou
se o faziam, não dialogaram conosco, com outros profissionais de enfermagem e/ou
instituições sociais e de saúde. Não conseguia acreditar como pessoas eram
escutadas naquele lugar tão inóspito. Os pacientes ficavam ociosos no salão ou nos
quartos, alguns dançavam e falavam sem parar, outros estavam nus, amarrados ou
trancados. Eram pessoas marginalizadas pela sociedade, acorrentados ao acesso
do seu próprio eu, inseridos num contexto de nenhuma escolha e sem direitos como
sujeito cidadão.
Recordei que meu avô foi internado nesse hospital psiquiátrico três vezes,
convivendo com várias situações diariamente de medo, insegurança e seqüelas
provocadas pelos absurdos do uso da eletroconvulsoterapia e intensos consumos de
psicotrópicos. Naquele momento não consegui falar para ninguém o que senti
naquela visita ao hospital psiquiátrico porque realmente é difícil ser gente e
sobretudo aceitar a loucura.
No final da graduação não tive mais aproximações com a área de saúde
mental, entretanto sabia que o meu desejo estava além da minha formação
acadêmica. Iniciei minha vida profissional na Estratégia Saúde da Família - ESF da
cidade de Jaguaruana – Ceará. Realizava os programas preconizados pelo
Ministério da Saúde - MS, desenvolvendo os processos de trabalho de enfermagem
constituídos de várias ações que visassem a organização e a consolidação de uma
assistência integral e subjetiva ao paciente e família.
Não obstante, é sabido que, em se tratando da assistência de
enfermagem voltada para os cuidados em saúde mental nas unidades de atenção
básica de saúde ainda deixa muito a desejar. Esta realidade da saúde mental é
complexa, sendo incipiente a sistematização de experiências e de novos modelos de
intervenção.
Depois de um ano de atividades desempenhadas na Estratégia Saúde da
Família, fui convidado a trabalhar no Centro de Atenção Psicossocial - CAPS da
15
cidade de Icapuí – Ceará. Antes de iniciar o trabalho de enfermeiro, visitei outros
serviços de saúde mental, dentre estes, os Centros de Atenção Psicossocial que
teoricamente se constituem em espaços substitutivos e de atenção diferenciada do
modelo manicomial. Nesses serviços espera-se que os princípios da reforma
psiquiátrica sejam materializados a partir de uma prática clínica centrada no sujeito,
convidando este sujeito à responsabilização e ao protagonismo em toda a trajetória
do seu tratamento (BRASIL, 2001b).
O CAPS acabara de ser inaugurado na cidade de Icapuí, o que
possibilitou participar ativamente, junto com a equipe de saúde mental, na sua
construção política, clínica e social. Precisávamos reorganizar a rede de atenção à
saúde mental deste município, uma vez que muitos pacientes ficavam sem ser
atendidos na ESF, procuravam neurologistas em outras cidades e não iam ao CAPS
por associar este local ao hospital psiquiátrico.
Além disso, percebemos que a prática em saúde mental realizada na ESF
e no hospital municipal restringia a entrega de medicamentos ao paciente, e por
vezes, alguns encaminhamentos da ESF para os Centros de Atenção Psicossocial.
Vale ressaltar que a própria entrega de medicamentos era feita de forma meramente
mecânica, isto é, sem orientações, nem explicações acerca de precauções,
cuidados e efeitos colaterais que tal medicamento poderia apresentar ao paciente.
Para tanto, fizemos tentativas de reelaboração de concepções e
dispositivos relacionados as intervenções constitutivas do tratamento em saúde
mental, fato concebido numa melhor relação terapêutica com os pacientes; na
reorganização do atendimento de saúde mental no CAPS e ESF com o
cadastramento de todos os usuários em sofrimento psíquico; no atendimento do
individuo com um ou dois profissionais; no cuidado fomentado nos grupos
terapêuticos com o compartilhamento de experiências coletivas; na realização do I
curso de capacitação dos agentes comunitários de saúde em saúde mental.
Entretanto, esse processo de cuidar apresentou interesses individuais
político-econômicos e não o compromisso com os sujeitos em sofrimento psíquico,
visto a dificuldade de alguns profissionais trabalhar em equipe, principalmente
aqueles que naturalizavam o sofrimento psíquico como objeto de práticas “psi”. Fica
evidente que, conforme os modelos de atenção que são adotados, nem sempre a
produção do cuidado em saúde mental está comprometida efetivamente com a
promoção e prevenção.
16
Ao trilhar nos caminhos da minha vida docente, deparei-me com sonhos,
rupturas, movimentos repletos de escolhas e interesses ora conquistados ora
trabalhados na minha vida profissional e pessoal, que podem apresentar lacunas
preenchidas ou não pela introspecção, uma vez que na constituição da minha
história de vida, apresento fases dinâmicas que se entrelaçam para constituição do
eu.
Algum tempo depois, ser docente da disciplina de Saúde Mental na
Universidade Potiguar – campus Mossoró/RN – foi mais um desafio. Trabalhar numa
realidade paradoxal que me desperta o anseio de provocar, inquietar, ressignificar o
cuidado clínico em saúde mental perante um modelo hegemônico de saúde pautado
na fragmentação da assistência e restrito apenas na atuação sobre o corpo
anatomopatológico.
Dessa forma, possibilitei aproximações dos discentes com o cuidado de
enfermagem em saúde mental a partir do contexto de atuação dos profissionais de
enfermagem que atuam nos CAPS e hospital psiquiátrico, refletindo sobre os laços,
contradições e potencialidades de articulação dos processos de trabalho da
enfermagem na perspectiva da integralidade do cuidado em saúde.
Essas
atividades didáticas foram aprimoradas em virtude dos encontros com o grupo de
pesquisa Laboratório Clínica do Sujeito: saber, saúde e laço social – LACSU que
desenvolvia uma pesquisa intitulada “Cuidado de enfermagem em saúde mental:
contribuições da clínica do sujeito”. Participei de quatro oficinas realizadas na
Universidade Estadual do Ceará - UECE, no Centro de Atenção Psicossocial Infantil
e na Oca de Saúde Comunitária do Complexo de Saúde do bairro São Cristóvão.
Neste último local, iniciamos a oficina com dinâmicas em grupo orientadas
pelos integrantes do Projeto Cirandas da Vida. Em seguida, a docente/coordenadora
da pesquisa conduziu a discussão sobre como a escuta subsidia o cuidado de
enfermagem nos CAPS, contando com a presença de enfermeiros, discentes da
graduação de enfermagem e do Mestrado Acadêmico em Cuidados Clínicos em
Saúde da UECE.
No que tange a escuta, visualizei várias interpretações que me
proporcionou mais inquietações: É a escuta da doença ou do sujeito? Trata-se do
simples ouvir? É intervenção terapêutica? As reflexões dessas atividades
proporcionaram rever ações e saberes construídos sobre o cuidado de enfermagem
em saúde mental, dessa forma, caracterizando a necessidade permanente de
17
(re)construção do conhecimento na formação do enfermeiro.
Hoje, no exercício de enfermeiro e docente da Universidade do Estado do
Rio Grande do Norte, campus Mossoró – RN, ministrante dos conteúdos de saúde
mental inseridos na disciplina Enfermagem no Processo Saúde/Doença do Adulto,
pude estar mais próximo das práticas desenvolvidas pelos enfermeiros nos Centros
de Atenção Psicossocial e no hospital psiquiátrico. Estes profissionais ainda
enfrentam dificuldades com relação à delimitação das especificidades do seu papel
e no desenvolvimento de suas atividades nas novas configurações da rede de
atenção mental.
1.2
Uma questão a ser problematizada
Apesar dos avanços proporcionados pela Reforma Psiquiátrica em busca
de uma assistência integral e subjetiva, ainda hoje prevalecem ações reducionistas
no cuidado clínico em saúde mental, que mascaram qualquer forma de sofrimento e
despersonalizam a relação do cuidado.
Neste contexto, enfatizam a escuta da doença em detrimento da escuta
do sujeito em consequência da fragmentação especializada da formação e do
trabalho baseado em aspectos terapêuticos objetivos e quantitativos.
Na atual política de saúde mental tem ganhado força e destaque o
conceito de escuta enquanto ferramenta para a fundamentação das práticas
desenvolvidas no âmbito dos serviços. Todavia, tanto nestas práticas como na
produção científica da área, existem várias formas de conceber e desenvolver a
escuta.
Na maioria das vezes, a escuta é citada como equivalente ao sentido que
o ato de ouvir tem no senso comum, ou ainda, aparece sob as nuances de variados
matizes conforme os diversos referenciais teóricos.
Por outro lado, tanto o Ministério da Saúde, como os diversos atores
envolvidos no processo histórico de construção da Reforma Psiquiátrica no Brasil,
reconhecem a importância desta ferramenta para um campo que, necessariamente,
lida com a dimensão subjetiva do adoecimento psíquico.
18
No que se refere ao cuidado clínico de enfermagem em saúde mental,
com enfoque no referencial teórico centrado na interpretação biomédica e
patológica, adota a figura do enfermeiro como ser detentor do saber, único na
formulação de diagnósticos pré-estabelecidos.
Dessa forma, a materialização dos processos de trabalho da enfermagem
(assistir/intervir, ensinar/aprender, gerenciar e investigar) são direcionados somente
para ouvir os quadros de doença sem a participação do paciente no cuidado
prestado. Cada quadro de doença torna-se, de antemão, fixo a prevalência do
trabalho
administrativo/burocrático
e
das
ações
programáticas,
como
os
encaminhamentos, as aplicações de medicamentos e as medidas de higiene e
conforto.
Diante dessa realidade hegemônica, a enfermagem busca possibilidades
de estratégias coletivas e individuais com foco o cuidado ao sujeito em sofrimento
psíquico. Entretanto, a escassez de instrumentos terapêuticos, os limitados espaços
de discussão em saúde mental e o despreparo dos profissionais com os ditos casos
difíceis embaçam a necessidade real de redirecionamento da enfermagem segundo
os princípios da Reforma Psiquiátrica.
Tal fato pode estar atrelado a formação tecnicista proposta pelos
currículos dos cursos de graduação em enfermagem, cujas disciplinas não se
movimentam, articulam-se muito pouco. E quando os enfermeiros se deparam com
os serviços substitutivos e comunitários em saúde mental, não atuam como
protagonistas do processo de produção de intervenções singulares, mas apenas
reprodutores da estigmatização da loucura a partir da ideia da separação do ser
humano no biológico, no psíquico e no social.
Destacamos ainda que a escuta terapêutica é um recurso pouco usado
pela
maioria
dos
profissionais
da
saúde
por
opção
particular
ou
por
desconhecimento sobre a sua operacionalidade na área de atuação, o que dificulta o
enfermeiro se colocar em uma atitude de escuta de cada um dos sujeitos nos
serviços de saúde. Isso ocorre, principalmente, diante das particularidades técnicas
do cuidado clínico em saúde mental, por exemplo: o tempo de duração dos
atendimentos e sua frequência; a ausência de pagamento diretamente a quem
realiza o trabalho; a ambientação para atendimento individual; o pedido de
tratamento ser dirigido a uma receita médica, dentre outros.
19
Enfatizamos que a escuta terapêutica não é apenas constituída de
palavras ou conceitos vazios, é um dispositivo de produção de sentidos,
minimização da angústia pela escuta de si que passa pelo fato de ser escutado pelo
outro.
Assim, a escuta em sua dimensão ampliada pode ser considerada uma
das ferramentas da enfermagem para a construção do cuidado clínico subjetivo.
Nesta perspectiva da clínica do sujeito, a escuta terapêutica da pessoa em
sofrimento psíquico perpassa a construção de uma subjetividade singular transversal
e a produção de novos modos de sensibilidade, novos modos de criatividade e de
relação com o outro.
Evidencia-se, portanto, o seguinte paradoxo: de um lado o lugar axial que
a escuta ocupa (ou deveria ocupar) na elaboração de qualquer estratégia de
intervenção em saúde mental. Do outro, a pouca delimitação deste conceito e o risco
de banalizarmos seu potencial, deixando-a reduzir-se a uma simples repetição de
um discurso estéril.
Considerando a diversidade de cenários na saúde mental, tanto em
hospitais psiquiátricos quanto em serviços substitutivos, que o cuidado clínico do
enfermeiro se materializa, passo a me perguntar que significados são atribuídos a
escuta pelos enfermeiros na produção do cuidado clínico em saúde mental?
Partimos do princípio de que a linguagem constitui uma dimensão
estruturante do sujeito. Sujeito, que através da fala, possibilita aplicar significantes e
significados para a sua vida, uma redefinição do seu vivido pessoal.
Como diz Lacan (1953-1954/1985, p.15) “para cada estrutura há um
modo de conceitualização que lhe é próprio”. Cada um traz no bojo de seu discurso
as correlações entre os significantes de sua “loucura” e a sua história de vida, bem
como as próprias respostas para os acontecimentos e comportamentos vivenciados.
Desta forma, como característica essencial da clínica do sujeito, a escuta
implica no reconhecimento do outro enquanto sujeito de vivências singulares; sujeito
que é transformado no seu encontro com o profissional de saúde, durante as
relações que estabelece com o outro.
Mediante essas discussões, me proponho a tomar como objeto de estudo
a escuta no cuidado clínico de enfermagem aos sujeitos em sofrimento psíquico nos
cenários de atenção em saúde mental da cidade de Mossoró-RN. Esses serviços de
20
saúde caracterizam-se pela dinamicidade dos processos de trabalho em saúde,
como também pela contextualização sócio-política que implicam e são implicados os
enfermeiros e suas práticas.
A enfermagem, ao se apropriar da escuta como dispositivo de produção
do cuidado clínico subjetivo, assume um novo posicionamento frente às queixas que
lhes chegam aos serviços, valorizando as questões transferenciais e a implicação do
sujeito naquilo que provoca seu sofrimento psíquico.
A identificação das formações discursivas e da formação ideológica que
embasam a prática da escuta pelos enfermeiros nos possibilita uma reflexão mais
incisiva quanto os processos de trabalho elaborados e os meios e instrumentos
apreendidos pela enfermagem na rede de atenção em saúde mental. Essa análise
crítica da produção da escuta junto ao sofrimento psíquico é possível a partir do
referencial teórico metodológico articulado com as discussões da psicanálise.
Podemos afirmar que é de suma importância a investigação dos discursos
desses profissionais acerca do referido assunto no processo de compreensão da
realidade ora instaurada, pois esta retrata as dificuldades existentes e muitas vezes
negligenciadas no sentido de ficarem sempre em último plano. Além disso, os
discursos dos enfermeiros sobre a escuta na área da saúde mental podem vir a
gerar discussões mais intensas sobre o cuidado subjetivo para pacientes em
sofrimento psíquico e, consequentemente, propor a ressignificação das intervenções
no tratamento terapêutico desses sujeitos.
Este estudo vêm contribuir para a ampliação dos estudos sobre o
processo saúde-doença-cuidado e para a propagação das discussões sobre a
clínica do sujeito, na perspectiva da enfermagem escutar, de maneira singular, o
ser/estar na linguagem dos sujeitos em sofrimento psíquico.
Realizamos um percurso teórico sobre o objeto de estudo, tendo como
destaque as discussões sobre “escuta como meio” e “escuta como fim”. Em seguida,
apresentamos a Análise do Discurso (AD) na perspectiva da corrente francesa de
pensamento, enquanto método e referencial teórico metodológico de pesquisa. Nos
capítulos posteriores, abordamos uma caracterização dos sujeitos entrevistados e,
em seguida procedemos à análise das formações discursivas e de uma formação
ideológica. E para os momentos finais, consideramos os pontos de ruptura com essa
formação ideológica que encontramos nos discursos dos enfermeiros sob a forma de
21
negações, silenciamentos e ocultamento etc.
Esta pesquisa possui fases processuais e dinâmicas que foram
construídas nos encontros e confrontos com outras pessoas, com o mundo e
consigo mesmo. Acreditamos da existência de arestas que possibilitarão a
concretização de futuros estudos, em reflexo da realidade complexa e singular e sua
relação direta com o conhecimento da saúde mental. Nesta perspectiva, a forma
criativa de escrita construída a partir da sensibilidade dos discursos dos enfermeiros
perpassará a configuração do desejo e trará um cenário marcado por uma
desconstrução/reconstrução de significados sobre a escuta.
Nosso estudo têm como objetivo geral analisar os discursos dos
enfermeiros sobre a escuta na produção do cuidado clínico em saúde mental. Como
objetivos
específicos
procuramos
conhecer
as
formações
discursivas
dos
enfermeiros acerca da escuta em saúde mental; identificar qual a formação
ideológica que sustenta essas formações discursivas; discutir os pontos de ruptura
dessas formações discursivas em sua relação com as práticas de cuidado
desenvolvidas por estes enfermeiros.
2. DELINEANDO A ESCUTA NO CUIDADO CLÍNICO AO SOFRIMENTO
PSÍQUICO
O movimento da Reforma Psiquiátrica teve como propósito teórico
constituir espaços substitutivos de atenção diferenciada do modelo manicomial,
onde os princípios dessa reforma seriam materializados a partir de uma prática
clínica de valorização do sujeito e de suas necessidades (BRASIL, 2001a).
Nesta perspectiva, o conceito de “doença mental” passa por um processo
22
de desconstrução, dando lugar a uma nova forma de perceber a loucura enquanto
"existência-sofrimento", do sujeito em sua relação com o corpo social (ROTELLI;
LEONARDIS; MAURI, 2001).
No bojo das discussões desta reforma surge novas formas de atenção ao
sujeito em sofrimento psíquico, deixando de ter mecanismos de exclusão social,
para existir a escuta das expressões de um sofrimento insuportável no momento,
que por sua vez, pode revelar contextos e sentidos, criar fluxos de vida
(CORBISIER, 1992).
Sendo assim, recorremos a base dados Scientific Electronic Library
Online (SciELO) em busca de publicações sobre como a escuta tem sido definida no
âmbito do cuidado em saúde mental. Identificamos que existe uma frequente
publicação de artigos sobre a temática da escuta relacionada ao sofrimento
psíquico, variando do modelo biomédico ao modelo psicossocial..
Entendemos
aqui
não
apenas
a
escuta
restrita
aos
serviços
especializados em saúde mental, mas como atuação voltada ao sofrimento psíquico
nos diversos campos da saúde. Após sucessivas leituras, organizamos em duas
categorias “escuta como meio” e “escuta como fim”.
Na categoria “escuta como meio” foram considerados os estudos que
situam a escuta como um meio de investigação para a elaboração de intervenções.
Ou seja, escutar é um momento de investigação onde o profissional de saúde se
dedica a coletar informações, a ouvir as queixas dos pacientes, buscando informarse sobre suas reais necessidades e, assim, elaborar suas intervenções.
A categoria “escuta como fim” foi obtida dos artigos que se pautaram por
uma definição de escuta como intervenção em si; seja pelo fato de proporcionar a
expressão de afetos e sentimentos, seja por favorecer a compreensão dos
elementos envolvidos no sofrimento psíquico. Estão, ainda, nessa categoria os
estudos que consideram a escuta uma forma de acesso ao inconsciente,
funcionando, portanto, como uma intervenção. Essa compreensão está situada
teoricamente na psicanálise.
2.1. Escuta como meio
23
Nessa categoria, a escuta é entendida como um mecanismo de obtenção
de informações para o subsequente desenvolvimento de intervenções. Há a ideia de
que é preciso, inicialmente, refinar aquilo que o paciente traz ao serviço como
queixa, para que, em seguida, o profissional possa tomar decisões com vistas à
resolubilidade dos problemas.
Para Oliveira et al (2008, p.755), “a escuta precisa ocorrer de forma que
propicie resolutividade no atendimento”. Isto implica na necessidade de escutar as
queixas,
os
sofrimentos
demandados
pelo
sujeito,
em
busca
por
uma
responsabilização das demandas pronunciadas (PINHEIRO; OLIVEIRA, 2011).
Nestes estudos, percebe-se que o conceito de escuta está associado ao
fato de colocar o profissional na posição de desencadear respostas ou solucionar
algum problema identificado. Oliveira et al. (2008, p.755) colaboram com essas
discussões ao afirmar que o profissional, numa atitude de escuta com o usuário,
possibilita-o “expressar aquilo que sabe, pensa e sente em relação a sua situação
de saúde”.
Para isso, faz-se necessário que ele seja um investigador e obtenha o
máximo possível de informações, aproximando-se da realidade do paciente e
conhecendo suas reais necessidades; pois, é através do processo de comunicação
que a queixa pode ser realmente compreendida e, só a partir daí, solucionada.
Como diz Kerber, Kirchhof, Cezar-Vaz (2008), o processo de escuta
atende não apenas o acolhimento de anseios e angústias, mas as necessidades,
expectativas e dúvidas reveladas no momento de atenção à saúde. Acreditam que,
para uma situação de maior envolvimento entre o sujeito em sofrimento psíquico e o
profissional, este deve ouvi-lo na perspectiva de desencadear alguma solução para
o problema encontrado.
Estes artigos apontam para a importância de refinar a queixa inicial do
paciente, pois, nem sempre aquele que chega ao serviço de saúde se encontra em
condições de expressar o que de fato é a sua necessidade. Muitas vezes, o paciente
traz demandas diferentes do real problema que o aflige com receio de que sua fala
não seja considerada.
Peres (2010) e Scardoelli; Waidman (2011) consideram que os espaços
de escuta na atenção à saúde mental tendem a propiciar uma resolução para as
queixas relativas ao sofrimento psíquico. No entanto, nem sempre se obtém essa
24
resolução
dos
problemas,
sendo
necessário
encaminhamentos
para
acompanhamento de outros profissionais, outras atividades terapêuticas, outros
serviços de saúde.
O próprio quadro clínico, muitas vezes, pode dificultar a expressão do
sofrimento psíquico; como por exemplo, um paciente apático que fala pouco ou, por
outro lado, um paciente inquieto, que tem dificuldade de se concentrar e até mesmo
violento.
Quando este paciente chega aos serviços de saúde, geralmente,
acontece somente a escuta sobre a violência. As demais queixas são
desconsideradas e tratadas como menos importantes. Isto acontece, conforme
D’oliveira et al. (2009), devido o princípio de que essas demandas trazidas pelos
sujeitos em sofrimento aos serviços não se constituem em sofrimentos efetivos, haja
vista que estão associadas a um problema da esfera social, não sendo sinais de
doenças “verdadeiras”.
Carvalho, Freire e Bosi (2009) nos falam que tanto o louco destituído de
sua condição de sujeito quanto o usuário internado num serviço não-psiquiátrico,
muitas vezes reduzido a um número de leito ou de prontuário, precisam de uma
abordagem do cuidado como uma escuta ética que implica no redimensionamento
da atuação do profissional de saúde a partir de uma atitude de resposta à
necessidade do outro.
Este refinamento da demanda se presta a facilitar a tarefa do profissional,
permitindo uma melhor delimitação das intervenções necessárias que, muitas vezes,
pautam-se nas abordagens restritas aos exames e prescrições.
Dessa forma, “acaba levando a uma desvalorização das queixas
psicossociais que, apesar de verbalizadas no início da consulta, perdem sua
potência e acabam ficando sem encaminhamentos adequados” (TANAKA; RIBEIRO,
2009, p.481)
Essas afirmações anteriores corroboram com as pesquisas de Ramos
(2004) e Teixeira (1996) que destacam a valorização excessiva das técnicas de
diagnósticos e de tratamento pelos profissionais da saúde em suas rotinas de
trabalho. Em geral, não escutam, nem se interessam em conhecer o sofrimento ou
expectativas do paciente, ocasionando problemas na comunicação. Elas relacionam
estes problemas ao profissional que não trabalha como suporte emocional e fonte de
25
segurança, que não se aproxima de forma afetiva dos pacientes.
Outros autores referem ainda à necessidade de se dispor de um tempo
satisfatório para a escuta das queixas do paciente, pois, muitas vezes o tempo
dedicado a este momento é mínimo.
Silva et al. (2010, p.163) explicitam que a escuta proporcionada pelo
maior tempo de consulta, permite um estabelecimento de respeito e confiança entre
profissionais e usuários. Além disso, “facilita a percepção das necessidades para
além daquela que, porventura, originou a consulta ou a conversa”.
Ainda nesta discussão da escuta como meio de intervenção, alguns
estudos enfocam a escuta na perspectiva de estabelecer ou aprofundar o vínculo
com o profissional e/ou com o serviço.
De acordo com Oliveira et al. (2008), a criação de vínculo entre os atores
envolvidos nas práticas de saúde acontece em conseqüência da escuta. Estes
autores consideram a escuta enquanto elemento de comunicação, em que o
profissional tem a facilidade de se colocar no lugar do usuário objetivando resolução
para seus problemas.
Grossman; Araújo-Jorge e
Araújo (2008) também nos possibilitam
compreender a escuta como identificação de demandas para a organização dos
serviços. Segundo os mesmos, a produção de ambientes promotores da saúde será
alcançada a partir da escuta das opiniões e dos anseios referidos pelas pessoas.
Para tanto, Rosário (2009) ressalta que a escuta implica numa sensibilidade de
percepção apurada, no intuito que se consiga escutar o que a pessoa diz.
Assim, entende-se que a escuta surge como ferramenta de gestão do
cuidado e do serviço, atuando como um instrumento para se chegar ao
desenvolvimento de intervenções. O objetivo, neste caso, seria escutar para melhor
definir as necessidades do paciente, ou ainda, para estabelecer o vínculo necessário
a uma boa adesão ao tratamento.
2.2. Escuta como fim
A “escuta como fim” envolve os estudos que concebem a escuta, em si,
26
como um processo terapêutico. Os estudos se dividem, ainda, entre aqueles para
quem a escuta é considerada uma intervenção facilitadora das expressões verbais e
não verbais dos pacientes; funcionando, portanto, como uma espécie de desabafo.
Incluem, ainda, aqueles que consideram os efeitos terapêuticos de uma
compreensão mútua, pelo fato de se fazer entender pelo outro, e aqueles que
consideram a escuta na perspectiva da psicanálise, onde a fala é entendida como
dispositivo de manifestação do inconsciente.
A escuta como desabafo é caracterizada pela manifestação do que se
pensa ou fala. Através dessa escuta, o paciente desafoga suas mágoas, trás a tona
suas emoções, angústias, preocupações e incertezas. Ao verbalizar o que sabe,
pensa e sente sobre sua situação de saúde e ao compartilhar seus sentimentos e
pensamentos com o profissional, é possível resgatar as potencialidades do cuidado
e enfrentar as fragilidades e diminuição das tensões.
Segundo Ferecini et al. (2009), a escuta é entendida como estratégia que
pode e deve ser acessada pelos profissionais na prática clínica. Nos primeiros
encontros entre profissional e paciente pode ser até constrangedor para o paciente
falar de si e de seus sentimentos, mas ao se consolidar uma confiança no outro,
permite que expresse os seus pensamentos e afetos.
Scardoelli e Waidman (2011) nos relatam que a fala, o diálogo e a palavra
são considerados poderosos remédios e excelentes terapias, por isso é preciso
verbalizar o que se sente, falar aquilo que está reprimido, desabafar, confidenciar,
partilhar intimidades e segredos.
A escuta como compreensão mútua, fundamenta-se no estabelecimento
de um diálogo, uma conversa, uma reflexão sobre interesses diversos entre o
profissional e o usuário; onde se busca a construção de relações humanizadas, a
conscientização do seu papel no cuidado e a amenização de conflitos através da
escuta sem julgamentos, “escuta que busca a compreensão mútua sem procurar
culpados e inocentes” (D’OLIVEIRA, 2009, p.1045).
Padoin; Souza e Paula (2010) enfatizam que o encontro vivido e
dialogado entre profissional e usuário do serviço de saúde, mediado pela escuta, se
desenvolve a partir de uma comunicação interessada na co-responsabilidade, na
relação de ajuda e na conquista da autonomia. Nesse contexto, a escuta é
entendida por More (2009) como a capacidade de se considerar o outro na sua
27
alteridade, independente do lugar.
A escuta como desabafo e a escuta como compreensão mútua,
apresentam em comum o fato de se pautarem numa concepção do processo de
linguagem como comunicação privilegiada, fundamentada em teorias interpessoais e
interacionistas. Essas teorias apresentam um modelo onde o processo de
comunicação envolve a emissão de elementos básicos como emissor, receptor,
canal, código, mensagem e feedback (FERREIRA, 2001, que estão representados
na figura a seguir:
Figura 1 – Processo de comunicação (fonte: Stefanelli; Fukuda e Arantes, 2008).
Neste processo de comunicação, sempre existe um emissor de uma
mensagem que faça sentido (código) a um receptor, que por sua vez emite uma
resposta, valendo-se ambos de um canal que pode ser verbal, não verbal ou escrito;
o receptor recebe a mensagem através dos seus sentidos e codifica a resposta
(feedback) e a envia, transformando-se em uma nova mensagem que exerce
estímulo a outra pessoa. Dessa forma, o processo de comunicação é contínuo e
envolve efeitos sobre as pessoas num campo interacional em busca de trocas de
informações (STEFANELLI; FUKUDA e ARANTES, 2008).
Por outro lado, existe também uma compreensão da escuta como acesso
ao inconsciente. Esta compreensão está ancorada teoricamente na psicanálise, que
“com seu método e manejo clínico próprios, pode nos dar aparatos para considerar
aquilo que o sujeito diz, além de ter como princípio que o sujeito está exatamente lá,
naquilo que diz, sem saber o que está dizendo” (BRANDÃO-JUNIOR e RAMOS,
2010, p.77).
28
Na abordagem psicanalítica considera-se o sintoma como formação
“linguageira”, ou seja, moldado a partir dos elementos da própria linguagem. Formase um sintoma na tentativa de lidar com conteúdos que foram impossíveis de
simbolizar conscientemente. Há um trauma que precisa de palavras para ser
enunciado; a palavra significada rearticula, deslizando do traumático do nãorepresentável (BATTIKHA; FARIA; KOPELMAN, 2007, p.23).
Nessa perspectiva, a linguagem não é um simples meio de comunicação,
compreensão, que o falante utiliza para se expressar. Ela é na verdade aquilo que
nos permite ter acesso ao mundo, um mundo todo particular, que vai adquirir suas
cores a partir do enquadramento simbólico de cada sujeito.
A escuta na abordagem psicanalítica, parte do princípio de que se faz
necessário criar condições para que a palavra seja dita, circule, compareça no
discurso do sujeito. Desse modo, podem surgir leituras do inconsciente a partir do
desconhecimento de não-dito, do não compreensível em relação à subjetividade de
quem sofre (VIEIRA-FILHO e ROSA, 2010).
Nesse sentido, a intervenção extrapola seu caráter instrumental e a
escuta passa a ser a própria ferramenta de intervenção. Não se trata de escutar
para depois intervir, mas, sim, de intervir escutando.
Segundo Santos e Costa-Rosa (2007, p.493), estamos falando de uma
escuta analítica que propicia a articulação significante, onde o sujeito em sofrimento
psíquico pode aliviar ou se proteger da carga pulsional, transferindo-a para uma
cadeia significante. Estes autores coadunam com nossos pensamentos quando nos
falam que a escuta possibilita “a recuperação da ancoragem simbólica por meio da
articulação significante, para então viabilizar a formulação de uma demanda e a
possibilidade da clínica do inconsciente”.
Nesta perspectiva, não há um saber especializado a priori do lado de
quem escuta. O saber em jogo é aquele do inconsciente, ou seja, está do lado de
quem fala. O profissional atua permitindo que o sujeito se escute dizer, sem
apresentar soluções prontas, sem julgar, interpretar, explicar ou investigar (POUJOL
e POUJOL, 2006). Como afirma Santos e Costa-Rosa (2007, p.499), “o espaço de
escuta deve afastar-se do lugar de confessionário, prestação de “contas” ou mesmo
de produção de ‘roteiros de cura’”.
Ao utilizarmos esta ferramenta, é preciso identificar os níveis de
29
comunicação com os quais o sujeito se expressa; além de ter uma atenção flutuante
centrada em todo discurso do sujeito e não apenas nos pontos que interessam ao
profissional (FREUD, 1996 [1913]). Outra regra fundamental do referencial
psicanalítico freudiano para a escuta terapêutica, é a técnica de associação livre das
palavras onde o sujeito fala livremente sobre qualquer assunto (FIGUEIREDO,
2004).
Não importa de que tempo cronológico o sujeito fale, pois, nesta técnica o
inconsciente vai estar presente na cena discursiva, através de rupturas de sua fala
(lapsos, sonhos, chistes, atos falhos, repetições). E o sujeito pode reformular outros
significantes para suas angústias, ansiedades e sintomas (FREUD, 1996 [1913]).
No campo transferencial, considerado momento de escuta clínica, o
profissional ocupa o lugar do suposto-saber e adota, assim, estratégias onde o
sujeito seja escutado na sua singularidade e consiga apropriar-se do discurso
coconstruído (VIEIRA FILHO; ROSA, 2010).
Conforme Macedo e Werlang (2007, p.192), a escuta possibilita uma
abordagem do “irrepresentável em um processo que busca atribuição de sentido
àquilo que desassossega o sujeito. Ou seja, o “lugar do traumático é, exatamente, o
lugar da escuta analítica”.
Segundo este referencial da psicanálise, é necessário que o profissional
saiba intervir no momento certo da escuta, fazendo com que o sujeito não
permaneça paralisado em um ponto específico de suas associações. Desta forma,
como característica essencial da psicanálise, a escuta implica no reconhecimento do
outro enquanto sujeito de vivências singulares; sujeito que se transforma e é
transformado no encontro entre o profissional da saúde e usuário.
O profissional da saúde devidamente instrumentalizado por esta
ferramenta de escuta como acesso ao inconsciente, pode estabelecer modos de
cuidado permitindo que o próprio sujeito reconstitua as tramas de sua história e de
seu sofrimento, abstendo-se da posição de dono do saber em relação ao sofrimento
do outro.
No que tange o cuidado de enfermagem em saúde mental, a ferramenta
da escuta implica no reconhecimento do Outro enquanto sujeito de vivências
singulares; sujeito que se transforma e é transformado no encontro entre enfermeiro
e usuário. Esta condição pressupõe o reconhecimento da subjetividade dos sujeitos
30
envolvidos nas ações de cuidado (KIRSCHBAUM, 2000).
O enfermeiro devidamente instrumentalizado pela escuta e pelos efeitos
produzidos por esta escuta, pode singularizar modos de cuidado, possibilitando que
o próprio sujeito reconstitua as tramas de sua história e de seu sofrimento (LOYOLA,
2008).
Isto requer uma profunda transformação nos processos de trabalho em
saúde, onde a fala e a escuta dos sujeitos sejam valorizadas enquanto ponto de
partida para as relações de cuidado (MERHY; FRANCO, 2005) com a participação
dos usuários dos serviços, ampliando sua autonomia na construção do seu cuidado.
Para que exista condições de uma efetiva produção do cuidado em saúde
mental pela escuta, é necessário considerar o discurso do Outro, “isto é, a um outro
semelhante, mas a esse Outro do discurso de cada um que fala” (LACAN apud
MARCON, 2007).
Por isso, a escuta terapêutica busca o deslocamento do sujeito do
inconsciente a partir de seu discurso, trazendo situações que dizem respeito às
relações que cada um estabelece consigo e com o outro; às formas que o sujeito
encontra de se apropriar de sua história de vida, de seus signos e de seus sintomas;
as maneiras com as quais ele significa a própria vida (ALMEIDA, 2009).
Nesse contexto, a enfermagem pode entender a clínica como um modo
de escutar e agir em função da escuta para que o sujeito se redefina pela sua fala.
Isso se faz possível por que o inconsciente é estruturado como linguagem. A psique
constitui-se simbolicamente de significantes, que diferem de sentido para cada
sujeito. Por isso que no processo de escuta, o sujeito se escuta e revela a si mesmo
fatos traumáticos recalcados, passando a dar uma significação aos seus vividos
pessoais (SILVEIRA et al, 2010).
31
3. ANÁLISE DO DISCURSO E PESQUISA NA ENFERMAGEM: DISCUTINDO UM
REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
A pesquisa na enfermagem tem se desenvolvido ao longo das últimas
quatro décadas, colocando-se em evidência nos cenários nacional e internacional da
produção científica (SCOCHI, MURANI, 2012). Este fato pode ser atestado pelo
número de trabalhos publicados em diversos periódicos nacionais e internacionais e
em eventos científicos de diferentes campos de conhecimento.
Podem-se encontrar na produção científica da enfermagem estudos de
revisão integrativa e sistemática da literatura, pesquisas aplicadas e uma
variabilidade de estudos com distintas abordagens teórico-metodológicas, utilizandose inclusive de articulações com outras áreas de conhecimento como a filosofia, a
estatística e a linguística.
Estas articulações são salutares uma vez que ampliam o potencial para
impactar na produção do cuidado em saúde, de forma a atender com mais
propriedade os problemas e necessidades de saúde dos sujeitos que recorrem aos
serviços de saúde.
32
Neste processo de desenvolvimento da pesquisa por parte da
enfermagem, é essencial uma busca contínua do aprimoramento das técnicas e
métodos de pesquisa, assegurando uma melhor compreensão do escopo teórico,
filosófico e epistemológico adotado.
Uma produção científica em larga escala, para atender a fins diversos,
pode mascarar uma apropriação superficial dos elementos que asseguram a
coerência teórica e metodológica de uma pesquisa, fragilizando não apenas a
obtenção dos resultados de um determinado estudo, mas também comprometendo a
própria dimensão ética da pesquisa.
Dentre as propostas teórico-metodologicas identificadas na produção
cientifica da enfermagem destaca-se a análise do discurso na perspectiva da
corrente francesa de pensamento, representada por Michel Pechêux (GOMES,
2007). Trata-se de um referencial teórico e filosófico, e não apenas um método para
obtenção e análise de dados. Sua aplicação nas pesquisas exige por parte dos
pesquisadores uma compreensão da sua historicidade, de seus conceitos
fundamentais. Vale ressaltar que ela promove uma ruptura com o método cientifico
(2006), pautado numa uma ótica racional, mecanicista e linear que objetifica e
neutraliza as relações entre sujeito e objeto de estudo. A análise do discurso na área
da saúde ainda é pouco discutido, concentrando-se na maior parte em estudos na
área da saúde mental (GOMES, 2006).
Vamos discutir a análise do discurso na perspectiva da corrente francesa
de pensamento, enquanto método e referencial teórico metodológico de pesquisa.
Nossa aposta metodológica pauta-se na compreensão de que na relação
pesquisador e pesquisado, estes sujeitos estão implicados e a produção de
conhecimento decorre dessa relação (SILVEIRA, 2001).
A análise do discurso emerge, portanto, como um método capaz de
ressignificar as pesquisas na enfermagem que se utilizam da fala dos sujeitos
entrevistados. Pois, nestes casos, lidam-se com os discursos e contextos, fazendose necessário desenvolver uma metodologia de análise que apreenda as relações
entre o discurso e suas condições de produção, e não uma análise da fala por ela
mesma.
3.1 Historicidade da análise do discurso
33
Michel Pêcheux (1938-1983), a partir de sua atuação política marxista,
propõe um novo campo de investigação, na perspectiva de integrar a análise das
condições de possibilidades do discurso aos processos discursivos, adotando um
novo objeto: o discurso, que opera na articulação entre o lingüístico e o histórico
(SARFATI, 2010).
Ele empreendeu críticas ao pensamento estruturalista, adotando o
discurso no entrecruzamento da linguagem e da história como objeto da Análise do
Discurso. Para Pechêux, o discurso implica numa exterioridade à linguagem em
torno da ideologia e do social (ORLANDI, 2005).
Inicia-se o movimento em direção à heterogeneidade discursiva, marcado
por rupturas, num campo de entremeio, de vizinhanças teóricas que influenciaram a
proposta teórico-metodológico da Análise do Discurso proposta por Pêcheux.
Epistemologicamente, a Análise do Discurso inscreve-se no(a) (GATED, HAK,
1997):
a) O Materialismo Histórico (teoria das formações e transformações
sociais, incluso também a teoria das ideologias);
b) A Linguística (teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos de
enunciação);
c) A Teoria do discurso (teoria da determinação dos processos
semânticos).
A psicanálise atravessa constitutivamente a Análise do Discurso desde a
própria concepção de linguagem, ao situar o sujeito enquanto ser que fala, que
representa o mundo simbolicamente. Esse domínio do simbólico comparece
na
Análise do Discurso na estrutura do discurso a partir daquilo que é dito, marcado
pela historicidade, pela ideologia e pelas relações de poder, por exemplo. No
entanto, para a psicanálise, nem tudo pode ser dito, nem tudo pode ser incluído na
cadeia significante. Fica sempre um resto, impossível de simbolizar. Nem por isso,
esse resto é menos importante, pois ele insiste furando a cadeia simbólica, fazendo
surgir a dimensão do não dito.
Desta
forma,
a
psicanálise
comparece
na
análise
do
discurso
possibilitando situar aquilo que foge à estrutura do discurso, como o lapso, o não
34
dito, e o lugar do sujeito fundado pelo desconhecimento. “Tal desconhecimento não
consiste numa ignorância, ele não é passivo. Ao contrário, esse desconhecimento
corresponde à própria atividade do sujeito” (MELO, 2005, p.63-64)
Além disso, esta relação entre a psicanálise e a Análise do discurso pode
ser constatada também por meio dos mecanismos imaginários enquanto processos
identificatórios do sujeito na sua alteridade ou dimensão histórica (ORLANDI, 2005).
Assim, esse contato com outros campos do saber fundamentaram a
Análise do Discurso de linha francesa, não compondo apenas uma disciplina de
instituições de ensino, mas diálogos e debates de Pêcheux com Althusser, Foucault
e Bakhtin (GREGOLIM, 2006).
Althusser, com suas releituras das teses marxistas, marcou seu
relacionamento com Pêcheux através das discussões acerca do conceito de
formações ideológicas. As formações ideológicas caracterizam-se por serem um
conjunto complexo de atitudes e de representações não individuais nem universais,
mas que estabelecem uma força contra outras forças na conjuntura ideológica de
uma certa formação social (GREGOLIM, 2006).
Pêcheux também adotou a noção de formação discursiva de Foucault.
Formação discursiva não considerada como um espaço estrutural fechado, pois é
constitutivamente “invadida‟
por elementos que vêm de outras formações
discursivas que se repetem nela, fornecendo-lhe suas evidências discursivas
fundamentais (GATED, HAK, 1997).
O conceito de discurso resulta da interpelação entre a língua e a
ideologia, o homem e a história. É uma construção social atrelada à materialidade
dos objetos de conhecimento e as modalidades de intervenção da linguagem no
processo de produção/reprodução de conhecimento. Nesse sentido, o discurso é
considerado objeto próprio da língua que funciona para produzir sentidos
(GREGOLIM, 2006).
Já Bakhtin contribuiu com a idéia de heterogeneidade do discurso,
indicando uma análise nas relações entre o intradiscurso e o interdiscurso, na
análise das não coincidências do dizer (ORLANDI, 2005). O interdiscurso ou
memória discursiva é definido como aquilo que fala antes, o já-dito que está na base
do dizível. É o saber discursivo que faz com que, ao falarmos nossas palavras façam
sentidos, o que é dizível e circula na sociedade; saberes que existem antes do
35
sujeito, saberes pré-construídos e constituídos pela construção coletiva. E o
intradiscurso é a materialidade discursiva (fala), ou seja, a formulação do texto, o fio
do discurso, a linearização do discurso (GOMES, 2006).
Esse resgate histórico metodológico assegura uma compreensão dos
referenciais teórico e filosóficos que fundamentam análise do discurso. Torna-se um
momento indispensável em toda pesquisa que se propõe a trabalhar com este
referencial, haja vista que sedimenta a coerência necessária para se alcançar as
rupturas com o método científico (SANTOS, 2006).
3.2 Conceitos fundamentais da Análise do Discurso: o sujeito, a linguagem e o
discurso
Entende-se que os conceitos de sujeito, linguagem e discurso são
basilares constitutivos do referencial filosófico da Análise do Discurso, diferenciadose da forma como são trabalhados em outras propostas metodológicas. A Análise do
Discurso critica a centralização do conceito da subjetividade e o sistema totalmente
autônomo do objeto linguístico, pois não trabalha com o objetivismo abstrato ou com
o entendimento do sujeito como onipotente (ORLANDI, 2005).
Para ela, o sujeito discursivo se constitui e se produz na linguagem, na
sua materialidade significante. É o sujeito falante que se coloca e se situa na
linguagem e pela linguagem; é o sujeito cindido por seu inconsciente.
O inconsciente é compreendido não na perspectiva de um lugar
inacessível de destino de todas as experiências humanas vividas, mas uma
instância sempre determinante e ativa que imprime o modo de operação de cada
sujeito, trazendo, inclusive, o traço singular de cada sujeito como efeito do discurso
(QUINET, 2008).
Partindo desta compreensão de sujeito, a Análise do Discurso enquanto
método, propõe uma ruptura com a suposta transparência da linguagem, onde o
sujeito não é mais visto como uma unidade, centro, indivíduo/sujeito, mas como um
ser dividido, efeito da linguagem. Ocupando um lugar de diálogos e confrontos
36
teóricos em que o pesquisador identifica a produção dos diversos contextos pelos
sujeitos, e os momentos em que esses sujeitos são atravessados por esses
contextos (CASAGRANDE, 2011).
A Análise do Discurso consiste em uma proposta teórico metodológica,
que busca superar a apreensão linear da linguagem exteriorizada, em seu caráter de
superficialidade, e assim compreendê-la de forma articulada às suas condições de
produção. Busca os significados do texto, a linguagem expressa nas relações
estabelecidas e os sentidos atribuídos a partir das condições em que o mesmo é
produzido; visa à compreensão e explicitação da história dos processos de
significação, para atingir, assim, os mecanismos de produção de sentidos
(ORLANDI, 2005).
Como ferramenta de leitura e interpretação, a Análise do Discurso trata de
buscar os significados atribuídos pelo homem, por meio da linguagem, as tramas
sociais, históricas e culturais. Nesse campo, os discursos materializam sentidos em
uma sociedade que se movimenta, “transitam pelo tempo e pelo espaço; ele nos
enredam, rodeiam-nos e nos constituem, e como construídos por uma memória, um
já-dito que os faz serem interpretados” (CRUZ, 2009, p.75). O discurso é a palavra
em movimento, prática de linguagem, o sujeito falando (GATED, HAK, 1997).
A dimensão do não dito emerge no discurso em função do silêncio e do
silenciamento; esta forma de dizer algo está fora da estrutura organizada do
discurso onde o sujeito tenta aparecer como seu único autor quando, na verdade,
ele ocupa um lugar na discursividade (ORLANDI, 2005).
Para a psicanálise esse não dito corresponde a uma fala que, ao faltar,
situa o lugar do sujeito, legitimando-o. Essa dimensão do discurso deve, portanto,
ser valorizada e situada durante a análise. Deve ainda ser buscada principalmente
quando o discurso falado pretende ser completo e pleno de sentidos, pois, é na
incompletude
do discurso que se fundam outros sentidos além do que é dito
(MELO, 2005).
Todo discurso passa pela articulação metodológica entre descrição e
interpretação. É no campo dessas relações emergem os dispositivos analíticos. A
identificação destes dispositivos se constitui em um desafio ao analista do discurso,
pois não se trata da identificação de figuras de linguagem, mas da incompletude da
língua que provoca um contínuo deslizamentos de sentidos (MELO, 2005).
37
É necessário fugir das tentações que dificultam a obtenção de uma
estrutura analítica própria da Análise do Discurso, tais como: limitar-se a descrição
do material empírico com enfoque na análise de conteúdo ou restringir-se a
exposição de inferências subjetivas, não possibilitando a apropriação do uso do
percurso metodológico (GOMES, 2006). Dessa maneira, é necessária uma
delimitação teórica do problema a ser estudado e uma articulação dos objetivos com
o que propõe a Análise do Discurso.
3.3 Desvelando o percurso metodológico
Para o desenvolvimento do estudo em questão, seguimos os seguintes
passos metodológicos:
3.3.1Tipo de pesquisa
A referente pesquisa apresenta caráter descritivo definido por Gil (2008)
como aquele que possibilita observar, registrar, analisar, correlacionar fatos ou
fenômenos sociais. Ele acrescenta ainda que o estudo descritivo propõe detalhar
acontecimentos, depoimentos e situações que qualificam a análise dos discursos de
forma mais ampla.
Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, que segundo Flick
(2009) estuda o texto como material empírico, partindo do contexto social das
realidades estudadas, com interesse no discursos dos sujeitos participantes da
pesquisa, em suas práticas e em seu conhecimento cotidiano em relação ao estudo.
3.3.2 Sujeitos da pesquisa
Antes de adentrar nessa discussão, é importante ressaltar que a idéia de
amostragem não é a mais indicada para certas pesquisas, especialmente aquelas
de cunho qualitativo. Isto se deve ao fato que o “universo” em questão são as
38
representações, os saberes, as práticas e as atitudes dos sujeitos em si (MINAYO,
2008).
Os sujeitos da pesquisa foram os enfermeiros lotados nos serviços de
saúde mental do município de Mossoró/RN; perfazendo o total de nove enfermeiros
colaboradores da pesquisa, sendo quatro enfermeiros dos Centros de Atenção
Psicossocial – CAPS’s e cinco enfermeiros do Hospital Municipal Psiquiátrico.
Para seleção dos sujeitos da pesquisa, utilizamos como critérios de
inclusão: exercer a função de enfermeiro e trabalhar diretamente com os sujeitos em
sofrimento psíquico, tendo participação ativa nas diversas atividades terapêuticas
individuais e coletivas desenvolvidas fora e dentro do serviço de saúde mental. Já os
critérios de exclusão foram: ser enfermeiro com menos de seis meses de trabalho no
serviço; trabalhar somente no turno noturno ou finais de semana; ter carga horária
inferior a 20 horas semanais; estar afastado do serviço por motivo de doença, férias,
transferência ou greve.
Em busca de recrutar os possíveis participantes, fui em cada serviço de
saúde entregar pessoalmente uma carta em forma de convite aos enfermeiros.
Neste convite constava as etapas do desenvolvimento da pesquisa, sendo
explicitado o tema proposto, o objeto de estudo e como seria realizada a produção
dos dados. Nesse momento, foi negociado hora, data e local para a coleta das
informações, de maneira que o enfermeiro pudesse comparecer a realização da
pesquisa, sem que esta oferecesse algum empecilho ou comprometesse as ações
que estes profissionais realizavam no serviço de saúde mental.
3.3.3 Locais da pesquisa
O movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil propôs mudanças nas
formas de atenção ao sujeito em sofrimento psíquico, substituindo estruturas de
isolamento e exclusão para o fortalecimento de espaços propícios para o uso da
escuta na produção do cuidado clínico em saúde mental (BRASIL, 2001a).
O estudo foi realizado com enfermeiros inseridos nos serviços, a saber:
em três Centro de Atenção Psicossocial e um Hospital Municipal Psiquiátrico. Esses
serviços de saúde estão articulados com a Unidade Integrada em Saúde Mental -
39
UISAM e com as Unidades Básicas de Saúde - UBS, constituindo a rede de saúde
mental do município de Mossoró-RN.
O fluxo do atendimento ao sujeito em sofrimento psíquico pode iniciar
com sua ida a uma UBS, que de acordo com as suas necessidades identificadas,
pode ser referenciado para UISAM. Este é um serviço de referência regional em
saúde mental, onde a partir desta unidade, o sujeito terá acesso ao atendimento
ambulatorial (psicologia, psicanálise, psiquiatra, enfermagem e assistente social) ou
será encaminhado para acompanhamento terapêutico nos CAPS ou internação
imediata no Hospital Municipal Psiquiátrico..
Os CAPS’s são instituições públicas inseridas no Sistema Único de
Saúde, sob exigências propostas pela Reforma Psiquiátrica que preza pelo
deslocamento das práticas psiquiátricas para práticas de cuidado intensivo,
comunitário, personalizado e promovedor de vida. Constitui-se por uma equipe
multiprofissional, desempenhando o papel de regulador da porta de entrada da rede
de atenção em saúde mental (BRASIL, 2004).
Já o Hospital Municipal Psiquiátrico dispõe de 160 leitos conveniados ao
Sistema Único de Saúde – SUS, do Ministério da Saúde. É um hospital de referência
na assistência psiquiátrica no Rio Grande do Norte – RN, que conta com cerca de
140 profissionais entre enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos, psicólogos,
assistentes sociais, terapeutas ocupacionais etc.
A escolha desses profissionais decorreu do fato de que eles atuam
enquanto agente terapêutico, coordenador do trabalho em equipe da enfermagem.
Essa atuação objetiva prestar cuidados aos sujeitos em sofrimento psíquico com uso
de ferramentas voltadas as relações, as intervenções, as produções de
conhecimento que se constituem no encontro entre o trabalhador em saúde e o
usuário (KIRSCHBAUM, 2000).
3.3.4 Procedimentos éticos e produção dos dados
Esta pesquisa foi construída sob a égide da Resolução 196/96 (BRASIL,
1996), assegurando os elementos fundamentais que resguardam os direitos
humanos e o respeito à Ética da pesquisa. Consideramos também as prescrições da
40
Resolução n.o 311/2007, que trata do Código de Ética dos profissionais de
enfermagem, ressaltando as disposições presentes no seu capítulo III, que trata da
produção científica (COFEN, 2007). Dessa forma, a pesquisa foi submetida ao
Comitê de Ética da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN e
aprovada com o parecer nº 60577 (ANEXO 1).
Ao iniciar a pesquisa, realizamos os devidos esclarecimentos aos
entrevistados, deixando claras as questões quanto ao anonimato do entrevistado, a
participação voluntária e a inexistência de ônus para o entrevistado. Ainda antes da
entrevista acontecer, todos enfermeiros assinaram o Termo de Consentimento Livre
(APENDICE 1) onde ficou certificado que as informações coletadas teriam caráter
sigiloso, não havendo nenhuma menção nominal.
No campo da saúde, o segredo profissional demanda amparo legal e
proporciona ampla utilidade prática e social, na medida em que relaciona postulados
éticos que carecem ser desempenhados. Partindo desse pressuposto, os
enfermeiros foram protegidos por meio da codificação, cada sujeito entrevistado será
identificado por (Enfermeiro). Á medida que foi efetivada as entrevistas, foi
acrescentado a palavra (Enfermeiro) um numeral, em algarismo arábico, em ordem
crescente.
Na etapa de produção das informações, foi adotada a entrevista semiestruturada como técnica. Conforme Flick (2009), a entrevista semi-estruturada é
amplamente utilizada nas pesquisas qualitativas e têm atraído o interesse dos
pesquisadores em virtude da maior possibilidade dos entrevistados expressarem o
seu ponto de vista em uma situação de entrevista com um planejamento aberto do
que em uma entrevista padronizada.
Este tipo de entrevista utiliza-se de certos questionamentos comuns para
todos os entrevistados a partir de um instrumento apoiado num referencial teóricometodológico, existindo uma flexibilidade de introduzir novas questões na medida
que o pesquisado é entrevistado (LICHTMAN, 2010).
Optamos pela entrevista semi-estruturada por esta permitir que o
entrevistado discorra livremente sobre a temática sem se prender à indagação
formulada, obtendo assim um maior produção de informações. Outro ponto de
interesse é devido esse instrumento de coleta de dados possibilitar a presença do
pesquisador facilitando o esclarecimento sobre a pesquisa e incompreensões do
41
pesquisado.
As entrevistas foram registradas através de um mini gravador de voz
digital Sony Px-720, e posteriormente transcritas para leitura. Os dados foram
armazenados em CD-ROM e serão guardados por um período de 05 anos.
Concordamos com Gomes (2007) que esse processo de comunicação
não deve acontecer de forma seriada e mecânica, resumido a mera transmissão de
informações, mas sim pelos sentidos construídos a partir dos agentes que
interagem, incluindo condição básica para o acontecimento, a visão de mundo, entre
outros aspectos que determinam o dizer e o não-dizer.
Realizamos visitas aos referidos serviços, na data e no horário agendado
com os enfermeiros no intuito de iniciar a coleta de dados. Nesse momento, foi
apresentado ao entrevistado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE),
solicitando a permissão para gravar os seus discursos.
Primeiro, solicitei informações sobre tempo de trabalho, forma de
contratação, qualificação acadêmica e experiência profissional que possibilitaram a
caracterização dos entrevistados. Em seguida, o momento da entrevista foi iniciado
a partir dos seguintes questionamentos: Fale-me sobre as atividades de
enfermagem que você desenvolve. Fale-me também como você escuta esses
sujeitos em sofrimento psíquico.
3.3.5 O processo de análise do discurso
Destacam-se três etapas do processo de realização da Análise do
Discurso e suas correlações (ORLANDI, 2005):
1ª etapa – Passagem da superfície linguística para o objeto discursivo;
2ª etapa – Passagem do objeto discursivo para o processo discursivo;
3ª etapa – Constituição dos processos discursivos
Após a realização das entrevistas com as suas transcrições, foi
constituído o corpus do estudo; cuja produção se dá pela relação entre ideologia,
história e linguagem, fundamentada na intersecção de epistemologias distintas
pertencentes as áreas da linguística, do materialismo dialético e psicanálise
42
(GREGOLIM, 2006).
Nesta primeira etapa, a transcrição ocorreu de forma literal preservando
todas as partículas discursivas, além disso destacou-se a enunciação no contexto
discursivo e uso de recursos lingüísticos pelos sujeitos. Este procedimento buscou
preservar os sentidos produzidos na enunciação, diferente do que acontece em
outras propostas de análise de dados, como a análise de conteúdo de Bardin (2009),
que desconsidera o uso desses elementos da materialidade linguística (GOMES,
2006).
Em seguida, realizou-se uma primeira leitura para dar materialidade
lingüística ao discurso. O material linguístico é constituído, principalmente, de
elementos e microssistemas lexicais, que organiza a expressão da subjetividade
linguística (SAFARTI, 2010).
Para identificação dos recursos linguísticos presentes nos discursos dos
enfermeiros sobre escuta na atenção ao sofrimento psíquico, foram utilizados os
seguintes indicadores de texto:
Reticências com parênteses (...): representando uma pausa no
pensamento.
Interrogação (?): representando uma pergunta ou um questionamento.
Exclamação (!): representando surpresa, espanto ou ênfase.
Vírgula (,): representando uma breve pausa na fala, posteriormente
continuada.
Ponto (.): representando o término de uma enunciação discursiva.
Travessão ( --): representando o início de uma enunciação discursiva.
Negrito no texto: representando uma descrição do que ocorreu, mas
que não se expressou pela linguagem verbal; como, por exemplo, o aumento ou a
diminuição no tom da voz, risos, pausas, choros, interrupções, expressões de
concordância (né, tá, hum hum) e outras partículas lingüísticas.
Texto em itálico dentro de colchetes: representando um comentário do
pesquisador esclarecendo a enunciação ou motivando os sujeitos pesquisados a
falarem.
O uso desses marcadores de produção de sentido possibilitaram a
43
dessuperficialização do corpus, caminhando da superfície linguística para o objeto
discursivo (GATED, HAK, 1997). Foi necessário uma leitura exaustiva do corpus,
buscando a superação de uma análise apriorística dos discursos; as primeiras
leituras tiveram o propósito de possibilitar a superação da superfície linguística à
compreensão do objeto discursivo. No momento seguinte, os procedimentos
convergiram para a articulação do objeto discursivo para o processo social onde o
mesmo é produzido (GOMES, 2007).
Nessa segunda etapa, entendida como busca da passagem do objeto
discursivo para o processo discursivo, foram identificados os seguintes dispositivos
analíticos:
metáfora, polissemia,
paráfrase,
interdiscurso
e a
negação. A
identificação destes dispositivos possibilitou compreender os sentidos das palavras e
dos enunciados, imprescindíveis ao processo de desvendamento de uma
discursividade (GOMES, 2006).
A metáfora é definida como o fenômeno semântico produzido
por uma substituição contextual, pelos deslizamentos de sentidos; é a tomada
de uma palavra pela outra através de um mecanismo de transferência.
A polissemia externa os múltiplos sentidos produzidos pelo
sujeito, o diferente do já dito. Expressa uma ruptura na continuidade
discursiva e onde se tem a escassez do discurso e, a partir desta, novos
sentidos são produzidos. Este dispositivo, por sua vez, evidencia para uma
mesma palavra, por exemplo, sentidos diferentes quando ela situa-se em
formações discursivas distintas.
Os processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo
dizer há algo que se mantém, consistem em diferentes formulações do
mesmo dizer sedimentado, estabilizado (GOMES, 2006).
No interdiscurso, o sujeito elabora o seu dizer remetendo-o a
outros discursos em função da sua aproximação com os mesmos e das suas
posições ideológicas; esta condição resulta também da posição que o sujeito
ocupa no contexto discursivo, “[...] é o que chamamos memória discursiva: o
saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do
pré-construído, o já-dito que está na base do dizível” (GOMES, 2006, p. 623).
No interdiscurso, o dizer também é retomado, mas em uma relação de
esquecimento que insiste em dizer algo que já foi dito, mas que tem status de
44
“novo” para o sujeito, uma forma de ser original (ORLANDI, 2005).
A negação diz respeito a algo que está recalcado1 no plano da
consciência, mas que surge no discurso como retorno do recalcado, sob a
forma de alteridade, de não ser, em oposição ao discurso já instituído, pois
trata-se de um dito que não está autorizado a se dizer naquele momento
discursivo. De acordo com Indursky (1990) a negação surge no interior da
memória discursiva evidenciando o sujeito constituído pelo esquecimento do
que o determina. No entanto, negar o inconsciente não significa que ele não
exista, ele persiste mesmo assim, nos atos falhos, fazendo sonhos,
articulando sintoma, definindo estrutura, lançando efeitos a sua história de
vida.
A partir da identificação desses dispositivos analíticos foi possível
construir tanto aquilo que a analise do discurso chama de formações discursivas
como também a dimensão do não-dito. Esta construção faz parte da terceira etapa
da Análise do Discurso, que se constitui com a análise dos processos discursivos
definidos como um conjunto de enunciados na medida em que se apoiam em uma
mesma formação discursiva. Há um processo de delineamento das formações
discursivas pela sua relação com a ideologia, o que permite compreender como se
constituem o sentido desse dizer (FOUCAULT, 2005).
A formação discursiva em uma formação ideológica, determina o que
pode e deve ser dito em uma sequência discursiva, num interior de um aparelho
ideológico e inscrito em uma relação de classes (GADET, HAK, 1997). Esse
processo acontece em consequência da articulação do enunciado com a enunciação.
Enquanto o enunciado enseja várias enunciações dispersas no tempo e no
espaço, a enunciação se constitui como um acontecimento singular, datado e situado,
o que faz com que o sujeito seja caracterizado como o mesmo e o diferente, como
repetição e diferença (ORLANDI, 2005).
Os enunciados surgem a partir da interpelação dos sujeitos enquanto
autores do seus discursos, e assim, o processo de enunciação acontece no lugar que
esses sujeitos ocupam na sociedade. Nesse lugar, o discurso do sujeito é produzido e
atravessado pela memória discursiva que é regida por discursos externos ao sujeito.
1
Freud ([1914] 2006) revela que o recalque é o que promove o inconsciente, uma vez que
opera uma separação deste com a consciência.
45
O sujeito é, pois, marcado pelo processo ilusório de ser a fonte de sentido,
o que Pêcheux (1975/1990) chama de esquecimento número um, e de ser o mestre
absoluto do seu próprio processo de enunciação, o que chama de esquecimento
número dois.
O esquecimento número 1 é o que dá conta do fato de que o sujeito falante
não pode, por definição, se encontrar no exterior da formação discursiva
que o domina. Ou seja, o sujeito se constitui pelo esquecimento do que o
determina. Ele se constitui pela sua inscrição na formação discursiva. [...] O
esquecimento número 2 é da ordem da formulação. O sujeito esquece que
há outros sentidos possíveis. Ao longo de seu dizer vão-se formando
famílias parafrásticas de tudo aquilo que ele podia dizer, mas não disse
(ORLANDI, 2006, p. 21)
A interpelação para produção dos discursos não é um processo
automático, pois os questionamentos surgem a partir das falas dos entrevistados,
submetidos à lei da contradição e desigualdade que caracteriza o complexo da
formação
ideológica,
das
quais
as
formações
discursivas
são
projeções
(CASAGRANDE, 2011).
As formações ideológicas são constituídas de uma ou mais formações
discursivas interligadas. Isto nos permite dizer que na Análise do Discurso o sujeito é
interpelado como sujeito do seu discurso, sempre inserido no interior de uma
formação discursiva que, por sua vez, pertence a alguma formação ideológica
(CASAGRANDE, 2011).
Na constituição dos processos discursivos, pode-se identificar a formação
imaginária, base constituinte das condições de produção do discurso que autoriza o
que pode ser dito, o que não pode ou que não é permitido ser dito (GOMES, 2006).
Pêcheux (1975/1990) define a formação imaginária como um mecanismo de
funcionamento discursivo, resultante da projeção de imagens “dos sujeitos entre si,
dos sujeitos com os lugares que ocupam na formação social e dos discursos já-ditos
com os possíveis e imaginados” (FERREIRA, 2001).
Em sua produção, o discurso abriga um dito e ao mesmo tempo um nãodito cuja apreensão faz parte do processo da análise; o não-dito se relaciona com a
ideologia e com a formação imaginária. Representa uma parte do que é dito e não o
foi devido ou às sanções impostas pelo contexto de produção do discurso, processo
este denominado de silenciamento.
46
O silêncio e o silenciamento também correspondem a um momento de
ruptura onde o sujeito comparece no discurso, pois, através desses processos o
sujeito encontra espaço para dizer algo além daquilo que ele está autorizado a falar,
enquanto alguém que ocupa um lugar na discursividade. Essa ruptura pode marcar
o discurso a partir dos desejos do sujeito que enuncia em uma determinada
formação discursiva (ORLANDI, 1995).
Da mesma forma que o discurso elaborado verbalmente, o silêncio faz
parte do acontecimento discursivo e integra uma sequência de enunciados dentro de
um contexto discursivo. Seu aparecimento também é uma função discursiva em
relação à exterioridade onde ele é produzido. O silêncio aqui não quer dizer que algo
está implícito, ou que já está contido no discurso; ele é na verdade um modo de
estar no sentido, com status de fundador de novos sentidos. E “se a linguagem
implica silêncio, este, por sua vez, é o não dito visto do interior da linguagem. Não é
o nada, não é o vazio sem história. É silêncio significante” (ORLANDI, 1995, p. 23).
A Análise do Discurso indica um caminho importante para a análise de
objetos de pesquisa na enfermagem e no campo da saúde, principalmente em
relação a subjetividade e a realidade do sujeito que se pretende investigar.
Enquanto referencial e método de pesquisa, a Análise do Discurso aposta
em um movimento de mudança na forma de realizar a produção do conhecimento e
em uma apreensão diferente das relações do sujeito com o seu discurso, buscando
a superação da apreensão da fala numa visão cartesiana que desconsidera a
subjetividade do discurso. Estes movimentos se originam a partir da necessidade de
quebrar, rachar as palavras e extrais os seus significados (FINK, 1998).
4 A ESCUTA NO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL:
UMA ANÁLISE DO DISCURSO
47
Nesse capítulo apresentaremos a análise da produção discursiva dos
enfermeiros entrevistados a partir de quatro tópicos. Inicialmente realizamos uma
caracterização dos sujeitos entrevistados com vistas a situar o leitor acerca de quem
são estes sujeitos que falam. Em seguida procedemos à análise das formações
discursivas encontradas, a saber: a escuta no discurso biomédico; a escuta no
discurso da enfermagem vocacional religiosa;
a escuta no discurso psicossocial.
Apresentamos a seguir a análise da formação ideológica que subsidia estas
formações discursivas, a qual optamos chamar de “médico-científico-capitalista”. Por
fim, apresentamos os pontos de ruptura com essa formação ideológica que
encontramos nos discursos dos enfermeiros sob a forma de negações, não-ditos e
outras modalidades de presentificação do sujeito.
4.1 Caracterização dos sujeitos
A Análise do Discurso nos apresentou noções, princípios e funcionamentos
capazes de apreender materialmente o processo da própria construção histórica e
ideológica dos discursos dos enfermeiros e das enfermeiras sobre a escuta aos
sujeitos em sofrimento psíquico.
Cada enfermeiro e enfermeira, em seu local de trabalho, foi interpelado(a)
como sujeito de seu discurso, que segundo Lacan (1953-1954/1985) é um sujeito
marcado pelo efeito de linguagem, que permite um rompimento com a forma sujeito
indivíduo/sujeito ou com a ideologia da sua transparência.
Nesse instante, faz-se necessário conhecer quem foram os sujeitos que
fizeram parte desta pesquisa, sendo respeitado os seus aspectos ético-legais. Estes
entrevistados não foram aqui tomados como objetos diante de um analista neutro,
mas se constituíram realmente sujeitos/objetos dentro de uma estrutura da qual
interlocutor/pesquisador faz parte.
Quadro 1 – Caracterização dos sujeitos do estudo, Mossoró-RN, 2012.
Sujeitos da
Tempo de
Vínculo
Qualificação
Experiência
48
pesquisa
Enfermeiro 1
trabalho
15 anos
empregatício
Concurso
professional
profissional
Especialização em Hospital
Enfermagem
do Hospital,
Trabalho,
Psiquiátrico
Obstetrícia,
Maternidade
Educação
12 anos
Concurso
e
em Centro de Atenção
Saúde.
Enfermeiro 2
Geral,
Psicossocial
Especialização em Hospital
Saúde
Mental
e Psiquiátrico, Centro
Psiquiatria
de
Atenção
Psicossocial
Estratégia
e
Saúde
da Família
Enfermeiro 3
29 anos
Concurso
Especialização em Hospital
Saúde
Mental
Geral
e
e Hospital
Psiquiatria,
Psiquiátrico
Obstetrícia,
Educação
em
Saúde.
Enfermeiro 4
1 ano
Concurso
Especialização em Hospital Geral
Enfermagem
do
Trabalho
Enfermeiro 5
5 anos
Concurso
Especialização em Hospital
Enfermagem
Geral,
do Hospital
Trabalho e Saúde Psiquiátrico
Mental e Psiquiatria
Estratégia
e
Saúde
da Família
Enfermeiro 6
6 meses
Contrato
Enfermeiro 7
25 anos
Concurso
-
-
Especialização em Hospital
Enfermagem
Geral,
do Gestão e Estratégia
Trabalho, Saúde da Saúde da Família
Família e Gestão
em Saúde
Enfermeiro 8
1 ano
Contrato
Especialização em Hospital
Geral
e
Unidade de Terapia Psiquiátrico.
Intensiva
Enfermeiro 9
30 anos
Concursado
Especialização em Hospital
Geral
e
49
Educação
em Psiquiátrico.
Saúde
Apesar da análise do discurso não se preocupar com o aspecto quantitativo
dos sujeitos do estudo, é importante registrar que a princípio pensamos entrevistar o
total de 16 enfermeiros que atuam nos serviços de saúde mental. No entanto, alguns
desses enfermeiros não se enquadraram nos critérios de inclusão ou não aceitaram
participar da pesquisa.
Foi na minha interlocução e nos meus encontros discursivos com os
enfermeiros que os resultados e discussões surgem e se justificam. É uma pesquisa
construída de interação e constituição de sujeitos na linguagem, que de acordo com
Wittgenstein (1979), a linguagem antes de constituir uma representação estrutural e
de reflexão, é uma forma de vida.
Os entrevistados resgataram memórias da psiquiatria tradicional, da
enfermagem religiosa vocacional e da Reforma Psiquiátrica, produzindo discursos
mediante condições que lhe autorizaram a dizer o que poderia ser dito e por quem,
em um campo discursivo (FOCAULT, 2005). No estudo tomado aqui, como exemplo,
identificamos a constituição de três formações discursivas, a saber: a escuta no
discurso biomédico; a escuta no discurso da enfermagem vocacional religiosa; a
escuta no discurso psicossocial.
4.2 A análise das formações discursivas dos enfermeiros acerca da escuta em
saúde mental
4.2.1 A escuta no discurso biomédico
Essa formação discursiva envolve os elementos que apontam para uma
concepção de escuta pautada nos pressupostos da psiquiatria moderna, amparada
por um discurso científico, que objetifica o sujeito em sua doença. De acordo com
Camargo Júnior (2005), esse modelo biomédico é reflexo da ciência moderna que
influencia uma separação entre o sujeito e sua vida, entre o corpo que adoece e o
50
corpo do sujeito apreendidos de forma fragmentada e objetificada, sob a ótica da
racionalidade médica.
O discurso biomédico na saúde mental funciona enquadrando uma queixa
que é eminentemente psíquica a um modelo de adoecimento que, como tal, é lido
como doença no corpo. Assim, busca atender os anseios de uma justificativa
científica para o tratamento dado ao louco nos serviços de saúde mental. De fato,
existe uma divisão constante entre normal e anormal, como também "um conjunto
de técnicas e de instituições que assumem como tarefa medir, controlar e corrigir os
anormais" (FOUCAULT, 2004, p.176).
No campo da psiquiatria, percebemos que esse discurso tem suas raízes
ainda no campo de saberes da psiquiatria clássica, onde a loucura começa a ser
definida como uma negatividade, em oposição ‘a aura mística que detinha durante a
Idade Média. Foucault (2008) afirma que a “alienação” dos pacientes, com vistas a
exclusão, era uma prática constante da medicina. Essa concepção de loucura,
fundamentada na alienação mental, é difundida por Philippe Pinel (1745-1826) como
sendo um desarranjo das faculdades cerebrais, sinônimo de erro, de desrazão, de
desordem, cujo produto era a imoralidade ou as paixões excessivas.
Sob esta ótica organicista, os tratamentos destinados a loucura eram
dirigidos a modificação, ao julgamento, a condenação, a repressão de falas e de
comportamentos inadequados, portanto, sem nenhuma prática terapêutica (MILLANI;
VALENTE, 2008).
No século XVII, com o mercantilismo, começam a ser encarcerados todas
as pessoas consideradas perturbadores da paz social e que eram obstáculos ao
crescimento econômico. A prática de retirá-los do convívio social, seja enviando-os
em embarcações marinhas, seja fechando-os em celas e calabouços, asilos e
hospitais, foi um elemento predominante desta época. Somente com a Revolução
Francesa que se iniciou um retorno dos excluídos ao meio social: os idosos, os
mendigos, os assassinos, os leprosos, entretanto os ditos loucos foram mantidos em
internamento com fins de recobrarem sua razão, serem curados de sua alienação
para se tornarem sujeitos de direito (TORRE; AMARANTE, 2001).
Nessa época, os locais de internamento eram comandados por diretores
com atuação vitalícia, de poder amplo, com jurisdição sobre o urbano. Aquele que
transgredia as normas, era trancado nessas instituições para se ter o controle do
51
social. Os considerados “calmos” eram separados dos “agitados”, os “calados” dos
“logorréicos”, ou seja, os sinais e os sintomas comuns determinavam as condutas de
segregação dos loucos através da observação sistemática de comportamentos e
dos diagnósticos para facilitar a padronização do tratamento (FOUCAULT, 2008).
No século XVIII, surge o hospital psiquiátrico como espaço terapêutico
que também serviu para objetivação da loucura pela medicina. Tornou-se uma
instituição médica e assim, perdeu cada vez mais suas funções de origem de
caridade e depois de controle social; na mesma proporção passou a assumir uma
nova finalidade a de tratar os enfermos. A razão moral e ética daquele momento
histórico classificou a loucura ainda como desrazão, propondo sua exclusão do
convívio social, através da internação em massa (FREITAS, 2004).
A realização desse resgate histórico nos permite perceber como a escuta,
ainda hoje, vai ser tomada como um instrumento à serviço do modelo biomédico. O
discursos dos enfermeiros são atravessados pelo discurso da psiquiatria tradicional,
pois esse mesmo discurso é um lugar ocupado pelos sujeitos que os autoriza a
reproduzi-lo.
O sujeito, nesse modelo é paciente, passivo e submetido a tratamentos
baseados na observação. Do outro lado está o profissional (enfermeiro, no nosso
caso)
regido pela clínica do olhar 2 , é um observador, que olha aquilo do seu
interesse, portando um saber tornado prévio, a partir de manuais, normas e rotinas. O
olhar desse enfermeiro busca o que já é determinado, que está classificado. O
discurso do sujeito em sofrimento psíquico é negado, pois é desvalorizado,
desqualificado, destituído de verdade. Há um outro que detém o saber, o saber do
especialista, e que diz tudo sobre o paciente. Assim,
Desqualificar a fala do sujeito equivale, portanto, a criar as condições de
desqualificação, de ausência de qualidades, que pavimentam as vias de
acesso do inconsciente à fala, ao discurso concreto do sujeito. Desqualificar
a fala do sujeito é o equivalente a “qualificar” o sujeito do inconsciente como
“um sujeito sem qualidades” e é a única forma de criar um acesso
precisamente pela via da fala assim proposta a que o sujeito do
inconsciente possa emergir nessa fala (ELIA, 2004, p.6).
Nesta perspectiva biomédica, o cuidado de enfermagem se caracteriza por
2
Termo ligado ao trabalho de Foucault (2008) em seu livro “O Nascimento da Clínica”.
52
atividades de observação do comportamento e da fala dos pacientes para subsidiar o
trabalho do psiquiatra, visto que, através dos olhos da enfermagem, conhece-se a
doença para propor intervenções. “O ‘enfermeiro’ é um agente situado entre o guarda
e o médico do hospício, devendo estabelecer entre aquele e o doente a corrente do
olhar vigilante” (MIRANDA, 1997).
Diante desse olhar vigilante, a fala do paciente é percebida como
desencaminhadora, indicativa da periculosidade do mesmo. Um indício desse
discurso são as metáforas identificadas na fala dos enfermeiros sobre a aplicabilidade
da escuta, tais como: olhar, observar, visualizar o comportamento, colher dados.
o paciente vem algemado no carro da policia, o paciente que vem contido
na ambulância, então o paciente está sedado, já vem medicado no normal
dele, ver estrutura de níveis, a gente vai até o carro, observa como está o
paciente. Se for possível, quero conversar com ele lá para colher mais ou
menos como está o nível de orientação dele (Enfermeiro 1)
quando ele chega ao serviço, a gente tem que estar habilitada a estar
escutando, estar atenta e estar vendo o que as pessoas geralmente não
veem, então a gente tem que ter um olhar muito apurado, escutar muitas
vezes o paciente, às vezes nem escutar, mas visualizar o comportamento, o
andar, como é que ele se senta, como é que ele olha para você, como é
que está o comportamento dele, porque às vezes ele está dando sinais de
que não está bem, só que não verbaliza isso (Enfermeiro 2).
Essa escuta é feita passível com o comportamento do paciente, tendo em
vista que pra pra (...) esse olhar profissional. A gente tem que olhar como
ele está para entender o paciente. A gente tenta ficar próximo do paciente
todo dia, reconhecendo quando ele está frequentando, visualizando
mudanças de comportamento, mudanças de atitude, a higiene, a maneira
de falar. A gente colhe a história que ele trouxe de sua casa hoje, a história
que ele vai trazer amanhã para o médico tratar a doença mental (Enfermeiro
8).
Outra metáfora que aponta para o desvalorização da fala do paciente
nesse modelo biomédico é a conversa, dita também como “conversa feia”.
O que ele conversa, o que ele leva ali, de certa forma demonstra perigo ou
não. Se for uma conversa feia não tem como tirar (...) ter uma lógica
(Enfermeiro 1)
E quando eu entro pra (...) na ala (...) na parte do paciente, eu procuro
conversar, conversar com ele: o que foi que houve? Porque as vezes eles
ficam muito retraídos, trancados, as vezes é uma conversa feia que eles
não querem dizer a família, se inibe. Tem tem (...) cada tipo de conversa
53
que não sei o que dizer a ele (Enfermeiro 4).
Percebemos aqui uma referência a uma fala que, por não se encaixar na
lógica racional do profissional enfermeiro, passa a ser desconsiderada. Essa metáfora
“conversa feia” aponta para uma polissemia, pois quando contrapomos à fala do
paciente, que instrumentaliza a prática do enfermeiro, esta polissemia serve para
observar, ajudar, orientar, resolver problemas. A palavra do sujeito só comparece
quando necessária para legitimar uma intervenção objetificadora.
O que eu escuto? (...) escuto verificando se ele está orientado,
desorientado, se na conversação dele se ele tem ideias frouxas, se teve
inquietação do pensamento, se é delirante, se está segregado, a gente vai
olhar o humor, observar o humor, observar o afeto, seu acesso de vontade
se está tudo adequado (Enfermeiro 1).
Então você vai vendo, vai começando a perguntar, vai sentindo, vai vendo o
comportamento, vai vendo o jeito de olhar para você, olhar o nível de
orientação, de suicídio (...) como é que ela responde, se está agressivo, se
está descuidada com a aparência, se ela tem crise de choro (...) Quando
vejo o paciente já sei tudo sobre ele (Enfermeiro 2).
A gente procura, eu pelo menos procuro muito ver as reações, as mudanças
de comportamento é é é (...) se ele é agressivo (...) é tipo assim (...) é como
se fosse uma forma de você colher aquilo, aquele ponto X do inicio daquele
distúrbio dele. [...] Então eu vou buscar aquele X, vou buscar lááá no
começo: como foi que você começou a se perturbar? Como foi que você
começou a ficar com a essa dor de cabeça? Como foi que você começou a
perder seu sentido? Oriento como ele vai agir com a família dele, digo como
irá resolver os problemas do distúrbio (Enfermeiro 4).
Partindo do principio do modelo biomédico, os profissionais impedem que
o sujeito participe do seu tratamento; durante a escuta, negam suas relações
familiares e sociais, seus desejos, suas histórias de vida. Aqueles que vivenciam o
sofrimento psíquico são caracterizados como doentes mentais e, portanto, passíveis
de cura. O foco principal da assistência se detém nos sinais e sintomas
manifestados
e
no
estabelecimento
de
diagnósticos
que
determinam,
consequentemente, em condutas de isolamento e exclusão (FOUCAULT, 2008).
Esse discurso biomédico aparece cristalizado nas falas dos entrevistados,
quando, mesmo lidando com problemas que dizem respeito a uma dimensão
psíquica, dirigem seu olhar para buscar as alterações e intervenções no corpo
conforme o modelo médico:
54
Observando e depois escuto. Observo o comportamento. Seria assim, a
linguagem não-verbal do paciente, a linguagem corporal. Tem-se a
linguagem verbal e linguagem não verbal. Na psiquiatria utiliza-se muito a
linguagem do corpo, a forma como o paciente está se expressando naquele
momento. Utiliza-se a linguagem não verbal, que a partir daí, entra em
contato verbal com o paciente e procura puxar a dúvida dele, o que está
acontecendo, para poder tentar tirar ele daquela crise atual que ele tá tendo
(Enfermeiro 1).
Então assim, a gente no hospital o enfermeiro tem esse papel, assim,
decisivo para contribuir para o tratamento dele, porque ele visualiza o
paciente quando chega, a forma que ele está, a gente tem como fazer aqui
no hospital direitinho (...) Recebe esse paciente e vê as condições de
higiene, o exame físico, como é que ele era tratado em casa (...) porque a
gente vê quando o paciente chega, qual o paciente que é bem tratado e
quando não é. E ai a gente vai acompanhando [...] Colho as informações
dele (...) colho tudo dele na entrega da medicação. Eles me dizem tudo que
eu pergunto quando eles gostam de mim (Enfermeiro 4).
Esses discursos são constituidores dos corpos frios ditos por Kruse (2004,
p. 15-16) “como despojados daquilo que lhes confere uma determinada identidade e
os encarna na história”. É mais fácil o enfermeiro manipular um corpo frio com
sobremacia de seu poder e saber do que considerar a demanda do sujeito, o que ele
fala de seu sofrimento para orientar a sua prática de escuta.
Como um ritual de objetivação, o corpo do paciente é dividido através de
um instrumento para ser analisado em suas partes. A observação incide no
detalhamento do corpo que é só possível a partir do que está aparente no exame
físico ou no exame psíquico. Foucault (2004, p.154) afirma que a realização desse
exame tem caráter disciplinador haja vista que “manifesta a sujeição dos que são
percebidos como objetos e a objetivação dos que se sujeitam”. Dessa forma, nos
serviços de saúde mental, os enfermeiros realizam a escuta do corpo através de um
roteiro de entrevista formado por perguntas prévias:
a gente fez um roteiro básico, um roteiro simples para colher tudo, toda
informação dele (...) a gente colhe os dados do paciente, que a gente colhe
as doenças pré-existentes, se tem diabetes, pressão alta, cardíaco, se tem
alergia a alguma coisa, se está tomando a medicação, principalmente os
pacientes de vários internamentos, se está bem, se passou mal, se está
tomando a medicação e senão está tomando , porque não está tomando ,
com quem ele mora, quantas pessoas moram em casa, se tem alguma
renda, aí colhe o nível de observação, faz o exame físico, olha se tem
algum ferimento, o que ocasionou o ferimento, foi auto lesionado, foi por
agressão, então tudo isso faz parte da coleta, tudo isso é anotado,
colocado, faz parte do exame físico, do histórico das doenças que ele possa
ter e aí vai pra pra o exame psiquico (Enfermeiro 1).
55
A gente pede documento RG, CPF ou outro documento que tenha as
informações pra gente preencher aqui no prontuário. Peço que diga
endereço, se é casado ou solteiro, como é sua moradia e sua relação com a
família. E depois pergunto: - como é? Porque você tá aqui? O que você
tem? Tenho o maior cuidado de anotar tudo (...) é é é Então, tudo isso é
registrado, de tudo mesmo, quando a gente costuma evoluir. Aqui fica uma
rotina da gente evoluir por causa do problema né? (...) isso aí é a rotina,
aqui tem essa necessidade na primeira consulta da gente evoluir os
pacientes e a escuta, eu particularmente, eu costumo valorizar muito
(Enfermeiro 9).
O paciente é alvo de uma escuta pelo enfermeiro de cada parte do seu
corpo como meio para colher informações. Isto respalda a prática médica em busca
da identificação de um diagnóstico de doença que, por sua vez, repercute nas
práticas de enfermagem. Os diagnósticos catalogados no CID – 10 constituem sinais
e sintomas passíveis de serem eliminados através de tratamento medicamentoso e
comportamental. Conforme Soler (1996), aquele que sofre pode está sob efeito de
quantificação e padronização, numa perspectiva de excluir a singularidade inerente
à história do sujeito. Por tantas vezes, os discursos dos enfermeiros traduziram as
queixas dos sujeitos em sofrimento psíquico em quadros clínicos, até os
quantificando conforme o modelo científico.
Quando um paciente é esquizofrênico, você sabe que aquele problema (...)
você sabe lutar com aquele problema, pode ser grave ou leve, mas com
droga ele é muito de momento, quando ele está naquela abstinencia, ele
pode se revoltar com você, pode fugir, querer fazer qualquer coisa
(Enfermeiro 4)
O paciente pode ficar muito agressivo, deprimido demais (...) O paciente se
torna difícil porque às vezes ele está em sofrimento psíquico tão grande,
assim, ao ponto de estar desorientado, ou então demonstrar total recusa pra
nossa situação de aproximação. Ele pode ser urgenciado, aí eu costumo
conversar depois o porquê daquela necessidade, o porquê que ele precisou
ser contido também. Também se manter na emergência, ele fica sob nossa
vigilância, é medicado e e e (...) depois o médico decide se ele fica aqui ou
vai pra cuidados intensivos (Enfermeiro 5)
Percebemos nos discursos acima um neologismo que sintetiza a essência
do
modelo
biomédico.
O
termo
“urgenciado”
significa
uma
abordagem
medicamentosa de efeito rápido para realização de uma contenção química
associada a uma contenção física. Dessa forma, são eliminados os sinais e
sintomas apreendidos no corpo, neutralizando o sujeito que demanda ser escutado.
56
Na medicina, os sintomas significam algo que não vai bem, uma alteração
de função ou alerta de doença. Esses são dotados de sentido quando enquadrados
em um grupo, classificando-se, portanto, como sendo ou não uma determinada
doença, com anulação do sujeito. Deste modo, não aplicam a escuta, pois, de forma
vigente, não conseguem explicar ou lidar, por vezes, com nuances do sofrimento
relatado pelo sujeito (GUARIDO, 2007). Essa padronização do sofrimento é o que
fundamenta a clínica do olhar em detrimento da escuta daquilo que o sujeito faz de
seu sintoma, de como o insere na sua história e no seu discurso.
No plano da clínica biomédica, esse sofrimento tem frequentemente se
traduzido em quadros psiquiátricos como transtorno do pânico, bipolar, depressão,
anorexia, tentativa de suicídio, dentre outros. A resposta a todos esses males é
anunciada pela ciência – principalmente a psiquiatria tradicional – através da
explicação neuroquímica e da oferta de determinados objetos – principalmente
medicamentos – que supostamente aplacariam o sofrimento. Certamente é mais
fácil acreditar na existência de alguma ‘pílula milagrosa’ que mitigue toda forma de
sofrimento do que se expor à experiência de ser interpelado no âmbito da
linguagem.
Essa escuta centrada no modelo biomédico filtra a fala do paciente a
partir daquilo que já se espera ouvir de cada paciente, daquilo que vai
instrumentalizar a sua intervenção. O poder centralizador do hospital e o elevado
índice de internações somadas ao afastamento dos pacientes de suas casas, longe
de suas famílias, em ambiente totalmente desconhecido e pouco acolhedor,
determina essa intervenção apoiada nas prescrições médicas, na atenção exclusiva
no hospital tendo como objeto de intervenção a doença. Desse modo, a angustia é
mascarada pela medicalização do sofrimento que “estabiliza as manifestações
iniciais dos sintomas, mas não considera as questões do sujeito e impede que este
elabore um saber sobre aquilo que o faz sofrer” (AGUIAR; SILVEIRA; DOURADO,
2011, p.624), como foi identificado nos seguintes interdiscursos:
a partir da admissão do paciente, a gente vai desenvolver de acordo
exatamente com o que o comportamento, a patologia do paciente, que ele
entra aqui no hospital. Então a gente, após a admissão, ou seja, vai
identificando os sinais e sintomas, o quadro psicótico daquele paciente,
então a gente vai traçar exatamente os cuidados de enfermagem
(Enfermeiro 3).
57
na medida que você vai trabalhando no grupo terapêutico, você vai vendo
as necessidades de cada coisa. As vezes é uma determinada patologia que
eles tem um pouco de dificuldade e aí a gente vai esclarecer. Também com
relação a importância da medicação, do uso da medicação, da medicação,
da interação com outros tipos de medicamentos, medicação, essas coisas
mais de acordo com tem maior necessidade ali no momento (Enfermeira 6).
Conforme Amarante e Torres (2001), é necessário romper com o método
epistêmico da psiquiatria, o conceito de doença mental como erro, desrazão e
periculosidade, bem como os princípios do tratamento moral que ainda embasam as
condutas adotadas nos serviços de saúde.
Para a psicanálise, a manifestação do sofrimento psíquico em sintomas
retrata a singularidade do sujeito do inconsciente, não cabendo separar o eu de seu
sintoma. Destarte, o sintoma tem um sentido, inerente às idiossincrasias da história
de vida de cada sujeito, que ao ser escutado pode dizer alguma coisa, mesmo que
ele nada saiba sobre o que disse e porque disse (DIAS, 2006).
Entendemos que o sofrimento é inerente à própria entrada do ser humano
no processo civilizatório. As condições de vida contemporâneas engendradas no
sistema capitalista tendem a potencializar esse sofrimento, ao mesmo tempo em que
incitam uma busca desenfreada por objetos que venham preencher o vazio que está
por trás da dor, gerando novas ou outras formas de mal-estar (FREUD, 1974).
Então,
podemos
dizer
que
as
diversas
formas
de
mal-estar
contemporâneo se caracterizam pelo fato de estarem centradas na ênfase dada ao
corpo, como queixa, à ação e às sensações. O sofrimento é apenas transcrito no
corpo como um esvaziamento da linguagem, logo, um outro lugar é ocupado por
este corpo onde as solicitações e desejos são forjados (BIRMAN, 2005).
O autor supracitado nos fala de um corpo que entra em falência, por não
dar conta de um excesso. É como se existisse uma falta de instrumentos simbólicos
e de pensamento para dar conta dessa intensidade. É a passagem ao ato no corpo
que muitas vezes explica distúrbios psicossomáticos. Logo, a subjetividade
contemporânea é marcada pela compulsividade, ou pela despossessão, surgida
quando perdemos a possibilidade de ter, minimamente o domínio sobre nós
mesmos. Assim, todas as figuras do mal-estar na atualidade estão centradas em
experiências cumulativas onde a capacidade de metaforizar e simbolizar não foram
possíveis, gerando sofrimento.
Quando assumimos que o mal-estar, muitas vezes, não tem relação direta
58
com um comprometimento ou mau funcionamento fisiológico, este é tomado como
um sintoma a ser investigado e, mais ainda, decifrado. Neste sentido é importante
reconhecer que o sintoma responde a uma formação dita inconsciente, constituído
para dizer sobre o que sofre o sujeito que, neste mau, não consegue reconhecer-se
diretamente (QUINET, 2007).
Então, podemos dizer que a prática da escuta realizada pela enfermagem
junto ao sujeito em sofrimento psíquico é predominantemente centrada no discurso
biomédico. Como bem descreve Miranda (1997) em seu estudo, o enfermeiro é o
perfeito executor do serviço sujo das pequenas e cotidianas atrocidades do espaço
asilar: amarrar, conter, gritar, ofender, impor-se pela robustez física, proibir, aplicar
medidas terapêuticas psiquiátricas prescritas, tudo em nome da pseudo ordem do
hospital.
Assim, a prática da escuta em saúde mental é historicamente influenciada
pelo discurso biomédico em virtude do predomínio da objetificação do diagnóstico,
da limitação à uma patologia clínica e à uma racionalidade técnica, que não diz
muito sobre o sujeito em si. Diante desse contexto, a enfermagem se apegou a esse
modelo na perspectiva de se auto afirmar, mas apenas perpetuou a negação da
escuta do sujeito em sofrimento psíquico, tomando uma postura disciplinadora e um
olhar vigilante de controle.
4.2.2 A escuta no discurso da enfermagem vocacional religiosa
Essa formação discursiva remete às discussões sobre a escuta pautada
pelas concepções eminentemente de enfermagem, construída a partir de seus
referenciais específicos. Reconhecemos que há neste discurso vários pontos de
interseção com o discurso biomédico, mas optamos por analisá-lo como outra
formação discursiva devido a algumas especificidades. Entendemos que estas
dizem respeito á construção histórico-social da profissão de enfermagem que,
embora esteja na atualidade atrelada ao saber biomédico, nasce separada do
mesmo. Nesse contexto, vai ser digno de destaque, por exemplo, sua relação com o
discurso religioso.
No início da história da enfermagem, o cuidado de enfermagem acontecia
59
em espaços como as Santas Casas de Misericórdia, recebendo pessoas adoecidas
e excluídas da sociedade para que fossem cuidadas as suas almas por irmãs de
caridade e assim, confortassem o enfermo no seu processo de adoecimento
(ALMEIDA; ROCHA, 1986).
O foco do cuidado era a alma e não a doença, o sujeito que estava
sofrendo não era o interesse das irmãs de caridade. Com base nos dogmas da
religião cristã e nos fundamentos valorativos da igreja, elas desenvolviam ações de
solidariedade e de fraternidade com a pretensão de serem salvas de pecados
(PADILHA; MANCIA, 2005).
Ricci et al. (2007) apontam que este período marcou a enfermagem como
sacerdócio e não uma prática social em consequência de práticas desempenhadas
de forma leiga, intuitiva, abnegada e obediente (RICCI, 2007). Historicamente, o
cuidado de enfermagem é oriunda da essência do ser humano, reflexo de
sentimentos de solidariedade, amor e fraternidade. Esses preceitos religiosos
marcam, ideologicamente, o saber da enfermagem que, por sua vez, repercute na
adoção de atitudes de vocação como doutrina de sua prática. Nesse contexto
discursivo, podemos dizer que a escuta também é regida por esses preceitos
religiosos.
No século XIX, o cuidado de enfermagem tenta diferenciar-se da prática
religiosa e vocacional quando busca construir seu conhecimento próprio a partir do
saber biomédico alicerçado pelo paradigma científico, que valorizava a pesquisa, a
cognição e correlação de saberes. Só então começa a haver uma interseção entre a
formação discursiva própria da enfermagem com a formação discursiva biomédica.
A enfermagem procurou construir seus conhecimentos próprios para se
deter ao objeto do cuidado: o corpo enfermo restrito a sua dimensão
anatomofisiológico. Fernandes e Nascimento (2005) acreditam que é a partir dessa
preocupação com o corpo, que a enfermagem coloca-se ao alcance de uma
profissão, uma prática social, uma arte e um estudo filosófico do corpo e para o
corpo.
Em meados do século XIX, Florence Nightingale destaca-se como a
pioneira e representante da profissionalização da enfermagem, cujos seus princípios
norteariam por muito tempo o campo do saber e prática da enfermagem. Segundo
Selanders (1996), Florence já considerava a enfermagem como uma nova ciência.
60
Pois, essa foi embasada pelas ciências naturais, que tem suas investigações e
argumentos caracterizados como verdadeiros a partir da experiência. Isto ocorreu
por que o paradigma da produção de conhecimento era o positivismo lógico, filosofia
empírica dominante da época nightingaleana até 1950.
Na busca pela cientificidade e sujeita ao paradigma dessa época percebese que, no início de sua profissionalização, a enfermagem extrai seu conteúdo das
orientações epistemológicas do empirismo, no qual todos os fatos devem ser
observados e as idéias derivadas da experiência. Destarte, a experiência
caracterizou-se como a fonte e o fundamento do conhecimento de enfermagem, em
contrapartida pode ser vista como não científica devido suas ações serem baseadas
na intuição (ALMEIDA, 2009).
Florence trouxe ordenação, disciplina e um conhecimento baseado nas
suas experiências, sendo este repassado através dos ensinamentos em escolas de
enfermagem (ALMEIDA; ROCHA, 1986). Inicialmente, ela atentou para um ensino
pautado em uma prática hospitalar e de visitas domiciliárias aos pobres, e em uma
preparação técnica-científica de profissionais para o exercício do ensino de
enfermagem, aliada aos compromissos da vida religiosa (PADILHA; MANCIA, 2005).
Nessa época, já se percebia a preocupação com a observação das manifestações
de comportamento.
Todavia, esse conhecimento da enfermagem ficou impregnado à
submissão médica, ocasionando assim, uma enfermagem apêndice da prática
médica, sem importância científica e econômica (ANDRADE, 2007).
A institucionalização da enfermagem brasileira foi marcada pela
hegemonia do currículo norte americano e pela tendência positivista da medicina
que direcionou a assistência de enfermagem em serviços hospitalares e o estudo
sistemático das doenças, considerado pelos adeptos como uma produção objetiva e
neutra do conhecimento (GARCIA; NOBREGA, 2009).
De acordo com Stefanelli, Fukuda e Arantes (2008), o surgimento da
enfermagem como profissão no Brasil tem ainda a característica de se dar dentro do
campo específico da psiquiatria. No século XIX, foi criada a primeira escola
profissional de enfermagem no Brasil, estabelecida dentro do hospital psiquiátrico do
Rio de Janeiro, voltada especificamente para a formação de enfermeiros
psiquiátricos. Logo após alguns anos, a enfermagem psiquiátrica foi introduzida no
61
currículo de enfermagem. As aulas teóricas tinham maior parte da carga horária
voltada para a psicopatologia e sua assistência. Quanto as práticas, não se
desvinculavam dos discursos tradicionais da medicina (VILLA; CADETE, 2000).
O cuidado de enfermagem em saúde mental tem sua origem com grande
número de homens trabalhando nos asilos, uma vez que eram recrutados
frequentemente por causa do seu porte físico. A baixa permanência desse
enfermeiro
psiquiátrico
nos
empregos
sempre
foi
problema,
pois
era
a
especialização menos popular e de menor status da enfermagem, algo que parece
continuar a instruir parcialmente os dias de hoje (LOYOLA, 2008).
O
enfermeiro
psiquiátrico
executava
ou
assistia
o
médico
nos
procedimentos psiquiátricos diários direcionados para as necessidades físicas, como
administração de drogas sedativas: whisky, clorofórmio; além disso imersão em
enormes banheiras, envoltórios úmidos, banhos quentes ou frios etc (STEFANELLI,
FUKUDA e ARANTES, 2008). Estas técnicas eram direcionadas ao corpo
hospitalizado, transformando-o em “corpos frios”, pois, segundo Kruse (2003, p.146),
As técnicas apresentam-se muito mais voltada para a tarefa e para
arrumação e controle do ambiente e produzem um esquadrinhamento do
tempo e do espaço, onde o corpo é controlado e trabalhado detalhadamente
nos seus gestos e atitudes, expressando um poder infinitestinal [...] , nada
escapa da disciplina que controla qualquer ação, prevendo uma codificação
instrumental do corpo [...] o que pode produzir o esfriamento dos corpos
Na perspectiva da construção de um conhecimento específico e
autônomo, várias teorias de enfermagem se desenvolveram na metade do século
XX para fundamentar o saber-saber e saber-fazer da enfermagem (LOPES, MEYER,
WALDOW, 1998). Embora as teóricas da enfermagem desejassem uma visão
intelectiva da prática, a aplicabilidade das teorias de enfermagem, como fundamento
para a produção do conhecimento científico, é escassa e pouco conhecida, detendo
mais ao espaço acadêmico (GOMES et al, 2007).
Com advento das teorias de enfermagem, os fazeres da enfermagem
adquirem marcas da diversidade do saber científico através do uso de referenciais
teóricos filosóficos empiristas e racionalistas, dando ao enfermeiro elementos para
sistematizar o seu processo de enfermagem – atividade exclusiva do enfermeiro
(GARCIA; NÓBREGA, 2009).
62
Garcia e Nóbrega (2004) afirmam que essas teorias trazem consigo
conceitos complexos e específicos que descrevem e explicitam os fenômenos de
enfermagem para construção de um conhecimento científico próprio, no intuito de se
concretizar como ciência, definindo e limitando seu campo de interesse.
Com base nas teorias de enfermagem, na década de 50, foi apontado o
relacionamento terapêutico como uma intervenção da enfermagem psiquiátrica,
influenciando também o ensino de enfermagem nos cursos de graduação do Brasil
(MAFTUM, 2004).
Kantorski
et.al.
(2005)
consideram
o
relacionamento
terapêutico
enfermeiro-paciente como uma ferramenta do cuidado de enfermagem para
entender e ajudar o outro que possui diferentes formas de agir e pensar. Eles dizem
ainda que a enfermagem, fazendo uso desse instrumento, está apta a observar e
compreender a trajetória de vida do paciente no intuito que este participe das
tomadas das decisões terapêuticas durante seu tratamento e compreenda suas
potencialidades, sabedorias e necessidades.
Em cada contexto histórico, o cuidado de enfermagem buscou atender
determinados interesses sociais, políticos e econômicos. Sob esta influência, a
escuta no discurso de enfermagem herda os princípios de ordenamento e
disciplinador da psiquiatria tradicional impregnados pelas memórias discursivas da
religiosidade, do altruísmo e da submissão ao médico como legítimo representante
do discurso científico. A escuta no discurso da enfermagem serve para subsidiar
uma prática psiquiátrica patologizante com caráter investigativo, classificador e
punitivo que varia de acordo com os processos discursivos que a perpassa.
Na fala dos enfermeiros entrevistados, percebemos que o interdiscurso do
modelo vocacional religioso não é um fato histórico ultrapassado. Ele está presente
nas intervenções atuais, inclusive balizando o conceito de escuta adotado. Ela é
utilizada, nesse caso, para afirmar a religião enquanto suporte ou tratamento do
sofrimento psíquico pela fé:
a gente procura fazer com que ele possa (...) também assim, dando um
apoio, da valorização, às vezes, do tratamento, que é importante ele estar
aqui, a gente também faz assim (...) durante a escuta a gente diz que é
importante a questão espiritual, a gente procura falar da fé, para ele buscar
a fé (Enfermeiro 3).
Vamos, pronto, a gente faz uma roda de conversa, a gente faz muitas rodas
63
de conversa, a gente escuta, diz assim: “vocês gostam de ir para igreja?
Como é num sei quê?” Aí puxa a conversa, “não, eu sou evangélica”, o lado
religioso é muito importante para eles mas também tem muitas religiões que
eles não entendem, que eles se dedicam muito, como no caso, a
evangélica, os evangélicos as vezes começam a achar que tudo que eles
estão fazendo é pecado, se privando muito de viver, porque achando que
tudo é pecado, a gente dizendo: “não, Jesus não se agrada disso”, os
excessos, assim para quem já acha que tem um comprometimento
profissional, deve ser trabalhada bem essa parte, puxando uma conversa
seja do que for, religião ( Enfermeira 2)
Essa escuta com foco na religião remete à cena de um confessionário em
que os pacientes, desprovidos de sua condição de sujeito, falam o que o enfermeiro
quer escutar, por exemplo, confessar qual sua religião, imprimir opiniões como
devem seguir sua fé e desabafar o entendimento sobre sua religião. Além disso,
alguns enfermeiros acreditam que ao rezar no final de suas atividades permitem ao
paciente uma renovação espiritual, uma aproximação com sua religião, uma
diminuição do seu sofrimento.
no final de cada grupo terapêutico, a gente reza um pai nosso e agradece a
atividade que a gente fez, por estarmos vivos, eles sentem bem rezando (...)
Depois eles vão lanchar, vão embora porque não tem mais atividade pra
eles. (Enfermeira 6)
Desde sua origem, a enfermagem é ideologicamente permeada de uma
atuação caritativa, compatível com o modelo vocacional religioso. Ainda hoje, os
serviços de saúde mental cultuam a prática religiosa, desta maneira, autorizam os
enfermeiros reproduzirem preceitos cristãos quando escutam para ajudar, ouvir com
amor, doar, confortar como meio de sentirem satisfeitos pelo trabalho realizado ou
implicitamente recompensados em confortar os sujeitos em sofrimento psíquico.
se a gente escolheu essa área porque a gente ama de fato essa área. Se
eles precisam da gente, a gente faz por amor, ouve com amor, faz por
amor. Eu me doou por completo para vê-los bem (Enfermeiro 5)
A escuta é fundamental, muito embora esse trabalho seja de toda a equipe,
mas a enfermagem faz com muito amor, com muito desejo de que o
paciente venha a ser compreendido, venha a ser confortado espiritualmente
(Enfermeiro 8)
Enquanto existem enfermeiros que estão atuando na área da saúde
64
mental “por amor”, outros
afirmam
estarem na
área
por determinações
administrativas e não por escolha: “passei no concurso e entrei aqui sub judice
[falou em voz baixa] nunca pensei de estar aqui (...) na época da faculdade
detestava psiquiatria” (Enfermeiro 4).
Para Foucault (2008), o exercício do poder psiquiátrico apresentava uma
lógica voltada para o silenciamento da loucura e manutenção da ordem e disciplina.
Essa memória discursiva surge nas falas dos enfermeiros ao reportarem a escuta,
enquanto metáfora de vigilância, controle, determinar e seguir ordens.
a gente precisa também traçar um perfil de como ele entrou, até o momento
pra poder os outros profissionais ir vigiando também como o paciente está
se comportando diariamente, na hora da medicação, na hora do almoço, na
hora do jantar, que sempre tem um técnico de enfermagem, a equipe de
enfermagem está ali, vigiando como é que ele está se comportando, se ele
está realmente aderindo ao tratamento, se está fazendo as atividades
direitinho, se ele realmente está (...) a gente precisa fazer essa vigilância
sempre, principalmente, se ela já cometeu suicídio ou é agressivo
(Enfermeiro 2)
tem um dia na quarta-feira depois da visita, é o forró. É o que eles mais
gostam, que tem (...) bota o som, eles dançam, se divertem, mulher com
homem. As técnicas ficam tudo observando, a equipe todinha fica lá dentro,
controlando aquelas situações porque as vezes eles querem ultrapassar o
sinal porque num fazem sexo há muito tempo. Você sabe como é, as vezes
a pessoa está com aquele comportamento, aí vê outro assim. Quer
ultrapassar, quer namorar e ali a gente controla (Enfermeiro 4)
Eu tomo a responsabilidade pra ele quando eu vejo que ele está bem
comportado, por exemplo, dou a chave da porta, do coisa: você vai ficar
responsável por essa chave, de você pra mim, vou confiar em você, só eu e
ele. Aquilo ali você já vai adquirindo confiança. Aí ele diz: não, só quando o
doutor liberar. É desse jeito, e você pode confiar que ele num libera não,
pode ser até um enfermeiro. “se o doutor mandar, eu vou” é dessa forma
(Enfermeiro 3)
Os enfermeiros escutam o sofrimento psíquico codificado no corpo,
tornando o sujeito um objeto portador de anormalidades, que necessita ser
classificado, enquadrado e prescrito a partir do modelo biomédico. Este rege os
discursos do enfermeiros sobre a escuta que são produzidos por determinadas
regras de construção, determinados conceitos e uma estrutura comum ao discurso
científico.
A gente procura fazer também essa supervisão do acompanhamento, por
exemplo, nas enfermarias tem pacientes que são muito quietinhos, calados,
isolados, que (...) então a gente sai visitando as enfermarias, a gente se
preocupa com eles vendo quem são os pacientes que não estão
interagindo, vendo como estão se comportando, se estão manifestando algo
65
diferente (...) e aí a gente trás esses pacientes para conversar, a gente leva
pra T.O [ terapia ocupacional é realizada em outro espaço de internação ]
(...) a gente procura a equipe pra poder sempre cobrar dele alguma coisa
assim, de sempre ir buscar, para não deixar ele isolado dos demais, porque
tem paciente que se isola dos demais. (Enfermeiro 3)
organizo meu atendimento no dia das consultas médicas porque senão eu
não teria paciente né? o médico prescreve para um mês e quando esse
paciente vem já é remarcado para um mês para frente e aí a gente faz a
entrega da medicação do medicamento prescrito. É um momento que a
gente fica mais próximo do paciente, (...) faço bem depressa [ fala da
consulta de enfermagem ] porque se chega a vez do paciente pra consulta
médica, tenho que parar (...) porque senão [ risos ] você já viu, o médico
acha que não tem ninguém pra ele e vai embora (...) ainda a gente tem q se
submeter a isso (Enfermeiro 9).
Em momentos parafrásticos, percebemos que as práticas dos enfermeiros
estão arraigadas a um conhecimento empirista e altruísta, onde suas experiências
pessoais originam um conhecimento sobre a escuta dos sujeitos em sofrimento
psíquico. No discurso a seguir, o enfermeiro realiza uma ação prescritiva adotando a
escuta como meio para dar respostas prontas aos problemas vivenciados pelo
sujeito. Para tanto, ele acredita que porta um saber científico parafraseando
menções de livros de auto ajuda.
Então se puder escutar, escute, dê o ombro, seja amigo de um usuário, seja
um profissional pra um usuário, seja uma pessoa próxima a eles, leia para
ajudar o usuário (...) Porque eles estão pedindo socorro e nós enquanto
profissionais e também fazendo parte dessa sociedade devemos considerar
que ali tem uma pessoa filho de Deus e os filhos de Deus jamais podemos
dar as costas e sim a mão, ajudar. Procure ajudar porque ele não pode
sozinho, busque ajuda por ele, ajude dando respostas a ele porque ele
precisa de você (Enfermeiro 8)
Outro momento em que percebemos o discurso da enfermagem foi
quando o enfermeiro, ao escutar, busca sua teorização respaldada em pesquisas
científicas, na criação de sistemas de classificação e nas teorias comportamentais e
sociais. Nesta perspectiva, a escuta objetiva elaborar intervenções sobre esse
sujeito sem que ele participe das decisões acerca daquilo que realmente lhe é
necessário, controlando sua rotina, seus hábitos de vida, suas escolhas.
Percebemos esse interdiscurso nos trechos citados a seguir:
procurar saber do que ele não tá falando, do comportamento dele, o que
tem por trás de toda essa herança, essa carga emocional que ele tem. Você
procurar investigar como foi, porque a gente sabe que, pesquisas mostram
que a saúde mental da gente vem sendo atingida, vem sendo programada
desde do ventre, então assim, como foi a gestação dessa mãe, quantos
irmãos ele tem, se ele é o filho mais velho, se ele ajudou a prover para o
66
sustento da família, quando começou essa carga de responsabilidade dele,
quando você começa a indagar sobre certas situações, aí você descobre,
começa a ver como é a vida desse paciente, você não pode ver só uma
pessoa sem um contexto (Enfermeiro 2)
A sistematização da assistência de enfermagem já era uma exigência do
conselho. Não to lembrando bem qual a lei que coloca isso, mas hoje o
conselho de enfermagem exige que todo e qualquer unidade que tenha
enfermagem tem que trabalhar com a sistematização da assistência. Então
a gente fez um roteiro básico, um roteiro simples para colher tudo, toda
informação dele (Enfermeiro 1)
Vários discursos dos enfermeiros foram permeados de questionamentos
sobre como se escuta, dentre estes, se existe alguma teoria que embase a
aplicabilidade da escuta nos serviços de saúde mental:
Como eu escutar? (...) Geralmente é (...) de forma de que? (...) de qual
forma? (...) todo geral? (...) eu (...) para com (...) quando o paciente, eu
converso com o paciente (Enfermeiro 4)
é é é (...) como escutar? (...) para escutar deveria ter um passo a passo
com base científica, numa teoria (...) tem alguma teoria de enfermagem? A
dificuldade está no forte modelo biomédico né? (Enfermeiro 9)
Conforme Waldow (2004) nem sempre as teorias são viáveis na prática
devido um distanciamento da realidade da enfermagem de quem propôs para quem
realiza, uma vez que essas teorias são caracterizadas por uma metodologia
positivista, rotineira e mecanizada; contrária aos princípios de uma filosofia
humanística, holística ou fenomenológica.
Em virtude disso, o conhecimento científico de enfermagem concentrouse em dicotomias originárias das várias visões de ciência: “teoria-prática,
objetividade-subjetividade, prática-pesquisa, arte-ciência, profissão-disciplina, fazersaber, cuidar-curar” (VALE; PAGLIUCA; QUIRINO, 2009, p.178).
Para subsidiar a escuta, os enfermeiros se apropriaram de um discurso
pautado na cientificidade, constituído pelas dicotomias já citadas acima, cuja
produção se deu durante sua formação acadêmica. Os enfermeiros acreditam que
esta escuta deve determinar suas condutas terapêuticas, desse modo, estabelecem
pré-diagnósticos, e logo, prescrevem ações de socialização e de mudanças de
comportamento. Nos discursos dos enfermeiros, os pacientes seguem tais
prescrições de enfermagem, pois creem que suas respostas estão ali depositadas.
Olhe, desde quando você vem fazendo tratamento? Você precisa fazer uma
caminhada, você precisa se socializar com alguém, tem paciente que se
isola muito. Então assim, a gente está sempre atento, como aquele se
67
comporta em casa, como é o jeito deles, se ele está descuidado com a
aparência, se está largado, se deixou a autoestima, se deixou de se
arrumar, de se perfumar, se ele era de um comportamento e de repente
está em outro comportamento, está deixando as atividades dele, está
deixando de, se abriu mão de viver. [...] Então eu sempre digo, olhe, tem o
lado também da doença e tem o lado que você também pode se ajudar,
você pode contribuir para seu tratamento, a partir do momento que você faz
adesão ao tratamento, você adere, ficar aqui para você participar das
atividades, todas as atividades tem um fim, uma finalidade, então participe
de todas. Eles acabam participando de tudo que a gente coloca pra eles
(Enfermeiro 2)
Olhe, seu tratamento não compreende só o internamento, é preciso que
você dê continuidade em casa, a sua terapia medicamentosa, que você
possa frequente grupos, que você possa tentar formar vínculo com esse
pessoal desse outro lugar onde você vai ser acompanhado (Enfermeiro 5)
No entanto, esse cuidado em saúde mental esbarra numa espécie de
impossível, quando este saber científico se mostra ineficiente para dar conta das
situações clínicas com que o enfermeiro se depara no seu cotidiano. Diante dessa
perspectiva, é frequente a negação daquilo que envereda pela subjetividade, pois
quando desenvolvem a escuta buscam na verdade apreender o sofrimento psíquico
no corpo.
É bastante difícil, pela própria questão de sofrimento psíquico.Tem uns que
dá para colher algumas informações. Tem outros num dá pra entender não.
Geralmente, esses chegam em crise e logo a gente marca (...) que é de
urgência (...) eles são logo atendidos e encaminhados para o hospital
psiquiátrico [ refere dificuldade ao escutar por ser algo subjetivo ] Lá no
hospital eles costumam adotar a questão da medicação de urgência,
sempre colocando essa posição pro médico, o médico vem avalia, diz o que
a gente tem que fazer [o saber da enfermagem subordinado ao saber
médico] , então são situações que geralmente se trata com medicações (...)
o que é subjetivo é difícil né? (Enfermeiro 9)
Nas palavras de Elia (2004), a ciência busca calar a falta de sentido do
real, extraindo o sujeito do seu campo para que ela opere. Entretanto, a psicanálise
busca recuperar o sujeito foracluído pela ciência, promovendo um vazio, um furo
real, um rompimento com a lógica do saber cientifico. Ela reconhece o sujeito como
efeito de linguagem que porta uma falta, um furo indicativo de desejo.
A psicanálise, ao retomar uma démarche científica, subverte o sujeito
suposto e excluído, a um só tempo, pela ciência, e trabalha a partir da
inclusão do sujeito no campo de sua experiência, inclusão que
curiosamente se faz, não por acaso ou contingência, pela via do
inconsciente: retirado da condição de excluído, condição própria ao sujeito
da ciência, o sujeito da psicanálise só pode ser incluído como sujeito do
inconsciente (ELIA, 2000, p.22)
68
Existiram enfermeiros que, em seus discursos, atrelaram a escuta a uma
outra perspectiva de intervenção que perpassa a prática de enfermagem: o
relacionamento
terapêutico.
Os
enfermeiros
enfatizaram
a
escuta
como
compreensão mútua a partir do relacionamento terapêutico centrado na pessoa.
Através dessas ferramentas, buscam ajudar o sujeito que está impedido de interagir
ou de comunicar-se com outras pessoas de forma satisfatória:
acho importante a gente tentar ajudar gente, tentar observar o outro, tentar
assim se colocar, como conseguir essa comunicação terapêutica ,
relacionamento terapêutico que só acontece quando você consegue fazer
esse vinculo com o paciente [...] O relacionamento terapêutico ele vem da
comunicação, tem que ter um vai e volta, tem que ter feed back. Senão o
relacionamento terapêutico não acontece, é falho (Enfermeiro 1).
A maioria dos pacientes estão todos bem equilibrados, mas sempre
acontece de algum (...) a gente vê que não está bem, não quer participar do
grupo. Porque nessas terapias a gente vê quando um paciente está bem
quando um interage com o outro, quando isso não acontece, quando ele
não interage, quando ele não consegue se comunicar, a gente se preocupa
com ele, vai vê o quê está acontecendo, o que ele está sofrendo, o que ele
está sentindo e depois a gente vai intervir. A gente se relaciona bem com
ele, se comunica com ele, vê se ele tá bem (Enfermeiro 7)
Entendemos que essa possibilidade de instituição de uma ferramenta de
escuta específica da enfermagem, se mostra um campo fértil, que até poderia ser
muito potencializador da prática de enfermagem, caso houvesse uma melhor
apropriação do mesmo durante a formação acadêmica. No entanto, encontramos
nos cursos de graduação de enfermagem uma ínfima carga horária para contemplar
os assuntos referidos a saúde mental, que por sua vez são integrados a outros
assuntos,
concentrados
em
poucos
professores
e
ainda
destinados
ao
desenvolvimento de diagnósticos e prescrições. Vale salientar que esses cursos de
graduação assimilaram muito pouco as discussões proporcionadas pela Reforma
Psiquiátrica, seja em seus currículos, seja em atividades extensionistas.
Essa pouca aproximação com o campo da saúde mental na formação
contribui para que o enfoque na prática seja dado as abordagens tradicionais
descomprometidas com a subjetividade, como por exemplo relacionamento
terapêutico. Silveira et. al. (2010) faz algumas críticas a essa escuta desenvolvida
pela enfermagem durante o relacionamento terapêutico, pois, nesse momento, a
enfermagem nega sua atuação de intervenção frente ao sofrimento psíquico, tendo
um caráter claramente adaptativo e objetificante. Essas críticas se referem ao
enfermeiro acreditar que atingiu uma “maturidade psíquica” em relação ao paciente
69
que ainda não desenvolveu seu Eu. Dessa maneira, o enfermeiro ocupa uma papel
de alterar o funcionamento psíquico de outrem, modelando-o a um ideal de
normalidade propagado, excluindo totalmente a questão do seu desejo e de sua
posição subjetiva.
Podemos retratar essas considerações supracitadas na fala do enfermeiro
a seguir, quando se reporta sua prática para correção diante um desconforto psíquico
do paciente em internamento:
Já teve gente, paciente que é de AD, que é de drogas, que vem algemado
com a policia. Aí eles criam raiva da família, não querem ver mãe, não
querem ver pai, não querem ver irmão, porque deixaram eles algemados
aqui dentro. Aí a gente vai conversar com ele, que não é dessa forma, que é
pra o bem dele, que aqui ele tá tendo os cuidados, tá sendo acompanhado
por pessoas qualificadas. E aí vai procurar buscar ajudar, a solucionar
aquele problema [metáfora de sofrimento psíquico] que está acontecendo
com ele. Teve paciente aqui que não queria ver a mãe nem de longe e eu
consegui deixar abraçar ela com ele. [o enfermeiro exerce uma ação de
controle acreditando que pode mudar psiquicamente o paciente] Na
conversa, ele confiou em mim, me agradeceu. Quando ele saiu daqui, eu
disse: - é uma vitória que eu consegui na minha formação porque é um
paciente que é difícil de lutar, é um droga, com droga [...[ E eu consegui
mudar ele de uma forma que ele ficou bem tranquilo, no normal dele. Ele
abraçou a mãe dele, acolheu a família, pediu desculpas pelo o que
aconteceu. [o enfermeiro prescreve o que ele acha que é normal negando o
desejo do sujeito]. Porque quando ele tava naquele momento da droga, não
sabia o que fazia, perdia todo (...) todo ele achava que tudo que ele tinha
não se lembrava depois (Enfermeiro 4).
Além disso, consideramos que uma outra limitação da utilização do
relaconamento terapêutico na enfermagem, está relacionada às suas próprias fontes
teóricas. Estas tendem predominantemente para o âmbito daquilo que Lacan (1978)
chamou “terapias do ego”. Esse termo foi utilizado por ele para se referir às
abordagens que menosprezavam a força instituinte da descoberta freudiana do
inconsciente e por buscarem uma adequação da pessoa ao contexto social,
tornando-a mais “madura” e “saudável”.
Podemos observar essa tendência no material didático ainda hoje
utilizado na formação do enfermeiro. Os trabalhos de Hildegard Peplau e de Joyce
Travelbee têm sido as principais referências citadas pelos autores que abordam o
relacionamento terapêutico hoje (KANTORSKI et.al, 2005). A ênfase nessas
abordagens é do uso terapêutico que o enfermeiro pode fazer de seu próprio Eu
para proporcionar uma mudança de atitude do paciente frente ao seu problema.
70
Na teoria de Travelbee, esse “Uso Terapêutico do Eu” é descrito como
sendo “a capacidade de usar a própria personalidade conscientemente e em plena
lucidez na tentativa de estabelecer um relacionamento e de estruturar as
intervenções de enfermagem” (TOWNSEND, 2000, p.76-77). Sendo assim esse
processo requereria do profissional algumas habilidades como autenticidade,
harmonia e, principalmente empatia – descrita como a “capacidade de perceber
corretamente a vivência interna de uma pessoa num dado momento”.
Dessa forma, supõe que o enfermeiro é um modelo de normalidade,
alguém sempre sadio, bem estruturado, detentor da verdade. No entanto, o de que
se trata no processo de escuta, não é a criação de uma linha de série, com todos
pensando, agindo e sentindo igual, como cópias do suposto modelo que seria o
enfermeiro. Além disso, os próprios enfermeiros também são sujeitos divididos,
alienados na sua condição de ser falante, desconhecedores daquilo que os afeta. O
pretenso “ modelo” portanto, não existe.
Concordamos com Silveira et al (2010) quando afirmam que malgrado
todas as críticas que possamos tecer às concepções teóricas que fundamentam o
relacionamento terapêutico na enfermagem, consideramos que se algo dessa
prática deve ser resgatado, é exatamente a consideração da interação do
profissional de enfermagem e paciente como um possível espaço de intervenção
clínica, uma vez que reconhecemos que a enfermagem é a profissão cuja
característica prioritária é a permanência junto ao paciente onde se desenvolve o
cuidar.
Assim, ao percorrermos essa análise do discurso da enfermagem acerca
da escuta, percebemos que ele se dá numa interface entre o discurso científico e o
discurso religioso. Enquanto que o modelo vocacional religioso tem interesse no
corpo com vistas a salvação da alma; no saber cientifico é o corpo biológico,
passível de adoecimento que importa. No primeiro, a escuta remete ao
confessionário, já no segundo, a escuta subsidia uma prática controladora, vigilante
e submissa ao saber médico, que nega o sujeito e apreende o sofrimento psíquico
no corpo.
Lacan (2005) destaca criticas ao discurso religioso em virtude deste ser
sustentado por uma hierarquia social detentora da verdade há milhares de anos. Ele
diz que a religião tampona a angustia dos sujeitos oferecendo sentido as suas
frustrações terrestres além da vida humana, bem como produzindo respostas
71
generalizáveis. “A religião é feita para isso, para curar os homens, isto é, para que
não percebam o que não funciona” (2005, p. 72).
A ciência, por sua vez, pretende eliminar do campo do discurso, tudo
aquilo que escapa da formalização, toda referência ao sujeito, á morte e ao
sofrimento, por exemplo. O ideal de cura e de eliminação da dor assume aí um lugar
central. Elia (2004) afirma ainda que a psicanálise é o único discurso que aponta
para o que não funciona, que está além do previsível, indizível, num lugar
insuportável, difícil de se conviver.
Sendo assim, nosso interesse nesse estudo não é o corpo de carne e
osso, mas um corpo tomado pelo significante, no qual o inconsciente também se
inscreve e pode ser traduzido. Nesse mesmo sentido Lacan (1978, p. 302) refere-se
ao corpo e a materialidade da linguagem, assegurando que
a fala, com efeito, é um dom de linguagem, e a linguagem não é imaterial. É
um corpo sutil, mas é corpo. As palavras são tiradas de todas as imagens
corporais que cativam o sujeito.
O ideal de cura, que permeia os campos de saúde de uma forma geral,
inclusive o da saúde mental, tem a eliminação do sintoma como foco do tratamento.
Os sintomas podem até desaparecer, manifestando-se de outras formas, uma vez
que possui diferentes maneiras de apresentação. Nesse sentido, o desejo de curar o
paciente (ou qualquer outro desejo que se imponha da parte de quem escuta) só faz
dificultar a manifestação do sujeito do inconsciente.
Não há porque calar, não há porque exterminar o sofrimento psíquico. Há
porque ser escutado, recuperado, construído. Desse modo, precisamos defender a
escuta como espaço para o sujeito produzir sua singularidade, tendo a capacidade
de enfrentamento psíquico dos seus conflitos. Precisamos considerar aquilo que
cada sujeito diz, na perspectiva que ele atribua sentido àquilo que o desassossega e
não que os profissionais adotem uma escuta conduzida por preceitos morais ou por
suas próprias inquietações. Na escuta é preciso que o enfermeiro saia desse lugar
de um saber pré-estabelecido e abra espaço para que o próprio sujeito elabore as
especificidades de sua situação, de seu sofrimento.
4.2.3 A escuta no discurso psicossocial
72
Nessa formação discursiva iremos abordar a escuta pautada no modelo
psicossocial para atenção em saúde mental conforme preconizado pelo referencial
da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Costa-Rosa (2000) designa o modelo
psicossocial, em oposição ao modelo asilar, como paradigma das práticas de saúde
mental no contexto atual. Esse modelo psicossocial busca entender de forma global
o sujeito a partir da doença, considerando seus fatores políticos, sociais, culturais,
biológicos, culturais e psicológicos. Além disso, propõe que o sujeito participe de seu
tratamento com garantia de tomar decisões junto ao serviço de saúde.
Amarante (2003) compreende a Reforma Psiquiátrica enquanto um
processo social que evidencia e articula quatro dimensões: dimensão teóricoconceitual ou epistemológica que diz respeito a desconstrução dos fundamentos
da psiquiatria tradicional, como por exemplo, o entendimento sobre doença mental;
dimensão técnico-assistencial
que compreende a construção de uma rede
substitutiva ao modelo manicomial como espaços de sociabilidade, de trocas e
produção de subjetividades; dimensão jurídico-político remete uma ênfase nas
mudanças das leis, salientando no campo da saúde mental uma conquista do direito
ao trabalho, à família, à vida social e coletiva; dimensão sociocultural que procura
produzir
uma
transformação
no
imaginário
social
da
loucura
construído
historicamente (grifos nossos).
Antes da Reforma Psiquiátrica, predominavam as condutas de controle,
vigilância e disciplina aos sujeitos em sofrimento psíquico. Esta se baseavam em
maus tratos, punição, violência e repressão, na tentativa de se manter o poder das
instituições e do próprio indivíduo. Tais condutas, tidas como terapêuticas,
correspondiam ao modelo de atenção em psiquiatria vigente, o manicomial, no qual
prevaleciam o hospitalocentrismo (tratamento baseado na internação hospitalar
permanente daqueles considerados ‘doentes mentais’), com a exclusão social dos
pacientes e tendo a doença como único foco de atenção da assistência
(PRANDONI, PADILHA, SPRICIGO, 2006).
Com o advento do movimento da Reforma Psiquiátrica, incentivado pela
Reforma Sanitária, o Brasil vivencia ardentemente um desejo de mudança do
paradigma de assistência em saúde. Este movimento buscou despertar a
desinstitucionalização da loucura, propondo um regaste da intersubjetividade do
73
sujeito em sofrimento psíquico, que contrapõe a exclusão e segregação social e
familiar (COSTA-ROSA, 2000).
Em 2001, a III Conferência Nacional de Saúde Mental ocorreu na
perspectiva de reafirmar os princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Durante
esse evento foi celebrada a promulgação da Lei Paulo Delgado n. 10.216,
sancionada pelo Presidente da República em 6 de abril de 2001, após 12 anos de
tramitação no Congresso Nacional. Esta Lei dispõe sobre a proteção e os direitos
das pessoas em sofrimento psíquico e sobre a construção de uma rede de saúde
mental comunitária substitutiva ao modelo manicomial. Desta forma, a internação em
hospitais psiquiátricos ainda existentes só deve ser indicada quando os recursos
extra-hospitalares se mostrarem insuficientes (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE,
2001).
No que tange aos princípios jurídicos, a Reforma Psiquiátrica no Brasil, foi
estabelecida a Portaria nº 336/GM que regulamenta os serviços substitutivos e os
integra à rede do Sistema Único de Saúde – SUS. Dentre os serviços de saúde
mental, tem-se o Centro de Atenção Psicossocial – CAPS que assume um papel
estratégico na organização da rede comunitária de cuidados em saúde mental.
Possui como proposta ser realizado por uma equipe interdisciplinar que exerça uma
prática de atenção à saúde mental comunitária, subjetiva, descentralizada, integral,
contínua, com a aproximação da família e comunidade.
No que diz respeito aos pressupostos clínicos, a reforma psiquiátrica
propõe um modelo que esteja articulado ao conceito de desinstitucionalização.
Nicácio (2003, p.93) afirma que o processo de desinstitucionalização busca
desconstruir
saberes, práticas, culturas e valores pautados na doença/periculosidade, a
desinstitucionalização requer desmontar as respostas científica e
institucional, romper a relação mecânica causa-efeito na análise de
constituição da loucura, para desconstruir o problema, recompondo-o, recontextualizando-o, re-complexificando-o
Nessa perspectiva, o que interessa não é enquadrar as queixas em
quadros nosológicos, mas perceber que as situações que levam estes pacientes a
buscar atendimento, são situações que estão causando sofrimento, e, portanto,
precisam ser escutadas. Diferente da doença, que é entendida como algo localizado
74
no corpo, o sofrimento é uma questão subjetiva, e está mais ligado aos valores do
sujeito; sendo, pois, marcado por questões que, para além do plano físico, envolve
vertentes éticas, morais, religiosas, psicológicas, sociais e culturais (PESSINI, 2002;
KANTORSKI, PINHO, SAEKI e SOUSA, 2005). A III Conferência nacional de Saúde
Mental estabelece que deve existir um lugar em que o sofrimento, a dor, a angustia
e a doença possam ser escutadas (BRASIL, 2001b)
Rotelli; Leonardis; Mauri (2001) trazem uma grande contribuição á
discussão acerca da clínica que buscamos no movimento da reforma psiquiátrica.
Trata-se, segundo ele, de deslocar o foco de nossas intervenções, saindo da
“doença mental” e buscando focar na “existência-sofrimento” dos sujeitos a quem
atendemos.
Certamente não se trata de negarmos os avanços no que diz respeito à
redelimitação das relações de trabalho e dos espaços terapêuticos proporcionados
pelo modelo da atenção psicossocial. Os avanços conquistados com o processo da
Reforma Psiquiátrica até aqui são inegáveis. Eles se fazem notar, principalmente, no
que diz respeito às questões sociais, de cidadania e de defesa dos direitos dos
pacientes.
No entanto, no que tange à dimensão clinica, percebe-se que ficou uma
lacuna. A despeito de algumas iniciativas de discussão de outros modelos, parte
considerável do discurso reformista, seja explicitamente ou de maneira velada,
passou a estender a crítica do modelo psiquiátrico também em direção à tudo aquilo
que dizia respeito à clínica. Ela passa a ser entendida como um dispositivo
reducionista e individualista que impede a socialização do paciente. Como afirmam
Almeida e Santos (2001, p.22):
Essa tendência, que procurou superar a clínica em seu sentido clássico por
percebê-la reducionista e normatizadora, acirrou a tensão entre clínica e
política, questionando princípios básicos da psiquiatria tradicional como
diagnóstico, cura e a ideia de tutela, que imputava ao sujeito objeto de
intervenção, a aceitação de um modelo único e universal de subjetividade.
Ao jogar fora a criança com a água do banho, essa depreciação da clínica
trouxe algumas consequências. Uma delas, foi abrir espaço para que o próprio
modelo médico continuasse prevalecendo. Na fala dos entrevistados percebemos
que, apesar de um discurso de forte fundamentação política, quando se apresentam
75
questões de ordem clínica, a medicalização do sofrimento continua sendo o tom.
Algumas falas dos entrevistados mostram que uma redução operada na
complexidade suscitada por este modelo leva, muitas vezes, a recairmos no risco da
tão temida “alienação” dos pacientes.
Dependendo do que o paciente tem. [...] Aí você pergunta: - porque você
acha que tem um bicho aí dentro? O que está acontecendo? Aí começa a
mostrar, tentar argumentar com ele que aquele bicho não está ali. Que
quando ela teve alucinação, que ela tinha matado uma vez. Tentar puxar
dela, foi se acalmando mais né? aí foi se acalmando, se acalmando, mas
realmente teve que fazer medicação, tem que fazer a medicação. Ficou
bastante ansiosa, chorou bastante, esperou que ela se acalmasse mais. A
gente tenta puxar dele, que ele mesmo procure, tenta dar a ele instrumento
para que ele pare o delírio dele, que ele encontre os caminhos, que a gente
não pode confrontar , jamais pode confrontar (Enfermeiro 1)
O psiquiatra tem a prescrição e nós da enfermagem administramos as
medicações VO de acordo com a conduta médica. Também atuo
encaminhar na escuta individual do doente mental que nos relatos chegam
a nós né? Com suas queixas, com suas queixas tanto clínicas de ordem
clínica, queixas no corpo, de doenças da dermatite, da gastroenterite e
também das doenças causadas pelo abuso de álcool e outras drogas, onde
são as psíquicas, as alucinações, os delírios, os desejos, as angustias, as
fobias, os medos (Enfermeiro 8).
Nessa nova proposta de reforma na área da saúde mental, as idéias de
desinstitucionalização
exigiram
profundas
transformações
nas
práticas
desenvolvidas e o enfermeiro é requisitado a passar do papel de “disciplinarizador”,
para o de mais um membro da equipe terapêutica. No entanto, percebemos que
essas mudanças nos lançam no plano de profundas instabilidades, pois a formação
em enfermagem, ainda bastante arraigada no modelo biomédico, não fornece as
ferramentas necessárias para uma atuação desse tipo.
A gente não é preparado na faculdade para lidar com certas situações de
sofrimento mental não (...) a política de saúde mental é muito bonita no papel,
mas quando chega na prática [demonstra uma insatisfação aumentando o
tom da voz] é um Deus nos acuda (Enfermeiro 6)
No próprio manual do CAPs não diz nada sobre como o enfermeiro deve
atuar. Fica difícil a gente saber lidar com isso na prática. [...] Posso dizer que
a formação em saúde mental é mais para conhecer as doenças e as funções
mentais. [realiza uma inspiração de forma ofegante demonstrando não
credibilidade diante dessa realidade] É muito pobre e mais pobre é a nossa
prática (Enfermeiro 9).
76
Nos momentos parafrásticos dos discursos, os enfermeiros relataram que
existem dificuldades para delimitar seu papel nos atuais serviços de saúde mental,
acabando por se envolver em tarefas administrativas ou voltadas apenas para o
cuidado físico do paciente.
Fico mais na parte administrativa de organizar e participar dos grupos (...)
Foi solicitação da direção que eu ficasse com os grupos (...) [Falou em
voz baixa] Atualmente estou com a terapia em grupo, todas as tardes estou
com as terapias em grupo (Enfermeira 7)
O estudo de Ribeiro (2005) apresenta que o enfermeiro no cuidado clínico
em saúde mental concentra suas ações em atividades burocráticas, o que torna
explicito a distância do ensino com a prática e as políticas que se referem a saúde
mental.
É imprescindível que a academia forme um profissional que procure
desenvolver competências técnicas e relacionais, com atitudes éticas e
solidárias para com a pessoa que necessita de ajuda devido à
complexidade do papel terapêutico da enfermagem no cuidado à pessoa
nos serviços de saúde mental (LEITE, 2002).
Percebemos que a apropriação da escuta enquanto ferramenta na saúde
mental ainda encontra muitos impasses, principalmente, porque ela ainda é pensada
na perspectiva de um meio para atingir outros objetivos. Trata-se da escuta como
coleta de informações, como identificação das necessidades do sujeito, com um
aspecto de acolhimento. No texto da III Conferencia, por exemplo, o profissional tem
que escutar com cuidado em busca de atender os problemas na sua dimensão real
e perceber os fatores multicausais relacionados ao adoecimento psíquico. As falas a
seguir apontam para esta concepção de escuta:
procurar saber do que ele não tá falando, do comportamento dele, o que
tem por trás de toda essa herança, essa carga emocional que ele tem. [...]
então assim, como foi a gestação dessa mãe, quantos irmãos ele tem, se
ele é o filho mais velho, se ele ajudou a prover para o sustento da família,
quando começou essa carga de responsabilidade dele, quando você
começa a indagar sobre certas situações, aí você descobre, começa a ver
como é a vida desse paciente. Você não pode ver só uma pessoa sem um
contexto (Enfermeiro 2).
nesse momento é feito a busca ativa né? da realidade, do espaço, de
77
tempo, de comportamento e aí perguntar porque a higiene tá precária, o
porquê que ele relata que não dormiu, o porquê ele diz escutar vozes, o
porquê as alucinações visuais, como o processo, que horário prevalece
manhã. E nesse momento aí tem o encaminhamento devidamente pra o
psiquiatra se for necessário, ou mesmo até o psicólogo, o psicanalista se no
momento ele estiver ou o educador físico (Enfermeiro 8)
Observamos uma ênfase do entendimento da escuta como meio para
coletar informações, que vão instrumentalizar o cuidado propriamente dito. Ocorre que
podemos depreender daí duas consequências. A primeira é que o paciente
permanece numa posição de objeto, alheio a tudo que diz respeito ao seu desejo.
Como a escuta se presta a buscar a informação, não faz diferença que esta seja
prestada pelo próprio sujeito ou por alguém familiar. Aliás é até esperado que seja a
família que o faça, geralmente sem a presença do paciente, já que, por não estar
doente, o familiar teria mais condições de se ater a realidade investigada.
O internamento no hospital psiquiátrico é realizado com a entrevista a
família enquanto o paciente entra pelos portões e nos CAPS, as reuniões com
familiares, quando existem, não há participação dos pacientes. Além disso, os
enfermeiros enfatizam em suas falas que o problema relatado durante a conversa com
a família nem sempre coincide com a queixa do paciente, mesmo assim visam mais a
demanda de quem trouxe o paciente para o serviço de saúde do que os pacientes tem
a dizer, da escuta de sua angústia.
Quando eles dizem que tem algum problema, a gente convida essa família
para vir e vamos conversar de acordo com o problema que esteja se
passando. A gente vai conversando, vê os dois lados, como é paciente
doente mental, tem que vê os dois lados, as vezes é muita (...) não sei dizer
(...) as vezes é alucinatória, eles podem criar coisas (...) E conversa, a gente
vê como é que fica com a família (Enfermeiro 6)
E conversa também com a família, faz outra busca conversando com a
família, aí a gente colhe toda história do doente [...] encaminho ele para o
setor de internamento, faço a entrevista apenas com a família (Enfermeiro
1)
Trabalhamos com a família do paciente, fazendo a escuta. A escuta da
história do paciente de acordo com suas queixas e a escuta também da
família, onde eles trazem os relatos (Enfermeiro 8).
A segunda consequência dessa apreensão da escuta como um meio é o
fato de que continua sem a possibilidade de uma ferramenta que possa pensar a
78
escuta como uma intervenção em si mesma. Que parta do princípio de que é na
linguagem que sofremos e adoecemos e que, portanto é pela linguagem que
podemos nos curar. Na falta de uma articulação que nos permita dar esse salto
teórico, saindo da doença para o como cada um vive e sofre, continuamos presos a
um referencial clínico centrado no adoecimento, na queixa orgânica e no diagnóstico
médico. A formação discursiva “a escuta no discurso biomédico” analisada
anteriormente aponta para o fato de que o cuidado centrado nos moldes da
psiquiatria tradicional ainda não se extinguiu, mesmo nos serviços substitutivos a esse
modelo manicomial, mesmo nos hospitais psiquiátricos avaliados e reestruturados
após o movimento da Reforma Psiquiátrica (KYRILLOS NETO, 2009) .
Podemos dizer que essa prática pautada no modelo biomédico apenas foi
deslocada, tendo em vista que a proposta de uma rede de atenção a saúde mental
comunitária, aberta e de gestão horizontalizada dificulta a simples transposição das
ações executadas diante do modelo asilar. Dificulta, mas não impede totalmente, pois
a lacuna deixada pela falta de um aprofundamento em ferramentas clínicas que
rompam com o modelo biomédico nos deixa ainda a mercê deste mesmo modelo.
Dessa forma, assim como no modelo asilar, a supressão dos sintomas continua
sendo visada no modelo psicossocial, inclusive com a medicalização do sofrimento
(GUARIDO, 2007; COSTA-ROSA, 2000).
Dessa forma, reconhecemos a necessidade da prática da escuta na
perspectiva de romper com essa posição de objetificação daquele que sofre e com
essa imposição de condutas corretivas a partir de suas próprias inquietações. O nosso
interesse é considerar os ideais da Reforma Psiquiátrica, haja vista que não basta
destruir os muros do hospício, é preciso modificar as relações que o discurso
biomédico mantém com os que buscam sua prática; é preciso mudar o saber
psiquiátrico tradicional impregnado nas instituições e práticas (AMARANTE, 1996).
Como afirma Kirschbaum (2000), a prática de enfermagem nesse modelo
psicossocial trata de traduzir os sintomas apresentados pelas pessoas em
dificuldades sociais como: estabelecer relações interpessoais efetivas; realizar
atividades de vida diária ou desempenhar atividades de vida prática. A atuação da
enfermagem volta-se, então, para um papel de “maternagem”, que pouco contribui
para a autonomia dos pacientes.
Os pressupostos da Reforma Psiquiátrica preconiza a construção de
vinculo, o acolhimento e a escuta como ferramentas essenciais no trabalho em
79
saúde mental na perspectiva de se dá voz ao sofrimento do outro baseado na
ampliação da clínica e enfoque no sujeito. Essas tecnologias em saúde possibilitam
compreender o sofrimento psíquico a partir do contexto do usuário, valorizando suas
experiências e atentando para suas necessidades, incluindo no cuidado os
diferentes aspectos que compõem o cotidiano desse indivíduo (MIELKE;
OLSCHOWSKY, 2011). Entretanto, os enfermeiros ainda não consolidam o real
sentido da escuta em sua prática. Há uma distorção do sentido entre escuta, diálogo
e
acolhimento,
que
pode
proporcionar
a
efetivação
de
uma
escuta
descontextualizada da história de vida do sujeito em sofrimento psíquico.
Percebemos essa realidade discursiva quando o enfermeiro falou como escutava:
É uma forma de acolher, é uma forma de acolhimento é (...) é uma forma de
dialogar com os pacientes, de ouvir os pacientes. Por exemplo, a gente
escuta assim, coloca um tema: [...] novela: - “vocês estão assistindo essa
novela? O quê que vocês acham dessa mulher, dessa atriz”[fala do
enfermeiro] Pra ver a visão dela em relação ao comportamento das outras
pessoas (...) se você perguntar: “- Você faz isso?” “- Ai não” “- O que você
acha?” -“Eu acho ela bonita, ela é pra frente, eu gosto do jeito dela” [fala da
paciente]. Então, você começa a ver que ela queria ser desse jeito, ser
autêntica, queria ser igual aquela atriz, mas ela não tem coragem, assim, a
vida dela, então (...) (Enfermeiro 2)
Desta forma, para transcender uma clínica do cuidado que atribua a
escuta do sujeito em detrimento da escuta da doença é possível que aconteça de
forma articulada a leitura do sintoma e ao reconhecimento da singularidade do
sujeito. Apostamos com Silveira et al (2010) no fato de que, através desta
consideração da dimensão ética do sujeito articulado ao seu desejo, podemos
reinventar os espaços e ferramentas de atuação da enfermagem. Para garantirmos
essa dimensão, consideramos que alguns critérios precisam ser delimitados como:
romper com a perspectiva cartesiana do sujeito do conhecimento; reconhecer a
dimensão a dimensão do desejo e no que ela implica de articulação com o Outro;
reconhecer que as escolhas que determinam o encaminhamento da vida são
marcadas pela incidência de um sujeito dividido pela própria inscrição inconsciente e
tal inscrição se faz suportada pela entrada na linguagem (LACAN, 1997).
O profissional de saúde mental é aquele convocado para “aguentar a
miséria do mundo”, a dar conta de tudo aquilo que a sociedade não quer ver, o seu
“outro” mais radical: loucos, drogados, suicidas. Nesse embate certamente faz-se
necessário posicionar-se frente a uma realidade social que se impõe por todos os
80
lados, na sua face de violência, exploração e segregação. No entanto, para o
psicanalista francês Jacques Lacan, aguentar a miséria do mundo “é ainda entrar no
discurso que a condiciona, nem que seja a título de protesto”. Os profissionais “psi”
da saúde mental, “sabendo ou não, é isso que fazem”(LACAN, 1974/2003, p.516)
A partir dessa afirmação de Lacan, podemos depreender que uma
posição política voltada para uma denúncia da clínica torna-se estéril, pois só reforça
o mesmo modelo que denuncia. Como se posicionar no interior desse discurso sem
reforçá-lo? Como não permitir que os CAPS repitam a lógica dos manicômios que
durante séculos foram os locais de depósito da miséria do mundo? Como fazer com
que o trabalho desenvolvido na saúde mental não esteja a serviço da higienização
moralizante? São questões de ordem ética que precisam se somar àquelas de
cunho político, para podermos avançar na clínica.
Apostamos que “a escuta como fim”, a partir do referencial da psicanálise,
pode presentificar o sujeito do desejo, construir uma ética do um a um. De fato, é
através desta consideração da dimensão ética do sujeito articulado ao seu desejo,
que podemos reinventar os espaços e ferramentas do cuidado clínico da
enfermagem, ou seja, as nossas práticas desenvolvidas nesses serviços de saúde
somente proporcionarão a metabolização do traumático pela via da escuta como fim.
Tais práticas tornam-se terapêuticas quando o profissional da saúde apoia-se na
transferência ocupando o lugar de suposto-saber, destinando assim espaços para
que o sujeito em sofrimento psíquico ao ser escutado fale, possa atribuir significados
a sua vivência, a sua demanda de ajuda, de sua subjetividade, historicidade e
condições concretas existenciais.
4.3 Análise da formação ideológica médico-científico-capitalista
Para situarmos como analisamos a formação ideológica que perpassa o
discurso dos enfermeiros acerca da escuta em saúde mental retomamos o conceito
de formação ideológica de Pechêux, que remete à estrutura na qual se fundam as
diversas formações discursivas encontradas, determinando o que pode e deve ser
dito a partir de uma posição que o discurso ocupa numa conjuntura dada
(PÊCHEUX, 1997) Sendo assim, buscamos um posicionamento ideológico dos
81
sujeitos verificando os possíveis sentidos para os quais eles apontam.
Entendemos que as formações discursivas encontradas neste estudo
apontam para uma formação ideológica que convencionamos chamar “médicocientífico-capitalista”, por considerarmos que ela conjuga elementos do saber
médico em sua configuração moderna, ou seja, pautada pela racionalidade
científica, ao mesmo tempo em que se submete à lógica de produção do discurso
capitalista. Este discurso capitalista busca dominar o saber científico engendrando o
laço social entre o sujeito e o Outro, desta maneira, tende a reduzir o objeto do
desejo à condição de mercadoria, como objeto de consumo.
Para subsidiar essas afirmações, pautamo-nos na discussão introduzida
por Quinet (2002) à partir de uma retomada da teoria dos discursos em Lacan. No
seminário intitulado “O Avesso da Psicanálise”, Jacques Lacan (1992-1969/1970)
pontua quatro discursos que aparelhariam o laço social entre o sujeito e o outro.
Quinet (2006) entende o discurso como laço social, ou seja as modalidades
possíveis de relação entre o sujeito e o Outro. De acordo com Lacan (19921969/1970), os laços sociais sustentam os quatro discursos que são representados
topologicamente pelos seguinte termos: as letras S 1 (o significante unário); S2 (o
saber); objeto a (o objeto causa do desejo) e $ (o sujeito dividido), que vão se
distribuir na equação abaixo, podendo ocupar quatro lugares:
agente
____________
outro
___________
verdade
produção
Estes quatro lugares podem permutar de modo circular, produzindo, pois,
quatro configurações de quatro possibilidades de discurso:
82
Figura 2 – os quatro discursos segundo Jacques Lacan
O primeiro deles, discurso do mestre, caracteriza-se por ser um discurso
onde o poder está nas mãos de um mestre ou senhor que é aquele que domina.O
agente aqui é o significante mestre (S1), que representa o sujeito na cadeia
discursiva. Ele leva a produção de um saber que encobre a verdade, ou seja, o fato
de que o sujeito é dividido, castrado. Podemos pensar aqui nas sociedades feudais,
por exemplo, onde o mestre\senhor detém a verdade do escravo. Mas, segundo
Quinet (2002) também podemos reconhecer traços deste discurso naquelas
situações onde o médico é aquele que manda (prescreve) e o paciente é aquele que
obedece.
No discurso do universitário, percebemos um deslocamento importante no
lugar do saber. O mestre não é mais aquele que governa, mas ele precisa se apoiar
em um saber outro para afirmar sua verdade. É o caso, por exemplo, de quando ao
escrever um trabalho acadêmico, o autor precisa estar a todo momento buscando
outros autores para referenciar e assim, garantir a legitimidade de suas afirmações.
Segundo Quinet (2002) na clínica, temos um exemplo desse discurso quando o
médico faz uso do saber psiquiátrico para ensinar ou convencer seu paciente,
impondo uma ação corretiva no intuito de normalizar a sua queixa.
O discurso histérico é aquele que coloca o Outro em uma situação de
divisão subjetiva, onde ele vacila em sua verdade, obrigando-o a produzir um saber.
Era o que as histéricas da época de Freud faziam com seus médicos, aos deixaremnos atônitos frente a suas manifestações sintomáticas que não correspondiam à
anatomia nem à fisiologia. Foram elas, com seus sintomas que levaram Freud a
produzir um saber: a psicanálise. Como afirma Quinet (2002), ainda hoje, quando o
médico se vê impulsionando a se deter, a estudar e a escrever para produzir um
saber provocado pelo caso de um paciente estamos no discurso histérico.
83
O discurso do analista é aquele em que o outro sai do lugar de
especialista, abstém-se de fornecer um saber pronto e se cala, permitindo ao sujeito,
sob transferência, produzir algum saber sobre o que lhe acontece.
Além
desses
quatro
discursos,
Lacan
(1992-1969/1970)
vai
posteriormente elaborar um quinto, intitulando-o discurso capitalista, que se
relaciona diretamente com a ciência, pela inversão da parte esquerda do discurso do
mestre:
Figura 3 – O discurso capitalista segundo Jacques Lacan
Essa modalidade de discurso se diferencia das restantes por ser a única
que não estabelece laços sociais entre o sujeito e o outro. O que ele articula são
sujeitos à gadgets, objetos de consumo rápido, que supostamente poderiam aplacar
o mal-estar do sujeito. Por exemplo, é o celular de último modelo, o computador de
última geração, parceiros virtuais, dispositivos conectáveis e desconectáveis ao
alcance da mão. Como afirma Quinet (2002, p.36):
Esse discurso promove um autismo induzido e um empuxo-ao-onanismo
fazendo a economia do desejo do Outro e estimulando a ilusão de
completude não mais com a constituição de um par, e sim com um parceiro
conectável e desconectável ao alcance da mão. Isso pode efetivamente
levar à decepção, tristeza, tédio e nostalgia do Um em vão prometido ou a
diversos tipos de toxicomanias entre as várias doenças do discurso
capitalista.
A ciência moderna, ao associar-se ao discurso capitalista, entra nessa
mesma ordem que impõe um ideal de completude, fazendo o sujeito crer que é
possível aplacar a falta, a dor e o sofrimento, desde que se disponha do instrumento
adequado. No caso da psiquiatria, esse instrumento passa a ser o benzodiazepínico
da vez, o anti-depressivo de última geração, e até mesmo o diagnóstico que, ao
84
nomear o sofrimento, cria a ilusão de apaziguamento.
As formações discursivas “A escuta no discurso biomédico”, “A escuta no
discurso da enfermagem vocacional religiosa” e “A escuta no discurso psicossocial”
demonstram que os discursos sobre a escuta do sujeito em sofrimento psíquico
emergem da formação ideológica “médico-científico-capitalista”, como podemos
demonstrar na figura a seguir:
Figura 4 – Representação das formações discursivas e a formação ideológica
encontradas nessa pesquisa.
Por essa
lógica,
o sujeito
em
sofrimento psíquico
encontra-se
segmentado ideologicamente e politicamente. Seu destino é a observação dos seus
sintomas que remete a uma intervenção embasada na racionalidade médica
cartesiana, corroborando assim com a supremacia que o método científico mantém
perante a escuta do sofrimento.
Podemos dizer que a escuta do sujeito, a partir do referencial que
adotamos nesse estudo, é um recurso pouco utilizado pelos enfermeiros, haja vista
que o predomínio é a escuta pautada no método científico, fortemente guiada pela
nosologia
psiquiátrica
que
busca
organizar
características
visíveis
e
comportamentais dos sujeitos em torno de quadros diagnósticos mais frequentes
85
nos serviços de saúde. Através dessa escuta como meio destina-se a
medicalização do social, da cidadania e do sofrimento.
O discurso capitalista assegura o interesse de readaptação social de
instituições especializadas na psiquiatria e os investimentos lucrativos em
laboratórios que criam novas patologias como pretensão de vendas de
medicamentos. Essas ditas novas patologias apenas correspondem a limitados
diagnósticos que sempre existiram no CID-10 que não reconhece a divisão do
sujeito em suas diferentes estruturas.
A escuta desenvolvida pelos enfermeiros pauta-se na observação do
comportamento do paciente, vigiando o que ele faz, estabelecendo ordens, impondo
preceitos religiosos, atuando sobre o corpo anatomofisiológico; enquanto o sujeito
em sofrimento psíquico é coadjuvante no cuidado prestado, como apenas relator de
sua queixa. O sujeito não participa diretamente do seu cuidado, apenas é fracionado
em encaminhamentos à especialistas ou em internações.
Percebemos que tanto o discurso do mestre quanto o discurso do
universitário surgem nos discursos dos enfermeiros sobre a escuta. No primeiro, o
enfermeiro ocupa o lugar da verdade; na posição de agente, o significante mestre;
no lugar do outro, um saber já dito. A escuta comparece apenas como meio para
obter as informações para que o enfermeiro no lugar de mestre, decida como
intervir. No discurso universitário, a escuta ocupa a posição de agente ordenando o
outro, que submetido ao discurso científico, fica relegado à condição de objeto.
Mesmo entre os enfermeiros perpassados pelo discurso psicossocial,
percebemos que, no plano da intervenção clínica, a escuta ainda é aquela centrada
no modelo médico científico atravessado pelo discurso universitário onde o
enfermeiro ocupa o lugar do agente e o saber em pauta é aquele acerca da doença
enquanto foco do olhar no cuidado clinico em saúde mental. Nas palavras de Kyrillos
Neto (2009), a Reforma Psiquiátrica proporcionou uma “inversão de investimentos”
propondo
que
a
psiquiatria
não
abordasse
exclusivamente
a
doença
e
compreendesse o sujeito enquanto usuário inserido no corpo social. Em
contrapartida, o mesmo autor acrescenta que percebe uma ausência da dimensão
clínica diante das ações realizadas pelos profissionais nos serviços substitutivos de
saúde mental, pois o que acontece ainda hoje é apenas o deslocamento de
cuidados baseados no modelo biomédico para cuidados no modelo psicossocial.
86
Dessa forma, a demanda de cura dos sujeitos é revertida para a demanda
de inclusão. Sua patologia é definida pela exclusão social concreta. A
localização de sua demanda não emerge do sofrimento psíquico
individualizado, mas do sofrimento atinente à posição de classe (KYRILLOS
NETO, 2009, p.41).
Sob influência da formação ideológica “médico-científico-capitalista”, os
discursos dos enfermeiros apontam que a demanda dos sujeitos que chegam aos
serviços de saúde mental, é objetificada em posições no universo do consumo e do
trabalho, onde ele é usuário de algum tratamento disponível, um executador de
trabalhos manuais, artesanais e grupais, apontando para uma perspectiva de
inclusão social no mundo do trabalho.
Esse sujeito é um consumidor de um saber que é imposto desde fora,
pela equipe de saúde que decide sobre suas necessidades e demandas. Imposto
pelo comando do enfermeiro que ocupa aquele espaço naquele momento para
assegurar o funcionamento do cuidado a ser realizado. Exposto no sentido de se
assujeitar ao que está à vista, ao que foi autorizado extrair daquele lugar, daqueles
enfermeiros. Ideologicamente, sua própria condição de sujeito é negada quando
necessitam serem escutados.
Para Casagrande (2011), esse sujeito da civilização científica concernida
pela psicanálise não é outro senão o sujeito constituído na relação particular do
processo de produção econômica sob a determinação das relações de produção
capitalista – um sujeito histórico e materialmente determinado, pois toda prática
científica é antes de tudo prática social.
Cada enfermeiro projetou discursos assumindo uma posição nos serviços
de saúde mental. Ao fazer isso, o enfermeiro retomou memórias discursivas
entretanto, sob o efeito ideológico, esquecendo na maioria das vezes que não é a
fonte do dizer. Dessa forma, os enfermeiros assumem a responsabilidade por suas
práticas e pelo que foi dito a partir da “determinação do complexo das formações
ideológicas (e, em particular, das formações discursivas) no qual ele é interpelado
em ‘sujeito-responsável”(PÊCHEUX,1997, p.214)
As formações discursivas encontradas nesse estudo materializadas pela
formação ideológica “médico-científico-capitalista” no âmbito dos serviços de saúde
mental, acercam o sujeito e corporificam os efeitos ideológicos no contexto onde
87
este se insere. Por exemplo, o enfermeiro fala como escuta o sujeito em sofrimento
psíquico reproduzindo condutas da psiquiatria tradicional. Então, a escuta torna-se
reduzida a apresentação sintomática do fenômeno do adoecimento, limitada pelo
método científico que, de acordo com Fink (1998), visa apenas o sujeito cartesiano,
consciente, detentor de seus próprios pensamentos. Esse discurso surge porque foi
autorizado pelo Estado, pelas políticas públicas e, no plano micro, pelo serviço de
saúde, que aparecem legitimando a formação ideológica. Podemos perceber essa
legitimação, por exemplo, quando a admissão do paciente, o financiamento e até
mesmo a alta, continuam a ser subordinadas ao estabelecimento de um código na
Classificação Internacional de Doenças – CID. Este é um dos elementos que
denunciam o caráter central que o modelo médico-científico-capitalista ainda ocupa
no discurso que perpassa os serviços de saúde mental propostos pela Reforma
Psiquiátrica.
Alberti e Couto (2008, p.19) afirmam que, para além das palavras de
ordem da inclusão social, é essa relação com o Estado que denuncia a submissão
da Reforma Psiquiátrica brasileira ao discurso do mestre:
Concordamos que a reforma psiquiátrica está no discurso do mestre, mas
não são as palavras de ordem, a reivindicação da cidadania dos usuários,
as responsáveis pela mestria desta reforma. Nossa hipótese é: a reforma
psiquiátrica brasileira é perpassada pelo discurso do mestre, porém mesmo
com as leis e portarias que a legitimam, que respaldam as palavras de
ordem, os slogans e o resgate da cidadania dos usuários como a principal
função da reforma psiquiátrica brasileira, a clínica psicanalítica demonstra
que esse discurso fracassa. Nossa referência é a formulação de Lacan
sobre o discurso do mestre, pois este guarda relações estreitas com o
Estado. É questionando a relação entre o Estado e o discurso do mestre, a
partir da impossibilidade de governar, que se tem a indicação de que a
aprovação de leis e portarias não é suficiente para garantir o funcionamento
de certas iniciativas, principal¬mente iniciativas nas quais está em questão
a saúde mental que visa fundamentalmente o sujeito.
Como ruptura dessa discussão, acreditamos na escuta do sujeito, que se
debruça sobre aquilo que não funciona, que angustia, que representa um sintoma,
pois é a partir deste que cada sujeito tem a possibilidade de aceder ‘a sua verdade
inconsciente, a verdade do desejo. Para tanto, precisamos desenvolver um cuidado
de enfermagem em saúde mental pautado por uma clínica que compreenda a
inscrição do sujeito do inconsciente. Isto requer a construção de estratégias,
técnicas e posterior leitura dos efeitos que tal registro implica nas escolhas de vida
de um sujeito. Como podemos apreender com Lacan (1978):
88
O inconsciente é esse capítulo de minha história que é marcado por um
branco ou ocupado por uma mentira: é o capítulo censurado. Mas pode ser
resgatada, na maioria das vezes, já que está escrita em outro lugar. A
saber: nos monumentos - e esse é o meu corpo, isto é, o núcleo histérico da
neurose em que o sintoma histérico mostra a estrutura de uma linguagem e
se decifra como uma inscrição que, uma vez recolhida, pode ser destruída
sem perda grave; nos documentos de arquivo, igualmente - e esses são as
lembranças de minha infância, tão impenetráveis quanto eles, quando não
lhe conheço a procedência; na evolução semântica - e isso corresponde ao
estoque e às acepções do vocabulário que me é particular, bem como o
estilo da minha vida e a meu caráter; nas tradições também, ou seja, nas
lendas que sob forma heroicizada veiculam minha história; nos vestígios,
enfim, que conservam inevitavelmente as distorções exigidas pela
reinserção do capítulo adulterado nos capítulos que o engendram e cujo
sentido minha exegese restabelecerá (LACAN, 1978)..
Podemos perceber, então, que o termo sujeito empregado aqui não tem
como finalidade designar a pessoa que sofre, nem tem o caráter de marcar a
substancialidade do ser humano. É uma posição que marca o desconhecimento do
homem de sua própria condição de sofredor e pode ser observado como um efeito,
resultado de sua divisão pela linguagem. Assim, é o processo de entrada na
linguagem que possibilita a emergência desse sujeito.
Na clínica do sujeito, o que importa é a realidade do sujeito, não a
realidade em si. Nessa perspectiva, a escuta passa a ser uma estratégia para o
desenvolvimento do cuidado clínico em enfermagem, enfocando nesse processo a
responsabilização do sujeito à medida que esclarece que cada um pode atribuir
significados ao que lhe angustia, falar aquilo que era impossível de ser dito.
Acreditamos que o enfermeiro realizando uma escuta a partir do que o
sujeito fala do seu sintoma, não visando logo a eliminação deste sintoma, podem
promover um cuidado clínico mais comprometido com o desejo do sujeito. Além
disso, estes enfermeiros apropriados dessa escuta podem possibilitar que o sujeito
elabore um modo diferenciado de posicionamento frente ao seu mal-estar.
No capítulo a seguir, apresentamos como, ao serem escutados na sua
posição de sujeitos, os enfermeiros entrevistados também trazem pontos de ruptura
em relação ao discurso estabelecido.
4.4 Análise dos pontos de ruptura no discursos dos enfermeiros
89
Aqui nos propomos a discutir as rupturas encontradas na linearidade da
sequência discursiva dos enfermeiros acerca da escuta no cuidado clínico ao
sofrimento psíquico. O que estamos chamando de pontos de ruptura são estruturas
discursivas que desarmonizam a lógica do enunciado, presentificando algo do que
está fora da estrutura, algo do vazio, ou seja, do lugar do sujeito. Elas podem ser
identificadas através do silenciamento, do ocultamento, da negação, mas também
através dos lapsos e chistes.
Em geral, os enfermeiros tomam seus ditos como completos, verdadeiros,
totalmente sem falhas. São discursos engendrados pelas condições de produção
homogêneas que se relacionam a uma domínio ideológico (PECHEUX, 1997). De
acordo com Foucault (2004, p. 8-9), “[...] em toda sociedade a produção do discurso
é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída”. Existem
procedimentos que delimitam o discurso, interditando o direito de dizer tudo em
qualquer lugar, ou seja, regulam o que pode e deve ser dito.
Esses discursos considerados fechados e estáveis absorvem o sujeito
levando-o a crer que é um sujeito-pleno, sem falhas, como foi pensado por Pêcheux
em Discurso e Semântica (1997). Após três anos da publicação deste texto,
Pêcheux faz uma auto-crítica publicada sob o título “Só há causa daquilo que falha”.
Nesse sentido, Pêcheux realiza aproximações teóricas com Authier e propõe a
heterogeneidade no discurso como uma irrupção da exterioridade no interior das
formações discursivas (MALDIDIER, 2003).
Quando no tópico anterior analisamos as formações discursivas,
estávamos nos detendo no que o “’eu” do enunciador pensa falar - ilusão narcísica que se constitui basicamente pela interferência do interdiscurso (SANTOS, 2012).
Aqui neste tópico, o que nos interessa discutir são os pontos de ruptura
que se apresentam na heterogeneidade discursiva. A heterogeneidade no discurso é
ressaltada pela presença dos pontos de ruptura, ou seja, por todo enunciado que
rompe com as formações discursivas projetadas pela formação ideológica.
Percebemos essas rupturas nos discursos dos enfermeiros a seguir:
a gente costuma começar à estimular a fala dela, para que ela venha
colocar pra fora aquele sentimento e ajuda aquela dificuldade de aceitar o
que se passa com ela [...]a escuta realmente ao paciente é fundamental
[...]a gente escuta somente se ela permitir também, tudo conforme a
aceitação da paciente [...]Porque a gente entende que uma diabetes
90
compensada, uma hipertensão descompensada não acompanhada chega a
causar agitação no paciente e às vezes ele nem está em surto pela
condição mental e sim por outra situação que está causando um
desconforto pra ele. Esses desconfortos fazem parte até da própria situação
familiar. Então a grande dificuldade que a gente tem é a conquista e a
confiança, porque ele precisa acreditar na gente pra poder começar à liberar
a fala, as iniciativas, a sua própria necessidade, pra ele vir falar as próprias
necessidades (Enfermeiro 5)
A gente escuta muito. A gente procura falar pouco. Não existe perguntas
fixas. Vai de acordo com o andamento da conversa e as vezes a gente só
interrompe a questão de (...) a gente só interrompe quando tem alguma
coisa que não foi esclarecida (Enfermeiro 6)
A gente tenta escutar para ele dizer o quê que está machucando. A escuta
é muito importante quando você está fazendo outra atividade com ele e não
está direcionada, assim (...) O que você está sentindo? Então perguntas
elaboradas elas não funcionam muito (Enfermeiro 2)
Os efeitos de ruptura surgem, muitas vezes, quando não nos remetemos
diretamente à presença do outro no discurso mas, sim, à Outra cena: o inconsciente,
que se manifesta no chiste, lapso, negativa, atos falhos etc.
Então, podemos dizer que essa concepção de heterogeneidade
discursiva atravessada pelo inconsciente se articula com aquela de sujeito enquanto
efeito de linguagem: descentrado, dividido, clivado, barrado. Para a psicanálise, o
sujeito não se encontra no interior de um discurso homogêneo, mas na diversidade
do discurso heterogêneo, produzido pelo sujeito falante (BRADÃO, 2004). Esse
sujeito através do qual fala o Outro, é o sujeito do inconsciente. Este difere do eu,
unidade imaginária constituída na relação especular com o outro. No Seminário II,
Lacan aborda que “há dois outros que se devem distinguir, pelo menos dois - um
outro com A maiúsculo e um outro com a minúsculo, que é o eu. O Outro é dele que
se trata na função da fala (LACAN, 1985, p. 297).
Em outro trabalho denominado “O Estádio do espelho como formador da
função do eu” Lacan (1949/1998) fala da estruturação de eu (Je) como posição
simbólica do sujeito e ao mesmo tempo o surgimento de um eu (moi) como
construção imaginária. Ele utiliza esses pronomes (Je) e (moi), que possuem o
mesmo significado na língua francesa, para diferenciar o eu como instância
imaginária, do sujeito do inconsciente. O (moi) significa ego, o eu da consciência , do
significado, da lógica do princípio da realidade. Já o (Je) é $, sujeito dividido desde
de sempre, porque fala, sujeito do inconsciente, que só aparece nas falhas do
91
discurso.
Esse sujeito como efeito da linguagem não diz tudo porque inexiste o
conjunto de todos os significantes, ao Outro também falta um significante que
poderia completá-lo. Logo, todas as palavras de uma língua são insuficientes para
conseguir expressar o que o sujeito do inconsciente deseja que é, muitas vezes,
proibido, interditado, indestrutível, insuportável para o Eu. No Seminário - a relação
de objeto, Lacan (1962-63, p.35) retrata esse sentimento que falta algo ao dizer:
“Jamais, em nossa experiência concreta da teoria analítica, podemos prescindir de
uma noção da falta do objeto como central. Não é um negativo, mas a própria mola
da relação do sujeito como o mundo”. Considera-se essa falta não como um
encaixe, não como algo harmonioso, mas que escapa ao equilíbrio e que fica como
fonte geradora de mal-estar.
O sujeito sempre procura tamponar essa falta, tomando o outro por objeto
do seu próprio desejo. Mas esse desejo é irrealizável e impossível de simbolização
totalizada, ou seja, o sujeito não consegue dar significantes a tudo que o implica.
Desse modo, rompe-se a ilusão de totalidade e essa ruptura é uma divisão com
resto: “esse resto, esse Outro derradeiro, esse irracional, essa prova e garantia
única, afinal, da alteridade do Outro, é o a” (LACAN,1962/2005).
Segundo Fink (1998), o sujeito passa a se apegar ao objeto a (desejo do
Outro como causa do desejo do S) como forma de ignorar sua divisão e é esse
mecanismo que Lacan vai chamar de fantasia, formalizando-o no matema $ ◊ a
(sujeito dividido em relação ao objeto a). É nessa relação complexa, que Lacan
descreve como “envolvimento-desenvolvimento-conjunção-disjunção”, que o sujeito
obtém uma sensação fantasmática de completude, preenchimento e bem-estar.
Assim, é na escuta da fantasia que o analista percebe como o sujeito gostaria de
estar posicionado com relação ao desejo do Outro.
Para Quinet (2002), “a fantasia é o quadro que o sujeito pinta para
responder ao enigma do desejo do outro; é sua forma de tampar cenicamente o furo
no Outro (S(A)) – a incompletude do todo da linguagem - que lhe retorna como
castração.” Além disso, é uma imagem construída sobre uma frase, ou seja, ela não
é apenas imaginária, mas contem uma estrutura significante. É essa estrutura
significante que vai permitir ao sujeito considerar-se o “diretor da cena”, saindo da
mera condição de alienado do desejo do Outro.
92
Durante essa Outra cena, podem aparecer a negativa como forma de
tentar recalcar o exterior de uma sequência lógica; de abandonar os sentidos que
vêm do já dito no dizer presente. A negativa manifesta-se no momento em que o
sujeito nega já considerando a afirmação, muitas vezes, ele não reconhece que seu
dito está relacionado ao lugar que o autorizou a falar (INDURSKY, 1990). Para Freud
(1996, p.263) a negação é considerada um mecanismo inconsciente usado para
liberar o que está recalcado, uma vez que “o conteúdo de uma imagem ou idéia
reprimida pode abrir caminho até a consciência, com a condição de que seja
negado”.. Identificamos esse mecanismo nos discursos dos enfermeiros que negam a
prática de escuta ao sofrimento psíquico como sua responsabilidade e passam essa
função à outros profissionais.
Aqui é o seguinte (...) que é quem vai cuidar daquele sujeito, pode ser o
psicólogo, o terapeuta ocupacional, o arteterapeuta, o psicopedagogo, o
psiquiatra, como até mesmo uma pessoa da limpeza, no modo geral, quem
trabalha num hospital psiquiátrico, tem que ser uma pessoa que possa
trabalhar no geral. Tem que ser acompanhado atééé a alta né? Então ele
passa pelo assistente social, que é acompanhado pelo psicólogo, pelo
próprio médico que o internou, tem essa coisa todinha (Enfermeiro 4).
Outro ponto de ruptura que se refere a negação, é na afirmação dos
enfermeiros que a escuta é importante, mas negam sua aplicabilidade, retornando ao
que está autorizado a falar.
A escuta é o principal instrumento de enfermagem. Não, não assim (...) é é
é é (...) a gente geralmente aborda o paciente [...] O relacionamento sem a
escuta, sem a comunicação, o paciente e o corpo de enfermagem, ou corpo
da psicologia, do serviço social, na verdade o relacionamento terapêutico
não existe (Enfermeiro 2).
A negação do discurso relaciona-se com a política do silêncio e
silenciamento na medida em que se encontra “a cisão entre o que pode ser e o que
não pode ser dito” (GOMES, 2005, p. 33). O silêncio faz parte do acontecimento
discursivo e integra uma sequência de enunciados dentro de um contexto discursivo.
A maioria dos entrevistados ficavam em silêncio quando se depararam com minha
solicitação para que falassem sobre como escutava os sujeitos em sofrimento
psíquico. As diversas pausas de silêncio possibilitaram a construção de metáforas
da prática da escuta como: ver, olhar, manejar, referenciar, vigiar, atentar etc.
93
O silêncio aqui não quer dizer que algo está implícito; ele é na verdade é
uma nova forma de enunciação em relação à exterioridade onde ele é produzido . E
“se a linguagem implica silêncio, este, por sua vez, é o não dito visto do interior da
linguagem. Não é o nada, não é o vazio sem história. É silêncio significante”
(ORLANDI, 1995, p. 23). Podemos identificar o silenciamento, na elaboração do
discurso do enfermeiro, no momento que ele esquece o que ia dizer ou não quis
dizer, provocando assim uma falha do discurso institucional.
[ficou um minuto em silêncio] Como se fosse um, um, um (...) como se fosse
um (...) não sei dizer (...) como se fosse um branco que deu nele. Aí ele diz:
porque estou fazendo isso? Eu digo: mais homem, você estava tão bem. Eu
começo conversar com ele, buscando, buscando (...) (Enfermeiro 7)
De acordo com o Gomes e Cabral (2010), o ocultamento encontra-se na
ruptura do delineamento lógico das frases que, ideologicamente, estão escondidos
ou não explícitos para o sujeito na sua história de vida. Um exemplo do ocultamento
está codificado nos discursos logo abaixo quando os enfermeiros se questionam
para dizer algo sobre como realiza a escuta:
Como eu escutar? (...) Geralmente é (...) de forma de que? (...) de qual
forma? (...) todo geral? (...) eu (...) para com (...) quando o paciente, eu
converso com o paciente (Enfermeiro 4)
Como eu escuto? Aqui no hospital? Geral né? A gente (...) como eu falei
(...) A gente (...) primeira coisa, assim (...) porque? (...) Você pode até nunca
entrar em contato, como enfermeiro, como um paciente (Enfermeiro 2)
Outro enfermeiro também codifica o ocultamento como uma dimensão da
discursividade através do chiste. Ele não sabe o que diz o que seria a escuta e
começa a rir. Freud (1995) diz que o chiste promove um desconforto, entretanto logo
se busca um esclarecimento:
Eu não consigo não (risos) num consigo não (risos). A gente faz o grupo
terapêutico né? (...) dinâmicas, entretenimento (risos). Não geralmente,
não sei como digo. Nãoo (...) planeja- se assim, porque assim (...) depois
num num logo nos primeiros momentos, eu num tinha idéia (Enfermeiro 6).
Além desses pontos de rupturas no discurso, construímos um novo
94
dispositivo de análise do discurso que denominamos de intertextualidade . Este
dispositivo nos possibilita identificar quando um sujeito se utiliza de uma significação
construída a partir de suas próprias cadeias significantes para dar sentido ao
discurso do outro. Por exemplo, o enfermeiro fala sobre como escuta o sujeito,
trazendo suas implicações:
A escuta é fundamental, muito embora esse trabalho seja de toda a equipe,
mas a enfermagem faz com muito amor, com muito desejo de que o
paciente venha a ser compreendido. A gente quer ser compreendido porque
na realidade nós temos nossas dores, nossas angustias, a gente também
que ser escutado, quer saber escutar, saber repassar aquela escuta de uma
forma positiva (Enfermeiro 8).
O discurso do enfermeiro a seguir também aborda suas implicações no
cuidado clínico ao sofrimento psíquico, explicando a queixa de um paciente numa
análise da posição de sujeito.
- Novela. [o enfermeiro atribui um tema para iniciar a escuta] - Vocês estão
assistindo essa novela? O quê que vocês acham dessa mulher, dessa atriz?
Pra ver a visão dela em relação ao comportamento das outras pessoas, se
você perguntar: - Você faz isso? Ai não, não assim, eu digo assim [nega
uma afirmação]: - O que você acha? - Eu acho ela bonita, ela é pra frente,
eu gosto do jeito dela [seria a fala da paciente] Então você começa a ver
que ela queria ser desse jeito, ser autêntica, queria ser igual aquela atriz,
mas ela não tem coragem, assim, a vida dela. Então, a religião dela [a
religião possui o significado de pai, marido], o pai dela, alguém criou ela
assim de uma forma muito castradora, e ela não consegue se livrar disso,
às vezes é dominada, porque o pai tinha uma posição muito dominadora e
em casa o marido também. Então, ela ficou nessa submissão (Enfermeiro
2).
É possível que nesse momento de escuta nos sintamos angustiados com
aquilo que o sujeito fala e aí passamos a adotar algumas atitudes que dificultam o
processo de escuta como: querer resolver logo a situação aconselhando, sugerindo;
adotar uma postura de evitamento e indiferença; encaminhar apressadamente sem
antes saber o que está em questão naquela situação.
Por isso, é importante que todo aquele que se propõe a escutar tenha
algum lugar para onde encaminhar suas questões e suas angústias. A proposta da
psicanálise é trabalhar o inconsciente a partir da análise pessoal. Isso permite
lidarmos um pouco melhor com nosso desejo e questões inconscientes para que
não intervenhamos com nossos sofrimentos e vividos nas questões expostas no
95
decorrer da escuta. Essa possibilidade, no entanto, praticamente não se coloca
como opção durante a graduação em enfermagem, o aluno não entra em contato
com a necessidade de trabalhar seus conteúdos, enquanto para outras categorias,
como a psicologia, é quase uma exigência do curso.
Nesse sentido, a escuta pelos enfermeiros a partir do referencial da
psicanálise possibilitam uma atenção flutuante às entrelinhas do discurso e ao que
não é expresso por palavras, na perspectiva que o sujeito fale do seu sintoma, que
está na lógica da rede de relações da cadeia significante, onde se situa a
subjetividade daquele que sofre.
Podemos dizer que nesse encontro com o sujeito em sofrimento psíquico
é possível saber reformular o que o outro diz, fazendo questionamentos sem
solucionar problemas, sem julgar, interpretar, explicar ou investigar. O profissional
de saúde não precisa se preocupar em eliminar o sintoma, a direção do tratamento é
dada pela associação livre. O importante é manter-se atento para as manifestações
inconscientes e para aquilo que se repete. Portanto, o saber sobre o que acomete o
sujeito não está do lado de quem escuta, mas do lado de quem fala. Cada um traz
no bojo, de seu discurso, as respostas de suas próprias questões.
96
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Análise do Discurso nos indicou um caminho importante para a
construção das formações discursivas, da formação ideológica e dos pontos de
rupturas nos discursos dos enfermeiros sobre a escuta ao sofrimento psíquico.
Enquanto referencial e método de pesquisa, a Análise do Discurso aposta em um
movimento de mudança na forma de realizar a produção do conhecimento e em uma
apreensão diferente das relações do sujeito com o seu discurso.
Evidenciamos que há diversos significados sobre a escuta tanto ao nível
dos discursos como nas práticas voltadas aos sujeitos em sofrimento psíquico.
Assim, é importante destacar que o que está em jogo quando lidamos
concretamente com o sofrimento psíquico, tal como ele se apresenta nos serviços
de saúde mental, não está no âmbito de uma realidade objetiva, já dada de
antemão. Mas de um conjunto de sensações e afetos que só podem ser abordados
a partir da singularidade com que cada sujeito significa sua experiência de vida.
Este estudo tem sua contribuição por promover uma reflexão crítica
acerca da concepção de escuta na perspectiva de superar os olhares reducionistas
sobre a escuta da doença e a escuta a partir de suas próprias questões do
enfermeiro. Entendemos ser necessário aproximar os enfermeiros dessas
discussões sobre a escuta como intervenção a partir do referencial da psicanálise,
97
para que não corramos o risco de utilizá-la indefinidamente, transformando a escuta
em um modismo, um termo esvaziado e que muitas vezes se reduz à coleta de
informações em busca de suprimir logo o sintoma..
Assim, ao se apropriar da escuta pautada pelo referencial da psicanálise,
é possível apreender os aspectos psíquicos do sujeito, tendo em vista que o
inconsciente não compõe uma estrutura física, mas se situa na subjetividade do
indivíduo, na qual para se operacionalizar a clínica psicanalítica não é só deixar o
sujeito falar, é preciso construir a transferência dessa escuta.
Essa escuta passa a ser um espaço privilegiado onde poderá ser possível
a emergência do desejo desse sujeito, desde que, do outro lado, haja alguém em
condições de escutar. Devido a essa condição que se espera do lado de quem
escuta, não podemos falar de uma “técnica”, propriamente dita. Não se trata de
procedimentos padrão a serem executados independente da situação. Para tanto,
destaca-se a associação livre (do lado de quem fala) e a atenção flutuante (do lado
de quem escuta).
O conceito de associação livre propõe que a escuta deve diferir, em
determinado aspecto, de uma conversa comum, na qual se tenta manter um fio de
ligação ao longo das observações. Ele propõe que o paciente possa dizer tudo que
se passa pela cabeça, sem ceder às críticas, objeções. Deve dizer até mesmo aquilo
que acha inteiramente sem importância ou irrelevante. Na associação livre, o filtro
que normalmente é usado nas conversas, para que aquilo que é dito possa se
adequar ao assunto, deve ser então retirado.
Assim como do lado do paciente solicita-se que diga tudo que lhe vier à
cabeça, sem censurar o conteúdo, do lado de quem ouve, exige-se uma atenção
flutuante, ou seja, que a escuta não deve privilegiar a priori qualquer elemento da
fala. Isso implica em deixar funcionar o mais livremente possível a sua própria
atividade inconsciente, suspendendo as motivações que dirigem habitualmente a
atenção. Na saúde, por exemplo, é frequente direcionarmos a escuta para aquilo
que aparece, como por exemplo, a doença. Trata-se exatamente de evitar que isso
aconteça.
Portanto, compreende-se que as intervenções de enfermagem através da
escuta serão possíveis a partir de uma atenção às entrelinhas às rupturas do
discurso. Caso contrário, a constante produção do cuidado clínico em saúde recai
98
novamente no âmbito do modelo biomédico, com uso da escuta pautada no método
científico, que parte de um saber prévio e absoluto que coloca o paciente na
condição de objeto e não de sujeito.
Este estudo possibilitou a evidenciação do discurso dos sujeitos, que por
sua vez ultrapassam as falas propriamente ditas; o método desenvolvido revelou
que a escuta em alguns momentos é citada como inerente ao cuidado de
enfermagem em saúde mental, no entanto, constitui-se em práticas que não
condizem com os supostos conceitos apresentados por esses sujeitos.
Esperamos que essa análise dos discursos dos enfermeiros sobre a
escuta dos sujeitos em sofrimento psíquico contribua para que este instrumento
passe a ser uma estratégia eficaz para o desenvolvimento do cuidado clínico em
saúde mental, que não transite apenas no campo da consciência, mas que
considere o sujeito enquanto participante do seu cuidado. Pois, é através da fala de
cada sujeito que se pode estabelecer uma aproximação com o seu sofrimento,
correlacionando-o à sua história de vida e às significações que este mesmo sujeito
atribui ao seu adoecimento.
Além disso, entendemos que esse assunto não se esgota com este
estudo, tendo em vista a insuficiência de debates sobre o tema na produção de
conhecimento da enfermagem e da clínica do sujeito. No entanto, ao final desta
experiência, pudemos perceber que este estudo pode contribuir de alguma forma
para facilitar a busca de caminhos estratégicos para um agir mais crítico no âmbito
do cuidar clínico de enfermagem em saúde mental.
Apostamos que é a escuta, a partir do referencial da psicanálise, que
considera a dimensão do inconsciente, realizada pelos enfermeiros em qualquer
serviço de saúde mental, pode produzir efeitos que presentifica o desejo do sujeito,
que por vezes, aparece apenas marcada pela formação ideológica “médicocientífico-capitalista”.
As discussões sobre a escuta no cuidado clínico de enfermagem estão
postas e as rupturas foram lançadas, que nos possibilitam novos questionamentos,
novas inquietações, novos desafios. Esperamos que a partir daqui, cada enfermeiro
jogue suas cartas considerando os questionamentos que o movem.
99
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111
1/3
APÊNDICE 1 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Caro (a) enfermeiro (a),
Este é um convite para você participar da pesquisa: A ESCUTA NA PRODUÇÃO DO CUIDADO
CLÍNICO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL, sob a responsabilidade da pesquisador
Deivson Wendell da Costa Lima. Sua participação é voluntária, o que significa que você poderá
desistir a qualquer momento, retirando seu consentimento, sem que isso lhe traga nenhum prejuízo. A
pesquisa tem como objetivos geral: analisar os discursos dos enfermeiros sobre a escuta na produção
do cuidado clínico em saúde mental; e objetivos específicos: conhecer as formações discursivas dos
enfermeiros acerca da escuta em saúde mental; identificar quais os saberes que perpassam essas
formações discursivas; discutir como esses discursos se articulam nas práticas de cuidado
desenvolvidas por estes enfermeiros. Caso decida aceitar o convite, você será submetido(a) ao(s)
seguinte(s) procedimentos: inicialmente, você participará de uma entrevista que é composta por duas
perguntas norteadoras para produção dos discursos. A realização das entrevistas acontecerá na sua
instituição de saúde em horários previamente agendados, de modo que não interfira negativamente nas
suas rotinas de trabalho. A entrevista será gravada e posteriormente transcrita e arquivada em
computador pessoal da pesquisador. Você poderá ter acesso, ao final da pesquisa, a todas as
informações resultantes do estudo. Os registros apresentados serão devidamente guardados, sob a
responsabilidade da pesquisador, sendo mantido o sigilo das informações, por um período de cinco
anos, após o qual serão destruídos. Enfatizamos que no processo de desenvolvimento da investigação
sua identificação em nada será revelada, garantindo o sigilo e anonimato de todas as informações
referidas. Os possíveis riscos envolvidos com a sua participação na pesquisa são: constrangimento
emocional no momento da entrevista e invasão de privacidade, por se tratar do relato de experiências
profissionais. Por sua vez, os riscos serão minimizados através: do esclarecimento acerca do tema e
fornecimento das informações necessárias durante as perguntas caso você encontre alguma dificuldade
ou insatisfação; serão respeitados os princípios de privacidade e confidencialidade, visando garantir o
sigilo das suas vivências; além de agendar previamente a coleta de dados para que você se organize e
não deixe que a coleta atrapalhe nas suas demais atividades. Você terá os seguintes benefícios ao
participar da pesquisa: a possibilidade de uma reflexão mais aprofundada sobre a escuta enquanto
112
ferramenta terapêutica. Entretanto, o estudo não lhe acarretará benefícios materiais nem financeiros.
Se você tiver algum gasto que seja devido à sua participação na pesquisa, você será ressarcido, caso
solicite. Em qualquer momento, se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente desta
pesquisa, você terá direito a indenização. Ressaltamos ainda que as informações coletadas no decorrer
da entrevista serão utilizadas para compor os resultados da investigação, as quais serão publicadas em
2/3
revistas científicas e divulgadas em eventos científicos da área das ciências da saúde. Pretendo
contribuir para que a escuta passe a ser uma estratégia eficaz para o desenvolvimento do cuidado em
saúde mental, enfocando a autonomia do sujeito. Você ficará com uma cópia deste termo e toda a
dúvida que você tiver a respeito desta pesquisa, poderá perguntar diretamente para Deivson Wendell
da Costa Lima, no telefone: (84)96356848. Dúvidas a respeito da ética dessa pesquisa poderão ser
questionadas ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte pelo
telefone (84)3318-2596, email: [email protected].
Mossoró/RN, ____ / ____ / _____
_________________________
_________________________
Assinatura do entrevistado(a)
Assinatura do pesquisador(a)
______________________________
______________________________
Testemunhas (caso seja necessário)
Testemunhas (caso seja necessário)
CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO
Declaro que compreendi os objetivos desta pesquisa, como ela será realizada, os riscos e
benefícios envolvidos e concordo em participar voluntariamente da pesquisa: A ESCUTA NA
PRODUÇÃO DO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL, sob a
responsabilidade da pesquisador: DEIVSON WENDELL DA COSTA LIMA.
Autorizo, pois, estou ciente que meu nome não será divulgado na publicação dos
dados, como também entendi que minha participação é isenta de despesas. Concordo
voluntariamente em participar deste estudo e poderei retirar o meu consentimento a qualquer
113
momento, antes ou durante o mesmo, sem nenhum tipo de prejuízo.
Mossoró/RN, ____ / ____ / _____
3/3
_________________________
_________________________
Assinatura do entrevistado(a)
Assinatura do pesquisador(a)
______________________________
______________________________
Testemunhas (caso seja necessário)
Testemunhas (caso seja necessário)
114
ANEXO – FOLHA DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN
PROJETO DE PESQUISA
Título: A ESCUTA NA PRODUÇÃO DO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE
Área Temática:
Pesquisador: Deivson Wendell da Costa Lima
Instituição: Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
- UERN
Versão: 2
CAAE: 04434712.6.0000.5294
PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
Número do Parecer: 60577
Data da Relatoria:
27/07/2012
Apresentação do Projeto:
Trata-se de um estudo descritivo de abordagem qualitativa e será realizado em seis serviços de saúde mental
em Mossoró-RN. Seus participantes totalizam 16 sujeitos que são enfermeiros que atuam nesses setores. Para
a definição do grupo supracitado, há a estipulação de critérios de inclusão/exclusão bem definidos. Como
técnica de obtenção das informações será adotada a entrevista semi-estruturada e para análise dos dados
utilizar-se-á a análise do discurso a partir de Pêcheux. Com relação aos aspectos éticos, os pesquisadores
preveem os benefícios, os riscos e as estratégias para a atenuação destes últimos. Assim como, preveem
ressarcimento e indenização quando as circunstâncias determinarem. Por fim, o orçamento é da ordem de R$
4.140,00, de responsabilidade do próprio pesquisador.
Objetivo da Pesquisa:
Objetivo geral: Analisar os discursos dos enfermeiros sobre a escuta na produção do cuidado clínico em saúde
mental.
Objetivos específicos: Conhecer as formações discursivas dos enfermeiros acerca da escuta em saúde mental;
Identificar quais os saberes queperpassam essas formações discursivas; Discutir como esses discursos se
articulam nas práticas de cuidado desenvolvidas por estes enfermeiros.
Avaliação dos Riscos e Benefícios:
Riscos:
Serão prestados esclarecimentos quanto à inexistência de ônus para o entrevistado, e que a pesquisa não
acarretará nenhum tipo de dano, haja vista que os métodos elencados para a realização da presente pesquisa
não afetam direta ou indiretamente os sujeitos envolvidos. Dessa forma, as informações coletadas terão caráter
sigiloso, não havendo nenhuma menção nominal.Durante a realização da entrevista, o entrevistado poderá
apresentar o temor de ter conseqüências negativas dos seus ditos e o constrangimento a que será submetido o
entrevistado, já que irá expor suas opiniões, atitudes e pensamentos críticos a respeito da temática.
Benefícios:
Ao iniciar a pesquisa, o pesquisador prestará previamente os devidos esclarecimentos aos entrevistados,
deixando claras as questões quanto ao anonimato do entrevistado e a participação voluntária. Também será
apresentado o Termo de Consentimento Livre, o qual deverá ser assinado pelo entrevistado, ainda antes da
entrevista acontecer.No campo da saúde, o segredo profissional demanda amparo legal e proporciona ampla
utilidade prática e social, na medida em que relaciona postulados éticos que carecem ser desempenhados.
Partindo desse pressuposto, o serviço de saúde e o profissional serão protegidos por meio da codificação: os
estabelecimentos não hospitalares receberão uma identificação por (NH) e o hospitalar (H) e, cada sujeito
entrevistado será identificado por (S). Á medida que será efetivada as entrevistas, as letras que identificarem
quer a instituição, quer o profissional, acrescentará um numeral, em algarismo arábico, em ordem crescente.
Destacamos que a entrevista será realizada em sala reservada, sem a presença de qualquer outra pessoa,
mantendo a privacidade do participante para que ele possa ficar à vontade durante toda a coleta de dados.
Evidenciaremos ao entrevistado que ele é um participante voluntário, podendo parar de responder as perguntas
a qualquer momento durante
115
a entrevista.Através dos ofícios de autorização da instituição e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
encaminhados ao Comitê de Ética juntamente com o projeto, o pesquisador assume o compromisso de honrar
os princípios éticos e legais que regem a pesquisa científica em seres humanos, preconizados na Resolução
196/96 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996). Do mesmo modo, consideramos as prescrições da
Resolução n.o 311/2007, que trata do Código de Ética dos profissionais de enfermagem, ressaltando as
disposições presentes no seu capítulo III, que trata da produção científica (COFEN, 2007).
Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:
O projeto em questão apresenta-se coerente no que se refere ao delineamento metodológico, em cumprimento
aos objetivos propostos. Construído sob a égide da resolução 196/96, estão assegurados os elementos
fundamentais que resguardam os direitos humanos e o respeito à Ética da pesquisa.
Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:
Foram apresentados: Projeto de pesquisa na íntegra, Folha de Rosto, TCLE, instrumento de coleta dos dados
(inserido na própria metodologia), Cronograma respeitando o período de apreciação por parte do CEP-UERN,
Orçamento e Carta de Anuência.
Recomendações:
Não há.
Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:
A pesquisa é relevante à medida que busca refletir acerca dos discursos dos enfermeiros que atuam em saúde
mental no tocante à escuta na produção do cuidado clínico. Seus resultados certamente contribuião para a
transformação do status quo da saúde mental em Mossoró-RN.O protocolo apresentado atende às
recomendações da resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 196/96, podendo ser executado a partir da
liberação deste parecer. Após o período de realização da pesquisa, o pesquisador deverá preparar um relatório
final, conforme modelo contido na home page deste Comitê e em seguida encaminhá-lo a este CEP.
Situação do Parecer:
Aprovado
Necessita Apreciação da CONEP:
Não
Considerações Finais a critério do CEP:
Protocolo Aprovado!
24 de Julho de 2012
LUCIANA ALVES BEZERRA DANTAS ITTO
Assinado por:
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